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Realidade e ilusão na arte eletrônica (2008)

SILVA, F. L. C. M.. Realidade e Ilusão na arte eletrônica. Documenta (Rio de Janeiro), v. 1, p. 43-
56, 2008.

Fabio Luiz Carneiro Mourilhe Silva <funkstroke@yahoo.com>

Mestre em Design pela PUC-Rio, Bacharel em Ciência da Computação, web designer e músico.

Resumos
Este artigo apresenta uma pesquisa sobre a realidade e a ilusão para discutir a obra de arte eletrônica. Se a
arte eletrônica parece subverter radicalmente as fronteiras entre o real e o ilusório, entre o real e o virtual,
isso se deve, em parte, porque ela desenvolve novas formas de vivenciar a arte, operando mudanças no
próprio conceito de arte; mas também, por outro lado, porque os conceitos de “realidade”, “ilusão” e
“virtual” são conceitos que precisam ser sempre reformulados, seja em função de sua complexidade
inesgotável, seja por estarem referidos a novas formas de produção e vivência artísticas.

This article presents a bibliographical research about reality and illusion to discuss electronic arts. If
electronic arts seem to subvert radically the frontiers between the real and the virtual, it is, in part, because
they develop new form of dweeling with art, operating changes in the concept of art; and also, by the other
side, because the concepts of reality, illusion and virtual are concepts that should be reformulated in
function of their complexity or because of their reference to new forms of production and artistic
background.

Este artículo presenta una pesquisa bibliografiíta sobre la realidad e la ilusión para discutir la obra di arte
electrónica. Se la obra de arte electrónica parece subvertir radicalmente las fronteras entre el real i el
ilusorio, entre el real i el virtual, eso, en parte, porque ella desenvolví nuevas formas de vivenciar la arte,
operando mudanzas en el propio concepto de arte; pero también, por otro lado, porque los conceptos de
realidad, ilusión y virtual son conceptos que necesitan ser reformuladas, en función de sur complejidad
inagotable o por ser referidas en nuevas formas de producción e vivencias artísticas.

Palavras-chave
Arte eletrônica, realidade, virtual

Introdução

É possível perceber relações e ampliações dos conceitos de realidade e ilusão em

recentes reconfigurações da obra de arte. Essa passou a utilizar recursos digitais para

criar realidades virtuais onde a interação passou a ser valorizada.

Realidade

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Argumentos a respeito do conceito de realidade foram desenvolvidos em contextos

relacionados a correntes diversas de pensamento.

Platão explica a realidade, em seu livro República, com Sócrates como

protagonista. Na alegoria da caverna, são apresentados seres humanos aprisionados em

uma caverna com os pés e mãos atados. A única coisa que conseguiam ver eram as

sombras do exterior projetadas pelo sol através da entrada da caverna, somente as

sombras e não os verdadeiros objetos, apenas uma pequena parte da realidade. Sua

compreensão do mundo era extremamente limitada.

O real seria uma ilusão? Segundo Platão, a natureza consiste em um mundo de

formas essenciais que são conhecidas superficialmente, como sombras na parede da

caverna.

“Platão conclui que, se partirmos da hipótese de que o real é inteligível, ou seja,

pensável e justificável racionalmente, o processo lógico do pensamento, através de

articulações racionais, é o caminho que nos leva ao próprio coração da realidade, a

própria estrutura do ser” (Sampaio, 2006).

Para os empiricistas, segundo Godfrey-Smith (2003), existe uma resistência às

distinções entre mundo comum e uma realidade superior pura e perfeita, como àquelas

sugeridas por Platão. Estruturas hipotéticas que dão origem aos fenômenos observáveis

não são puras, perfeitas ou mais reais do que as partes observáveis do mundo. São

estruturas que acompanham o fenômeno. O empirismo tradicional insiste que a única

coisa que a linguagem científica pode fazer é descrever padrões na realidade observável.

Aliados próximos do empirismo, Carnap, Hahn e Neurath, ao introduzirem o

positivismo lógico em 1929, atestam que “na ciência não existem profundidades, apenas

uma superfície em toda parte” (Neurath et al, apud Jacoby, 2002).

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Para Kuhn, com as mudanças de paradigma, temos mudanças de idéias, padrões,

pontos de vista e do mundo como um todo. “A própria realidade está relacionada ou

depende de paradigmas” (Dietze, 2001).

