Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Skype ou What’s Up, foi usada como banda do cidadão com imagem, e foi
também usada como meio para massas reunidas, é verdade, mas por pouco
tempo: houve recepção em lugares públicos, como nos armazéns Harrods’ ou
estações de comboio em Londres, houve recepção em salas de tipo de cinema,
nos Estados Unidos ou durante os Jogos Olímpicos de Berlim. Já num tempo
diferente, a RTP também escolheu a Feira Popular de Lisboa para se apresentar
nas emissões experimentais. Repito: numa feira e numa feira chamada popular
para recepção pública de massas.
Todavia, o modelo que se impôs, a partir dos Estados Unidos, foi o do
media para a família dos subúrbios. Está nos textos de um dos inventores da
formatação do media, David Sarnoff. Dos subúrbios ou da cidade, o importante é
que a televisão se destinou ao lar e à família. A diferença em relação ao cinema é
enorme. Cinema: saía-se de casa, saía-se para ver um filme (às vezes dois, nas
sessões duplas) numa sala própria, em público, no meio de uma multidão.
Televisão: ficava-se em casa para ver, ou podendo ver, o que quer que passasse
num pequeno ecrã, de manhã, à tarde e à noite, num ambiente privado.
Se a esmagadora maioria da produção cinematográfica teve em
consideração um público-alvo ou públicos-alvos, mais ainda tal sucedeu na
televisão, nomeadamente a partir do momento em que foi possível saber quem
viu o quê na véspera ou, no caso, da primeira audimetria, na semana anterior.
Um filme tem uma expectativa de público, mas nada é certo; no caso dos
programas de televisão seriados, que passam todos os dias ou todas semanas,
essa expectativa baseia-se no conhecimento da audiência desses programas
ontem, na semana passada, no mês passado, no ano passado. Também não existe
certeza, mas há uma segurança na decisão de continuar com um programa,
esticá-lo no tempo, ou produzir novas versões ou novos programas nos géneros
de sucesso. Julgo que mesmo o cinema de produção cara não tem as mesmas
garantias de êxito quando repete fórmulas de filmes com super-heróis, etc.
Regresso aos próprios conteúdos. O cinema desenvolveu a sua própria
linguagem de imagem e depois de som e imagem, sendo uma das razões por não
ser em directo, ao contrário de outras artes audiovisuais, como o teatro, a ópera e
outros espectáculos de música, o circo, etc. É uma arte em diferido. Não sendo
em directo, e sendo finalizado através de um registo físico, o filme, o cinema
podia manipular o espaço e o tempo, e as noções de espaço e de tempo, por
processos que nenhuma das outras artes audiovisuais tinha ao seu alcance.
Enquanto todo o cinema era, e é, em diferido, toda a televisão, nos seus
primeiros anos, era em directo, porque não havia meio de a registar. A existência
física do cinema em filme permitiu também a invenção da montagem, ou pelo
menos a elevação da montagem à máxima importância na construção do
conteúdo. Recordo que a montagem temporal da narrativa já existia há muito
3
! de 8
!
2016 11 26 Simpósio LEIRIA
que é a que é pedida, mas não origina alteração nos conteúdos. Poderia
mencionar os resultados falsificados de concursos, que já os houve, e que decerto
haverá mais, mas não temos conhecimento. Poderia mencionar a manipulação
técnica e de edição/montagem dos conteúdos para favorecer determinados
concorrentes que são ou se julga serem alavancas de audiências acrescidas. Mas
quero referir-me em particular à interactividade a que os consumidores são
solicitados através de meios como redes sociais e sites de programas. Essa
interactividade é solicitada, mas não é correspondida. A meu ver, os produtores
querem ter rédea livre para decidir sobre os conteúdos, pelo que aceder à opinião
dos consumidores seria degradar o seu próprio poder sobre os seus programas.
