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a A t RA q ad q o
Editorial nos
Estados no
Século xx
Livro publicado na província é pedra no poço.

MOREIRA CAMPOS"

O EIXO RIO-SÃO PAULO $182

Os temas de nossos últimos cinco capítulos foram empresas


localizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro, com exce-
ção da Globo, então localizada em Porto Alegre (mas depois
transferida, ela também, para São Paulo). O Brasil moderno
partilha com a Espanha a peculiaridade de possuir dois cen-
tros editoriais principais, de importância praticamente igual.
De certo modo, ainda se justifica considerar São Paulo a ci-
dade dos livros didáticos e o Rio de Janeiro a cidade da lite-
ratura. Em 1973, 48,6% dos títulos publicados em São Pau-
lo eram livros didáticos, pouco mais que os 42,5% do Rio:
contudo, estes títulos de livros didáticos eram responsáveis,
em número de exemplares, apenas por 15,8% da produção
carioca, enquanto representavam 54,8% da paulistana. As
editoras do Rio produziam, entre 1973 € 1976, 79% dos ti-
tulos de literatura e 66% dos exemplares, enquanto cabiam
a São Paulo 19% dos títulos e 34% do total de exemplares.
Ambas as cidades, porém, possuem hoje tal número e varie-
dade de casas editoras que a mencionada distinção já não
possui grande importância prática.
De 1970 a 1981, São Paulo detinha o monopólio de uma
feira de livros internacional na forma de sua Bienal do Livro;
a partir dessa data, o Rio também passou a ter a sua feira, nos
mesmos moldes, proporcionando ao Brasil uma feira interna-
cional do livro por ano ($215). Em 1990,0 Grupo Interameri-

1. José Maria Moreira Campos, apud Boletim Bibliográfico Brasilei-


ro, vol. 7,n. 2, p. 88, fev. 1959.
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cano de Editores inaugurou, na Feira Internacional de Frank- taxa de alfabetização (8 s % na cidade do Rio, em 1970, con-
furt, na Alemanha, o Salão Internacional Latino-americano tra 40% nas áreas rurais do Nordeste); idade média da po-
(Silar), evento anual rotativo, ficando o segundo Silar progra- pulação (37,5% de paulistanos com menos de vinte anos de
mado para agosto de 1992, junto à Bienal de São Paulo. idade, em 1960, contra 55% de nordestinos); proporção de
Apesar dos quatrocentos quilômetros que os separam, habitantes que residem em zona urbana; e relação entre as
a produção editorial desses dois centros editoriais está de classes alta e média e o restante da população. A densida-
tal modo interligada que um apreciável número de livros de populacional é mais alta (dez vezes a média nacional), a
editados no Rio é impresso em São Paulo, e vice-versa. Os distância dos centros editoriais do Rio e São Paulo é (natu-
dois juntos são responsáveis pela esmagadora maioria dos ralmente) menor, e as comunicações de todos os tipos são
livros produzidos no Brasil. Em 1957, eram responsáveis melhores. O Sul tem também a parte do leão dos recursos na-
por 56,5% dos títulos e 82% do valor produzido. Em 1973, cionais em bibliotecas (2.455 das 2 542 bibliotecas, em 1970).
esses números haviam subido, segundo o Snel, para 96,6% A distribuição pelo enorme território brasileiro é, ine-
dos títulos e 97,9% dos exemplares. As duas cidades consti- vitavelmente, demorada e dispendiosa. Nos anos de 1970,
tuem também parte substancial do mercado nacional. Até os com a navegação costeira praticamente inexistente, quase
anos de 1970, 75% de todas as vendas em livrarias ocorriam todos os livros passaram a ser remetidos por rodovia. Do
nessas duas conurbações, as quais, ainda hoje, respondem Rio a Belém, um caminhão levava, teoricamente, dez dias;
por mais da metade delas. O “triângulo sul” como um todo na realidade, porém, passavam-se pelo menos várias sema-
ainda compra cerca de 80% das publicações não didáticas. nas entre a data do despacho e o aparecimento dos livros nas
Um representante da Distribuidora Record me confessou, prateleiras das livrarias ou, como afirmou um pessimista':
em 1970, que sua expectativa de venda de um romance “na verdade, o livro só chega aos demais centros [fora do
comum, publicado na época em uma tiragem de cinco mil Rio e de São Paulo] (mesmo aos de alguma importância)
exemplares, seria de cerca de dois mil exemplares em São meses depois, e isso quando chega”, sendo Rio e São Paulo
Paulo, um pouco menos no Rio, talvez de uns trezentos no os “únicos mercados que funcionam”, Mesmo de um para
Rio Grande do Sul e pouco mais de setecentos no restante outro desses dois centros um livro podia demorar, na prá-
do país. Ênio Silveira, antes da criação de Brasília, declarava: tica, dez a onze dias para ser entregue, e algumas empresas
“Somente as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, pareciam ter dificuldade em cumprir essa tarefa: Cem Anos
Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Curitiba (nessa or- de Solidão, de García Márquez, da Sabiá, do Rio de Janeiro
dem)” — observe-se que todas elas, com exceção de duas, (um dos romances mais vendidos em 1968, como já men-
estão localizadas na parte sul do Brasil - “é que represen- cionamos, $151), era impossível de ser encontrado em São
tam positivamente o maior mercado para o livro em nosso Paulo, durante alguns meses, naquele ano. Reclamava-se
País”>. Essa concentração tem uma longa história. Em 1861 até mesmo de que a lentidão na entrega normal obrigava
(quando São Paulo ainda não passava de pequena cidade do as editoras a fazer remessas urgentes por meio do serviço
interior), a Laemmert vendeu 214:511$702 em livros, dos de encomendas das linhas regulares de ônibus, ou mesmo
quais 164:241$552 (76,1%) no Rio e apenas 51:270$250 por via aérea. Uma inovação dos anos de 1980 foram as
(23,9%) em todo o restante do território brasileiro. embarcações “roll-on, roll-off” para transporte de veículos
Todos os fatores favorecem essa parte sul: sua participa- de carga a grandes distâncias (por exemplo, entre Vitória,
ção no produto nacional bruto (em 1980, 75% da riqueza no Espírito Santo, e Cabedelo, na Paraíba), o que pode dimi-
para metade da população); sua renda média per capita (em nuir ligeiramente os custos — e certamente economizar com-
todos os estados do sul, com exceção de Santa Catarina, e bustível — mas dificilmente resulta em economia de tempo
apenas nesses estados, ela está acima da média nacional); em distribuição.

2. Ênio Silveira, “A Circulação do Livro no Brasil”, Boletim Biblio- 3. Carlos Leonam, apud Edilberto Coutinho, “O Livro de Bolso no
gráfico Brasileiro, vol. 3,n, 2, p. 67, mar-abr. 1955. Brasil”, Revista do Livro, vol. 13,n. 41, pp. 85-91, abr.-jun. 1970.
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Todas essas circunstâncias associam-se para criar uma paço para algumas novas livrarias. Como em muitos outros
concentração muito maior de pontos de venda no sul e países do mundo, a rentabilidade de uma livraria é simples-
no centro do país. Segundo um levantamento do Institu- mente baixa demais para cobrir o aluguel nos melhores
to Brasileiro de Geografia e Estatística, em 1972, 56,1% pontos do centro da cidade, enquanto os pontos mais ba-
dos 3012 varejistas que trabalhavam com livros no Brasil ratos implicam freguesia menor e, portanto, lucros ainda
encontravam-se no Rio e em São Paulo. Apenas um quarto menores, numa espiral continuamente descendente. Outra
de todos os municípios do Brasil possuíam algum tipo de estimativa do número de livrarias é a do Snel que, em 1972,
loja que vendia livros, e os estados que apresentam propor- menciona seiscentas livrarias no Brasil, mais 1200 outras lo-
ção superior a essa eram todos meridionais: Rio Grande do jas, como papelarias, que também vendiam livros. Se, como
Sul, Paraná, Mato Grosso*, São Paulo, Santa Catarina e Rio acreditamos, o Snel foi também a fonte primária do total
de Janeiro. Esses mesmos estados, junto com o de Minas Ge- de quatrocentas livrarias, em 1980, mencionado tanto por
rais, eram os que apresentavam maior proporção de pontos IstoÉ como pelo Publishers Weekly”, e se os mesmos crité-
de venda de livros fora da capital do estado. O Area Hand- rios foram usados para ambos os anos, estaríamos diante
book for Brazil, do Exército dos Estados Unidos, citando um do declínio de um terço em apenas oito anos. À publicação do
articulista da Manchete, afirmou haver, em todo o país, em Snel de 1981, Guia das Livrarias e Pontos de Venda de Li-
1969, mil livrarias (excluídas outras lojas que também ven- vros no Brasil, que apresenta um total de apenas 1147 “pon-
dem livros): duzentas na cidade de São Paulo, cem na cidade tos de venda” de todos os tipos, indica que essa alarmante
do Rio de Janeiro, cem em Porto Alegre, vinte no Recife, e contração da rede varejista estende-se até mesmo aos pontos
cinco em Brasília. Dois anos mais tarde, foi feito um levan- de venda secundários.
tamento pelo Geil, com uma definição ainda mais estrita de Essa não é uma preocupação nova. À diminuição do nú-
“livraria”, com números totalmente diferentes, mas com dis- mero de pontos de venda foi objeto de um relatório do Geil
tribuição bastante semelhante: 72 livrarias em todo o Brasil, em junho de 1967; nele se culpavam o baixo movimento, as
das quais vinte e duas na cidade de São Paulo, outras vinte reduzidas margens de lucro (especialmente com preços fixos
e duas no Rio, onze em Porto Alegre, cinco em Curitiba, em época de inflação), o tratamento dispensado pelo Impos-
quatro em Belo Horizonte, três no Recife, três em Salvador to de Renda aos estoques mortos e, evidentemente, os altos
e duas em Brasília, (Minha impressão pessoal é que o levan- aluguéis em locais centrais. Nessa ocasião, o declínio vinha
tamento do Geil oferece uma contagem correta, talvez um sendo registrado nas cidades mais importantes há cerca de
pouco pessimista demais, daquilo que eu mesmo entenderia quinze anos. No Rio, os locais da velha Garnier, da Freitas
por “livrarias realmente boas”.) Para fins de comparação, a Bastos e da José Olympio foram todos vendidos na década
Espanha (com uma população de trinta milhões) tinha, em de rgso. Veja-se também o que mostram as estatísticas do
1967, 4171 livrarias e 3493 papelarias que também ven- SEEC: seus totais de livrarias no Brasil sobem de 1179, em
diam livros*. Paris, no fim da década de 1970, possuía duas 1937, para 1728 em 1948 e para 1840 em 1950, mas caem
mil livrarias; a Cidade do México e Buenos Aires tinham, para 936 em 1969. (Cf., porém, o $214, sobre a chegada,
cada uma, quinhentas”. no fim dos anos de 1990, das megalojas de livros e música.)
Qualquer que seja o número, parece haver concordância Infelizmente, não há empresas atacadistas de livros.
geral sobre o fato de que está diminuindo, embora o cresci- Algumas editoras maiores têm filiais nas grandes cidades.
mento dos shoppings nas grandes cidades tivesse aberto es- Muitas firmas nomeiam distribuidores exclusivos em ou-
tras cidades. Comumente, estes trabalham para diversas
4. O levantamento foi feito antes da sua divisão em Mato Grosso e editoras, sem, contudo, qualquer participação efetiva so-
Mato Grosso do Sul.
s. José María Boixareu, “El Comercio de Libreria en Espana”, Fiche-
ro Bibliográfico Hispanoamericano, vol. 13,n. 10, p. 8, 10 jul. 1974. 7. IstoÉ, p. 53, 13 ago. 1980; Publishers Weekhy, vol. 218,n. 21, p.
6. Jornal do Brasil, n. 142, p. 1, 23 jun. 1979 (seção Livro). 21,21 nov. I98o0.
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cietária ou operação real de compra e revenda: são consig- O INTERIOR DE SÃO PAULO $183
natários. Cerca da metade da produção nacional de livros
passa por suas mãos (52,43% em 1975, 48,4% em 1976, Sendo São Paulo o estado mais rico e mais desenvolvido da
49,58% em 1977), mas a maioria das editoras mantém dis- União, não é surpreendente saber que, segundo o Anuário
tribuição própria, cujo defeito básico é a relutância das edi- Editorial Brasileiro de 1998, funcionavam aproximadamen-
toras em mandar seus representantes em viagens frequentes te 45 editoras em 25 dos seus municípios do interior, embora
a áreas em que as livrarias são pouco numerosas, isto é, a maioria dessas editoras não fosse empresa comercial, mas,
Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Aparentemente, o que se sim, acadêmica ou religiosa.
costuma fazer são visitas mensais às livrarias das grandes A exceção é a cidade de Campinas, distante cem quiló-

o
cidades do sul e de algumas das menores, visitas trimestrais metros da capital e, com seus 1 808 999 habitantes (no censo
a Salvador e talvez Recife, e nada além disso. À promoção de 2010), a maior cidade do estado fora da Grande São Pau-
direta junto ao consumidor tende também a ser limitada: lo, e que se beneficiou com estímulo cultural e intelectual da
propaganda em jornais normalmente limitada ao sul, pu- Unicamp, fundada em 1969 e agora colocada entre as uni-

cc
blicidade na televisão provavelmente só em São Paulo. O versidades mais prestigiosas do país. Em 1994,a Editora da
resultado final de tudo isso é a confirmação do precon- Unicamp participou da xrr1 Bienal com trezentos títulos dos
ceito vigente no setor de que só vale a pena preocupar-se quatrocentos publicados nos doze anos anteriores: obras di-
dáticas, científicas, técnicas, artísticas, literárias e de história.

O
com o sul,
Um resultado particularmente infeliz é que os livros di- Entre as últimas figura a coleção Clássicos, dedicada a reim-
dáticos acabam atendo-se às condições vigentes no sul do pressões de obras consagradas pela história literária, todas
com pleno aparato crítico.

e
Brasil, À despeito da importância da geografia e da cultura
locais na configuração do ambiente da criança, a realidade As editoras campineiras mais importantes (além da da
econômica da indústria editorial parece tornar antieconô- Unicamp) são talvez a Papirus e a Pontes. À primeira, fun-

a
mico levar em conta as necessidades peculiares do restante dada por Milton Cornacchia, em 1985, edita cerca de ses-
do país. Considerando o êxito da Longman e de outras senta livros por ano € conta quinhentas obras no catálogo,
editoras do Reino Unido na preparação de livros escolares principalmente didáticas e paradidáticas na área de ciências
adaptados ao mercado das Antilhas (onde a população total humanas. José Reinaldo Pontes e Ernesto Guimarães, antigo
em idade escolar mal equivale à da Bahia), não se pode dei- diretor executivo da Editora da Unicamp, fundou a Edito-
xar de indagar se o Nordeste, pelo menos, não ofereceria ra Pontes, em 1987. Sua produção anual de uma dúzia de
um mercado comercialmente viável para livros didáticos títulos enfatiza estudos da linguagem e ensaios literários. À
especialmente adaptados às necessidades e condições lo- cidade conta com outras onze editoras: Átomo (infantojuve-
nil); Autores Associados (educação); Bookseller (jurídica);
Cm

cais. Na verdade, isso é conseguido, mas em extensão mui-


to restrita, quando determinado estado impõe exigências Livraria e Editora Copola; Editora E.V.; Editora Luz para o
especiais locais para a aprovação de livros didáticos. Ruy Caminho; Mercado de Letras; Editora People; Psicopedagó-
Mendes Gonçalves, da Saraiva, chegou a queixar-se ao gica Livraria e Editora; Editora Raboni; Editora Sama Pu-
Publishers Weekly* de que exigências desse tipo estavam blicidade. Em 1998, Campinas tinha o número considerável
diminuindo as tiragens das edições (elevando com isso os de 59 livrarias.
custos) e até mesmo criando “problemas de aprendizagem” O crescimento rápido de São José dos Campos (passou
para crianças de famílias que migravam dentro do país. de trinta mil habitantes, em 1945, para 636876 em 2010)
transformou a cidade no segundo município do interior
paulista. Localiza-se à distância de 85 quilômetros de São
Paulo e deve esse crescimento à importância de seu parque
industrial; segundo dados de 1998, tinha nesse ano duas
8. Publishers Weekly, vol. 218,n. 21,p. 32,21 nov. 1980. editoras de literatura infantojuvenil, Editora Vertente e Mi-
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riam Editora, embora a Sem Fronteiras, na Vila Igualdade, O EXTREMO SUL $r84
pareça ser a única livraria cadastrada. Ribeirão Preto, um
centro mais tradicional, com uma população de 619746 Na primeira edição deste livro, pudemos declarar que, “em-
(zoro), o que o converte hoje no terceiro município do in- bora seja apenas a quinta cidade do Brasil em população
terior, tinha três editoras (Legis Summa, Palavra Mágica (após São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Recife), Porto Alegre
e Santa Edwiges) e dezoito livrarias. O quarto município, tem sido há muito tempo o único centro editorial de im-
Sorocaba (593 775 habitantes em 2010), carece de editoras portância nacional fora do eixo Rio-São Paulo” e citamos
e possui apenas sete livrarias. O quinto é Piracicaba, com a seção “Letras e Livros”, do Correio do Povo, como um
367 289 habitantes, quatro editoras (Livro Ceres, Quazar, dos melhores suplementos de crítica de livros do Brasil. In-
Robe, Unimep — Instituto Educacional Piracicabano) e sete felizmente, a existência independente da Editora Globo, as-
livrarias. Três outros munícipios tinham duas editoras: Bau- sunto do nosso capítulo 15, terminou quando foi adquirida
ru (346076 habitantes), com o Centro Espírita Amor e Ca- pelas Organizações Globo, do Rio de Janeiro, em 1986,e o
ridade e a Tilibra (hoje já se pode acrescentar ao menos mais Correio do Povo também deixou de ser publicado nos anos
uma editora, a Edusc, da Universidade do Sagrado Coração, de 1980. À Livraria e Editora Selbach também encerrou
que em seus cinco primeiros anos de funcionamento publi- suas atividades por volta de 1960. Fundada em 1931, con-
cou cerca de 350 títulos); Franca (323 307 habitantes), com centrava-se em história local, tendo iniciado suas ativida-
Santa Rita e Século xx; e Taubaté (283 899 habitantes), des, naquele ano, com Farrapos!, de Walter Spalding. Mais
com O Livrão e Vogal. Outros dezoito municípios possuíam importantes são as Organizações Sulina (livraria, editora
uma editora cada, a saber: Aparecida do Norte, Araraqua- e distribuidora), empresa fundada, em 1946, pelos irmãos
ra, Campos do Jordão, Catanduva, Ibitinga, Jundiaí, Leme, Leopold e Nelson Boeck, e que produz anualmente de trin-
Mogi Mirim, Pindamonhangaba, Piracicaba, Pirassununga, ta a quarenta títulos nas áreas de direito, administração de
Presidente Prudente, São Carlos, São Roque, São Vicente, empresas, história local e paradidáticos de autores gaúchos.
Tatuí (Casa Publicadora Brasileira) e Votuporanga. Seu dono atual é Sérgio Boeck Liúdtke”
Não devemos esquecer a Grande São Paulo. Uma edi- Acreditamos que a Tabajara, que trabalhava quase que
tora nacional, a Ateliê Editorial, de Plinio Martins Filho, apenas com livros didáticos, cessou de funcionar, mas a edi-
transferiu-se em 2000 de São Caetano do Sul para Cotia, tora-distribuidora Sagra-Luzzatto tem um catálogo ativo de
também na Grande São Paulo. Os muitos títulos de seu quatrocentos títulos em ciências, administração, educação,
catálogo abrangem ensaios e literatura, tanto brasileira direito, economia e medicina. Seu fundador e dono, Darcy
como traduzida. Além dos livros de novos autores, entre Caetano Luzzato, antigo professor de física da Universidade
suas publicações de literatura nacional destacam-se: a co- Federal do Rio Grande do Sul e depois gerente da Editora da
leção Clássicos Ateliê, com textos anotados e comentados Universidade, constitui a fonte de grande parte da informa-
por professores e dedicada aos estudantes; a edição crítica ção utilizada neste capítulo e alhures.
de Os Sertões (2002), de Euclides da Cunha, organizada A Kuarup, de Adalberto Felix Souto, publica principal-
por Leopoldo M. Bernucci; e a reedição das obras comple- mente literatura infantil, sem contar suas edições na área
tas de Pedro Nava. Entre as traduções literárias publicadas de esoterismo.
pela editora merecem destaque a de Finnegans Wake, de A Editora Tchê, fundada em Porto Alegre, em 1981, pelo
James Joyce, realizada por Donaldo Schiiller e publicada jornalista Airton Ortiz, estreou com Raspa de Tacho 1, de
em cinco volumes, e a de Orlando Furioso, de Ariosto, por Aparício Silva Rillo, uma coleção de piadas gaúchas. Em
Pedro Garcez Ghirardi, ambas ganhadoras do prêmio Ja- oito anos, vendeu 66 mil exemplares, mas fez com que sua
buti de tradução.
9. Seu artigo “Literatura Brasileira está Longe de ser um Sucesso”
(Ponto &« Vírgula, n. 1, pp. 6-9, mar-abr. 1991) ilustra bem os proble-
mas das editoras regionais.
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editora fosse tachada de regionalista. Para os livros desti- Ameaça Vermelha: O Plano Coben, de Hélio Silva), litera-
nados à venda fora do estado, Ortiz achou por bem criar tura hispano-americana (Aura, de Carlos Fuentes, traduzido
uma nova marca, a Ortiz, que lança obras de administra- por Olga Savary), literatura infantil (Meninos da Rua da
ção e marketing. Praia, de Sérgio Caporelli), crítica literária (Viver e Escre-
Agora que a Globo mudou-se para São Paulo, a edito- ver, de Edla van Steen), política (Gramsci, de Carlos Nelson
ra de Porto Alegre mais conhecida no âmbito nacional é, Coutinho), best-sellers americanos (Side Effects, de Woody
sem dúvida, a L&pM Editores, cujo nome provém de seus Allen, traduzido livremente por Ruy Castro como Que Lou-
fundadores, Ivan Pinheiro Machado e Paulo de Lima, que cura!), além de “humor, poesia, ensaio, filosofia, teatro, clás-
a criaram em 1974, então com pouco mais de vinte anos de sicos, quadrinhos, música, culinária, gastronomia, ciência,
idade, para publicar especificamente um único livro, Rango, astrologia e ocultismo”. É interessante notar que, possuindo
história em quadrinhos de um marginal, por Edgar Vasques, filiais em São Paulo e no Rio de Janeiro para cuidar da pro-
aparecida antes no jornal porto-alegrense Folha da Manhã. dução gráfica e da distribuição nacional, a L&PM diz que
Lançada na feira anual do livro da capital gaúcha, a mais não enfrenta qualquer problema por estar localizada fora
antiga feira de livros do país, a obra foi um sucesso, venden- dos dois grandes centros brasileiros do livro, e que, ademais,
do perto de cinco mil exemplares. Beneficiando-se de um tem condições de atrair autores de renome nacional sem co-
prefácio de Érico Veríssimo e do fato de o autor ser nacional- nexões com o Rio Grande do Sul, como Millôr Fernandes.
mente conhecido como colaborador do Pasquim, o livro teve A editora também é responsável por uma das mais bem-su-
vendagem igualmente boa em todo o território nacional. cedidas iniciativas brasileiras no setor do livro de bolso. A
Estimulados, os dois jovens editores passaram a publicar L&PM Pocket tem em catálogo aproximadamente quatro-
um número reduzido mas bem selecionado de livros pouco centos títulos, os quais são vendidos também fora dos pon-
simpáticos ao governo da época: em 1975, Discursos, do tos tradicionais de distribuição, com displays instalados em
senador peemedebista Paulo Brossard; em 1976, Decifra-me bancas de jornal, supermercados e outros estabelecimentos
ou Devora-me, de Millôr Fernandes; em 1977, 1964 Visto e de inúmeras cidades do país.
Comentado pela Casa Branca, apresentado por Marcos Sá Importante por sua produção literária durante os anos
Corrêa; e, em 1978, Memórias, do general Olympio Mourão de 1970, e também pelos livros paradidáricos e ensaios so-
Filho, que, frustrado duas vezes em seu desejo de chegar à ciológicos, econômicos e de história que publica, é a Editora
presidência da República (de que se achava merecedor por Movimento, da qual falaremos mais adiante, ao tratarmos
ter sido o líder do primeiro levante na noite de 31 de março de Santa Catarina. Um nome novo nos anos de 1980 foi
de 1964), atacou pessoalmente vários de seus correvolucio- a Editora Mercado Aberto, cuja série Novas Perspectivas
nários, injuriando ainda sua própria filha. Ela, com apoio abrigou Leitura em Crise na Escola e A Produção Cultural
oficial, promoveu a apreensão da edição no próprio dia do para a Criança, de Regina Zilberman, A Estrutura do Auto-
lançamento, 25 de agosto. À editora, inconformada com a ritarismo Brasileiro, de José Antonio Giusti Tavares, e Raça
ilegalidade da apreensão, moveu um processo e, após uma e Cor na Literatura Brasileira, de David Brookshaw (cuja
luta judicial de seis meses, conseguiu a liberação do livro em tradução portuguesa antecipou em vários anos a publicação
fevereiro de 1979. Os cinco mil exemplares esgotaram-se em do original inglês).
meia hora €e a reputação nacional da editora consolidou-se. No interior do estado, a Editora da Universidade de Ca-
Outra produção da L&PM da época, “Opinião” x Censura, xias do Sul edita muitos livros sobre temas regionais, sobre-
de autoria do próprio Pinheiro Machado, descreve a luta tudo a imigração italiana.
entre o governo e sua crítica em revista mais veemente, Opi- O Rio Grande do Sul é também o estado com a mais
nião. Com 250 títulos publicados e cerca de quatro milhões ampla distribuição de pontos de venda: em 1980, 75,1%
de exemplares em seus primeiros oito anos, desenvolveu de seus municípios possuíam pelo menos uma loja que ven-
uma linha editorial eclética que abrange ficção brasileira (O dia livros. É acompanhado por outro estado sulino, o Pa-
Exército de um Homem Só, de Moacyr Scliar), história (A raná, com 45,8%. O Paraná é também o quarto em renda
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per capita, e sua capital, Curitiba, em rápido crescimento, é ilha da costa e era antigamente chamada Desterro, referiu-se
agora a oitava cidade do Brasil em população. Todavia, sua a ela como “uma ilha solitária no panorama da cultura bra-
atividade editorial local é pequena. Os autores paranaenses sileira”, onde a publicação de um livro era um evento que
de reputação nacional são publicados no Rio e em São Paulo ocorria apenas “esporadicamente, com largos intervalos e
(Dalton Trevisan pela Record, Wilson Martins pela Cultrix, quase despercebido do grande público”. Dentro dos vinte
por exemplo). Não foi sempre assim. Em fins da década anos seguintes, a situação melhorou um pouco. Depois de
de 1930, a Editora Guaíra, de Curitiba, ganhou reputação manter por certo tempo um convênio com a Editora Laudes
nacional com a publicação de títulos como Esperança, de de São Paulo para a publicação de obras de interesse local,
André Malraux, Doria Bárbara, de Rómulo Gallegos (na a Universidade Federal de Santa Catarina implantou sua
tradução de Jorge Amado), Escola de Ditadores, de Ignazio própria editora, em 1981, editando oito títulos naquele ano,
Silone (todos de 1940); Músicos do Brasil (1941), de Mário dezesseis em 1982, e 42 em 1983. Dez anos depois (1991),
de Andrade, O Candomblé (1943), de Donald Pierson,e In- editou um livro interessante sobre as relações entre autor
fluência Social do Negro Brasileiro (1943), de João Dornas e editora, Literatura: O Universo Brasileiro por Trás dos Li-
Filho. Sua produção, no início dos anos de 1940, era de cer- vros, de Tânia Piacentini. Em 1971,a Secretaria de Educação
ca de quarenta títulos por ano, em coleções como Biogra- do estado também começou a publicar livros de interesse re-
fias, Contos Nacionais, Estante Americana (que apresenta gional e, depois de 1979, através da Fundação Catarinense
“o pensamento continental”), Estudos Técnicos e Sociais, de Cultura. A Lunardelli, principal livraria de Florianópolis,
Obras Jurídicas e Romances Brasileiros. Contudo, logo deu início a um programa editorial. A já citada Editora Mo-
após o término da guerra, a produção —- e a importância - da vimento, de Porto Alegre, cujo proprietário é catarinense,
Guaíra declinaram (ao mesmo tempo em que todo o mer- edita a Coleção Santa Catarina, que abriga principalmente
cado livreiro do país se contraía). Parece não ter publicado ficção de autores de seu estado natal. Um caso de mudança
praticamente nada desde o início dos anos de 1950. Ocyron na direção inversa é o da pequena Editora Paraula, estabe-
Cunha, proprietário da Distribuidora Nacional, que chegou lecida em Porto Alegre em 1993 e depois transferida para
a ser a maior empresa distribuidora de livros do Paraná, Florianópolis. A Paraula (“palavra” em antigo provençal)
nas décadas de 1950 e 1960 (com a representação de 82 surgiu do gosto da sua dona, Dorothée de Bruchard (mestra
editoras), criou, em 1962, a Editora dos Professores, com em literatura comparada), pela tradução e da pouca aten-
sede em Curitiba, destinada a produzir obras de autores ção que as grandes editoras dispensam aos autores clássicos.
regionais. Publicou, entre outros, Bento Munhoz da Rocha, Manteve até 1998 um programa de edições bilíngues e com
ex-governador do Paraná, e entre seus quinze títulos edi- requinte gráfico de autores consagrados, como Guy de Mau-
tados destacaram-se A Moreninha, de Joaquim Manoel de passant, Edgar Allan Poe, Arthur Schopenhauer, Jonathan
Macedo, comentada e adaptada por Vicente Ataíde (que, Swift e o Marquês de Vauvenargues. Atualmente Dorothée
segundo Ocyron Cunha, vendeu quinze mil exemplares na continua com suas edições no Escritório do Livro, uma en-
primeira semana do lançamento), e as 38 edições de Mater tidade sem fins lucrativos que tem entre os seus objetivos os
et Magistra, a encíclica de João xxrr1 que trata da doutri- de preservar a memória da edição e “divulgar as diversas
na social da Igreja. À Editora dos Professores parece estar, artes e técnicas envolvidas na feitura do livro”. Em feverei-
hoje, desativada. Havia também a Editora Criar, de Roberto ro de 1996, o jornalista Nelson Rolim de Moura fundou,
Gomes (ficção e literatura infantojuvenil). em Florianópolis, a Editora Insula, que prioriza a história e
Santa Catarina é o mais pobre dos estados do sul. O cultura da região. Nova também é a Editora das Mulheres,
Anuário da Literatura Brasileira'º para 1960, sem dúvida fundada em Florianópolis, em 1996, por Zahidê Muzatti,
consciente de que sua capital, Florianópolis, situa-se numa Elvira Sponholz e Suzana Funk, professoras universitárias
aposentadas, com o objetivo de reeditar obras de autoras
10. Nereu Corrêa, “Santa Catarina”, Anuário da Literatura Brasilei- femininas do passado brasileiro. Seu primeiro título foi uma
ra,n. 1, Pp. 53, 1960. edição fac-similar da obra de Ignez Sabino, Mulheres Illus-
682 A Atividade Editorial nos Estados no Século XX A Atividade Editorial nos Estados no Século XX 683

tres do Brazil, de 1899. Surpreendentemente, talvez, este à custa do autor pelas revistas locais Vida Capixaba (entre
estado é bem provido de pontos de venda de livros: 32,6% 1920 € 1950) e Canaã (entre 1930 e 1950), além da tentati-
de seus municípios tinham, em 1980, pelo menos uma loja va, em 1944, do interventor federal José Santos Neves. À es-
que vendia livros, o que lhe deu, nesse aspecto, o quinto cassez de atividade editorial no estado não implica qualquer
lugar no país. falta de autores capixabas: podemos citar (entre muitos)
O alto grau de amor à leitura que caracteriza os estados Mendes Fradique, Luís Adolfo Reis Veloso, Aristides Freire,
do sul é exemplificado talvez pelo resultado de sondagem Garcia de Rezende, Geraldo Costa Alves, Rubem Braga, José
realizada pelo caderno Mais da Folha de S.Paulo, de dezem- Carlos Oliveira, Jaime Santos Neves e Bernaderte Lyra.
bro de 1992 a janeiro de 1993, na qual foram avaliadas 68 A atividade editorial no interior do estado do Rio de
livrarias em dezessete cidades do Brasil, de acordo com sua Janeiro é inibida, sem dúvida, pela proximidade da própria
infraestrutura, acervo e pessoal. Em primeiro lugar, ficou a cidade do Rio. Há uma exceção, porém: Petrópolis, a resi-
Livraria do Chaim, de Curitiba, com 85%. Embora a Li- dência de verão de dom Pedro 11, no alto da serra, a apenas
vro 7, do Recife, alcançasse o segundo lugar, com 83%, foi 65 quilômetros da capital por uma tortuosa estrada através
seguida pela Papyrus, de Porto Alegre, com 77%. As melho- das montanhas. Ali se localiza uma editora de muito des-
res do Sudeste eram a Cultura (76%) e a Brasiliense (74%), taque, mas incomum: a Editora Vozes, fundada, em 5 de
de São Paulo, e a Leonardo da Vinci, do Rio de Janeiro, com março de 1901, pelo convento franciscano local.
75%. À melhor em Santa Catarina, a Lunardelli, de Floria- Um certo irmão Inácio, que fora aprendiz de tipógrafo,
nópolis, vem em seguida com 73%, igual à terceira de São encontrou casualmente uma impressora Alauzet abandona-
Paulo, a Duas Cidades. da; ele a consertou e passou a usá-la para fornecer livros
escolares para a Escola Gratuita São José, da irmandade.
Durante o primeiro ano de funcionamento dessa máquina,
$185 OS ESTADOS DO SUDESTE foi impressa uma cartilha, O Primeiro Livro de Leitura, que
tem sido reimpressa seguidamente desde então e atingiu, em
Costuma-se agrupar, para fins estatísticos, os estados do Rio 1971, sua quinquagésima nona edição.
de Janeiro e do Espírito Santo. No ramo editorial, segun- Por desaprovar a escola naturalista de romances, os fran-
do a opinião comum, o último deles, infelizmente, pode ser ciscanos de Petrópolis foram levados a publicar livros de
descartado logo. Já em 1919, Monteiro Lobato dizia que o ficção, “romances que pudessem ser lidos por moças, senho-
“Espírito Santo [...] me parece uma ficção geográfica, onde ras [...] católicos e gente de alma limpa”. Depois, come-
não tenho uma só livraria, nem um só assinante” [da Revista çaram a publicar obras importantes sobre temas religiosos,
do Brasil)". Quarenta anos depois, no Anuário da Literatura especialmente quando, durante a Segunda Guerra Mundial,
Brasileira de 1960, um escritor dizia que “o Espírito San- escassearam os livros importados. Mais recentemente, a ex-
to ainda não ingressou na era de profissionalização da arte pansão de suas atividades tem refletido a crescente conscien-
de escrever, nem solucionou o problema editorial”, embora tização e participação social da Igreja católica no Brasil. Os
ele tivesse encontrado, em Vitória, uma livraria (a Livraria tópicos atuais de seu programa editorial são história, eco-
Âncora) merecedora de elogios'*. Aliás, Espírito Santo tam- nomia, psicologia, filosofia, medicina, linguística, literatura
pouco figura em nossa tabela 38 sobre a atividade editorial e teoria literária, pedagogia e teatro. À editora possui uma
nos estados. Não obstante, devemos citar as obras impressas sólida linha de edições de sociologia, especialmente de socio-
logia da comunicação, o que a levou à cibernética e a obras
sobre jornalismo e editoração.
11. Monteiro Lobaro, em carta a Lima Barreto; cf. Lima Barreto,
Correspondência, org. F. de Assis Barbosa e À. Noronha Santos, São
Paulo, Brasiliense, 1956, p. 66.
12. Renato José Pacheco, “Espirito Santo”, Anuário da Literatura 13. Clarêncio Neorri, “Feliz Aniversário”, Revista de Cultura Vozes,
Brasileira, n. 1, p. $1, 1960. vol. 6$$,n. 3, pp. 18-20, abr. 1971.
684 A Atividade Editorial nos Estados no Século XX A Atividade Editorial nos Estados no Século XX 685

