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As telenovelas brasileiras em Portugal 3
das nas televisões generalistas frente ao de- ses foi tomando conhecimento do que se pas-
senvolvimento das televisões a Cabo e o con- sava no país. Foi assim com o Programa do
traditório desenvolvimento de conteúdos na- MFA, com as ocupações das fábricas, com
cionais, originais ou adaptados. as nacionalizações das empresas e os sane-
Esta periodização tem como objectivo amentos dos patrões. As rádios estiveram,
principal facilitar a investigação e organizar também, nas ocupações do Alentejo, na re-
a exposição do conhecimento apesar de, tal forma agrária e nas greves, acompanharam
como afirma Paquete de Oliveira os diferen- os acordos para a independência nas Coló-
tes ciclos demarcados da vida da comunica- nias, o regresso dos militares e os primei-
ção social portuguesa corresponderem a ou- ros refugiados/retornados. Às rádios deve-
tros tantos ciclos da história da nação.5 se, também, a expansão do canto livre, da
A complexidade, diversidade e extensão música de protesto, nacional e estrangeira, e
do objecto, e o objectivo deste artigo Tele- a abertura a países até então pouco conheci-
novelas Brasileiras em Portugal: indicado- dos. Se as rádios deram voz e divulgaram (de
res de aceitação e mudança, leva-nos a fazer forma mais eficaz que a imprensa) conteú-
uma breve exposição dos períodos enuncia- dos e jargões próprios aos diversos momen-
dos, na tentativa de melhor compreender o tos da revolução, a televisão deu-lhes o rosto.
período que se vive na actualidade. No dia 26 de Abril de 1974, à 1h 20 da ma-
Primeiramente é necessário referir que a drugada, a televisão pública apresentou, num
Revolução do 25 de Abril demonstrou que, cenário árido e ríspido, a Junta de Salvação
apesar da censura e da repressão, a Rádio, o Nacional, e ao longo dos dois anos de Re-
Jornal, a Televisão, a Indústria Cultural e as volução, reflectirá as alternâncias do Poder,
Telecomunicações constituiam instrumentos ao mesmo tempo que acertará contas com o
e agentes sociais incontronáveis.Basta lem- anterior Regime.
brar que as senhas para o deflagrar do movi- Num balanço de fim de revolução de
mento utilizaram todos estes elementos. 1974-75, algumas linhas de força estarão es-
Por outro lado, independentemente, das tabelecidas e far-se-ão sentir até aos nossos
vicissitudes internas, comuns a todas as em- dias: a relação entre Cultura e Poder (através
presas neste período (ajustes de contas, sane- de nomeações, cargos, prémios, e a coopta-
amentos, greves, comissões de luta, etc.), as ção de intelectuais, nomeadamente, através
rádios e a televisão, tiveram um papel muito da concessão de subsídios); a distinção en-
importante de dinamização, no primeiro ci- tre a cultura erudita e a cultura popular ou
clo da Revolução do 25 de Abril. Primeiro, de massas; a formação de grupos de teatro
foram as rádios que levaram aos locais mais responsáveis por transformações na lingua-
recônditos, do então Império Colonial, as no- gem teatral; a promoção do urbanismo como
tícias dos acontecimentos na capital, depois, princípio de qualidade de vida; o consumo
foi através delas que a maioria dos portugue- regular de literatura especializada (política,
5
ciências sociais, etc.); o incremento da mú-
Paquete de Oliveira, J.M. (1992), A integração
europeia e os meios de comunicação social In: Aná- sica como grande consumo cultural; a ascen-
lise Social, 27, 118-119: 4-5, 995-1024. são e a queda do número de espectadores de
cinema.
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rondava os 15023 e que era prática corrente, A visita da Cornélia, inaugurou aquilo que
nas aldeias, vilas e bairros, assistir-se à tele- alguns críticos, comentaristas e jornalistas
novela nos cafés, associações de bairro, as- designaram por país televisivo25 ou seja, o
sociações de moradores ou sedes de outras início, em Portugal, dos fenómenos ineren-
associações cooperativas, pode-se imaginar tes à massificação das audiências centrada na
o efeito de interactividade criado pelo sim- televisão. Entretanto, os profissionais deste
ples facto de fruição conjunta da exibição. sector tomam consciência que existe uma
Pelos indicadores que a análise dos jornais indústria de conteúdos em português – al-
nos fornecem, o público tenderá a apropriar- tamente desenvolvida, portadora de lógicas
se da telenovela Gabriela em função das próprias de criação e divulgação – e da fas-
suas expectativas e referências mais premen- cinação provocada pelos seus produtos.