De acordo com Godfrey-Smith (2003), devemos ter algo como uma geometria

euclidiana no nosso cérebro, de forma que sempre acabamos realizando julgamentos

observacionais. Observação é uma forma física de contato entre as mentes e o mundo.

Este contato é um produto da evolução e adiquiriu tamanho grau de confiabilidade graças

à nossa história evolucionária e às relações entre nossa estrutura e o que nos envolve.

Godfrey-Smith reconhece o papel do observador em definir o que vem ser a realidade.

O mundo, segundo Godfrey-Smith, é uma coisa, e nossas idéias sobre ele são

outra. Segundo Devitt (1997), a realidade é independente de pensamentos e linguagem.

Pensamentos e palavras fazem parte do mundo, não de uma dimensão superior.

Pensamento e linguagem têm um papel fundamental no mundo. Uma das razões

principais para pensar, falar e teorizar é a necessidade de transformar as coisas à nossa

volta.

Para Godfrey-Smith (2003), um realismo espontâneo (Common-sense realism)

advoga que todos habitamos uma realidade comum que existe independente do que as

pessoas pensam ou dizem. Contudo, esta realidade é afetada por pensamentos, teorias e

símbolos. Para os realistas, podemos ter diferentes visões e perspectivas sobre o mundo.

Apesar disso, estamos vivendo e interagindo no mesmo mundo.

Devitt (1997) combina uma visão kantiana e certo relativismo com a idéia de que

pessoas e comunidades diferentes criam diferentes mundos fenomenológicos, diferente

de Kant, em Groundwork of the metaphysics of morals, para quem todos participam da

mesma estrutura conceitual básica sem oportunidade de escolha, um mundo real que

limita nossas crenças.

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Kant dividia a realidade em dois mundos: uma realidade básica (noumenal) e outra

fenomenológica. A realidade básica é um mundo em si mesmo em que nós somos

obrigados a acreditar, contudo não temos nenhuma noção de como ela é. O mundo

fenomenológico é aquele que nós percebemos, conhecemos e parcialmente criamos. Não

existe independente da estrutura de nossas mentes. Segundo Godfrey-Smith (2003), o

realismo científico insiste que, além das idéias e teorias, existe o restante da realidade.

De acordo com Foerster, realidade envolve percepção, pois o observador faz parte,

é parceiro e participa do mundo observado (Wiebel, 2005). Assim, todas as aparências e

ilusões potenciais da percepção são trazidas para a realidade.

Percepção

Apesar dos humanos compartilharem as mesmas formas básicas de contato com a

realidade como consequência da mesma natureza biológica, existem diferenças

significativas nas formas como diferentes culturas e níveis intelectuais lidam com o

problema da investigação e compreensão do mundo.

De um ponto de vista naturalista, seres humanos, para Godfrey-Smith (2003), são

organismos biológicos encaixados em um mundo físico com o qual aprendem a lidar e

interagir. Nossas tentativas de conhecer este mundo são apenas um dos aspectos desta

interação, pois ela envolve aspectos mais práticos. Nossos mecanismos perceptivos –

olhos, orelhas etc – são ferramentas que utilizamos para coordenar as trocas com o

mundo. Estes mecanismos respondem a estímulos físicos causados por objetos ou

eventos do ambiente. O olhar tem um papel importante neste processo. “A primazia do

olho como órgão de sentido dominante no século XX é uma consequência da revolução

técnica que dispõe um aparato enorme a serviço da visão” (Weibel, 2005).

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“O sentido da visão nos permite distinguir as diferenças das formas onde quer que

elas estejam” (Ptolemy apud Gombrich, 1960).

A visão é um sentido extremamente complexo essencial para percepção do espaço

a nossa volta. Através da percepção, reconhecemos objetos e situações que nos auxiliam

na tomada de decisões.

Para Berkeley, no século XVIII, a noção de espaço e solidez devia ser obtida

através do toque e do movimento. Análises de dados sensitivos começaram a ser

realizadas por empiricistas ingleses e dominaram as pesquisas na área da psicologia no

século XIX, quando Helmholtz desenvolveu uma área da psicologia relacionada à ótica.

