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SILVA, F. L. C. M.. Realidade e Ilusão na arte eletrônica. Documenta (Rio de Janeiro), v. 1, p. 43-
56, 2008.
Mestre em Design pela PUC-Rio, Bacharel em Ciência da Computação, web designer e músico.
Resumos
Este artigo apresenta uma pesquisa sobre a realidade e a ilusão para discutir a obra de arte eletrônica. Se a
arte eletrônica parece subverter radicalmente as fronteiras entre o real e o ilusório, entre o real e o virtual,
isso se deve, em parte, porque ela desenvolve novas formas de vivenciar a arte, operando mudanças no
próprio conceito de arte; mas também, por outro lado, porque os conceitos de “realidade”, “ilusão” e
“virtual” são conceitos que precisam ser sempre reformulados, seja em função de sua complexidade
inesgotável, seja por estarem referidos a novas formas de produção e vivência artísticas.
This article presents a bibliographical research about reality and illusion to discuss electronic arts. If
electronic arts seem to subvert radically the frontiers between the real and the virtual, it is, in part, because
they develop new form of dweeling with art, operating changes in the concept of art; and also, by the other
side, because the concepts of reality, illusion and virtual are concepts that should be reformulated in
function of their complexity or because of their reference to new forms of production and artistic
background.
Este artículo presenta una pesquisa bibliografiíta sobre la realidad e la ilusión para discutir la obra di arte
electrónica. Se la obra de arte electrónica parece subvertir radicalmente las fronteras entre el real i el
ilusorio, entre el real i el virtual, eso, en parte, porque ella desenvolví nuevas formas de vivenciar la arte,
operando mudanzas en el propio concepto de arte; pero también, por otro lado, porque los conceptos de
realidad, ilusión y virtual son conceptos que necesitan ser reformuladas, en función de sur complejidad
inagotable o por ser referidas en nuevas formas de producción e vivencias artísticas.
Palavras-chave
Arte eletrônica, realidade, virtual
Introdução
recentes reconfigurações da obra de arte. Essa passou a utilizar recursos digitais para
Realidade
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Argumentos a respeito do conceito de realidade foram desenvolvidos em contextos
uma caverna com os pés e mãos atados. A única coisa que conseguiam ver eram as
sombras e não os verdadeiros objetos, apenas uma pequena parte da realidade. Sua
caverna.
distinções entre mundo comum e uma realidade superior pura e perfeita, como àquelas
sugeridas por Platão. Estruturas hipotéticas que dão origem aos fenômenos observáveis
não são puras, perfeitas ou mais reais do que as partes observáveis do mundo. São
coisa que a linguagem científica pode fazer é descrever padrões na realidade observável.
positivismo lógico em 1929, atestam que “na ciência não existem profundidades, apenas
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Para Kuhn, com as mudanças de paradigma, temos mudanças de idéias, padrões,
De acordo com Godfrey-Smith (2003), devemos ter algo como uma geometria
à nossa história evolucionária e às relações entre nossa estrutura e o que nos envolve.
O mundo, segundo Godfrey-Smith, é uma coisa, e nossas idéias sobre ele são
volta.
advoga que todos habitamos uma realidade comum que existe independente do que as
pessoas pensam ou dizem. Contudo, esta realidade é afetada por pensamentos, teorias e
símbolos. Para os realistas, podemos ter diferentes visões e perspectivas sobre o mundo.
Devitt (1997) combina uma visão kantiana e certo relativismo com a idéia de que
mesma estrutura conceitual básica sem oportunidade de escolha, um mundo real que
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Kant dividia a realidade em dois mundos: uma realidade básica (noumenal) e outra
obrigados a acreditar, contudo não temos nenhuma noção de como ela é. O mundo
realismo científico insiste que, além das idéias e teorias, existe o restante da realidade.
