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New York Comicon 2010

Fabio Luiz Carneiro Mourilhe Silva


(UFRJ / UFF / Rio Comicon)

Introdução

Minhas expectativas sobre a Comicon NY eram muito mais modestas, pois, nas minhas
visitas a eventos similares em Nova York no passado, tinha presenciado convenções muito
menores, com menos lojas, stands de editoras pequenas, artistas novos e fantasias, e, de
uma forma geral, muito menos gente. Segundo Peter Kuper, a feira dobrou em relação ao
ano passado, se aproximando à feira de San Diego, porém ainda menor. O evento é grande
com muitos autores dispostos a dar autógrafos ou sketches em mesas de suas respectivas
editoras ou mesas isoladas. Para mim, parecia um “Rio Centro” do gibi, com uma multidão
ensandecida!

Filme com longas filas na entrada da New York Comicon 2010


http://www.youtube.com/watch?v=BZ2xpBmsnak

Quanto às palestras, minhas expectativas também foram superadas. Ao invés do cenário


anterior com cerca de dez mesas em duas salas, agora temos dezenas de mesas em cerca de
30 grandes salas simultâneas, com a Comic Studies Conference – coordenado por Peter
Coogan e pelo Institute for Comics Studies - prestigiando e organizando oito eventos
diferentes.
Comic Studies Conference

CSC: Super-Psychology:
Com a psicóloga Robin Rosenberg. Apresentou o artigo “Superhero Origins: What Makes
Superheroes Tick and Why We Want to Know”, onde ela analizou a transformação de
Tony Stark no Homem de ferro. Autora de “Psychology and Superheroes: an unauthorized
exploration”, Robin também trabalha com outras questões relacionadas aos super-heróis em
seus estudos, como o alter-ego, a função do uniforme, o poder relacionado ao ser diferente,
a possibilidade de sobrepujar as adversidades e os medos etc. Seu site é o seguinte:
http://www.drrobinrosenberg.com/psychology-and-superheroes.php

Robin Rosenberg e seu livro

CSC: Psychiatry and the Superhero


Daniel Debowy, da North Suffolk Community Mental Health, apresentou a mitologia do
Batman para analisar a representação de psiquiatras, super-heróis, vilões e os cidadãos de
Gotham City. Segundo ele, o tratamento cruel dado à psiquiatria pelos escritores atuais do
Batman se deve à demonização sofrida pelos quadrinhos na década de 1950. Sharon
Packer, do Albert Einstein College of Medicine, autora do livro “Superheroes and
superegos: analyzing the minds behind the masks”, relacionou o uniforme Negro simbionte
do Homem-aranha com uma desordem de identidade dissociativa e com o conceito de
“sombra” de Jung.
CSC: In Search For Humanity Through Utopian and Dystopian Narratives
O que significa ser humano na era atual? Chong Kim, da Soul Survivors Inc., mostrou que
as condições sociais que privilegiam a transformação, representadas na ficção dos
quadrinhos, indicam uma forma de compreeensão da identidade humana.

Slide de Chong Kim

CSC: Grandchildren of the Golden


Nicky Wheeler-Nicholson Brown, mestra em mitologia grega e neta do Major Malcolm
Wheeler-Nicholson – fundador da DC -, mostrou alguns resultados de suas pesquisas que
tratam da relação de seu avô com os pulps e com a história da DC Comics. Segundo ela, o
avô estava interessado em conteúdos originais e não apenas em re-edições de tiras de
jornal. Seus trabalhos, como soldado em luta na Sibéria e espionagem, influenciaram seus
contos. Pete Marston fala sobre as lembranças de seu pai, William Moulton Marston,
criador da Mulher Maravilha, na época da infância. Cita os principais marcos dos
quadrinhos desde o final do século XIX. Indica os quadrinhos como uma motivação social
que faz parte da vida ou, ecoando em artigo de seu pai, como forma de se esconder do
mundo (fun escape).
Slides de Nicky Wheeler-Nicholson Brown (à direita na foto) e Pete Marston (à esquerda
na foto)

CSC: Gotham City 14 Miles: Why Batman ’66 Matters


O editor Jim Beard e Mark Waid da Boom Studios lideraram uma mesa com os
contribuidores do livro “Gotham City 14 Miles”, uma coletânea com ensaios que salientam
a importância da série de TV de Batman da década de 1960. Participaram desta mesa
também Jennifer Stuller (“Ink-Stained Amazons”), Paul Kupperberg (“And Then I Wrote
blog”), Bob Greenberger (bobgreenberger.com), Peter Sanderson (“Comics In Context”),
Tim Callahan (geniusboyfiremelon.blogspot.com), Michael Miller (“Toledo Free Press”),
Joe Berenato, e Julian Darius (Sequart Books).

