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2016 11 26 Simpósio LEIRIA

Cinema e televisão: um roteiro de diferenças e aproximações


Resumo/abstract
Cinema e televisão partilham a mesma característica técnica fundamental — a
disponibilização de som e imagem em ecrãs — mas cresceram de modo diferente
em aspectos fundamentais, como o formato industrial e a forma de apresentação
em público, nomeadamente quanto ao tempo e ao espaço. Essas divergências
motivaram diferenças nos conteúdos, na recepção e no desenvolvimento de
linguagens próprias.
Nesta comunicação, utilizo elementos históricos e da actualidade, para mostrar
semelhanças e diferenças e procurar estabelecer um quadro geral actual resultante
da mais relevante e porventura única revolução mediática dos últimos setenta
anos: a revolução técnica digital, que unificou o processo de produção, emissão e
recepção de media antes quase estanques, como o cinema, a televisão e a
imprensa. Pretendo que a reflexão a partir de informações geralmente
consideradas “óbvias” ajude a esclarecer o que análises especializadas por vezes
não elucidam.
Pretendo dizer com informações geralmente consideradas “óbvias” que muitas
vezes as deixamos de lado, por fazerem parte do que consideramos adquirido.
Mas elas ajudam a explicar, por vezes revelam uma realidade que estava
escondida. Portanto, o que parece óbvio normalmente não é óbvio — ou deixa de
os ser. O filósofo Fernando Gil escreveu um Tratado da Evidência (1993)
precisamente para mostrar como o que parece evidente não é evidente. Espero,
assim, justificar a utilização de factos “evidentes” que me servem para alinhar o
argumento desta comunicação.

Depois de 1940, a Metro Goldwin Mayer decidiu deixar de produzir 50


filmes por ano e passou para metade. Quer dizer, uma das maiores produtoras do
mundo criava cerca de 100 horas de conteúdos por ano e passou a criar cerca de
50. Já um canal de televisão 24 horas por dia apresenta 8760 horas por ano. Se
considerarmos que apenas metade é produção própria ou exclusiva teremos um
total de 4380 horas de conteúdos originais por ano. Isto é, 43 ou 88 ou vezes
mais do que um dos principais estúdios de cinema. Como a emissão também
custa muito trabalho e dinheiro, temos de considerar a comparação da totalidade
da emissão: um canal de TV que transmita 24 horas por dia apresenta mais 88
ou 175 horas em média do que a MGM nos seus anos pré- ou pós-1940.
Só este elemento da economia de produção, de tempo e de modo de
apresentação teria de obrigatoriamente diferenciar os dois media. Os conteúdos
baseados exclusivamente ou em primeiro lugar no som, como a rádio e a
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televisão, são mais fáceis de produzir e mais baratos do que os conteúdos


