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A influência tecnológica sobre a prática jornalística1

SILVA, Rafael Pereira da (mestrando)2


Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais.

Resumo: O presente artigo faz um apanhado histórico das mudanças nas formas de produzir e veicular
informação jornalística. Provocada pela emergência das inovações tecnológicas iniciadas no século XVII
até a chegada da informatização nas redações o jornalismo sempre sofreu alterações de ordem prática e
institucional, a busca incessante pela rapidez na divulgação dos fatos e pelo furo jornalístico são
condicionados em grande parte pelas mudanças de ordem tecnológica decorrente na sociedade. Por meio
do levantamento é possível visualizar que a ação jornalística sempre esteve atrelada à emergência de
novas tecnologias que modificaram e a cada dia mais altera as formas de produção e veiculação da
notícia. Sendo, portanto, imprescindível aos profissionais da mídia, principalmente alunos de jornalismo e
profissionais da área, conhecerem essa trajetória do campo, principalmente por nos depararmos hoje com
um ambiente cada vez mais tecnológico e imediatista.

Palavras-chave: Transformações, prática profissional; tecnologia; jornalismo;


construção de notícia.

Introdução

O jornalismo nunca foi uma profissão estanque, imutável, e, como uma


instituição social secular, sempre sofreu transformações condicionadas pelo surgimento
de novas tecnologias e novas formas de organização social. Na contemporaneidade, a
cada dia mais, presenciamos, de uma forma acelerada, as mudanças nas práticas de
apuração e construção da notícia dentro e fora das redações. Entre os motivos dessa
constante metamorfose está a matéria-prima do jornalismo; a realidade social, infinita
em fatos e em constante mutação. No entanto, um dos principais fatores desencadeador

1 Trabalho apresentado no GT de História do Jornalismo, integrante do 9º Encontro Nacional de


História da Mídia, 2013.
2 O Autor é aluno da pós-graduação em Comunicação Empresarial da Faculdade de Comunicação da
UFJF, e mestrando na linha de Comunicação e Identidade pela mesma instituição, ano 2013/14.
E-mails: domrafasil@gmail.com / dom-rafasil@hotmail.com.
de transformações, que temos observado, no fazer jornalístico, tem sido a presença das
tecnologias da comunicação e informação. Desde o início do século XX, várias
inovações e equipamentos como: o telefone, o telégrafo e a máquina de escrever, deram
velocidade e dinamicidade ao trânsito da informação. Esses dispositivos tornaram-se
ferramentas que contribuíram de forma significativa e indispensável para a evolução da
técnica e prática da profissão.
Nelson Werneck Sodré (1966) em História da Imprensa no Brasil ressalta que:
É interessante verificar o paralelismo entre o esforço técnico de produção, na
imprensa, e o progresso dos meios de comunicação e de transporte. Afetando o
problema fundamental da grande imprensa, que é o do volume e espaço
geográfico em que a notícia, ou a informação, ou a doutrinação tem
oportunidade (SODRÉ, 1966, p.2).

Para Martins e Luca (2008) o amplo rol de transformações, aliado aos artefatos
modernos e aos novos meios de comunicação que invadiram o cotidiano urbano -
carros, bondes elétricos, cinema, máquinas fotográficas portáteis e, nos anos 1920, o
rádio, - delinearam tanto uma paisagem marcada pela presença de objetos técnicos
como configuraram outras sensibilidades, subjetividades e formas de convívio social.
Com isso a eficiência, a pressa, a velocidade e a mobilidade transformaram-se em
marcas distintivas dessa nova sociedade e também do jornalismo, que desde seu
nascimento está relacionado às tecnologias da comunicação.
A consolidação do jornal como fenômeno de massa, a partir das grandes
concentrações urbanas no século XIX e da Revolução Industrial, são indícios da
afinidade entre o jornalismo e a evolução técnica dos meios. Segundo Michel Stephens,
citado por Queiroga (2003), “um conhecimento histórico do jornalismo ensina que, do
tambor, aos satélites, a atividade foi profundamente transformada pelas inovações
tecnológicas”. Nilson Lage (2000) coloca que:
Alguém que estude bem o assunto, no entanto, concluíra que essa
modificação é mais profunda do que parece à primeira vista e que o processo
de mudanças está longe de terminar: na verdade, promete tornar-se
permanente (LAGE, 2000, p. 213 apud QUEIROGA, 2003, p. 225).