Paul Kupperberg

CSC: New York


Brad Ricca, da Case Western Reserve University, mostrou o significado da 1939-1940 New
York World’s Fair na formação da percepção do super-herói, em uma pesquisa interessante
a partir de fontes primárias. As feiras recebiam na época, segundo ele, cerca de 45 mil
visitantes, o que seria um local perfeito para a emergência dos quadrinhos e a popularização
dos super-heróis, o que realmente ocorreu nesta época, a princípio com Super-homem.
Cogita-se a visitação de diversos quadrinistas a estas feiras, tendo as atrações e personagens
como influências diretas. Nesta época, Bill Everet e Carl Burgos, por exemplo, criaram
Namor e Tocha Humana, e nas feiras, em datas concomitantes, temos apresentações
aquáticas com bailarinos caracterizados com pés alados e espetáculos onde homens
colocavam fogo em suas vestes e saltavam de altas alturas na água. Lógico que no universo
de fantasia da própria Comicon, onde estávamos, teríamos um prato cheio de inspirações
para novos personagens criados por quadrinistas que rondam o local. Hannah Means-
Shannon apresentou o trabalho “A funeral for Achilles: Burying the heroic code in
Watchmen”, onde traça paralelos entre o herói principal da Ilíada e os super-heróis de
Watchmen Comediante e Rorschach. Aquiles em crise com os códigos sociais, Aquiles
como anjo da morte pela morte de Heitor e o Comediante, por toda sua ação – apresentada
em retrospecto -, como o próprio anjo da morte

Hannah Means-Shannon e Brad Ricca. Slide de Brad Ricca.

CSC: Art
Frank Verano da University of Westminster misturou política, cultura e teoria da arte para
analisar “The Dark Knight Strikes Again” de Frank Miller, atentando para uma
simultaneidade que, contudo, seria inerente à linguagem dos quadrinhos. Josh Kopin, do
Bard College, examinou como Ed Brubaker e Matt Fraction promovem a narrativa da série
“The Immortal Iron Fist”, explorando a estrutura dos quadrinhos, com influências de
Gasoline Alley. Howard Chaykin, na interpretação deste autor, deixa de acompanhar a
dinâmica dos autores subseqüentes.
Josh Kopin

CSC: Adaptation
R. Sikoryak, autor de “Masterpiece Comics”, salientou a interseção existente entre arte
erudita e popular nas adaptações de clássicos de literatura para os quadrinhos. Em meu
trabalho, analisei as adaptações para os quadrinhos dos trabalhos de Edgar Allan Poe,
considerando o estudo de Poe “Philosophy of Composition”. Thomas Witholt, da Syracuse
University, indicou a dupla influência do estilo noir dos gibis do final da década de 1930 e
começo da década de 1940, tanto para o cinema noir da época, como para trabalhos mais
recentes lançados pela Marvel.