tes: em primeiro lugar em função dos con- A opção pela telenovela brasileira como
textos políticos e sociais do Portugal pós Re- estratégia de fidelizar audiências na televi-
volução do 25 de Abril, nomeadamente nas são pública não foi pacífica, não só por se
questões referentes à identidade decorrentes temer uma demasiada influência dos falares
do fim do ciclo imperial; em seguida em fun- e vivências culturais brasileiras como por se
ção dos seus quotidianos, como seja a eman- considerar que a uma televisão pública, paga
cipação da mulher, a liberdade sexual e as com impostos públicos, compete a divulga-
mudanças de estilos de vida e costumes. ção da cultura feita em Portugal e por por-
Se a inserção da telenovela no horário no- tugueses. Contraditoriamente, uma das jus-
bre fez parte de um processo de reestrutu- tificativas para o sucesso do género em Por-
ração da RTP, 24 o seu sucesso, reconhe- tugal, está com certeza vinculados ao facto
cido unanimemente, promoveu novos acor- da(s) telenovela(s) brasileiras terem proposto
dos para a compra de telenovelas, enquadra- aos seus receptores, durante mais de vinte
das, mais uma vez, num outro processo de anos, conteúdos e temas que os interpela-
reestruturação que incluiu a repetição da Ga- ram. Estes conteúdos, expressos numa lín-
briela à hora do almoço. Assim, se a exibi- gua comum mas, também, num imaginário
ção da telenovela, por volta da hora do jan- comum, de mitos, heróis, acontecimentos,
tar, vai criar a receita de sucesso telejornal- paisagens, recordações e saudades, permi-
telenovela-telejornal, na RTP 1 – alterando tem facilmente, sua identificação por todos
os quotidianos das famílias e estabelecendo os portugueses.26
o início do Jornal Nacional às 20 horas – a Acresce a esta justificativa o facto dos es-
re-exibição da telenovela à hora do almoço pectadores, sobretudo as classes médias por-
vai contribuir para a feminização da recep- tuguesas em ascensão, perceberem os con-
ção da telenovela em Portugal. teúdos das telenovelas como modelos de
A exibição da telenovela Gabriela, Cravo comportamentos, estilos de vida e valores
e Canela, em simultâneo com o reality show 25
Amorim, R., Gabriela desapareceu..., Expresso
23
Barreto, A. (1996), ob. cit., p. 146. Revista, 19/11/77, p. 17R
26
24
Nova programação da RTP já segunda-feira, Diá- Featherstone, M. (1997), O desmanche da cul-
rio de Lisboa, 14 de maio de 1977, p. 6. tura: globalização, pós-modernismo e identidade,
São Paulo, SESC, p. 151.
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sentadores que dominam, até hoje, o espec- preferidas Escrava Isaura (1978), Guerra
tro dos Media em Portugal. dos Sexos (1984) e Roque Santeiro (1987).31
Na RTP1, as grelhas integraram, na dé- Esta última, dez anos depois da exibição de
cada de 80 os programas infantis, à me- Gabriela vai conseguir, de novo e em ambi-
dida que os prazos das emissões se foram ente de eleições autárquicas, politizar a re-
alargando, com desenhos animados originá- cepção, como o prova a análise dos jornais e
rios dos países de Leste, da Europa Central semanários de qualidade, onde são constan-
ou do Brasil (como por exemplo, o Muppet tes as referências de políticos e de líderes de
Show e O Sítio do Picapau Amarelo), pro- opinião ao enredo, nomeadamente no que se
gramas de carácter cultural (por exemplo, so- refere à corrupção política.32
bre História e Música), programas formati- A hegemonia da produção brasileira na
vos e educativos (desde a TV Rural ao en- televisão pública portuguesa, repercutiu nas
sino à distância), programas de humor portu- instituições governamentais e entre agentes
gueses (onde se iniciaram a maior parte dos interessados no sector das indústrias cultu-
grandes humoristas portugueses da actuali- rais. Os debates – na televisão, nos jornais
dade, por exemplo, Herman José) e brasilei- e em colóquios – visaram encontrar alterna-
ros (por exemplo, O Planeta dos Homens e tivas a esta realidade e propor medidas que
Viva o Gordo, abaixo o Regime), bem como constituíssem opções para quem não gosta
as transmissões de festivais de Música Li- de brasileiradas.33 Surgiu, assim a produ-
geira e a revelação, em programas de auditó- ção de telenovelas portuguesas, inspiradas
rio, de novos talentos das artes e dos espectá- no modelo da Globo, mas com temas e acto-
culos (por exemplo, no programa O Passeio res nacionais, sendo a telenovela Vila Faia,
dos Alegres, de Júlio Isidro, a presença regu- exibida em 1982, a tentativa com mais su-
lar de actores como Mário Viegas). cesso. Conforme dados recolhidos e trata-
A televisão pública, no tocante à ficção, dos pela empresa Marktest34 e publicados no
tentou, nos anos oitenta, diversificar a oferta jornal O Dia, de 14 de Junho de 1982, Vila
integrando Portugal na rota das produções Faia agradou, nos seus primeiros cinco epi-
globalizadas – foram exibidas a soap-opera sódios a 71% dos portugueses e terminou
Dallas e as séries Balada de Hill Street e 31
Sondagem Telenovelas/SIC: as 20 novelas prefe-
Fame, bem como séries ingleses e italianas ridas dos portugueses. Universo: Eleitores residen-
– ao mesmo tempo que se ensaiavam as pri- tes em Portugal Continental e Regiões Autónomas.