Nem Berkeley nem Helmholtz confundiram visão com sensação visual. Ao contrário, as

distinções entre sensação, registro de estímulos e o ato mental da percepção eram

comuns na psicologia do século XIX (Gombrich, 1960).

Na parte interna, não podemos definir com certeza absoluta o que está por trás de

uma entrada sensitiva em particular. Do ponto de vista da biologia ou da psicologia,

podemos estabelecer princípios regulares relacionados à forma como nossa percepção

responde a objetos e eventos distantes. Podemos definir também como a percepção pode

nos ajudar a navegar no mundo.

Godfrey-Smith (2003) coloca ainda que somos sistemas biológicos encaixados em

um mundo que contem objetos de todos os formatos e tamanhos. Nossos mecanismos de

percepção e ação nos permitem ter uma variedade de diferentes contatos com esses

objetos. Nosso acesso ao mundo através de pensamentos e teorias é um tipo complexo

de interação. Esse acesso ao mundo está constantemente em expansão, à medida que a

tecnologia é aprimorada. A princípio, sempre haverá configurações alternativas de objetos

que poderão gerar os mesmos estímulos que afetam nossos sentidos.

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Weissberg sintetizou a idéia de que, na comunicação, a visão é modificada, e que

as tecnologias visuais assistem, objetivam e intensificam os componentes abstratos das

percepções humanas. Ver não é somente um ato de recepção passivo, mas também uma

projeção. A simulação computadorizada e a imagem interativa refletem, conceitualmente,

os processos de percepção (Plaza, 2003).

Percepção, pensamento e lembrança, para Bruner e Postman, representam

hipóteses que o organismo constrói. Elas precisam de respostas na forma de alguma

experiência subsequente (Gombich, 1960).

Para Gombrich, não existem distinções rígidas entre percepção e ilusão. A

percepção emprega todos os meios para evitar as ilusões perigosas, mas fracassa ao

lidar com trabalhos artísticos que utilizam ilusões.

Ilusão

“É interessante de se notar que o conceito de ilusão na cultura ocidental sempre foi

evitado. Desde que a tecnologia computacional introduziu a noção de simulação, a ilusão

passou a ser considerada como conceito positivo” (Ilgen, 2002). Segundo Ilgen, houve

uma mudança de nomenclatura para descrever o mesmo conceito em relação ao espaço

e o movimento, de ilusão para simulação.

O contexto da ação, de acordo com Gombrich (1960), cria condições para a ilusão.

Quando um cavalo de madeira está largado em um canto, ele é apenas um pedaço de

madeira, mas quando ele é cavalgado, passa a ser o foco da imaginação da criança e se

transforma em um cavalo.

“Quando não podemos ver um objeto através de seu modo de ação peculiar,

procuramos as manifestações de outras diferenças, algumas vezes percebendo a

verdade e outras vezes imaginando incorretamente” (Ptolemy apud Gombrich, 1960).

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Segundo Rokeby (1998), desenvolvedores de jogos de computador são os novos

mestres da ilusão. Contudo, a ilusão, de acordo com Rokeby (1998), quando é traduzida

para o mundo comercial, decepciona.

De acordo com Quatremère de Quincy (apud Gombrich, 1960), nosso prazer na

ilusão está no esforço mental em juntar arte e realidade. Este prazer é destruído quando a

ilusão é completa demais.

Implicações da tecnologia

Wark (apud Wilson, 2002) reflete sobre as implicações das telecomunicações nas nossas

noções de realidade. A velocidade dos fluxos de informação relacionados ao movimento

de pessoas e coisas modifica as relações. As informações tornam-se menos palpáveis e

menos importantes.

De acordo com Druckrey (apud Wilson 2002), consciência e percepção,

ferramentas fundamentais da realidade conhecida, passaram a ser definidas pela

tecnologia.

Wiebel (2005) de forma semelhante nota que as tecnologias digitais oferecem

novos tipos de controles flexíveis sobre percepção e representação, subvertendo a fé

epistemológica. Segundo ele, os fenômenos não podem ser separados dos observadores

e de sua interface observacional.

Segundo Dyson (apud Wilson, 2002), com a tecnologia, a subjetividade é re-

contextualizada. O autor sugere a possibilidade de fuga de uma subjetividade prescrita

através da realidade virtual.

