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MATERIAL DO CURSO

CINEMA AUDIOVISUAL

APOSTILA

O CINEMA, O PÚBLICO, A TELEVISÃO


O CINEMA, O PÚBLICO, A TELEVISÃO

Uma arqueologia do cinema e dos seus públicos, entre outros aspectos, faz reemergir
a questão do cinema de massas nos EUA, nos 'thirties' e 'forties'. O cinema era então o
grande espetáculo popular.

A maioria dos seus espectadores habituais passaram a telespectadores fiéis a partir


dos anos 50. O próprio cinema passava então por uma espécie de dupla reificação
eletrônica: primeiro, por uma progressiva habituação do público ao novo formato;
depois, por uma reconfiguração do próprio cinema, através de novos processos de
produção, novos processos narrativos, de um novo discurso que acabava por
entrecruzar-se com as práticas enunciativas do próprio dispositivo televisivo.

No âmbito da televisão emergia, entretanto um sistema híbrido no campo da ficção,


onde predominavam as séries televisivas e as soap operas, surgindo depois os
telefilmes.

Neste texto pretende dar-se fundamentalmente uma contribuição para a reflexão sobre
esse modelo de ficção televisiva: até que ponto é que uma ontologia da série televisiva
e do telefilme - o específico da televisão, para além do direto - expõe (ou não) a ferida
de uma diferença originária - uma poética face a uma prosa do mundo, ou talvez
mesmo, uma vampirização do cinema pela televisão e pelas novas tecnologias a ela
associadas?

No plano estrito do dispositivo logotécnico da televisão importa relembrar a


especificidade da linguagem televisiva e, designadamente, o seu dispositivo
tecnodiscursivo, o qual releva, desde logo, da proximidade originária aos modelos
discursivos e narrativos do cinema. Essa especificidade tem vindo, de fato, desde há
muito a ser analisada em termos comparativos com a própria linguagem
cinematográfica. Há naturalmente uma longa arqueologia de toda essa cesura, que ora
incide no discursivo, ora atende ao econômico, sobretudo, neste último caso, em
virtude do progressivo poder que a televisão comercial foi ganhando na Europa.

Christian Metz havia referido a questão considerando que televisão e cinema


compartilhavam, por assim dizer, alguns dos mesmos recursos expressivos, na medida
em que havia a partilha de uma única e mesma linguagem. Questão nada pacífica,
aliás. Já em 1959, Renato May 3 se refere à questão, tratando a televisão como um
«cinema menor» e procurando separar a construção de uma imagem da
instantaneidade das imagens e do fluxo televisivo.

O dispositivo do direto, a informação, mas também a sitcom, ou o docudrama são os


gêneros que trabalham de forma mais específica os códigos diferenciais existentes
entre cinema e televisão. Inicialmente, foi no direto que surgiu um modo de narrar os
fatos e de legitimar os acontecimentos totalmente diversos do que se vinha a fazer até
então.

No direto, como então observamos, a televisão encontra a forma de mostrar o tempo


na sua durée, criando um novo espaço-tempo efémero e sem memória. Mais tarde, o
dispositivo técnico e as possibilidades de montagem e gravação em video, e o regresso
a práticas cinematográficas de edição, por exemplo, agora ao serviço da recomposição
do real (televisivo) e das práticas jornalísticas, permitem outra apropriação dos
materiais pré-registados e da evolução do próprio dispositivo técnico e discursivo da
televisão.

Surge depois o conceito de rede códica que se refere à pluralidade de discursos e ao


fluxo contínuo televisivo que integra finalmente um novo código, síntese dos códigos
componentes, espécie de código hegemônico onde se esbatem gêneros narrativos e
não narrativos, como os telejornais, as mesas-redondas, os talk-shows, os tempos de
antena, etc., são, portanto, fundamentalmente televisivos.
Simultaneamente emerge o telefilme. Centrado numa outra forma de ver e de
enquadrar, que delimita o espaço-tempo cinematográfico, e que o recorta no
fechamento do close, ou do grande plano, chegamos a um sistema não tanto da ordem
do visível e do inteligível, mas do seu recalcamento, das tatilidades do olhar, que é,
como se sabe, um plano de sonoridades, um plano audiotátil, um retorno do não ver.
Olhar é tomar certa distância do que é visto,