meiras tentativas de telenovela portuguesa e Amostra: Aleatória e representante do universo, com
se mantinha a receita de sucesso do prime- 848 entrevistas telefónicas. Realização: 14 a 17 de
Abril de 1998, pelo Centro de Sondagens da SIC.
time fundada na sequência – sandwich – te- 32
Figueiras, R. (2002), A telenovela “Roque San-
lenovela brasileira-telejornal-telenovela bra- teiro” na Imprensa Portuguesa (no prelo).
sileira. 33
E a Telenovela Portuguesa? Diário de Notícias,
Não havendo alternativa, aos dois canais 28 de Fev. 1981.
34
públicos, as audiências eram cativas, che- Burnay, C. (2002) A telenovela portuguesa: his-
tória e audiência, Dissertação de Mestrado a apresen-
gando aos 92% do universo dos especta-
tar no Mestrado de Comunicação e Indústrias Cultu-
dores, durante os períodos de exibição das rais na Universidade Católica Portuguesa.
telenovelas brasileiras, nomeadamente das
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agradando a 91%. Ao mesmo tempo, 23% de convergência apoiados pelos Fundos Es-
dos telespectadores consideraram esta tele- truturais da Comunidade Europeia, propicia
novela portuguesa melhor do que as brasilei- um constante aumento dos indicadores de
ras, 55% consideraram-na igual às brasilei- bem estar, económicos e sociais, dos portu-
ras e 12% pior. gueses. Segundo Barreto,38 para além de al-
Durante esta década, outras tentativas fo- gumas tendências mais evidentes – como a
ram feitas pela televisão pública, com o modernização, a urbanização, o desenvolvi-
objectivo de travar esta colonização brasi- mento do capitalismo e da economia de mer-
leira,35 mas com pouco sucesso: as tele- cado, a ligação crescente às economias glo-
novelas brasileiras continuaram a manter as bais, o envelhecimento da população, a esco-
maiores audiências e as produções portugue- larização da população jovem, a democrati-
sas não conseguiram captar a atenção do pú- zação da política e da sociedade e outros –
blico. existem outros processos sociais em curso,
A comunidade académica portuguesa não nomeadamente as alterações da concepção
se interessou pelo fenómeno telenovelas bra- do papel da mulher e da família, a seculariza-
sileiras, apesar do seu impacto e visibili- ção da vida pública e privada, a terciarização
dade. Apenas são conhecidos dois estudos da economia e da sociedade, a imigração e
relativos aos anos oitenta, um na óptica da os novos fenómenos de exclusão. Ao mesmo
produção e do conteúdo, da autoria de João tempo, a década de noventa assiste a um au-
Paulo Moreira36 e outro na perspectiva da re- mento progressivo, e constante, do bem-estar
cepção, de João Manuel Leite Viegas.37 Uti- colectivo e individual, possível de detectar
lizando propostas teóricas e metodológicas através de indicadores de consumo, de equi-
diferentes, ambos procuram cruzar, na pers- pamento doméstico, de conforto, de acesso à
pectiva da recepção, variáveis demográficas educação e à cobertura sanitária. Bens como
e sociais com as formas de captar sentidos e o telefone, a televisão a cores (mais de um
assistir à telenovela. aparelho por lar), o frigorífico, as máquinas e
electro-domésticos e o automóvel tornam-se
acessíveis, através do crédito, à generalidade
3 As Guerras de Audiência,
dos indivíduos das classes médias.
