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Mestrado Audiovisual e Multimédia

Ano Letivo 2022/2023


Marcos Luís Almeida Silva

Sistemas Televisivos Comparados


Trabalho Individual
O Fenómeno das Séries – a evolução e
a realidade europeia
Introdução ......................................................................................................................... 2
O desenvolvimento da série nos EUA e a ascensão das OTTs ........................................ 4
A evolução do panorama europeu .................................................................................... 8
O caso português ............................................................................................................ 14
Conclusão ....................................................................................................................... 18
Bibliografia ..................................................................................................................... 21

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As séries de televisão têm uma presença incomparavelmente ubíqua na sociedade atual -
nunca tanto conteúdo audiovisual foi produzido como nos últimos anos. Segundo um
estudo da FX Research, relatado num artigo da Variety que tem contado o número de
séries na televisão desde 2002, foram produzidas, só nos Estados Unidos, 559 séries no
ano de 2021; em comparação, em 2002, o número era 182 (Variety, 2022). O crescimento
nas últimas décadas tem sido enorme.

É de salientar, portanto, o domínio e influência que a televisão americana tem na crescente


popularidade do formato da série. Aliás, isto é visível desde os inícios da televisão, visto
que os Estados Unidos estiveram frequentemente na vanguarda no que diz respeito ao
desenvolvimento e evolução desta tecnologia e dos seus conteúdos. O jornalista e
historiador Mitchell Stephens, num artigo que escreveu para a Grolier Encyclopedia
acerca da história da televisão, menciona, por exemplo, que a primeira demonstração com
sucesso de televisão eletrónica ocorreu em São Francisco, em 1927 (Stephens, 2000).

O desenvolvimento do formato da série de televisão prosperou nos anos 50, quando


ocorreu a primeira dita “era dourada” da televisão. É a partir desta altura que se pode
afirmar que as séries ganharam um peso significativo nas vidas dos consumidores,
criando raízes nos lares - Jean-Pierre Esquenazi, no seu livro “As Séries Televisivas”,
refere que em 1955, já dois terços dos lares americanos possuíam um televisor
(Esquenazi, 2010) - que só têm fortalecido com o passar dos anos. Os presidentes das três
grandes operadores americanas, à altura, a ABC, a NBC e a CBS, souberam apropriar-se
dos diversos fatores económicos e sociais do pós-guerra para seu benefício, engendrando
planos para distanciar a programação televisiva de formatos da rádio (Stephens, 2000) e
capturar pela primeira vez milhões de espectadores com os seus programas. O sucesso
estava à vista. Existe quase uma relação simbiótica entre o povo americano e a televisão,
no modo como um afeta o outro. Os programas de televisão moldam a vida social dos
consumidores, até na forma como interagem com os seus vizinhos e familiares – o apelo
da televisão chegava a toda a gente, de todos os estratos educacionais e económicos
(MacDonald, 1990).

Isto para dizer que, embora na Europa tenham havido notáveis desenvolvimentos no
campo das séries de televisão, os Estados Unidos, em geral, têm estado ao leme no que
diz respeito à evolução do meio audiovisual, na concepção de novos veículos para a

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produção e distribuição de séries, muito devido ao impacto que este meio teve no país -
poucas invenções terão tido um efeito mais profundo no moldar da sociedade americana
como a televisão, segundo Stephens (2000). Efetivamente, é relevante notar como a
televisão na Europa - desde o início, maioritarimente composta por canais públicos,
propriedade do Estado - a partir dos anos 80 e 90 começou a apresentar uma tendência
em seguir o modelo americano, com a criação de canais privados, financiados através de
publicidade (Stephens, 2000).

Desta forma, é natural observar que a chegada e ascensão das OTTs, ou seja, dos serviços
de media over-the-top, também se construiu a partir dos Estados Unidos. De facto, a
Netflix, empresa que ficou conhecida como a bandeira desta nova forma de produzir e
distribuir conteúdo, começou como uma empresa online americana que permitia alugar
DVDs, até em 2007, introduzir um serviço de streaming no seu site (permitindo o seus
utilizadores assistirem a séries e filmes instantaneamente), e em 2013 assumirem
categoricamente a produção de conteúdo audiovisual original (Netflix, 2022).

Os fatores que levaram à verdadeira revolução que se seguiu no panorama audiovisual,


não se restringiam simplesmente a esta empresa e à sua habilidade de pensar à frente. “A
mudança acontece gradualmente, até que acontece tudo de uma vez” (Wolk, 2015; trad.
minha), atira Alan Wolk, no seu livro “Over the top - How the Internet is (slowly but
surely) changing the television industry”, referindo-se à forma como as OTTs
permanentemente alteraram a forma como a televisão tradicional operava. O afastamento
do público das formas de consumo tradicionais foi acontecendo lentamente, em direção
ao que Wolk chama uma “audiência diferida”, que já não se limita a ver os programas
dentro do horário estabelecido pela grelha (Wolk, 2015); Michael Wolff postula que a
forma como as OTTs têm traçado o seu caminho, levando pessoas para fora da televisão
tradicional, é similar à ascensão da televisão por cabo, que, criando uma identidade e
mercado próprio, se distanciou das redes de televisão estabelecidas (Wolff, 2015),
acabando por se sobrepor a elas.

Neste contexto de grande dinamicidade, empresas de entretenimento já estabelecidas


viram a sua posição ameaçada pela revolução do streaming, e assim, começou uma
exorbitante corrida pela atenção dos consumidores. Foram, e continuam a ser, criadas
dezenas de serviços de streaming, como a Amazon Prime, Hulu ou a Disney +, e deu-se
início a uma era que alguns peritos nomeiam de “guerra do streaming” (OberCom, 2022).