O telefilme é, à partida, outro dispositivo de produção e de difusão, e é habitualmente


pensado sob o espectro dos resultados das audiências televisivos, de uma forma
imediata. Tanto nas séries como nos telefilmes do que se trata ainda, num plano
narrativo e estético, é da supressão da noção de enquadramento. Em geral, esta
captura frontal é acompanhada de uma perca de impressão de relevo. No campo da
representação é comum identificar a perca de dimensão psicológica dos personagens
como mais um dos específicos da ficção televisiva. Deste ponto de vista é notória a
recorrência a uma esquematização de arquétipos, de estereótipos (veja-se
designadamente o modelo de soap opera). Repare-se ainda na transposição de
convenções que se diriam teatrais: a reduzida escala de planos das séries
(nomeadamente das sit-com) e das telenovelas tem genericamente a ver com o facto
de as rodagens decorrerem em estúdios pequenos, transpondo-se assim o modelo. Um
dos exemplos que se poderão dar é exatamente o da captura/enquadramento frontal,
que reduz o leque de efeitos e leituras, reduzindo assim também a densidade da cena
e da representação.

Ainda no que concerne aos aspectos técnicos, poder-se-ia dizer que o modo de
iluminar é muito diverso, que o modelo de découpage é também muito diferente. “Veja-
se que se a progressão da narrativa cinematográfica é de certo modo, e em termos
clássicos, teleológica" na televisão há um constante diferir do desenvolvimento da
ação, recorrendo a cenas e situações pontuais e/ou marginais, de forma a encontrar
soluções que sejam outros tantos fechos de episódios, e assim sucessivamente até ao
episódio final.
Em síntese, na ficção televisiva não há uma estética específica, nunca se veio a definir
enquanto tal, como «arte» autônoma. É, no fundo, a dificuldade essencial de uma
lógica tecnodiscursiva que tem no seu modelo performativo e no seu registro imaterial a
sua própria definição - materializa acontecimentos, ações, etc., para depois os obliterar
na sua lógica de fluxo: a contínua sucessão de imagens determina a obsolescência e o
esquecimento das precedentes.

A televisão, de certo modo, remodela a relação do telespectador com a ficção


cinematográfica. Em última instância poder-se-ia dizer que o efeito de grelha acaba por
refletir-se na montagem do telefilme - e mesmo dos filmes - isto é, por vezes as
sequências tendem a tornarem-se autônomas e com uma unidade específica. Daí
dizer-se que do que se trata em televisão é de fazer «séries», repetir modelos,
respeitar códigos, de forma a manter e assegurar o contrato de visibilidade com as
audiências.

Isto porque, finalmente, se o plano americano - o plano cinematográfico por excelência


- era um plano à altura do homem, o plano do écran televisivo não é mais do que um
plano à altura da curiosidade do olhar, de um olhar naturalista e imediato do homem.
Um olhar contratual, um falso olhar.

Outra questão complementar nesta análise tem a ver não propriamente com as
modalidades de enunciação e de estrutura discursiva de ambos - cinema e televisão -,
mas com o campo de recepção no cinema e na televisão.

Uma breve arqueologia da evolução do modo de recepção do cinema nas salas pode
dar-nos algumas pistas para entender as mutações neste domínio após a progressiva
integração da televisão nos lares europeus e norte-americanos.

Vejamos o que se passou ao longo dos anos 80 no maior mercado mundial. Dizer, por
exemplo, que a afluência de público às salas de cinema dos EUA se manteve estável
ao longo da última década é esquecer o fundamental do que se passou antes. Na
verdade, os anos 80 (tal como já havia acontecido nos anos 70) nos Estados Unidos,
apresentam uma quebra extraordinária na frequência de cinema face às décadas
anteriores. Note-se, por exemplo, que em 1929, no ano record na história do cinema
americano, iam em média ao cinema, semanalmente, 95 milhões de americanos. Cerca
de 10 anos depois (em 1940) a média semanal era de 80 milhões. E em 1950, essa
média já havia baixado para os 60 milhões de espectadores/ano.