Parte I (1993-1998) Neste contexto, as privatizações e as al-
Nos anos noventa, a estabilidade económica terações na legislação sobre Comunicações,
e política, alicerçada nos sucessivos planos prevista na Lei de Bases de 88/89, tornaram
possível a reorganização do sector. A cria-
35
E a Telenovela Portuguesa? Diário de Notícias, ção da holding Comunicações Nacionais, em
28 de Fev. 1981.
36
Moreira, J.P. (1980), Telenovelas: a propósito da
1993, reuniu as empresas públicas de Cor-
cultura de massas, Revista Crítica de Ciências Soci- reios, Telefones, Rádio e Televisão e a Mar-
ais, no 4/5: 47-85. coni, entregando a liderança à Portugal Tele-
37
Viegas, J.M.L. (1987), Telenovelas: do modelo
38
de recepção à diversidade de reconhecimento, Re- Barreto, A., org. (2000), A Situação Social em
vista Sociologia , problemas e práticas, Lisboa, Pu- Portugal 1960-1999, Lisboa, Imprensa de Ciências
blicações Europa América, no 2. Sociais, p.60.
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com, que posteriormente será parcialmente pelas telenovelas brasileiras. Como afirma
privatizada.39 Lopes,41 a política de confronto com base
Com o crescimento da publicidade, nas telenovelas brasileiras foi assumida an-
tornam-se possíveis projectos profissionais tes do arranque da SIC, no momento em que
de jornalismo – como o diário Público, a televisão pública antecipou a estreia da te-
e o semanário Independente – e abre-se lenovela Pedra sobre Pedra, em sobreposi-
caminho a dois operadores privados de ção a Meu Bem Meu Mal. No Verão de
televisão: a SIC (Sociedade Independente de 1994, o contracto de exclusividade firmado
Comunicação) e a TVI (Televisão da Igreja, com a Globo permitirá à SIC tomar progres-
depois Televisão Independente) que inicia- sivamente a liderança das audiências com a
ram as suas actividades, respectivamente em telenovela Mulheres de Areia, apostando na
6 de Outubro de 1992 e a 20 de Fevereiro de continuação do modelo existente na RTP1,
1993. telenovela-telejornal-telenovela.
O panorama dos Media e das indústrias Ao mesmo tempo, o grupo Imprensa, a
culturais altera-se rapidamente: até Outu- que pertence a SIC, e o semanário Expresso,
bro de 1992, cem por cento do investimento bem como revistas de coração e de televi-
publicitário na televisão era feito na RTP e são, concertam uma agenda periódica sobre
cerca de 9, 5 milhões de pessoas viam regu- as telenovelas exibidas, o que permite dar
larmente o Canal 1. Dois anos depois, no uma grande visibilidade às produções e aos
mesmo Canal, o valor médio do share des- temas tratados. Esta Agenda, presente em ór-
ceu para 50% desse valor, atingindo a sua gãos de comunicação de qualidade e introdu-
melhor cotação no intervalo das telenove- zida, como fait-divers, nos jornais nacionais
las brasileiras. Os restantes 50% da publi- e programas sobre beautiful people, confe-
cidade os anunciantes distribuíram-nos pelos rem grande visibilidade ao produto teleno-
dois novos canais, sendo que a SIC, exibindo vela e procura atingir as classes A/B, decla-
também telenovelas brasileiras, irá arrecadar radamente avessas a este género televisivo42 .
progressivamente, uma maior fatia. 40 A RTP1 ainda tentou até 1995 in-
Independentemente da SIC ter iniciado o verter a tendência das oscilações das
seu projecto televisivo com base na Informa- audiências no momento das telenovelas,
ção, e ter durante os dois primeiros anos im- procurando quebrar o circulo telenovela-
portado reality shows e concursos musicais, telejornal-telenovela, apostando no conceito
o director da estação, Emídio Rangel, per- de informação espectáculo, inforteinement,
cebeu imediatamente que a guerra das audi- introduzido pela SIC, ao mesmo tempo que
ências só poderia ser ganha, contra a RTP1, aumentava os tempos comerciais. Mas as
39 41
Sousa, H. Políticas da comunicação: reformas e Lopes, F. Estratégias e rumos no Panorama Au-
continuidades In: Pinto, M., org. (2000), A Comu- diovisual Português In: Pinto, M., org. (2000), A
nicação e os Media em Portugal, Braga, Instituto de Comunicação e os Media em Portugal, Braga, Ins-
Ciências Sociais da Universidade do Minho, pp.31- tituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho,
51. pp.77-97.