Uma manifestação dessa última categoria é a sua Biblio- adotado por todos os países com produção editorial signi-
grafia Classificada, iniciada em junho de 1968, bibliografia ficativa, ao passo que no Brasil, em 1984, estavam inscritas
nacional do movimento editorial, publicada bimestralmen- regularmente apenas 104 editoras, às quais se somavam $3
te, destinada a preencher a lacuna deixada pela interrup- órgãos oficiais. Isso se devia talvez ao fato de a agência bra-
ção do BBB, no ano anterior ($166). Infelizmente, a falta de sileira do ISBN ser a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro,
cooperação de outras editoras impediu que esse meritório e não uma associação da classe editorial (Snel ou cBL). Não
empreendimento se mantivesse, e ele chegou ao fim com o obstante a Biblioteca Nacional exerça suas responsabilida-
número de novembro-dezembro do segundo ano de publica- des nesse setor com eficiência e a inteiro contento dos usuá-
ção (1969). O livreiro exportador José Heydecker, da Atlan- rios, a inexistência de recursos de promoção e publicidade
tis Livros, começou, em 1972, a oferecer a seus clientes uma possivelmente a impeça de divulgar de maneira adequada
publicação mensal (e satisfatoriamente abrangente), Livros as vantagens e conveniências do ISBN, ou até mesmo a sua
Novos, que subsistiu por quase dez anos. Não haveria ne- existência no Brasil, ficando muitas editoras, sobretudo as
nhuma outra tentativa de uma bibliografia geral comercial menores e as novas, totalmente ignorantes desse sistema,
regular até 1974, quando teve início a publicação da efême- que tem hoje uma abrangência quase mundial.
ra Presença do Livro, de São Paulo (que continha um “ro- A organização Vozes há muito ultrapassou os limites de
teiro bibliográfico”). Em abril de 1978, a Brasiliense iniciou sua primitiva cela de convento. Hoje possui instalações pró-
a publicação de Leia Livros, periódico de crítica de livros, prias, emprega duzentas pessoas e imprime e publica perto
com listas regulares dos lançamentos, e que sobreviveu por de uma dúzia de livros por mês e oito periódicos. Do mais
quase quinze anos. Finalmente, a partir de 1980, a Livraria antigo destes, a Revista de Cultura Vozes, que começou a
Nobel de São Paulo introduziu um catálogo, em microfichas, ser publicada em 1907, é que provém o nome da editora. A
dos livros existentes, atualizado regularmente, o Catálogo Vozes possui ainda uma rede de livrarias e mantém agências
Brasileiro de Publicações (CBP). Sustentado por uma estru- em Portugal.
tura altamente profissionalizada e valendo-se do empenho Não nos é lícito deixar Petrópolis sem dizer que a ci-
de Ary K. Benclowicz, é, sem dúvida, o maior esforço já feito dade, desde 1981, é também o lar de uma das melhores li-
no Brasil no sentido de dotar o comércio livreiro, finalmente, vrarias antiquárias da nação, o Sebo Fino, criada por Ana
de uma indispensável ferramenta de trabalho. Seus dados, Maria Miranda e por seu primo, Márcio Moreira Alves, que
computadorizados, já abrangiam praticamente 100% da já apresentamos ao leitor quando discutimos os eventos de
produção brasileira (todas as editoras comerciais, às quais 1968 ($$148,173, 177)".
se somaram aos poucos os editores isolados, os órgãos ins- Encontra-se ainda na cidade a Editora Noa Noa, de Cle-
titucionais etc.) e um total de aproximadamente cinquen- ber Teixeira, um dos poucos casos brasileiros em que um ama-
ta mil títulos em 1985. Além das microfichas, de reduzido dor dos meios tradicionais de imprimir à mão produz livros
custo operacional, o CBP colocou à disposição dos interes- de alta qualidade, em tiragens pequenas, para clientes discri-
sados (livrarias, bibliotecas) terminais de computador para minados. Esse “fã de Gutenberg”, como o chamou a revista
vídeo-informação instantânea e com dados atualizados dia- Veja (115: 97, 28 de fevereiro de 1990), em artigo sobre sua
riamente; a livraria Eldorado Tijuca, do Rio, foi a primeira obra, produziu, desde que comprou o seu prelo de parafuso
a possuir um desses terminais. O cBP foi administrado pela em 1966, cinquenta títulos num total de 23 mil exemplares.
Nobel até o ano 2000, quando passou para a distribuido- Tal dedicação à produção artesanal é rara mas não é única.
ra Superpedido. Citemos a Editora Brinquedo, do bibliotecário aposentado
Aliás, a propósito da computação, surpreende o pouco Antônio Agenor Briquet de Lemos, de Brasília, e O Gráfico
uso que inicialmente se fez, no Brasil, do sistema 18BN (In- Amador, de Orlando da Costa Ferreira (1915-1975), profes-
ternational Standard Book Number) de numeração interna-
cional padronizada do livro, cuja origem remonta à editora 14. Beatriz Coelho Silva, “A Confraria dos Livros”, O Estado de 5.
britânica Whitaker, há cerca de quarenta anos. O sistema é Paulo, p. 1, 27 jan. 2002 (Caderno 2).
686 A Atividade Editorial nos Estados no Século XX
A Atividade Editorial nos Estados no Século XX 687

sor de História do Livro na Universidade do Recife, que pu-


A Divina Comédia, de Dante, Dom Quixote, de Cervantes,
blicou pequenas edições não comerciais de textos de poetas
Fausto, de Goethe, e Guerra e Paz, de Tolstói, a Itatiaia abri-
como João Cabral de Melo Neto e Drummond de Andrade
gou, em seu catálogo, autores como Luís da Câmara Cascudo,
até 1961, quando se fez editora comercial, chamada Editora
Eça de Queirós e Mário de Andrade, além de obras infantis
Igarassu ($r89).
e romances como O Egípcio, de Mika Waltari, em magnífica
tradução de José Geraldo Vieira, e Tess, de Thomas Hardy.
Como a Martins, a Itatiaia destacou-se pela preocupação com
$186 MINAS GERAIS
o aspecto estético da produção de livros.
Outras editoras de Belo Horizonte são a Comunicação
Se alguma cidade fora do eixo Rio-São Paulo tem alguma
e a já mencionada Vega (ambas centradas em política), a
chance de chegar a tornar-se um novo centro editorial na-
Interlivros (psicologia) e a Lemi — Livraria Editora Miguilim
cional, esta é Belo Horizonte. Atualmente a terceira maior
(literatura infantil), da qual trataremos mais adiante ($203).
cidade do Brasil (e de crescimento mais rápido), é também
No interior do estado, é digna de menção a notável Livraria
a capital do segundo estado mais populoso, Minas Gerais,
Quarup, de Juiz de Fora, muito bem descrita em “Sebo Procura
além de estar mais ou menos à mesma distância de São Pau-
Livro por Computador,” artigo publicado no Jornal do Com-
lo e do Rio que estas estão uma da outra (pouco mais de
mercio (Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1992, p. 4).
quatrocentos quilômetros: quase nada dentro da vastidão
do Brasil's). Não obstante, a atração do eixo Rio-São Paulo
é tão forte que, até relativamente pouco tempo atrás, Belo
Horizonte não contava nenhuma editora de relevo, E mesmo
O DISTRITO FEDERAL E AS PUBLICAÇÕES OFICIAIS $787
agora, quando possui diversas, seus proprietários reclamam
Andando mais uns setecentos quilômetros para o interior,
que as vendas são dificultadas pelo acesso inadequado às
vamos encontrar, no seco Planalto Central do Brasil, a nova
vias nacionais de distribuição. Foi essa a razão que o editor
capital federal, Brasília. Pelo censo de 1980, a cidade, en-
encontrou para o relativo fracasso de A Ilha ($179),0 rela-
tão com apenas vinte anos de idade, possuía 1176000 ha-
to do ex-deputado Márcio Moreira Alves de sua viagem a
bitantes, mas, já em 1970, contava uma ou duas editoras de
Cuba, publicada pela Vega, em 1981, mas é possível que o
projeção nacional. Vito Alegria é o dono da mais antiga, a
interesse do leitor pelo assunto já se tivesse esgotado.
Coordenada de Brasília, cujo nome foi depois alterado para
A talvez mais conhecida editora de Belo Horizonte é a Li-
Thesaurus; publicou crítica literária, como O Realismo So-
vraria Itatiaia Editora, de Pedro Paulo de Senna Madureira
cial Hoje, de Lukács, e obras eróticas de alto nível: um Kama
e Edison Moreira. Em 1959, foi iniciada sua Coleção Buriti,
Sutra na íntegra e Gamiani e O Jardim das Delícias, de Mus-
dedicada à literatura brasileira. Publicou ainda obras de ciên-
set. Outra empresa, a Editora de Brasília s. A. (Ebrasa), além
cias sociais na Biblioteca de Estudos Brasileiros e na Biblio-
de obras de teor sexual, publicou atualidades, literatura e
teca de Estudos Sociais e Pedagógicos, bem como textos de
livros populares sobre culinária e ocultismo. Ambas as edi-
ciências naturais na prestigiosa coleção O Homem e a Ciência
toras produziam, na época, cerca de um título por mês.
(quinze obras publicadas até 1984). Em 1973, foi iniciada a
Estabeleceu-se na nova cidade o que viria a ser uma uni-
coleção Reconquista do Brasil, publicada em coedição com a
versidade-modelo, bem-dotada e com o status de fundação,
Edusp (160 volumes até 1984), que abrangia ainda reedições,
de modo que desfrutava de um grau excepcional de autono-
em tradução, de relatos de antigos viajantes, alguns dos quais
mia administrativa e financeira: criada em 15 de dezembro
haviam sido lançados, nos anos de 1940, pela Martins na Bi-
de 1961, começou a funcionar em 21 de abril de 1962. Não
blioteca Histórica Brasileira ($157). Além de clássicos como
tardou que fosse implantada a editora da universidade, a
cargo de Artur Neves, antigo chefe da Brasiliense ($119).
15. Rio-São Paulo, 429 km; Belo Horizonte-Rio, 586 km; Belo Hori-
Todavia, sendo um produto do período de Kubitschek,
zonte-S$ão Paulo, 464 km.
suas relações com os governos pós-64 não foram muito
688 A Atividade Editorial nos Estados no Século XX A Atividade Editorial nos Estados no Século XX 689

agradáveis ($$177, 178), de modo que Neves acabou sain- de publicações adequado, nem quaisquer procedimentos de
do, em 1964, e juntou-se à Edart, para transformá-la de comercialização apropriados. A lei do depósito legal rara-
editora de ficção em editora de livros didáticos. Outra con- mente é obedecida e os ministérios, frequentemente, não
sequência do golpe foi a debilidade da atividade editorial da têm conhecimento do que se está publicando em seus pró-
Editora da UnB: seis títulos em 1968, apenas dois em 1969. prios departamentos (dos quais cerca de metade tem ofici-
Com a “abertura”, as coisas mudaram inteiramente e a edi- nas gráficas próprias).
tora aproximou-se da tradição anglo-americana de editoras Conquanto muitos órgãos oficiais restrinjam suas pu-
universitárias. Ocasionalmente, produz coedições — como blicações a material de rotina de interesse imediato, outros
as feitas com a Francisco Alves e com a Martins Fontes — interpretam o objetivo de suas atividades em termos muito
mas sua base principal é seu próprio programa editorial di- mais amplos. O Atlas Cultural do Brasil, editado pelo Con-
reto e vigoroso, divulgado nacionalmente. Vigoroso demais, selho Federal de Cultura, por ocasião do sesquicentenário
talvez, a ponto de provocar o ataque de Sérgio Lacerda, da da Independência do Brasil, em 1972, é um exemplo espe-
Nova Fronteira, que viu nela uma editora comercial que, cialmente aparatoso. Às vezes um programa editorial oficial
trabalhando com dinheiro público, concorre direta e des- inclui obras eruditas que possivelmente nenhuma editora
legalmente com firmas como LTC, Perspectiva, Zahar, Foren- comercial, diante do estado atual do mercado brasileiro,
se ou Brasiliense. Em 1982, apresentou a maior produção, poderia pretender publicar com essa dimensão. Exemplo
em número de títulos, de todas as editoras brasileiras. Entre disso é o Centro de Pesquisas Casa de Rui Barbosa, com
suas coleções destacam-se Estudos Brasileiros, Filosofia e sua Coleção de Estudos Filológicos (que abrange assuntos
Arte, Pensamento Científico e, ainda mais importante, tanto como paleografia do português medieval), a Coleção de Tex-
quantitativamente como na superioridade de sua abrangên- tos da Língua Portuguesa (por exemplo, a reedição de Vita
cia para o Brasil, Pensamento Político. Entre os títulos desta Christi mencionada no $1) e a Coleção de Textos da Língua
última coleção figuram Governo Comparado, de Samuel E. Portuguesa Moderna (iniciada com as obras completas de
Finer, Teorias da Revolução, de Vamireh Chacon, Os Par- Casimiro de Abreu)'*.
tidos Políticos no Brasil, de David Fleischer, De Maquiavel Até agora tem sido difícil quantificar a atividade edito-
a Santiago, de Marcílio Marques Moreira, A Constituição rial do Governo Federal. David St. Clair, reportando-se ao
Britânica, de sir Ivor Jennings, O Equilíbrio do Poder Mun- período de cinco meses entre novembro de 1964 e março de
dial, de H. Butterficld, e Sua Majestade, o Presidente do Bra- 1965, registrou 1053 livros publicados no Brasil";
sil, de Ernest Hambloch, lançado em inglês em 1934, mas
jamais publicado no Brasil antes dessa edição da Editora da 151 editoras comerciais publicaram 960 títulos
UnB, em 1983. 31 autores encomendaram 31 títulos
Contudo, o maior volume de publicações na capital é, 7 firmas privadas editaram 7 titulos
naturalmente, do Governo Federal. Se fosse, em termos edi- ? órgãos do governo lançaram ss títulos
toriais, uma entidade, o governo seria a maior editora do
Brasil; não tem, porém, um órgão central. A Imprensa Na- O levantamento do Snel sobre o setor livreiro feito em
cional de modo algum imprime todas as publicações oficiais 1973 atribui aos órgãos do governo 265 títulos, num to-
e nem mesmo é responsável pela distribuição de tudo quan- tal de 7080 — quase exatamente o dobro da taxa anual
to imprime. Alguns órgãos governamentais têm suas ativi- implícita nos dados de St. Clair, embora apresentasse um
dades editoriais tão bem organizadas que funcionam como
as mais eficientes empresas comerciais normais, com os des- 16. Ildefonso Manuel Gil, “Livros Brasilenos: Las Publicaciones del
contos comuns. Exemplos disso são o Instituto Brasileiro de Centro de Investigaciones Casa de Rui Barbosa”, Cuadernos Hispa-
Geografia e Estatística (18GE) e a Fundação Getúlio Vargas noamericanos, n. 136, p. 56,abr. 1961.
(ambos ainda no Rio e, note-se, ambos fundações). No ou- 17. David St. Clair, “Books: The Industry for the Intellect”, Brazilian
tro extremo, encontram-se órgãos sem um departamento Business, pp. 12-19, Out. 1966.
690 A Atividade Editorial nos Estados no Século XX A Atividade Editorial nos Estados no Século XxX 691

declínio, em relação à produção total, de 5,2% para 3,7%. OUTRAS CIDADES DO CENTRO-OESTE $188
Desses 265 títulos, 31% eram livros técnicos, 2,6% livros
didáticos. O número de exemplares impressos chegou a À aproximadamente duzentos quilômetros a sudoeste de Bra-
2123140 (14,7% de livros técnicos, 25% de livros didári- sília encontra-se outra cidade construída especialmente para
cos), representando 1,3% da produção nacional. Aparen- capital: Goiânia, uma criação da década de 1930. Antes disso,
temente, tanto St. Clair como o Snel incluem todos os nií- Goiás era um “fim do mundo”, mas hoje se encontra entre as
veis de governo (federal, estadual, municipal e estatal) mas áreas de crescimento mais rápido do país, com sua atividade
omitem os folhetos. Isso dificulta a comparação de seus agrícola sendo transformada, em grande parte por nipo-bra-
dados com as informações da Bibliografia de Publicações sileiros, de uma pecuária rústica de baixa produtividade em
Oficiais Brasileiras, Área Federal, cuja primeira edição saiu horticultura comercial intensiva. De décimo sexto estado em
pela Biblioteca da Câmara Federal de Deputados, em julho população, em 1920, tornou-se o nono, em 1975, à frente de
de 1981: continha 6603 itens de 37 setores principais do Santa Catarina e do Maranhão. E, já em 1959, possuía um li-
Governo Federal, inclusive de alguns órgãos regionais fora vreiro-editor digno de menção: Olavo Tormin, que publicava
de Brasília. Esse total inclui 435 coedições do INL com edi- obras de história e literatura locais com o selo editorial Oió,
toras comerciais e pelo menos quinhentos periódicos, o que nome de sua livraria localizada na praça do Bandeirante, em
resulta numa produção anual declarada de 1808 livros e Goiânia. Nos anos de 1960, havia ainda na cidade a Livraria e
folhetos. É possível, porém, que os departamentos tenham Editora Brasil-Central, de Antônio Resende, e a casa fundada,
inchado essa primeira edição com a inclusão das publica- em 1967, pelos irmãos José Modesto e Taylor Oriente, pri-
ções anteriores constantes em seus catálogos. Infelizmente, meiro denominada Gráfica Oriente e, depois, Editora Oriente,
essa bibliografia anual utilíssima teve sua publicação sus- desativada em 1982, depois de editar quinhentos mil exem-
pensa pelo Governo Collor, plares de trezentas obras sobre antropologia, arte, biografia,
A maioria das edições oficiais limita-se a cerca de mil contos, crônicas, direito, ecologia, economia, educação, fol-
exemplares, mas as exceções tornam a média geral mui- clore, geografia, lexicologia, literatura, música, poesia popu-
to maior: 8012, segundo os dados do Snel para 1973. Em lar e viagens, entre outros assuntos. Ainda resistiu a livraria
1982, as editoras governamentais (entre elas algumas esta- Cultura Goiana, de Pedro Araujo, entusiasta da cultura, mas
duais e municipais) começaram até mesmo a participar da enfim fechou (com um estoque de 300 livros) em 2009.
Bienal Internacional do Livro de São Paulo.
Uma iniciativa recente, no Distrito Federal, foi a forma-
ção, em 1995, da Confraria dos Bibliófilos, um clube de li- AS CIDADES DO NORTE E DO NORDESTE $189
vros cujo nome lembra o do antigo Cem Bibliófilos do Brasil
($155). Idealizada pelo engenheiro José Salles Neto, dono da Não só as publicações oficiais predominam na capital fede-
maior biblioteca de Brasília (doze mil livros e três mil revis- ral como também a sua maior parte, em qualquer lugar fora
tas), trata-se de uma associação sem fins lucrativos, com cer- de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte,
ca de trezentos sócios, “que apreciem livros elaborados com é produzida por órgãos governamentais: estatais, governos
processo gráfico e de acabamento não convencionais e em estaduais, prefeituras das maiores cidades, órgãos locais da
tiragens limitadas”. Foi inaugurada, em julho de 1996, com administração federal, universidades (federais ou estaduais),
uma edição de O Quinze, de Rachel de Queiroz, com oito e pelos diversos institutos de pesquisa.
xilogravuras de Abraão Batista, 150 páginas com caracteres Infelizmente, todas as atividades governamentais no Bra-
Bodoni em corpo 16, em formato 23 x 32 cm. Atualmente, sil tendem a depender em tal medida das pessoas que qual-
edita dois livros por ano, destacando-se Pureza, de José Lins quer realização promissora, seja a publicação de literatura
do Rego, publicado em abril de 2002. local, seja a construção de um teatro, pode vir a ser suspensa
no término do mandato de alguém, a não ser que o processo
esteja tão adiantado que o novo responsável não ouse inter-
692 A Atividade Editorial nos Estados no Século XX A Atividade Editorial nos Estados no Século xx 693

rompê-lo. Daí a pressa de Kubitschek em deixar Brasília qua- ceiros adequados, a maior parte de uma edição foi muitas vezes
se pronta. Exemplo disso, no campo dos livros, foi o conside- simplesmente doada a destinatários desinteressados, ao passo
rável volume de publicações do estado do Amazonas sobre que alguém que realmente queria possuir a obra (supondo que
história, literatura e sociologia locais, durante o governo de tivesse a felicidade de saber de sua existência) ou descobria
Arthur Cezar Ferreira Reis (abril de 1964 a janeiro de 1967), que não esteve à venda em parte alguma, ou tinha de dirigir-se
programa que foi encerrado abruptamente com sua saída. pessoalmente ao departamento de vendas da instituição que
O próprio Ferreira Reis, historiador de nomeada, colaborou a editou — que provavelmente tinha um horário de funciona-
com diversos títulos, entre os quais Súmula de História do mento limitado e inconveniente. Nessas circunstâncias, talvez
Amazonas: Roteiro para Professores e Aspectos da Experiên- seja uma imprecisão terminológica falar em “publicação”!
cia Portuguesa na Amazônia. Durante um curto período, de A produção editorial comercial dos estados, fora do Rio
cidade que quase não produzia livro algum que era, Manaus de Janeiro, de São Paulo, de Belo Horizonte e de Porto Ale-
passou a ocupar posição de destaque entre as cidades do in- gre, quase sempre depende do entusiasmo pessoal de um li-
terior do pais que se ocupavam dessa atividade. Uma década vreiro. É feita em pequena escala, limita-se a seu âmbito por
mais tarde, poderia ter havido uma recuperação, com a pu- óbvias restrições financeiras e, por falta de uma demanda
blicação, em 1976, pela Fundação Cultural de Manaus, do pública continuada, é mais errática ainda do que a produ-
romance burlesco de Márcio Souza, Galvez, Imperador do ção editorial oficial. Essas duas formas, comercial e oficial,
Acre, um ocupante de cargo na municipalidade. No entanto, apresentam, em conjunto, índices muito irregulares de pro-
o livro foi rapidamente retirado de circulação por ser “inju- dução. Os dados para a Bahia e Pernambuco, estados que
rioso às tradições amazonenses” e seu autor, demitido. Foi, possuem os dois mais importantes conglomerados urbanos
então, que fundou sua própria editora, em São Paulo, a Mar- do Nordeste, Salvador e Recife, ilustram bem esse fato (e
co Zero, e tornou a obra um enorme sucesso: 150 mil exem- suplementam a tabela 39). Os números relativos à Bahia são
plares vendidos, mais 290 mil na tradução americana, The particularmente variáveis. Na metade do século xx, a produ-
Emperor of the Amazon, cinquenta mil na versão espanhola, ção anual de livros foi a seguinte, por títulos'*:
seis mil na edição da Alemanha Ocidental, além de outras
edições no Reino Unido, em Portugal e no Japão. A editora 1953 1964 1969 1971 1972 1973
americana adquiriu os direitos por us$5 000 e pagou outros Bahia 137 49 68 73 39 131
us$10000 a Márcio Souza pelos direitos do romance seguin- Pernambuco 16 32 43 r1O IIO TOg9
te, Mad Maria, é us$20000 pelos de seu quarto romance, A
Ordem do Dia. Mais tarde (1981), Márcio Souza vendeu a Do final da década de 1940 ao início dos anos de 1960,
Marco Zero a Maria José Silveira, que, em 1993, se associou a mais importante marca editorial baiana foi a Livraria
à Nobel. Atualmente Márcio edita seus livros pela Record. Progresso, de Aguiar e Souza Ltda., de Salvador — que não
No que diz respeito às publicações das universidades, a deve ser confundida nem com o efêmero Instituto Progres-
decisão dos governos militares pós-1964 de nomear os reito- so Editorial de São Paulo ($163), nem com a Progresso, do
res politicamente, para curta gestão, introduziu um elemen- Grupo Delta ($164). As publicações da Livraria Progresso,
to semelhante de incerteza na política editorial das editoras sob a direção de Manoel Pinto de Aguiar, totalizavam, em
universitárias, às quais voltaremos adiante ($190). 1959, 288 títulos, distribuídos em coleções como Autores
Mais grave do que a falta de continuidade em sua atividade Clássicos, A Bahia, Biblioteca Jurídica, Biblioteca Médica,
editorial foi a ausência, na grande maioria das editoras oficiais, Coleção Romântica, Conhecimento, Cultura, Ensaios, Es-
de qualquer procedimento deliberado de comercialização. piões, Policiais e Aventureiros, Estudos Brasileiros, Estudos
Muito frequentemente, seja por uma decisão consciente de re- de Sociologia e Política, Estudos Folclóricos, Filologia, Fo-
lações públicas, um sentimento desatualizado de que o gover- rum, Geografia e História, Grandes Romances do Povo, Li-
no não deve sujar as mãos com atividades comerciais, seja, na
maioria dos casos, pela simples inexistência de recursos finan- 18. Ver também a produção de Fortaleza (p. 697).
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teratura Infantil (na maioria textos não ficcionais de Luís e vinte em 1982; todavia, devido ao flagelo da inflação, esse
da Câmara Cascudo) e Pensamento Cristão. A reputação número caiu para apenas dois em 1983 (cf. também $210).
dos diversos autores da casa ultrapassava os limites locais: Dmeval Chaves, importante livreiro local e distribuidor
Carybé, Antônio Houaiss, José Ingenieros, Jean Tricart, Luís da Civilização Brasileira, foi também dono da Editora Ita-
Viana Filho e Charles Wagley. Carybé (1911-1997), nascido puã, que publicou a Coleção Itapuã, de livros sobre temas
Hector Bernabó em Buenos Aires, mas baiano “naturaliza- baianos. Em encontro que mantivemos em 1984, ele nos
do”, tem importância também como pintor e ilustrador de explicou algumas dificuldades que enfrentava para vender
livros, especialmente dos de Jorge Amado. Entre as obras de livros na região. O desconto concedido aos varejistas fora
sociologia da Livraria Progresso figura o penetrante estu- reduzido de 40% para apenas 30%, com o qual tinham de
do de A, L. Machado Neto sobre as classes altas da Bahia, pagar os altos (e agora ainda maiores) fretes pelos 1 500 qui-
Os Valores Políticos de uma Elite Provinciana (1958). Na lômetros de São Paulo ou do Rio. Não era possível obter
coleção Estudos Brasileiros, dirigida por Pinto de Aguiar estoque em consignação e, num clima tropical, muitos livros
(1910-1991), encontram-se a História do Brasil, de Southey, acabavam estragando-se nas estantes. O costume mantido
Os Holandeses no Brasil, de Varnhagen, Viagem ao Brasil, pelas escolas de venderem os seus próprios livros didáticos
de Hans Staden, Contos Tradicionais do Brasil, de Câmara privou os alunos de adquirir o hábito de entrar numa li-
Cascudo, Na Bahia Colonial: Apontamentos para a História vraria. Sobretudo, faltava a publicidade: as editoras rara-
Militar da Cidade de Salvador, de Luiz Monteiro da Costa, mente anunciavam fora da região sul, os jornais da região
e A Raça Africana, de Manuel Querino. Em 1993 o Instituto davam pouco espaço às resenhas literárias. Ficou claro que,
Bahiano do Livro editou A Aventura Editorial de Pinto de de tais considerações, as mais importantes eram, naqueles
Aguiar, em homenagem à Progresso, tempos de crise, a falta de demanda ou o pequeno poder
Em anos mais recentes, a editora mais ativa de Salvador aquisitivo da população; além disso, havia um potencial de
foi a Edições Macunaíma, fundada, em 1957, por quatro vendas, faltava apenas o marketing adequado.
amigos: o pintor e gravador Calasans Neto, o poeta Fer- Um órgão muito ativo na nossa área é o Instituto Baiano
nando da Rocha Peres, o diretor de cinema Glauber Rocha do Livro, sob a presidência de Luis Guilherme Pontes Tavares,
e Paulo Gil Soares, mas somente em 1974 é que tomou o entre cujas publicações destacaram-se A Aventura Editorial de
nome de Macunaíma Empreendimentos Editoriais Ltda. Pinto de Aguiar (1993), Hábito de Leitura no Brasil (1994),
Especializou-se em obras de literatura de autores locais e Arezio, Mestre Babiano das Artes Gráficas (1995), O Futuro
álbuns de artistas locais, cuidadosamente produzidos “com do Livro na Babia (1996) — que contém um excelente estudo
feitio semiartesanal, mas não necessariamente luxuosas”, sobre a “Perspectiva da Indústria Editorial Fora do Eixo Rio-
em edições pequenas fornecidas diretamente aos assinantes. -São Paulo” - e Editoração: Ato de Amor ao Livro (1997).
São publicadas apenas uma ou duas por ano, num total, em Na página 723 vamos mencionar também a Livraria Bahiana.
1980, de quarenta e duas obras. Recife, a maior cidade do Nordeste — e a quinta maior
A Editora Janaína, pertencente a James Amado, inativa do Brasil — orgulha-se de sua Livro 7 (livraria aberta no dia
desde o princípio dos anos de 1980, é, porém, importante pela 7 do mês 7 [julho] de 1970 na rua Sete), que afirmam ser a
edição crítica da obra completa de Gregório de Matos, feita, maior livraria do país sob um teto de vão único: seiscentos
em 1969, por seu proprietário, em sete volumes. Edições Olo- metros quadrados de área construída e seis mil títulos em ex-
dum, dirigida por Claudius Portugal e datada de 1981, publica posição“. Recife não conta, porém, com um grande volume
em coedições com a Fundação Casa de Jorge Amado (cerca de
um livro por ano) principalmente obras de interesse local. 19. Cf. Hamilton dos Santos, “Maior Livraria do Brasil Está no Ver-
Em 1981, foi fundada a editora da Fundação Cultural melho”, O Estado de 8. Paulo, p. 1, 29 mar. 1991 (Caderno 2); An-
do Estado da Bahia, que publica as coleções Memória, Arte gela Fernanda Belforr, “Espaço das Letras: O que Torna a Livro 7 a
(cinema, teatro, artes plásticas), Teses/Ensaio, Prêmios, Au- Melhor Livraria do Recife”, Veja 28 — Graus, p. 10, 23 maio 1990;
tor Inédito e Cordel, com a produção de 24 títulos em 1981 “O Lucro Sai da Estante: Como a Livro 7 Usou a Criatividade para
696 A Atividade Editorial nos Estados no Século XxX A Atividade Editorial nos Estados no Século xx 697

de publicações locais. Com relação a isso, o negócio livreiro total de 143 mil exemplares, a segunda maior produção do
simplesmente reflete o declínio geral da importância econô- Nordeste. A União Cia. Editora ($52) tem-se mostrado mais
mica e da influência política pernambucana que se seguiu à ativa ultimamente, bem como o Departamento de Assuntos
revolução de 1889, de inspiração paulista. A Livraria-Edito- Culturais do Estado, mas o fator principal disso tudo foi
ra do Nordeste tem publicado alguma coisa, de tempos em a transformação, nos anos de 1970, da universidade local,
tempos, mas especialmente no início da década de 1950. O que, de uma das menores universidades federais, passou a
Gráfico Amador ($185) começou produzindo livros de arte uma das maiores, com um programa editorial vigoroso, em-
em edições de luxo, em meados dos anos de r9so, e depois, bora em 2001 tenha se dividido nas duas universidades au-
mudando o nome para Editora Igarassu, ampliou sua linha tônomas de João Pessoa e de Campina Grande.
com romances como O Burro de Ouro (1960), de Gastão de Natal, a cerca de 180 quilômetros mais ao norte, tem a
Holanda, e O Casamento, de Ariano Suassuna. Em 1980, foi Fundação José Augusto, criada, em 1963, pelo Governo do
inaugurada a Editora Guararapes, da qual uma das primeiras Estado do Rio Grande do Norte, para estimular a cultura e
edições foi o Dicionário do Palavrão e Termos Afins, de Mário a pesquisa social locais, mas não se conhece no estado quase
Souto Maior. No entanto, as editoras mais importantes do nenhuma outra atividade editorial digna de nota.
Recife são o Instituto do Açúcar e do Álcool, em cuja Coleção O Ceará, que com seus 7430661 habitantes é o terceiro
Canavieira, iniciada em 1968, constam monografias sobre a estado mais populoso do Nordeste, tem em sua capital, For-
história social da região açucareira, de autoria de Luís da Câ- taleza, uma cidade de crescimento fenomenalmente rápido,
mara Cascudo e Gilberto Freyre, e o Instituto Joaquim Nabu- transformando-se na maior da região depois de Recife e de
co de Pesquisas Sociais. Em 1979, este se tornou uma funda- Salvador. Sua produção editorial tem-se expandido continua-
ção e sua atividade editorial (desde 1980, sob o selo Editora mente: de cinco títulos, em 1953, para 28 em 1964, 39 em
Massangana), com 361 títulos editados entre 1952 e 1989, é 1972, 160 em 1977. Em 1977 € 1978, foi o estado que produ-
dedicada especialmente às práticas religiosas afro-brasileiras ziu a maior quantidade de exemplares de todo o Nordeste. Às
na região. Outro órgão a editar no Recife foi a Sudene, na Edições Clã, pertencentes à firma Henriqueta Galeno Ltda,,
área da economia regional, sem contar o município de Olin- em funcionamento dos anos de 1940 à década de 1970, pu-
da, muito ativo como editor de obras de cultura local. blicou a obra de escritores modernistas locais, como Joaquim
Recife conta ainda com uma das mais tradicionais livra- Braga Montenegro e Aluízio Medeiros, que passaram a ser
rias antiquárias do Brasil, a de Eurico Brandão, estabelecida conhecidos como os Poetas do Grupo Clã; editou ainda algu-
na cidade desde 1953. Seu proprietário, que começou, entre ma obra em prosa, como a Estrela do Pastor (1982), de Fran-
as suas atividades principais, como exportador de raridades cisco Martins (reimpressão de um romance editado pela José
bibliográficas para bibliófilos e bibliotecas do exterior, orgu- Olympio em 1942). Em 1968, foi fundada a Editora Terra do
lha-se de chamar seu estabelecimento de “Livraria-Sebo”. A Sol com o objetivo de publicar obras de história, economia,
legislação de 1968, que proibiu a exportação de livros consi- sociologia e literatura locais. Como já foi dito ($181), a Uni-
derados importantes para a memória nacional, estimulou-o versidade Federal do Ceará trabalhava com coedições com a
a aumentar sua clientela brasileira e, para isso, abriu uma Civilização Brasileira; atualmente, as Edições urc Ltda. têm
sucursal em Salvador (em 1969) e duas em São Paulo (a pri- aproximadamente 2.50 títulos no catálogo. Infelizmente, po-
meira das quais em 1983). rém, Fortaleza está perdendo suas livrarias. Há alguns anos, a
À cerca de cem quilômetros ao norte do Recife está loca- cidade possuía sete delas, e boas. Em 1980, restavam apenas
lizada João Pessoa, nome, desde 1930, da capital da Paraíba, quatro e, quatro anos mais tarde, restavam apenas três'?. O
estado que publicou apenas dois livros em 1964 e um único problema, porém, é definir “livraria”, já que a Fortaleza de
em 1969; esse número subiu, porém, para 72 em 1978, num hoje tem nada menos que 96 lojas cadastradas no Anuário
Editorial Brasileiro com pretensões a este título!
Tornar-se Grande com um Negócio de Alto Risco no Nordeste”, Exa-
me, 7 fev. 1990. 20. Ênio Silveira, citado em IstoÉ, p. 53, 13 ago. 1980.
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São Luís do Maranhão conta com duas editoras univer- 1980) e pela conversão da antiga gráfica da Universidade
sitárias e uma comercial. Belém do Pará possui a editora da do Ceará em editora (151 títulos editados até 1988). Gran-
urra (Universidade Federal do Pará) e a importante Editora de contribuição nessa expansão foi dada pela instituição,
Cejup, de Ana Carla Freire. Esta foi criada, originalmente, em 1981, do Proed (Programa de Estímulo à Editoração do
para editar monografias jurídicas paraenses, mas atualmen- Trabalho Intelectual nas Instituições de Ensino Superior Fe-
te atua em diversas áreas, entre elas literatura infantojuve- derais), do Ministério da Educação e Cultura, cujo objetivo
nil, maçonaria, misticismo e, sobretudo, temas amazônicos. era promover “a publicação da produção cientifica e intelec-
Outras cidades menores do Norte que têm uma editora são tual das 1Es” (Instituições de Ensino Superior). O Proed foi
Macapá (am) e Boa Vista (RO). extinto em 1988, mas nesses sete anos foram criados cerca
de 26 editoras “ou veículos editoriais”, dezenove dos quais
surgiram no período de 1985-1988. Darcy Caetano Luzza-
$19o AS EDITORAS UNIVERSITÁRIAS to, da Editora da UFRGS, conta que, com o auxilio do Proed,
“em aproximadamente dois anos, publicamos 47 obras [...]
Nessa questão da localização geográfica das editoras, as grá- num total de 74 800 exemplares”**. Segundo o Cerlalc (Cen-
ficas universitárias constituem um caso especial. De modo tro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e
análogo à lenta expansão do conceito de “universidade” a no Caribe, órgão da Unesco), as editoras universitárias do
partir do eixo Rio-São Paulo para o restante do Brasil, de- Brasil, nos anos de 1980, publicavam em torno de 250 tiítu-
pois da Segunda Guerra Mundial, a conversão da tradício- los por ano, contra apenas 35 ou 40 em cada um dos demais
nal gráfica universitária em editora universitária, com seu países da América do Sul, mas grande parte desse total foi,
próprio programa de edições, seu próprio conselho ou co- presumivelmente, produção da Editora da Universidade de
missão editorial e seu próprio sistema e serviço de divulga- Brasília e das coedições da Edusp*. O primeiro Seminário
ção e distribuição, aconteceu lentamente no curso dos anos Nacional das Editoras Universitárias Brasileiras realizou-se
de 1980. Parece que o mérito de ter criado a primeira editora em Niterói em 1984 e, na V Bienal do Livro, no Rio de Ja-
universitária cabe à Universidade Federal de Pernambuco, neiro, em 1991,a Associação Brasileira de Editoras Univer-
cuja Eure data de 1955. Muito mais conhecida é a Editora sitárias, a Abeu, constituída em 2 de setembro de 1987, apre-
da Universidade de Brasília, criada por decreto em 15 de sentou uma atualização do seu primeiro catálogo conjunto,
dezembro de 1961 e com 713 títulos editados até 1988 e editado no final de 1989, com mais de dois mil títulos. Atual-
uma média atual de sessenta livros ao ano. Foi logo seguida mente, a Associação reúne mais de uma centena de editoras,
pela Edusp, fundada em 1962 e com r 955 títulos coeditados a maioria delas universitárias e outras ligadas a instituições
até 1988, ano em que o professor João Alexandre Barbosa científicas. Além de participar de diversas feiras, no Brasil e
assumiu sua direção e iniciou um programa de mudanças no no exterior, para divulgar-as publicações de suas associadas,
modo de atuação da editora, que passou a investir em edi- a Abeu busca estimular o desenvolvimento dessas editoras,
ções próprias e diminuiu o número de títulos coeditados no aumentando o intercâmbio entre elas e entidades congêneres
sistema explicado no $175. À repressão imposta pela “revo- do país e do exterior e mantendo serviços de informações
lução” de 1964 impediu a criação de qualquer outra editora comerciais, jurídicas e bibliográficas.
universitária até a fundação da Editora da Universidade Fe- À partir dos anos de 1990, cresceu o número de editoras
deral do Rio Grande do Sul, em 1971, mas somente a partir universitárias e também aumentaram os títulos publicados
do final da década é que ocorreu uma grande onda de edito- por elas: atualmente, respondem por cerca de 8% dos li-
ras universitárias, a começar, em 1977, pelo Centro Editorial
e Gráfico, da Universidade Federal de Goiás, seguida, em
21. Leilah Santiago Bufrem, Editoras Universitárias no Brasil: Uma
1978, pela Editora da Universidade Federal de Minas Gerais Crítica para a Reformulação da Prática, São Paulo, Edusp/Com-Arte;
e, em 1980, pela já citada ($184) Editora da Universidade Curitiba, Editora da vFPr, 2001, p. 103.
Federal de Santa Catarina (322 títulos editados nos anos de 22. Cerlalc, Noticias sobre el Libro, n. 32, p. 2s, jan. 1982.
700 A Atividade Editorial nos Estados no Século xx A Atividade Editorial nos Estados no Século XX 701