A influência das inovações tecnológicas não se limitou à utilização de novas


ferramentas e sua aplicação prática na construção das notícias, ela se estende à estrutura
de produção, organização e direção, e atingem, sobretudo, o conteúdo dos jornais e sua
ordenação interna, que começou a exigir uma gama variada de competências, fruto da
divisão do trabalho e da especialização do jornalista.
As práticas e os processos jornalísticos em torno da proliferação de funções
profissionais nas redações se ampliariam drasticamente a partir dos anos
1890, ainda que limitados aos mais importantes periódicos em termos de
difusão. Os jornais passarão a se constituir como verdadeiras fábricas de
notícias, tal o nível de estruturação administrativa, política e econômica que
conseguiram atingir. (BARBOSA, 2007, p. 66).

Já no século XVII, a revolução nos sistemas de transmissão da informação,


gerado pelas inovações tecnológicas e o desenvolvimento de veículos de transporte,
como as diligências, melhoria das estradas e a introdução de novos meios de
locomoção, como o ferroviário, provocaram, segundo Franscicato (2005), profundas
mudanças na prática, principalmente em relação à temporalidade jornalística, levando à
percepção de três diferentes efeitos das tecnologias: o primeiro foi sobre a transmissão
de conteúdos (em matéria-prima ou já transformado em relatos jornalísticos); o segundo
sobre os modos de produção das notícias enquanto uma organização complexa e
multifuncional; e o terceiro efeito age direto sobre as capacidades, habilidades e
possibilidades dos jornalistas em manejar as novas tecnologias em seu cotidiano.
Um importante passo para a quebra de barreiras para a expansão da imprensa foi
o crescimento econômico dos países europeus e sua capacidade de desenvolver rotas e
sistemas de transportes que geraram a velocidade na circulação das notícias. Para
Franciscato (2005), é importante perceber que, quando se fala em notícia, está se
referindo aos conteúdos baseados em eventos ocorridos em diferentes localidades
geográficas: notícias locais, nacionais e estrangeiras. Estas três modalidades têm modos
bastante diferentes de produção conforme sua especificidade: a primeira depende
necessariamente de repórteres e contatos interpessoais; a segunda e a terceira dependem
de sistemas de transporte e comunicação de informações, o que era muito difícil
principalmente nos séculos XVII e XVIII por causa da precariedade dos transportes. O
surgimento dos barcos a vapor no início do século XIX imprimiu uma nova velocidade
na troca de informações. Outra contribuição para a quebra de barreiras foi o surgimento
das estradas de ferro, isso possibilitou novas mensurações de tempo na circulação dos
jornais.
O surgimento do telégrafo, na primeira metade do século XIX, e as transmissões
experimentais do telefone, no final do mesmo século, introduziu mudanças profundas
nos modos de transmitir e recepção de informações. Esta chamada “revolução nas
comunicações” criou novos hábitos nas práticas profissionais, nas relações comercias e
no cotidiano das relações sociais WHITROW, (1993, p.183) citado por FRANCISCATO
(2005, p. 45). Já Barbosa (2007) faz a seguinte colocação:
O telégrafo, que aqui chegou em 1874, tornou o mundo mais próximo.
Graças à sua implantação nos periódicos mais importantes era possível
noticiar fatos do mundo ocorridos ontem e transportar até províncias
longínquas notícias do fim do “século das luzes”. O cinematógrafo, o
fonógrafo, o gramofone, os daguerreótipos, a linotipo, as impressoras
Marinonis são outras tecnologias que invadem a cena urbana e o imaginário
social na virada do século XIX para o XX, introduzindo amplas
transformações no cenário urbano e nos periódicos (BARBOSA 2007, p.
66).