baseados tendencialmente na imagem, como o cinema. As diferenças acentuadas
no modo de produção do cinema e no modo de produção da televisão leva a que
os grandes conglomerados industriais norte-americanos tenham divisões
separadas para os filmes e para os programas de televisão. Esta economia, só por
si, distinguiria os próprios conteúdos.
Mas todos sabemos que há muito mais diferenças.
A principal é a marca do nascimento. O cinema teve a sorte de nascer sem
som. Só tinha as imagens para se fazer entender, a que acrescentou depois os
entre-títulos. Quem conhece filmes do início do sonoro sabe que houve uma
regressão das suas características visuais, por motivos técnicos mas também por
se ter considerado obsoleto o modo de narrar exclusivamente pela imagem em
movimento. Arrisco dizer que algum cinema do início do sonoro parecia
televisão.
A televisão, pelo seu lado, não só nasceu com som e com péssima imagem
(em comparação com os padrões posteriores e os actuais), como é filha da rádio.
Os seus primeiros géneros vieram da rádio: os concursos, o teatro, as palestras,
as notícias, os programas de variedades (somando a dança à música), os
programas de conversa, depois o folhetim (soap opera, telenovela). A televisão
foi original nas séries e mais tarde noutros géneros. A evolução técnica permitiu
que, ao fim de poucos anos, a televisão pudesse passar filmes, o que significa que
podemos considerar o cinema como um género importante na televisão. Já lá
voltarei.
Outra diferença fundamental entre o cinema e a televisão, desde a origem,
é a forma de recepção. O cinema poderia ter vingado como um media para
consumo individual, como no falhado modelo de Thomas Edison nos Estados
Unidos. Venceu o modelo Lumière, com recepção colectiva, de massas, num
recinto amplo, entre desconhecidos, recintos que vieram a ser propositados para
o media, as salas de cinema: na era das massas, um media de massas e um media
de massas reunidas.
A recepção de massas é marcante, a meu ver, para a própria idealização
dos conteúdos, o que é bem patente na teoria e reflexão sobre o cinema até ao
começo da II Guerra Mundial. O cinema era para as massas, e as massas estavam
nos filmes, fossem eles históricos, de ficção científica, de catástrofes ou de tema
mais ou menos social ou político — já para não falar dos John Doe, os
protagonistas que, mesmo em filmes intimistas, pretendiam representar o homem
comum, o homem das massas.
A televisão não nasceu em concreto como um media para recepção em
massa. Aliás, não nasceu para nada em especial, nasceu como uma invenção,
uma técnica. Foi usada como meio de comunicação ponto a ponto, os nossos
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Skype ou What’s Up, foi usada como banda do cidadão com imagem, e foi
também usada como meio para massas reunidas, é verdade, mas por pouco
tempo: houve recepção em lugares públicos, como nos armazéns Harrods’ ou
estações de comboio em Londres, houve recepção em salas de tipo de cinema,
nos Estados Unidos ou durante os Jogos Olímpicos de Berlim. Já num tempo
diferente, a RTP também escolheu a Feira Popular de Lisboa para se apresentar
nas emissões experimentais. Repito: numa feira e numa feira chamada popular
para recepção pública de massas.
Todavia, o modelo que se impôs, a partir dos Estados Unidos, foi o do
media para a família dos subúrbios. Está nos textos de um dos inventores da
formatação do media, David Sarnoff. Dos subúrbios ou da cidade, o importante é
que a televisão se destinou ao lar e à família. A diferença em relação ao cinema é
enorme. Cinema: saía-se de casa, saía-se para ver um filme (às vezes dois, nas
sessões duplas) numa sala própria, em público, no meio de uma multidão.
Televisão: ficava-se em casa para ver, ou podendo ver, o que quer que passasse
num pequeno ecrã, de manhã, à tarde e à noite, num ambiente privado.
Se a esmagadora maioria da produção cinematográfica teve em
consideração um público-alvo ou públicos-alvos, mais ainda tal sucedeu na
televisão, nomeadamente a partir do momento em que foi possível saber quem
viu o quê na véspera ou, no caso, da primeira audimetria, na semana anterior.
Um filme tem uma expectativa de público, mas nada é certo; no caso dos
programas de televisão seriados, que passam todos os dias ou todas semanas,
essa expectativa baseia-se no conhecimento da audiência desses programas
ontem, na semana passada, no mês passado, no ano passado. Também não existe
certeza, mas há uma segurança na decisão de continuar com um programa,
esticá-lo no tempo, ou produzir novas versões ou novos programas nos géneros
de sucesso. Julgo que mesmo o cinema de produção cara não tem as mesmas
garantias de êxito quando repete fórmulas de filmes com super-heróis, etc.
Regresso aos próprios conteúdos. O cinema desenvolveu a sua própria
linguagem de imagem e depois de som e imagem, sendo uma das razões por não
ser em directo, ao contrário de outras artes audiovisuais, como o teatro, a ópera e
outros espectáculos de música, o circo, etc. É uma arte em diferido. Não sendo
em directo, e sendo finalizado através de um registo físico, o filme, o cinema
podia manipular o espaço e o tempo, e as noções de espaço e de tempo, por
processos que nenhuma das outras artes audiovisuais tinha ao seu alcance.
Enquanto todo o cinema era, e é, em diferido, toda a televisão, nos seus
primeiros anos, era em directo, porque não havia meio de a registar. A existência
física do cinema em filme permitiu também a invenção da montagem, ou pelo
menos a elevação da montagem à máxima importância na construção do
conteúdo. Recordo que a montagem temporal da narrativa já existia há muito
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(talvez desde sempre) na literatura, ficcional ou de realidade, incluindo no


