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Como a Barnes & Noble foi de vilã a heroína

Por Elizabeth Harris, 15 de abril de 2022

A Hingham, Mass., umas das lojas da cadeia da Barnes & Noble, cujas vendas de livros aumentaram em 14% em
relação ao período anterior à pandemia.

Para os livreiros independentes, a enorme cadeia já foi uma ameaça. Agora é vital para sua
sobrevivência. E está indo bem.

Após anos em declínio, as vendas da Barnes & Noble aumentaram, seus custos diminuíram, e
as mesmas pessoas que, por décadas, viram a cadeia de livrarias como um supervilã, estão
comemorando seu sucesso.

No passado, o império de venda de livros, que contava com 600 postos avançados em todos as
50 estados, era visto por muitos leitores, escritores e apaixonados por livros como um exército
poderoso que devorava as lojas independentes em sua busca por espaço no mercado.

Hoje, praticamente toda a indústria de livros torce pelo sucesso da Barnes & Noble – incluindo
a maioria dos livreiros independentes. Seu papel único no ecossistema do livro – por um lado,
ajuda os leitores a descobrirem novos títulos, por outro, mantém as editoras interessadas nas
lojas físicas – torna a cadeia de lojas uma âncora essencial em um mundo abalado pelas
vendas on-line e por um player muito maior: a Amazon.

“Seria um desastre se eles saíssem do negócio”, disse Jane Dystel, agente literária de autores
como Colleen Hoover, que tem quatro livros na lista de mais vendidos do New York Times
desta semana. “Há um temor real de que, sem essa cadeia de livros, o negócio de livros
impressos seja drasticamente afetado.”
A pandemia lançou obstáculos substanciais no caminho da Barnes & Noble. Por quase dois
anos, não houve leituras coletivas ou sessões de autógrafos na maioria de suas lojas. O
faturamento de seus cafés ainda está bem abaixo do que era. E em dezembro, em que haveria
a temporada de compras de Natal, veio a Omicron. Muitas das lojas da rede no centro das
cidades ainda estão com baixo desempenho por causa da escassez de turistas e trabalhadores
de escritório em áreas urbanas.

Apesar de tudo isso, as vendas nas lojas Barnes & Noble aumentaram 3% no ano passado em
relação ao desempenho pré-pandemia, em 2019. O crescimento veio à moda antiga, disse
James Daunt, o executivo-chefe da empresa: vendendo livros, que aumentaram 14%. “Eu
nunca teria previsto isso no início do ano”, disse Daunt, “mas tem sido fantástico”.

O inimigo do meu inimigo é meu amigo


Por muitos anos, a hostilidade das livrarias independentes contra a Barnes & Noble era tão
potente que tornou até mesmo Tom Hanks um vilão crível, ainda que encantador.

O sentimento foi capturado no filme Mensagem Para Você, de 1998. Coescrito e dirigido por
Nora Ephron, o filme é protagonizado pelo dono de uma grande rede de livrarias, interpretado
pelo Sr. Hanks, que tira do negócio a personagem de Meg Ryan, uma amada livreira
independente em Manhattan. (Além disso, ambos são adoráveis e se apaixonam.)

De volta ao mundo da não-ficção, a American Booksellers Association [Associação de Livrarias


Americanas], que representa lojas independentes, entrou com uma ação antitruste contra a
Barnes & Noble na década de 1990. Um pouco anos antes disso, o grupo processara várias
editoras, dizendo que haviam oferecido preços mais baixos a grandes cadeias.

"Houve um período em que a competição ficou muito feia", disse Oren J. Teicher, um ex-
diretor executivo da American Booksellers Association. “A Barnes & Noble era percebida não
apenas como a inimiga, mas personificava tudo que havia de errado no universo corporativo
da venda de livros.”

Com o tempo, porém, as livrarias desenvolveram “um inimigo comum”, disse Teicher: a
Amazon. A Barnes & Noble cresceu e, de uma única livraria de Manhattan, em 1917, tornou-se
um player, oferecendo grandes descontos em best-sellers para atrair clientes. Uma vez que
entrassem em uma loja, os leitores eram impactados por uma enorme seleção de, às vezes,
mais de 100.000 títulos, a maioria dos quais eram vendidos a preço cheio.

Quando a Amazon entrou em cena, entrou também no jogo da Barnes & Noble — e o jogou
melhor, com descontos mais acentuados e uma seleção aparentemente infinita de livros. Hoje,
apesar da ascensão de outros formatos, a indústria ainda depende de livros físicos — em 2021,
eles trouxeram 76% da receita de vendas dos editores, de acordo com a Association of
American Publishers [Associação de Editoras Americanas]. E mais da metade dos livros físicos
vendidos nos Estados Unidos são vendidos pela Amazon.
Os corredores são mais amplos, com “saletas”, em vez de fileiras, e há mesas temáticas e menores em locais de
circulação de clientes.