vros publicados no país. Em 2003, as editoras associadas à positivos, não demoraram: A Invenção de Hélio Oiticica, de
Abeu publicaram oitocentos novos títulos e, em 2004, 49 Celso Favaretto, um dos primeiros volumes da coleção Texto
dessas editoras formaram o maior estande da xvrrr Bienal & Arte, ganhou, em 1992, os prêmios Jabuti e da Associação
Internacional do Livro de São Paulo». A expansão do ensino Paulista de Críticos de Arte. A ideia dessa coleção, editada em
superior em todo o país, determinada pelo surgimento de quatro cores e formato e tipos grandes, é estabelecer um diá-
muitas novas universidades particulares, e o aumento ex- logo entre as linguagens visual e escrita, valorizando igual-
pressivo do número de alunos em nível de pós-graduação mente o texto e a imagem”. Desde então, a Edusp já recebeu
são algumas das explicações para esse crescimento. mais de cinquenta prêmios e menções no Jabuti.
A década de 1990 representou também a profissionaliza- Essas mudanças na Edusp acabaram por influenciar
ção de parte das editoras universitárias. Exemplo disso é o muitas das editoras universitárias que surgiam no início dos
processo de mudanças na Edusp, já mencionado. No desen- anos de 1990 e outras mais antigas que também precisavam
volvimento de seu programa de edições próprias, essa edi- se renovar para de alguma forma se adequarem às novas
tora buscou se aproximar da comunidade acadêmica, para exigências do mercado livreiro, que tentava se recuperar da
atender melhor às necessidades de alunos e professores. Na crise econômica dos anos de 1980, e do próprio público con-
formação de seu catálogo, foram criadas coleções de perfil sumidor de livros.
multidisciplinar que ajudassem na consolidação de linhas Discute-se muito o papel da editora universitária como
editoriais, como, por exemplo, a Ponta, cujo objetivo era entidade pública dentro de uma indústria livreira que per-
publicar traduções de textos de ponta em diversas áreas de tence, em grande parte, à iniciativa privada*. Segundo a lei
conhecimento, com a seleção de seus títulos feita a partir n. 3 998, que criou a Editora da UnB, seu destino, sumamen-
de indicações de professores da universidade; a Ensaios de te abrangente, é “editar e imprimir textos básicos para o en-
Cultura, com mais de quarenta volumes já publicados; e a sino em nível superior e publicar as principais obras do pa-
Clássicos, esta voltada para a difusão de textos-chave de di- trimônio cultural, científico e técnico da humanidade”. A já
versas áreas do conhecimento ainda sem tradução no Brasil, citada obra de Bufrem discute (pp. 196-207) os regimentos
incluindo autores como Max Weber, Hegel e Pierre Bour- de várias editoras universitárias que determinam sua políti-
dieu. Também foram criadas coleções de livros-texto para ca editorial e resume-os como “editar ou coeditar e divulgar
adoção em sala de aula: a Acadêmica, destinada aos alunos trabalhos que interessem ao ensino, à pesquisa e à extensão
de graduação e pós-graduacão, com mais de sessenta títulos, e incentivar a sua produção”. À autora observa ainda a im-
e a Didática, que tem o objetivo de disponibilizar textos mais portância para muitas do “contexto histórico e geográfico
profundos e ricos a alunos do ensino médio, escritos por peculiar”, editando livros de interesse local ou regional. Sa-
docentes da própria usp. Outras coleções contemplam áreas lim Miguel, diretor-executivo da Editora da UFsc, enfatizou
específicas, como Ensaios Latino-americanos, Em Cena, de (em entrevista de julho de 1984) a importante utilidade da
textos de teatro, e Artistas Brasileiros e Artistas da Usp, estas editora universitária na difusão de livros de valor, mas de
duas últimas referidas no $204. venda lenta. Para ele, a distribuição é a dificuldade maior
A profissionalização da Edusp envolveu ainda a forma- que as editoras universitárias menores enfrentam. Uma edi-
ção de um departamento editorial que criasse uma identida- tora grande, como a da Universidade de Brasília, pode gastar
de visual própria e fixasse a imagem da editora, ajudando a em publicidade num mês mais do que o orçamento anual
desfazer a noção de que livro publicado por editora univer- total da editora da UFsc. Além disso, uma produção de trinta
sitária é sinônimo de livro mal-editado. A escolha foi investir
em designers iniciantes, muitos deles recém-formados ou alu-
nos do curso de Editoração da própria us», e os resultados, 24. Plinio Martins Filho e Marcello Rollemberg, Edusp: Um Projeto
Editorial, São Paulo, Imprensa Oficial, 2001.
23. “Editoras de 49 Universidades Ocupam o Maior Estande da Bie- 25. Cf. Sérgio Lacerda, “O Livro e o Estado Editor”, Boletim Infor-
nal de sr”, Folha On-line, 12 abr. 2004. mativo do Snel, jul.-ago. 1981.
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títulos por ano constitui o mínimo para despertar o interesse século xx, quando finalmente foram vencidos pela concor-
de uma distribuidora. rência das revistas baratas e pelas mudanças nos métodos
Infelizmente, muitas editoras universitárias não empregam de distribuição. A interferência de reformadores, como
métodos comerciais modernos. Às tiragens de cada edição não Hannah More, que fornecia gratuitamente aos vendedores
seguem rigorosamente o potencial de vendas. Muitas editoras ambulantes seus Cheap Repository Tracts, adequadamente
investiram em máquinas de impressão mais complicadas ou “instrutivos”, no formato dos chapbooks, contribuiu cer-
mais sofisticadas do que a escala ou o tipo da produção justi- tamente para sua decadência, mas somente em 1901 é que
ficava ou necessitava. Não se dá a devida atenção à publicida- o último editor londrino de chapbooks abandonou suas
de nem à distribuição e comercialização. A gerência é muitas atividades. Nos Estados Unidos, apesar de ser uma nação
vezes diletante. O resultado é que poucas têm possibilidade de mais rural, o impacto cultural da industrialização foi mais
autofinanciar-se, com a consequência de terem de restringir rápido e, já na época da Guerra Civil de 1861-1865, essa
suas atividades cada vez que a universidade se encontra em literatura popular havia desaparecido. Na França, a in-
dificuldades orçamentárias. dustrialização mais lenta e um maior vigor das tradições
rurais permitiram uma sobrevivência bem mais longa. Em
1853,a littérature de colportage — assim chamada porque
grgr OS FOLHETOS POPULARES o vendedor a carregava num tabuleiro que trazia pendura-
do ao pescoço — ainda vendia nove milhões de exemplares
Ocupamo-nos até agora de um material cujo principal mer- por ano. Conhecemos esse número graças à tentativa de
cado são as classes média e alta sofisticadas das grandes Napoleão rr1 de lhes impor uma censura (pois alguns dos
cidades. Na vastidão do Brasil, existe uma outra indústria folhetos criticavam seu governo). Mas também a isso o li-
editorial, totalmente distinta, cujo público leitor se encontra vre de colportage sobreviveu. Segundo o Grand Larousse,
principalmente entre as classes mais humildes das pequenas “les périodiques illustrés, les publications par livraisons, le
cidades e da zona rural do país e, sobretudo, nas regiões cinéma, la radio et la télévision ont précipité la décadence,
mais pobres e atrasadas. O grande fluxo de migrantes rurais puis la fin de ce pittoresque négoce”** — o que significou sua
para as cidades brasileiras, e a conservação de seus gostos, extinção apenas em meados do século xx.
possibilitou o estabelecimento nesses lugares desse tipo de Essa literatura aparecia por vezes numa única folha: a
publicação; suas raízes, porém, como as dos migrantes, en- e
o
broadsheet ballad inglesa, a hoja suelta espanhola, a folha
contram-se fora dali. Poderíamos classificá-la como “a lite- volante portuguesa. Em sua maior parte, porém, tinha a
ratura popular do subdesenvolvimento”, pois assemelha-se forma de pequeno folheto, mal impresso (quando não gros-
bastante a um padrão encontrado em todo o mundo oci- seiramente) no papel mais barato possível para manter-se
dental - mesmo nos Estados Unidos — antes do início da dentro do limitado poder de compra de seus leitores, ilustra-
industrialização. do, às vezes, com uma ou duas xilogravuras simples. Eram
Em português é conhecida pelo nome de “folhetos de vendidos em grande quantidade nas feiras do interior, insti-
feira” e, entre os estudiosos, por “literatura de cordel” — ex- tuição ainda muito vigorosa na maior parte da Europa até
pressão espanhola, originária da maneira como os folhetos fins do século xrx.
são postos à venda nas barracas das feiras, amarrados ao Os volantes e os folhetos menores (até cerca de dezesseis
longo de um pedaço de barbante, como algumas pessoas páginas) constituíam o jornal dos pobres. Um exemplo anti-
costumam arrumar seus cartões de Natal. Em suas ori- go (embora provavelmente editado, na época, para um con-
gens europeias, esses folhetos são praticamente tão antigos sumidor de classe mais alta) é um folheto alemão de T sos,
quanto a própria imprensa. Na Inglaterra, onde o fato de que continha o relato de Américo Vespúcio a Lorenzo 1 de
serem distribuídos por vendedores ambulantes (chapmen)
deu origem ao nome de chapbooks, sua moda perdurou 26. Grand Larousse Encyclopédique, Paris, Larousse, 1960, vol. 3, p.
desde Wynkyn de Worde, no século xv, até o começo do 286, verbete colportage.
704 A Atividade Editorial nos Estados no Século XX A Atividade Editorial nos Estados no Século XX 705

Médici de sua viagem ao Brasil, em 1507. Os folhetos maio- sueltos espanhóis originam-se muitas vezes de fontes ára-
res (de dezesseis a um máximo de sessenta e quatro páginas) bes. À estória da donzela Teodora, tão astuta quanto bonita,
destinavam-se à diversão. Nesse grupo, os dois títulos mais provém, no fim das contas, das Mile Uma Noites, e já era
populares na França - mesmo em fins do século passado — conhecida na Espanha pelo menos há trezentos anos quan-
eram, segundo soubemos”, Quatre fils Aymon, publicado do saiu a primeira edição em folheto, em Toledo, em 1498.
pela primeira vez em Lyon, em 1480,€ Robert le diable, que Levou outros duzentos anos para aparecer em português,
teve sua primeira edição em 1496. Essas histórias represen- impressa na gráfica lisboeta dos “herdeiros de Antônio Pe-
tam a regurgitação para o povo de matérias dirigidas ori- drozo Galvão”, em 1712.
ginalmente às classes mais altas. Corresponde exatamente Os folhetos populares espanhóis, inclusive a sempre po-
às palavras de José Santa Cruz, da Duas Cidades, em 1981, pular Magalona, já eram exportados para as Índias desde
referindo-se ao livro de bolso: “tudo que já foi mastigado 1600 — apesar de uma Real Cédula, de 4 de abril de 1531,
pela classe média hoje é consumido pelo “povão” com uma proibir a exportação para lá de quaisquer romances ou
grande margem de atraso”. obras vãs e profanas de ficção “como son de Amadís”*, Por-
Nessa definição, o moderno folheto de cordel brasileiro tugal mandava seus folhetos para Madeira e Cabo Verde e,
encaixa-se perfeitamente dentro da tradição europeia. Seu finalmente, para o Brasil; esse atraso é o resultado da ado-
tamanho praticamente uniforme, de r6 x 12 cm, é apenas li- ção tardia do português em substituição ao guarani ($7).
geiramente maior que os chapbooks ingleses (14 x 11,5 cm). Franklin Maxado Nordestino afirma que O Peregrino da
Seu preço (Cr$5,00 a Cr$7,00 na Paraíba, no início de 1979), América, de Nuno Marques Pereira (Lisboa, 1731), já era
equivalente a cerca de cinco ou dez centavos de dólar (ou popular nos sertões do Nordeste nos tempos da colônia. O
seja, 2 a 5% do custo de um romance brasileiro), representa catálogo de 1811 dos livros importados por Silva Serva, de
mais ou menos o mesmo poder de compra que o penry, que Salvador ($25), contém toda uma seção intitulada “Papéis
era quanto valia seu equivalente inglês do século x1x, Até as pertencentes a notícias, proclamações, e tudo quanto per-
histórias indicadas como as mais populares na França tam- tence às Guerras, Tragédias e Novelas, tudo em brochura”,
bém o eram no Brasil até pouco tempo atrás. À estória dos muitos dos quais, evidentemente, eram folhetos, ou de es-
Quatre fils Aymon é a de Rénaud de Montauban (Reinaldo tórias tradicionais como História do Roberto do Diabo (a
de Montalvão), que é parte da História do Imperador Car- $080), ou de assuntos mais atuais, como a Entrada de Napo-

o
los Magno e dos Doze Pares de França, descrita por Câmara
a mn
leão no Inferno (a $060). E os folhetos portugueses - conhe-
Cascudo, em 1953, como tendo sido “até poucos anos o livro cidos como “literatura de cego”, depois que um decreto de
mais conhecido pelo povo brasileiro do interior”. Robert 1769 reservou sua venda a ambulantes cegos — continuavam
le diable passa para o português como Roberto do Diabo, a ser importados, segundo Maxado, pela Livraria Garnier,
igualmente de grande popularidade no Brasil. em meados do século xIx,
É quase certo que essas estórias francesas atingiam Por- A primeira reimpressão, no Brasil, das velhas estórias foi
tugal — e, assim, o Brasil — através da Espanha, onde uma feita pela Impressão Régia, responsável, em 1815, pela pu-
versão de Robert le diable apareceu no século xvr. Outras blicação da História da Donzela Teodora, em que se Trata da
estórias populares luso-brasileiras originaram-se na própria Sua Grande Formosura e Sabedoria (trinta páginas) e pela
Espanha. A Historia de la Princesa Magalona, um dos con- História Verdadeira da Princesa Magalona, com um retra-
tos mais apreciados sobre a constância no amor, foi publi- to da princesa em xilogravura na página de rosto ($17). É
cada em Sevilha, em 1519, mas não se conhece uma versão perfeitamente razoável supor que outras gráficas brasileiras
portuguesa antes da edição de Lisboa, em 1783. Os pliegos
29. José Torre Revello, El Libro, la Imprenta y el Periodismo en Amé-
27. Idem, ibidem. rica durante la Dominación Espanola, Buenos Aires, Peuser, 1940,
28. Luís da Câmara Cascudo, Cinco Livros do Povo, Rio de Janeiro, p. 45.“Amadis” é Amadis de Gaula, o mais conhecido dos romances
José Olympio, 1953. de cavalaria e satirizado por Miguel de Cervantes em Dom Quixote.
706 A Atividade Editorial nos Estados no Século XX A Atividade Editorial nos Estados no Século XX 707

antigas também tenham preenchido seu tempo ocioso com foi a mais popular no século xIx e a sexrtilha (estrofes de seis
a impressão desse tipo de material tão popular e tão pron- versos de sete sílabas) a mais popular no século xx. Outra
tamente vendável. De fato, a popular Magalona foi tantas forma popular é a décima (sete ou dez versos de dez sílabas).
vezes impressa desse modo que se criou a superstição de que Segundo Candace Slater, “a primeira grande escola de
seria perseguido pela má sorte o impressor que deixasse de cantadores, a Escola do Teixeira, surgiu em fins do século
incluí-la entre seus primeiros trabalhos. Até Monteiro Lo- XVII no interior da Paraíba”3º. Certamente, contar em ver-
bato encontrou quem lhe dissesse, na São Paulo de 1925, sos as estórias tradicionais dos folhetos começou no alto
que sua bancarrota se devera a tal omissão. Infelizmente, a sertão do Oeste da Paraíba, não antes, porém, de meados do
própria natureza dos folhetos de feira impede a sobrevivên- século x1x, quando surgiu o primeiro grande profissional,
cia de muitos exemplos antigos. Mesmo na Europa, onde o Silvano Pirajá de Lima. Isso aconteceu exatamente quando a
interesse de colecionadores foi muito maior e começou mui- tipografia começou a chegar às cidades do interior: segundo
to mais cedo (e onde o clima e a fauna são menos nocivos ao Rubens Amat Ferreira, “depois de proclamada a República,
papel impresso), restam pouquíssimos exemplares anterio- em 1889, é que ocorreu entre nós o aparecimento de maior
res ao fim do século xvrrr, embora se saiba que o ponto alto número de pequenas tipografias”*. Assim, essas narrativas
da popularidade ocorrera mais de duzentos anos atrás, e um em verso logo começaram a aparecer impressas. O primeiro
autor afirme que exatamente dez mil exemplares da Maga- poeta popular a ser publicado em grande escala foi Leandro
lona haviam sido dados a público apenas na Espanha, em Gomes de Barros, que vivera em Teixeira até os quinze anos
fins do século xvr. Ariano Suassuna registra uma edição bra- de idade, mas mudara-se depois para a capital do estado,
sileira do Romance d"A Pedra do Reino, em 1836. Orígenes Paraíba do Norte, a João Pessoa de hoje. Começou a publi-
Lessa possui um Testamento que Faz um Macaco, Especifi- car em 1889 e sustentava a si, a esposa Venustiana Eulália
cando Suas Gentilezas, Gaiatices, Sagacidade, etc., editado e a enorme família apenas com seus escritos, que se supõe
anonimamente por E C, Lemos e Silva, de Recife, em 1865. terem atingido alguns milhares de títulos (embora tenham
À peculiaridade mais notável dos folhetos de cordel bra- subsistido apenas 297).
sileiros é que quase todos são escritos em verso. Os folhetos Diz o folclorista Câmara Cascudo que Francisco das
em verso não são desconhecidos em outros lugares. Há al- Chagas Batista, também natural de Teixeira e autor de cer-
guns exemplos alemães antigos, do século xv, e nos de Por- ca de quinhentas peças, foi outro poeta que viveu de seus
tugal o verso era bastante comum. Mas a preferência prati- direitos autorais. De fato, Chagas Batista, começando como
camente total pelo verso no Brasil só encontra paralelo nas operário da estrada de ferro Alagoa Grande, teve tanto su-
corridas do México. Essas narrativas em verso representam cesso na venda de seus folhetos nas feiras do sertão da Pa-
uma tradição brasileira ainda mais velha que os próprios raíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará que, em
folhetos de cordel, pois os sertões do Nordeste haviam de- nove anos (1902-1911), ganhou o suficiente para abrir sua
senvolvido seu estilo característico de poesia narrativa, reci- própria e expressiva livraria, a Livraria Popular Editora, na
tada com acompanhamento de viola, muito tempo antes de rua da República, em João Pessoa, a primeira firma a fazer
lá chegar a tipografia. A maior parte da literatura de cordel do cordel sua especialidade editorial. Chagas Batista era
destina-se expressamente a ser cantada: os autores são fre- um de sete irmãos, a maioria dos quais compositores, ven-
quentemente chamados de “cantadores” (embora os termos dedores ou impressores de literatura de cordel. Um deles,
mais precisos sejam “poeta de bancada” ou “poeta popu- Pedro Werta Batista Guedes, era proprietário da Tipografia
lar”). De fato, um dos modos preferidos de atrair a freguesia Popular, em Guarabira, pequena cidade paraibana, a cerca
numa feira é o vendedor (muitas vezes o próprio autor — e
até mesmo o editor-autor) dar um recital público, que termi- 30. Candace Slater, Stories on a String: The Brazilian Literatura de
na exatamente antes do dénouement. Cordel, Berkeley, University of California Press, 1982.
Usam-se várias formas de versificação, sendo que a qua- 31. Cerlale, Noticias sobre el Libro, n. 34, p. 27, jun. 1982. Tradução
dra (estrofes de quatro versos, cada verso com sete sílabas) do espanhol.
————————
eme o
7o8 A Atividade Editorial nos Estados no Século XxX A Atividade Editorial nos Estados no Século XX 709

de noventa quilômetros a noroeste de João Pessoa. A seme- gráfico e pelos direitos de publicação de mais ou menos qua-
lhança dos nomes faz pensar que Pedro Werta imprimia o tro mil obras. José Bernardo estabelecera-se com a Tipogra-
que Chagas produzia. fia São Francisco, em Juazeiro do Norte, em 1936, e ali se

a
Pedro Werta não só imprimiu a poesia de Leandro, como tornara representante de Athayde. Essa cidade do interior do
também, no fim da vida do poeta, casou-se com sua filha Ceará, de cinquenta mil habitantes, deve ao Padre Cícero o
Raquel Aleixo. Infelizmente, Raquel morreu de parto em ter-se tornado importante centro comercial — especialmente
1921, e a discussão sobre qual das avós deveria cuidar das na manufatura e comércio de artesanato do sertão, como
crianças causou uma desavença familiar e levou Venustiana objetos de couro, armas e folhetos de feira.
Eulália a vender os direitos autorais do falecido marido — Padre Cícero foi um padre heterodoxo que, embora des-
por 600$000 — a um antigo amigo do poeta, João Martins de tituído de suas ordens em 1872, continuou ativo na cidade
Athayde, que se tornou ainda mais bem-sucedido como edi- até a morte, em 1934, tornando-se um personagem lendário
tor de folhetos de feira do que Chagas Barista. Em O Que é (e herói do cordel), superado tão somente pelo cangaceiro

o ti
a Literatura de Cordel, pitoresco relato da vida de Athayde, Lampião e transformando a cidade num centro de peregri-

—e
Franklin Maxado afirma que aprendeu a ler sozinho e teve nação popular de todo o interior daquela região, de Pernam-
muitas outras ocupações, inclusive a de seringueiro na Ama- buco ao Piauí.
zônia, antes que a oportunidade de adquirir aqueles direi- José Bernardo da Silva sucedeu a Athayde como o mais
tos autorais o levasse a tornar-se um editor de folhetos. prolífico editor de folhetos de cordel do Nordeste. Em 1955,
Estabelecido na rua dos Pescadores, bairro de São José, no empregava doze tipógrafos, que operavam três impressoras

a
Recife, reuniu à sua volta inúmeros poetas, aos quais tra- e produziam oitenta mil folhetos por mês. Estes eram en-
tava como aprendizes e artífices de uma oficina medieval, viados a representantes em todas as cidades importantes do

o
Atribuía a cada um sua tarefa, revia e corrigia os textos e, sertão, em todas as capitais de estado do Nordeste e em toda
comumente, publicava-os com seu próprio nome, como se cidade sulina onde houvesse número suficiente de nordesti-
fosse o autor, Quando a produção era urgente, para tirar nos para constituir um mercado. Em suas próprias palavras:

ea
proveito da notícia de algum evento importante, organizava
o trabalho como projeto conjunto, atribuindo a cada um Não sou poeta vos digo
a parte da estória que deveria pôr em verso. Como muitos mas com rima arranjo o pão
editores de folhetos de cordel, considerava que o fato de pos-

e
sou chapista e impressor
suir os direitos de alguma obra — como as de Leandro - au- sou bom na composição
torizava-o a publicá-la sob seu próprio nome como “editor dentro da tipografia
proprietário”. Um recurso utilizado, frequentemente, para o meu saber irradia
moe

combater esse costume era fazer com que as iniciais de cada conheço com perfeição
verso da última estrofe formassem o nome do autor, 0 que, agradeço esta opulência
e

pelo menos, obrigava o usurpador a um pequeno trabalho à divina Providência


de nova redação. e ao Padre Cicero Romão.
A gráfica de Athayde era tão bem organizada quanto
sua oficina poética, e durante a época áurea dos folhetos de A firma foi passada às três filhas, estabelecidas com a
pm

cordel brasileiros (193$-1945), seu proprietário conseguiu razão social de Literatura de Cordel José Bernardo da Silva
amealhar considerável fortuna. Em 1948, sofreu um derra- Ltda., mas foi dirigida por Expedito Sebastião da Silva, seu
me cerebral e, dois anos mais tarde, vendeu tudo a José Ber- antigo aprendiz.
nardo da Silva, que pagou Cr$26000,00 pelo equipamento Na década de 1950 € início dos anos de 1960, dois edi-
tores disputavam a segunda posição, porém ambos sofre-
32. Rio de Janeiro, Codecri, 1980. O sobrenome do autor, na verdade, ram reveses pessoais e comerciais por volta de 1964, 0 que
é Machado. lhes diminuiu a importância. Um era João José da Silva, de
st
im
710 A Atividade Editorial nos Estados no Século XX A Atividade Editorial nos Estados no Século XX 211

T—adaas
Mostardinha, no Recife, que proclamava ser sua Editora O CONTEÚDO DO CORDEL $r92
Luzeiro do Norte “a maior organização poética popular
do país” e declarava possuir representantes espalhados por


É notável a variedade dos folhetos de cordel brasileiros.
todo o Nordeste. Vendeu sua firma à antiga Editora Pre- Bráulio Tavares descobriu nada menos que dezessete formas

ri
lúdio, de São Paulo, de que passou a ser representante em diferentes de verso de uso corrente, embora as mais comuns

váa
Pernambuco. O outro era Manoel Camilo dos Santos, um sejam a sextilha e a décima (estrofes respectivamente de

e
cantador que se tornou editor em 1942, em Guarabira, com seis e dez versos de sete sílabas)». Há quase outros tantos
a Folhetaria Santos, mas, em 1953, mudou-se para Campina

P
tipos diferentes de temas. As estórias tradicionais, mesmo
Grande, a segunda cidade do estado, onde, em 1957, abriu em suas versões brasileiras de Leandro, Athayde e outros,
a firma À Estrela da Poesia, Seu envolvimento na política tiveram sua popularidade muito diminuída no curso dos
estadual, numa época em que a venda de folhetos estava últimos cinquenta anos mais ou menos. No entanto, ainda
em declínio, obrigou-o a liquidar o negócio. A firma inicial,

in
são reeditadas, havendo até mesmo continuações como O
em Guarabira, deixara a cargo do genro, o poeta José Alves Verdadeiro Romance do Filho do Herói João de Calais, de
Pontes, que se tornou independente em 196r, Adalgiso Carlos de Oliveira (Bayeux, Paraíba, João Severo

am
Outro editor que começou em Guarabira — na década de da Silva, 196?), que dá sequência a João de Calais, escrito,
1930, com a Tipografia São Joaquim — foi Joaquim Batista originalmente em francês, por Madeleine Angelique Poisson,

DOS
de Sena, natural de Bananeiras (Paraíba). Mudou-se para por volta de 1730. Estórias de bruxaria ou estórias fantás-
Fortaleza nos anos de 1950, mas, em 1973, vendeu o negó- ticas continuam a ser populares, assim como contos sobre
cio e os direitos de publicação a Manoel Caboclo e Silva, de animais falantes e anti-heróis como Pedro Malasartes, cujas
Juazeiro do Norte, um antigo empregado de José Bernardo origens remontam às estórias de Pedro Urdemales, da Espa-
da Silva, cuja Folhetaria Casa dos Horóscopos especializou- nha do século xvr.
-se em almanaques astrológicos. Mais tarde, Joaquim Ba- A história do Brasil fornece muitos temas, e os escolhi-

cm
tista de Sena retornou às atividades no Rio de Janeiro, mas dos com mais frequência são aqueles que se destacam na
por pouco tempo, antes de mudar-se para o Maranhão, em

im
memória popular do sertão: Antônio Conselheiro, Lampião
1976. No princípio da década de 1980, voltou a Fortaleza. e Padre Cícero. Como no caso dos “vendedores de baladas”

-
o
Embora pareça rara a pirataria deliberada de um autor de europeus (para não falar de seus sucessores jornalistas), os
folhetos de feira vivo e conhecido, Sena mostrou-se particu- crimes horrendos e as calamidades naturais incomuns são
larmente escrupuloso no tocante a direitos autorais, confor- tomados avidamente como tema, com títulos abundantes
—o
me demonstra sua nota de editor na capa de uma edição de como História das Inundações do Orós e as Vítimas do Vale
1961 de As Quatro Herdeiras do Céu: do Jaguaribe, O Lamentável Incêndio do Mercado da Cida-
ii

de Alta, ou A Bárbara Morte de Antônio Farias no Estado da


Alguns poetas atribuem ter sido escrito pelo poeta falecido João Baía. Pelo menos um editor, José Francisco Soares, do Reci-
ci

Melchiades [1869-1933], mas que ninguém pode até o presente fe, especializou-se nos acontecimentos do dia a dia, a ponto
A

dar a verdadeira confirmação. Eu o conheço desde o ano de 1927,


To

de autodenominar-se “poeta-repórter” e até manter em ar-


sendo cantado pelo cantador José Gama, e este também ignora
AE

quivo grande número de vidas de personalidades eminentes,


o escritor, c eu mandei o José Gama copiá-lo para mim, pelo que já postas em verso, no aguardo da notícia de suas respectivas
paguei uma certa importância, e fiz a primeira edição deste livro no mortes e do acréscimo de um final apropriado para entrar
ano de 1943, com o nome de João Melchiades, e como não tinha imediatamente no prelo. Os primeiros três mil exemplares
certeza que fosse ele o poeta do mesmo, deixei de reproduzi-lo, e de A Morte de Juscelino Kubitschek foram postos à venda,
e

volto agora a editá-lo até que apareça este ou aquele dono, consta-
tando com os direitos autorais, pois alguém já me afirmou ser do
33. Paulo Queiroz, “Os Gêneros de Cantoria segundo Bráulio Tava-
falecido pocta Antônio Aragão, sei que há uns vinte anos o conheço res”, O Norte, João Pessoa, p. 1, 21 ago. 1977 (Domingo: Suplemen-
sem saber quem é seu legitimo dono ou escritor. to Semanal).
a
712 A Atividade Editorial nos Estados no Século XX A Atividade Editorial nos Estados no Século Xx 713

em 1976, já no dia seguinte ao infausto acontecimento. Os Mundo Pegando Fogo por Causa da Corrupção, por exem-
obituários podem ser um excelente negócio. José Francisco plo, responsabiliza o biquíni pelos problemas do mundo:
Soares vendeu 108 mil exemplares de A Morte do Bispo de
Garanhuns, e o suicídio do presidente Vargas (um herói po- Se eu estiver mentindo
pular no Nordeste) motivou não menos de sessenta folhetos Jesus me castigue agora
rivais, em cerca de dois milhões de exemplares. Tampouco na praia se vê mocinha
são desprezadas as notícias internacionais mais importantes. com o maiô tora não tora
O Homem Chegou na Lua, de junho de 1969, depois de é curto, ligado e estreito
referências en passant a Adão, Isaías, aos Evangelistas, Co- só cobre o bico do peito
lombo e Santos Dumont, chega até Amistrong [sic] no Mar deixando a bola de fora
da Tranquilidade, e conclui:
Mocinha raspa o cangote
Agora os americanos sem notar o prejuízo
podem ficarem freguês os sovacos, as sobrancelhas
já tem o caminho certo raspar também é preciso
pode ir lá de mez em mez e faz de outro modelo
em mudar os seus percurços que a Luna V dos Russos aonde tiver cabelo
espatifou-se de vez, raspa e deixa tudo liso.

Basicamente, porém, o folheto de cordel reflete uma so- O conservadorismo nos costumes não implica reacio-
ciedade bastante conservadora. Os temas religiosos são fre- narismo político. Realmente existem folhetos de tendências
quentes. Muitos dos títulos são abertamente didáticos. O direitistas, como O Movimento Estudantil e as Duchas Eras-
Poder da Cachaça contra a Lei do Criador — tendo na capa mo em São Paulo, de um certo Williams M. Gomes de Bar-
o desenho do desafortunado bêbado sendo engolido vivo ros, de 1977, que louva a ação policial contra manifestações
por um Demônio-Cachaça em forma de serpente — ou um estudantis, mas parecem ser todos espúrios - ou encomen-
Conselho contra a Violência, muito necessário, já que a lei e dados. Em contrapartida, um tema frequente do cordel, em-
a ordem no sertão é algo que faz lembrar o oeste selvagem bora muito perigoso, é a crítica aberta à política do governo
dos Estados Unidos no século xIx. ou a personagens de influência e seus efeitos sobre a vida dos
Embora a maior parte dessa literatura seja claramente pobres. Sob o Estado Novo,o DIP impôs uma censura prévia
moralizadora, encontra-se também alguma obscena “litera- dos folhetos de feira, que virtualmente acabou com qualquer
tura de safadeza”, que até tem sido incluída em antologias comentário político indesejado. Essa censura terminou em
destinadas ao mercado da classe média, como na coletânea 1945. Contudo, a baixa situação socioeconômica do editor
de Antônio Barreto Neto, lançada pelas Edições Aquarius, de dos folhetos continuou a mantê-lo vulnerável à intimidação
João Pessoa, em 1978,e Uns Fesceninos, de Osvaldo Lamar- e ao uso irregular do poder político local até que a revolução
tine de Faria, ilustrado por Poty e publicado pela Arteno- militar de 1964 proporcionou às autoridades instrumen-
va, em 1970, em edição limitada. Há também a verdadeira tos legais de controle de maior alcance. Em 1969, Abraão
pornografia, expressa com crueza, escrita anonimamente e Bezerra Batista foi levado às barras do tribunal militar por
publicada clandestinamente, porém a maior parte das obras causa de seu A Corrupção no Ceará e a Imprevisível Inter-
do genre utiliza com habilidade e humor o duplo sentido — venção do Governo em Juazeiro do Norte. Teve melhor sorte
como no caso de O Encontro da Velha que Vendia Tabaco que o pretenso “poeta proletário” José Gomes (“Cuíca de
com o Matuto que Vendia Fumo - na defesa dos valores Santo Antônio”), de Salvador, que foi assassinado, em 1965,
tradicionais ou, pelo menos, com sua implícita aceitação. O por um desconhecido. Sua produção incluía títulos como O
Câmbio Negro e as Misérias da Bahia, A Greve do Ônibus,
714 A Atividade Editorial nos Estados no Século xx A Atividade Editorial nos Estados no Século XX 7E5