jornalismo, mas o cinema tornou-a visível e um elemento fundamental da sua
linguagem. Na televisão em directo a “montagem” resultava da escolha de ponto
de vista, de câmara, de uma narrativa linear. O tempo do directo distingue-se
extraordinariamente do tempo manipulado. O directo cria uma vibração
primordial, visceral, com o receptor muito distinta da do tempo manipulado do
cinema. A partir do directo e da sua filiação radiofónica, a televisão desenvolveu
o seu modo de apresentação e a sua retórica de comunicação, a que chamo a
linguagem televisiva e a que podemos chamar também o estilo televisivo.
Em resumo: por causa das questões técnicas, por causa do directo, por
causa da herança radiofónica, por causa da recepção no lar, por causa da emissão
contínua, por causa da quantidade de horas a emitir, por causa dos custos de
produção, por causa da variedade de géneros, muitíssimo superior à do cinema, a
televisão desenvolveu ao longo das suas primeiras décadas uma linguagem
própria, a linguagem televisiva. Esta linguagem própria é utilizada em conteúdos
próprios, só seus. Por exemplo, não há reality game shows na rádio, no cinema,
em nenhum outro media.
Tal como a linguagem cinematográfica, ou mais ainda, a linguagem
televisiva tornou-se global. Eu diria que há mais gente a “falar”, ou pelo menos a
entender a linguagem televisiva do que a entender o inglês ou o mandarim. É
uma linguagem comum em todo mundo, Norte, Sul, democrático, ditatorial, rico,
pobre. Ouso dizer que a linguagem televisiva actual, tal como a linguagem
cinematográfica hegemónica, ambas com origem nos Estados Unidos, tornou-se
a linguagem mais global de todas. No cinema costuma chamar-se ao cinema que
usa essa linguagem “cinema comercial” e ao que não usa “cinema de autor”, por
exemplo. Na televisão embora haja “programas de autor”, a questão não se
coloca porque mesmo esse programas utilizam a linguagem televisiva global.
Sem querer elencar as características próprias da linguagem televisiva, ou
estilo televisivo, apenas direi que qualquer pessoa, quando liga um ecrã, sabe
distinguir a linguagem com que está a contactar: ou é cinema ou é televisão. O
mesmo aconteceria se um conteúdo de televisão passasse numa sala de cinema.
Sabemos que é em linguagem televisiva. Pode haver confusões, como no caso
dos conteúdos realizados por Michael Moore, chamados documentários, mas que
são construídos com linguagem televisiva. Daí, talvez, o seu êxito popular. Essa
identificação imediata de conteúdos de media diferentes que usam a mesma
técnica é, portanto, a identificação que qualquer um de nós faz da linguagem
usada por esses conteúdos: ou cinematográfica ou televisiva.
Deixo de lado, também, a avaliação da qualidade. O preconceito diz: o
cinema “tem qualidade”, a televisão “não tem qualidade”. Ora, se os dois media
se podem comparar por serem ambos audiovisuais, a sua qualidade, ou melhor, a
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qualidade dos seus conteúdos, tem de tomar em conta as características própria