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Ora, assim como no passado, a Europa, consciente dos novos mercados e possibilidades
que estas inovações trouxeram, teve de renovar o seu plano de investimento em
audiovisual, de modo a não se deixar ultrapassar demasiado pelos concorrentes do outro
lado do Atlântico. Com efeito, é visível o esforço que vários operadores de televisão e
plataformas media, nos últimos anos, têm feito para produzir conteúdo original, face ao
domínio das OTTs americanas. O Estudo Estratégico sobre a Produção de Conteúdos
Audiovisuais em Portugal, conduzido pela Associação de Produtores Independentes de
Televisão em 2016, é um exemplo deste empenho em atualizar o panorama audiovisual,
tendo como objetivo principal “a análise da realidade que carateriza as atividades de
produção de conteúdos audiovisuais em Portugal” (Mateus, A. & Associados, 2016).

Assim, neste trabalho proponho-me a examinar o fenómeno das séries de televisão,


explorando mais a fundo a forma como o modelo americano influenciou, decisivamente,
a situação global, abordando as tendências que as plataformas europeias têm seguido de
forma a poderem manter-se relevantes. Partindo do desenvolvimento da televisão
americana, onde o formato das série ganhou enorme sucesso; o crescimento, e o
aparecimento do game-changer - as OTTs. De seguida, analisar o panorama europeu, e a
maneira como vários países, incluindo Portugal, se adaptaram às mudanças num mercado
em constante evolução.

Por fim, examinarei a situação nacional, bem como o sucesso das diversas estratégias que
têm sido desenvolvidas pelos serviços de programas para se manterem relevantes no
mercado audiovisual mundial.

A evolução do fenómeno das séries nos Estados Unidos reflete a forma como o consumo
de televisão mudou. Se nos anos 50, a norma era a família se reunir no sofá, sempre à
mesma hora, à frente da televisão, numa espécie de ritual (Esquenazi, 2010), agora, temos
a fragmentação da audiência (Wolk, 2015) – os telespectadores já não estão constrangidos
nem pela grelha televisiva, nem pelo dispositivo em si, podendo consumir os conteúdos
através de qualquer meio, em qualquer altura. O fator principal que levou a esta mudança
de paradigma foi, naturalmente, a Internet, que providenciou aos consumidores uma
liberdade inédita (Wolk, 2015). Porém, o desenvolvimento atual do formato da série
televisiva teve a influência, também, de outros agentes, particularmente no que diz
respeito à sofisticação do formato.

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Marcel Vieira Barreto Silva, no seu artigo “Cultura das séries: forma, contexto e consumo
de ficção seriada na contemporaneidade”, propõe-se a compreender o fenómeno atual de
consumo e produção de séries a partir de três prismas: primeiro, a maneira como a
“forma” das séries televisivas evoluiu, ou seja, como o formato se reinventou, estetica e
narrativamente; segundo, a revolução tecnológica, que permitiu a circulação de conteúdo
de uma forma completamente díspar do panorama tradicional; e terceiro, a forma como o
consumo mudou por parte dos telespectadores, que engajam através de diversos métodos
com os universos ficcionais (Silva, 2014).

O primeiro aspeto delineado por Silva é relevante para o traçar da evolução deste formato
nos Estados Unidos, e por conseguinte, no resto do mundo. As séries que atraem
atualmente milhares de espectadores apresentam um cuidado e requinte que, no século
passado, seria impossível de conceber. A migração de artistas (realizadores,
argumentistas, atores, etc.) originários do meio do Cinema, para o meio televisivo
contribuiu para esse aumento de qualidade (Silva, 2014), numa altura em que a televisão
por cabo estava a ganhar terreno – tendência evidenciada desde que o cabo foi
desregulamentado, em 1977 (Miller, 2009); estes autores viram o meio televisivo,
especificamente aquele livre das restrições existentes dentro do sistemas das grandes
redes (ABC, CBS e NBC), como um espaço onde se podiam expressar livremente.

É de realçar duas repercussões provenientes deste desenvolvimento: primeiro, o aumento


do grau de exigência. O lançamento de séries com níveis de valores de produção elevados
começam a ser mais comuns, devido ao sucesso que estas séries têm junto do público e,
principalmente, da crítica. Consequentemente, séries que demonstram menos cuidado na
sua apresentação tornam-se irrelevantes, comparativamente, forçando as redes a aumentar
o investimento neste tipo de conteúdo. Segundo, a segmentação da televisão e do público
– serviços de programas por cabo, como a HBO, passaram a ser reconhecidos, tanto
criticamente como pelo público, como o espaço das séries “prestige” (Silva, 2014). Com
o sucesso crítico e de audiências, a televisão por cabo, gradualmente, ganha mais e mais
audiência: em 2006, mais de 98% dos lares norte-americanos tinham pelo menos um
aparelho de TV, enquanto 64% possuíam TV a cabo, um aumento de vinte pontos em
vinte anos (Miller, 2009).

Esta migração do público, dos serviços de programas tradicionais para a TV a cabo, vai
ser espelhada, alguns anos depois, na passagem para a televisão através da internet
(OTTs), como Wolff previa; em 2014, Silva escreve “enquanto o número de assinantes
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de TV a cabo nos Estados Unidos vem diminuindo – numa média de um milhão a cada
ano – os números dos serviços de video on demand (VOD) só aumentam.” (Silva, 2014).
Segundo o estudo da APIT, em 2015, cerca de 4,9 milhões de famílias americanas
deixaram de utilizar os serviços de TV mais tradicionais, o que significou um aumento de
10,9% comparativamente ao ano anterior, no fenómeno denominado cord-cutting
(Mateus, A. & Associados, 2016). Uma pesquisa da Pew Research Center confirma esta
tendência – em 2015, 76% dos americanos afirmaram assistir TV por cabo ou satélite; já
em 2021, uma pesquisa mostra que esse número baixou para 56% (Pew Research Center,
2021). Um relatório do portal Statista prevê que o número de lares com serviços Pay Tv
(cabo ou satélite) será de apenas 59,7 milhões em 2025, demonstrando o agravamento do
cord-cutting (Statista, 2022).