Realidade virtual

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De acordo com Ryan (2001), a partir dos séculos XVIII e XIX, o conceito de virtual

apresentava uma relação dialética em oposição binária com o real, o virtual era o ficcional

e o não-existente. Este sentido surgiu a partir do uso ótico do termo. Segundo ele, o uso

moderno associa o virtual com algo que se passa por algo que não é, o que envolve uma

falsa legitimidade, desonestidade e deficiência em relação ao real.

De acordo com o dicionário Merrian-Webster (2006), o virtual é:

1- Algo obsoleto, a ação de enganar, forma de enganar ou corromper intelectualmente,

um equívoco, um exemplo de tal engano.

2- Uma imagem que engana a visão, percepção de algo que existe objetivamente como

meio de causar interpretação errônea de sua natureza real, uma alucinação, um padrão

com perspectiva revogável.

Por um lado, o virtual tem um sentido ótico, que traz uma conotação negativa de

ilusão; por outro lado, sugere produtividade, abertura e diversidade. De acordo com Ryan

(2001), associações do virtual com tecnologias computacionais estão entre estes dois

pólos. Baudrillard se refere ao virtual como falso e Lévy, o virtual como potencial.

Baudrillard reflete sobre o status da imagem em uma sociedade viciada na

“duplicação do real através da tecnologia”. No passado, a capacidade de capturar e

duplicar o mundo era um privilégio do espelho. Agora, esse poder foi emulado por mídias

tecnológicas, como a fotografia, filmes, gravações, televisão e computadores, que

enchem o mundo com representações que compartilham imagens virtuais.

Esta propensão à virtualidade, segundo Baudrillard, impede qualquer relação

dialética entre o real e sua imagem. Sem imagens, estamos presos em um campo

gravitacional do falso (fake) e a substância do real é sugada pelo virtual. Na ausência de

suas outras faces, o virtual substitui o real e se transforma no hiper-real (Ryan, 2001).

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Para Lévy (1998), o virtual tem pouca relação com o falso, ilusão e imaginação,

não é oposto ao real. Ao contrário, é um estado poderoso do ser que expande o processo

criativo, abre o futuro e insere um significado além da superficialidade da presença física.

Baudrillard começou a utilizar os termos ‘virtual’ e ‘realidade virtual’ ainda em 1991

como sinônimo para simulação. Segundo Baudrillard, a realidade virtual seria o triunfo

máximo do simulacro. “Com o virtual, não apenas o real e o referencial são liquidados,

mas o outro também é exterminado. Não vivemos em um mundo onde existe realidade

virtual, mas estamos imersos nesta tecnologia, vivemos e respiramos realidade virtual”

(Baudrillard, apud Ryan, 2001).

Ao contrário de Baudrillard, Lévy (1998) não se sente ameaçado pela expansão do

virtual, pois vê o virtual como uma aceleração produtiva a partir das relações entre virtual

e real, mais do que uma perda de território para o real.

Para Rokeby (1998), existe um transbordamento do virtual. Por um lado, softwares

e hardwares do mundo do entretenimento são transpostos com facilidade para os mundos

“sérios” do comércio, justiça e comunicação. Por outro lado, experiências artificiais

mudam nossa forma de sentir, perceber, interpretar e descrever nossas experiências

“reais”. A forma mais extrema de trasbordamento virtual para o real é, provavelmente, o

flashback relacionado a experiências em realidade virtual, o que inclui perdas na

orientação espacial. As interfaces deixam marcas em nossos sistemas perceptivos que

nós levamos pelo mundo. Quanto mais utilizarmos uma interface, mais forte o efeito. Este

transbordamento sugere a possibilidade de uma diminuição das noções de limite entre

real e virtual sugeridas por Baudrillard. “Como saberíamos a diferença entre simulação e

realidade? Significa que as simulações se tornaram realidade ou que a realidade era uma

simulação” (Baudrillard apud Ryan, 2001)?

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Experiências artificiais, segundo Rokeby (1998), são acumuladas como uma

colagem de representações de coisas fora de contexto. No reino virtual, o criador decide

arbitrariamente onde colocar os elementos. Na realidade, o contexto não é apenas o pano

de fundo, representa um conjunto de condições que torna as coisas possíveis. A

experiência real tem uma integridade que a experiência virtual não tem. Esse aspecto da

virtualidade é uma grande vantagem, pois permite quebrar as “regras” da realidade.