Comprar on-line um livro que você está procurando é fácil. Você procura. Você clica. Você
compra. O que é perdido nesse processo são os achados acidentais, o livro que você pega em
uma loja por causa da capa, um livro de bolso que você vê em um passeio pela seção de
suspense.

Ninguém descobriu como replicar esse tipo de descoberta incidental on-line. Isto torna as
livrarias extremamente importantes não apenas para os leitores, mas também para escritores,
agentes e editoras de todos os tamanhos.

As livrarias independentes desempenham um papel importante nesse tipo de descoberta, mas,


como as lojas da Barnes & Noble são enormes, geralmente mantêm uma quantidade maior de
títulos à mão. E, em muitas regiões do país, não há livrarias independentes, sendo a Barnes &
Noble é a única livraria da cidade.

“A descoberta é tão, tão importante”, disse Daniel Simon, fundador da Seven Stories Press,
uma editora independente. “Quanto maior a participação da Amazon no mercado, menos
descobertas acontecem e menos vozes novas serão ouvidas.”

Para autores conhecidos, a Barnes & Noble é importante por um motivo diferente – seu
tamanho. Paradas obrigatórias em qualquer grande turnê de livros, as 600 lojas da rede
podem fazer pedidos enormes e movimentar muitos exemplares.

“É engraçado como a evolução da indústria fez com que eles se tornassem os mocinhos”, disse
Ellen Adler, a editora da independente New Press. “Eu diria que a reabilitação deles foi total.”

A rede também mantém as editoras investidas na distribuição de livros físicos em todo o


país, disse Kristen McLean, diretora executiva de desenvolvimento de negócios da NPD Books,
que acompanha o mercado.

Isso é bom para livrarias de todos os tamanhos.


Michael Barnard, proprietário e gerente da Rakestraw Books, em Danville, Califórnia, disse que
cerca de 20 anos atrás, a Barnes & Noble abriu uma superloja a oito quilômetros de sua loja.
Também havia uma livraria Super Crown, uma Borders e uma Costco com uma seção de livros
considerável por perto – e tudo isso no momento em que a Amazon estava em ascensão.

Mas Rakestraw aguentou e até prosperou. E o ano passado foi o melhor que sua loja já teve.

“Eles foram, às vezes, extremamente competitivos e difíceis de lidar”, disse ele. Porém, “eles
são a outra grande parte da indústria que está comprometida com a impressão e a venda de
livros, e acho que eles compartilham alguns de nossos desafios”.

“Dito isso”, ele acrescentou, “eu preferia que não houvesse uma loja deles tão perto de
minha.”

Uma livraria não é uma loja de conveniência


Em 2018, o conselho da empresa demitiu seu presidente-executivo, o quarto em cinco anos.
Instaurou-se na indústria o temor de que a maior rede de livrarias do país fechasse as portas.

No verão seguinte, a Elliott Advisors, um fundo de cobertura, comprou a rede por US$ 638
milhões e pôs o Sr. Daunt no comando.

Um conceituado livreiro que abriu sua primeira loja Daunt Books em Londres, em 1990, o Sr.
Daunt tinha sido chamado para resolver um problema semelhante na Waterstones, a maior
rede de livrarias da Grã-Bretanha. A empresa estava à beira da falência quando ele assumiu,
em 2011. Sua teoria era que as lojas da cadeia deveriam agir menos como lojas de cadeia e
mais como lojas independentes, com liberdade semelhante para adaptar suas ofertas aos
gostos locais. Funcionou: ele tornou a Waterstones lucrativa novamente.

Ele repetiu essa abordagem na Barnes & Noble. Os pedidos para todas as livrarias da cadeia
eram feitos por escritório central em Nova York. Hoje, uma central bem enxuta faz apenas um
pedido mínimo para os novos livros, deixando os gerentes das loja livres para escolher se
devem trazer mais exemplares com base nas vendas locais.

“Eu recebo todos os créditos, mas, na verdade, o que estou fazendo é sair do caminho das
pessoas e deixar que elas administrem livrarias decentes”, disse Daunt. “Todo o trabalho
acontece no chão de loja.”

A Barnes & Noble concedeu às suas lojas mais controle sobre o próprio estoque. Rachel Igo estava reabastecendo
prateleiras em Hingham.
A Barnes & Noble também se concentrou na venda de livros, em vez da vasta variedade de itens que ofertava e que
eram apenas tangencialmente — se é que eram — relacionados à leitura.