Serviços over-the-top têm, assim, ganho vantagem perante a Pay Tv. Um estudo da
Leichman Research Group, mencionado num artigo da Deadline escrito por Dade Hayes,
concluiu que 82% dos lares americanos subscrevem pelo menos uma OTT (incluindo
plataformas mais recentes, como Disney+ ou HBO Max), e 49% têm três ou mais (Hayes,
2020). Com esta influência acentuada, as OTTs ganharam o poder de impor o rumo que
querem junto dos seus concorrentes; neste caso, na forma de produzir e distribuir
conteúdo audiovisual. Empresas como a Netflix apostaram fortemente no investimento
de séries, seguindo o caminho que serviços de cabo como a HBO tinham introduzido,
mas dando o seu cunho pessoal – de acordo com um estudo da Obercom, a Netflix terá
investido, no ano de 2020, 11,8 mil milhões de dólares na produção de conteúdo
(Obercom, 2022). Ao contrário dos estúdios tradicionais, a Netflix não interfere no
conteúdo das suas séries. Segundo o estudo da APIT, “se o guião for aprovado, passam
diretamente para a etapa de produção, eliminando o tradicional processo de
desenvolvimento, em que a série tem de se adaptar ao estúdio.” (Mateus, A. &
Associados, 2016); esta liberdade criativa terá contribuido para atrair realizadores e
autores de renome para a empresa, como David Fincher, que produziu e realizou episódios
de House of Cards e Mindhunter para a Netflix.

Este inovador método de produção de conteúdo não foi a única revolução que esta OTT
trouxe. A Netflix é conotada por ter inventado uma nova forma de consumir conteúdo –
o chamado binge-watching: a visualização de uma série, ou temporada, inteira, de uma
só assentada, durante um período de tempo prolongado. Este fenómeno, que terá tido a
sua origem com o aparecimento das cassetes de vídeo, que deu a possibilidade de os

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espectadores gravarem e repetirem os programas (Stephens, 2000), ganhou tração quando
a Netflix decide lançar os episódios todos de uma dada temporada ao mesmo tempo
(Mateus, A. & Associados, 2016), prática que os concorrentes da companhia prontamente
“copiaram”. Esta forma de consumo teve grande sucesso diante do público, dando azo a
um maior nível de engajamento por parte dos espectadores, que podiam mergulhar
profundamente no universo da série (Wolk, 2015; Rezende & Gomide, 2017).
Relacionado com este método de lançamento, passa a existir, na conceção da série, um
foco muito maior na serialização, na qual a história é contada quase como um “grande
filme de mais de dez horas” (Rezende & Gomide, 2017), ao contrário do formato
tradicional em que cada episódio funcionava, praticamente, por si mesmo, com uma
narrativa auto-contida. Atualmente, os concorrentes da Netflix optaram por voltar a um
lançamento semanal dos episódios, mas a serialização da narrativa continua a ser uma
tendência forte das séries atuais.

A Netflix, e os outros serviços de streaming que se seguiram, como a Amazon Prime


Video ou a Hulu, souberam aproveitar os sinais que estavam a aparecer – o desejo do
público de se libertar das formas de consumo tradicionais, a generalização da Internet, e
o aparecimento de séries inovadoras fora das grandes redes – e conseguiram mudar,
permanentemente, o paradigma do conteúdo audiovisual televisivo. A NCTA – The
Internet & Television Association reuniu dados da S&P Global Market Intelligence
referentes ao quarto trimestre de 2021 para construir um gráfico dos dez maiores serviços
SVOD na América por subscritores:

Figura 1. Fonte: Q4 2021- S&P Global Intelligence, Company filings. Netflix includes U.S. and Canada. Disney+ and Amazon
estimated
A competição está mais feroz do que nunca na América, com cada empresa a investir
mais e mais na produção e compra de conteúdo audiovisual. A Netflix ainda é a líder,
tendo demonstrado um aumento no investimento em conteúdo de 253%, em cinco anos,
de 2015 até 2020 (European Audiovisual Observatory, 2021). A Disney+ espera investir
8 a 9 milhões de dólares até 2024, enquanto que a HBO Max terá investido cerca de 1,5
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a 2 mil milhões no ano de 2020, quando foi lançada (Obercom, 2022). De modo a se
manter relevante, o mercado europeu teve de se adaptar rapidamente.

A televisão, na maior parte dos países europeus tem, desde a sua génese, um elemento
predominante que remete para a identidade nacional de cada país, dada a sua origem ser
a televisão pública, do Estado – nos estados autoritários do século XX, era mesmo usada
para difundir propaganda e servir como a voz do governo, de forma a unir o povo em
volta do seu líder (De Leeuw, 2008), escreve Sonja de Leeuw, juntamente com outros
colaboradores, num capítulo para o livro A European Television History, editado por
Jonathan Bignell e Andreas Fickers. Devido a esse fator, o desafio da televisão europeia
passa também por renovar as suas noções do que constitui a identidade nacional (De
Leeuw, 2008), de modo a conseguir ter sucesso neste período de globalização.

A influência que a cultura popular americana tem sobre a cultura e media europeia é, de
certa forma, inegável; Ib Bondebjerg, no mesmo livro editado por Bignell e Fickers,
escreve acerca de um sentimento amor/ódio que existe em direção a este domínio
americano sobre a Europa, particularmente no que diz respeito ao conteúdo de ficção e
entretenimento (Bondebjerg, 2008). Essa influência terá sido mais sentida a partir dos
anos 80 e 90, quando ocorre um processo de liberalização e privatização que permite que
a competição comercial entre em jogo, e os conteúdos importados dos EUA ganharam
vantagem (Bondebjerg, 2008). Num cenário cada vez mais dinâmico, o fenómeno da
globalização é, por vezes, confundido com uma “Americanização”, uma “invasão”
cultural (Bondebjerg, 2008), noção que o estudioso dinamarquês rejeita, indicando, por
um lado, a falta de cooperação entre os países europeus, e por outro, lembrando que a
globalização é uma rua com dois sentidos, onde as culturas se misturam e tiram o melhor
uma da outra - se os programas americanos têm encontrado sucesso em terrenos europeus,
é porque os serviços de programas nacionais não têm estado atentos às necessidades do
público europeu (Bondebjerg, 2008).