Designers de experiências virtuais muitas vezes ficam tão preocupados em simular a

realidade que deixam de utilizar alguns dos potenciais mais interessantes que as novas

mídias oferecem.

Wilson (2002) sugere uma análise radical onde o corpo e o espaço físicos se

tornam cada vez mais irrelevantes. A realidade virtual permite às pessoas habitar mundos

simulados próprios utilizando corpos sintéticos. Essas criações virtuais podem

modelar/simular realidades físicas ou improvisar livremente a partir da imaginação.

Comunicações digitais permitem que as pessoas percebam e atuem à distância,

negligenciando os velhos limites do espaço físico. Como as pessoas gastam mais tempo

em ambientes produzidos digitalmente, esses mundos se tornam mais realistas e ganham

importância na vida das pessoas, e o corpo e o espaço físicos podem perder importância.

A realidade virtual proporciona uma ilusão de consciência do corpo. Usuários de

realidade virtual têm seus corpos representados no mundo virtual. Aparatos com sensores

permitem traduzir ações do corpo em ações no mundo virtual. Penny nota, no entanto,

que o corpo real é abandonado. A realidade virtual questiona as noções tradicionais de

espaço (Wilson, 2002). Gravidade e tempo podem ser desafiados. Podem ser exploradas

fantasias impossíveis de se imaginar no mundo material e biológico.

Manovich acha que operadores de radar, pilotos de aviões, usuários de jogos de

computador e adeptos da realidade virtual realizam tarefas perceptivas semelhantes.

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Também nota uma proximidade com fenômenos culturais diversos, como simuladores,

parques temáticos, drogas, experiências meditativas orientais e cenas de viagem no

cinema (Wilson, 2002). Os parques de diversões fornecem aos visitantes experiências

amplificadas nos corpos em movimento.

Baudrillard vê essas transposições com cautela quando questiona a abrangência

do virtual no cotidiano. “Passaremos nossas vidas inteiras em uma disneylândia de dados

digitais” (Ryan, 2001)? Contudo, Rokeby (1998) coloca que “apenas um enfoque

multimodal com múltiplos níveis simultâneos de significado e comunicação pode

expressar adequadamente essa experiência complexa de realidade”.

Manifestações artísticas

Peter Wiebel (2005) identifica as artes como o lugar apropriado para explorar novos

conceitos de realidade.

Com a abstração geométrica na arte, mudanças na representação passaram a ser

realizadas com objetos móveis ou observadores em movimento. O mundo dos objetos se

dividiu em representações simultâneas de várias perspectivas no Cubismo ou fases

diferentes de movimento no Futurismo.

Na Op art, a abstração geométrica alcançou tal nível de abstração que a própria

percepção se tornou o tema. Os efeitos óticos, criados a partir de linhas autônomas, cores

e superfícies, passaram a ser o conteúdo do quadro.

A participação do espectador, segundo Plaza (2003), caracteriza-se por um

abandono progressivo das noções de ambiente ético e político com uma transformação

gradativa produzida pela Op art e pela arte cinética do campo da percepção e,

posteriormente, pela holografia e o raio laser, que acentuaram o lado perceptivo e deram

origem a móbiles, esculturas de luz e objetos cibernéticos controlados eletronicamente.

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Para Plaza (2003), ambientes artísticos acrescidos da participação do espectador

contribuem para o desaparecimento e desmaterialização da obra de arte, que é

substituída pela situação perceptiva: a percepção como re-criação. As noções de

ambiente e participação do espectador são propostas e poéticas típicas da década de

1960. Trabalhos característicos da época incluem manipulações de elementos plásticos

de Calder, Soto e Lígia Clark; penetráveis, onde o espectador entra ou veste objetos,

como nos parangolés de Hélio Oiticica; ou os ambientes de Soto.

Segundo Viola, a verdadeira natureza da nossa relação com o real não reside mais

na impressão visual, mas nos modelos formalizados dos objetos e o espaço que o

cérebro cria a partir das sensações visuais (Plaza, 2003).

Segundo Plaza, ao participacionismo artístico sucedem as artes interativas e a

participação pela interatividade.