do media, da sua linguagem, e as características de cada género e de cada
conteúdo concreto. Por princípio tem de se partir da tábua rasa: pode existir
cinema de qualidade e cinema sem qualidade e pode existir televisão com
qualidade e televisão sem qualidade. A qualidade em televisão é, para mim, um
tema importante, que já abordei noutras ocasiões, mas que aqui deixo apenas
referenciado.
Preferia, no tempo que me resta, abordar este tema “cinema e televisão” no
presente. A linguagem técnica digital, dos zeros e uns, tornou-se o esperanto
técnico de todos os media: imprensa, rádio, televisão, cinema e outras “coisas”, a
que me referirei a seguir. A linguagem técnica é a mesma, os meios de produção
os meios de emissão e os meios de recepção partilham-na. É a maior revolução
na história dos media desde a televisão, depois da imprensa (a maior revolução
de todas), do telégrafo, do cinema e da rádio. Em termos de produção, emissão e
recepção, um jornal tem hoje vídeos e podcasts, uma rádio tem texto escrito e
imagem, a televisão tem conteúdos sem imagem em movimento ou só de texto,
pelo menos nos seus canais internet. Só o cinema mantém, em traços gerais, o
seu carácter anterior.
A interactividade entre produtores e consumidores, capacitada ao máximo
pela Internet e por desenvolvimentos na telefonia, ainda não atingiu o seu
máximo, não sendo para mim possível afirmar se constitui também uma
revolução. Mas há sinais, nomeadamente na imprensa, que passou a reger-se,
como a televisão, pelas audiências de conteúdos concretos, através da
quantificação dos visionamentos. A imprensa online é já hoje substantivamente
diferente, quer por poder juntar som e vídeo, quer pelo conhecimento dos ratings
dos artigos concretos. A escrita mudou, nos títulos e textos, a escolha dos temas
mudou, os destaques mudaram.
O cinema mantém-se no mesmo patamar na relação entre os produtores e
receptores. Desconheço se algum produtor ou realizador quer saber qual o
minuto do seu filme com mais ou menos audiência quando passou neste ou
naquele canal. Julgo que não faz parte da cultura do media. Mas faz da cultura
do media televisivo.
Quanto à interactividade, penso que, no caso da televisão, estamos numa
situação em que: primeiro, mantêm-se alguns tipos de interactividade do passado
— o telefonema, a mensagem enviada que é lida ou colocada em rodapé;
segundo, a técnica permitiu melhorar muito a capacidade de intervenção dos
espectadores em conteúdos que convidam e desejam muito esse tipo de
participação — os concursos com votação popular que, se transformaram, aliás,
numa fonte de receitas, pelo que é uma interactividade que já existia mas se
desenvolveu grandemente; e, terceiro, há o que chamo uma falsa interactividade,
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que é a que é pedida, mas não origina alteração nos conteúdos. Poderia
mencionar os resultados falsificados de concursos, que já os houve, e que decerto
haverá mais, mas não temos conhecimento. Poderia mencionar a manipulação
técnica e de edição/montagem dos conteúdos para favorecer determinados
concorrentes que são ou se julga serem alavancas de audiências acrescidas. Mas
quero referir-me em particular à interactividade a que os consumidores são
solicitados através de meios como redes sociais e sites de programas. Essa
interactividade é solicitada, mas não é correspondida. A meu ver, os produtores
querem ter rédea livre para decidir sobre os conteúdos, pelo que aceder à opinião
dos consumidores seria degradar o seu próprio poder sobre os seus programas.
Recordo um estudo sobre recepção de televisão na Índia, já com algumas
décadas, em que os investigadores foram levados à sala dum canal de TV onde
se guardava o correio. As paredes estavam cobertas com muitos milhares de
cartas. Não encontraram um único envelope aberto. Todos fechados. Hoje, o
paradigma desta interactividade é o mesmo, mas finge-se que não é.
O cinema mantém-se à margem de algumas destas questões. Mas há pelo
menos uma que lhe é inescapável: a partilha da mesma linguagem técnica digital
e a possibilidade de recepção em todo o tipo de ecrãs, do iMax ao smartphone.
O facto de partilhar os seus conteúdos com a televisão em grande escala, já tinha
originado um certo género partilhado pelo cinema e pela televisão, o telefilme,
film made for television, mais barato que um filme, mais curto, com poucos
actores, com mais diálogo, com mais grandes planos e planos médios, etc. Não é
carne nem é peixe. As grandes empresas do audiovisual americano vendem-nos
em pacotes como sendo filmes, apesar de muitos nunca passarem por uma sala
de cinema.
Outros desenvolvimentos vieram aproximar cinema e televisão. O receio
da produção do cinema — quais as receitas é uma incógnita — fez diminuir a
variedade do cinema mainstream ao ponto de afastar muitos espectadores das
salas. A melhoria dos equipamentos caseiros, por outro lado, proporciona uma
visão excelente de cinema em casa. E se os filmes e a sua chegada ao ecrã já são
feitos na linguagem técnica digital, há menos razões para a experiência do filme
na sala escura. Tanto mais que a presença em sala de cinema retomou a
insolência das primeiras décadas, quando as pessoas falavam, usavam chapéus
incomodativos, entravam e saíam, levavam bebés de colo, etc. Hoje a insolência
do espectador é falar, entrar e sair, comer e beber e usar o telemóvel.
Deste modo, muitos recursos do media cinema passaram para o media
televisão. Primeiro, o dinheiro. Muitas apostas em conteúdos televisivos têm
receitas garantidas, quer por passarem em canais premium, como a HBO, quer
por terem vendas garantidas a algumas ou muitas dezenas de canais em todo o
mundo. Segundo, os recursos humanos: os realizadores, os argumentistas, os
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técnicos e os actores. Não só por terem oportunidade de trabalho, mas também