O que Dizem da Polícia, O Prefeito que Engoliu a Prefeitu- mas não digas que isso é covardia
ra, Plínio Salgado e o Galinheiro, Porque Falta Luz na Ci- estou rouco não sei se já ouvisse
dade e Se Eu Fosse Governador. Em outubro de 1978, José se não fosse o diabo da rouquice
Francisco Soares, em entrevista à revista IstoÉ, queixou-se eu em vez de galope até corria.
de que ninguém ousava satisfazer a demanda de folhetos
sobre os altos preços e o custo de vida por medo de ser preso. Ão que replica o vencedor com a resposta final:
Não devemos nos esquecer de que, além desse tipo de
controle de motivação política, o vendedor de folhetos sem- Por um lado estás certo e sem defeito
pre foi, intermitente e indiscriminadamente, molestado pela e por outro perdeste na questão
polícia como “vagabundo”. João José da Silva (“Azulão”), eu não sou causador dessa razão
um dos cinco mais importantes poetas populares, foi preso, e não fui eu quem enrouqueci teu peito
em 1981, em Nova Iguaçu, por vadiagem, apenas por estar vai tratar-te com zelo e bem direito
vendendo seus folhetos. guardar-te pra outro qualquer dia
A popularidade do cordel tornou-o também um bom veí- mas não digas que foi a cantoria
culo de publicidade. José Francisco Soares declarou à revista que te fez assim rouco e tão doente
Veja, em maio de 1977, que quase toda semana escrevia um porque podem dizerem foi Vicente
folheto de encomenda, relacionando os últimos sobre a Su- que usou de fazer feitiçaria.
dene, o INPS e a Viação Itapemirim. O Ministério da Agricul-
tura escolhe, deliberadamente, o folheto como o meio mais É possível que a tradição do versejar competitivo — ain-
eficiente de atingir o pequeno agricultor do Nordeste; foi da muito viva no Nordeste — seja, como muitas outras coi-
encomendado por ele O Pequeno Agricultor que se Tornou sas na vida do sertanejo, uma herança recebida dos índios.
Fazendeiro, de José Costa Leite, do qual foram distribuídos Mas é de duvidar que qualquer desses encontros tenha che-
gratuitamente 150 mil exemplares”, gado algum dia a merecer registro completo e autêntico
Todos os temas até aqui mencionados têm correspon- em letra impressa. Alguns, como o exemplo que citamos,
dência nos folhetos de feira europeus. Um motivo, porém, foram compilados, quando não inteiramente feitos, na grá-
é peculiar e caracteristicamente nordestino: frequentemente fica do folheteiro!
têm registro permanente num folheto as pelejas, ou desafios,
entre dois cantadores (em que os adversários se alternam
na improvisação de versos, até que o perdedor abandona O FUTURO DO CORDEL $193
a luta por falta de inspiração). Na Peleja de Vicente Sabiá
com Antônio Coqueiro, por exemplo, os adversários trocam Já assinalamos como o folheto de feira desapareceu aos pou-
insultos durante intermináveis versos até que Coqueiro re- cos nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França, com o
conhece a derrota: “advento da industrialização. Onde o progresso econômico
foi mais lento, como na Andaluzia e no Mezzogiorno italia-
No martelo agalopado eu não tropeço no, as regiões rurais mais atrasadas da Europa Ocidental, ele
mas me acho doente e abatido persistiu até mais tarde. Nos anos de 1920, já havia desapa-
o pulmão já ficou enrouquecido recido na maior parte de Portugal, mas podia ser encontrado
este tanto senhores cu confesso em Évora, por exemplo, ainda nos anos de 1970, embora
ao Vicente também agora peço em plena decadência, sem a edição de quaisquer textos no-
que deixemos por hoje a cantoria vos. Assim, é interessante especular sobre por mais quanto
tempo ainda perdurará no Brasil esse tipo de publicação,
34. Curiosamente, para atingir o pequeno agricultor no Centro e no na medida em que a população se torna mais urbanizada e
Sul do país, o Ministério usava o recurso das histórias em quadrinhos. mais sofisticada, expondo-se a um maior número de apelos
716 A Atividade Editorial nos Estados no Século xx A Atividade Editorial nos Estados no Século XX 717

alternativos ao seu limitado poder de compra e a substitutos a apenas 45 minutos de trabalho de impressão diário. À Ti-
como os rádios e mesmo as tevês, cada vez mais dissemina- pografia São Francisco, sozinha, apesar de uma queda de
dos. Fora o rádio e a tevê, tudo isso já foi discutido há muito 60% na produção, ainda imprimia um milhão de folhetos
tempo, pelo menos desde 1888. Naquele ano, Sílvio Romero por ano. Uma interpretação alternativa das palavras de Cá-
afirmava em seus Estudos sobre à Poesia Popular Brasileira: mara Cascudo, ou seja, a de que cada título tivesse sido lan-
çado com a tiragem de duzentos mil exemplares, significaria
A literatura de cordel no Brasil é a mesma que em Portugal. Os que cada editor teria oito ou dez impressores em funciona-
títulos mais comuns expostos nas barracas de livros de nossas ruas mento o dia tudo! Tal tiragem de um só título não era co-
são: A História da Donzela Theodora, À Imperatriz Porcina, A For- mum, mas ocorria, embora apenas em resultado de diversas
mosa Magalona, O Naufrágio de João de Calais, juntamente com: impressões sucessivas. Segundo João José da Silva, a tiragem
Carlos Magno e os Doze Pares de França, O Testamento do Galo normal era de dez mil exemplares, que seriam vendidos
e da Galinha, e agora, nos últimos tempos, os poemas do poeta entre uma semana e dez dias.
popular João de Sant'Anna de Maria sobre a guerra do Paraguai. Uma década mais tarde, uma edição do mesmo tamanho
Nas principais cidades do Império ainda se encontram as barracas já demorava mais de um ano para vender. À enorme queda
dos folheteiros à porta de alguns teatros, nas estações de trem e em de consumo que isso representa é atribuída, comumente, aos
alguns outros lugares. Mas o declínio é acentuado. Os folhetos de efeitos que a grande inflação de 1963-1964 teve, ao mesmo
cordel ainda são lidos extensamente pelo povo do interior, mas nas tempo, sobre os custos de impressão e sobre o rendimento
cidades suas vendas estão sucumbindo na avalancha de jornais:s. das classes mais pobres; mas outro fator foi, provavelmente,
a repressão pós-revolucionária.
Talvez os jornais tenham realmente reduzido as vendas Contudo, o declínio não foi contínuo, Assim, os anos de
de folhetos de feira nas cidades; no conjunto, porém, nos 1960 à 1962 parecem ter sido favoráveis, pelo menos vistos
cinquenta anos que se seguiram aos comentários de Sílvio retrospectivamente. O período de 1971-1972 foi de depres-
Romero, houve uma contínua expansão. Na década de são, intensificada pela grande crise de papel de novembro de
1890, Leandro Gomes de Barros limitava a maioria de suas 1972. Leão Maranhão menciona que o preço cobrado pelo
edições a mil exemplares. Em 1920, quando havia cerca de impressor Manuel Luís da Nóbrega, do Recife, pela edição
vinte editores de cordel em todo o país, o levantamento feito de mil exemplares de um folheto de 32 páginas subiu, naque-
pelo jornal O Estado de $. Paulo sobre a produção editorial le mês, de Cr$400,00 para Cr$600,00%. Logo em seguida, as
paulista revelava que a média das tiragens dos folhetos era coisas melhoraram acentuadamente, e, em 1975 (apesar do
de três a cinco mil exemplares. Na década de 1940, a tira- aumento de 25% da gasolina, que fez subir o preço de Luís
gem habitual de folhetos era de doze mil, a Tipografia São da Nóbrega para Cr$1200), a Tipografia São Francisco tor-
Francisco, de José Bernardo da Silva, atingia uma produção nou a alcançar os quinhentos mil exemplares por ano e doze
total de trezentos mil exemplares por mês, e não era raro um mil exemplares por edição, lançando, porém, menor número
ambulante de feira vender trezentas cópias de um folheto de títulos. Depois, ocorreu nova queda, com o retorno das
imediatamente depois de tê-lo recitado. altas taxas de inflação e de sua repercussão sobre o nível
Já se nota uma decadência nos anos de t950, mas o grau da renda na zona rural, sendo o ano de 1980 muito pior do
de sua ocorrência tem sido exagerado. Câmara Cascudo es- que o de 1979,€ 0 de 1981 pior que o de 1980. O preço de
timou que a produção anual total era, na época, de duzentos Manuel Luís da Nóbrega para mil exemplares de um folheto
mil exemplares (mil títulos), publicados por uma dúzia de de 32 páginas chegou a Cr$2000 em 1981.
editores: isso, porém, proporcionaria a cada um deles uma Minha impressão das condições dos anos de 1980 é que
venda bruta anual bem inferior a us$2000 e corresponderia as tiragens estavam por volta de mil exemplares, que é a

35. Sílvio Romero, Estudos sobre a Poesia Popular Brasileira, 2. ed., 36. Leão Maranhão, O Folheto Popular: Sua Capa e Seus Iustrado-
Petrópolis, Vozes, 1977. res, Recife, Massangana/Fundação Joaquim Nabuco, 1981.
718 A Atividade Editorial nos Estados no Século XxX A Atividade Editorial nos Estados no Século xx 719

produção de uma impressora Minerva numa semana de seis romances (24 a 64 páginas). Todavia, a inflação dos custos
dias. Multiplicar essa quantidade pelas cinquenta e duas se- provocou o quase total desaparecimento de qualquer coisa
manas do ano e pelas cerca de meia dúzia de editores de fo- com mais de 32 páginas, de maneira que, na prática, a pala-
lheto do país seria arriscado. Alguns desses editores faziam vra “folheto” passou, indevidamente, a significar o mesmo
outros trabalhos gráficos e reservavam apenas parte do tem- que literatura de cordel. E as dificuldades financeiras não se
po aos folhetos. Outros dedicavam grande parte do tempo à limitam à produção. À escala dos custos de distribuição, do
venda direta de suas publicações e até mesmo a compor os correio ao aluguel de barracas nas feiras, também tem afeta-
próprios versos. Uma gráfica pelo menos (a Tipografia Pon- do gravemente a viabilidade comercial do folheto de cordel.
tes, de José Alves Pontes, de Guarabira, Paraíba) destinava O problema básico, porém, é a queda da demanda que
o grosso de sua produção a publicações de outros editores, se segue naturalmente ao desenvolvimento social e econô-
desde Pernambuco (João José da Silva) até no Sul, Rio de Ja- mico. Não apenas os valores e os enfoques tradicionais da
neiro (Apolônio Alves dos Santos), presumivelmente porque literatura de cordel se tornam cada vez menos aceitáveis,
os custos em Guarabira eram mais baixos do que os desses como mesmo aqueles que se mantêm fiéis aos folhetos aos
clientes. Pode-se avaliar o quanto eram baixos esses custos poucos se conscientizam de que são uma coisa fora de moda
pela análise do caso de um editor-impressor que, em princí- e “primitiva”, E entre aqueles cuja reação ao “progresso” é
pios de 1979, para uma edição de mil exemplares, no ata- o recuo para o mais fanático conservadorismo, o caminho
cado, calculou uma receita bruta (uma semana de trabalho) preferido é o do fundamentalismo protestante, com sua re-
em Cr$1600,00. Com isso, tinha de comprar o papel, tinta jeição a coisas que causem prazer, tidas como pecaminosas.
etc., manter duas impressoras planas pequenas movidas por De fato, bom número de poetas populares abandonaram sua
pequenos motores elétricos, pagar o salário do impressor, do vocação depois de converter-se à crença de uma das missões
compositor e de uma moça que grampceava as folhas e pagar americanas. Além disso, também o desenvolvimento político
o porte do correio para enviar a mercadoria. A maioria de do Brasil, a partir de março de 1964, contribuiu bastante
seus folhetos é ele mesmo que escreve. Mas, se publicasse o para o declínio do poder de atração dos folhetos, ao impedir,
trabalho de outro, os direitos autorais previstos seriam de eficientemente, que o folheto exercesse sua função de veículo
20%, mas pagos em folhetos, e não em dinheiro. de expressão do descontentamento popular.
Diante de compensação financeira tão desanimadora, não Outro fator é a área restrita de distribuição dos folhe-
é de espantar que, nos anos de 1980, já houvesse no Nordeste, tos de que dispõe cada editor. No Recife, por exemplo,
berço tradicional do cordel, menos de sessenta poetas popu- encontram-se, a qualquer tempo, cerca de 250 títulos dos
lares em atividade, todos, com exceção de oito, com idades cerca de cinco editores estabelecidos em Pernambuco e no
variando entre cinquenta e sessenta anos, ou mais. Em 1978, vizinho estado da Paraíba, quantidade equivalente a cerca
restavam apenas dois impressores de porte médio na região de um ano de produção de cada um deles. Nada se encon-
(ambos no Ceará) e apenas cinco pequenos (todos na Paraíba tra, porém, da Bahia e, raramente, alguma coisa do Ceará.
e em Pernambuco). Um destes últimos, que costumava viajar Contudo, o mais animado mercado de cordel já não se en-
regularmente para as feiras e mercados locais para vender sua contra no Recife, nem em qualquer outro lugar do Nordes-
mercadoria, concluiu, pesaroso, em 1980, que seus lucros já te, mas no Sul, especialmente na feira de São Cristóvão, no
não cobriam sequer as despesas de transporte e hospedagem: Rio de Janeiro, cuja freguesia é constituída, em sua maior
liquidou o negócio e abriu um bar. Alguns dependem de ou- parte, de emigrantes nordestinos, que procuram matar a
tras fontes de renda: Apolônio Alves dos Santos é pedreiro e saudade da terra natal.
escreve e vende folhetos em suas horas de folga. Gerson Camarortti, escrevendo no Diário de Pernambu-
Até mesmo o uso generalizado que fazemos da palavra co, de 10 de abril de 1995, sob o ominoso título “Literatura
“folheto” é revelador da adversidade dessa indústria. Estri- de Cordel: Últimos Sopros da Vida”, citando opinião do edi-
tamente falando, esse tipo de publicação no Brasil divide-se tor J. Borges, de Bezerros (cidadezinha de 58 768 habitantes,
em folhas volantes, folhetos (quatro a dezesseis páginas), e próxima de Caruaru, ca 10$ quilômetros do Recife), diz que
720 A Atividade Editorial nos Estados no Século XX A Atividade Editorial nos Estados no Século XX 721

a tiragem mínima economicamente viável é, hoje em dia, de parecer-lhe incongruente, isso acontece porque ele permite
cinco mil cópias, de venda difícil por falta de cantadores (os que seu senso histórico totalmente irrelevante se intrometa
responsáveis pela propaganda dos títulos nas feiras). Decla- naquilo que, para o leitor tradicional de cordel, é contem-
rou Borges que, na feira de Caruaru, local, tradicionalmente, porâneo ou intemporal. Quando se trata de evidente fanta-
do maior foco de cordel no Nordeste, tinha, em 1995, ape- sia (como em histórias de animais falantes), a xilogravura
nas um cantador, José Alves, então com setenta anos, que continua sendo preferida.
servia ao único folheteiro do lugar, Olegário Fernandes da Todavia, o que acontece com frequência é que, exata-
Silva, nascido em 1933 e no negócio desde 1955. mente quando a gente comum começa finalmente a rejeitar
o que seus superiores sempre desprezaram como tosco e vul-
gar, o mundo educado começa a interessar-se. Isso é verdade
$194 ILUSTRADORES DE FOLHETOS em relação aos folhetos de cordel em geral: tanto é assim que
muitos folheteiros começam a queixar-se dos compradores
Mais ameaçadas do que os próprios folhetos estão as tra- de classe média que simplesmente colecionam suas publica-
dicionais ilustrações em xilogravura. Por motivos técnicos ções, sem nenhuma intenção de as lerem. Isso é ainda mais
e financeiros óbvios, as xilogravuras sempre estiveram asso- verdadeiro com relação às ilustrações em xilogravura. Leão
ciadas a esse tipo de literatura, às vezes atingindo padrões Maranhão acredita que já tenha começado, em consequência
surpreendentemente elevados. O próprio grande ilustrador disso, um renascimento artificial da xilogravura (ou, melhor,
inglês de livros, Thomas Bewick, começou como ilustra- sua aplicação também a assuntos para os quais já não são
dor de folhetos de feira. Com relação ao Brasil, elas foram — consideradas adequadas pelos leitores comuns) que está, de
tirando as produções de luxe dos Cem Bibliófilos do Brasil — fato, contribuindo para a queda nas vendas de folhetos**.

o único tipo de ilustração desse país que mereceu menção em 1971,0 Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais,
de David Bland em seu History of Book Illustration”. Fora do Recife, realizou um concurso para escolher o mais autên-
aquelas edições de luxo, diz Bland, “o Brasil tem pouco a tico e criativo gravador de xilogravura para folhetos de cor-
mostrar, salvo uma interessante tradição (agora em extin- del. Entre duzentos concorrentes, com um total de duas mil
ção), no Nordeste, de imprimir livros de poesia popular ilus- xilogravuras inscritas, o Instituto selecionou José Soares da
trados com xilogravuras de aparência curiosamente arcaica, Silva, conhecido como “Dila”, proprietário da Arte-grafica
semelhantes às águas-fortes medievais francesas”. São José, poeta e gravador com predileção por histórias de
Não se sabe muita coisa sobre as origens dessa tradição santos e do bandoleiro e herói popular Lampião (que, diz
no Brasil, Pode ser, como assinalei anteriormente ($5), que ele, é um amálgama de doze “reis do cangaço” diferentes).
os missionários portugueses tenham ensinado essa arte aos Além de ilustrar e publicar a obra de outros poetas, Dila
índios como parte de uma política para mantê-los conti- também compõe suas próprias estórias e suplementa seus
nuamente ocupados. Contudo, embora a edição da Maga- ganhos com a produção de outros trabalhos gráficos varia-
lona (1815) fosse ilustrada dessa maneira, somente no sé- dos. Ironicamente, embora já não seja mais possível a al-
culo xx o uso da xilogravura generalizou-se nos folhetos de guém ganhar a vida fazendo xilogravuras para folhetos de
cordel. Hoje, seu uso está em decadência: as reproduções feira, o interesse dos de fora por essa arte atingiu tal ponto
de fotografias em clichês são mais baratas e mais atraen- que dois atrevidos vigaristas acharam que valia a pena fazer
tes para o leitor, com sua modernidade superficial. Para uma viagem a Caruaru (cidade pernambucana de 314951
ilustrar notícias, isso é perfeitamente compreensível. E se o habitantes, onde reside Dila) e visitá-lo para roubar 643
emprego da fotografia de um casal de artistas de cinema de reproduções de ilustrações e 107 autênticos blocos, com o
Hollywood para ilustrar uma história tradicional como O pretexto de promover uma exposição em São Paulo.
Príncipe João Sem Medo choca o leitor de classe média por

37. 2. ed., Londres, Faber, 1969. 38. Leão Maranhão, op. cit.
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Até mesmo os pesquisadores honestos, em tão grande offset, em formato maior, com capa envernizada e ilustrada
número, tornaram-se uma praga, a ponto de Dila declarar em cores, que distribui por meio de sua rede nacional de
ao Jornal do Brasil: “Eu já estava cansado de repetir minha representantes, a preço não muito maior que o do produ-
história. Então comecei a mudar minha biografia. Foi um to tradicional.
sucesso medonho”3º, Parece certo, porém, que ele nasceu em O conteúdo é perfeitamente genuíno: a Luzeiro comprou
1937, começou seu negócio em 1950 e nos tempos da entre- muitos direitos de edição de João José da Silva e continua
vista trabalhava com o filho Valdecilo (nascido em 1953), comprando mais material, empregando como consultor edi-
que, definitivamente, não se sente atraído pela profissão do torial um dos melhores (e mais prolíficos) poetas populares
pai. Comumente, Dila edita suas obras assinadas “por José vivos, Manoel d'Almeida Filho (mais um paraibano, que
Cavalcanti e Ferreira Dila”, como se fosse duas pessoas. Seu vive agora em Sergipe). Além disso, segundo vigorosa de-
material favorito é a madeira da cajazeira; muitas vezes, po- fesa da política dessa editora, feita, em agosto de 1976, por
rém, utiliza também a borracha em lugar de madeira, devido Rodolfo Coelho Cavalcante, no Brasil Poético (periódico da
à impressão mais suave que assim consegue. Ordem Brasileira dos Poetas de Literatura de Cordel), Luzei-
Assim como a maioria dos poetas e editores de cordel ro está realmente possibilitando aos poetas populares vive-
mais notáveis parece ser constituída de paraibanos, também rem de seus rendimentos de direitos autorais. E agora uma
os gravadores mais importantes parecem ser pernambuca- firma da Bahia, a Livraria Bahiana, de Salvador, rende-lhe
nos, como Dila. Um dos melhores é José Francisco Borges, de a homenagem da imitação, ao seguir exatamente a mesma
Bezerros, a já mencionada cidade na página 719. Começou política. Parece que com métodos modernos ainda se pode
como vendedor ambulante aos 21 anos, tornou-se editor aos ganhar dinheiro com o cordel!+º
29 e só assumiu o trabalho com gravura três anos mais tarde,
devido à dificuldade em encontrar ilustradores capazes. Logo
passou a suprir outros editores, bem como a fazer gravuras
para vender nas galerias de arte do Sul do Brasil.
Muito admirado também é José Costa Leite, proprie-
tário da Folheteria A Voz da Poesia Nordestina, em Con-
dado, cidade de oito mil almas no árido planalto do oeste
pernambucano.

$195 E O CORDEL ENTRA NO MERCADO DE MASSA

Os inúmeros acadêmicos que, nos últimos anos, têm visto


no cordel uma manifestação de cultura popular, e aqueles
que, como os tradicionalistas eruditos, se horrorizam com
a substituição da xilogravura pelos clichês (comumente re-
produzidos de fotos dos arquivos de jornais), ficarão mais
indignados ainda com o êxito da Luzeiro Editora, de São
Paulo, antiga Editora Prelúdio (cf. $r91).
40. Escrevi esta conclusão otimista para a minha primeira edição de
Essa firma produz folhetos de cordel em massa (se é que
1985. Não sei se a Editora Prelúdio ainda funciona. Dado que não
ainda podemos chamá-los por esse nome), impressos em está registrada no Anuário Editorial Brasileiro de 1998, estou com
medo de que já tenha fechado. Outra visão acerca do cordel nos anos
39. Homero Fonseca, “A Vocação Irresistível e Pessoal de Dila”, Jor- de 1990 encontra-se em Mark J. Curran, “A Literatura de Cordel:
nal do Brasil, p. Br, 7 abr. 1979. Antes e Agora”, Hispania, vol. 73,n. 3, PP. 570-576, set. 1991.
Na Epoca da
Ed

“Abertura”
Já fui chamado de “o rei dos
importadores do lixo cultural estrangeiro”,
título que ostento com muito orgulho,
porque transformo esse “lixo” no adubo que
me permite manter um pouco viva a árvore
da literatura brasileira.

ALFREDO MACHADO

A ATIVIDADE EDITORIAL NO SETOR NÃO DIDÁTICO $196

A versão original desta história baseou-se em pesquisas que


realizei no Brasil, em 1970 e no início de 1971. Não voltei
ao país senão em 1979, quando fiquei assombrado ao ver o
quanto o ramo livreiro havia mudado nesses oito anos. Até
a venda a varejo parecia prosperar: a cadeia das Livrarias
Siciliano, na Grande São Paulo, fundada em 1928, anuncia-
va um aumento de 25% nas vendas de 1978 em relação a
1977. O número total de editoras comerciais tinha crescido
consideravelmente no país: a segunda edição (1980) do Guia
das Editoras Brasileiras, do Snel, registrava 481 empresas no
ramo livreiro. Muitos nomes familiares haviam desapareci-
do e muitos outros, por diversas razões, tinham perdido sua
antiga proeminência, enquanto algumas empresas, antes de
pequena importância, haviam crescido de maneira assusta-
dora. O levantamento dos livros mais destacados de 1980,
feito pela revista IstoÉ, apontava quatro títulos da Civiliza-
ção Brasileira, outro tanto da Nova Fronteira, três da Fran-
cisco Alves, dois da Codecri e um de cada uma das empresas
Alfa-Ômega, Campus, Global, Kairós, L&PM, Paz e Terra e
T. A. Queiroz. No ano seguinte, o Leia Livros publicou uma
relação dos best-sellers de 1981, classificados em ficção, não
ficção e infantis. À primeira categoria era encabeçada pela
“almas
728 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 729

Nova Fronteira, seguida pela Record e pela Brasiliense, Co- cial, foi substituído, em 1986, pelo filósofo Arcângelo Buzzi.
decri e Globo. A não ficção era liderada pela Codecri, seguin- O que irritava os conservadores da Igreja era, sobretudo, a
do-se a Nova Fronteira, Brasiliense, Nórdica, Paz e Terra, tendência esquerdista dos dois presidentes do conselho edi-
Record e Vozes. Entre os best-sellers infantis estavam livros torial: a fervorosa feminista Rose Marie Muraro, autora de

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da Brasiliense, Ática, Cultura, L&PM e Melhoramentos. Sexualidade, Libertação e Fé, e Leonardo Boff, teórico da
A Nórdica foi fundada, em 1970, pelo jornalista portu- Teologia da Libertação, já condenado, em 1985,a um ano de
guês Jaime Bernardes, cinco anos depois de sua migração silêncio pela Congregação da Doutrina da Fé, por causa do
para o Rio de Janeiro, vindo de Estocolmo, onde chefiava livro Igreja: Carisma e Poder. Ambos foram exonerados. Em
o serviço português da Rádio Suécia. Seu primeiro objetivo abril de 1991, Boff foi afastado do cargo de redator da Revis-
era capitalizar o interesse brasileiro pelo modelo sueco (de- ta de Cultura Vozes e quatro teólogos receberam a missão de
mocracia e prosperidade econômica iguais às vigentes nos examinar todo artigo a ser publicado nas revistas da editora.
EUA, com bem-estar social e liberdade sexual) e o primeiro Rose Marie constituiu, no Rio, sua própria editora pro-
lançamento ele mesmo traduziu do sueco. Seu catálogo tem gressista, Espaço e Tempo. Mais tarde, em novembro de
mais de seiscentos títulos; entre eles, obras de ficcionistas 1990, com a ajuda de Alfredo Machado, da Record (que ad-
portugueses, muita biografia, história e economia, além de quiriu 40% das ações), Muraro, em parceria com a jornalista
livros infantojuvenis, destacando-se o grande sucesso Histó- Laura Civita, com a atriz Ruth Escobar (fundadora do Con-
ria de Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach (trezentos selho Nacional da Defesa dos Direitos da Mulher) e com a
mil exemplares vendidos). Bernardes também edita autores professora Neusa Aguiar, fundaria a editora “pós-feminista”
brasileiros em Portugal e tenta, com dificuldade, estimular Rosa dos Tempos, a primeira editora brasileira especialista
O interesse das editoras estrangeiras pela tradução de seus em obras sobre a condição social da mulher. O primeiro li-
autores nacionais, como Esdras do Nascimento, ainda não vro lançado foi Uma Voz Diferente, de Carol Gilligan. Logo
traduzido para o inglês. Em junho de 1988, Jaime Bernardes se seguiu Martelo das Feiticeiras, a tradução de Malleus
adquiriu a editora Antunes. Maleficarum, um manual de 1486 sobre a caça às bruxas,
A Editora Vozes ($185) crescera durante a ditadura, com escrito por Jacob Sprenger e Heinrich Kramer, dominicanos
a edição de livros de crítica social, explorando a relutância de Colônia. Em dezembro de 1994, Machado comprou as
do regime militar a desafiar abertamente os órgãos da Igreja". cotas de suas sócias e, embora Rose Marie continuasse como
Com o apoio da ordem franciscana e da Conferência Na- diretora do que seria, a partir de então, apenas um selo da
cional dos Bispos do Brasil (CNBB), conseguiu evitar a pre- Record, Laura Civita, que contribuíra com 40% do capital
sença de censores em suas redações. Não sendo uma edito- original da Rosa dos Tempos, fundou outra editora em São
ra confessional, como as Edições Paulinas e a Loyola, dos Paulo, a Eureka.
jesuítas, desfrutava de um grau surpreendente de liberdade Digna de nota foi a recuperação da Brasiliense ($119),
das autoridades eclesiásticas, culminando na publicação de depois de ter estado quase estagnada desde os últimos anos
Brasil: Nunca Mais, a exposição das torturas, desapareci- da década de 1960, e se mantendo principalmente com as
mentos e mortes das vítimas da repressão. Ironicamente, na seguidas reimpressões das obras de Monteiro Lobato. (Um
época da “abertura”, o Vaticano, a pedido de dom Eugênio indício da rápida evolução da língua portuguesa no Brasil é
Salles, arcebispo do Rio, começou a impor restrições. O di- o fato de a popularidade de Lobato estar começando a dimi-
retor-presidente da editora, frei Ludovico Gomes de Castro, nuir porque, entre a criançada, sua linguagem está ficando
responsável, desde 1962, pelo forte conteúdo político e so- fora de moda!) À nova administração, tendo à frente o filho
de Caio Prado Júnior, Caio Graco Prado (1931-1992), pro-
E. À situação e o desempenho da Vozes e de outras editoras religiosas, duziu uma transformação na política e na sorte da editora.
durante os governos militares, é tratado por Ralph della Cava e Paula Em 1981, foram lançados 415 títulos, num total de dois mi-
Monteiro, ...E o Verbo se Faz Imagem: Igreja Católica e os Meios de lhões de exemplares, e nos anos seguintes produzidos cerca
Comunicação no Brasil - 1962-1989, Petrópolis, Vozes, 1991. de quinze obras novas € trinta a quarenta reedições a cada
730 Na Época da “Abertura” Ay H Na Época da “Abertura” 731
, 42 mês. Um dos ingredientes desse sucesso foi a coleção Primei- valor do que “as oportunidades de mercado”. Como o pró-
prio Luiz disse à revista Veja, “percebi que livros como o
êxito na cena editorial brasileira nos últimos anos”:, Livrinhos de François Truffaut sobre Hitchcock, os poemas de E. E.
leves, nunca passando de 110 páginas, projetados para atrair Cummings e os de Brecht se esgotavam em um mês, € isso é
a geração mais jovem, ávida de conhecimento, mas que o de- suficiente para manter uma editora”, O nome que Schwar-
seja em bocados facilmente digeríveis — e baratos. Os primei- cz deu à casa que fundou foi inspirado no da organização
ros cem títulos venderam 1400000 exemplares nos primeiros comercial dos tempos coloniais, a Companhia das Índias, e
dois anos da coleção; o mais popular deles, O que é Ideologia, sua marca emprega os símbolos do viajante. Seu capital ini-
de Marilena Chauí, foi responsável pela venda de 120 mil có- cial foi us$150000, produto da venda de um apartamento
pias. Seguiu-sea criação de outra coleção semelhante, Tudo e de sua parte social na Cromocart, a gráfica da família.
é História, com sessenta títulos no final de 1982. O mesmo Mais tarde, obteria suporte financeiro do Unibanco. Foi
padrão se manteve nas coleções Primeiros Voos e Cantadas ajudado também pelo primeiro lançamento, Rumo à Es-
Literárias, como a publicação de Feliz Ano Velho (1982), tação Finlândia, de Edmund Wilson, que vendeu rro mil
sintoma da atenção que a editora dava ao mercado dos jo- exemplares. No começo dos anos de 1990, a Cromocart foi
vens, uma obra que venderia quatrocentos mil exemplares substituída pela empresa Caminho Editorial, da holding
em vinte e dois anos. Sua inspiração é a literatura beat de Brasil Warrant, dos Moreira Salles, que adquiriu 33% das
Jack Kerouac e Charles Bukowski. Feliz Ano Velho, a au- ações, ficando Schwarcz e sua mulher, Lilia, professora de
tobiografia de um paraplégico de 22 anos, Marcelo Rubens antropologia da usr, com os 67% restantes. A Companhia
Paiva, vítima de um acidente de mergulho, vendeu 120 mil das Letras destaca-se pela qualidade dos textos que esco-
exemplares nos dez primeiros meses. Deveria chamar-se Do lhe, pelo cuidado que dedica à tradução, pelo bom gosto
Lado de Cá dos Trilhos, mas Caio Graco sugeriu a subs-
de suas capas e pela atenção que empresta à apresentação

-
tituição do título, sem tomar consciência da existência de gráfica e artística. Talvez nada mais prove a maturidade do
outro livro com o mesmo nome, uma coletânea de contos mercado livreiro no Brasil do que o sucesso"de úima edito-
de outro Paiva, Luiz Paiva de Castro, publicada em 1968 ra dedicada exclusivamente a publicar livros de qualidade.
($179). Julgando ser a obra de Marcelo “o retrato mais vivo Entre tanta coisa boa que edita, acho difícil escolher-um
que já se escreveu sobre a forma de pensar da geração dele”, ponto alto. Pela temeridade talvez que demonstrou em in-
o dramaturgo Alcides Nogueira adaptou-a, depois de 34 vestir em obras tão volumosas, citarei os vários volumes de
reimpressões, e transformou-a num sucesso semelhante nos História da Vida Privada, o enorme Declínio e Queda do
palcos de São Paulo e, depois, do Rio. Outra das inovações Império Romano e, pela tiragem (quatrocentos mil exem-
de Caio Graco foi a criação, em 1977, do periódico de crítica plares), O Xangô de Baker Street, romance de Jô Soares.
de livros, Leia Livros ($180).
Em onze anos, a Companhia das Letras produziria seus
Um papel decisivo nessa transformação da Brasiliense primeiros mil títulos.
coube a Luiz Schwarcz (nascido em 1957), que ingressou Em dezembro de 1965, foi fundada no Rio a editora
na firma, em 1978, para um estágio prático, por sugestão de Nova Fronteira, pelo jornalista político Carlos Lacerda.
Eduardo Suplicy, então professor de administração da Fun- Seu apoio à “revolução” de r964 tivera um grande com-
dação Getúlio Vargas, onde Luiz estudava. Por gostar do ponente de ambição pessoal, mas quando percebeu que, na
trabalho, acabou permanecendo na empresa até tornar-se época, o Exército jamais permitiria que um civil assumis-
seu diretor. Em abril de 1986, saiu para fundar sua própria se a presidência da República, a atividade editorial foi-se
firma, a Companhia das Letras, hoje a esplêndida editora tornando cada vez mais seu interesse alternativo. É possível
voltada para leitores sofisticados, com base no raciocínio que a energia avassaladora que, em consequência, colocou
segundo o qual “a coerência da linha editorial” tem mais
3. Veja, p. 136, 22 out. 1986, Cf. também Sandra Carvalho, “A Qua-
2. “Cultura como Sorvete”, Veja, n. 782, PP. 108-110,31 ago. 1983.
lidade não é Ficção. É Lucro”, Exame, pp. 120-122, 28 set. 1994.
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nessa atuação tenha contribuído para desencadear a rápida politicamente, de Antonio Callado a Paulo Francis, Josué
doença que o levou à morte (21 de maio de 1977). Um de Montello e Murilo Mendes. Entre os primeiros grandes su-
seus últimos atos foi estabelecer um vínculo formal com a cessos, destaca-se o Novo Dicionário da Língua Portuguesa
Nova Aguilar. A Aguilar brasileira fora fundada, em 1958, (1975), de Aurélio Buarque de Holanda, com rs00 pági-
por um sobrinho do proprietário da editora homônima de nas, que, incluindo as versões completas e reduzidas (Mé-
Madri e publicava edições compactas, em encadernação de dio Dicionário Aurélio e Minidicionário Aurélio), vendeu,
luxo, de obras completas dos autores mais importantes, es- em dezenove anos, dez milhões de exemplares, sem contar
pecialmente portugueses e brasileiros. Em razão da crise de a versão informatizada, lançada em agosto de 1993. Esses
1973-1974, ela tivera de introduzir algumas reformas, daí a dicionários seriam acompanhados, em 1985, pela Nova
adoção do nome “Nova Aguilar”. Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha.
Com a morte de Carlos Lacerda, assumiram a empresa E todo amante do livro deve ser-lhe grato por ter editado A
seus filhos Sérgio e Sebastião, tendo o primeiro desistido de Construção do Livro (1986), de Emanuel Araújo, uma ver-
uma empresa de computadores para fazê-lo. Ainda no ano dadeira enciclopédia da arte de fazer livros. É importante
de 1977, publicaram 44 títulos; mas, já em 1980, sua pro- ainda o programa infantojuvenil. Entre 1965 e 1990,a Nova
dução havia subido para uma média mensal de oito títulos Fronteira publicou 1436 títulos e, desde então, edita cerca de
novos e sete reimpressões, chegando, até 1990, a um total de cem títulos por ano.
1426 títulos distribuídos entre 372 autores. À casa como que Acrescente-se que Pedro Paulo de Senna Madureira dei-
começava a monopolizar as páginas literárias dos jornais, e xou a Nova Fronteira em 1980, sendo substituído por Jiro
seus livros eram comprados “sem que os leitores olhassem o Takahashi (da Ática, que o chamou de volta, meses depois).
título”+. Grande parte disso atribuiu-se à atuação de Pedro Pedro Paulo trabalhou sucessivamente na Salamandra, Gua-
Paulo de Senna Madureira (1947-), assessor recrutado ainda nabara (onde publicou Marguerite Duras, Peter Harling,
por Carlos Lacerda. Foi durante sua passagem pela Nova John Irving, Simone Signoret e Botho Strauss), Rocco (em
Fronteira que a editora imprimiu nova dimensão à ideia de 1989), na Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo e,
best-seller, reeditando com sucesso as velhas traduções das logo, nas Edições Siciliano.
obras de Thomas Mann, publicadas originalmente pela Glo- No entanto, a maior editora brasileira do setor não di-
bo ($128),e introduzindo no mercado brasileiro Marguerite dático, na época da “abertura” e depois, era a Distribuidora
Yourcenar, cuja obra Memórias de Adriano, tradução de Record de Serviços de Imprensa, cujas origens remontam a
Martha Calderaro do original francês Memoires d'Hadrien 1942, embora tenha sido constituída, em sua forma atual,
(1951), foi publicada em 1980, ano da entrada da autora na em 1957, e vindo a publicar seu primeiro livro apenas em
Academia Francesa. Vendeu 150 mil exemplares e permane- 1962. Naquele tempo, o departamento gráfico fora vendido,
ceu por muito tempo no primeiro lugar entre os livros mais porém, os novos donos da Gráfica Record decidiram, de-
vendidos. Podemos citar ainda, entre os autores estrangei- pois, ingressar no ramo editorial, o que criou uma confusão
ros, Raymond Aron, Simone de Beauvoir, Hermann Broch, que perdurou até meados da década de 1970. O propósito
Luis Bunuel, Italo Calvino, Agatha Christie, Julio Cortá- original da Distribuidora Record' fora atuar como distribui-
zar, Einstein, T. S. Eliot, William Faulkner, Carlos Fuentes, dora, no Brasil, das histórias em quadrinhos publicadas na
Giinter Grass, Arthur Hailey, Milan Kundera, Doris Lessing, imprensa periódica: um dos dois sócios, Alfredo Machado
Robert Ludlum, Thomas Mann, Marcel Proust, Jean-Paul (1922-1991), que trabalhava no Suplemento Juvenil, de
Sartre, Jorge Semprún, Jean-Jacques Servan-Schreiber, Geor- Adolfo Aizen, as traduzia desde os treze anos de idade. O ou-
ges Simenon, Italo Svevo, John Updike, Mario Vargas Llosa tro sócio, Décio de Abreu, filho de um livreiro, convenceu-o
e Virginia Woolf, enquanto os romancistas brasileiros iam, a investirem os lucros no setor varejista de livros, área que