Com o desenvolvimento da União Europeia, contudo, passa a existir o objetivo de


construir e fortalecer um mercado europeu único, abrindo-se o potencial de co-produções
audiovisuais sem fronteiras (Bondebjerg, 2008). Se na altura da compilação do livro de
Bignell e Fickers, esta aliança europeia ainda deixava muito a desejar – um relatório do
projeto Eurofiction, de M. Buonanno, mostrou que apenas a França e a Itália produzia

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conteúdo audiovisual de ficção europeu (excetuando conteúdo nacional) para o prime
time, representando apenas 18% e 19% do conteúdo exibido, respetivamente, muito atrás
das percentagens referentes ao conteúdo americano exibido (35% e 64%) (Buonanno,
2000) –, atualmente, o cenário é diferente, embora ainda não satisfaça o potencial total de
um espaço audiovisual “Europeanizado”.

Segundo o estudo “Investing in European works: the obligations on VOD providers”, do


European Audiovisual Observatory, apenas 10% de toda a produção de séries de ficção
na União Europeia (+ Reino Unido), durante o periodo de 2015 a 2020, são co-produções.
A França, Bélgica e Alemanha são os países que se destacam no desenvolvimento de co-
produções na Europa, seguidas pelo Reino Unido e Áustria. É de mencionar que os níveis
de co-produção revelam-se superiores no que diz respeito a filmes lançados no cinema,
representando 22% da produção na União Europeia entre 2007 e 2016 (European
Audiovisual Observatory, 2022). De facto, segundo outro estudo da mesma organização,
“Circulation of European films on VOD and in cinemas”, em média, a nível nacional,
filmes europeus não-nacionais (que o estudo define como filmes produzidos por pelo
menos um país europeu diferente do país do consumidor) representam mais de 81% de
todos os filmes europeus disponíveis nos serviços VOD, em Maio de 2021 (European
Audiovisual Observatory, 2021).

Além disso, o estudo “Film and TV content in TVOD and SVOD catalogues - 2021
Edition” elaborou um catálogo com os 20 principais filmes produzidos na Europa
exportados em serviços TVOD (serviços que oferecem conteúdos pay-per-view) – 14
destes filmes foram co-produções, das quais 9 foram co-produções com os Estados
Unidos, e 8 entre pelo menos dois países membros da União Europeia. No que diz respeito
aos serviços SVOD, serviços por subscrição, 9 filmes foram co-produções, dos quais 3
foram com o Reino Unido, 2 com os Estados Unidos e 3 entre pelos menos dois países
membros da UE. Relativamente a séries de TV, nas 20 principais temporadas de TV
produzidas na Europa incluidas em serviços TVOD, a Irlanda domina, providenciando 9
temporadas de séries de ficção. Dentro do top 20, 14 temporadas foram co-produções,
sendo só 3 exclusivamente europeias. Nos serviços SVOD, séries de ficção irlandesas e
dinamarquesas encontram-se nas mais exportadas. É de assinalar, também, as co-
produções com o Canadá (nove) e com a Ásia (quatro) (European Audiovisual
Observatory, 2021).

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As co-produções têm sido, assim, uma das apostas da União Europeia para aprimorar o
mercado europeu do audiovisual, não só entre países da UE mas também parceiros
intercontinentais. Existem também parcerias entre diferentes países, inclusive entre
emissoras públicas, que se juntam para o desenvolvimento de conteúdo, com o custo
partilhado e diretos de emissão (Obercom apud Digital TV Europe, 2018). É de
mencionar, além disso, a curiosa proposta, por parte da presidência europeia, de
desenvolver um serviço de streaming europeu, de modo a promover a produção
audiovisual europeia (Obercom apud Politico, 2021).

A entrada da Netflix e de outros serviços SVOD no mercado europeu mudou


completamente o panorama – se em 2010, as receitas relativas a SVOD representavam
apenas 3% dos 300 milhões de receitas VOD na Europa, em 2020 representavam 84%
dos 11, 6 mil milhões gerados, segundo o estudo “Trends in the VOD market in EU28”
do European Audiovisual Observatory (European Audiovisual Observatory, 2021). O
mesmo estudo apresenta um gráfico que aponta para este crescimento, observando o
aumento das subscrições.

Figura 2

Existe uma impressionante quantidade de serviços à disposição dos consumidores


europeus – no início de 2020, estavam disponíveis 460 catálogos de SVOD nos países da
União Europeia + Reino Unido, operados por 200 serviços SVOD diferentes (European
Audiovisual Observatory, 2021). Ao analisar-se quais os três principais serviços de
SVOD em cada país, é possível chegar-se à conclusão que a Netflix e a Amazon ocupam
o primeiro e segundo lugar, respetivamente, em quase todos os mercados em que estão
presentes, como é visível na fig. 3 (European Audiovisual Observatory, 2021).

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É estimado que o SVOD tenha sido adotado por
mais de 50% dos lares em 6 países europeus,
tornando-os mercados SVOD em amadurecimento
(European Audiovisual Observatory, 2021).
Contudo, se, numa escala geral, as empresas
globais como a Netflix e a Amazon dominam o
panorama SVOD europeu, existem alguns países
em que serviços locais conseguem competir com
estes “gigantes”, como a Videoland, na Holanda,
Figura 3
ou a IPLA na Polónia (European Audiovisual Observatory, 2021).

É de mencionar o facto dos catálogos oferecidos pelos serviços de streaming não serem
necessariamente iguais em todos os países em que estão disponíveis, o que advém tanto
de decisões tomadas pelos próprios serviços, como devido a regulamentos legais de cada
país (Obercom, 2022). Analisando-se a região de origem do conteúdo audiovisual
disponível nos serviços VOD (juntando SVOD e TVOD) presentes no espaço europeu,
20% pertence a países da União Europeia, e 10% ao Reino Unido.