por poderem dar largas à criatividade de forma que o receoso mundo do cinema
já não permitia. E, ainda, porque encontraram nos géneros seriado e série a
possibilidade de desenvolver narrativas longas, épicas, dramáticas, ou cómico-
dramáticas, com grande profundidade psicológica das personagens. A
transferência de meios tornou possível que um único episódio de Game of
Thrones, com duração de cerca de uma hora, tivesse um orçamento superior ao
de toda a programação anual da RTP2, por exemplo, as tais 8760 horas de
emissão.
A televisão, que é omnípara, voraz, tudo cria, vai buscar ao cinema o que a
pode servir para melhorar, mudar, surpreender. Mesmo na telenovela já há
momentos inspirados na linguagem televisiva. Como me disse a autora da
telenovela Mar Salgado, nós, os que fazemos novelas, também vemos séries, isto
é, as séries norte-americanas. E os das séries vêem cinema e vêm do cinema.
Todavia, mantém-se a linguagem televisiva, os seus géneros, os seus
formatos. Veja-se o caso de House of Cards na plataforma Netflix. Os episódios
da primeira temporada foram todos disponibilizados em simultâneo. Isto é,
respeitando o formato televisivo de episódios. Por hipótese, a duração de todos
os episódios poderia formar um único episódio de, sei lá, 12 horas. Mas a Netflix
não é assim tão revolucionária. Disponibiliza no momento filmes, programas e
séries, mesmo as séries que produz, isto é, cinema e televisão, mantendo as
linguagens, géneros e formatos dessas duas artes. E não há cá interactividade.
Chega-nos o produto final, sem qualquer intervenção do público no conteúdo.
Entretanto, há todo um mundo de produção audiovisual que já alterou um
pouco as regras do cinema e da televisão. Por causa da Internet, a que chamamos
media, apesar de não o ser. Na Internet encontramos centenas de milhares, para
não dizer, milhões de conteúdos que começam a afastar-se em algumas
características das linguagens do cinema e da televisão. São os vídeos do
Youtube e de outras redes sociais, os vídeos pessoais ou colectivos, comunitários
ou empresariais. Alguns têm, como todos sabemos, audiências impressionantes
de muitos milhões, se bem que ao longo do tempo e não em simultâneo.
Algumas das suas características são a curta duração, a qualidade técnica inferior
ou muito inferior, a todos os níveis, incidirem bastante sobre pequenos episódios,
serem planos longos ou planos-sequência, serem cómicos, terem animais,
surpreenderem, poderem prescindir do som, etc. Há outros tipos de vídeos
(conversas, extractos de entrevistas, etc.), mas estes são os que me parecem mais
interessantes de analisar.
A curta duração é o que melhor os caracteriza. O consumo de conteúdos na
Internet convida ao consumo de extractos curtos ou de narrativas completas de
muito curta duração, como são esses vídeos do leão mimando o cão, o cão o
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gato, o burro o pato, etc. Note-se que o cinema começou com o que hoje
chamamos curtas, fez delas um género, e que a programação televisiva é, em
grande medida, fragmentada, o fluxo em programas, os programas em rubricas e
em intervalos, os intervalos em anúncios, etc. Mas os vídeos da Internet são já
outra coisa, independente, sem controle pelas instâncias de poder no cinema e na
televisão. Ainda usam a linguagem do cinema e a linguagem da televisão, em
especial esta última, mas têm uma autonomia, um poder de atracção e uma
audiência que poderá ter implicação para o futuro no cinema e na televisão.
Finalmente, faço notar que o cinema já incorporou características da
linguagem televisiva e que a televisiva já incorporou os vídeos de telemóvel nos
noticiários e até criou programas próprios com vídeos de gatinhos e de crianças a
cair do baloiço. Mas poderá haver um ponto de viragem, não sei qual, e recuso-
me a prever, em que haja uma maior aproximação, até ao ponto de fusão, entre as
duas linguagens — cinema e televisão — e uma possível nova linguagem, a do
vídeo relaxado, com a sua linguagem de amador, que encontrou o paraíso nas
redes digitais sociais e outras plataformas de partilha.
Para terminar, e, dado que não faço previsões, como acabo de dizer, diria
que as linguagens do cinema e da televisão mantêm a sua autonomia e carácter,
mas tem havido uma progressiva aproximação. Não sabemos se e até que ponto
se fundirão. Quanto ao vídeo, poderá ser possível que, para ter êxito, precise de
melhorar as suas qualidades técnicas, de construção e narrativas, o que, sendo
em grande medida parasitário do cinema e em especial da televisão, poderá
significar uma aproximação a esses media.

Eduardo Cintra Torres


Caxias, 7 de Novembro de 2016

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