Franciscato (2005) argumenta que para a produção jornalística, a utilização do


telégrafo como recurso de transmissão de informações à distância facilitava a cobertura
de eventos que ocorriam longe da sede do jornal e, ao mesmo tempo, seu modo de
transmissão condicionava o conteúdo jornalístico, estimulando uma fragmentação das
notícias. “O telégrafo, ao acelerar a velocidade das notícias e tornar possível sua
transmissão contínua, fragmentou o relato de eventos noticiosos em desenvolvimento
em segmentos menores e mais freqüentes” (BLONDHEIM, 1994, p. 35 apud
FRANCISCATO, 2005, p. 45). O aparelho contribuiu muito com o trabalho dos editores
que conseguiram satisfazer o público leitor, aumentando a receptividade das notícias. A
fragmentação da notícia, por meio do envio de telegramas, estabeleceu novos padrões
para o texto jornalístico, gerando o chamado lead, parágrafo inicial que resume o relato
do fato acontecido. O jornalista Ricardo Noblat (2003) citado por Martins e Leal (2007)
argumenta que essa técnica tão usada, atualmente, no cotidiano das redações surgiu
durante a Guerra da Secessão nos Estados Unidos, onde havia muitos jornalistas e
poucas linhas de telégrafo disponíveis para a transmissão de matérias. Os operadores
então estabeleceram que cada jornalista poderia ditar apenas um parágrafo, o mais
importante de sua matéria. Para Sthefen Kern (1983) a nova tecnologia trouxe uma
nova cultura do presente para o jornalismo com base em novas experiências. O autor
exemplifica o efeito tecnológico do telégrafo sobre a escrita jornalística:
O telégrafo obteve maior uso quando a necessidade por reportagens rápidas
cresceu. Já que economia de expressão produzia ganhos monetários, os
repórteres eram inclinados a escrever suas estórias com menos palavras
possíveis. O telégrafo também encorajou o uso de palavras sem
ambiguidade, para evitar qualquer confusão, e a linhagem do jornalismo se
tornou mais uniforme, com certas palavras alcançando uso freqüente. (...) A
informação tendeu a ser escrita com o mínimo de pontuação (...) a
necessidade de velocidade, clareza e simplicidade moldou um novo estilo
‘telegráfico’ (Kern, 1983, p. 115 apud FRANCISCATO, 2005, p. 98).

Pouco tempo depois do surgimento do telégrafo, foi o telefone que proporcionou


uma nova onda de aceleração da comunicação. O aparelho começou a ser
gradativamente incorporado à rotina de produção e apuração de notícias,
transformando-se em uma ferramenta imprescindível.
Os aspectos tecnológicos condicionaram o ritmo e a velocidade da produção
em diferentes épocas do desenvolvimento do jornalismo. Este
condicionamento não se resume a uma ideia contemporânea de
produtividade e eficiência, mas se refere principalmente às possibilidades
que os incipientes recursos técnicos estabeleciam para que a produção
pudesse mesmo cumprir suas etapas, sua regularidade de circulação e sua
busca de garantir o caráter recente das notícias (FRANCISCATO, 2005, p.
48).

A utilização do telefone no cotidiano das redações e da atividade jornalística


ocorreu poucos anos após sua descoberta, levando a mudanças gradativas de hábitos e à
aceleração da produção e da veiculação de notícias. Entretanto, assim como aconteceu
com os computadores a partir de 1980, também houve uma resistência à utilização da
nova tecnologia.
[...] os repórteres acreditavam obter melhores entrevistas em contato face a
face com as fontes. Por outro lado, usar telefones era entendido como uma
forma de frouxidão e preguiça dos repórteres ao não quererem se deslocar
aos locais de entrevista e apuração. Esta cultura da desconfiança e da
preguiça foi se modificando: repórteres em horários de fechamento de
edições começaram a usar o novo recurso para enviar relatos, para as
redações, dos locais em que se encontravam (FADLER, 2000, p. 143 apud
FRANCISCATO, 2005, p. 52).