4. Marco Chiaretti, “Senna Madureira Fala sobre o Ofício do Editor”,


Folha de S.Paulo, p. G-7, 6 maio 1989. 5. Doravante, apenas Record, querendo dizer Distribuidora Record.
734 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 735

conhecia muito bem, conforme os textos que escreveus. As- nífica prensa Cameron, instalada desde 1985. Não se pode
sim, em 1970, a sociedade se desfez, tendo Décio ficado com esquecer o eficaz sistema de publicidade da editora. Tieta do
a cadeia de livrarias Casa do Livro”. Agreste (1977), de Jorge Amado, foi lançado com um orça-
A produção editorial da Record começou com livros in- mento publicitário de Cr$350 000,00, que previa inclusive
fantis e universitários, mas sua ênfase logo recaiu sobre a o uso de uma faixa rebocada por um avião sobre as praias
ficção, publicada inicialmente sob o selo editorial da Eldo- da zona sul do Rio”. Além disso, em setembro daquele ano, a
rado, sua subsidiária. Até os anos de 1970, essa ficção qua- firma vendeu exemplares desse e de mais 113 outros livros,
se se limitou a traduções de best-sellers norte-americanos, pela pechincha de Cr$5,00, a lojas de shoppings de Salvador
o primeiro dos quais foi Os Insaciáveis (1964), de Harold e São Paulo, para serem distribuídos gratuitamente aos fre-
Robins. Embora essa linha editorial continue importante — gueses que gastassem Cr$200,00 ou mais — um método de
Tubarão (Jaws), na tradução de A. B, Pinheiro de Lemos, propaganda que não foi bem recebido pelo setor livreiro'º!
vendeu cem mil exemplares* -, a crise de 1973-1974 ofe- Em 1980, 75% da produção da Record foram obras de fic-
receu a oportunidade de adquirir da Martins os direitos de ção, chegando à média de 2.5 edições por mês; em agosto de
diversos autores brasileiros importantes, notadamente 25 1983, atingiu vinte títulos novos e 27 reedições. Em 1989,
títulos de Jorge Amado e onze de Graciliano Ramos ($162). a Record ultrapassou a marca dos 2 500 títulos. Nove anos
Outros autores de outras editoras já haviam sido conquis- depois, editou no ano 270 livros (novos e reeditados), 54
tados, entre eles Fernando Sabino, antes editado pela José deles de autores nacionais.
Olympio. Sabino, com o prestígio de seus dezoito livros e À Civilização Brasileira manteve sua importância: um le-
a produção de quase uma obra por ano, tornou-se o autor vantamento da produção editorial brasileira, realizado pelo
mais vendido do Brasil depois de Jorge Amado. O Encontro Publisbers Weekly, em novembro de 1980, colocou-a em
Marcado (1956) continuava sendo sua obra mais vendida terceiro lugar, imediatamente após a Record e a Nova Fron-
(615 mil exemplares em 41 edições até 1985) e outras iam teira"". Em 1996, último ano de sua atuação independente,
se aproximando rapidamente dessa cifra: O Menino no Es- seu catálogo apresentava aproximadamente 650 títulos dis-
pelho (1982) vendeu duzentos mil exemplares em treze edi- poníveis. Em abril desse ano, a Civilização Brasileira e a Ber-
ções. Durante a presidência de Fernando Collor, conseguiria trand Brasil se fundiram, formando a BcD União de Editoras
um êxito enorme com Zélia, uma Paixão (1991), que vendeu s. A. Esta, por sua vez, teve seu controle acionário assumido
260 mil exemplares em dois anos após a sua publicação. To- pela Record em 1997; finalmente, desde 2000 a Civilização
davia, seu editor conseguiu êxito ainda maior com Passando integra o grupo Record, como um de seus selos editoriais.
a Limpo: A Trajetória de um Farsante, de Pedro Collor, sobre A Zahar Editores, fundada, em 1957, pelos irmãos Er-
as peripécias do irmão, livro que vendeu quinze mil exem- nesto e Jorge Zahar, livreiros desde 1940, atingiu, no início
plares apenas no dia de lançamento, 26 de abril de 1993. O de 1981, o milésimo título e publicava seis edições novas €
fato de Pedro ter terminado o manuscrito apenas dez dias seis reimpressões por mês, em sua maioria na Biblioteca de
antes indica a capacidade gráfica da Record, com sua mag- Ciências Sociais. Em 1973, no intuito de aumentar sua base
financeira, os irmãos associaram-se à Guanabara ($164) e,
6. “Algunas Observaciones sobre la Situación de las Librerías en el assim, ao grupo Delta, formando o que se tornaria, em dez
Brasil”, Fichero Bibliográfico Hispanoamericano, vol. 12. n. 12, p. anos, o maior grupo editorial acadêmico da América do Sul,
44,Set. 1973; À Expansão da Rede de Livrarias; e A Boa Livraria, Rio
de Janeiro, Casa do Livro [19682]; O Livro e a Indústria do Conheci-
mento, Rio de Janeiro, Centro de Bibliotecnia, 1968. 9. “Ano Político”, Veja, n. 487, p. 87,4 jan. 1978.
7. Algumas delas, como a de Brasília, foram vendidas, mas ainda con- 10. “Brinde Polêmico”, Veja, n. 483, p. 162, 7 dez. 1977.
servam o nome. 11. Herbert R. Lotman, “Brazil - A Long Way to Go”, Publishers
8. Para dar a devida perspectiva, devemos dizer que as vendas de Weekly, vol. 218,n. 21, p. 38, 21 nov. 1980. Outra contribuição do
Jaws nos EVA foram de nove milhões de exemplares nos primeiros mesmo autor, vários anos mais tarde, é “Brazil: Living on Hope”,
nove meses. Publishers Weekly, 25 nov, 1988.
emmaT——o—o—e
736 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 737

sem contar as multinacionais. No entanto, os irmãos senti- primeira edição deste livro, Thomaz de Aquino de Queiroz,
ram a perda de independência. Em 1973, Ernesto voltou a ex-diretor da Editora Nacional, que, em 1979, abriu sua
ser livreiro. Doze anos depois, Jorge (nascido em Campos, própria firma, a T. A. Queiroz Editora, de São Paulo. Essa
RJ, em 1920) formou, com a ajuda dos filhos Ana Cristina empresa primou pela criteriosa seleção dos títulos, pelo cui-
(1953-) e Jorge Zahar Júnior (r9s4-),a Jorge Zahar Editores dado com as traduções e pelo esmero na apresentação grá-
(mais conhecida pela sigla JzE), continuando sua preocupa- fica. Publicou mais de cem edições, várias das quais distin-
ção com livros sérios e de consulta para os leitores universi- guidas com prêmios Jaburi, da Câmara Brasileira do Livro.
tários e intelectuais. Em 2002, seu catálogo exibia quinhen- Infelizmente, as atividades da T. A. Queiroz encerraram-se

e
tos títulos. com a morte de seu dono, em janeiro de 2004.
Um tanto parecido em sua política editorial é a Huci- Fundada, no Rio, em 1968, mas importante apenas vá-
tec (Editora de Humanismo, Ciência e Tecnologia), de São rios anos depois é a Imago, de Jaime Salomão, psicanalista
Paulo, constituída, em 1971, por Flávio George Aderaldo'"*, de profissão, que começou com a publicação dos clássicos da
a quem Adalgisa Pereira da Silva se associou a partir de psicanálise. Atualmente, sob a direção de Eduardo Salomão,
1974. Começou com Evolução do Pensamento Científico, tem cerca de oitenta títulos disponíveis (de um total, no catá-
de Maurício Rocha e Silva, e Cem Textos de História An- logo, de 620), a metade acadêmicos, os outros destinados ao
tiga, de Jaime Pinsky, autores que acabaram fazendo parte mercado geral: por exemplo, As Brumas de Avalon, de Ma-
da editora. Dentre os títulos publicados depois destacam-se rion Zimmer Bradley, o best-seller no Brasil em 1987, e, dez
Elementos de Bibliologia, de Antônio Houaiss, e traduções anos depois, Memórias de uma Gueixa, de Arthur Golden.
de Coleridge, Montaigne, Rabelais, Rousseau e Laurence Outra empresa que surgiu em 1980 foi a Pallas, edito-

e
Sterne. Em 1986, teve a coragem de editar A Origem do ra de livros sobre “nossas origens étnicas e culturais” e de
Livro: Da Idade da Pedra ao Advento da Impressão Tipográ- obras infantojuvenis.

«a
fica no Ocidente, cuja autora, Úrsula Katzenstein, contesta Foi precisamente nessa época de abertura que a indús-)
a atribuição da introdução da tipografia na Europa a Johan- tria editorial mostrou sua maturidade com a divisão all
nes Gutenberg, imputando-a a seu encadernador, Mair Jaffe, funções entre o diretor da empresa editorial, o editor tra:
que tivera de fugir de toda publicidade por ser judeu. Uma
caraterística dessa editora é sua política de viver do sólido os americanos e ingleses, o verdadeiro editor) que cuida da |

———
fundo editorial de títulos (quatrocentos em 1994) com ven- escolha de manuscritos e de sua revisão e transformação em
das a longo prazo, em vez de viver de lançamentos frequen- textos prontos a serem lançados. Essa transformação, entre
tes de livros de interesse imediato. Flávio é dono ainda, des- as grandes editoras, começa a surgir nessa época e irá gene-
de 1986, da pequena Edições Mandacaru, especializada em ralizar-se nos anos de 1990. Já falamos de Pedro Paulo de
teia

literatura clássica. Senna Madureira. Foi a posição que ocupou Luiz Schwarcz
A Melhoramentos ($107) continuou e continua a ser uma na Brasiliense antes de criar sua própria Companhia das
vosis wA cida o

das editoras mais fortes no campo da literatura infantil (cem Letras. Outros que se destacaram neste cargo foram Cláu-
títulos novos por ano) e de obras de referência". Entre os no- dia Abeling (a sucessora de Schwarcz) na Brasiliense, Cé-
mes novos ainda não mencionados encontra-se o editor da sar Benjamin (sucessor de Pedro Paulo) na Nova Frontei-
obterem

ra, Clara Diament na Record, Aluísio Affonso na Ediouro,


Vivian Wainer na Rocco, Clarice Lima na Vozes e Tamás
12. Um indicativo da contribuição de Flávio Aderaldo, como edi-
Szmrecsányi na Hucitec desde 1974.
TO

tor, “para o desenvolvimento cultural do país” é sua inclusão como


tema do segundo volume da série Editando o Editor: Conceição A. O que evidencia também o crescimento
do mercado, nos
Cabrini e Maria do Carmo Guedes, Flávio Aderaldo, São Paulo, anos de 1970 e de r980, são talvez os, valores qué, desde
Com-Arte, 1992. então, eram pagos para a aquisição dos-direitos de edição da
13. Cf. Hernâni Donato, 100 Anos de Melhoramentos: 1890-1990, obra traduzida. The Almighty, de Irving Wallace, por exem-
São Paulo, Melhoramentos, 1990. plo, custou à Record um adiantamento de us$21 000 “e um
738 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 739

adicional praticamente garantido de us$11 000 a ser pago um exemplo do novo estilo de empresa latino-americana e
em parcelas”** - comparável ao adiantamento de us$3 5000 pioneira da “megalivraria” tipo norte-americano”.
pago pelas Ediciones Grijalbo pelos direitos em castelhano, O negócio de vendas em domicílio pelo crediário recupe-
ou aos Us$10000 pagos por Askild och Kânekill pelos direi- rou-se do desastre de 1973-1974 ($$152, 164), conseguin-
tos suecos, aos DM 100000 da Hestia pelos direitos alemães, do, em 1979, um total de vendas 59% superior ao de 1978;
ou às fros 000 pagas por Michael Joseph e Sphere pelos di- no começo dos anos de 1980, empresas como a Bloch e a
reitos para o Reino Unido. E dizer que, nos anos de 1960, as Delta continuaram com bom desempenho's.
editoras brasileiras costumavam pensar em termos de cerca Em 1968, foi promulgada uma lei que permite a outros
de us$500 pelos direitos de tradução de um romance ame- varejistas — principalmente as farmácias, que estão estabele-
ricano de sucesso! cidas em toda a parte, mas também supermercados e postos
de gasolina — venderem livros com as mesmas vantagens fis-
cais das livrarias; mas isso, até agora, produziu pouco efeito,
$197 LIVROS DE BOLSO pelo menos na época (cf. tabela 36, p. 907). Mais importan-
te foi o desenvolvimento dos shoppings, os quais atraíram
Uma inovação que chegou atrasada na luta para estimular muito comércio de todos os ramos, inclusive o do livro, dos
o consumo do produto “livro” foi a introdução, em 1983, tradicionais centros das grandes cidades. Somente nos anos
do checklivro pelo Banco Noroeste, cerca de cinquenta de r990 é que as editoras, e sobretudo a Saraiva e a Siciliano,
anos após a chegada do book token no comércio livreiro da começariam realmente a desenvolver as possibilidades des-
Grã-Bretanha, No entanto, o maior problema continuava ses novos meios de comercialização.
sendo a distribuição. O número de boas livrarias (cerca de Se a experiência de outros países pode valer para o Bra-
trezentas) era pouco maior do que o de editores em atividade sil, podemos atribuir o desinteresse das farmácias é super-
(250)! Ainda não se extinguiu a tradição do livreiro-editor, mercados etc. pela venda de livros à inexistência no país de
embora as empresas venham abandonando gradualmente um bom equivalente ao paperback anglo-americano. Apesar
seus departamentos de venda a varejo para concentrar-se da conotação literal do termo inglês (que significa livro de
no trabalho editorial. Algumas firmas, porém, enfrentaram capa de papel, brochura, em oposição ao encadernado), o
o problema com a associação a cadeias de livrarias, como a paperback, ou livro de bolso, não é um produto, mas um
Zahar, por exemplo. conceito de marketing. Qualquer pessoa sabe que grandes
A ampla experiência como varejistas deu aos irmãos Si- tiragens reduzem os custos unitários. Todavia, como já assi-
ciliano (Vicente e Oswaldo) um conhecimento incomparável nalei ($175), todo produto que existe há muito tempo acaba
dos interesses e necessidades do leitor-comprador. Começa- por adquirir seu próprio nível de preço no varejo, aceito de
ram modestamente com livros infantis e edições de luxo. De- modo geral. Simplesmente transferir para o consumidor as
pois de alcançar algum sucesso, recrutaram, em 1990, Pedro economias de escala de uma tiragem maior, sob a forma de
Paulo de Senna Madureira para cuidar da sua entrada maci- redução de preço, não geraria maiores vendas, mas suspeitas
ça no trade market geral. Não cessou, porém, o crescimento sobre a qualidade e, portanto, vendas menores. Para aumen-
da cadeia de livrarias. No fim do século, sob a presidência de tar o mercado de um produto mediante a redução do preço
Vicente Siciliano Júnior, eram donos de 85 livrarias. no varejo, geralmente é necessário primeiro transformá-lo
É interessante destacar o contraste com o principal
concorrente da Siciliano, a Saraiva, que, começando como
15. Jan Katz et al.,“The New Latin Corporation: These Savvy Com-
editora ($106), desenvolveu uma cadeia de livrarias seme-
panies Are Moving Beyond National Borders”, Business Week, pp.
lhante, elogiada pela revista americana Business Week como 71-82, 27 OUt. 1997.
r6. Cf. o otimista artigo de Mara Caballero, “Livros em Banca de Jor-
mm

14. Paul S. Nathan, “Big Numbers”, Publishers Weekly, vol. 222, n. nal: À Mágica de Multiplicar Leitores a Cada Dia”, Jornal do Brasil,
21,P.38, 11 nov. 1982. p. 2, 29 set. 1983 (Caderno B).
740 Na Época da “Abertura” Na Epoca da “Abertura” 741
de forma tão drástica que o comprador o veja como um ar- e a preço completamente diferente. Os Penguins originais de
tigo diferente; e o modo mais simples de consegui-lo é fazer Allen Lane, de 1935, na Inglaterra, eram vendidos por meio
com que pareça obviamente “inferior”. Foi assim que Henry da cadeia de bazares da F. W. Woolworth Company a seis
Ford, no caso do automóvel, até então apenas um brinquedo pence: doze vezes menos que os seis shillings que naquela
de gente rica, reduziu seu preço enormemente por meio da época se cobravam por um romance encadernado.
produção em série. O segredo de seu sucesso, porém, está No Brasil, foram feitas várias tentativas de produzir um
no marketing. Dando ao seu Modelo T uma aparência cla- livro de formato mais barato. Já falamos da Coleção Globo,
ramente “barata e de qualidade inferior”, conseguiu que o no início dos anos de 1930 ($130). Nela, foram lançados
povo americano o aceitasse como algo despretensioso, sob vinte e quatro títulos, de Púchkin e Robert Louis Steven-
medida para as necessidades do homem comum. Os primei- son a Edgar Wallace, no formato 11 x 16 cm, cartonados,
ros impressores, depois de passarem cerca de cinquenta anos vendidos por apenas 3$s00, quando um romance novo cus-
produzindo refinadas imitações dos manuscritos in-fólio tava normalmente 68000. Não conseguiu vender bem, po-
destinados ao clero, viram que o mercado estava saturado é rém. Alguns anos mais tarde, a Globo voltou a tentar com
voltaram-se, então, para obras que poderiam levar os leigos A Novela, em que cada número constava de um pequeno
a se tornarem consumidores de livros, cuidando de produ- romance mais um ou dois contos, em formato de revista,
zir algo marcadamente diferente no tamanho e na elabo- vendido por apenas 2$000. Essa série sucumbiu às dificul-
ração. À “revolução do paperback” é da mesma natureza. dades com o suprimento de papel no tempo da guerra. Em
Feitas todas as concessões em favor do papel mais barato, 1942, Henrique Bertaso deu início à Coleção Tucano: ficção
das margens reduzidas, do tipo menor, do acabamento sem da qualidade de Gide e Thomas Mann, em pequeno forma-
costura (perfect bound ou de lombo raspado) e assim por to, vendida a 88000, quando os romances normais estavam
diante, a economia dos custos de produção com relação a custando 158000 ou 208000. Essa também fracassou, mas
um livro tradicional com a mesma tiragem é da ordem de a Globo retomou a ideia no início da década de T960 com
10%. Surpreendentemente, o simples fato de adotar a capa sua Coleção Catavento, moderadamente bem-sucedida; em
mole quase não faz diferença. Onde é usual a “encaderna- 1980, alguns títulos ainda se encontravam à venda ao pre-
ção” (realmente cartonação em capa dura) de livros “nor- ço de Cr$90,00, cerca da metade do que se pagava por um
mais”, como na América do Norte e no norte da Europa, o romance normal,
comércio livreiro está adaptado a esse formato e, assim, ela Após a morte de Joaquim Inácio da Fonseca Saraiva, em
é relativamente barata e sua eliminação não gera qualquer 1944, sua firma lançou, em sua memória, a Coleção Saraiva
economia de monta. Nos países latinos, onde a brochura de clássicos brasileiros. Os volumes eram distribuídos men-
é usual para todos os livros, exceto para grandes obras de salmente aos sócios de um clube do livro, o que possibilitava
referência, a publicação de livro de pequeno formato corres- edições de cinquenta mil exemplares.
pondente, o livro de bolso (o livre de poche francês), resul- Em 1960, era grande o interesse das editoras brasilei-
ta apenas nos mesmos 10% de economia. (Outro possível ras pelas possibilidades do livro de bolso, de modo que um
ponto de economia é o pagamento dos direitos. Além do número inteiro do Boletim Bibliográfico Brasileiro foi dedi-
uso de textos de domínio público, constitui prática frequen- cado a esse formato. Nele, eram fornecidos os detalhes de
te convencer os autores a aceitarem taxas mais baixas de um projeto que estava sendo idealizado por um consórcio
direitos por exemplar — muitas vezes apenas s% — sob o formado por Civilização Brasileira, José Olympio, Nacional,
argumento de que as vendas totais serão muito maiores do Martins e Itatiaia, para lançar reimpressões em edições de
que no formato tradicional e de que os direitos serão maio- pequeno formato, na tiragem de cinquenta mil exemplares.
res do que os rendimentos “normais” do autor com a edição À distribuição seria feita em bancas de jornal e em quiosques
de capa dura.) No entanto, o que importa é que o resultado, de aeroportos. Contudo, segundo o BBB, surgiram dois pro-
do ponto de vista do comprador, é um artigo completamente blemas: as bancas de jornal iriam querer condições de reven-
diferente do livro tradicional, vendido em lugares diferentes da iguais às oferecidas pelas editoras de revista (45% a 50%
742 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 743

de desconto e devolução dos exemplares não vendidos), que moderna), Obras Clássicas de história, filosofia e literatura,
eram muito mais generosas do que as condições habituais e uma coleção de Clássicos para a Infância e Juventude. To-
no comércio livreiro. E, em muitas cidades, os livreiros ha- dos os títulos são reimpressões, com o simples propósito de
viam conseguido leis municipais que lhes asseguravam o expandir o mercado para os bons livros já disponíveis em
monopólio da venda de livros a varejo. Por essas e outras edições normais. Muitos títulos já tinham caído no domínio
razões (por exemplo, o súbito aumento da taxa de inflação público; quando não, a política relativa a direitos autorais
em 1961-1964), 0 projeto parece ter nascido morto. tem sido a de um pagamento fixo, outright, quer por um
Em nível bastante diferente, constituiu-se, em 1963, período de tempo combinado, quer pela compra definitiva
a Editora Monterrey, com o propósito de produzir ficção dos direitos para livros de bolso em português — alegada-
ligeira popular, em formato econômico de livro de bolso, mente para simplificar os processos contábeis da empresa.
para distribuição em bancas de jornal; seu sucesso foi con- A distribuição era feira de várias maneiras: pelas livrarias
siderável. Em 1970, foram lançados 39 títulos ao preço bai- (que, infelizmente, jamais demonstraram entusiasmo por
xíssimo de Cr$r1,50 por 125 páginas, quando o livro normal qualquer tipo de publicação barata), pela rede de vinte e
custava em torno de Cr$r0,00. cinco lojas mantida pela própria empresa, em catorze das
O empreendimento mais duradouro no campo do livro maiores cidades do Brasil (lojas exclusivas das Edições de
de bolso de qualidade foi, sem dúvida, o da Tecnoprint Grá- Ouro), pelas bancas de jornal e pelo reembolso postal, Com
fica. Essa firma foi constituída por um médico gaúcho, Jorge base na experiência, as tiragens foram limitadas a dez mil
Gertum Carneiro, seu irmão engenheiro, Antônio, e Frede- exemplares, o que significa um preço no varejo equivalente a
rico Mannheimer, um refugiado da Alemanha. Seu primeiro cerca de um terço daquele do livro normal. Para contornar o
lançamento foi um livro de bolso, em 1939, Fala e Escreve problema dos constantes reajustes de preço numa economia
Corretamente tua Língua, de Luiz A. P, Victoria. Em 1940, inflacionária, os livros foram agrupados em oito categorias,
constituíram a Publicações Pan-Americanas, voltada para de acordo com sua espessura (Selo de ouro, Estrela de ouro,
a importação de livros. Logo, porém, a Segunda Guerra Leão de ouro etc.), que são, na verdade, símbolos dos preços.
Mundial gerou dificuldades para essa atividade, levando-os Na década de 1990, a empresa tinha 3 00 títulos disponí-
a tentar a edição de livros normais de medicina e engenha- veis e era proprietária de vinte livrarias. Mais tarde, seria
ria, o que teve um resultado financeiramente desastroso. Em introduzido o selo Prestígio Editorial, responsável, no ano
seguida, entraram no campo da edição de revistas, no qual 2002, por uma edição centenária de Os Sertões.
foram um pouco mais bem-sucedidos, mas a experiência Em meados dos anos de 1960, apareceu a Coleção Bu-
lhes trouxe algum proveito mais tarde, quando canalizaram riti, da Dominus Editora (Desa), fundada por Thomaz de
parte de suas vendas a varejo para as bancas de jornal. No Aquino de Queiroz, Leandro Meloni, Rubens de Barros
final da década de rgso, fizeram uma experiência com publi- Lima e Ênio Silveira, cuja programação básica objetivava o
cações eróticas, em suas Edições Segredo (por exemplo, Meu lançamento de literatura católica. No entanto, logo passou
Destino é Pecar, de Suzanna Flag, pseudônimo de Nelson a atuar também nas áreas de filosofia, sociologia, economia
Rodrigues). Finalmente, decidiram concentrar-se no campo e política; chegou a publicar com sucesso mais de duzentos
quase virgem no Brasil dos livros de bolso, com a marca títulos em formato de bolso, entre os quais Iniciação ao Ci-
Edições de Ouro, começando com uma coleção tipo “apren- nema (J. C. Ismael), Introdução ao Teatro (Sábato Magaldi),
da sozinho”, denominada Sem Mestre. Acrescentaram-lhe Que é Filosofia (Luiz Washington Vita), Revoluções do Bra-
Coquetel de Palavras Cruzadas, de material extraído das re- sil Contemporâneo (Edgard Carone), Que é Cooperativismo
vistas que haviam fracassado, e alguma ficção ligeira. Essa (Diva Benevides), todos textos originais encomendados a
linha foi abandonada logo a seguir, porém, quando decidi- autores exclusivamente brasileiros, e muitos coeditados com
-—

ram concentrar-se na qualidade. Há muitos anos, as Edi- a Edusp. Paradoxalmente, o próprio sucesso da nova editora
ções de Ouro constituem-se de livros práticos e manuais de (que chegou a publicar cerca de setenta títulos) e da Buriti
autoeducação, ficção de boa qualidade (tanto clássica como acarretou a suspensão de suas atividades: seu crescimento,
744 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 745

e a crescente exigência de maior dedicação, levou seus prin- brasileiro, o Círculo do Livro, cuja propriedade se dividia
cipais diretores, Queiroz e Meloni, que ocupavam cargos de entre a Abril e a sólida e firmemente bem-sucedida firma
responsabilidade na Editora Nacional e na Cultrix/Pensa- alema Bertelsmann A. G. na proporção de 51% — 49%. À
mento, respectivamente, a optarem por sua desativação em Edibolso iniciou com apenas catorze títulos, mas, no final
benefício destas últimas. de 1977 (ano em que a Bertelsmann adquiriu a Bantam
No final da década de 1960, a José Olympio lançou a Books), já havia lançado no mercado quase uma centena
coleção Sagarana, constituída de reimpressões em pequeno deles, num conjunto que abrangia Isaac Asimov, Machado
formato, a baixo preço ($149), que, em fevereiro de 1982, de Assis, Peter Benchley (Tubarão), William Peter Blatty (O
eram vendidas a Cr$200,00. Mais ou menos ao mesmo tem- Exorcista), Agatha Christie, As Melhores Receitas de “Cláu-
po, a Brasiliense lançou sua Brasiliense de Bolso e, em 1970, dia”, Walt Disney, Millôr Fernandes, Frederick Forsyth,
a Bruguera, subsidiária brasileira da Francisco Bruguera, Giuseppe Tomasi, príncipe de Lampedusa (O Leopardo), D.
de Buenos Aires, publicou uma coleção de livros de bolso de H. Lawrence, Raymond A. Moody (Vida Depois da Vida),
ficção brasileira e estrangeira, a maioria já em domínio pú- George Orwell, John Steinbeck, Lygia Fagundes Telles, Érico
blico (Artur Azevedo, Balzac, Dostoiévski, Tolstói, Wilde), Veríssimo e os irmãos Villas-Boas. No entanto, apesar de
anunciando um novo título a cada quinze dias. Outra expe- toda essa experiência e apoio financeiro, os resultados foram
riência foi a da Artenova. Era uma editora nova, constituída decepcionantes: no início de 1978, as vendas giravam em
no Rio de Janeiro, em 1970, que editava inter alia ficção es- torno de cem mil exemplares por mês. Ou seja, com pouco
trangeira (Heinrich Bôll, Anthony Burgess, Nikos Kazantza- menos de 6% dos títulos de livros de bolso brasileiros,a Edi-
kis, Arthur Miller, Iris Murdoch, Vladimir Nabokov, J. R. R. bolso havia absorvido apenas 6,8% do mercado. Isso pode
Tolkien, Irving Wallace), meditação transcendental, Charlie explicar o afastamento da Difel, cujas ações foram compra-
Brown, Milton Friedman e uma grande gama de histórias das pela Fiat, de Turim, que na época estava diversificando
policiais e eróticas. Em 1971, a Artenova tinha s7 títulos suas atividades. Mais recentemente, a Edibolso combinou-se
novos, 97 em 1972 e, embora tenha diminuído para cerca com a Tecnoprint Gráfica, que adotou o nome mais curto.
de trinta, em 1981, a editora já tinha formado um catálogo Há muito se discutem as razões para a implantação incri-
de mais de quinhentos títulos. Sua coleção de livros de bolso velmente lenta do livro de bolso no Brasil. Muitas das razões
era constituída por best-sellers internacionais e foi lançada aventadas em antigas discussões sobre o problema (falta de
em 1973, mas parece não ter sido muito bem-sucedida e não equipamento gráfico moderno, especialmente para acaba-
durou muito tempo. mento automático, a inexistência de um canal de comercia-
Em 1971,a marca registrada do endiabrado Saci-Pererê lização próprio, capas pouco atraentes) já não se aplicam.
anunciava a Editora Edibolso, aparentemente com a melhor Ainda não se aceita de modo geral a redução dos direitos,
chance de tornar a fórmula do livro de bolso um sucesso embora isso seja, certamente, apenas uma questão de tem-
no Brasil, À maior acionista, a Editora Abril (com 61% das po. Todavia, mesmo que tenham sido superadas, as antigas
ações), a mais importante editora de revistas do Brasil, pos- dificuldades já desempenharam seu papel na fixação do nível
suía um acesso sem igual ao canal de distribuição em bancas de preço habitual do livro de bolso em aproximadamente
de jornal e total domínio dessa forma de marketing. A es- um terço do preço do livro tradicional, o que provavelmen-
pecialização em livros de bolso foi a contribuição da maior te é muito elevado para uma adequada diferenciação entre
editora mundial de paperbacks, a Bantam Books americana, produtos. Infelizmente, como já expusemos ($175), uma vez
com uma participação acionária de 11%. A Difel (com 8%) estabelecido determinado padrão de preço, é muito difícil
iria contribuir com sua longa experiência no mercado brasi- desviar-se dele. E, enquanto permanece em nível de conjec-
leiro de ciências sociais e de não ficção em geral. A Record, tura a possibilidade de vendas maiores a preços mais baixos,
principal editora do país no setor não didático (e fonte da a necessidade de tiragens bem maiores do que a média de dez
maioria dos títulos da Edibolso), possuía 6%, e os restan- mil exemplares, para tornar viável qualquer livro de bolso
tes 14% do capital provieram do principal clube do livro mais barato, é uma certeza que, até agora, tem desencoraja-
746 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 747

do qualquer esforço nesse sentido. Contudo, talvez o pró- hispano-americanas do material de Disney, diretamente de
prio conceito de produto mais barato descartável ainda seja Hollywood. Seguiram-se Capricho (revista feminina) em
estranho ao consumidor brasileiro, extremamente conserva- 1960, Cláudia (revista feminina para um mercado mais
dor, sobretudo numa área de prestígio como a da “cultura”. refinado) em 1961 e Transporte Moderno, a primeira das
Citando Senna Madureira (Jornal do Brasil, 9 de junho de muitas revistas técnicas da Abril, em 1963. Em meados da
1977), “a maioria dos leitores quer um livro bonito, c o livro década de 1970, a Abril publicava nada menos que oitenta
de bolso, em princípio, é feio [...]”. Um consumidor relativa- periódicos (entre os quais dezessete revistas para mulheres
mente isento dessa atitude é o jovem, o que explica o êxito e dezenove para crianças). As mais conhecidas eram, prova-
de livrinhos baratos de iniciação, como os Primeiros Passos velmente, a revista semanal de notícias Veja, o Almanaque
da Brasiliense ($$119, 196), ou a coleção Divulgação Cul- Abrile o Guia Quatro Rodas. Em 1981,a empresa afirmava
tural de Jorge Zahar, embora estes não sejam livros de bolso deter 40% do mercado de exportação de revistas brasileiras.
stricto sensu, por não terem regime de direitos autorais, nem Seu primeiro empreendimento no mercado de livros
canais de marketing fora dos tradicionais. aconteceu em 1965, com uma edição ilustrada da Bíblia
Sagrada, em fascículos quinzenais, A Bíblia mais Bela do
Mundo. Utilizando a rede de bancas de jornal que tinha à
$r98 A EDITORA ABRIL disposição — um total de dezoito mil em todo o país =, as
vendas atingiram a soma de 150 mil exemplares por fasci-
Parece-me claro que essa atitude do consumidor brasileiro culo. Seguiram-se outras obras de interesse geral: o Peque-
médio foi responsável, em grande parte, pelo enorme êxito no Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Ilustrado,
de outro tipo de livro vendido em bancas de jornal: a edi- o Livro da Vida e a Enciclopédia Abril. Aos poucos foram
ção em fascículos, que o comprador adquire na crença (ou sendo introduzidos assuntos um pouco mais especializados:
esperança?) de que, ao completar o conjunto e mandar en- Enciclopédia da Mulher, Boa Ideia: Artesanato em Casa,
caderná-lo, constitua um realce permanente em seu ambien- Enciclopédia do Automóvel, Ciência Ilustrada, Os Pensado-
te doméstico. E, nesse assunto, o grande nome é a Editora res, Gênios da Pintura, A literatura esteve representada por
Abril, chamada por um observador “o símbolo da indústria Os Imortais, Clássicos Modernos e Teatro Vivo. As crianças
do livro nos anos de 1970”. foram atendidas com Os Bichos, Clássicos da Literatura Ju-
Embora, neste penúltimo capítulo, eu tenha me afasta- venil, A Grande Aventura do Homem, Histórias da Bíblia
do do plano de escrever cada parte desta história centrada etc. À maioria das coleções foi projetada para ser vendida
numa personalidade-chave, se me tivesse mantido fiel ao num período de cerca de dois anos, comumente em cinquen-
projeto inicial, a escolha para este capítulo sobre a época ta fascículos quinzenais, ou cerca de cem fascículos sema-
da chamada “abertura”, ou seja, da transição da ditadura nais. Embora grande parte do material tenha sido traduzi-
militar para a nova república, quase certamente teria sido do — quase sempre de editoras da Europa, sendo Fabbri, da
Victor Civita. Nascido em Nova York, em 1907, filho de Itália, a maior fonte -, o conteúdo brasileiro foi aumentando
italianos, mas criado em Milão (e há muito tempo natura- gradativamente e, em 1969,a Abril começou a exportar suas
lizado brasileiro), trabalhou para a Time Life Inc., antes de próprias criações originais. À tradução espanhola de Mãos
emigrar para São Paulo, em 1949, e constituir, em julho do Maravilhosas: Enciclopédia Semanal de Trabalhos Manuais
ano seguinte, em sociedade com seu amigo Giordano Rossi, Femininos, com o título de Manos Maravillosas, vendeu 32
a Editora Abril, com o propósito de publicar revistas. Co- milhões de exemplares, sendo oito milhões na Argentina,
meçou com uma revistinha de história em quadrinhos para sete milhões na Espanha e cinco milhões no México. E a En-
crianças, O Pato Donald, de Walt Disney. É interessante ciclopedia de la Vida teve dez milhões de exemplares vendi-
observar que ele trabalhou sobre as versões da subsidiária dos, dos quais quatro milhões no México.
italiana da organização de Disney (por ser mais condizente À expansão no tocante aos temas foi também impres-
com o gosto brasileiro) e não, como a maioria das traduções sionante. Em 1974, até mesmo os fascículos sobre filosofia
748 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 749

(Os Pensadores) vendiam cem mil exemplares por semana. embora Thomas Maugham a atribua a “falta de pesquisa
Em setembro de 1982, a Abril lançou Os Economistas: cin- de mercado, concorrência, erro de avaliação editorial e fal-
quenta autores, entre eles Quesnay, Adam Smith, Ricardo, ta de edições-piloto””7. Com exceção desses dois anos, po-
Marx, Marshall, Furtado, vinte dos quais nunca haviam sido rém, a venda de fascículos foi sempre maior do que a dos
publicados em português. livros de bolso. E com tiragens oscilando (em 1978) entre
Para uma série de Estorinhas de Walt Disney, destinada cinquenta mil e quinhentos mil exemplares, com a média de
às crianças menores, decidiu-se incluir um disco em cada 320 mil — trinta vezes mais do que as de livros de bolso -,
fascículo. Essa ideia foi estendida às coleções sobre música, evidentemente atingia muito mais leitores.
como Música Popular Brasileira (sessenta fascículos), Gran- No entanto, não é verdadeiro falar do negócio de fas-
des Compositores da Música Universal (48 fascículos) e cículos apenas em termos da Abril. Em fins de 1979, por
Grandes Óperas (24 fascículos), todos vendidos com um dis- exemplo, havia vinte novas coleções de fascículos no merca-
co LP que acompanhava cada fascículo. Em maio de 1972,a do: doze da Abril, quatro da Salvar, duas da Editora Três e
ideia foi levada um pouco mais adiante com Os Cientistas, duas da Rio Gráfica. Sete anos mais tarde, segundo a Folha
fruto da colaboração entre a Abril e a Funbec (Fundação de S.Paulo (xº de junho de 1986), 39 “principais coleções”
Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino da Ciência). enchiam as bancas de São Paulo: vinte da Nova Cultural,
Cada fascículo quinzenal era dedicado a uma figura proe- seis da Rio Gráfica, cinco da Salvat, três da Editora Três e
minente da história da ciência e era vendido acompanhado uma das Indústrias Gráficas do “Jornal do Brasil”. A Rio
de um kit com o qual leitor podia repetir os experimentos- Gráfica era a subsidiária do poderoso grupo O Globo de-
-chave. Aqueles que compraram todo o conjunto dos cin- dicada à edição de revistas. Esse grupo tomou o nome do
quenta fascículos adquiriram, com isso, um laboratório do- jornal diário mais vendido do Rio de Janeiro e inclui a Rede
méstico completo de oitocentos itens. As vendas iniciaram-se Globo, a mais importante rede comercial de televisão fora
no nível de 280 mil exemplares e, no curso dos dois anos, dos EUA. Não tinha vínculo com a Globo de Porto Alegre
Os Cientistas teve um êxito adicional na feira de livros de (tratada no capítulo 15) até setembro de 1986, quando a
Frankfurt: despertou grande interesse, tendo sido vendidos família Bertaso vendeu a tradicional editora gaúcha à sua
os direitos de tradução para o inglês, o espanhol e o turco, fortuita homônima carioca. Como a Rio Gráfica era dirigi-
verificando-se no México e na Venezuela as maiores vendas da por um ex-funcionário da Abril, Ângelo Rossi, não é de
da edição em língua espanhola. estranhar seu ingresso no campo da edição de fascículos!
Os fascículos de coleções sem o complemento de discos Como tampouco surpreendeu o amplo uso que fez da publi-
ou kits eram vendidos pelo mesmo preço de uma revista po- cidade pela televisão. A Editora Três, de Domingo Alzugaray
pular. Em fevereiro de 1982, Vida na Terra, da Rio Gráfica, e Neide S. Lima, responsável pela antiga revista Senhor, lan-
custava Cr$r50,00 por fascículo, e Fale Inglês, uma copro- çou títulos como Retrato do Brasil, 43 fascículos semanais
dução da Abril com a Longman (do Reino Unido), e interes- que retratavam os vinte anos do regime militar.
sante pelo adequado equilíbrio que apresenta entre o inglês No final dos anos de 1980, o selo Rio Gráfica foi subs-
americano e o europeu, custava Cr$300,00. tituído pelo Globo e quase simultaneamente a Editora Re-
Como se observa na tabela 36 (p. 907), as vendas na cord entrou no mercado das bancas com as coleções Agatha
época oscilaram consideravelmente. Embora a receptivida- Christie, Jorge Amado, Biblioteca Moderna e Best of the
de inicial do público a essa nova forma de comercialização Best (em oposição à Best Quality, da Globo, e à Best Books,
tenha gerado a venda de sessenta milhões de exemplares em da Nova Cultural).
1968, esse total só voltou a ser alcançado em r980. À queda
espetacular no período 197$-1977 parece ter sido causada,
em grande parte, pela deliberação da Abril de restringir a
produção de modo a liberar a capacidade gráfica (ou espa- 17. [Thomas jJ. Maugham]), Directory of Publishing and Bookselling
ço nas bancas?) para o novo empreendimento da Edibolso, in Brazil, Rio de Janeiro, British Council, 1980, p. 106.
750 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 751