40 42
Gonçalves, M. A. (1994), Um ano de televisão a A televisão já não é o que era, Dossier Revista
quatro, Público, pp.24-25. Expresso, 24/05/97.
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à produção e à criação, a NBP recruta técni- imprimindo uma nova dinâmica ao quotidi-
cos e profissionais no Brasil e na Europa, ao ano dos portugueses. Dentro dos fenóme-
mesmo tempo que através da Casa de Cri- nos económicos com maiores repercussões
ação promove, não só a adaptação de for- sociais poderão ser referidos, a abertura da
matos estrangeiros (séries e telenovelas) à Banca portuguesa ao estrangeiro, com a con-
realidade portuguesa, como tenta desenvol- sequente luta por quotas de mercado através
ver projectos originais.45 Não sendo propri- da concessão de crédito fácil; a inaugura-
amente ficção, deve-se, contudo referir um ção de grande número de shopping-centers
produto, de grande sucesso, comum a todos de grandes dimensões; a internacionalização
os canais, os sketches cómicos, normalmente do comércio através das franchise; a espe-
utilizados como tampão entre o fim do jornal cialização da oferta e o uso generalizado do
da noite e o início da telenovela ou ficção, telemóvel. Complementarmente, fenómenos
por exemplo, Os Malucos do Riso (na SIC) sociais de ostentação de riqueza, de imigra-
ou Bora lá Marina (na TVI).46 ção – principalmente dos Países Africanos de
Língua Portuguesa, do Brasil e dos Países da
Europa de Leste – e de exclusão tomam no-
4 As Guerra de Audiência, Parte
vas dimensões. Ao mesmo tempo, assiste-
II (1999-2002) se à expansão das classes médias – de que
Os finais da década de noventa, início do mi- fazem parte muitos imigrantes – assente nos
lénio, acentuam algumas tendências que já ganhos, em constante progressão, de activi-
se vinham sentindo sobretudo no começo da dades e salários de profissões relacionadas
segunda metade da década de noventa. A à construção civil, aos serviços e às empre-
partir de 1998, torna-se perceptível o esgota- sas de carácter familiar.47 Estas classes mé-
mento do modelo centrado na expansão eco- dias, com escolaridade média e média baixa,
nómica suportada, com base nos Fundos da detentoras de um deficit crónico de bens de
Comunidade Europeia, pelas grandes obras consumo e aspirando a um sucesso rápido,
públicas (Centro Cultural de Belém, Ponte parecem estar a afirmar-se socialmente por
Vasco da Gama, as Auto-estradas que ligam meio de outros comportamentos, gostos e va-
as principais cidades do país e estas à vizi- lores.
nha Espanha) e eventos culturais nacionais Com efeito, tendo como base indicadores
(a Expo’98, ou em 1994, Lisboa Capital da de tendências48 pode-se avançar que a emer-
Cultura). gência destas novas classes médias – com
No mesmo período, fenómenos económi- valores e estéticas próprias, com caracterís-
cos e sociais adquirem grande visibilidade, ticas próximas ao que alguns autores deno-
47
45
Burnay, C. (2002) A telenovela portuguesa: his- Lisboa Hábitos de compra, Lisboa, Câmara Mu-
tória e audiência, Dissertação de Mestrado a apresen- nicipal, 2001.
48
tar no Mestrado de Comunicação e Indústrias Cultu- Janus 99-2000, Lisboa ,Público-Universidade
rais na Universidade Católica Portuguesa. Autónoma de Lisboa; Janus 2001, Lisboa, Público-
46
Ferin Cunha, I., Burnay, C., Gameiro, L. (2002) Universidade Autónoma.
A ficção em Português nas televisões generalistas: um
estudo de caso, Lisboa, Revista do Obercon, no 6.