Como é possível observar o trabalho jornalístico sempre foi auxiliado pelas


invenções tecnológicas na busca de uma melhor produtividade e construção das
notícias. O avanço da tecnologia de transmissão de informações e sua aplicabilidade ao
jornalismo criaram, para os repórteres e editores, novas possibilidades e desafios para a
atualização dos jornais. Além disso, a utilização dessas ferramentas provocou efeitos
diretos sobre a prática jornalística. Salcetti (1995) assinala que o uso do telefone, como
recurso de para aceleração do processo de produção das notícias, estimulou a divisão do
trabalho nas redações: a possibilidade de enviar informações fragmentadas por telefone
tornou repórteres e correspondentes especialistas na apuração de dados (‘news
gatherers’), enquanto a função de escrever as notícias tornou-se tarefa de outro
profissional o (‘news writers’).
As últimas décadas do século XIX e início do XX foram cruciais para a
constituição de padrões e a institucionalização de algumas práticas na atividade
jornalística, seja por meio do desenvolvimento de técnicas, como a entrevista
jornalística e da emergência do repórter (Shudson, 1995; Salcetti, 1995), seja na
assimilação e aplicação de inovações técnicas para a profissão, tais como o telégrafo, o
telefone, e também o linotipo e da máquina de escrever, que, por muito tempo, foi
símbolo de uma geração e de uma forma de fazer jornalismo.
Nesse período houve, também, um intenso desenvolvimento de gêneros
jornalísticos, provocados pelos movimentos internos à atividade. A entrevista é um
exemplo disso, ela surgiu em meados do século XIX, e ficou institucionalizada como
prática social e forma literária. Ela também se tornou uma maneira do repórter exercer
sua autonomia profissional, e sua autoridade perante o público. Para alguns autores, sua
constituição foi parte de um processo mais geral de profissionalização no jornalismo,
Shudson (1995) faz a seguinte afirmação:

O aparecimento da entrevista jornalística coincide com o surgimento do


repórter como um trabalhador relativamente autônomo que, de forma
autoconsciente, alcança uma identidade ocupacional (...) Outras mudanças
profissionais na produção noticiosa ocorreram na mesma época (...)
Cronologicamente, as notícias deram lugar ao lead sumário e a estrutura da
pirâmide invertida, que exigiram do repórter fazer um julgamento sobre qual
aspecto do evento coberto importava mais. (...) Nestes casos, jornalistas
demonstravam a si mesmo serem não retransmissores de documentos e
mensagens, mas intérpretes legítimos das notícias, hábeis para escrever não
somente sobre o que eles, como qualquer outro observador, podem ver e
ouvir, mas também sobre o que não é ouvido, visto ou é intencionalmente
omitido. O lead sumário e a entrevista ampliaram o campo de ação e a esfera
de descrição dos repórteres. Eles ajudaram a fazer do repórter um tipo
público visível, mesmo ocasionalmente uma celebridade, por todo o século
(Shudson, 1995, p. 91-2 apud FRANCISCATO, 2005, p. 96)

Essas transformações, ocorridas do século XVIII ao XX, criaram uma


organização da atividade e modificaram gradativamente as relações e o processo de
produção interno das redações. O que resultou na profissionalização do jornalismo e na
divisão e especialização do trabalho nos jornais. As mudanças fizeram com que a
atividade que se iniciou de forma panfletária com discussões político-literárias
começasse a se constituir e organizar-se como grande empresa, onde a informação passa
a ser uma mercadoria, com alto valor de troca. Essa mudança interfere diretamente
sobre a produção e a organização dentro das redações. Como a informação passa a ser
uma mercadoria, é preciso que ela chegue cada vez mais rápida e com precisão.
Mudanças no ambiente redacional

O surgimento das inovações tecnológicas e os novos processos de produção do


jornal, no início do século dezenove, fizeram com que o jornalismo deixasse,
definitivamente, de ser uma prática livre de pensar e de fazer política em uma operação
que precisava vender muito para se autofinanciar, todo o romantismo da primeira fase
será substituído por uma máquina de produção de notícias e de lucros com os jornais
populares e sensacionalistas Marcondes Filho (2002). Ainda segundo o autor, a
atividade jornalística que se iniciara com as discussões político-literárias, aquecidas,
emocionais, relativamente anárquicas, começava a se constituir como grande empresa
capitalista. As notícias passam a ser tratadas como mercadorias, recebendo cada vez
mais investimentos para melhorar em aparência e vendabilidade: foram criadas, então,
as manchetes, os destaques, as reportagens; e passou-se a investir muito mais na capa,
no logotipo, nas chamadas de primeira página. Isso provocou a perda da autonomia do
redator, e o tratamento, e a elaboração de notícias se sobrepôs à “linha editorial” dos
jornais. Jürgen Habermas citado por MARCONDES FILHO (2002, p. 24-25) coloca
que a partir de 1870, devido ao aumento do volume publicitário e a transformação da
imprensa em negócio lucrativo, a escolha dos títulos e a distribuição do jornal saíram
das mãos do redator e vão tornar-se função do editor (Habermas, 1965).
Entretanto, é a partir da chamada revolução da informática, ocorrida a partir da
década de 1960, que presenciamos com maior intensidade as transformações, não
apenas no jornalismo, mas em várias áreas do saber, como educação, comunicações,
conhecimento, entretenimento. Os principais fatores dessas mudanças, notadamente, são
a rapidez de pesquisa e o volume do fluxo crescente de informação. Essas mudanças
afetaram diretamente a prática jornalística, já que ela está diretamente ligada à evolução
tecnológica. De acordo com Nilson Lage (2001, p. 155), “a informática penetrou na
gestão de empresas e governos de tal forma que altera relações sociais importantes para
a mídia”. Dessa forma, a informatização altera não só a maneira de fazer jornalismo,
mas também a gama de informações a ser veiculada. Para Marcondes Filho:

Por um lado, assiste-se ao acelerado desenvolvimento das tecnologias de


comunicação e informação, por outro, como corolário desse processo, o
conceito de comunicação invade com furor extraordinário todos os domínios
da vida social, da economia aos esportes, da biologia celular à astrofísica. O
primeiro processo é técnico, relativo ao hardware, o segundo é sua tradução
no campo do conhecimento e da cultura. São os conteúdos – de dois tipos –
promovidos por essa revolução. Um conteúdo “oficial”, que são os
programas, os noticiários, o entretenimento veiculado nas redes de
computadores, e um “conteúdo implícito”, que é o componente ideológico
das novas tecnologias, aquilo que não se fala, mas que “se passa” através do
uso das técnicas (MARCONDES FILHO, 2002, p. 33).

Com o início da informatização, alterações significativas começaram a ocorrer


no ambiente redacional, entre elas a introdução dos sistemas de salas de redação onde os
jornalistas passaram a escrever seus artigos, editá-los, inserir os títulos e calcular sua
extensão e passá-lo à seção tipográfica diretamente do seu terminal. Isso causou uma
das maiores transformações na prática jornalística. Segundo Vianna (1992), que estudou
as mudanças ocorridas com a informatização da imprensa brasileira nas décadas de
1980 nos jornais Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo:
A criação de sistemas de sala de redação eliminou a separação entre o
trabalho de edição e o de produção, isto é, a redação, a coleta e
armazenagem de dados. Toda a sala de redação, com a inovação técnica dos
terminais dirige o processo de produção através dos vários computados
interligados a outros internos ou externos à empresa. (VIANNA, 1992, p.
17).

E, as transformações não param por aí, principalmente pela aceleração com que
as novas técnicas se multiplicam e se renovam. Com a utilização dos computadores em
rede, por exemplo, passou a ser possível realizar entrevistas através de e-mails, fazer
pesquisas em sites oficiais, estar em contato direto com fontes por meio de rede sociais
e uma gama quase inesgotável de material para pesquisa sobre os mais diversos
assuntos. Essa rápida evolução da tecnologia implicou em mudanças na formação dos
profissionais de jornalismo, pois as novas técnicas têm ensejado uma constante
adaptação dos jornalistas que estão na ativa e dos jovens que entram no mercado de
trabalho. A adaptação tornou-se a palavra chave e a regra obrigatória nas redações. É
necessário um constante aprendizado, em virtude da obsolescência cada vez mais
frequente de algumas técnicas que são superadas por outras, mais modernas e mais
atuais.

O computador dentro das redações


A chegada do computador às redações, nos anos 1980, provocou uma mudança
radical no processo de fazer o jornalismo. Utilizado inicialmente como máquina de
escrever, o computador diminuiu a papelada e o excesso de ruído. No capítulo
“Revolução Tecnológica e Reviravolta Política”, do livro História da Imprensa no
Brasil, Luiza Villaméa, relata um pouco de como era o ambiente dentre das redações:
O barulho marcou as redações brasileiras durante décadas. No fechamento
de cada edição, o matraquear das máquinas de escrever misturava-se às
discussões acaloradas, ao som estridente de campainhas e à gritaria geral.
Com muita frequência, alguém se enfurecia com o próprio texto, arrancava a
lauda da máquina, embolava o papel e o atirava para longe. O cortar e colar
de trechos em uma nova lauda só ajudava a cumular restos de papel pelas
mesas e até mesmo pelo chão. Havia ainda o indefectível carbono, que
manchava o rosto, mão, punhos e colarinhos. [...] se um incauto observasse a
distância não acreditaria que a publicação estaria em breve nas bancas.
(VILLAMÉA, 2008, p. 249).