Robert Sikoryak, Fabio Mourilhe e Thomas Witholt

Consumo

O fato de ser palestrante e fazer parte do seleto grupo de pesquisadores do Comic Studies
não indica uma abstinência em termos de consumo de revistas em quadrinhos, muito pelo
contrário. Assim, uma parte do tempo foi gasta com buscas por quadrinhos interessantes,
fora do eixo das duas grandes principais editoras, Marvel e DC, que, por sinal, estavam
distribuindo grátis seus últimos lançamentos, amostras e brindes – principalmente a DC. Os
gibis estavam mais caros do que na década de 1990. Antes existiam promoções de quatro
gibis por $1, agora apenas dois gibis por $1, diversas encadernações (trade paperbacks) por
$5 ou três por $10 e muita coisa por 50% do preço de capa. Estavam presentes também as
principais lojas de gibi, stands com blusas temáticas, bonecos, videogames, um stand com
manhuas e diversos com mangas e animes (O NY Comicon foi realizado simultaneamente
ao New York Anime Festival). Os altos preços dos gibis à venda na Comicon também
podem estar relacionados aos altos custos dos aluguéis de stands, por cerca de 1.700
dólares.
Como vim de Minneapolis, onde apresentei outro trabalho, pude constatar que, em Nova
York, a vida está mais cara, pois na primeira cidade pude comprar grandes edições de
estudos quadrinísticos de eixos variados e gibis diversos a preços módicos, o que inclui
edições de Peter Bagge da década de 2000, a coleção completa de A lenda de Kamui, A
vida de Winsor McCay, A arte de Tintin, Edições da Comics Journal, livros sobre e com
Charles Adams etc.

Artistas

Outra tarefa que absorveu grande parte do tempo na Comicon foi o contato com os
quadrinistas, oportunidade única que não poderia ser desperdiçada, tendo em vista as novas
Comicons que prometem aportar no Rio de Janeiro neste ano e nos próximos.
Um dos artistas que conheci em Setembro na Argentina no Congresso Vinetas Serias – no
qual apresentei outro trabalho - foi Peter Kuper. Por sua ousadia, talento e simplicidade,
pensei que ele seria um convidado ideal para o evento do Rio. Em Nova York, liguei para
ele. Estava animado para vir, porém queria saber de mais detalhes, como os horários e as
datas exatas. Disse que mandaria material para exposição mesmo sem poder vir, porém,
como as datas estavam em cima e ele tem viajado muito ultimamente, optou por vir no ano
que vem. Assim, teria tempo inclusive para realizar um pôster para o evento.

Peter Kuper

Inicialmente, falei com Sikoryak por e-mail, sem dar muitos detalhes sobre o evento do
Rio. Como apresentamos na mesma mesa trabalhos no Comics Studies Conference,
pudemos conversar um pouco mais sobre o assunto. Também concluiu que a data estava
muito próxima e uma exposição com seus originais também seria complicada, pois estes
foram para Angoulême. Quando vier, Sikoryak será um autor importante para discutir sobre
os paralelos e adaptações entre literatura e quadrinhos. Além disso, suas apresentações no
Carousel – leituras de hqs com músicas e performances – também seriam bem vindas.
Assim sendo, considerando seu potencial, Sikoryak merece um destaque especial no Rio
Comicon.
Robert Sikoryak

Filmes com Sikoryak


http://www.youtube.com/watch?v=eMDjHMpKqPc
http://www.youtube.com/watch?v=2VCcBExcG10

Antes de começar a convenção de Nova York, cogitamos a possibilidade de contatar Stan


Lee para o Rio, contudo na prática foi difícil a aproximação devido à horda de fãs que se
instalou em volta. Outra possibilidade de contato no evento, com a nova editora Pow, até
começou a ser ensaiada, mas o tempo escasso não permitiu.

Filme da fila na entrada da comicon


http://www.youtube.com/watch?v=U619FQby3Dg

Durante a Comicon NY, os artistas foram aparecendo e os contatos realizados


naturalmente. Fiz um pequeno cartão impresso para identificar a Rio Comicon com uma
montagem dos quatro banners disponíveis no site do evento
(http://www..riocomicon.com.br). Comecei a fazer os novos contatos a partir de sexta feira,
8 de Outubro – primeiro dia do evento - fora do horário das apresentações dos nossos
trabalhos (tínhamos cerca de três horas de apresentações por dia).
O contato com Chris Claremont foi inusitado. Não o conhecia, mas vi que ele tinha saído de
uma das mesas de autógrafos. Comecei a conversar com ele sobre o evento do Rio e só
depois ele se identificou. Mostrou-se interessado em vir ao Rio em função da magnitude do
evento.