De acordo com Foerster, realidade envolve percepção, pois o observador faz parte,
Percepção
significativas nas formas como diferentes culturas e níveis intelectuais lidam com o
interagir. Nossas tentativas de conhecer este mundo são apenas um dos aspectos desta
interação, pois ela envolve aspectos mais práticos. Nossos mecanismos perceptivos –
olhos, orelhas etc – são ferramentas que utilizamos para coordenar as trocas com o
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“O sentido da visão nos permite distinguir as diferenças das formas onde quer que
a nossa volta. Através da percepção, reconhecemos objetos e situações que nos auxiliam
na tomada de decisões.
Para Berkeley, no século XVIII, a noção de espaço e solidez devia ser obtida
século XIX, quando Helmholtz desenvolveu uma área da psicologia relacionada à ótica.
Nem Berkeley nem Helmholtz confundiram visão com sensação visual. Ao contrário, as
Na parte interna, não podemos definir com certeza absoluta o que está por trás de
responde a objetos e eventos distantes. Podemos definir também como a percepção pode
percepção e ação nos permitem ter uma variedade de diferentes contatos com esses
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Weissberg sintetizou a idéia de que, na comunicação, a visão é modificada, e que
percepções humanas. Ver não é somente um ato de recepção passivo, mas também uma
percepção emprega todos os meios para evitar as ilusões perigosas, mas fracassa ao
Ilusão
passou a ser considerada como conceito positivo” (Ilgen, 2002). Segundo Ilgen, houve
O contexto da ação, de acordo com Gombrich (1960), cria condições para a ilusão.
madeira, mas quando ele é cavalgado, passa a ser o foco da imaginação da criança e se
transforma em um cavalo.
“Quando não podemos ver um objeto através de seu modo de ação peculiar,
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Segundo Rokeby (1998), desenvolvedores de jogos de computador são os novos
mestres da ilusão. Contudo, a ilusão, de acordo com Rokeby (1998), quando é traduzida
ilusão está no esforço mental em juntar arte e realidade. Este prazer é destruído quando a
Implicações da tecnologia
Wark (apud Wilson, 2002) reflete sobre as implicações das telecomunicações nas nossas
menos importantes.
tecnologia.
epistemológica. Segundo ele, os fenômenos não podem ser separados dos observadores
Realidade virtual
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De acordo com Ryan (2001), a partir dos séculos XVIII e XIX, o conceito de virtual
apresentava uma relação dialética em oposição binária com o real, o virtual era o ficcional
e o não-existente. Este sentido surgiu a partir do uso ótico do termo. Segundo ele, o uso
moderno associa o virtual com algo que se passa por algo que não é, o que envolve uma
2- Uma imagem que engana a visão, percepção de algo que existe objetivamente como
meio de causar interpretação errônea de sua natureza real, uma alucinação, um padrão
Por um lado, o virtual tem um sentido ótico, que traz uma conotação negativa de
ilusão; por outro lado, sugere produtividade, abertura e diversidade. De acordo com Ryan
(2001), associações do virtual com tecnologias computacionais estão entre estes dois
pólos. Baudrillard se refere ao virtual como falso e Lévy, o virtual como potencial.
duplicar o mundo era um privilégio do espelho. Agora, esse poder foi emulado por mídias
dialética entre o real e sua imagem. Sem imagens, estamos presos em um campo
suas outras faces, o virtual substitui o real e se transforma no hiper-real (Ryan, 2001).
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Para Lévy (1998), o virtual tem pouca relação com o falso, ilusão e imaginação,
não é oposto ao real. Ao contrário, é um estado poderoso do ser que expande o processo
como sinônimo para simulação. Segundo Baudrillard, a realidade virtual seria o triunfo
máximo do simulacro. “Com o virtual, não apenas o real e o referencial são liquidados,
mas o outro também é exterminado. Não vivemos em um mundo onde existe realidade
virtual, mas estamos imersos nesta tecnologia, vivemos e respiramos realidade virtual”
virtual, pois vê o virtual como uma aceleração produtiva a partir das relações entre virtual
nós levamos pelo mundo. Quanto mais utilizarmos uma interface, mais forte o efeito. Este
real e virtual sugeridas por Baudrillard. “Como saberíamos a diferença entre simulação e
realidade? Significa que as simulações se tornaram realidade ou que a realidade era uma
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Experiências artificiais, segundo Rokeby (1998), são acumuladas como uma
experiência real tem uma integridade que a experiência virtual não tem. Esse aspecto da
realidade que deixam de utilizar alguns dos potenciais mais interessantes que as novas
mídias oferecem.