No artigo intitulado “Apontamentos sobre o uso do computador e o cotidiano


dos jornalistas”, Maria José Baldessar desenvolve o mesmo tema, mostrando como a
introdução dos computadores transformou, gradualmente, o trabalho dos jornalistas. Ao
caracterizar o primeiro momento do processo de informatização, a autora minimiza os
impactos dessas tecnologias sobre a prática da profissão.
A adoção de novos instrumentos de trabalho e as formas de utilizá-los tem
metamorfoseado o cotidiano dos jornalistas sem, no entanto, mudá-lo
radicalmente. Recebido primeiro com medo, depois cede lugar ao
encantamento. O computador facilita a execução das tarefas e
inegavelmente, melhora o ambiente de trabalho. (BALDESSAR, 2008, p. 1).

A introdução dos computadores não revolucionou as redações brasileiras da


noite para o dia, mas, ainda, segundo Baldessar (2008), os jornalistas tiveram que se
adaptar a uma nova realidade profissional, com a exigência de maior qualificação, a
especialização crescente dos ofícios e as modificações nas condições de trabalho. Em
seu texto, a autora cita um artigo publicado na Revista Imprensa, em 1987, que trata do
processo de informatização do jornal O Globo. O texto descreve, de forma bem
exemplificada, as principais mudanças no ambiente daquela redação, traçando um
paralelo entre a redação do passado e a atual:

Uma louca sinfonia de gritos, gargalhadas, telefones, campainhas


reverberavam impunemente (...) as Olivetti e Remington que não sofriam de
arritmia eram disputadas no tapa (...) e o impiedoso papel carbono tingia
mesas, paletós, mangas de camisa, dedos, mãos e rostos menos atentos (...)
montanhas de laudas se formavam para qualquer lado que se olhasse (...)
hoje as persianas amarrotadas foram substituídas por um moderno sistema
de iluminação que inclui um requinte inimaginável: calhas especialmente
desenhadas, cujos focos de luz só iluminam as mesas dos terminais, sem
reflexos nos olhos ou nas telas (...) um sistema de ar condicionado central
acabou com o clima tropical que sufocava (...) e a sinfonia das pretinhas deu
lugar a um silêncio cibernético, propiciado pelos 140 terminais e suas 138
teclas (...) e a limpeza, nada de montanhas de papel. (BALDESSAR, 2008,
p. 2)
Segundo Lima Junior (2008) citado por RESENDE (2008, p. 16), em
“Jornalismo e Tecnologia – O uso da internet no processo de produção de notícia”, a
informatização das redações de jornais ocorreu de forma gradual. “Primeiro, repórteres,
individualmente, adquiriram os seus próprios computadores. Mais tarde, as
organizações compraram para uso dos próprios profissionais.” Inicialmente, os
microcomputadores foram usados apenas para processar textos, substituindo as
máquinas de escrever.
No entanto, passando esse momento inicial em que os computadores apenas
substituíram as máquinas de escrever, a informatização nas redações evoluiu juntamente
com o desenvolvimento da informática, aos poucos o novo foi se incorporando de tal
maneira ao cotidiano da profissão que o equipamento passou a exercer novas funções,
contribuindo no trabalho de editor e sendo utilizado como arquivo pessoal, isso causou
mudanças profundas no cotidiano dos jornalistas. A introdução dos computadores
passou a ser caracterizada como um divisor de águas na prática jornalística. Lima Junior
(2008) ressalta que as diversas tecnologias introduzidas nas redações sempre
modificaram o trabalho dos jornalistas, mas, em sua opinião, nenhuma delas se compara
à chegada dos computadores.
Seja incorporando tecnologias que não foram produzidas para o jornalismo
como aquelas que são desenvolvidas especialmente para ele, todas as
tecnologias introduzidas no processo do fazer jornalístico produziram seu
devido impacto. Porém, a chegada dos bites e bytes através do computador
revolucionou todo o processo, como nunca havia acontecido, (LIMA
JUNIOR, 2008 apud RESENDE, 2008, p. 14).