Fabio Mourilhe e Chris Claremont

Geoff Darrow, muito bem humorado, estava em uma mesa junto a Walter Simonson.
Diferente deste, Darrow também se mostrou entusiasmado para vir ao Rio.
Geof Darrow e Walter Simonson

Em volta de Todd McFarlane também havia uma horda de fãs, mas ao conversar com sua
secretária foi possível entrar em contato – falar com ele pessoalmente. Disse que gostaria
de vir com a esposa. Estava assinando gibis junto a Greg Capulo, que apoiou as visitas ao
Rio, a partir das memórias das lindas mulheres cariocas – esteve no Rio em 1996.

Todd McFarlane

Filme com Todd McFarlane e Greg Capulo


http://www.youtube.com/watch?v=Cm-uBrgur6g

Jerry Robinson, muito simpático e animado para vir ao Rio, estará relançando ano que vem
ótimo registro histórico sobre os quadrinhos, “The comics: na illustrated history of comic
strip art 1895-2010”, com uma sinopse impressa disponível para o público. Além disso,
estava à venda no local sua biografia, “Jerry Robinson: Ambassador of Comics”.
Jerry Robinson

Dos quadrinistas brasileiros que trabalham para a DC Comics, tive a chance de conversar
com Ivan Reis e Eddy Barrows. O segundo, desenhista atual do Super-Homem,
impressiona pela simplicidade da personalidade e pela sofisticação do traço, conseguindo
fazer lindos desenhos em curtíssimo espaço de tempo. Com o mesmo lápis, faz o esboço e a
finalização. As linhas guias com um lápis leve pouco a pouco vão dando lugar a uma
melhor definição de tracejado com uma maior pressão do lápis. Outros brasileiros que
estavam presentes foram Joe Prado, Breno Tamura e Ivan Freitas da Costa (Fiq brother).

Eddy Barrows, Joe Prado e Breno Tamura


Ivan Reis e Ivan Freitas da Costa

Filmes com Eddy Barrows


http://www.youtube.com/watch?v=vNwKQxabyZg
http://www.youtube.com/watch?v=kkQkg_fRd2Y

Ao convidar Paul Kupperberg – que também participou da Comics Studies Conference –


para a Rio Comicon, este informou que foi graças a ele que Mike Deodato ingressou na
DC.

Outros que se mostraram interessados em vir ao Rio foram Brian Bendis, David Lloyd (que
vai estar em sampa duas semanas antes do evento no Rio), Jim Salicrup. John Romita Jr.,
Terry Moore do “Strangers in paradise”, Geof Darrow, Chip Kidd, Michael Golden, Mark
Texeira, Vicente Alcázar, Larry Hama, Herb Trimpe, Peter David e Rick Leonardi.

Jim Salicrup, John Romita Jr e Brian Bendis


Chip Kidd, Terry Moore e Mark Texeira

Michael Golden, Peter David e Rick Leonardi

Vicente Alcázar e Larry Hama

Filme com Rick Leonardi


http://www.youtube.com/watch?v=yRzD4fgMXPA
John Romita Sr., Mort Walker e Walter Simonson não podem vir para cá, pois, segundo os
próprios, estão muito velhinhos. Para Gene Colan, no mesmo esquema – que pena –, nem
pedi o contato.

John Romita Sr., Mort Walker e Gene Colan

Filme com Gene Colan


http://www.youtube.com/watch?v=JYH834rqA1c

Fantasias fantásticas

Outro aspecto do evento que não pode ser ignorado é o desfile fantástico de caracterizações
diversas que assolava o local e as imediações. Dentre os principais destaques, seguem aqui
algumas seleções.
Conclusão

Apresentar um trabalho neste evento – e nos outros em que tenho me apresentado nos
Estados Unidos, Brasil e Argentina – representa, acima de tudo, uma possibilidade de
diálogo entre a cultura popular e a pesquisa acadêmica, intensificando o que é feito em
termos de pesquisa em quadrinhos e indicando fontes primárias, estudos de caso e
possibilidades de pesquisa de campo.

Tal grande festa com todos estes autores presentes em confluência com uma quantidade
significativa de leitores e fãs, em fantasias ou não – que podem induzir à construção de
novas narrativas e personagens -, mostra um fluxo vivo de uma mídia rica e instigante que
nos causa espanto, satisfação e uma “fuga divertida”. Foi bom estar presente.

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