Recordo um estudo sobre recepção de televisão na Índia, já com algumas
décadas, em que os investigadores foram levados à sala dum canal de TV onde
se guardava o correio. As paredes estavam cobertas com muitos milhares de
cartas. Não encontraram um único envelope aberto. Todos fechados. Hoje, o
paradigma desta interactividade é o mesmo, mas finge-se que não é.
O cinema mantém-se à margem de algumas destas questões. Mas há pelo
menos uma que lhe é inescapável: a partilha da mesma linguagem técnica digital
e a possibilidade de recepção em todo o tipo de ecrãs, do iMax ao smartphone.
O facto de partilhar os seus conteúdos com a televisão em grande escala, já tinha
originado um certo género partilhado pelo cinema e pela televisão, o telefilme,
film made for television, mais barato que um filme, mais curto, com poucos
actores, com mais diálogo, com mais grandes planos e planos médios, etc. Não é
carne nem é peixe. As grandes empresas do audiovisual americano vendem-nos
em pacotes como sendo filmes, apesar de muitos nunca passarem por uma sala
de cinema.
Outros desenvolvimentos vieram aproximar cinema e televisão. O receio
da produção do cinema — quais as receitas é uma incógnita — fez diminuir a
variedade do cinema mainstream ao ponto de afastar muitos espectadores das
salas. A melhoria dos equipamentos caseiros, por outro lado, proporciona uma
visão excelente de cinema em casa. E se os filmes e a sua chegada ao ecrã já são
feitos na linguagem técnica digital, há menos razões para a experiência do filme
na sala escura. Tanto mais que a presença em sala de cinema retomou a
insolência das primeiras décadas, quando as pessoas falavam, usavam chapéus
incomodativos, entravam e saíam, levavam bebés de colo, etc. Hoje a insolência
do espectador é falar, entrar e sair, comer e beber e usar o telemóvel.
Deste modo, muitos recursos do media cinema passaram para o media
televisão. Primeiro, o dinheiro. Muitas apostas em conteúdos televisivos têm
receitas garantidas, quer por passarem em canais premium, como a HBO, quer
por terem vendas garantidas a algumas ou muitas dezenas de canais em todo o
mundo. Segundo, os recursos humanos: os realizadores, os argumentistas, os
6
! de 8
!
2016 11 26 Simpósio LEIRIA
gato, o burro o pato, etc. Note-se que o cinema começou com o que hoje
chamamos curtas, fez delas um género, e que a programação televisiva é, em
grande medida, fragmentada, o fluxo em programas, os programas em rubricas e
em intervalos, os intervalos em anúncios, etc. Mas os vídeos da Internet são já
outra coisa, independente, sem controle pelas instâncias de poder no cinema e na
televisão. Ainda usam a linguagem do cinema e a linguagem da televisão, em
especial esta última, mas têm uma autonomia, um poder de atracção e uma
audiência que poderá ter implicação para o futuro no cinema e na televisão.
Finalmente, faço notar que o cinema já incorporou características da
linguagem televisiva e que a televisiva já incorporou os vídeos de telemóvel nos
noticiários e até criou programas próprios com vídeos de gatinhos e de crianças a
cair do baloiço. Mas poderá haver um ponto de viragem, não sei qual, e recuso-
me a prever, em que haja uma maior aproximação, até ao ponto de fusão, entre as
duas linguagens — cinema e televisão — e uma possível nova linguagem, a do
vídeo relaxado, com a sua linguagem de amador, que encontrou o paraíso nas
redes digitais sociais e outras plataformas de partilha.
Para terminar, e, dado que não faço previsões, como acabo de dizer, diria
que as linguagens do cinema e da televisão mantêm a sua autonomia e carácter,
mas tem havido uma progressiva aproximação. Não sabemos se e até que ponto
se fundirão. Quanto ao vídeo, poderá ser possível que, para ter êxito, precise de
melhorar as suas qualidades técnicas, de construção e narrativas, o que, sendo
em grande medida parasitário do cinema e em especial da televisão, poderá
significar uma aproximação a esses media.
8
! de 8
!