Machado (2003) afirma que todas as etapas do processo de produção jornalística


sofreram alterações com a chegada dos computadores, especialmente quando estes
foram ligados a redes internas e ao ciberespaço. Atualmente, desde a elaboração da
pauta até a publicação das matérias, o computador está presente na rotina dos jornalistas
em todos os meios de comunicação. Se antes se chegou a pensar em um modelo de
divisão do trabalho jornalístico, semelhante ao taylorismo3, no qual os repórteres seriam
responsáveis pela apuração, os redatores pela redação, os diagramadores pela montagem
das páginas e assim por diante, hoje, com os computadores, a responsabilidade dos
repórteres aumenta e se diversifica: além de apurar bem, eles devem redigir seu texto e
participar de todas as tarefas de edição. Para Marcondes Filho:
Todo ambiente redacional se transforma. Os terminais de vídeo substituem
as máquinas de escrever, a gráfica separa-se fisicamente da redação, a
diagramação deixa de ser manual para ser eletrônica, o texto passa a ser
virtual: uma imagem na tela que é ao mesmo tempo distribuída, mexida,
adaptada segundo a dinâmica da própria página. (MARCONDES FILHO,
2002, p.35).

As mudanças na redação causadas pela implementação dos computadores são


percebidas pelos jornalistas de diversas formas, não só na mudança de ambiente
redacional e suas transformações na estrutura física. Mas, também, uma nova relação
com o texto, em termos de mobilidade e rapidez, estabelecida através do computador e
de suas possibilidades no processamento e arquivamento de texto. Badessar (2088) faz a
seguinte argumentação:
(...) mas é no terminal que se escondem as mais saborosas novidades para
qualquer jornalista (...) para começar, o usuário fica dispensado da
preocupação com o fim de cada linha, o computador hifeniza (...) a tela pode
ser dividida em duas, de um lado a matéria do repórter e do outro a do
redator (...) o computador também permite a inserção de qualquer
informação, em qualquer ponto. A partir das estações de trabalho
informatizado é possível, através de determinados softwares, saber quem
trabalha em determinada mesa, quem está utilizando determinada máquina,
o teor de cada versão escrita e quanto tempo o jornalista demora para
executar as tarefas. Uma simples tecla coloca o trecho precioso da
reportagem onde o usuário determine (...) sabe-se por ele o número da mesa
usada, o teor de cada versão, a identidade de quem mexeu e a íntegra das
alterações com a precisão de horas, minutos, e um incrível instrumento de
aferição do desempenho de cada jornalista (BALDESSAR, 2008, p. 2-3).

A verdade é que a informatização transformou quase que por completo o


processo de produção de notícias dentro das redações. A digitalização das reações
alterou a forma existente e consolidada de construção e veiculação da notícia escrita, na
qual, há poucos anos, era baseada em uma forma de produção industrial na qual cada

3
O Taylorismo foi um modo de produção idealizado pelo engenheiro norte-americano Frederick W. Taylor, em 1911.
Taylor propunha uma intensificação da divisão do trabalho, ou seja, o fracionamento das etapas do processo
produtivo de modo que o trabalhador desenvolvesse tarefas ultraespecializadas e repetitivas, diferenciando o trabalho
intelectual do trabalho manual e exercendo um controle sobre o tempo gasto em cada tarefa para que, num esforço de
racionalização, a tarefa fosse executada num prazo mínimo. Portanto, o trabalhador que produzisse mais em menos
tempo receberia prêmios como incentivos. Fonte Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Taylorismo.
função era bem definida. O repórter era repórter, o editor era editor, o fotógrafo era
fotógrafo, funções claras, definidas e delimitadas por tarefas, que se juntavam nas
páginas dos jornais diários. Para Maria José Baldessar, essa nova realidade transforma o
jornalista em um trabalhador diferente. “Esse jornalista é polivalente, capaz de apurar,
redigir, revisar e diagramar [...].” (BALDESSAR, 2008, p. 6). Já Marcondes Filho
(2002) argumenta que a adoção de computadores, a utilização de sistemas em rede, o
acesso on-line à internet, a fusão e mixagem de produtos na tela conduziram as
empresas jornalísticas a uma reformulação completa de seu sistema de trabalho,
adaptando em seu interior a alta velocidade de circulação de informações, exigindo que
o homem passasse a trabalhar na velocidade do sistema causando uma precarização da
profissão.
Jornalismo tornou-se um disciplinamento técnico, antes que uma habilidade
investigativa ou lingüística. Bom jornalista passou a ser mais aquele que
consegue, em tempo hábil, dar conta das exigências de produção de notícias
do que aquele que mais sabe ou que melhor escreve. Ele deve ser uma peça
que funciona bem, “universal”, seja, acoplável a qualquer altura do sistema
de produção de informações (MARCONDES FILHO, 2002, p. 36).