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niz, à frente, vindo da RTP – sobretudo ação, em função do género e trajectória fa-
nos segmentos de público, Donas de Casa miliar da telenovela Terra Nostra, apontam
e Crianças (4-14 anos). Esta tendência será para a ideia que, existindo na generalidade
reforçada em 2000 com as novas grelhas, mais de um receptor de televisão em cada
sendo que a TVI apostará numa contra – casa, e sendo o zapping uma constante, a te-
programação frente à SIC, fundada nas te- lenovela brasileira é regularmente objecto de
lenovelas portuguesas, em programas de for- visualização, sendo entendida como um fac-
mato importado, como o Big Brother, e no tor de utilidade social, de aprendizagem, de
prolongamento do telejornal da noite onde prazer estético, de relaxamento e, em menor
são introduzidas informações sobre as tele- grau, de entretenimento .54
novelas e o Big Brother. Se o impacto do reality show, Big Brother,
Neste novo contexto, a exibição de Laços na TVI, abalou toda a estratégia da SIC, na
de Família na SIC, será gravemente afectada, verdade não é possível menosprezar a aposta
sofrendo constantes oscilações nos seus sha- feita por essa estação nas telenovelas e sé-
res (entre 53% e 34%), mas mantendo con- ries portuguesas. Como afirmou o director
tudo a média da liderança com uma percenta- da TVI, José Eduardo Moniz, o Big Brother
gem de cerca de 39,9% da audiência total, o funcionou como locomotiva de atracção dos
que corresponde a mais de um milhão e meio espectadores, mas para os fidelizar lá esta-
de espectadores, representando 16% da po- vam o Jornal da Noite, com a jornalista-
pulação portuguesa. Dados fornecidos pela vedeta Manuela Moura Guedes, as séries
empresa Marketest, recolhidos pelo Projecto Jardins Proibidos, Crianças SOS, Super Pai
Imagens do Masculino e do Feminino na te- e as telenovelas Olhos de Água, Anjo Selva-
lenovela brasileira,53 referentes à visualiza- gem (2002) e Filha do Mar(2002). A partir
ção da telenovela Laços de Família, de Maio do último trimestre de 2001, sempre puxadas
a Dezembro de 2000, parecem indicar que pelas aventuras e desventuras das expulsões
são as mulheres de mais de 45 anos, vivendo dos moradores da casa do Big Brother I, II e
nas cidades do interior, que independente- III, a TVI consegue superar os níveis de au-
mente das classes sociais mais consomem te- diência da SIC.55 Pelo meio ficaram dias me-
lenovelas brasileiras. No entanto, a investi- moráveis de contra-progragramação, com a
gação levada a cabo por este Projecto – com exibição de telenovelas por tempo indetermi-
base em entrevistas individuais e de focus nado ou programas de apoio explícito a listas
group a cerca de vinte homens e mulheres de clubes de futebol, bem como o recurso a
jovens adultos, na cidade de Lisboa – e a histórias pessoais de violência, miséria ou in-
pesquisa realizada por Verónica Policarpo – segurança. A SIC ainda tentou contra atacar
cerca de 20 entrevistas , 7 homens e 13 mu- exibindo reality shows comparáveis ao Big
lheres, na mesma cidade – sobre a apropri- Brother, como o Bar da TV, Acorrentados,
53
mas acaba por incorporar uma táctica palia-
Projecto financiado pela Fundação Ciência e Tec-
nologia (FCT), de 2000 a 2002, com a participação 54
Policarpo, V. (2001), Ob. Cit. p. 46.
das seguintes investigadoras, Isabel Ferin Cunha, Te- 55
OBERCOM (2001), Anuário Comunicação: os
resa Líbano Monteiro, Verónia Policarpo e Leonor media e os novos media, 2001-2002, Lisboa, Obser-
Gameiro (bolseira da FCT). vatório da Comunicação.
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tiva, ao procurar reforçar os tempos anterio- rar um longo prime-time esticado, das 20h às
res ao prime-time liderado pela TVI, na espe- 24h, com o Jornal da Noite e as telenovelas
rança de um esgotamento daquela estratégia. portuguesas.
Neste enquadramento, a SIC investiu, du- No cenário dinâmico destes três últimos
rante o ano de 2001, na exibição de teleno- anos, convém referir as alterações que fo-
velas brasileiras, num total de cerca de 882 ram realizadas, ou anunciadas, pelo governo
horas/ano, bem como em 10 telefilmes por- eleito em Março de 2002, nomeadamente a
tugueses. As tardes foram ocupadas, desde a reestruturação da RTP(com a possível extin-
hora do almoço até ao início do prime-time, ção do Canal 2), a extinção da holding Por-
pelas reposições de A Próxima Vítima e a Vi- tugal Global, a redefinição dos objectivos do
agem, as telenovelas Uga, Uga, New Wave serviço público de televisão e de rádio, com a
e O Cravo e a Rosa. No início do prime- diminuição dos tempos de publicidade e hi-
time, a SIC tentou a exibição, sem grande erarquização de conteúdos de interesse pú-
sucesso, de Ganância, uma telenovela por- blico (as telenovelas são, directamente, con-
tuguesa com actores brasileiros e atirou para sideradas de não interesse público), o fim dos
o fim do prime-time (22h 30m) Porto dos Mi- subsídios a organismos vocacionados para a
lagres.56 Durante o ano de 2002, esta estação criação de conteúdos.57
utilizará a mesma táctica, ao concentrar as
telenovelas brasileiras (Desejos de Mulher,
5 Conclusão
New Wave, Coração de Estudante) no pe-
ríodo anterior ao prime-time, preenchendo e A sociedade portuguesa mudou muito do fi-
estendendo o prime-time com programas de nal da década de setenta até ao ano de 2002.