No sentido de minimizar o fosso, recentemente, têm sido criadas pela União Europeia
diretivas que servem para regular a ação dos serviços de streaming, nomeadamente,
impondo quotas para a inclusão de produtos de origem europeia – por exemplo, a diretiva
2018/1808 impõe que as distribuidoras de streaming reservem 30% do seu catálogo, nos
países europeus, para produções europeias, e, além disso, aplica uma taxa que obriga os
serviços de streaming a fornecer uma percentagem do seu rendimento para o setor da
cultura audiovisual nacional (Obercom, 2022). Com efeito, o investimento por parte dos
serviços de streaming em conteúdo original europeu tem aumentado, assim como as
aquisições, segundo o estudo “Investments in original European content - A 2011-2021
analysis” (European Audiovisual Observatory, 2022):

Figura 4

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Segundo o mesmo estudo, os investimentos dos serviços de streaming globais em
conteúdo original europeu representam 16%; as emissoras privadas também aumentaram
o seu investimento, enquanto que o peso das emissoras públicas neste sentido varia
bastante entre os países (European Audiovisual Observatory, 2022). Cerca de 30% dos
investimentos vão para projetos originários do Reino Unido, tendo havido um
crescimento, nos últimos 10 anos, em países como a Polónia, Espanha e países
escandinavos (European Audiovisual Observatory, 2022).

No estudo de 2020, “Audiovisual fiction production in Europe – 2020 figures”, estima


que foram produzidos, entre 2015 e 2020, 20 000 episódios e 13 000 horas, em cada ano,
na Europa (European Audiovisual
Observatory, 2022). O comprimento
dos projetos é um aspeto interessante
de analisar: tem havido uma tendência
para formatos mais curtos, com não
mais que 13 episódios, havendo uma
descida da quantidade de telefilmes,
como é demonstrado na fig. 5. Figura 5

O estudo “Investing in European works: the obligations on VOD providers” também


menciona essa tendência, apontando para um crescimento de 59,6% na produção de séries
de televisão durante este mesmo periodo, 2015-2020. Séries com 2 a 13 episódios por
temporada representam 54% dos conteúdos produzidos, e 24% das horas de conteúdo
(European Audiovisual Observatory, 2022). Esta tendência poderá estar relacionada com
a subida dos standards das séries de televisão – a exigência do público não é a mesma de
há dez ou quinze anos atrás, e menos episódios significa que mais investimento é colocado
na produção de cada episódio.

Alguns países europeus têm adotado medidas nacionais, que merecem ser analisadas de
forma a traçar algumas iniciativas relevantes na procura por manter ativa a competição
com os serviços de streaming americanos dentro do espaço europeu. O estudo da
Obercom “Audiovisual 2022: Paradigmas de consumo e de evolução da indústria em
Portugal e Europa” examinou os casos específicos de cinco países/regiões: Reino Unido,
o Eixo Nórdico (Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Islândia), Alemanha, França, e
por fim Portugal. O caso de Portugal ficará para a última secção deste trabalho, por isso
foquemos-nos nos primeiros quatro casos para já.
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No Reino Unido, encontramos uma situação interessante, pois para além dos serviços de
VOD pertencentes aos principais canais ingleses - a BBC tem o iPLAYER, a ITV, o
ITVX, e o Channel 4, o All 4, por exemplo -, que contêm programas exibidos nos
respetivos canais, assim como algum conteúdo exclusivo, existe uma plataforma que
nasce da colaboração de duas emissoras – a Britbox. A parceria que dá origem a esta
plataforma é curiosa, tratando-se de uma cooperação entre o canal público, a BBC, e o
principal canal privado, a ITV (Obercom, 2022). Como tal, o catálogo é composto por
conteúdo destas duas emissoras (em março de 2020 foi anunciado que conteúdo
produzido pela Channel 4 seria adicionado (Obercom apud Press Centre, 2020)). A
Britbox insere-se, assim, no mercado das gigantes de streaming, inclusive devido ao preço
atrativo (Obercom, 2022).

O estudo da Obercom aglomera cinco países, Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca,


Islândia, na designação “eixo nórdico” devido à “larga história de cooperação e
colaborações entre organismos públicos e privados” (Obercom, 2022). Um exemplo dessa
cooperação é a Nordvision, cooperativa composta pelas emissoras NRK da Noruega, DR
da Dinamarca, SVT da Suécia, RÚV da Islândia e a Finlandesa Yle, cujo principal
objetivo é a troca e co-produção de conteúdo audiovisual. A iniciativa Nordic 12 propõe,
a quatro desses parceiros, a produção de 12 séries originais dramáticas todos os anos, que
ficarão disponíveis nos serviços de streaming gratuitos dos cinco parceiros que
constituem a cooperativa (Obercom, 2022). É relevante mencionar a plataforma SVOD
Viaplay, propriedade do grupo sueco NENT; está presente atualmente em dez países,
incluindo os EUA, e em alguns países, como a Suécia ou a Dinamarca, é o segundo
serviço com mais subscritores (Obercom, 2022), à frente de alguns gigantes americanos.

Na Alemanha, a plataforma JOYN é a principal iniciativa, resultando de uma colaboração


entre o grupo mediatico ProSibienSat.1 e a empresa multinacional Discovery. A
plataforma inicial é gratuita, suportada por publicidade, havendo, de seguida, a Joyn +,
um serviço por subscrição, que para além de incluir conteúdo original alemão, também
contém séries internacionais de renome (Obercom, 2022). A JOYN tem tido grande
sucesso no mercado nacional alemão, sendo a empresa de streaming, com teor gratuito,
mais popular na Alemanha (Obercom apud Glance, 2020). É importante mencionar,
também, a parceria existente entre a emissora alemã ZTF e as emissoras RAI na Itália, e
France Télévisions na França, que constitui uma iniciativa ambiciosa, aberta a outras
emissoras públicas europeias com o objetivo de contrariar o domínio dos serviços de

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streaming americanos, promovendo co-produções e colaborações na produção de
conteúdo audiovisual (Obercom, 2022).