Em oposição a todos os benefícios trazidos para as redações por meio dos


computadores, Baldessar também cita alguns prejuízos causados por essas máquinas.
“O computador acaba com o matraquear das máquinas de escrever, trazendo silêncio e
limpeza. Em contraposição ao silêncio e ao conforto do ar-condicionado, o novo
instrumento acentua a ocorrência de doenças do trabalho, especialmente as conhecidas
lesões por esforço repetitivo.” (BALDESSAR, 2008, p. 12).
Ainda segundo a autora, as mudanças nas redações foram percebidas pelos
jornalistas de diversas formas. Além das mudanças no ambiente e na estrutura física, foi
estabelecida uma nova relação com o texto, em termos de mobilidade e rapidez, devido
às possibilidades de processamento e arquivamento proporcionadas pelo computador.
Com isso, também cresceu a produtividade dos jornalistas e o controle sobre o tempo de
produção, que pode ser percebido por meio do horário de fechamento dos jornais, o
deadline. A tecnologia possibilita que o jornal chegue mais cedo à banca
(BALDESSAR, 2008, p. 3).
Os computadores fizeram com que os jornalistas tivessem que aprender
noções básicas de qualquer nova forma, de codificar seus pensamentos.
Todos os equipamentos e o repertório de valores e símbolos que permeavam
as relações sociais como estrutura significativa de seu grupo e de onde os
indivíduos retiravam padrões de pensamento e ação de repente pareceram
desabar. (LINS DA SILVA, 2005, p. 84).

Considerações finais
As novas formas de produção jornalística provenientes das estruturas
tecnológicas constituem-se como parte do contexto social e cultural de cada época e
contribuem para a manutenção do jornalismo como instituição social secular. Diante de
tal cenário evolutivo de transformações e da emergência de novos hábitos e padrões de
produção no jornalismo se faz necessário compreender que a instituição jornalística está
intimamente ligada ao ambiente histórico e social a que pertence e às suas invenções
técnicas. Os modelos explicativos para a formação do jornalista, enquanto profissional,
devem, portanto, compreender tantos os conflitos e a dinamicidade próprios destes
processos externos a profissão, quanto os movimentos internos que ocorrem dentro da
instituição jornalística tais como: princípios organizativos, regras, metas, conflitos,
pressões, imposições e disputas.
A nova gama de ferramentas proporcionou ao profissional de jornalismo acesso
a um grande volume de informações sem que, muitas vezes, fosse necessário qualquer
deslocamento físico. Fator este que contribuiu para que a informação jornalística, bem
apurada, passasse a circular com mais rapidamente e qualidade. Por outro lado, é
possível verificar que, neste contexto, a busca exagerada pela rapidez de publicação e a
comodidade proporcionada pelas novas tecnologias, podem levar os jornalistas ao erro e
má apuração, fazendo-se imprescindível que mesmo com as mudanças ocorridas ao
longo dos séculos na prática jornalística, os conceitos e critérios fundamentais para a
construção do discurso jornalístico não mudassem. Ainda é sempre será preciso checar
as informações obtidas, sejam elas de qualquer meio; ouvir os dois lados da questão e
tentar sempre ser imparcial, e fiel aos conceitos éticos e deotológicos da profissão. A
necessidade de se divulgar conteúdos com rapidez não podem servir para justificar a
falta de qualidade na apuração das informações veiculadas. As técnicas mudam, mas os
procedimentos para a realização de um bom jornalismo devem permanecer sempre.

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