“Vendíamos muitas coisas irrelevantes para uma livraria”, disse Daunt. “Ninguém pensa, hum, preciso de uma pilha
Duracell, vou à livraria.”

A cadeia reforçou sua seleção de mangás, garantindo o inventário necessário para alimentar uma explosão de
demanda nos últimos anos, disse Shannon DeVito, diretora de livros da empresa. Também prestou muita atenção
aos livros que bombaram no TikTok - vídeos de leitores chorando pelos livros que amam viralizaram e levaram
muitos títulos para as listas de mais vendidos.

A Barnes & Noble também parou de cobrar taxas de editoras para posicionar livros específicos em pontos de
destaque, como na entrada ou na vitrine. “Parecia dinheiro fácil”, Sr. Daunt disse, “mas isso causou uma enxurrada
de problemas: livros que ninguém queria comprar eram exibidos com destaque, e grandes pedidos que não
vendiam tinham que ser enviados de volta.” (Uma peculiaridade do negócio do livro é que os livros não vendidos
podem ser devolvidos aos editores para crédito total, prática que data da Depressão. Os custos de envio e
manuseio podem ser significativos.)

Agora, os gerentes de loja podem escolher quais livros vão promover. “Embora pareça que nós erguemos nossas
mãos piedosamente e dissemos: ‘Eu não quero aceitar o dinheiro’, disse Daunt, “na verdade, dissemos: ‘Não quero
arcar com todos os custos associados a aceitar esse dinheiro’, sem falar que isso me obrigou a administrar livrarias
bem ruins.”

Depois de suportar anos de decadência, a Barnes & Noble começou a reformar suas lojas, muitas das quais não
viam um tapete novo há cerca de 15 anos. Pouco depois de ser nomeado executivo-chefe, Daunt disse que as lojas
Barnes & Noble eram “meio feias”. Quando todas as lojas foram fechadas, em 2020, por causa da pandemia, a
empresa aproveitou esse tempo para dar uma repaginada. As paredes foram pintadas. Os móveis foram
reorganizados. Alguns displays enormes foram substituídos por mesas menores. E, no final do ano passado, foi
iniciado um processo de redecoração mais abrangente.

Os corredores são mais amplos, com “saletas”, em vez de fileiras, e há mesas temáticas e menores em locais de
circulação de clientes.

Os negócios on-line da Barnes & Noble também melhoram. Segundo Daunt, esse segmento cresceu 35% em relação
ao período pré-pandêmico, embora represente apenas cerca de 10% da vendas globais da cadeia. Depois de anos
deixando seu e-reader Nook definhar, a empresa voltou a investir. Recentemente, redesenhou o aplicativo Nook
para integrar audiolivros e lançou uma nova versão do dispositivo antes das Festas do ano passado.
A reorganização da empresa não foi indolor. O escritório central atualmente conta com metade dos funcionários, o
Sr. Daunt estimou. Grande parte dessa redução veio por meio de demissões, incluindo muitos compradores de
livros, à medida que seus deveres eram transferidos para as lojas locais.

Mas uma equipe central mais enxuta permitiu que a empresa desistisse do caro espaço em que ficava o escritório,
na cidade de Nova York. A equipe restante trabalha em dois andares no principal edifício da Barnes & Noble, na
Union Square, em Manhattan, que a empresa já alugava.

Restam muitas perguntas sobre o futuro da Barnes & Noble. Os custos estão subindo no negócio do livro, que, para
início de conversa, já tem margens baixas. E como todos os varejistas presenciais, a Barnes & A Noble precisa
persuadir mais clientes a parar de comprar tudo em seus telefones.

No entanto, há bons ventos soprando, porque as vendas em todo o setor estão em alta. Devido ao isolamento, em
2020, muita gente presa em casa comprou muitos livros. Conforme as restrições foram removidas, as editoras
esperavam que as vendas caíssem novamente para os níveis pré-pandêmicos. Porém, até agora, isso não
aconteceu.

“Normalmente”, disse a Sra. McLean, da NPD Books, “as vendas de maior volume são impulsionadas por
lançamentos de autores conhecidos, e enquanto alguns estão chegando este ano – Marie Kondo terá um livro
lançado neste outono, sobre como manifestar sua vida ideal por meio da organização –, não tivemos muitos
recentemente. Agora tem algo mais por trás de todas essas compras.”

“No momento”, disse o Sr. Daunt, “as compras têm sido motivadas por um entusiasmo em relação à leitura.”

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