É nos anos 50/60 que a televisão tem um grande desenvolvimento nos EUA. Apesar de
não ser determinante, este fenômeno não haveria de ser completamente estranho ao
progressivo abandono das salas por parte do público que habitualmente as
frequentava. Basta considerar que de 1950 para 1960 o número de espectadores de
cinema baixa à razão de 20 milhões por semana. Nesse período (1950-60) o parque de
televisores cresce de 3,9 milhões para 55,6 milhões. Pelo contrário, o número de salas
decresce: das 19 mil salas de cinema que existiam nos Estados Unidos em 1946
apenas subsistiam 9.330 em 1967 - uma redução para metade nesses 20 decisivos
anos, que correspondem de fato ao grande crescimento da televisão nos Estados
Unidos.

O pior momento do cinema americano no que respeita à crise de salas e de público é,


de facto, o final dos anos 60 e princípios dos anos 70. 1971 é o pior ano em termos de
público: apenas 15,8 milhões de espectadores de média semanal. A partir de então dá-
se uma recuperação do mercado, que é também uma recuperação da indústria e da
produção - é a aposta das majors no filme de «grande público», por exemplo. É o
tempo da chegada ao campo do cinema de uma série de realizadores que vinham da
televisão: Sidney Pollack, Arthur Penn, John Frankenheimer, Robert Mulligan, etc. É
ainda o tempo das transmutações no plano das narrativas de ficção televisiva e
cinematográfica.

Um dos nomes míticos no cinema americano, Orson Welles, confessava a André


Bazin, um tanto paradoxalmente, que «na televisão o cinema adquire um valor real,
encontra a sua real função». Outro nome mítico do cinema americano era Jack Warner.
É conhecida a sua aversão à televisão. Estava-se em plenos «forties», nos anos 40, e
o presidente da Warner recusava a existência de qualquer aparelho de televisão nas
instalações dos estúdios.

Essa aversão terminaria em 1954, quando a ABC anuncia um acordo com a própria
Warner para a temporada 1955/56: nada mais nada menos do que 41 horas de
programas, que incluíam já séries históricas: Cheyenne, Sunset Trip e Marewick.
Ningúem previa então que aquele western iria conservar-se ao longo de cerca de oito
anos no horário nobre da ABC (20h30).

Hollywood não havia, entretanto ainda percebido o interesse da televisão para a


indústria. Assim, são as companhias inglesas as primeiras a entrar no mercado da TV
norte-americana. Paradoxo! Logo em 1955, 95 longas metragens inglesas são
vendidas para a televisão americana. Era a vingança de Alexander Korda e de outros
realizadores e produtores, que haviam sido marginalizados pelas majors, nos anos
20/30. Em 1955 a Rank vende 100 filmes à NBC. A primeira resposta aos britânicos
vem dos pequenos estúdios norte-americanos (Monogram e Republic).

Entretanto a RKO começa a rentabilizar o seu catálogo de quase um milhar de filmes.


Entre eles vai estar King Kong (de 1933). Emitido no início de 1956 na televisão, o filme
vai ser um grande sucesso. A partir de meados dos anos 50, e pela primeira vez na
história do cinema americano, largas camadas de público vão voltar a ver os seus
clássicos preferidos... Mas agora na televisão.

A WOR TV, de Nova Iorque, passa a transmitir no final de 1956 quase 90 por cento da
sua programação semanal em longas metragens (RKO). Atrás da RKO vem a
Columbia, a Fox, a MGM, a Warner e finalmente a Paramount, que passam a
disponibilizar para a TV os seus catálogos - ou apenas alguns packages - anteriores a
1948. Estamos num período em que o número de estações televisivas cresce
enormemente, e o cinema passa a ter um impacto significativo no desenvolvimento da
TV: em meados dos anos 50 existem já 500 canais de televisão nos EUA; 40 milhões
de telespectadores veem em média 5 horas de TV por dia... e 10 mil anunciantes
investem mil milhões de dólares por ano.