$199 OUTROS MÉTODOS NOVOS DE DISTRIBUIÇÃO Saiu do Frio, de John LeCarré, além de alguns best-sellers
de gerações passadas: não apenas Rebeca « Como Era Verde
A publicação de coleções em fascículos exige, no início, um Meu Vale, mas também clássicos do século x1x, de Flaubert,
investimento substancial (da ordem de us$7 50000), mas isso Turguêniev e as Brontês, e mesmo algumas obras bem mais
é compensado pela possibilidade de “reciclar” o material: os antigas, como o Satiricon, de Petrônio. A Abril Cultural (o
fascículos não vendidos são encadernados em volumes para setor da família Abril responsável, entre 1968 e 1982, pela
venda domiciliar pelo crediário ou por intermédio de um clu- venda de livros nas bancas de jornal) conseguiu êxito tam-
be do livro. Por sua vez, tanto a Abril como a Rio Gráfica bém com obras não ficcionais. À nova tradução de O Capital,
demonstraram interesse em utilizar as bancas de jornal para de Marx, lançada em setembro de 1983, vendeu sessenta mil
a distribuição de outros tipos de livros, e a Record seguiu-lhe exemplares no primeiro mês, o que se pode comparar com
o exemplo, a ponto de 5,2% de suas vendas dessa época se- a tradução publicada pela Civilização Brasileira, em 1968,
rem feitas em bancas de jornal e supermercados"*. Em r98o, distribuída às livrarias, que vendeu 28 mil exemplares em
a Rio Gráfica começou a coeditar, com a Record, uma série seis edições, ao longo de treze anos! Se somarmos as 25 mil
de livretes de trinta páginas sobre assuntos populares: um cópias da reedição da Difel (que, em 1981, comprou os direi-
deles, sobre emagrecimento, publicado em outubro de 1980, tos da versão da Civilização Brasileira) e os 26 mil exempla-
vendeu cinquenta mil exemplares numa quinzena, ao preço res vendidos pela versão abreviada de 1967, da Zahar, ainda
de Cr$80,00. Doze anos antes, a Abril tinha iniciado uma assim chegamos apenas a 79 mil exemplares vendidos em
coleção de reedições de clássicos, bem impressos em papel livrarias em catorze anos. Segundo disse o diretor da Abril
excelente, mas em encadernação de gosto duvidoso, pre- Cultural, Roberto Silveira, à revista Veja, de 15 de outubro
tendendo imitar couro gravado a ouro. O primeiro volume de 1980, a distribuição de livros pelas bancas de jornal ia tão
da coleção, Os Irmãos Karamázov, de Dostoiévski, vendeu bem que mais tarde seriam incluídos até autores brasileiros.
230 mil exemplares, e, no primeiro ano, foi publicado um Essa observação foi sugerida pelos resultados de uma
título novo por semana. O preço, em fevereiro de 1982, era pesquisa de mercado da Abril, que precedeu o lançamento
de Cr$375,00 por volume. No segundo semestre de 1980, do projeto Grandes Sucessos, na qual ficou evidente uma
iniciou sua coleção Grandes Sucessos, com a publicação de violenta reação a qualquer autor estudado na escola. Quan-
best-sellers de todos os tempos, na apresentação normal de to tempo ainda vai demorar até que os pedagogos admi-
livro e por apenas Cr$95,00. O primeiro título, O Dia do tam que a educação, para qualquer criança normal, é um
Chacal, de Forsyth, foi testado primeiramente no Norte e no processo indesejável e desagradável, em que, ao que tudo
Nordeste, onde vendeu quarenta mil exemplares. Foi lança- indica, a simples defesa de qualquer atividade se mostra
do, mais tarde, no eixo Rio-São Paulo, onde foram vendidas contraproducente? Enquanto isso não acontece, continua-
150 mil cópias (somente no Rio, existem três mil bancas de rão a perpetuar a antipatia dos ingleses em relação a Milton
jornal), a que se seguiram perto de sessenta mil vendas em Mi- e a Shakespeare, o fracasso dos cubanos em ler Marx e a
nas e no Sul do Brasil. Um sucesso análogo com o segundo repugnância dos brasileiros por José Alencar. No entanto,
título, O Colecionador, de John Fowles, incentivou os planos os entrevistadores da Abril descobriram que a maioria dos
para a publicação de um título por semana, com uma tiragem brasileiros deixa de comprar livros para leitura de lazer por-
média de cem mil exemplares. (A tiragem média de livros que simplesmente não sabem que outra coisa ler além dos
normais para títulos de ficção era de cinco mil exemplares autores conhecidos e detestados do tempo de escola. E, natu-
e, para livros de bolso, como já vimos, mal chegava a dez ralmente, as livrarias não os atraem, porque as pessoas que
mil.) Entre outros lançamentos da coleção Grandes Sucessos não têm familiaridade com livros e autores não vêem sentido
podemos citar Papillon, de Henri Charritre, e O Espião que em entrar nessas lojas. E aqui se encontra, talvez, o proble-
ma fundamental da indústria do livro em todo o mundo.
18. Mara Caballero, art. cit. Observemos que, segundo a Fundação Os livros vendem-se bem no seio de pequenas elites que se
João Pinheiro, em 1996 venderam-se 99 485 livros em bancas de jornal. mantêm em estreito contato social e intelectual e entre cujos
752 Na Epoca da “Abertura” Na Época da “Abertura” 753

membros as novidades e as discussões sobre os literatos e os O CÍRCULO DO LIVRO $200


acontecimentos literários são lugar-comum e circulam rapi-
damente: a bourgeoisie judia de Nova York, a intelligentsia Os clubes do livro já não eram novidade no Brasil quan-
parisiense, ou uma certa faixa da população da zona sul do do se constituiu o Círculo do Livro, em março de 1973
Rio de Janeiro. Onde a quantidade (de leitores e autores) ($r55), mas o impacto dos primeiros foi comparativamen-
é suficientemente pequena e não existem grandes divisões te minúsculo, como mostra a tabela 18 (p. 870). Isso não
sociais, tais grupos podem constituir toda uma comunidade: deve surpreender, considerando a experiência e os recursos
daí o alto consumo per capita de livros na Islândia, ou mes- financeiros que a Bertelsmann podia oferecer. De fato, nos
mo na Dinamarca. Embora o contato necessário funcione seus primeiros cinco anos, o empreendimento brasileiro fun-
melhor no plano pessoal, ele pode ser mantido por meio de cionou com prejuízo, mas isso não constituía um problema
revistas literárias. Assim, no Reino Unido, a classe de com- para a segunda maior organização editorial do mundo, cujo
pradores de livros quase se confunde com o conjunto de lei- faturamento mundial, em 1979, foi de us$ 2,2 bilhões, so-
tores do New Statesman e das colunas de crítica de livros brepujada apenas pela Time Life, que faturou us$ 2,5 bi-
dos três jornais dominicais “de boa qualidade”. No sentido lhões'*. O sistema da Bertelsmann, já provado na Alemanha
oposto, essas revistas literárias frequentemente demonstram Ocidental, na Áustria, nos Países Baixos e na Itália, baseia-
com clareza o quanto essas classes de compradores de livros -se na distribuição gratuita, pelo correio, de uma revista
podem ser limitadas e fechadas. Por exemplo, um concurso promocional quinzenal, pela qual o leitor, para continuar
da Leia Livros, de 15 de abril de 1981, partia do pressuposto filiado ao clube, tinha de encomendar no mínimo um livro
de que os leitores não apenas conheceriam muitos autores e (entre cerca de uma dúzia). No entanto, o gerente desse clu-
críticos, como também manteriam relações sociais com um be do livro brasileiro, Raymond Cohen, nascido no Cairo,
bom número deles. Contudo, fora desses grupos, a venda de foi enviado para estudar os métodos da empresa na Espa-
livros é mínima, por pura falta de familiaridade com o que nha (onde o Circulo del Libro funcionava desde 1962) e em
existe no mercado. Quando, de algum modo, esse grande Portugal, onde a distribuição se faz por vendedores domi-
público exterior desinformado toma conhecimento de um ciliares, como seria feito no Brasil. De início, isso significa-
“bom” livro, ou autor, temos não apenas o fenômeno do va restringir o clube às sete maiores cidades, onde deveria
livro best-seller, como também do autor best-seller, com um atuar o contingente inicial de 1400 vendedores. Não obs-
mercado garantido para o resto da vida. tante, foram aliciados 250 mil sócios até novembro de 1975
Foram descobertas até agora apenas três soluções. O li- e, em 1978, já eram mais de soomil - em comparação com
vro de bolso descartável, exposto à venda em lugares onde os 360 mil membros do Círculo português, implantado há
se vendem outras mercadorias, atrai a atenção pela capa vis- muito mais tempo. Renê Santos (nascido em 1939) substi-
tosa (ou sensacional) e custa tão pouco que o leitor sente tuiu Cohen como diretor-gerente em 1981 e, em janeiro de
que pode permitir-se “correr o risco” de comprá-lo e jogá-lo 1983, já podia anunciar um quadro de 800 mil sócios espa-
fora se não lhe agradar. Como assinalamos acima, isso ain- lhados por 2 850 dos 4099 municípios do Brasil, atendidos
da está para acontecer no Brasil. Outro modo é promover por 2 600 vendedores:º. As vendas alcançaram, em 1982,
uma determinada coleção ou marca editorial em queo leitor cinco milhões de exemplares, totalizando dezessete milhões
possa sempre confiar como garantia de uma “boa leitura”, na primeira década de existência do Clube. Sua publicação
método muito utilizado por Mills and Boon, no Reino Uni- quinzenal, Revista do Livro (que não se deve confundir com
do, e pela Harlequin, no Canadá. Foi isso, realmente, que a o antigo periódico do INL), conquistou mais leitores do que
Abril Cultural conseguiu com sua coleção Grandes Sucessos. qualquer outra revista brasileira. O próprio Círculo reali-
O terceiro modo é o dos clubes do livro, e foi aqui que a
Abril, através do seu Círculo do Livro, provocou, nos anos 19. Armand Mattelart, Transnationals and the Third World: The Struggle
de 1980, um dos maiores impactos exercidos até então sobre for Culture, South Hadley (Ma), Bergin and Gairey, 1983, p. 184.
a venda de livros no Brasil. 20. “Cultura a Domicílio”, Veja, n. 7$1, pp. roo-ros, 1º jan. 1983.
754 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 755

zava a impressão e o acabamento dos livros que, apesar de fabricante de papel e seus artefatos. No setor exclusivo de
atraentemente encadernados, custavam de 10% a 15% me- livros, em 1971,a Nacional ainda liderava as vendas, segui-
nos que as edições comerciais de que se originavam, graças da pela José Olympio, pelo Ibep, pela Ática e pela Saraiva.
a um mercado garantido e à economia de escala (as tiragens A Abril não se limitou apenas à produção de livros e
oscilavam entre seis e cinquenta mil, sendo vendidos em revistas. Sua experiência gráfica deu origem à Embalarte,
média dez mil exemplares por título), embora muitas vezes subsidiária de sua inteira propriedade, que produz emba-
fossem lançadas ao mesmo tempo as edições comerciais e as lagens impressas, para produtos farmacêuticos, cosméticos
do clube. Ocasionalmente, o Clube adquiriu os direitos de e alimentícios. À partir do Guia Quatro Rodas (e de alguns
tradução de um livro estrangeiro para seu uso exclusivo. O sábios investimentos imobiliários) originou-se uma cadeia
maior sucesso foi As Melhores Receitas de Cláudia (duzen- de hotéis em locais de veraneio - São Luís, Olinda, Salvador,
tos mil exemplares vendidos entre 1975 e 1990). Aracaju e Natal -, a Quatro Rodas Hotéis do Nordeste s. A.,
Enquanto isso, a Abril decidiu afinal ingressar na par- da qual a Abril possui o controle indireto de dois terços das
te tradicional do comércio livreiro: foi criada, no início de ações. Mais distante ainda dos livros está a empresa de ar-
1981, uma divisão para distribuição às livrarias e supermer- mazéns frigoríficos Cefri, com 78% do capital controlado
cados e, pouco depois, a empresa tentou remediar a crônica pela Abril! Um campo de ação mais recente da Abril foi a
falta de livrarias no Brasil com uma ação direta: a criação de produção para a televisão: a revista Veja, de 27 de abril de
uma cadeia de livrarias da própria editora, Tchau! 1983, noticiou um acordo com a Fundação Casper Líbero
Em 1986, lara Rodrigues criou a Editora Best Seller, uma para a produção, pela Abril, de duas horas de programação
divisão do Círculo do Livro, que devia editar para o merca- diária no Canal 11 de São Paulo.
do tradicional. Uma das coedições do Círculo do Livro e da Um êxito tão extraordinário em campos tão diversos
Best Seller que resultaram dessa fusão foi Ana em Veneza, de e com a utilização de métodos tão pouco ortodoxos seria
João Silvério Trevisan, eleito “o melhor livro de ficção” de motivo, em qualquer país, para uma ou outra manifestação
1994, pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), de inveja. As antigas ligações de Victor Civita com a Time
enquanto o seu primeiro best-seller de verdade, Perestroika Life transformaram-no num alvo natural da esquerda ultra-
(1987), de Mikhail Gorbatchey, tinha vendido sessenta mil nacionalista, e a circunstância de ter um irmão dirigindo a
cópias na primeira impressão. Editorial Abril de Buenos Aires, de nome e orientação se-
melhantes — até mesmo editando uma revista, Realidad, que
imitava a Realidade, de Victor Civita =, foi tomada como
4201 AS MULTINACIONAIS uma espécie de prova de que ambos continuavam agentes a
serviço da firma americana”. Tal paranoia é lamentável, na
Em abril de 1971,a Editora Abril já era a terceira maior em- medida em que tende a desacreditar qualquer esforço sério
presa editorial brasileira (depois das Listas Telefônicas Brasi- para avaliar a extensão real da penetração estrangeira na
leiras e da Companhia Melhoramentos de São Paulo), apre- indústria editorial brasileira.
sentando um lucro de 28% sobre um capital de 42,5 milhões Foi, talvez, a constatação da predileção brasileira pelas
de cruzeiros. Em 1980, obteve 17,5% de lucro sobre um capi- enciclopédias que levou a W. M. Jackson Company a instalar
tal de 1534 milhões, sem contar as companhias subsidiárias, uma filial no Rio há tanto tempo, ou seja, em 1911 ($r19).
como a Abril Cultural. No entanto, ninguém mais seguiu-lhe o exemplo até r9gsr,
Devemos, porém, fazer a ressalva de que essas três em- quando a Encyclopaedia Britannica Inc., encorajada, como
presas não eram apenas editoras de livros: como vimos, o dissemos ($164), pelas vendas no Brasil de suas publicações
complexo da Abril incluía revistas, parque gráfico (utilizado em inglês, constituiu a empresa Encyclopaedia Britannica do
por terceiros) ctc.; a LTB cuidava prioritariamente da pro-
dução de listas telefônicas e de trabalhos gráficos; e a Me- 21. Genival Rabelo, Capital Estrangeiro na Imprensa Brasileira, Rio
lhoramentos, além dos serviços gráficos, era uma empresa de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966.
756 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 757

Brasil, apenas para administrar a distribuição dessas publi- num ímpeto concentrado. Os 44 100 estudantes universitá-
cações no país. Dois anos depois, a firma francesa Hachette rios de 1950 subiram para 93 206 em 1960, 155781 em
fez o mesmo, criando no Rio a Livraria Hachette do Brasil. 1965, 425 478 em 1970 e mais de um milhão em 1975. Na
O ano de 1951 marcou também a constituição da Difu- década de 1960, teve início uma expansão correspondente
são Europeia do Livro, de capital suíço e português, cuja si- no nível de pós-graduação, passando o número de mestran-
gla Difel foi posteriormente utilizada pela Difusão Editorial dos de 2489,em 1960, para 16002, quinze anos mais tarde.
S. A. e é hoje um selo da Editora Record. A Difel ficou com Finalmente, ocorreu o crescimento dos programas de douto-
a filial brasileira da Garnier Frêres, que era da Briguiet. No ramento: de so0 doutorandos em 1970 para 1258, em 1975
ano seguinte (1952), a Herder alemã abriu sua filial brasi- (cf. tabela 13, p. 859).
leira, estabelecida, como a Difel, em São Paulo. Atua agora Para um mercado como esse, logo começou a valer a
com o nome de eru (Editora Pedagógica e Universitária), pena traduzir para o português obras estrangeiras, acres-
depois de alterações feitas na sociedade, que deram à Ernst centando talvez algumas estatísticas brasileiras ou fazendo
Klerr (também alemã) a maior participação no capital da alguma outra ligeira adaptação. Tendo grande parte do cus-
firma. Em 1984, Wolfgang Knapp, responsável pela direção to inicial — das ilustrações, por exemplo — já coberta pelas
da empresa desde sua implantação no Brasil, assumiu, pes- vendas da versão original, uma edição relativamente peque-
soalmente, o controle total da EPU, É hoje, pois, uma empre- na em língua portuguesa poderia tornar-se comercialmen-
sa brasileira — e com setecentos títulos no catálogo. O Brasil te viável. E era lógico imprimi-la no Brasil: sua indústria
também atraiu diversas editoras espanholas e hispano-ame- gráfica crescia de forma acelerada e modernizava-se, e os
ricanas. À primeira delas, a Editorial Labor do Brasil, foi custos da mão de obra eram baixos; além disso, discutia-se
constituída pela firma hispano-argentina há muito tempo, já no Brasil a reintrodução de barreiras alfandegárias para os
em 1937. À Grijalbo, de Barcelona e da Cidade do México, livros impressos em português fora do país, com exceção dos
aqui chegou em 1958; a Bruguera, da Argentina, em 1960; provenientes de Portugal. Em 1968, a John Wiley adquiriu
a El Ateneo, editora médica de Buenos Aires, em 1962; € a 49,9% do capital da Livros Técnicos e Científicos (LTC), um
Gustavo Gilh, de Barcelona, especializada em livros de ar- consórcio formado, originalmente, pela Agir, Polígono e ÀÃo
quitetura, em 1964. Mais recente é a chegada do Fondo de Livro Técnico”. Dois anos mais tarde, a McGraw-Hill, após
Cultura Económica, do México, que abriu sua filial paulista negociações frustradas para a compra da Editora Nacional,
no dia 21 de junho de 1991. instalou a McGraw-Hill do Brasil.
Até 1958, essas empresas não tinham muito incentivo A tentativa da Harcourt Brace de comprar parte da José
para fazer mais do que distribuir os produtos de suas matri- Olympio também foi frustrada, como vimos ($152), pelas
zes. O mercado de ciências e tecnologia no Brasil ainda era dificuldades financeiras que a firma vinha enfrentando, mas
pequeno e, graças ao subsídio à taxa de câmbio para livros esse foi um caso excepcional. Na verdade, esse período carac-
importados (cf. $163), estes eram mais baratos do que se fos- terizou-se por uma nova tendência nos países desenvolvidos:
sem produzidos no Brasil. Na verdade, foi por essa razão a fusão de editoras e seu controle acionário por organiza-
que pouquíssimas firmas norte-americanas se preocuparam, ções maiores que tentavam diversificar-se, de modo que ra-
na época, em instalar uma subsidiária comercial brasileira: ramente o aspecto financeiro constituiu problema para uma
seus livros obrinham ótima venda, apenas com base no pre- atuação direta no exterior. À W. M. Jackson Company, há
ço! E, mesmo quando o subsídio foi suspenso, muitas edito- muito estabelecida no Brasil, tornou-se, como a Scarecrow
ras norte-americanas preferiram, de início, voltar-se para a
importação das chamadas edições “internacionais”, produ-
22, À Polígono, editora de livros técnicos, foi fundada por Henrique
zidas por suas sucursais em países de custos baixos, como a Reichmann, dono da Livraria Triângulo, que, em 1977 ou 1978, ven-
Índia e (na época) o Japão. deu a editora à Livro Aberto, do Rio de Janeiro, e não existe mais. Com
Essa situação mudou em consequência direta da grande a morte de Reichmann, seu filho Ronnie assumiu a livraria, mas não
transformação por que passava o ensino superior brasileiro, era seu negócio, e a Triângulo passou para as mãos dos empregados.
758 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 759

Press (editora da versão inglesa deste livro que você está len- Mais tarde, em setembro de 1982, constituiu-se, no Rio, a
do), parte da Grolier Inc., e depois do Grupo Rowman and Editora Prentice-Hall do Brasil, tendo como diretor Maurí-
Littlefield. A Interamericana do Brasil, estabelecida no Rio cio Koogan Lorch, num empreendimento conjunto com a
de Janeiro em 1972, primordialmente como editora médica, Editora Guanabara Dois, com a finalidade de publicar prin-
era controlada, por intermédio da Holt-Saunders uk, pela cipalmente traduções de livros da Prentice-Hall+. Mais nova
Columbia Broadcasting System. A Bruguera, que se tornou ainda é a Xerox do Brasil, que, no início de 1983, iniciou sua
Cedibra e acabou especializando-se em livros infantis, em Biblioteca Reprográfica, constante de dezesseis reimpressões
1960, passou à propriedade da British Publishing Corpo- de obras raras sobre o Brasil, além de Aula de Commercio, de
ration, isto é, a Pergamon Press. À Hachette (que também é Marcos Carneiro de Mendonça, em comemoração do bi-
coproprietária, com a Regent Press, de Nova York, de uma centenário da morte de Pombal. Em 1978, R. A. Amaral Viei-
editora especializada em livros didáticos de linguagem, a ra, professor de comunicação e jornalismo, publicou uma
Educação e Comunicação — Educom) foi absorvida pela Ma- coletânea de artigos sobre comunicação de massa, um dos
tra, indústria francesa de armamentos que, por sua vez, foi quais fazia violento ataque ao controle estrangeiro da cultura
estatizada pelo governo francês. brasileiras. Entre muitos outros nomes mencionados por ele
Já no fim dos anos de 1960, os editores nacionais esta- estavam os da Editora Macmillan Ltda. (filial da Macmillan
vam tão preocupados que o governo sentiu a necessidade de Nova York) e da Editora Harlequin, de cujo capital 60%
de manifestar-se para tranquilizá-los. O relatório do Geil de pertencia à Harlequin Enterprises, editora de ficção românti-
1º de novembro de 1967 continha um canto de louvor ao ca de Ontário, e 30% à Casa do Livro Eldorado.
modo pelo qual a Usaid vinha subsidiando as traduções para Quando Eduardo Portella, da Tempo Brasileiro, tornou-se
o português de livros-texto norte-americanos (p. 574), € seu ministro da Educação, em março de 1979, havia no Brasil 32
Boletim de 15 de fevereiro seguinte enfatizava que o advento editoras e distribuidoras estrangeiras. Portella, ele próprio
de maior número de subsidiárias estrangeiras estaria “for- um editor, foi facilmente convencido a endossar um decreto,
talecendo o nosso parque editorial”. Em breve, porém, até inspirado pelo $nel, que teria restringido o ingresso de novas
mesmo as opiniões mais moderadas começaram a manifes- empresas no setor de livros a firmas que tivessem pelo me-
tar seu alarme, o que mereceu extensa cobertura no Correio nos 60% de participação nacional em seu capital. Todavia,
do Livro de janeiro de 1971. Em setembro de 1975, a revista como fora convocado para integrar o governo Figueiredo —
econômica BANAS divulgou uma entrevista com o então pre- por sugestão, segundo rumores, de um irmão esquerdista do
sidente do Snel, Edgard Bliicher, intitulada “Livros: A Luta presidente — como penhor das intenções liberais da nova ad-
Contra a Desnacionalização”. ministração, tinha pouca influência no Ministério, onde seus
O ano seguinte (1976) assistiu à chegada de duas novas colegas conservadores parecem ter bloqueado toda propos-
importantes casas estrangeiras: a Harper & Row do Brasil ta de sua iniciativa, mais ou menos por princípio. Quando
(Harbra) e a Editora Campus Ltda. “livros científicos e téc- finalmente foi exonerado em fins de 1980 (p. 594), todas
nicos”, esta última estabelecida pela Elsevier Noord-Holland as esperanças de imediata aprovação daquele decreto caí-
(que já foi proprietária da E. P. Dutton, de Nova York, ram com ele. Entrementes, o Snel, à procura de mais apoio,
da Phaidon, de Londres, e da Selecciones Editoriales, de
Barcelona)*. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, de 15
de novembro de 1976, a Longman e a Harcourt Brace Jova- 24. “Prentice-Hall Cofounds New Brazilian Publishing House”,
novich também estavam atuando no Brasil (presumivelmente Publishers Weekly, vol. 220,n. 10, p. 18, 3 set. 1982.
25. R. A. Amaral Vieira, “Alienação e Comunicação (o Caso Brasi-
mediante a participação acionária minoritária em empresas
leiro)”, em Comunicação de Massa; O “Impasse Brasileiro”, Rio de
brasileiras), e estavam sendo entabuladas negociações entre Janeiro, Forense-Universitária, 1978. Cf. também, de minha autoria,
a Prentice-Hall e a Atlas — negócio que jamais se consumou, “A Participação das Empresas Multinacionais na Indústria Livreira
do Brasil”, Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação,
23. Ver Livro Aberto, vol. 1,n. 1, p. 67, ago. 1996. vol. 14,n. 3/4, pp. 188-203, jul.-dez. 1981,
Na Época da “Abertura” 761
760 Na Época da “Abertura”
há alternativa. Não existe o especialista brasileiro adequado
apresentou um documento sobre a situação, a ser, em maio para isso, ou é muito ocupado, ou não se deixa seduzir pelas
de 1980, debatido na conferência de Estocolmo da Associa- recompensas de um mercado nacional que ainda é pequeno
ção Internacional dos Editores. demais em muitas áreas especializadas. Tampouco as univer-
A questão da receptividade ao investimento estrangeiro sidades brasileiras oferecem estímulo suficiente a seus mem-
é, desde a abertura dos portos em 1808, uma das grandes bros para que escrevam livros: nelas, o trabalho docente e os
linhas divisórias na política brasileira: não tanto entre a es- compromissos administrativos são muitas vezes excessivos
querda e a direita — unidas em seu nacionalismo — quanto e poucas dispõem de bibliotecas de pesquisa de tamanho
entre o centro e qualquer dos extremos. Nesse sentido, o ou qualidade suficientes. À dedicação de tempo ao traba-
regime pós-1964 tem sido quase sempre de centro: uma de lho de síntese do conhecimento existente, necessária para a

eia rei
suas primeiras medidas, ao tomar o poder, foi revogar a lei elaboração de um manual básico, é depreciada e encarada
restritiva de 1962 sobre remessa para o exterior de lucros de como menos útil e muito menos valiosa do que a produção
empresas multinacionais. de pesquisa original.


É claro que se argumentou que a cultura e os meios de co- Conscientes de que os livros gerados em seus países re-
municação constituem um caso especial. Há, de fato, limites fletem uma sociedade e uma tecnologia muito diferentes das
estritos à propriedade estrangeira de jornais e revistas. Os do Brasil, muitas multinacionais de origem norte-americana
livros, porém, são vistos claramente como algo “diferente”. preferiram, pelo menos como medida de transição, tradu-

A
Já mencionamos que as importações de livros, considerados zir, para o mercado brasileiro, obras escritas fora dos Esta-
fonte essencial de know-how estrangeiro, foram subsidiadas, dos Unidos. A Harper « Row, por exemplo, atribuiu a total
deliberadamente, antes de 1958 ($163). Veja-se também a responsabilidade da implantação de sua subsidiária em São
imparcialidade com que o Instituto Nacional do Livro fa- Paulo ao diretor-gerente de sua filial mexicana, Francisco
zia seus contratos de coedição (essencialmente um subsídio à Gutiérrez, e muitas de suas primeiras edições em português
edição — cf. $175) tanto com editoras nacionais como com as foram obras oriundas do México. É evidente que outras
estrangeiras. Nem mesmo a acusação nacionalista contra multinacionais procederam analogamente, pois foi súbito e
a propriedade estrangeira é suficientemente precisa, como espantoso o aumento de traduções brasileiras do espanhol em
seria necessário, para despertar a preocupação do governo. meados da década de 1970 (cf. tabela 43, p. 920).
É bem verdade que as multinacionais, em sua maioria, Uma vez estabelecidas, porém, a maioria das multina-
iniciaram suas atividades editoriais no Brasil com traduções cionais empenhou-se em publicar obras de brasileiros. A
de livros estrangeiros, o mais das vezes inadequados às con- proporção tem variado segundo o tempo de funcionamento
dições brasileiras. No entanto, as editoras nacionais também da subsidiária no Brasil e dependendo da natureza do assun-
têm sido culpadas desse mesmo pecado. Um exemplo per- to. À Interamericana, que publicou 80% de livros médicos,
tinente e bastante típico é a obra Tudo sobre a Publicação distribuiu seu primeiro catálogo, em 1980, com apenas cin-
de Livros, publicada pela Mosaico, em 1974, em coedição co autores nacionais entre cento e poucos. À Difel, por sua
com a Edusp, cujo subtítulo (omitido na capa) é “a expe- vez, há cerca de trinta anos no país, e uma das pioneiras
riência editorial nos Estados Unidos”: trata-se, de fato, de nas edições em português de ciências sociais e linguística,
Book Publishing: What it Is, What it Does, de John Des- oferece-nos uma produção difícil de distinguir da das melho-
sauer (Nova York, Bowker, 1974), livro excelente, mas de res editoras brasileiras: tem até mesmo uma coleção de es-
importância limitada para quem pretenda dedicar-se a uma tudos brasileiros - Corpo e Alma do Brasil — que merece um
carreira editorial no Brasil. Muitas vezes, infelizmente, não lugar ao lado da Brasiliana, da Documentos Brasileiros e da
Retratos do Brasil (cf. $122). À Difel começou, sob a direção
26. Mário Fittipaldi, A Indústria do Livro no Brasil: Empresas Na- de Paul-Jean Monteil, publicando traduções de livros fran-
cionais e Estrangeiras Competindo no Mercado Local, Rio de Janei- ceses dirigidas especialmente ao público leitor universitário.
ro, Snel, 1980. Trabalho apresentado e debatido no 21º Congresso da Seu ingresso no campo dos livros de autores brasileiros ocor-
International Publisher's Association, Estocolmo, maio 1 98o.
762 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 763

reu quando Monteil, após publicar uma versão em português de envolvimento no mercado brasileiro**. Foi grato notar
da Histoire générale des civilisations, organizada por Maurice também que o reduzido Departamento Nacional do Livro
Crouzet, convidou Sérgio Buarque de Holanda para organi- que sobreviveu da abolição do Instituto Nacional do Livro, sob
zar a História Geral da Civilização Brasileira (publicada em o governo de Fernando Collor, em 1990, adotou como tarefa
seis volumes, entre 1960-1971, cobrindo até 1889)”. Algum prioritária a promoção da venda de direitos no exterior. A
tempo depois (como já mencionamos), a Difel associou-se Biblioteca Nacional introduziu The Brazilian Book Maga-
operacionalmente à Civilização Brasileira. zine para informar às editoras do exterior os últimos lança-
A longo prazo, o problema da penetração das multina- mentos, junto com perfis de autores brasileiros, e um Catálo-
cionais pode ser de outra natureza: o poder destas de seduzir go de Autores Brasileiros Traduzidos. Já em 1968,0 governo
o autor nacional mais lucrativo, afastando-o das editoras tentara incentivar as traduções mediante a distribuição,
de capital nacional. Para fazê-lo, nem mesmo pode ser ne- através da Biblioteca Nacional, de bolsas de us$3 000 aos
cessário oferecer taxas de direitos autorais mais generosas. tradutores, valor aumentado a partir da Feira de Frankfut
Bastam, por si sós, o maior prestígio da marca editorial mul- de 1994. Até aquele ano, tinham sido feitas 188 traduções de
tinacional e sua maior segurança financeira. Existe também obras de Jorge Amado, 73 de Lygia Bojunga Nunes, 34 de
a perspectiva de que uma obra com poder de atração su- Rubem Fonseca, 30 de Moacyr Scliar, 27 de Antônio Olinto,
ficientemente amplo possa ser traduzida e comercializada 25 de Autran Dourado, 23 de Márcio Souza, 22 de João
pelas subsidiárias da firma em outros países. Ubaldo Ribeiro e 20 de cada um dos dois autores: Ana Ma-
O último ponto pode vir a ser de grande importância. ria Machado e Herberto Salles. Na 46º Feira de Frankfurt,
Em 1973, pouco antes do início da instalação das multi- de outubro de 1994, foram lançadas (ou prometidas para
nacionais no Brasil, estatísticas mundiais da Unesco davam 1995) 37 traduções para o alemão de 25 autores brasileiros,
ao português, como língua traduzida, o 27º lugar — entre o vivos ou mortos.
ucraniano e o finlandês! O búlgaro, o holandês, o húnga- O problema básico das editoras nacionais, ao enfrentar a
ro, O romeno, o sânscrito e o eslovaco eram, todas, línguas concorrência multinacional, é, porém, a questão financeira,
muito mais traduzidas, situação evidentemente absurda! como já mencionamos na parte final do capítulo sobre a José
Nos primeiros lugares, estavam o inglês, o francês, o russo, Olympio ($152). Pouquíssimas empresas podem contar com
o alemão, o espanhol, o italiano e o sueco, nessa ordem: sete recursos de fora da edição de livros: uma delas é a Melhora-
línguas, das quais apenas três são faladas por mais pessoas mentos, com sua fabricação de papel, como já citei. À Fran-
que o português. Devido à ignorância geral do português cisco Alves, quando pertenceu a um magnata proprietário
nos países estrangeiros e à escassez de bons tradutores, de uma empresa de navegação, e a Globo, desde sua compra
realmente a literatura brasileira nunca participou do boom pela Rede Globo, são outros dois exemplos. O custo dos em-
mundial da ficção latino-americana do final dos anos de préstimos bancários é extremamente elevado; e uma editora
1960. Numa tentativa de corrigir isso, a Câmara Brasileira tem também muita dificuldade em obtê-los, pois raramente
do Livro realizou, de 25 a 30 de setembro de 1977, 0 Primei- ela terá um ativo substancial aceitável para oferecer como
ro Encontro com a Literatura Brasileira, que reuniu editores garantia. De fato, normalmente, o financiamento bancário
estrangeiros e autores brasileiros. Dessa reunião resultaram chega à indústria editorial - quando chega — por meio de em-
resoluções contra a censura, endossadas tanto pelos autores préstimos a gráficas que têm, assim, condições de aumentar
como pelos convidados, e a posterior assinatura de cerca de os prazos de faturamento normais (60 a go dias) para seus
quarenta contratos com editoras europeias — quase nenhum clientes editores. À inflação e os custos financeiros, porém,
com editoras norte-americanas, porém, apesar do seu gran- chegaram a tal ponto que mesmo essa alternativa já está sen-
—e

28. Stefan Congrat-Butler, “Brazilian Writers Meet with Foreign Edi-


27. Richard Graham, “An Interview with Sérgio Buarque de Holanda”, rors, Publishers, Translators”, Publishers Weekly, vol. 212. n. 22, p.
Hispanic American Historical Review, vol. 62,n. 1, pp. 3-17, fev. 1978. 24,28 nov. 1977.
764 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 765

do descartada (e se o Plano Real reduziu a taxa de inflação, o média de dez mil exemplares, em comparação com seis mil
mesmo ainda não aconteceu com a taxa de juros). nos Estados Unidos, cinco mil na Alemanha Ocidental ou no
A assistência financeira do governo é uma antiga reivin- Reino Unido, três mil e quinhentos na França ou três mil na
dicação repetida rotineiramente em todos os documentos em Espanha. Se isso for verdade, teria contrariado nossa convic-
que o setor livreiro apresenta suas dificuldades. Já falei das ção de que um aumento no tamanho de um mercado, a não
isenções de impostos concedidas por Kubitschek e mantidas ser o de livros didáticos, não acarreta tiragens maiores, mas
desde então ($ 166); elas, porém, beneficiam as firmas estran- a existência de um número maior de títulos, uma vez que os
geiras tão liberalmente quanto as nacionais. De qualquer editores se utilizam dessa possibilidade para distribuir seus
modo, devemos lembrar que, na verdade, o benefício dessas riscos por uma gama mais ampla de lançamentos diferentes.
isenções é transferido inteiramente para o consumidor final, As áreas que escolhemos para ilustrar isso (na tabela 27,
isto é, o leitor. No Brasil, toda firma com pelo menos 60% do $173) são aquelas cujos dados não parecem ter sido distor-
capital em mãos de brasileiros tem automaticamente a seu cidos pela inclusão de muitos livros escolares. Os dados do
dispor considerável ajuda do governo; a essa ajuda, porém, Snel e do antigo SEEC nunca concordam exatamente, mas pa-
só se tem acesso em bases semelhantes às utilizadas para recem, na maioria dos casos, ser razoavelmente compatíveis.
decidir sobre a viabilidade dos empréstimos bancários, e,
assim, raramente é utilizável pelas editoras. Para superar o
problema, o Ministério da Educação criou, em outubro de O MERCADO DE LIVROS DIDÁTICOS NA ÉPOCA DA “ABERTURA” $202
1974,0 Programa de Desenvolvimento do Livro (conhecido
como Pró-Livro ou Prodelivro), um esquema especial para Argumenta-se, frequentemente, que as empresas estrangei-
financiar a publicação de livros; seus critérios, porém, ainda ras podem contribuir com sua experiência nas áreas mais
eram muito estritos para que exercesse algum impacto e fun- especializadas, não cobertas de forma adequada pela indús-
cionasse a contento. Padecia também do grave erro de usar tria editorial brasileira, ou áreas em que o reduzido tamanho
dois pesos e duas medidas em relação à inflação: o Ministé- do mercado interno não estimulou, entre as editoras nacio-
rio, preocupado em manter baixo o preço dos livros, insistia nais, qualquer interesse em explorá-las. À biblioteconomia
que todos os livros apoiados pelo esquema tivessem um pre- é um exemplo que logo nos ocorre. Mesmo aqui, porém,
ço de capa fixo, ao passo que o BNDE, encarregado da parte há o perigo de que, publicando sem a necessária adaptação
financeira, exigia naturalmente que todos os empréstimos e obras escritas para serem consumidas em outros países, pos-
taxas de juros estivessem sujeitos à correção monetária. Ape- sam produzir-se textos que predisponham o leitor a adotar
sar disso, trinta solicitações foram feitas no primeiro ano de práticas ou atitudes que não são apropriadas ao Brasil, e
operação, 26 das quais foram rejeitadas, duas ainda estavam que quase inevitavelmente — ainda que fortuitamente — irão
pendentes no fim do ano e apenas duas mereceram aprovação. encorajá-lo a utilizar métodos, equipamentos e acessórios
Uma dessas envolvia o “Grande Aurélio” - o Novo Dicioná- estrangeiros independentemente das alternativas que pos-
rio da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda, da sam estar disponíveis no local.
Nova Fronteira: de modo algum um risco temerário para O Depois de consolidar uma posição numa área especia-
dinheiro público! O Pró-Livro, portanto, mostrou-se inútil e, lizada, a editora estrangeira quase certamente irá procurar
com a indicação do general Rubem Ludwig para o Ministério ampliar sua linha de produção (e seus recursos financeiros
da Educação, em dezembro de 1980, foi extinto abruptamen- imensamente maiores possibilitar-lhe-ão trabalhar com
te em s de maio de 1981. prejuízo por muito mais tempo que qualquer empresário
Ouvimos afirmações de que, nesse tempo, o Brasil apre- brasileiro poderia pretender). À popularização de assuntos
sentava, no campo da ciência e da tecnologia, um mercado técnicos é um desenvolvimento óbvio, e a Harper & Row
especialmente atraente para as empresas estrangeiras, por- do Brasil, por exemplo, lançou uma série traduzida sobre
que a tiragem média de suas edições era acentuadamente a psicologia das diversas idades do homem, intitulada, em
maior que a conseguida em outros países; falou-se de uma português, A Psicologia e Você.
766 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 767