Por fim, no cenário francês, é possível discernir dois objetivos claros: preservar e divulgar
a cultura francesa e, por outro lado, fortalecer o setor audiovisual, fomentando o aumento
da produção de conteúdo (Mateus, A. & Associados, 2016). A aliança europeia acima
mencionada é uma das estratégias para concretizar esses objetivos; para além disso, a
plataforma SALTO constitui talvez a mais forte iniciativa de streaming francesa. Sendo
uma parceria entre a emissora pública France Télévisions e as emissoras privadas MS6 e
TF1, este serviço contém séries originais francesas, acesso a 25 canais de televisão e ainda
algumas produções internacionais renomadas. Além desta plataforma, a France
Télévisions também tem tomado algumas iniciativas próprias, com uma perspetiva mais
didática, direcionada para as crianças e jovens (Obercom, 2022).

Numa perspetiva geral, o panorama europeu no que diz respeito à produção de conteúdo
audiovisual, nomeadamente séries de televisão, tem visto uma constante evolução nos
últimos anos. O investimento em conteúdo original europeu subiu vigorosamente, a partir
da entrada dos serviços de streaming globais no mercado europeu. A subida do nível das
séries de televisão, exige que seja colocado mais investimento na produção das mesmas,
de modo a combater a concorrência. Em 2021, a Netflix representava aproximadamente
metade dos investimentos dos serviços de streaming globais, embora entretanto, outras
plataformas tenham acompanhado (European Audiovisual Observatory, 2022).

Por outro lado, é de destacar a possibilidade de coexistência entre estes gigantes do


streaming e serviços europeus locais, que fazem uso de uma identidade diferenciadora,
providenciando catálogos únicos, e sabendo aproveitar o conhecimento do mercado local
e as ligações com a indústria nacional, bem como alianças com outros serviços (European
Audiovisual Observatory, 2021).

A televisão portuguesa apresenta pelo menos uma caraterística que a distingue,


inevitavelmente, da maior parte dos países vizinhos europeus – a proeminência do
formato da telenovela. Este elemento distinto surge não necessariamente aquando do
nascimento da televisão em Portugal, mas no decorrer do seu desenvolvimento ao longo
do século XX, e as “consequências” desse desenvolvimento têm impacto na forma como,

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atualmente, a indústria televisiva tem operado, neste panorama em constante
dinamização.

Os começos da televisão em Portugal são, de resto, maioritariamente análogos aos


eventos que levaram à introdução da televisão pela maior parte da Europa. O serviço
público, a RTP, de controlo estatal, começou as suas emissões experimentais a 4 de
setembro de 1956 (Sobral, 2012), tendo iniciado a emissão oficial a partir de 7 de março
de 1957 (Sobral apud Teves, 2007). Os anos iniciais apresentavam pouca criatividade de
conteúdo; só a partir de finais dos anos 60 é que é possível verificar um esforço na
produção de programas inventivos, como é o caso do programa Zip Zip, que surge em
1969. A partir dos anos 70, o cenário muda, muito por conta da revolução de 1974, onde
o regime totalitário é derrubado; o conteúdo de entretenimento passa a ser mais
valorizado, e, em 1977, ocorre um evento que vai influenciar o panorama televisivo
português decisivamente – a transmissão da telenovela brasileira Gabriela (Sobral, 2012).

A telenovela, um formato que surgiu na América Latina nos anos 50 e 60 (Damásio et al


apud Rogers & Antola, 1985), encontra-se numa espécie de meio-termo entre a série de
televisão e a soap opera americana, no que diz respeito à estrutura narrativa – enquanto a
soap opera manipula as amarras narrativas de forma a criar uma história “interminável,
em perpétuo devir” (Esquanazi, 2010), a telenovela propõe um eventual final, não
costumando durar mais que seis meses a um ano (Damásio et al, 2020), mas não opera,
geralmente, numa base de temporadas, como a série de televisão propriamente dita. Além
disso, tem uma natureza tendencialmente melodramática, e, outro aspeto importante,
apresenta uma capacidade de sintetizar a cultura do local onde é produzida (Damásio et
al, 2020). Este elemento será a principal causa de sucesso do formato, e é comprovado
com o sucesso que a estreia de Vila Faia, a primeira telenovela portuguesa, tem, em 1982,
junto do público português (Sobral, 2012; Damásio, 2020). Podemos ver aqui um
encadeamento de eventos – o sucesso de Gabriela incita a mais exportações de produções
brasileiras, cujo constante sucesso junto do público português estimula a RTP a produzir
uma telenovela nacional, que aborde temas com os quais os espectadores se relacionam
diretamente e se identificam (Sobral, 2012).

Com a liberalização na área da comunicação social que se generalizou por toda a Europa
nos anos 80 e 90, Portugal não foi exceção; em 1992, surge o primeiro canal privado
português, a SIC, e em 1993, a TVI. É a partir dos esforços deste último que o
desenvolvimento do formato da telenovela se expande, e passa a dominar a produção de
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conteúdo audiovisual em Portugal. De facto, durante as décadas de 1980 e 1990, apesar
de terem sido produzidas algumas telenovelas nacionais, a supremacia das produções
brasileiras era aparente (Damásio et al, 2020). Até que, em 2000, a TVI transmite Jardins
Proibidos, disparando, quase de imediato, para o topo das audiências (Damásio et al,
2020). No ano seguinte, a mesma emissora começa a transmitir três telenovelas por dia;
a SIC tenta competir com a TVI, ao lançar Ganância nesse mesmo ano, mas não tem o
sucesso pretendido. Apenas em 2014, a primeira emissora privada consegue superar a
adversária, com Mar Salgado (Damásio et al, 2020).

Assim, o formato da telenovela foi ganhando mais espaço na televisão portuguesa, através
da competição entre os canais. A RTP ainda deixou de transmitir telenovelas em 1999,
para voltar apenas em 2013, com Os Nossos Dias, que, por sinal, se assemelhava mais ao
formato soap-opera presente nos Estados Unidos e na Inglaterra, no sentido em que era
transmitida antes do almoço, e não em horário nobre, e foi projetada para continuar
durante vários anos (Espalha Factos, 2013). A SIC, por seu lado, transmite produções
brasileiras, ao mesmo tempo que produz telenovelas originais.