Começam também a ser programados filmes posteriores a 1948, e também filmes a


cores, o que vem dar novo impulso ao cinema na TV: acontece na NBC, a partir de
1961, com a abertura às produções mais recentes de Hollywood. A estratégia de contra
programação da NBC é assim um êxito.

No início dos anos 60 são já mais de 100 filmes por semana que passam nas redes de
TV só da zona de Nova Iorque. As noites de cinema em prime time passam depois
também para a ABC (1962) e só mais tarde para a CBS (1965). No final de 1968, as
três networks oferecem diariamente uma longa-metragem aos seus telespectadores. O
filme passa a ser o programa estratégico na guerra de audiências. Ficou histórica a
noite de 25 de Setembro de 1966, com A Ponte do Rio Kwai, que bate pela primeira
vez os programas de maior audiência da altura - Bonanza e Ed Sullivan Show.

Entretanto, o primeiro telefilme aparece também em 1966, cerca de 10 anos depois da


primeira longa metragem na NBC. A ABC faz também uma aposta forte no gênero, e
no período de 1971/72 difunde treze dos melhores telefilmes do ano na TV americana.
E a partir daí não mais pararam.

Verifica-se então que um pequeno número de filmes realiza uma boa parte das
receitas, chamando de novo o público às salas: em 1975 a média semanal de
frequência sobe para os 20 milhões, que se mantém até 1990, com pequenas
oscilações, o que quer dizer que ao longo desses últimos 15 anos o mercado
americano conseguiu estabilizar o seu público. O que não deve fazer esquecer que
estes últimos números relativos à década de 80 representam cerca de 1/4 do público
dos anos 40. Mas se o público decresce - e muito - relativamente aos anos 40, o
parque de salas cresce: 23.689 salas contabilizadas em 1990, nos EUA, ultrapassam
nalguns milhares o máximo que havia sido conseguido nas décadas de ouro (cerca de
19 mil salas). O exemplo americano permite desdramatizar de algum modo os receios
dos mais pessimistas relativamente à situação que então se depara na Europa.

Refira-se que o final dos anos 70 corresponde também ao enorme sucesso da pay TV
e da televisão por cabo, o que provoca, por parte das networks, a necessidade de
serem encontradas fórmulas alternativas. O boom da série e do telefilme está também
associado a esta questão. Voltam assim em força os formatos 26/52 minutos ao longo
de 13 semanas. No final dos anos 80 a HBO, por exemplo, difunde já cerca de duas
centenas de filmes/mês e é uma das maiores detentoras de direitos. No final dos anos
80 é outro fenômeno que emerge: o vídeo é doravante a principal fonte de receitas da
indústria cinematográfica americana.

“Na Europa, nos grandes mercados europeus - Alemanha, Espanha, França, Grã-
Bretanha e Itália, verificam-se menores quebras, ou mesmo”.

Estabilização do público e de salas, designadamente na Alemanha e na Grã-Bretanha,


e uma situação mais crítica nos países do sul da Europa que tiveram uma forte oferta
televisiva designadamente na segunda metade dos anos 80. Ainda assim, a França
tem mantido com pequenas oscilações o seu parque de salas, ao contrário da Espanha
e da Itália, com quebras muito acentuadas de público e de salas, tal como aliás tem
vindo a acontecer em Portugal.