Para Forest, as artes relacionadas com a informática, a robótica e as

telecomunicações resumem-se a três palavras-chaves: simulação, interatividade e tempo

real (Plaza, 2003).

Nas artes da interatividade, segundo Plaza, o destinatário potencial se torna

coautor e as obras se tornam um campo aberto a múltiplas possibilidades e

desenvolvimentos imprevistos em uma coprodução de sentidos.

Para Plaza, uma obra de arte interativa é um espaço latente e suscetível de todos

os prolongamentos sonoros, visuais e textuais. O cenário programado pode ser

modificado em tempo real em função da resposta dos operadores. A interatividade não é

somente uma comodidade técnica e funcional, ela implica física, psicológica e

sensivelmente o espectador em uma prática de transformação.

Gombrich (1960) parece que já previa o desenvolvimento da arte interativa ao

colocar que a arte não tenta retratar a natureza do mundo físico e sim nossas reações a

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ela. “Ela não se preocupa com as causas, mas sim com os mecanismos de certos efeitos.

Assim, para facilitar a compreensão, nossas mentes passaram a registrar mais

relacionamentos do que elementos individuais”.

Para Couchot, o espectador controla e manipula as técnicas, mas também é

operado por elas. Vive uma experiência íntima que transforma sua percepção do mundo,

uma experiência tecnestésica. As técnicas não são somente modos de produção, são

também modos de percepção do mundo (Plaza, 2003).

Nossa interface “orgânica” é extraordinariamente complexa. Envolve um número

enorme de sensores simultaneamente ativos através dos quais nós atuamos no mundo

como pontos individuais de contato físico. Em contraste, nossas interfaces artificiais são

estreitas e em série, mesmo em aplicações multimídia com som e imagem móvel.

Tramus mostra que a interatividade pode ser considerada como uma simulação da

interação. Para ela, interação se refere às relações entre indivíduo e realidade, natural ou

artificial. Contudo, interatividade está associada às realidades virtuais. Interatividade seria

um processo que modifica a realidade. Transforma a realidade natural e a realidade

artificial em realidades virtuais a partir de uma simulação (Plaza, 2003).

Considerações finais

Mudanças na concepção de realidade propostas inicialmente pelo empirismo tradicional

refletiram, muito tempo mais tarde, no caráter hegemônico da obra de arte. Essa passou a

permitir uma interação direta do espectador que, muitas vezes, se torna quase um coautor

da obra. Contudo, a realidade representada na obra de arte eletrônica continua sendo

uma visão pessoal do artista, com a adição de aspectos do mundo “real” e a figura do

espectador inserida no trabalho.

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A percepção do espectador ganhou mais importância, pois através dos estímulos

recebidos, o espectador interage com a obra de arte eletrônica, influindo no conteúdo e no

desenvolvimento da narrativa. Os sistemas associados à obra de arte eletrônica, por sua

vez, analisam os movimentos e ações do usuário, fornecendo novas respostas, que

influenciarão novas tomadas de decisão.

A ilusão na obra de arte eletrônica tem um caráter essencial, pois auxilia o

espectador a se desligar da realidade, estimula a interação e desperta a curiosidade em

ambientes que podem envolver certos aspectos da realidade. Assim, podem ser criadas

realidades virtuais, onde a realidade é transformada por ilusões que envolvem o

espectador, fazendo com que ele acredite que a experiência virtual é verdadeira. Esse

processo é facilitado pela tecnologia que auxilia na simulação dessas novas realidades

com técnicas diversas, incluindo a retroalimentação e a utilização de informações

relacionadas a ações do espectador.

Também existe um enfoque no qual são combinados o real e o virtual, realizando

uma ponte com a criação de uma ilusão para o usuário no momento da interação com a

obra.

Apesar do questionamento de Baudrillard (apud Ryan, 2001) onde “a cultura da

ilusão teria cometido um crime perfeito que matou a realidade sem deixar nenhum

vestígio ou acabou de vez com a ilusão do real para alcançar o conhecimento semiótico

máximo”, nota-se em filmes interativos uma preocupação quanto à representação direta

de contextos sócio-culturais.

Pode-se dizer que um caráter ilusório sempre estará presente em maior ou menor

grau, porém uma representação direta da realidade não parece ser um quesito

indispensável para as obras de arte eletrônicas.

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Bibliografia

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