Atualmente, a telenovela é maioritariamente distribuida pelos serviços de programas


privados, tendo a RTP direcionado o seu foco para a produção de séries. Ainda assim, o
peso das telenovelas é grande, tanto que em 2017, Portugal produziu 10% de todas as
horas de ficção televisiva produzidas na Europa, tantas como o Reino Unido (10%) e mais
do que pela França (6%) (European Audiovisual Observatory, 2017), muito por causa da
prolífica produção de telenovelas, algo também verificado num estudo mais recente da
European Audiovisual Observatory, “Investing in European works: the obligations on
VOD providers” (European Audiovisual Observatory, 2022). Da mesma forma, o estudo
“TV fiction production in the European Union” aponta para os formatos longos (formatos
com 26 ou mais episódios produzidos durante o ano), ou seja, telenovelas, como a razão
para Portugal e, neste caso, Espanha, apresentarem números de horas mais elevados que
o Reino Unido ou a França (European Audiovisual Observatory, 2017). A produção de
telenovelas supera a produção de séries “sofisticadas”, com menos episódios, por uma
larga margem.

A prevalência do formato da telenovela é, portanto, bastante acentuada. As razões para


ser um produto tão atrativo podem ser destiladas a partir de fatores económicos – é um
formato relativamente barato de produzir, e com retorno garantido, dado que apela ao

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telespectador comum através de narrativas acessíveis, que jogam com temas locais, e
portanto, agradará sempre a uma parte considerável da população (Damásio et al, 2020).

Porém, apesar de ser um formato que consegue garantidamente reter público, no


panorama atual audivisual global, pode ser visto como algo irrelevante, quando nos
viramos para um mercado audiovisual que tende a oferecer produções cada vez mais
sofisticadas. Neste sentido, as emissoras portuguesas procuram inovar os seus conteúdos,
principalmente através da criação de serviços de streaming.

A RTP Play foi a primeira plataforma deste género a ser criada, surgindo em 2011
(Obercom, 2022). O catálogo é maioritariamente composto por programas previamente
emitidos na televisão, mas também é visível um esforço em incluir conteúdo exclusivo
ou antestreias de séries que vão passar na televisão (Obercom, 2022). Iniciativas como a
RTP Lab, que se propõe a ser “um laboratório criativo e experimental, com novas formas
de produção de conteúdos, pensadas numa lógica multiplataformas”(RTP, 2022),
convidam a que criativos tragam conceitos para séries inovadoras, promovendo a
produção de conteúdo dinâmico e inventivo; as séries que resultam desta iniciativa ficam
disponíveis exclusivamente na RTP Play. É relevante mencionar o apoio do ICA, Instituto
do Cinema e Audiovisual, na concretização destas ações junto da emissora pública. O
ICA é responsável por fornecer apoio público ao desenvolvimento de projetos
audiovisuais nacionais, e tem como objetivo principal “promover o desenvolvimento de
atividades cinematográficas e audiovisuais, desde a criação até à divulgação e circulação
das obras, potenciando o aparecimento de novos valores e contribuindo para a diversidade
de oferta cultural e para a promoção da língua e da identidade nacionais” (Mateus, A. &
Associados, 2016).

Por parte da SIC, houve a criação da plataforma OPTO, que, por sinal, é o único serviço
de streaming português que segue o modelo americano, ou seja, um serviço por subscrição
(Obercom, 2022) – existe uma versão gratuita da OPTO, mas a maior parte do conteúdo
presente no catálogo é desbloqueado a partir de uma subscrição mensal. O catálogo de
conteúdo original mostra uma forte aposta em séries com altos níveis de produção.
Contudo, é incerto se o plano da SIC com esta plataforma terá o sucesso pretendido, dado
que está a competir com os gigantes do streaming, como a Netflix ou a Amazon; o número
de subscritores deste serviço é desconhecido, pelo que não é possível fazer uma avaliação
concreta do sucesso desta iniciativa (Obercom, 2022).

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Já a TVI lançou o seu serviço de streaming, TVI Player, em 2015, tendo, no mês em que
fez cinco anos, atingido perto de 10 000 subscritores (TVI, 2020). O serviço é gratuito,
havendo uma versão internacional, a TVI Player Internacional, que fornece o mesmo
conteúdo mediante uma subscrição mensal, semestral ou anual, para quem vive fora do
território nacional (TVI, 2020). O catálogo é composto por programas que foram emitidos
previamente na televisão, assim como algum conteúdo exclusivo, não havendo, porém,
séries de ficção produzidas especificamente para a plataforma.

Destas três plataformas, apenas a OPTO da SIC demonstra no seu modelo de negócio
uma intenção de competir diretamente com os grandes serviços de streaming
internacionais. Isto faz sentido dada a natureza das emissoras – a RTP cumprindo o seu
papel de operadora pública, ao oferecer conteúdo diferenciado de forma gratuita, e a SIC,
sendo uma empresa privada, naturalmente aborda esta situação a partir de um ângulo mais
comercial, como é visível, inclusive, nas séries produzidas, cujo conceito e narrativa
partem, frequentemente, de histórias reais que receberam bastante cobertura mediática,
como é o caso da série Praxx.

Tanto a SIC como a RTP têm, também, procurado colaborações internacionais com outros
players dentro do mercado audiovisual, da qual a parceria entre a SIC e a Globo do Brasil
será a mais conhecida (Obercom, 2022); esta aliança começou em 1992, e já resultou na
co-produção de conteúdo audiovisual, nomeadamente, na produção de telenovelas
premiadas (SIC, 2022). A RTP, por sua vez, associou-se à Netflix já por duas vezes,
recentemente. Primeiro, em 2021, ao co-produzir a série Glória, a primeira série
portuguesa da Netlfix, que teve muito sucesso na plataforma do gigante de streaming
(Obercom, 2022). Já em 2022, a RTP licencia a série Até que a vida nos separe à Netflix,
acontecimento similarmente histórico, dado o estatuto que a Netflix detém, e o natureza
invulgar deste tipo de transação entre uma emissora pública e uma plataforma de
streaming (Obercom, 2022). Ambos os casos tem o potencial de dar uma contribuição
imensa para a visibilidade e fomentação da cultura audiovisual portuguesa, pelo que são
significativos e relevantes nesta análise do caso português.