humor e tentando a sorte com a telenovela São cerca de vinte e cinco anos que fizeram
portuguesa Fúria de Viver (bastante mais ba- de Portugal um país diferente nos aspectos
rata, cerca de 30.000 Ă por capítulo, contra económico, político, social e demográfico.
os cerca de 100.000 Ă das brasileiras), ao Os portugueses, apesar de se manterem na
mesmo tempo que atirava O Clone para o cauda da Europa, atingiram muitos dos ín-
período após o fim do prime-time. dices de desenvolvimento e bem estar euro-
A táctica de resistência da SIC parece ter peus e, como já foi afirmado, mas é sempre
acabado por dar resultado, de acordo com bom retomar, os portugueses têm as mesmas
dados da Marketest, a partir de Maio de expectativas perante a sociedade material, o
2002, quando recupera a liderança das au- consumo, a organização, as férias, a cultura
diências, registando um share médio mensal e o divertimento que os mais ricos habitan-
de 32,9%, contra os 29% de quota de mer- tes do hemisfério Norte.58 Por outro lado,
cado da TVI e os 21,2% da RTP1. Contudo, estas expectativas são forjadas, quase na to-
esta posição da SIC fica-se pela média do talidade, pelos Media e pelas indústrias cul-
dia, continuando a TVI, com 35%3 a lide- turais, através de incentivos ao consumo e a
56 57
Nunes, C. (2001), "Ficção vence Big Brother: a Henriques, J.P. (2002), Governo pôs em marcha
novela da TVI Olhos de Água lidera os programas plano para reformar RTP, Público, 10/05/02, p.2.
mais vistos. A novela real cedeu o lugar à ficção", 58
Maria João Avillez conversa com António Bar-
Expresso, 07/04/01, p.12. reto: Entrevista. Expresso, 11/07/98.
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As telenovelas brasileiras em Portugal 19
contrário, pertence às camadas mais jovens, capta as audiências, são também frequente-
com os que têm entre 4 e os 14 anos a repre- mente apontadas as convergência entre os te-
sentar 19,8% e as pessoas que têm entre os mas tratados nas telenovelas brasileiras, fei-
15 e os 24 anos a significarem 15%. A SIC, tas para as audiências brasileiras e os interes-
por seu lado, abrange as várias faixas etá- ses presentes nas audiências portuguesas.
rias, situando-se os seus maiores resultados Os sinais desta convergência de interesses,
na camada jovem, entre os 4 e os 14 anos presentes durante toda a década de noventa,
(15,7%) e na faixa etária com mais de 64 devem-se provavelmente, ao vertiginoso pro-
anos (20,5%). 59 cesso de abertura da sociedade portuguesa à
A televisão, e os géneros televisivos, re- sociedade europeia e aos modelos de quoti-
flectem estas mudanças: novas gerações no- diano globalizados, e que podem ser identifi-
vas exigências. O caso das telenovelas bra- cados nas referências públicas – na imprensa
sileiras, em Portugal, é provavelmente um de qualidade, na de coração e nas duas inves-
caso paradigmático da leitura que as audi- tigações realizadas – às telenovelas brasilei-
ências fazem de determinados géneros em ras como apresentando temáticas modernas,
função das alterações sociais por si viven- actualizadas e com uma certa utilidade so-
ciadas. Nos primeiros dez anos, a politiza- cial. No entanto, na medida em que surgem
ção da recepção das telenovelas brasileiras espectadores mais jovens, já socializados em
está por demais documentada na imprensa de ambientes urbanos, com hábitos de consu-
qualidade e de coração. Nesse período, ao mos culturais variados e grande número de
mesmo tempo que se mantém o interesse pe- horas/géneros de televisão visualizadas, tal-
las telenovelas que focam temas de carácter vez esta convergência tenda a se esgotar ou
histórico – nomeadamente, pelas que apre- a se estabilizar num certo público. Este pú-
sentam um imaginário lusófono – aumenta o blico constituído por mulheres e homens, de
interesse pelas temáticas de ascensão social meia-idade, dos meios urbanos do interior
(tipo Rainha da Sucata) e pelas narrativas e das grandes cidades, pessoas que mantêm
humoradas que privilegiem temas ainda ta- com a telenovela brasileira uma empatia li-
bus (por exemplo, Guerra dos Sexos, Roque gada ao seu percurso de urbanização recente.