Wilson (2002) sugere uma análise radical onde o corpo e o espaço físicos se
tornam cada vez mais irrelevantes. A realidade virtual permite às pessoas habitar mundos
negligenciando os velhos limites do espaço físico. Como as pessoas gastam mais tempo
importância na vida das pessoas, e o corpo e o espaço físicos podem perder importância.
realidade virtual têm seus corpos representados no mundo virtual. Aparatos com sensores
permitem traduzir ações do corpo em ações no mundo virtual. Penny nota, no entanto,
espaço (Wilson, 2002). Gravidade e tempo podem ser desafiados. Podem ser exploradas
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Também nota uma proximidade com fenômenos culturais diversos, como simuladores,
digitais” (Ryan, 2001)? Contudo, Rokeby (1998) coloca que “apenas um enfoque
Manifestações artísticas
Peter Wiebel (2005) identifica as artes como o lugar apropriado para explorar novos
conceitos de realidade.
percepção se tornou o tema. Os efeitos óticos, criados a partir de linhas autônomas, cores
abandono progressivo das noções de ambiente ético e político com uma transformação
posteriormente, pela holografia e o raio laser, que acentuaram o lado perceptivo e deram
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Para Plaza (2003), ambientes artísticos acrescidos da participação do espectador
de Calder, Soto e Lígia Clark; penetráveis, onde o espectador entra ou veste objetos,
Segundo Viola, a verdadeira natureza da nossa relação com o real não reside mais
na impressão visual, mas nos modelos formalizados dos objetos e o espaço que o
Para Plaza, uma obra de arte interativa é um espaço latente e suscetível de todos
colocar que a arte não tenta retratar a natureza do mundo físico e sim nossas reações a
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ela. “Ela não se preocupa com as causas, mas sim com os mecanismos de certos efeitos.
operado por elas. Vive uma experiência íntima que transforma sua percepção do mundo,
uma experiência tecnestésica. As técnicas não são somente modos de produção, são
enorme de sensores simultaneamente ativos através dos quais nós atuamos no mundo
como pontos individuais de contato físico. Em contraste, nossas interfaces artificiais são
Tramus mostra que a interatividade pode ser considerada como uma simulação da
interação. Para ela, interação se refere às relações entre indivíduo e realidade, natural ou
Considerações finais
refletiram, muito tempo mais tarde, no caráter hegemônico da obra de arte. Essa passou a
permitir uma interação direta do espectador que, muitas vezes, se torna quase um coautor
uma visão pessoal do artista, com a adição de aspectos do mundo “real” e a figura do
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A percepção do espectador ganhou mais importância, pois através dos estímulos
ambientes que podem envolver certos aspectos da realidade. Assim, podem ser criadas
espectador, fazendo com que ele acredite que a experiência virtual é verdadeira. Esse
processo é facilitado pela tecnologia que auxilia na simulação dessas novas realidades
uma ponte com a criação de uma ilusão para o usuário no momento da interação com a
obra.
ilusão teria cometido um crime perfeito que matou a realidade sem deixar nenhum
vestígio ou acabou de vez com a ilusão do real para alcançar o conhecimento semiótico
de contextos sócio-culturais.
Pode-se dizer que um caráter ilusório sempre estará presente em maior ou menor
grau, porém uma representação direta da realidade não parece ser um quesito
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Bibliografia
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Wilson, S., Theoretical Reflections on the Digital Culture and Art, In: Information Arts: Intersections of Art,
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