Quando falamos do formato da série de televisão e da sua evolução, é inevitável falar da


evolução da televisão em si. Desde a sua invenção na primeira metade do século XX, a
televisão nunca parou de se transformar, num constante processo de inovação e

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renovação, tanto numa lógica de seguir as tendências do consumo dos espectadores, como
ditando as mesmas. Isto é mais evidente que nunca nas últimas décadas, onde o salto
tecnológico foi enorme, com principal (mas não único) fator a ser a generalização da
Internet. Da mesma maneira, a trajetória histórica das séries de televisão, de forma a se
tornarem na maior fonte de entretenimento da atualidade, teve muito que ver com, por
um lado, uma vontade de inovar e experimentar, por parte de determinados criativos e
executivos, e por outro, uma disposição em adaptar um formato específico de contar
histórias às novas exigências do mercado e da audiência. O que se pode observar agora,
no entanto, é o desfasamento entre o percurso destes dois elementos, a televisão e as séries
de televisão – se o primeiro luta por sobreviver, num panorama digital em que os meios
tradicionais perdem cada vez mais força, o segundo continua a ganhar mais proeminência
na cultura popular. Isto pode levar, em última instância, a um questionamento acerca da
própria etimologia do termo “séries de televisão”, dado que a maioria dos espectadores já
não utiliza o aparelho televisivo para aceder a este género de conteúdo audiovisual.

Porém, é fundamental entender como o desenvolvimento da televisão, da televisão


americana especificamente, está interligado, em grande parte, com o desenvolvimento e
aperfeiçoamento do formato da série. O sucesso da televisão, e, consequentemente, das
séries junto do público americano, durante o século XX, foi imenso, devido a uma
combinação de fatores, e essa influência da televisão no imaginário americano
proporcionou que praticamente todas as grandes “revoluções” na área partissem dos
EUA. As séries dos anos 50 lançaram as bases, e impuseram-se nos lares americanos, os
anos 80 trouxeram um amadurecimento do formato, e as séries produzidas para a televisão
de cabo, como a HBO, nos anos 90 e 2000, trouxeram um requinte à produção deste tipo
de conteúdo, aumentando a fasquia.

Assim, quando a Netflix e as OTTs posteriores entram em cena, o timing não poderia ser
melhor, dado que respondem ao aumento do consumo de Internet por parte da população,
atendendo ao que o estudo da APIT refere como o “ritmo da vida urbana cada vez mais
veloz e fugaz” (Mateus, A. & Associados, 2016), e, por outro lado, à sectarização da
audiência, criada com o sucesso das séries “prestige”, com grandes orçamentos e valores
de produção. A própria forma de contar histórias sofre uma evolução, sendo notável a
maneira como a estrutura narrativa de muitas séries atuais difere de séries de há 20 ou
mais anos.

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Quando a Europa decide investir na criação e produção de séries televisivas, as tendências
evidenciadas foram levadas em conta, de modo a combater a hegemonia das grandes
plataformas de streaming americanas, que invadem e dominam rapidamente o mercado
europeu. Por um lado, houve um investimento por parte das próprias operadoras de
streaming, através de obrigações legisladas pela União Europeia, em conteúdos europeus,
e por outro, as operadoras de televisão europeias fizeram esforços em produzir conteúdos
originais. As emissoras públicas lideram a produção de séries, embora o peso das
emissoras privadas e públicas no que a isso diz respeito varie dentro dos diversos países
europeus (European Audiovisual Observatory, 2017). O caso de Portugal é curioso -
segundo o mesmo estudo da European Audiovisual Observatory, as estações privadas têm
produzido mais ficção para televisão que a estação pública; ora, isto deve-se
principalmente à constante produção de telenovelas por parte da SIC e TVI, mencionada
previamente. É realista supor que a popularidade deste formato não irá terminar tão cedo;
no entanto, a produção de séries mais sofisticadas, seguindo a fórmula que o resto da
Europa retirou do modelo americano, está a aumentar, por parte principalmente de
emissoras como a RTP e a SIC, a partir da plataforma OPTO.

A competição pela atenção do espectador é feroz, e pode ser descabido afirmar que o
conteúdo produzido nacionalmente irá competir de forma real com as séries
internacionais. No entanto, vemos que existem serviços em certos países europeus que
conseguem atrair uma boa parte da audiência, através de um foco em conteúdo
diferenciado, o que demonstra que é possível diminuir o desnivelamento. Mesmo assim,
de modo a combater o domínio anunciado das plataformas americanas dentro do mercado
europeu, os serviços audiovisuais europeus têm como método mais eficaz uma aposta em
alianças, parcerias ou mergers (European Audiovisual Observatory, 2021).

E, da mesma forma, uma aposta neste sentido seria uma opção interessante para Portugal,
que tem a vantagem de ter ao seu lado um país bastante prolífico e bem-sucedido no que
diz respeito a esta onda de produção de séries – a Espanha (Obercom, 2022). A
colaboração parecer ser o caminho ideal para ganhar terreno, e deve partir de todos os
lados – entre as operadoras nacionais e as internacionais. A criação de um espaço europeu
de criação audiovisual que consiga competir com os EUA, pode parecer um objetivo
inalcançável, mas as bases estão fundadas; só é necessário pôr em prática iniciativas que
ofereçam conteúdos inovadores e modernos, que ao mesmo tempo se diferenciem do

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resto, apostando em histórias e temas que dizem respeito às realidades europeias e
nacionais de cada país, sem esquecer uma dimensão universal.

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