Santeiro). Na década de noventa, a superiori- Talvez, confirmando esta função de ser-
dade técnica de todos os agentes envolvidos viço público atribuído à telenovela, se possa
na indústria da telenovela brasileira é unani- citar a Sondagem realizada no mês de Junho,
memente reconhecida em Portugal: eles sa- do presente ano, com vista a fundamentar os
bem contar uma história, divertir e entre- géneros necessários a uma grelha de serviço
ter, ao mesmo tempo expressar as alegrias, público, onde as telenovelas (sem se especi-
tristezas e preocupações dos espectadores.60 ficar se são as brasileiras ou as portuguesas)
Mas não é só esta superioridade técnica que surgem dividindo a opinião pública. Isto é
59
cerca de metade dos inquiridos consideram
OBERCOM (2001), Anuário Comunicação: os
media e os novos media, 2001-2002, Lisboa, Obser-
vatório da Comunicação, p.268-269.
60
Miguel, T. (1993), Portugal: alegrias e misérias,
Revista Expresso, 25/09/1993, p 18-19 R.
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que as telenovelas prestam um serviço pú- dade antropológica e sociológica das perso-
blico.61 nagens construídas pelas telenovelas brasi-
Ao mesmo tempo, os investimentos por- leiras, bem como o marchandise social que
tugueses no audiovisual e no domínio de constitui, hoje, uma mais valia para a ficção
técnicas e a melhoria das performances dos televisiva. E parece que a Globo já percebeu
profissionais, tendem a criar novos públi- que tem de entrar neste jogo de tematizar e
cos para as telenovelas feitas em Portugal, localizar as telenovelas em Portugal ao pro-
enfatizando a narrativa ficcionada, os ima- duzir Sabor de Paixão com algumas atenções
ginários, as expectativas e angústias nacio- ao público do além-mar.62
nais. Com este objectivo, nem sempre con-
seguido, tem-se vindo a localizar a ficção
6 Bibliografia
nas terras e cidades portuguesas – filma-se
o Douro, as lezírias ribatejanas e os Açores – Barreto, A., coord. (2000) A situação social
constróem-se personagens com base em es- em Portugal: 1960-1999, Lisboa, ICS.
tereótipos identificáveis – uma matriarca po-
derosa, jovens à procura de sucesso rápido – Conde, I. Contextos, Culturas, Identidades
mostra-se de relance as culturas regionais – In Viegas, J.M. e Costa, F. .(1998) Por-
os lagares de azeite e vinho, a culinária – e tugal que modernidade ? Oeiras, Celta.
os lugares de cult nocturno da juventude por- Correia, F. (1997) Os jornalistas e as Notí-
tuguesa. Por outro lado, assiste-se à busca cias, Lisboa, Caminho.
de temas que possam congregar diversos pú-
blicos (estratos sociais,faixas etárias, níveis Maxwell, K. (1999) A construção da demo-
de escolarização) à volta da narração de uma cracia em Portugal, Lisboa, Ed. Pre-
estória. A experiência da TVI com a teleno- sença.
vela Jóia de África (iniciada em Outubro de
2002), ambientada na província de Gaza, em Pinto, M, coord. (2000) A comunicação e os
Moçambique, nos anos cinquenta, é um pis- Media em Portugal: 1995-1999, Braga,
car de olhos à identidade colonial portuguesa Instituto de Ciências Sociais da Univer-
perdida, ao recriar através de uma estória de sidade do Minho.
família – onde falta coragem para discutir o
Mesquita, M. Os meios de comunicação so-
que foi o colonialismo para os portugueses
cial In: Portugal 25 anos de democra-
e para os moçambicanos – uma sociedade
cia(1994) Lisboa, Circulo dos Leitores,
colonial idílica. Deve-se referir, contudo, o
pp. 360-405.
avanço técnico e organizativo que esta expe-
riência revela, bem como a contracenação de Mesquita, M. e Rebelo, J. (1994) O 25 de
grande número de actores portugueses e mo- Abril nos Media internacionais, Porto,
çambicanos. No entanto, a esta e às outras Afrontamento.
telenovelas portuguesas ainda falta a densi- 62
Motta, S. B. Novela com sabor português, Diário
61
Vilar, E. (2002), Telenovelas dividem opiniões, de Notícia: Media, 17/09/02, p. 44.
Público, 24/06/2002, p. 34.
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