Tal como já referimos para Estados Unidos, também no caso inglês se verifica que são
os anos 60 e 70 que mais refletem a crise do cinema. É de igual modo nesse período
que se assiste a uma rápida ascensão da televisão. Mas no Reino Unido, a grande
quebra da frequência de cinema regista-se logo no final dos anos 50, descendo para
valores inimagináveis na atualidade. De fato, observando-se na década de 50 uma
média de 1.100 milhões de espectadores/ano, nos anos 60 essa mesma média passa a
ser de 337 milhões de espectadores/ano, 1/3 do valor da década anterior. Se, porém,
comparássemos a média apurada nos anos 70 - 135 milhões de espectadores/ano -
com a média dos anos 50 facilmente constatávamos que era oito vezes inferior, o que
equivale a dizer que no início da década de 50 - designadamente em 1950, 1951 e
1952 - em qualquer destes anos, o total dos espectadores de cinema, na Grã-Bretanha,
foi aproximadamente igual ao do total da década de 70 (1.357 milhões de
espectadores). Na década de 80 o total de espectadores baixaria para os 788 milhões
de espectadores... No plano das salas, os ingleses acompanham também a crise mais
geral: em 1955, tinham um total de 4581 salas de cinema, em 1990 apenas têm 1552,
muito embora este seja um valor quase igual ao de 1980 (1574 salas).

Pergunta-se, naturalmente, qual a «culpa» da televisão nesta crise do cinema. É certo


que tanto nos Estados Unidos como na Grã-Bretanha, aos períodos de maior declínio
do número de salas corresponde um maior valor na progressão do parque de
televisores. Este fato, só por si, não nos permite extrair conclusões precipitadas sobre a
influência da televisão no afastamento do público das salas de cinema. Podíamos
encontrar valores idênticos, por exemplo, nas vendas da indústria automóvel, ou de
máquinas de lavar roupa, ou na taxa de natalidade. Mesmo assim, houve quem
sugerisse - foi o caso de Virilio - que a crise do cinema está diretamente relacionada
com a importância do automóvel - a viagem como travelling, evasão, uma visão de um
écran múltiplo e dinâmico - a cidade-cinema como écran, as imagens, a luz o
movimento...

Entre televisão e cinema, como noutro qualquer análise comparativa entre meios
aparentemente tão próximos, as relações são deveras complexas e dificilmente se
poderão colocar em termos de estrita causalidade. Isso mesmo era observado num
dossier da Unesco 9 , onde se dizia que só por si a densidade de aparelhos de
televisão não podia explicar a frequência com que as pessoas iam ao cinema : «Nos
EUA, haviam mais televisores per capita em 1965 do que na Europa dez anos mais
tarde. No entanto, em 1965, os americanos iam em média quatro vezes mais ao
cinema do que os europeus em 1975. Outras variáveis e outros indicadores haverá a
considerar. Não se pode negar, no entanto, uma relativa responsabilidade - lateral, é
certo -, da televisão na crise do cinema. Essa é também a opinião de François Garçon:
A frequência [de salas] após os anos 50 não tinha, com efeito, tendência a decair
justamente na sequência do crescimento nos lares americanos que suprimia nos
telespectadores o desejo de se deslocarem às salas escuras?. Da mesma forma é
inegável, hoje, que é a própria televisão que está a contribuir de forma clara para certo
crescimento da produção cinematográfica. Por exemplo, já em meados dos anos 80,
nos EUA, a estrutura de amortização de um longa-metragem americana era a seguinte:
networks - 7 por cento; syndication - 5 por cento; vendas a canais de pay TV - 23 por
cento.

No que diz respeito à forma como o cinema passa na televisão poder-se-ia seguir a
própria experiência portuguesa, sobretudo no plano quantitativo, com base nos estudos
de audiências. Numa análise que fizemos durantes os meses de Outubro e Novembro
de 1994, era visível que entre dois filmes como As Asas do Desejo, de Wim Wenders, e
Crocodile Dundee II, as diferenças eram substantivas: 0,4 por cento de audiência
média face aos 15,7 por cento do filme australiano. O filme de Wenders, que tem sido
considerado um dos grandes filmes dos anos 80 era positivamente marginalizado pelo
grande público da televisão, tendo sido um dos filmes com audiência mais baixa ao
longo dos dois meses em análise. O perfil do telespectador típico das rubricas de
cinema deixaria prever outra resposta à programação de cinema dos quatro canais
portugueses: tem entre 25 e 34 anos, é homem, vive na região da Grande Lisboa e
pertence à classe alta/média alta (A/B). É natural, portanto, que um dos filmes mais
seguidos dos últimos anos na televisão portuguesa seja uma obra de Spielberg -
Indiana Jones e a Grande Cruzada, emitido na SIC em Janeiro de 1995, tendo obtido
uma audiência média ao nível da telenovela brasileira (19,4 por cento) e share de 52,6
por cento ao longo dos seus 126 minutos de duração. É claramente a adesão
inquestionável do público ao modelo do cinema americano de grande espetáculo.