Todavia, o caminho mais atraente leva ao campo do li- no Brasil, mas agora está fora de moda — de um único livro di-
vro didático. A Harper « Row tinha isso planejado desde a dático para cada curso, ao advento de uma diversificação re-
sua implantação no Brasil, enfatizando os atrativos de um gional extremamente necessária ($182),0u ao fato de as esco-
país em que “45% da população tem menos de 15 anos de las e professores estarem sendo menos conformistas em suas
idade”. Sem qualquer dúvida, o mercado escolar brasilei- escolhas. A maior concorrência entre um crescente número
ro é grande, representando quase a metade da produção de editoras tem sido, sem dúvida, fator muito significativo”.
nacional de livros. Significava 44,7% dos exemplares im- Não obstante, em 1994, o Ministério da Educação decidiu
pressos em 1950 (segundo o SEEC) e ainda constituía 36,2% uniformizar os livros de português e matemática do ensino
dos totais do Snel para 1979. Em 1990, foram vendidos primário nas escolas do Nordeste e, depois de longa avalia-
72800000 livros didáticos e, em 1993, cerca de 161700000. ção, adotou um livro de Mafalda Martins Andrade (pseudô-
Em 1996, os livros destinados exclusivamente à educação nimo da professora Deborah Pádua Mello Neves), que assim
básica (pré-escolar, ensino fundamental e médio) somaram teve a oportunidade de vender 24 milhões de exemplares!
276 398 644 exemplares de um total de 386747 137 livros O suplemento especial do jornal Leia (n. 102, abril de
vendidos no ano. Essa é também uma área importante tan- 1987) oferece resenhas sobre 1300 livros didáticos em uso
to para o editor quanto para o autor brasileiro. Segundo o nas escolas do Brasil na época, a maioria de história e por-
SEEC, as obras de autores estrangeiros não passavam de 602 tuguês para a 5º até a 8º série. Eram ilustrados em cores,
entre os ro 898 livros e folhetos didáticos publicados em variavam de 52 a 240 páginas, e predominava o tamanho
1976 e apenas 658 dos 7831 publicados em 1977. 20-21 X 27-28 cm,
* Atéo início da década de 1970, a publicação de livros didá- No nível terciário, a volta de maior independência ad-
ticos era também muito sedutora devido às grandes tiragens, ministrativa universitária resultou numa transformação das
as maiores no mundo não comunista, talvez com exceção do suas editoras. Muitas daquelas que tinham sido meramente
Portugal de Salazar ($171). Enquanto os livros escolares nor- departamentos gráficos tornaram-se editoras acadêmicas
te-americanos e alemães vendiam edições de 150 mil exem- com um alto grau de autonomia, que lembra o padrão an-
plares e os da França e do Reino Unido, cerca de cem mil glo-saxônico, não somente na sua política de editoração,
exemplares, a regra no Brasil eram tiragens de duzentas mil como também, igualmente importante, no desenvolvimento
cópias no caso de livros didáticos para o secundário e de tre- de um meio eficiente de distribuição. O exemplo da Editora
zentas mil ou mais para o primário. A tabela 27 (p. 895) da Universidade de Brasília, já citada ($187), foi seguido pe-
mostra claramente que a situação já não é essa. Em meados las editoras de uma dúzia de outras instituições. Para indicar
dos anos de 1980, as tiragens médias dos livros para o ensino a extensão verdadeiramente nacional dessa mudança, cito o
primário reduziram-se para cerca de cinquenta mil exem- excelente desempenho da Editora da Universidade Federal
plares por edição e aquelas para textos do secundário cerca de Santa Catarina desde-que Salim Miguel assumiu sua di-
da metade, embora, sem nenhuma dúvida, ainda haja casos reção em 1983. Nota-se também como alguns dos diretores
de tiragens bem maiores. (Os dados gerais para o tamanho mais bem-sucedidos deixaram o ramo universitário para in-
da tiragem média de livros didáticos estão distorcidos, nes- gressar no setor comercial: Darcy Caetano Luzzato, da Edi-
sa época, pelas gigantescas tiragens de livros para o Mobral: tora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fundou a
chegarama 11043 375 exemplares em apenas sete títulos, em Sagra Editora, e o dono da Editora Pontes é um antigo diretor
1979, numa média de 1577 625 por título.) Não está claro se da Editora da Unicamp. Infelizmente, nada ilustra mais os
isso se deve à redução da dependência — que já foi tradicional problemas econômicos do livro brasileiro, nos anos de 1980,
do que os números sucessivos dos títulos editados anualmente
29.“Harper « Row Launches Brazilian Subsidiary”, Publishers Weekly, pela Edusp: de 130 em 1977, 89 em 1978, 90 em 1979, 103
vol. 209,1. 7, 16 fev. 1976. em 1980 e 92 em 1981, caíram vertiginosamente para 49 em
30. Roger H. Smith, “Brazil's Book Industry: A Giant Coming of
Age”, Publishers Weekly, vol. 202, pp. 38-39.
31.ºLições Milionárias”, Veja, n. 756, pp. 42-49, 2 mar. 1983.
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1983, 33 em 1983, 23 em 1984 e apenas 19 em 1985, para e com menor facilidade que os pequenos dos outros países,
depois recomeçar uma lenta recuperação: 26 títulos em 1986, mas insisto em dizer que ela é mais madura, quer temas mais
41 em 1987 € 52 nos primeiros setes meses de 1988. fortes e abandona os contos de fadas, por exemplo, bem antes
do leitor jovem no exterior.
A qualidade do livro infantil é bastante boa, e uma maté-
$203 LIVROS PARA CRIANÇAS ria publicada em O Estado de $. Paulo menciona quinze au-
tores importantes do Brasil que escrevem regularmente para
Do ponto de vista do desenvolvimento do hábito de leitura na crianças, em português'*. Um deles, Lygia Bojunga Nunes, foi
nova geração, porém, devemos antes verificar o que se produ- publicada na França e ganhou prêmios internacionais. A
ziu para a leitura de lazer das crianças. No que diz respeito à autora da matéria mostra-se, porém, desgostosa com a quan-
variedade, a produção mostrou um aumento bastante satis- tidade de livros traduzidos: lamenta que, entre 1965 € 1974,
fatório, estando em ascensão contínua no período de 1975 a 63% dos livros infantis publicados no Brasil eram de auto-
1985, fenômeno atribuído, pela revista Leia, ao “aumento do res estrangeiros e (diz ela) a situação era consideravelmente
poder aquisitivo da burguesia urbana trazido pela industria- pior no caso de livros para crianças de menos de oito e mais
lização e o aumento da faixa de escolaridade obrigatória”. de doze anos de idade. Todavia, isso talvez seja uma história
É igualmente importante a melhora da qualidade do livro velha: os dados do Snel para 1979, mostrados na tabela 44
infantojuvenil brasileiro, tanto o texto como as ilustrações, (p. 922), mostram que 50,5% dos títulos publicados naquele
graças, em grande medida, ao estímulo da Fundação Nacio- ano eram de autores nacionais. Houve também sensível cres-
nal do Livro Infantil e Juvenil, instituição criada, em 1968, cimento da crítica especializada na imprensa. O Leia Livros
pelo MEC por instigação da Unesco, Outro fator contributivo começou mesmo a fornecer a lista dos dez livros infantis mais
foi a Lei de Diretrizes e Bases n. 5 692, de 1972, que exige vendidos entre suas relações mensais de best-sellers. E já exis-
a leitura de um autor brasileiro por semestre nas escolas de tiam, em 1982, algumas livrarias especializadas para crianças
primeiro e segundo graus. No princípio da época de abertura, (sete no Rio, três em Curitiba, duas em São Paulo e uma em
a produção anual superou mil títulos, total da mesma ordem Belo Horizonte, em Itabuna e em Juiz de Fora)'*.
de grandeza que a dos países desenvolvidos: Reino Unido, Trinta a quarenta editoras brasileiras produziam livros
3738; a então URSS, 3 397; República Federal Alemã (antes para crianças no final dos anos de 1970, mas apenas um
da queda do muro de Berlim), 3 115; Espanha, 2997; Japão, terço delas lançava mais de dois títulos por ano e apenas três
2843; Estados Unidos, 2 548; Países Baixos, 1649; Itália, 830; (Verbo, Miguilim e Salamandra) dedicavam-se exclusiva-
a então República Democrática Alemã, 792; Finlândia, 744; mente aos livros infantis”. A Verbo data do final da década
Suécia, 734; Dinamarca, 729; Noruega, 344; Canadá, 331 (os de 1950 e mantém estreitos vínculos com uma associada de
dados da República Democrática Alemã são de 1979; os de-
mais, de 1980)”. Admite-se que a criança brasileira lê menos
34. Laura Constância A. A. Sandroni, “A Atualidade da Literatura
Infantil Brasileira”, O Estado de $. Paulo, p. 6, 31 jan. 1981 (Suple-
32. Ligia Cademartori, “Nem Isto nem Aquilo: Literatura Irrestrita”, mento Cultural).
Leia, p. 57, mar. 1988. O artigo “Children's Books: A Genre that is 35. Tivemos oportunidade, várias vezes antes, de falar sobre livros in-
Growing”, que aparece no relatório otimista da indústria do livro fantojuvenis (9875, 89,108, 114,119, 145), uma indicação de que os
“The Publishing Industry”, publicado na revista do Itamaraty, Brazil: editores brasileiros têm uma larga história no cuidado com a leitura
English Edition (n. 117, pp. 1-30, jul.-ago. 1988) destaca o papel do das suas crianças. Alegra-me sobretudo, neste aspecto, o fato de que
MEC na promoção, desde 1978, do uso na escola do livro de lazer para escrever para crianças nunca diminuiu a dignidade de um autor de
substituir o livro didático no ensino da leitura. renome. Entre tantos outros, são exemplos Júlia Lopes de Almeida,
33. Dados extraídos de “Children's Books: A Comparison”, Library of Jorge Amado, Drummond, Luís Jardim, Clarice Lispector, Lobato,
Congress Information Bulletin, vol. 42,n. 4, p. 28, 24 jan. 1983, An- Cecília Meireles, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego.
nuaire statistique de "Unesco e Bowker Annual of Library and Book 36.“Sem Fadas ou Bruxas”, Veja, n. 729, pp. 131-134, 25 ago. 1982.
Trade Information. 37. Jornal do Brasil, 1º abr. 1978 (seção Livro).
770 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 771
nome idêntico em Lisboa, dirigida por Fernando Guedes: do ilustrador Walter Ono. Suas edições são distribuídas pela
sua produção conjunta inclui uma enciclopédia em dezoito Livraria e Distribuidora Klaxon, de José Antônio Homem
volumes. A Livraria Editora Miguilim (Lemi), de Belo Hori- de Montes, o Zeco.
zonte, foi fundada, em 1980, por um grupo de professoras Nos anos de 1990, a prestigiosa Companhia das Letras
descontentes com a qualidade da leitura para crianças na criaria sua subsidiária infantojuvenil, a Companhia das Letri-
época; em 1991, lançou 31 títulos e reeditou 41, num total nhas, e a Martins Fontes, tradicional editora de ciências hu-
de 160 mil exemplares. À Salamandra foi criada por Geral- manas, entrou no mercado com cinquenta títulos infantis já
do Jordão Pereira, quando se afastou da empresa paterna, a em 1993, entre eles as sete versões de Onde Está Wally?, que
José Olympio, em 1981. Começou como editora geral, mas venderam quinhentos mil exemplares. Apareceram também
dedicou-se exclusivamente ao livro infantojuvenil, a partir nessa década a Kuarup, de Porto Alegre (forte em contos de
de 1982, ano em que Lygia Bojunga Nunes conquistou o fadas), Livros Studio Nobel, de Ricardo Azevedo, e a Editora
prêmio Hans Christian Andersen, do International Board on Manole, cujo mercado-alvo eram as crianças € os jovens, no-
Books for Young People (organização filiada à Unesco). Em tadamente com títulos da empresa norte-americana Walt Dis-
julho de 1984, a Salamandra foi comprada por Ari de Car- ney. Além dos livros infantojuvenis, segmento que na verdade
valho, proprietário dos jornais O Dia e Última Hora, que re- já abandonou, a Manole publica tradicionalmente obras de
crutou Pedro Paulo de Senna Madureira para cuidar da edi- medicina e de veterinária, tendo recentemente expandido sua
ção de obras para adultos (Nossa Escola é uma Calamidade, atuação para áreas como direito, marketing e turismo.
de Darcy Ribeiro, Tancredo Neves, Trajetória de um Liberal, O tamanho das edições (e sua implicação na viabilidade
da sobrinha, Lucília de Almeida Neves, e Autobiografia de econômica) é mais do que satisfatório: cem mil exemplares
Michael Jackson), mas deixou os infantojuvenis entregues é uma tiragem relativamente comum. Muito menos satis-
a Jordão Pereira. Mais tarde, a Salamandra introduziria os fatório é o número total de exemplares, À produção anual
pop-ups no mercado nacional. de quinze a vinte milhões de exemplares, em meados dos
Um levantamento feito, em 1982, por Corita Aguiar da anos de 1980, representava pouco mais de um livro para
Silva revelou que as editoras que tinham à venda o maior cada criança do país a cada dois anos. Tanto a pobreza dos
número de títulos da literatura infantil eram a Verbo (270 pais como a escassez de livrarias contribuem para isso, em-
títulos), a Brasil-América (200) e a Brasiliense (58). A estas bora uma reportagem de O Globo, já em 2 de abril de 1984,
seguiam-se a Ática, com sua Coleção Gato e Rato (35), a afirmasse existir no país o número quase incrível de trezen-
Melhoramentos e a Civilização Brasileira (30 cada uma), Ao tas livrarias especializadas nesse campo. No entanto, um
Livro Técnico (21), Miguilim e Agir (vinte cada), Pioneira fator muito mais importante é a extrema insuficiência de bi-
(quinze), Paz e Terra (nove), José Olympio (seis) e Berlendis bliotecas públicas. Com a abolição do Instituto Nacional do
& Vertecchia e Francisco Alves (com cinco cada uma). Até Livro pelo presidente Collor, a cidade de Brasília tornou-se
meados dos anos de 1980, a Nova Fronteira, a Abril Cul- vergonhosamente singular entre as importantes capitais do
tural e a Atual Editora também se destacaram nesse campo. mundo por não ter nenhuma biblioteca pública. Algumas —
Uma editora exclusivamente infantojuvenil e que publica poucas — localidades dispõem de um serviço de bibliotecas
autores nacionais, fundada em 1986, é a Quinteto, de pro- infantis há quarenta anos ou mais, porém, na maior parte
priedade das autoras Ruth Rocha e Ana Maria Machado e do país, o serviço de bibliotecas como provedor de leitura
de lazer para as crianças é um conceito quase desconhecido.
38. O interesse da Brasiliense pela literatura infantil data da sua cria-
À enorme maioria das bibliotecas públicas existentes, mal
ção para editar os livros de Monteiro Lobato e da senhora Leandro equipadas, parcamente mobiliadas e gravemente carentes de
Dupré, mas é significativo também o seu interesse por livros para recursos para a aquisição de livros, serve quase que somen-
jovens, como a coleção Jovens do Mundo Todo, de romances histó- te como local para os alunos mais velhos do ensino médio
ricos traduzidos, lançada em 1960 e, vinte anos mais tarde, a coleção fazerem suas lições de casa. Ao invés de oferecer às crianças
Primeiros Passos ($$119, 196). um lugar onde refugiar-se da educação formal, a biblioteca
772 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 773

atua como mera extensão da escola, Nada seria melhor para Consciente, parece, da falta de bibliotecas, o Ministério
transformar as possibilidades a longo prazo do livro no da Educação lançou, em março de 2002, um programa de
Brasil do que uma total revisão dos serviços das bibliotecas distribuição de livros infantojuvenis diretamente às crianças
públicas em toda a nação, dotando-os da vontade e dos re- da quarta e quinta séries por intermédio da escola pública,
cursos para que se tornem um eficiente provedor de leitura e somente a estas porque, segundo o Ministério, é nessa fase
de lazer, sobretudo para a geração mais jovem. Um interes- que a criança começa a ter fluência na leitura e pode cultivar
sante indicador das possibilidades reais de realização desse o hábito. Apesar do título do programa, Literatura em Mi-
sonho encontra-se no fato de que a única lei aprovada pelo nha Casa, apenas uma proporção muito pequena dos sessen-
Congresso, entre a “revolução” de 1964 ea “abertura”, con- ta milhões de livros doados estão saindo das escolas. O que
tra a clara oposição do governo, foi a resultante do projeto esperavam? Muitas escolas acham o programa injusto para
sobre bibliotecas públicas apresentado, em 1968, pelo en- os alunos das outras séries e distribuem, em todas as séries,
tão deputado Ítalo Fittipaldi, irmão de Mário, presidente da uma pequena coleção para cada professor para que possam
Edameris. O governo da época, não tendo conseguido evitar trabalhar com os alunos em sala de aula. É coinum o medo
sua aprovação, simplesmente deixou de implementá-la. À lei de que um livro na casa do aluno, sobretudo do aluno pobre,
continua em estado latente, mas é uma lei do país, e espera seja estragado, e, claro, importa mais preservar a virgindade
apenas vontade do poder Executivo para ser cumprida. do livro na estante do que arriscá-la nas mãos dos alunos. E
Um efeito secundário importante da falta de um mercado torna-se universal a atitude pedagógica da profissão. Mui-
de bibliotecas públicas suficientemente grande é que a maio- tos professores exigem que, depois de devolver um livro, a
ria das aquisições de livros infantis é feita necessariamente criança passe por um exame sobre seu conteúdo antes de po-
pelos pais, em vez de sê-lo, como nos Estados Unidos ou no der pegar outro”, Pessoalmente, estou convencido de que a
Reino Unido, por bibliotecários profissionais especializados grande vantagem da biblioteca pública sobre a distribuição
em literatura infantil. Isso significa que as editoras são obri- de livros por meio da escola é justamente a separação entre
gadas a atender a compradores cujo gosto foi formado uma as duas instituições. Tomar livro emprestado da biblioteca
geração atrás. Ainda pior, na opinião de Zeco, da Livraria pública pode ser, na mente da criança, um ato de rebeldia
Klaxon, “é raro encontrar pais que gostem de ler”; a maioria contra a educação formal (o que antigamente se chamava,
chega com sugestões, senão com indicações específicas, da com menos hipocrisia, “instrução pública”). À própria ideia
escola, e sabem muito pouco de outros livros. Não surpreen- de que qualquer livro tinha a aprovação da escola pode
de, portanto, que as edições brasileiras para crianças pade- ser contraproducente, e essa pretensão de estimular a lei-
çam de um excesso de didatismo, de um indevido cuidado tura como ato de lazer por meio de exames: nem pensar!
em evitar coloquialismos ou “incorreções” gramaticais, e de Outra queixa contra a educação formal como um meio de
uma generalizada relutância a aceitar a inovação. E, natural- estimular o amor à leitura é ilustrada por uma pesquisa da
mente, há pouquíssimo estímulo à produção de textos que Faculdade de Letras da Unesp, entre 179 alunos da sétima e
não partam do pressuposto de que seu público leitor perten- oitava séries das escolas estaduais em Assis (sp). O resultado
ce ao ambiente da classe média urbana. A única influência não foi apenas o fato de que “a baixa qualidade dos livros
capaz de alterar essas restrições do mercado foi o programa escolhidos [...] surpreendeu”, mas, muito pior, que “os es-
de coedições do antigo INL, que mostrou um firme cresci- tudantes não entendem o que lêem pois se apegam somente
mento nos seus últimos anos: de 31 títulos infantojuvenis, às informações objetivas dos livros. |...) O entendimento é
com 209 mil exemplares, em 1971, para 46 títulos, com 460 mecânico: dão valor ao nome de personagens, ao espaço em
mil exemplares, em 1977. No mercado muito maior de 1996, que se desenrola a história” — justamente o que o professor
vendeu-se (segundo a Fundação João Pinheiro) 37 867716 pode facilmente examinar.
livros infantis e 18 282 239 juvenis: juntos, constituem um
pouco mais de 40% dos 110 348 493 exemplares de livros 39. Renata Cafardo, “Livros Didáticos Doados. Não para os Alunos”,
não didáticos vendidos no Brasil naquele ano, O Estado de 8. Paulo, 11 set. 2002.
774 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 775

$204 LIVROS DE ARTE mesmo muito tempo depois de a indústria gráfica nacional
ter atingido um grau adequado de desenvolvimento para
A discriminação por assunto das estatísticas brasileiras de a maior parte dos outros tipos de livro. Em 1963, a reim-
produção de livros (tanto do seEC como do Snel) baseia-se pressão em fac-símile de Voyage pittoresque et historique
na Classificação Decimal de Dewey (CDD), tão cara às bi- au Brésil, de Debret (edição de pranchas soltas acondicio-
bliotecas públicas. À produção em cada uma das dez princi- nadas num estojo, lançada pela Distribuidora Record num
pais divisões da CDD para os anos de 1955-1964 encontra-se empreendimento conjunto com a Continental Views, de
na tabela 22 (p. 885). Ao que parece, não se dispõe de dados Nova York), teve de ser impressa no Japão. Mesmo depois
semelhantes para 1965-1968 ou 1970; mas, quando reapa- de a capacidade das gráficas brasileiras melhorar, os preços
recem (cf. tabelas 34 e 45, pp. 905 € 923), os dados do SEEC continuaram sem condições de competir com os dos livros
apresentam, em diversos casos, uma discriminação parcial importados, porque a limitação de mercado significava tira-
dessas principais classes da cpD, de acordo com uma sele- gens reduzidas, antieconômicas. Já mencionei como José de
ção ad hoc dentre as cem subdivisões de Dewey. Além das Barros Martins foi obrigado a abandonar sua Enciclopédia
limitações desse esquema classificatório, cujas divisões nem da Civilização e da Arte no volume oitavo ($160). Alguns
sempre correspondem às necessidades do comércio livreiro, anos mais tarde, a Melhoramentos desistiu de um projeto de
nenhum esforço é feito, exceto nas estatísticas do Snel, de publicar uma história da arte brasileira de Pietro M. Bardi,
1978 em diante, para distinguir os livros destinados a crian- em cinco volumes, ao verificar que o preço tornaria a obra
ças daqueles destinados ao uso na sala de aula. invendável, não obstante tenha editado do mesmo autor,
“Arte”, por exemplo, significa qualquer assunto incluído em 1975,uma História da Arte Brasileira em um volume. Em
na classe 700 de Dewey, exceto duas subdivisões: 720 (ar- 1969,0 Dicionário das Artes Plásticas no Brasil, de Roberto
quitetura) e 790 (esportes, jogos € recreação). Não está cla- Pontual, embora lançado a preço razoável, Cr$80,00, teve
ro se a subclasse 710 (horticultura decorativa, paisagismo e de ser vendido como saldo em menos de um ano após sua pu-
planejamento urbano) foi incluída na 720, 0u abandonada no blicação; nesse caso, porém, as circunstâncias peculiares da
resto da classe principal 700, de mistura com música, fotogra- editora (Civilização Brasileira) é que criaram uma situação
fia, bordado e decoração interior. De qualquer modo, dos 230 especial ($178). Do início da década de 1970 são, também,
títulos incluídos na categoria “arte”, nas estatísticas do SEEC exemplos: Presciliano Silva, de Clarival do Prado Vallada-
de 1973 (primeiro ano em que essa definição foi usada), nem res, publicado em 1973 pela Fundação Conquista, do Rio,
todos, evidentemente, eram “livros de arte”, como geralmente e Landseer, lançado em 1972 por Cândido Guinle de Paula
isso é entendido no mundo editorial. Tenho minhas dúvidas Machado. A melhor fórmula que se encontrou para a publi-
se muito mais de uma dúzia de verdadeiros livros de arte te- cação de livros de arte no Brasil é a de edição em fascículos,
riam sido publicados no mundo de língua inglesa em 1970, vendidos em bancas de jornal ($198), introduzida pela Abril
Nas livrarias de São Paulo que possuíam razoável estoque de com Gênios da Pintura, em 96 fascículos quinzenais, entre
livros de arte, na época, as vendas giravam em torno de uns julho de 1967 e abril de 1969. À venda em prestações, feita
quinhentos exemplares por mês, o que permite calcular que, em domicílio, também foi utilizada. A José Olympio e a Ex-
no país todo, somariam algo da ordem de vinte a trinta mil pressão e Cultura venderam nesse sistema a adaptação, que
por ano, muitos dos quais, porém, importados. Segundo as es- fizeram em conjunto, da série inglesa Landmarks of Art (em
tatísticas da Fundação João Pinheiro para 1996, venderam-se dez volumes, por um preço total de Cr$800).
no Brasil, naquele ano, 923 689 livros de “artes, lazer e des- À primeira tentativa de produzir uma história ilustrada
portos”: algo menos de 1% das vendas de livros quaisquer da arte no Brasil foi feita sob o patrocínio da Sul-América de
não didáticos (cerca de 110348 493 cópias). Seguros nos anos de r9so, As Artes Plásticas no Brasil, sob
Por muitos anos, o livro de arte brasileiro padeceu de a coordenação de Rodrigo Melo Franco de Andrade, que
uma qualidade de impressão precária, e era necessário que não passou do primeiro volume. A já mencionada História
os projetos mais ambiciosos fossem impressos no exterior, da Arte Brasileira, de Pietro Maria Bardi, lançada em 1975,
776 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 777

foi uma obra individual e, por isso, menos exaustiva e ambi- em diferentes países, que objetivam uma economia de es-
ciosa. Em 1979, a Abril Cultural editou A Arte no Brasil, em cala pelo menos em relação à parte da produção conjunta
fascículos, uma obra necessariamente mais jornalística. Final- linguisticamente não específica — principalmente as ilustra-
mente, cinco anos de trabalho coordenado por Walter Zanini ções. Exemplos disso são a série Enciclopédia dos Museus,
produziram, em 1983, vinte mil exemplares da sua História da Melhoramentos, em associação com a Mondadori, da
Geral da Arte Brasileira, patrocinada pela Fundação Djalma Itália, iniciada com O Ermitage (lançada em fins de 1982,
Guimarães e pelo Instituto Walter Moreira Salles, com 1115 ao preço de Cr$4 650), € a série Arte, de Ao Livro Técnico,
páginas e 1 400 fotografias de quarenta colaboradores”. em associação com a Hamlyn, de Londres (A Arte de Rem-
As Edições Pinakotheke, de Botafogo, pretendendo ofe- | brandt, de Douglas Mannering, A Arte de Michelangelo, de
recer “as melhores publicações sobre arte brasileira”, ga- Nathaniel Harris etc.).
nhou por duas vezes, nos anos 1980-1983, 0 Prêmio Jabuti, Embora adequados primordialmente a livros de arte,
o Prêmio Gonzaga Duque da Associação Brasileira de Crí- tais esquemas cooperativos também são úteis para qual-
ticos de Arte e o Prêmio Nacional da Literatura do INL no quer outro tipo de publicação com muitas ilustrações; por
gênero biografia. Entre os títulos publicados nessa época, exemplo, de Ao Livro Técnico, Carros Clássicos, de Peter
estão incluídos Núcleo Bernardelli: Arte Brasileira nos Anos Roberts, Anatomia da Arquitetura, de George Marshall
30 e 40, de Frederico Morais, História da Pintura Brasileira (ambos em convênio com a Hamlyn) e Zero AGM, de W. P.
no Século x1x, de Quirino Campofiorito, e Universo do Car- Willmott (em convênio com Bison Books), todos de r980.
naval: Imagens e Reflexões, de Roberto da Matta. Esse tipo de arranjo explica como a Melhoramentos pôde
Dentre as editoras brasileiras de arte destaca-se a Livra- produzir sua excelente coleção Prisma, de livros de bolso,
do Rio, constituída por Erich Eichner, em 1935,
ria Kosmos, a preço reduzido ($107), embora com ilustrações em poli-
para especializar-se em livros de luxo. Já em 1943, seu lan- cromia em quase todas as páginas. Infelizmente, porém, a
çamento Vistas e Costumes da Cidade e Arredores do Rio importação de fotolitos ou filmes, para impressão ou para
de Janeiro em 1819-20, reproduzindo 36 aquarelas de sir qualquer outro fim, estava sujeita a pesadas taxas alfan-
Henry Chamberlain, foi qualificado pelo Anuário Brasileiro degárias, de modo que frequentemente as editoras acham
de Literatura como “o mais belo livro” do ano; seguiu-se, mais barato utilizar a adaptação preparada para a edição de
em 1944, à primeira edição em português de Ornitologia Portugal, trazendo-a para o Brasil sob a forma de livro aca-
Brasileira, de Jean Théodore Descourtilz. Um pouco mais bado ou em folhas. Há também o problema do (inevitável?)
recentemente, a editora, numa tentativa de exportar, publi- viés nacional de quem quer que seja escolhido para autor
cou algumas edições em inglês: Profile of the New Brazilian ou compilador, para não falar das necessidades comerciais
Art, outra obra de Bardi, saiu em 1971, numa edição de mil de qualquer que seja a editora que tenha concebido o pro-
exemplares, a Cr$r00. jeto. Em 1979, a Difel publicou uma coleção profusamente
Eichner participou também, com Walter e Stefan Heyerhahn ilustrada de história da arte, a História Mundial da Arte, de
e a Meulenhoff and Company, do consórcio de edições de arte E. M. Upjohn, que dificilmente teria sido economicamen-
Colibris do Rio e Amsterdã. A Colibris publicou em inglês: Bi- te viável no mercado normal de livros por qualquer outro
bliographia Brasiliana: A Bibliographical Essay on Rare Books método. Mas o autor era um inglês, que deu atenção des-
about Brazil, de Rubens Borba de Moraes, em 1958 (uma se- proporcional à arte do mundo de língua inglesa. No volume
gunda edição, aumentada, saiu pela Kosmos, em 1983). sobre o Barroco, as manifestações desse estilo na América
Algo semelhante ao empreendimento da Colibris é a Latina são tratadas sumariamente em meia página, ao passo
tendência no sentido de publicar coproduções internacio- que todo um capítulo é dedicado à obra de sir Christopher
nais, com o envolvimento de várias editoras independentes Wren, um arquiteto que mal se encaixa na tradição desse
estilo fundamentalmente católico romano. Pior ainda é o
40. Cf. “Com Fôlego e Muito Método”, IstoÉ, n. 363, pp. 56-58,7 tratamento dado, na seção sobre a pintura do século xvim, à
dez. 1983. produção dos artistas coloniais norte-americanos, que não
778 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 779

podem ter mais que um interesse de curiosidade fora dos nando Vitale (Música Brasileira para Contrabaixo), a carioca
Estados Unidos... Mas a editora original era a filial de Nova Editora Lumiar, de Almir Chediak (Songbook Tom Jobim),
York da Oxford University Press. Editora Melodias Americanas e Editora Musical Fermata,
É importante observar que uma grande proporção dos ambas também de São Paulo.
livros de arte stricto sensu publicados no país só é viável Tomada como um todo, a classe 700 mostra um notável
porque são obras encomendadas (ou aceitas) por empre- crescimento nas últimas quatro décadas. Em 1969, 0 Brasil
sas ou órgãos oficiais, que adquirem a maior parte da tira- produziu oitenta títulos de arte e arquitetura; em 1978, 0
gem, senão toda, para distribuição gratuita com fins pro- SEEC atribuiu 347 títulos a essa classe, exceto arquitetura,
mocionais ou institucionais. Entre os inúmeros exemplos porém grande parte desse aumento se deve aos livros escola-
surgidos no começo da “abertura” (quando realmente se res. Em 1990, entre edições e reedições, a CBL incluiu nessa
tornou popular este tipo de livro), citemos o excelente ÁI- classe 701 títulos (1,6 milhão de exemplares) e, em 2003,
bum da Avenida Central (encomendado pela João Fortes 440 títulos (1,14 milhão de exemplares), com uma queda de
Engenharia e publicado em 1983 pela editora Ex-Libris, mais de 20% em relação a 2002.
de São Paulo), o magnífico Aspectos da Arte Religiosa no Desde meados dos anos de 1990, entre as editoras que
Brasil, de Clarival do Prado Valladares (encomendado pela vêm contribuindo com lançamentos de livros de arte es-
Construtora Norberto Odebrecht e publicado pela Spala tão a Edusp e a Cosac « Naify. À primeira, começando
Editora, do Rio, em 1981), Arte da Prata no Brasil (1979), em 1995, já editou dezesseis volumes da coleção Artistas
Mestres, Artífices, Oficiais e Aprendizes no Brasil (1981), Brasileiros e mais catorze da Artistas da us», além de ou-
A Madeira, desde o Pau-brasil até a Celulose (1982) e Lem- tros títulos fora de coleções, podendo ser considerada pio-
branças do Trem de Ferro (1983), todos de Pietro M. Bar- neira — e não somente entre as editoras universitárias — na
di e patrocinados pelo Banco Sudameris do Brasil. Entre publicação sistemática de estudos sobre artistas do país.
os muitos outros exemplos, podemos citar Museu de Arte Em seu catálogo constam títulos dedicados tanto a ar-
Sacra de São Paulo, do Banco Safra, A Via-crúcis de Rai- tistas consagrados, como Pedro Alexandrino e Cândido
mundo de Oliveira (textos de Antônio Celestino e outros), Portinari, como a outros contemporâneos, entre eles Alex
patrocinado pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, Flemming, Renina Katz e Evandro Carlos Jardim. Já a Co-
de 1982. Esse tipo de “publicação como brinde” constitui sac & Naify foi fundada em 1997 especificamente como
uma forma de promoção caraterística também da empresa uma editora voltada para os livros de artes visuais: mo-
automotiva Volkswagen, responsável por A Cor na Arte nografias sobre artistas brasileiros, ensaios sobre história
Brasileira (1982) e Mestres do Desenho Brasileiro (1983), e teoria da arte, cinema, teatro, design, arquitetura, foto-
de Jacob Klintowitzs!. grafia, dança e moda, tendo diversificado seus lançamen-
Já mencionamos a inclusão, dentro dessa classe “arte”, tos apenas após o ano de 2007, quando passou a editar
de música, fotografia, bordado e decoração interior. Destes, também livros de literatura e ciências humanas, além de
é claro, o primeiro merece uma menção separada, embora obras infantojuvenis.
breve. O Anuário Editorial Brasileiro de 1998 indica cerca Mais recentemente, no princípio do novo século, a Me-
de trinta editoras que editam livros de música ou sobre mú- lhoramentos introduziu o selo pBA-Melhoramentos, dedi-
sica, mesmo que, apenas em cinco casos, seja a música seu cado a livros de arte, com tiragem mínima de três mil exem-
principal negócio: Editora Irmãos Vitale, do paulistano Fer- plares, pretendendo, assim, tornar-se a maior editora de arte
no Brasil. Atualmente, também, o Brasil é o segundo maior
41. CÍ.“Só para os Clientes: Superando os Calendários, Empresas Pro- mercado na América Latina da editora alemã Taschen, es-
duzem Brindes com Arte, Qualidade e Temas Brasileiros”, Veja, n. 694, pecializada em livros de arte, que edita 89% de seus títulos
PP. 95-96, 23 dez. 1981, e “Um Papai Noel para Poucos: Geralmente com versões em português.
Fora do Comércio, os Livros de Arte se Transformam em Disputados
Brindes de Natal”, IstoÉ, n. 417, pp. 44-45, 19 dez. 1984.
vão Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 781