Um dos maiores realizadores da história do cinema - Jean Renoir - concretizou outra


aproximação à televisão: quando em 1959 realiza para a RTF O Testamento do Dr.
Cordelier, o cinema fica de certa maneira credor de uma experiência laboratorial
inédita. Tratava-se já de uma continuidade dramática real, privilegiando mais a imagem
do que a profundidade ou a expressividade, privilegiando mais a sequência do que o
plano. O filme estreava depois, simultaneamente, no cinema e na televisão
(16/11/1961). E de certa maneira anunciava uma nova era no cinema: um dos seus
elementos essenciais - a profundidade de campo -, entrava em crise, uma crise
originada no novo modelo de produção e nas novas condições tecnológicas, o que
determinaria algumas aproximações estéticas entre cinema e televisão.

A televisão, designadamente o direto, mostra o trabalho, como dizia Godard, o


espetáculo, a representação, na sua durée. E foi aprendendo a mostrá-los em grandes
planos e planos médios - como Dreyer outrora o fizera em Joana d'Arc, ou como
Bergman faria em Persona ou, mais tarde, nas Cenas da Vida Conjugal -, que os seus
processos de enunciação se foram sedimentando. Com uma diferença: teatralizando,
dramatizando aquilo que no cinema não era mais do que um olhar despojado,
distanciado.

Quando Godard filma, nos final dos anos 70, as séries Six Fois Deux e France, Tour
Détour Deux Enfants, é claro que o que está em jogo é já a pós-televisão. As
preocupações e perplexidades do cineasta procuravam aqui uma resposta falsamente
inocente. A palavra decomposição servia de pano de fundo a toda uma plástica
televisiva que fazia apontar a câmara à instituição escola, como à fábrica, como ao
quartel. Decompor a violência da instituição com um simples processo (anti) narrativo.
Com o vídeo. Com a televisão. Práticas e efeitos de síntese da televisão, formas de
curto-circuitar o próprio efeito televisivo.

Os anos 70 são, sobretudo uma época de complexos cruzamentos entre cinema e


televisão. Os investimentos que um pouco por todo o lado, na Europa, são feitos pelos
operadores de televisão diretamente na produção de longas-metragens, acabam por
gerar a emergência de híbridos. Era a época em que os índices de audiência começam
a ser levados em consideração na economia das redes de TV. Daí que se diga que a
televisão passa a ser cada vez mais um media e cada vez menos uma linguagem. Era
também o tempo da troca dos travellings pelas zooms. O exemplo francês é
paradigmático. No final dos anos 80, a televisão francesa corpo duzia praticamente um
terço dos filmes franceses (um pouco menos do que provinha dos avanços sobre as
receitas).

Recorde-se Le Rayon Vert, de Rohmer, que passava nas salas após a emissão no
Canal Plus, o que acabaria por lhe ser benéfico. Recordem-se ainda as múltiplas
versões cinema/TV, com longas-metragens e conjuntos de episódios para TV.

É outra questão fundamental a relação entre série e televisão. De fato, a série não diz
apenas respeito a um determinado tipo de programas, a um gênero televisivo, ela é,
sobretudo um modo de funcionamento do media - e também, sem dúvida, um dos
parâmetros essenciais não só para uma caracterização da estética televisiva, mas
fundamentalmente para a definição do seu dispositivo tecno-discursivo. E ao efeito-
série, como veremos no capítulo seguinte, não é estranho o fenômeno modelizador por
excelência do objeto televisivo que transcorre, exatamente, não da violência simbólica,
mas antes da violência técnica do dispositivo da audimetria.
Produção, Edição, Elaboração e Revisão de Texto:
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