$205 OUTROS MERCADOS DE LIVROS ESPECIALIZADOS sobre a juventude e o casamento, surpreende de vez em
quando pela natureza abrangente da sua produção, sendo
À maneira como a inclusão de livros escolares pode distorcer exemplo o livro Moral e História em John Locke, de Edgar
o quadro estatístico geral fica evidente quando se observam José Jorge Filho.
os dados para a classe 400, filologia. Diz o sEEC que 692 tí- Mais típica, talvez, é a empresa Edições Paulinas, fun-
tulos, numa média de 17 164 exemplares, foram publicados dada na Itália pelo padre Tiago Alberone e pela irmã Tecla
nessa classe em 1978. Contudo, o Snel, que excluiu os livros Merlo, que enviou o padre Bento Bonno para São Paulo, no
didáticos de seus dados de 1979, registra apenas 211 títulos, início de agosto de 1931, como o primeiro passo para a ex-
com uma média de 9 840 exemplares para cada um. pansão da congregação paulina pelo mundo. Publicou uma
Dentro dessa classe 400, o crescimento do inglês como versão brasileira da revista Família Cristã desde 1934. Logo
a nova língua franca do mundo moderno está, natural- começou a editar manuais de catequese, livros de formação
mente, criando um mercado, explorado especialmente pela cristã e obras pias, na sua maioria traduzidos. Nos anos que
Livraria Martins Fontes, importadora das publicações da se seguiram à Segunda Guerra Mundial, houve sensível au-
Cambridge University Press, Oxford University Press e mento da proporção de autores nacionais. Somente depois
Addison-Wesley Longman. do Concílio Vaticano 11 e do 11 Encontro Latino-americano,
A classe 100 (filosofia) tem, claramente, um mercado bas- realizado em Medelin, é que a linha editorial mudou, ao tra-
tante limitado. Talvez a coleção Os Pensadores, da Abril/Nova zer para o Brasil obras de Bonnard, Cerfaux, Feuillet e J. Je-
Cultural, nos anos de 1970, tenha sido o primeiro esforço, nos remias. Mudou de novo, depois de 1978, com a publicação
tempos recentes, de oferecer ao público brasileiro as obras de títulos sobre reinterpretação da história, emergência da
dos principais filósofos traduzidas para o português. À essa mulher e, ainda, medicina popular. No final de 1987, veio
seguiu-se, em 1988, a Biblioteca Pólen, da Editora Iluminuras. à luz O Novo Testamento, Edição Pastoral e, em abril de
A classe 200 (religião) escapa facilmente à atenção do 1990, a edição completa da Bíblia Sagrada, Edição Pasto-
observador das livrarias da classe média por ser o coração rals:, Em 1994,a editora dividiu-se em duas: a Paulinas (pa-
do seu mercado alhures. Mas nem por isso deixa de ser sig- radidáticos) e a Paulus (humanidades e bíblias), mas ambas
nificativa; os livros dirigidos aos protestantes evangélicos continuam a publicar literatura infantojuvenil.
constituem o terceiro mercado do mundo: somente nos Es- A Congregação dos Padres Salesianos fundou, em 1962,
tados Unidos e na China existe uma demanda maior. Das a editora salesiana Dom Bosco, que edita livros religiosos e
pessoas entrevistadas na pesquisa Retrato da Leitura no Bra- infantojuvenis. À FTD, dos Irmãos Maristas (o nome provém
sil, 30% dos brasileiros e 50% das brasileiras declararam os de Frei Théophane Durand), foi constituída, em 1902, e em
livros religiosos entre suas leituras habituais, tornando-os 1965 começou a participar do programa da Colted ($173),
a categoria citada com mais frequência. Atualmente, mais mantendo sua concentração nos livros didáticos.
de 10% dos livros vendidos no Brasil são religiosos; no en- A classe 300 (ciências sociais), o maior componente da
tanto, a quantidade varia bastante de ano para ano, soman- tabela 34, constitui-se de muitos assuntos díspares. O di-
do 25 300000 em 1990, 48 100000 em 1993, mas apenas reito e a ciência jurídica constituem um campo domina-
11281187 em 1996. Só de Bíblias foram impressos, em do por algumas poucas editoras especializadas, de capi-
2003, segundo o Snel, cerca de 5700000 exemplares, porém tal brasileiro, com o quase monopólio do autor nacional;
muitos destes em línguas estrangeiras, feitos sob encomenda publicavam-se no final dos anos de 1970 setecentos a oi-
para editores no exterior, graças à atual competitividade da trocentos títulos por ano, com cerca de cinco milhões de
indústria gráfica brasileira. O maior dos sócios da Abec (As- exemplares; dos títulos registrados em 1978 apenas oito
sociação de Editores Cristãos) é a Editora Mundo Cristão.
Já falamos da mais importante das editoras religiosas ca- 42. Fernanda d'Oliveira, “A Imprensa como Púlpito: As Paulinas
tólicas, a franciscana Editora Vozes ($$185, 196). À Loyola Comemoram seus 60 Anos de Brasil”, Diário de Pernambuco, 20
(estabelecida em 1963), que publica principalmente livros jul. 1997.
782 Na Epoca da “Abertura” Na Época da “Abertura” 783

eram traduções*. Nos dados da cBL referentes a 1990, 05 se dispunha, em 1984, de quatro edições da Presença, três
livros classificados como sendo de ciências sociais somaram da Ibrasa, duas da Nobel e da Edições 70, uma da Rigel, da
1332 títulos e sete milhões de exemplares, entre edições e Summus e da Tecnoprint Gráfica, além das várias obras im-
reedições; nesse ano, no entanto, há uma categoria especí- portadas de Madri e de Barcelona.
fica para os livros de direito, na qual aparecem mais 390 Dentro da classe 640, são de maior importância no mer-
títulos em primeira edição e 1228 em reedição, somando cado os livros sobre culinária, dos quais já citamos vários
mais sete milhões de exemplares, aproximadamente. Esses no curso desta história. Na pesquisa Retrato da Leitura no
catorze milhões de exemplares de livros de direito e ciências Brasil, a culinária foi o interesse mais citado pelas mulheres,
sociais mostram um crescimento de quase 200% em doze depois da religião: 33% das entrevistadas escolheram esse
anos, que seria ainda maior se a eles se somassem os exem- tema como leitura habitual.
plares de outras classes que em 1990 foram apresentadas A agricultura (630), classe que, estranhamente, sempre
separadamente. Em 2003, as ciências sociais voltaram a ser fora negligenciada pelas editoras brasileiras, cresceu 390%
uma única grande classe, na qual aparecem 4 180 títulos em uma década, passando de 31 títulos em 1969 para 152 em
e catorze milhões de exemplares. À política cresceu de 51 1978, embora grande parte desse incremento se explique,
títulos, em 1973, para 193 em 1978, dos quais 23 eram sem nenhuma dúvida, mais pelo crescimento das publica-
traduções. Isso reflete, sem dúvida, as oportunidades mais ções do governo do que das publicações comerciais. Depois,
amplas proporcionadas pela “abertura”, embora as livra- a Editora Nobel, de Ary Kuflik Benclowicz, começou a dedi-
rias registrassem então uma diminuição em suas vendas. car-se a essa área, publicando uma coleção, a Biblioteca Ru-
Enquanto houve constante apreensão de material suspeito ral, além da edição de textos sobre tecnologia agropecuária
pelas autoridades, os leitores arrebanhavam tudo quanto e sociologia rural,
estivesse ao seu alcance, com medo de que desaparecesse. Os títulos publicados sobre a ciência e o uso do computa-
No decorrer dos anos de 1980, esse medo foi-se dissipando, dor já chegaram a cerca de 140 em 1984. Uma editora que se
e com ele a pressão no sentido da compra imediata. A área destacou na área de informática, bem como nas de ciências,
de administração pública, ao contrário, praticamente não administração e economia, é a Makron Books do Brasil,
cresceu: 99 títulos novos e catorze reedições foram publi- formada quando a McGraw-Hill do Brasil saiu temporaria-
cados sobre esse assunto em 1973, €, em 1979, 106 títulos mente do país. Em 2000, a editora foi adquirida pelo grupo
novos e catorze reedições. Os livros sobre ciência militar Pearson Education e desde então os livros de informática e
chegaram a cair de produção: de oito edições em 1969€ 22 negócios continuam sendo publicados com o selo Makron
em 1971 para apenas quatro em 1978. Books, líder de mercado nestes segmentos.
Tomando, para comparação, duas categorias inócuas As já citadas estatísticas da Fundação João Pinheiro para
de interesse geral, as classes 640 (artes domésticas) e 790 1996 registram vendas de $ 110936 livros de tecnologia e
(esportes, jogos e recreação), verificamos que o número de ciências aplicadas e de 6743 948 de ciências sociais, assina-
títulos publicados por ano cresceu de dezessete para 62, no lando, em conjunto, mais ou menos 10% de todos os livros
primeiro caso,e de 63 para 373,no segundo. Em 1978, eram não didáticos vendidos no país naquele ano.
traduções apenas quatro dos títulos da classe 640, mas 222
dos da classe 790. Curiosamente, poucos livros da classe
790 tratavam do futebol. Como demonstrou o fracasso da OS LIVROS IMPORTADOS $206
José Olympio com Jogando com Pelé ($152), o maior país
futebolista do mundo não lê livros sobre o futebol. Isso con- Quando vim pela primeira vez ao Brasil, em 1970, fiquei
trasta com as obras sobre xadrez, por exemplo, área em que realmente chocado com o fato de que a agricultura parecia
ser o único assunto, tirando os clássicos da literatura, em que
43. A maior delas é a Saraiva, que mantém essa posição há décadas e é as livrarias dependiam amplamente das obras importadas de
seguida pela Atlas, pela Revista dos Tribunais e pela Forense. Portugal. Essa impressão foi apoiada por uma comparação
784 Na Época da “Abertura” Na Epoca da “Abertura” 785
entre estatísticas brasileiras e portuguesas sobre a produção livros (tabela 19, p. 872), mas apenas 2% do que os america-
de livros. Embora, de muitos anos para cá, o Brasil venha nos exportavam em livros. Mesmo assim, isso ainda tornava
produzindo mais títulos por ano do que Portugal, a distribui- o Brasil o oitavo maior comprador estrangeiro dos EUA, até
ção entre os assuntos tem sido bastante diferente. Em 1973, que os acontecimentos de 1982 impuseram uma drástica re-
por exemplo, a produção total do Brasil, segundo o SEEC, dução em todas as importações do Brasil, que caiu para a dé-
foi de 8 035 títulos em contraste com 6173 de Portugal. O cima quarta posição. No entanto, os dados globais dissimu-
Brasil produziu muito mais títulos nas classes ooo (obras lam a especial importância do Brasil para certos setores da
gerais), 100 (filosofia) e 200 (religião): 1443 contra 360 de exportação de livros dos EUA. Em 1970, foi o segundo maior
Portugal. Nas classes 300 (ciências sociais), 400 (filologia) cliente estrangeiro de dicionários, comprando 18,3% dos
e 800 (literatura), o Brasil mostrou uma vantagem apenas exportados nesse ano, o segundo cliente estrangeiro de bí-
ligeira. Portugal ganhou na classe 900 (história e geografia): blias e livros religiosos, alcançando ro,r% das exportações,
638 contra 284. Também foi superior nas classes 500, 600 e o quinto maior cliente de enciclopédias, adquirindo 3% do
e 700 (ciência, tecnologia e artes), com 2357 contra 1547 total exportado. Para a Espanha, o Brasil tem sido, há muito
do Brasil, sendo a diferença mais acentuada na classe 600, tempo, um dos principais mercados de língua não espanhola,
na qual foram publicados em Portugal quase o dobro de colocando-se, em 1970, em terceiro lugar (depois dos EUA €
títulos. Na época da “abertura”, os livros de ciência e tecno- da França). Na América Latina, a indústria editorial do Brasil
logia eram responsáveis pela metade dos livros importados negocia mais com a Argentina, mas nesse caso a balança é
de Portugal: 49% no peso, 57% no valor. No conjunto, os ligeiramente favorável ao Brasil. Compra aproximadamente
livros de ciência e tecnologia provenientes de Portugal, em 2% das exportações argentinas de livros (o que faz do Brasil
1979, representaram 3,8% de todas as importações de livros o sexto cliente daquele país), mas é responsável por 3% das
no Brasil (quer por peso, quer por valor). importações argentinas de livros (o que lhe dá o sétimo lugar
As importações contribuem ainda para o consumo de entre os fornecedores da Argentina).
livros no Brasil. Constituífam um terço das vendas de livros
em 1929, chegavam a cerca de um quinto no fim da Segunda
Guerra Mundial e, no mercado muito maior do final da déca- A ALFABETIZAÇÃO E O GOSTO DE LER $207
da de 1970, ainda representavam uma parcela significativa dos
livros vendidos no país. Isso significa que o Brasil continuava À literatura é, em certo sentido, o único mercado não es-
sendo um importante mercado de exportação para muitos paí- pecializado. Em qualquer circunstância, seu consumo é um
ses estrangeiros. Para Portugal, era o mais importante cliente indicador muito bom do tamanho real do mercado do livro
do exterior, representando cerca de dois terços do mercado de em geral. Este tem sido estimado entre meio milhão e dois
exportação daquele país, adquirindo três vezes mais do que milhões de consumidores. Eu, pessoalmente, consideraria a
todos os outros países de língua portuguesa juntos. Em 1978, menor dessas cifras a mais provável.
a editora lisboeta Presença, de livros técnicos e “faça você mes- Toda divisão de uma nação em classes socioeconômi-
mo”, exportava para o Brasil 20% de sua produção total*. cas é, inevitavelmente, imperfeita, mas a tabela 47 (p. 930)
Os livros que o Brasil comprava dos Estados Unidos re- apresenta uma proporção surpreendentemente constante de
presentavam cerca de 40% do total de suas importações de brasileiros que poderíamos identificar, razoavelmente, como
compradores potenciais de livros, entre cinco e seis por cen-
44- Herbert R. Lottman, “Publishing in Portugal”, Publishers Weekby, to da população: ou seja, 4350000 em 1970, seis milhões
vol, 219,n. 19, pp. 29-35, 8 maio 1978, Mesmo antes da descoloniza- em 1980 ou dez milhões no ano 2000.
ção, o Brasil constituía um mercado muito mais importante para Por- No entanto, considere-se também a questão da inclina-
tugal do que suas “províncias de além-mar”: em 1968, por exemplo, ção para a leitura, Em quanto deveremos reduzir esses nú-
Portugal exportou us$387 soo para o Brasil, us$93 750 para Angola meros para excluir os indivíduos não leitores por tempera-
e us$34 375 para Moçambique. mento? Há indícios de que a cultura brasileira não estimula
786 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 787

o hábito da leitura. Há aproximadamente um século e meio, [...] está se tornando o prazer [...] de muitos e está afetando
Elizabeth Agassiz, descrevendo a vida numa fazenda rica, sensivelmente o mercado editorial”sº, Cavan McCarthy chega
onde encontrou por acaso um livro deixado sobre o piano, a falar de uma “não reconhecida sede de leitura”s*.
observou: “Um livro é coisa tão rara nas casas das famí- Os pessimistas parecem levar vantagem na discussão.
lias que fiquei curiosa em saber qual seria o conteúdo dele”. Possuem, certamente, impressionante coleção de fatores su-
Acontece que era um desses livros tediosos e moralizantes postamente inibidores do desenvolvimento natural do amor
para senhoras, e a sra. Agassiz comenta: “nada impressiona pela leitura. Há a falta de uma preocupação protestante com
tanto o estrangeiro como essa ausência de livros nas casas a leitura [a Bíblia] como o único caminho da salvação; a
brasileiras”, sendo exceções quase únicas os livros profis- tradição autoritária na educação, e sua deficiência em esti-
sionais necessários em residências de médicos e advogados*s, mular a investigação individual; a preocupação do governo,
Cinquenta anos mais tarde, outro americano, William Cook, até bem pouco tempo, de controlar a literatura censurável; a
afirmava que os brasileiros raramente lêem, “preferindo des- atração oposta das praias e da televisão, além de condições
perdiçar seu tempo em conversas inúteis”+*, Em 1959, 0 edi- climáticas que não induzem à recreação dentro de casa. Há
tor literário José Martins afirmava que “o comércio do livro também a herança lusitana do Brasil à qual, como de hábi-
+”.
em São Paulo é recente, o hábito de leitura inexistente” to, se atribui parte da culpa. Com relação a isso, porém, cu
E um relatório de 1981, dirigido aos livreiros e editores do citaria o levantamento feito pelo Reader's Digest sobre a
Reino Unido, afirmava simplesmente que o Brasil “não é um leitura na Europa, em que Portugal encontra-se em penúl-
mercado de leitores de livros”+*. timo lugar na proporção da população que não lê livros de
É possível que opiniões contrárias sejam mais raras, mas modo nenhum (72%), mas está em quarto lugar (depois do
certamente existem, como a observação de Bates (o naturalis- Reino Unido, França e Dinamarca) na porcentagem de lei-
ta do Amazonas), por exemplo, sobre amor pela leitura, que tores que haviam lido meia dúzia de livros no ano anterior
considerou favorecida positivamente pelo clima, “bem ade- (53%): parece que os portugueses são, em sua maioria, maus
quada às horas quentes e preguiçosas do meio-dia”+º, Setenta leitores, mas as exceções são ávidos leitoress:. Muito mais
anos mais tarde, ouvimos o editor Galeão Coutinho afirmar importante, parece-me, é o fato de o Brasil continuar a ser,
que o Brasil era uma terra de autodidatas, onde o público pe- em todos os níveis, uma sociedade essencialmente oral. Mes-
gava o que quer que se lhe oferecesse, ainda que mais para ler mo na administração pública, o texto escrito — a despeito de
do que para estudar. Alguns anos depois, Rui Bloem, embora sua opressiva abundância — existe antes como instrumento
afirmasse que os brasileiros não costumavam ler, procurava legal meramente formal de um dado processo; mas é oral-
provar, a partir de estatísticas da Biblioteca Pública de São mente que a sua implementação será transmitida e que se
Paulo, de 1944, que tudo havia mudado, graças a melhoras buscarão informações complementares. À bem da eficiência,
no desenvolvimento da educação. O mesmo ponto de vista se isso certamente mudará à medida que o país se desenvolver.
repete em Antônio F. Carpinteiro, em 1973: “o hábito de ler

45. Louis e Elizabeth Cary Agassiz, Viagem ao Brasil: 1865-1866, 50.º0 Livro Técnico e Científico no Brasil Atual”, Fichero Bibliográ-
traduzido por E. Siússekind de Mendonça, São Paulo, Nacional, 1938; fico Hispanoamericano, vol. 12,n. 12, p. 340, Set. 1973.
reedição: 1968. Original em inglês: A Journey in Brazil, Boston, Tick- $1. Cavan Michael McCarthy, Developing Libraries in Brazil, with
nor and Fields, 1868. a Chapter on Paraguay, Metuchen (NJ), Scarecrow Press, 1975. Ver
46. William Cook, Through the Wilderness of Brazil, Londres, Fisher também desse autor, “Writing from the Front Line; An Overview of
Unwin, 1910. Brazilian Political Publications, Pamphlets and Ephemera from the
47. Boletim Bibliográfico Brasileiro, vol. 7,n. TI, Pp. SIO-SII. Period of the Abertura, 1978-1979”, em Continuity and Change in
48. [Thomas J. Maughaml], Brazil: Translation Rights Market, São Brazil and the Southern Cone: Papers of the 3 5º Salalm, Rio de Janei-
Paulo, British Council [1981]. Relatório spa/264/2. ro, 1990, Albuquerque, Secretariat of the Seminar on the Acquisition
49. Henry Walter Bates, Naturalist on the River Amazons, Londres, of Latin American Library Materials, 1992, pp. 60-80.
John Murray, 1863. 52. “Survey of Europe today”, Reader's Digest, 1979.
788 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 789

E, quando isso mudar, toda a atitude da nação diante da pergunta sobre o nome do melhor escritor brasileiro: pro-
palavra impressa também mudará. vável indicação de que mais de dois terços dos que foram
É difícil conseguir algo mais tangível e objetivo do que interrogados tinham tão pouco contato com o mundo dos
essas impressões pessoais. Muitas editoras brasileiras afir- livros que não conseguiram sequer lembrar-se do nome Jorge
mam realizar pesquisas de mercado referentes a títulos ou Amado (ou Machado de Assis).
tipos específicos de livros; entre aquelas de maior alcance Mário da Silva Brito, comentando na época a pesquisa de
encontra-se a feita pela Abril, antes do lançamento de sua São Paulo, salientou que, enquanto o paulistano médio des-
coleção Grandes Sucessos ($198). Encontram-se ainda di- pendia nove cruzeiros por ano em livros (o dobro da média
versos estudos sociológicos independentes sobre hábitos de nacional), suas idas ao cinema custavam-lhe Cr$143,20, para
leitura, mas todos eles, aparentemente, restringem-se a uma não falar nos desconcertantes Cr$997,60 que apostava em cor-
categoria limitada de leitores: estudantes, crianças, ou ope- ridas de cavalo. Os paulistanos descendentes de japoneses, ao
rários industriais”, contrário, chegavam a gastar Cr$200 por ano em livros. (Pre-
Parece que, quando escrevi a primeira edição desta histó- sumivelmente, Mário da Silva Brito referia-se a livros em lín-
ria, apenas um levantamento geral sobre o leitor brasileiro gua japonesa, pois, de outro modo, como poderia ter sabido?)
havia sido realizado, há quase sessenta anos, numa única ci- A Datafolha realizou pesquisa semelhante em novembro
dade (atípica). Em 1955,a Câmara Brasileira do Livro, numa de 1993. Exatamente ço% dos paulistanos responderam,
pesquisa de opinião feita em São Paulo, fez a adultos letrados dessa vez, que não tinham lido livro nos últimos doze meses,
quatro perguntas interessantes, embora um tanto confusas: 29% por não ter tempo, 12% por falta de interesse, 6,5%
“Você está lendo algum livro atualmente?”, “Você lê regular- por falta de paciência, e 4,5% por razões econômicas, De
mente?”, “Qual é o maior escritor do mundo?” e “Qual é o outro lado, 6% disseram ter lido dez livros ou mais.
melhor escritor brasileiro?” Resultado parecido veio da pesquisa encomendada ao
Os 28,9% que afirmaram ser leitores regulares contras- Instituto Vox Populi, em agosto de 1995, pelo Jornal do Bra-
taram com os dados alcançados em pesquisas semelhantes: sil, cuja amostragem de 3 153 pessoas acima de dezesseis
53,5% na Espanha, so% na Inglaterra, 209% nos Estados anos, em 253 municípios, refletiu os percentuais de idade,
Unidos e 9% na França; porém, a pergunta aos franceses sexo, escolaridade, nível econômico e região apontados pelo
foi especificamente “Você leu onze livros nos últimos quatro Censo. À metade da população alfabetizada (69% no Nor-
meses?”, ao passo que na Espanha a pergunta foi apenas: deste, 52% no Sudeste, 49% no Sul) disse não ler livros,
“Lee usted libros?”s*, (O inquérito do Reader's Digest que 41% fazia-no raramente, apenas 9% comprava regularmen-
acabamos de mencionar, ao indagar se haviam lido seis livros te. Também 9% tinha mais de so livros em casa: 1% dos
nos doze meses anteriores, teve resposta afirmativa de 39% ganhadores de até um salário mínimo, 5% daqueles com
dos entrevistados na Dinamarca e na Inglaterra, de 33% renda de um a cinco salários mínimos, 13 % daqueles de cin-
dos franceses, 15% dos portugueses, 14% dos austríacos co a dez, e 32% com mais de dez salários mínimos. À leitura
e 9% dos italianos.) Resultado mais indicarivo da pesquisa foi a primeira opção de lazer de 7%, enquanto apenas 67%
de São Paulo foram os 68,1% que deixaram de responder à dos leitores faziam-no principalmente por prazer e para
16% era um ato apenas de necessidade. Os autores preferidos
eram Jorge Amado (67%), Paulo Coelho (55%), Machado
53. Carlos Alberto de Medina,em “A Função Social do Livro na Atual de Assis (3%), Sidney Sheldon (2%). Nesse aspecto, José de
Realidade Brasileira” (em Uma Política Integrada do Livro para um Alencar, Monteiro Lobato, Agatha Christie, Chico Xavier,
País em Processo de Desenvolvimento, São Paulo/Rio de Janeiro, Carlos Drummond de Andrade, Lair Ribeiro, Érico Verís-
Câmara Brasileira do Livro/Snel, 1976, pp. 87-164), analisa alguns
deles, mas houve ainda outros: ao todo, cerca de sessenta até 1985.
simo, Cecília Meireles e Vinícius de Moraes foram citados
54. Na França, a pesquisa foi feita, em 1965, pelo Syndicar National como lidos (ou lembrados da época de escola!) por 1% cada.
des Éditeurs Français; na Espanha, pelo Instituto de la Opinión Pú- Entre 10 de dezembro de 2000 e 25 de janeiro de 2001,
blica Espanola. a Câmara Brasileira do Livro, a Bracelpa, o Sindicato Na-
790 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 791

cional de Editores de Livros e a Abrelivros encomendaram à de um serviço de bibliotecas públicas bastante eficiente (e
agência A. Franceschini Análises de Mercado uma pesquisa, com a segurança de que qualquer pessoa encontrará nesse
Retrato da Leitura no Brasil's, para “identificar a penetração serviço a maior parte daquilo que deseja ler), são poucas
da leitura de livros no Brasil e o acesso a livros”, entrevistan- as bibliotecas públicas em que mais de 25% de sua “popu-
do uma amostra do público brasileiro com idade de catorze lação alvo” está inscrita. Com base nisso, podemos redu-
anos ou mais e que tivesse três anos ou mais de instrução: zir seguramente nossos seis milhões de leitores regulares
cerca de 130 habitantes de cada uma das 48 cidades de todas em potencial para 1,5 milhão. Muitas pessoas podem ler
as regiões do país, além de 433 habitantes da Grande São diversos livros por ano, mas este é o limite por título no
Paulo (o maior mercado editorial). Concluiu-se que 20% “coração” do mercado. Todavia, nem todo leitor compra-
da população adulta alfabetizada (quer dizer, 17 200000) rá seu próprio exemplar. O empréstimo particular, total-
comprou pelo menos um livro em 2000 (embora, em São mente independente do suprimento de biblioteca pública,
Paulo, esse número fosse de 22%). O número de leitores reduz significativamente o tamanho do mercado. Robert
adultos seria, obviamente, um pouco maior: essa pesquisa Escarpit, perito em livros da Unesco, afirma que, na Fran-
sugere 26 milhões, ou 30% da população alfabetizada (por ça, cada livro é lido em média por 3,5 leitores; no Brasil,
ter lido pelo menos um livro nos últimos três meses) - um onde grandes famílias possuem ligações mais estreitas e um
mercado 8,5 vezes maior que o número de leitores (37% da maior papel social nas relações pessoais, essa tendência a
população) de Portugal (segundo uma pesquisa de 1995), emprestar livros deve ser sensivelmente maior. (Há também
e 11% mais do que o mercado francês (49% da popula- um comércio desenvolvido de livros de segunda mão, pelos
ção segundo pesquisa de 1989). Tais conclusões vão muito “sebos”, ainda que hoje seja apenas uma parcela do que era
além da visão pessimista que acabo de dar. A diferença jaz quarenta ou cinquenta anos atrás — mas cf. $215). Mesmo
na proporção de compradores (e, implicitamente, leitores) aceitando a cifra oferecida por Escarpit, teríamos um limite
que a pesquisa afirma ter encontrado entre as classes econô- de 430 mil leitores. Só que ainda não levamos em conta a
micas B e C. Na classe B, a proporção de compradores é de idade de nossa população. Deduzindo 13% para excluir
29%, ou quase a metade da proporção (48%) encontrada os menores de cinco anos, temos 375 mil leitores como
da classe A. Na classe €, a proporção fica ainda menor: 17% nosso “mercado nuclear”, adulto e juvenil. Uma dedução
apenas. No entanto, como essas classes menos abastadas são correspondente a 40% para excluir os menores de quinze
constituídas por uma quantidade maior de indivíduos, o seu anos daria algo em torno de 260 mil. Evidentemente, have-
número global de compradores aumenta enormemente, de rá algumas pessoas, nas camadas de menor nível de renda,
2 900000 para 14 800000, e, com a inclusão de uma pe- suficientemente inclinadas para a leitura a ponto de serem
queníssima proporção (2,5%) das enormes classes D e E, a leitores normais. No entanto, ainda que se suponha que
computação dessa pesquisa do número global dos leitores possam existir na proporção de um em cada dezesseis da
no país alcança os 26 milhões de leitores já citados. Espe- classe média baixa — e falamos aqui de rendas familiares bem
ro sinceramente que tenham razão, mas fico com uma certa baixas, de us$672,em valores de 1970, representariam um
dúvida: nos assuntos de cultura pessoal há sempre grande acréscimo de apenas duzentos mil ao nosso total - elevando-
tentação a, digamos, pintar a verdade de cor bem rosada. -O quase a meio milhão. Quod erat demonstrandum. Quan-
À parte as influências culturais, parece-me excesso de oti- do um romance vende dez mil exemplares, está atingindo
mismo esperar que mais de um ser humano em cada quatro um leitor (normal) em cada trinta ou quarenta e pode, por-
tenha a paciência, a perseverança e a inteligência necessárias tanto, pretender o status de best-seller.
para ler livros regularmente, por livre opção. Na Inglaterra, O mercado potencial de livros em geral, isto é, o número
onde os livros podem ser obtidos gratuitamente por meio máximo de consumidores que podem ser convencidos a com-
prar um livro ocasionalmente, é muito mais difícil de quan-
$$. À, Franceschini Análises de Mercado, Retrato da Leitura no Bra- tificar. À simples falta de capacidade de ler eliminará meta-
sil, São Paulo, cBt/Bracelpa/Snel/Abrelivros, 2001, $8p. de da população. Historicamente, o Brasil, como qualquer
Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 793
792

sociedade essencialmente rural, caracterizou-se pelo baixo do Brasil não lê por ter dificuldade para entender as frases
grau de alfabetização: 15,8% em 1872, 24,5% em 1920. e assim compreender o que lês*.
A ampliação desses números, naturalmente, tem acompa- As declarações oficiais continuam cheias de otimismo.
nhado a urbanização e a industrialização: 38,2% em 1940, Em 1967, ministro da Educação previu que a alfabetização
42,6% em r9so, 62,4% em 1987. À alfabetização entre em relação à população com mais de quinze anos iria au-
brasileiros com quinze anos ou mais progrediu de 48,6% mentar a uma taxa anual constante de 1%, atingindo 95%
em 1950 para 60,3% em 1960, 65,9% em 1970, 74,5% no final do século. Essa taxa é o dobro daquela que se tem
em 1980, 77,7% em 1985, 81,1% em 1990, € 86,7% em mantido (com surpreendente consistência) por muitas das
1999. Cabe admitir que, ainda assim, esta taxa é inferior às últimas décadas. Infelizmente, o estado caótico na época do
conseguidas por vários outros países do continente já em golpe militar de 1964 levou o novo governo a cortar dras-
1985: 86,9% na Venezuela, 88,1% na Colômbia, 88,2% no ticamente as despesas com educação, de 11% para 7,4%
Peru, 90,3% no México, 94,4% no Chile, 94,8% na Argenti- do orçamento federal, Uma das vítimas foi a promissora
na, 95,3% no Uruguai e 96,1% em Trinidad e Tobago, mas é campanha de alfabetização de adultos realizada por Pau-
preciso levar em conta as enormes disparidades regionais do lo Freire, que foi acusado pelos militares de utilizá-la para
país, que variam, em 1999, de 73,4% no Nordeste a 92,2% disseminar a rebelião e teve de fugir para o Chile. Depois
no Sul e Sudeste. Já em 1970, a cidade do Rio de Janeiro de um período de cinco anos, o novo regime deu início à
tinha alcançado uma taxa de alfabetização de 85% da sua sua própria campanha de alfabetização de adultos ($121),
população total (em 2000, 95,8% dos adultos). a cargo de uma nova organização, o Mobral, que utilizava
Apesar desse crescimento no curso dos anos, ainda é mais ou menos os métodos do exilado Freire. Os resultados
bastante baixa a porcentagem de brasileiros com o míni- do censo de 1980 apresentam 70 387991 alfabetizados (dos
mo de capacidade de leitura necessária para satisfazer os quais 55 146 869 tinham mais de catorze anos): 58,1%, um
critérios do censo. E, quase certamente, os dados oficiais progresso de apenas 0,58% por ano desde o censo de 1970.
superestimam a extensão da alfabetização funcional. No Os dados globais do censo são confirmados pelos da Pes-
tempo em que o censo de 1970 afirmava que 52,3% dos quisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD) de
brasileiros eram alfabetizados, um relatório otimista do 1981: 29% dos maiores de cinco anos eram analfabetos, sen-
American Field Service dizia que 35% haviam completado do que, no Nordeste, metade da população em idade escolar
a quarta série (inclusive rr% que permaneciam na escola não frequentava regularmente a escola. Por sua vez, os dados
depois de terem completado quinze anos). Um inquérito globais escondem até que ponto o analfabetismo é uma cara-
mais pormenorizado, citado no Latin American Digest, es- terística principalmente das áreas rurais. O nível de alfabeti-
tudou os 1 280000 brasileiros nascidos em 1938 e que so- zação nas cidades era de 70% em 1960 e 83% em 1980. Para
breviveram após seu sétimo aniversário. Apenas 6,58% de- fazer uma associação de extremos: a alfabetização feminina
les haviam continuado na escola até quinze anos ou mais, e oscilou (em 1980) de 93% entre jovens urbanas a 12,5% en-
apenas outros 14,5% ali permaneceram até os onze anos: tre pessoas de mais de setenta anos no meio rural.
um total de 21,35% de sua geração. Em 1969, havia no Como bibliotecário que sou, acrescentaria que no Brasil,
como em muitos outros países, os esforços oficiais tendem a
da

Brasil treze milhões de crianças entre sete e catorze anos,


das quais menos da metade frequentava a escola, e menos enfatizar demais a oferta de instrução e a dar pouquíssima
de 20% ali permaneciam o tempo suficiente para se tor- atenção à falta de motivação para ler, e até mesmo de opor-
narem adequadamente alfabetizadas. No ano anterior, um tunidade de fazê-lo, na maioria das zonas rurais. Realmente,
colaborador do periódico oficial Colted Notícias concluiu, a taxa máxima de alfabetização é alcançada, não na época
a partir do Censo Escolar do Brasil de 1964, que a propor-
ção de crianças que completavam os quatro anos do então 56. Sonia Silva, Porque o Livro Brasileiro é Caro, trabalho apresen-
curso primário era de apenas 14%. Na opinião (otimista?) tado no Lvil Seminar on the Acquisition of Latin American Library
Material, Ithaca (Ny), jun. 2002.
da livreira de Campinas, Sonia Silva, ro% da população
794 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 795

de escolaridade obrigatória, mas depois da entrada no mer- Brasil tinha um mercado de artigos industriais pouco maior
cado de trabalho. Parece que, para cada geração como um que o da Holanda, que não conta mais que um décimo da
todo, o processo de alfabetização continua durante toda a população do Brasil, embora se estimasse que, na época, o
vida de trabalho: assim, dos brasileiros nascidos entre 1920 Brasil fosse a oitava ou nona economia mundial. Não obs-
e 1925, 45% sabiam ler em 1940, 59,4% em 1970 € 60,3% tante, falar, como Carlos Leonam, de dez milhões de “lei-
em 1980. Dos nascidos entre 1930 € 1935, 52% aprende- tores compradores” parece exageradamente otimista*”. De
ram a ler antes dos censos de 1950, mas 13,1% apren- qualquer maneira, pelas razões mencionadas anteriormen-
deram a ler entre 1950 € 1970,€ 2,7% entre 1970 € 1980. te neste capítulo ($199), esses leitores adicionais que pos-
Em contrapartida, parece que, para muitos, a leitura constitui sam existir contribuirão apenas muito marginalmente para
apenas uma ajuda essencial para ganhar o pão e que, depois da o consumo de literatura, no sentido de belles-lettres, além
aposentadoria, essa capacidade pode morrer por desuso. Uma dos favoritos de reputação há muito consolidada e dos
comparação dos censos de 1970 e 1980 revela que quase ultrabest-sellers ocasionais.
11% dos brasileiros nascidos entre 1910 e 1915 perderam a
aptidão de ler entre os 65 e os 70 anos. Um aspecto perturba-
dor é o decréscimo da taxa de alfabetização das faixas etárias A EDIÇÃO DE LITERATURA $208
mais jovens. Entre os jovens de cinco a nove anos, 29,5%
sabiam ler em 1970, somente 29,34% em 1980 e, entre os de Apesar disso, a ideia de publicar literatura é o que atrai co-
cinco a seis anos, 7,46% sabiam ler em 1970 e apenas 6,5% mumente a maior parte dos que se iniciam no ramo editorial,
em 1980. embora muitos sejam obrigados, pela implacável realidade
No entanto, o analfabetismo não é, evidentemente, o econômica, a desenvolver programas de publicações em
fator determinante do baixo consumo de livros no Brasil. outras áreas e muitos outros simplesmente não consigam
Até os jornais estão deixando de atingir todo o seu público sobreviver. É talvez por isso que, na Bienal de 1994, 47,4%
potencial. Em 1970, eram impressos 3 393 000 exemplares dos expositores dedicavam-se à literatura, mas ela contri-
por dia para 22237059 pessoas com quatro ou mais anos de buiu com apenas 14,6% do faturamento global! Realmente,
escolaridade. Assim, a menos que se admita que cada jornal houve uma queda contínua na participação de obras de in-
era partilhado, em média, por sete leitores, devemos con- teresse geral na produção total de livros, de 25,2% em 1992
cluir que muitos dos habitantes totalmente alfabetizados do para 15% em 1995, com o subsetor literatura reduzindo-se
Brasil sequer viam um jornal diário. Naquela época, a cir- ainda mais, de 6,3% em 1992 para 4,5% em 1993, 2,3% em
culação de jornais no país apresentava um índice de 36 por 1994 € 2% em 1995.
mil habitantes: pouco mais da metade do da Jamaica (66 por Uma editora que ainda não mencionamos é a Perspecti-
mil) ou Portugal (71), um terço da proporção do México va, de São Paulo, fundada em 1965 pelo jornalista, crítico de
(100) ou da Espanha (104) e nada além de treze menos que teatro e professor Jacó Guinsburg e sua mulher, Gita Guins-
a do Reino Unido (488). De lá para cá, essa proporção tem burg, para “presentar al lector brasileno una literatura que,
piorado. O aumento populacional de 22,79% entre 1970 € no obstante su importancia, le era desconocida”**. Começou
1980 foi acompanhado de um aumento, na circulação dos com uma Coleção Judaica, em treze volumes, de importância
jornais diários, de apenas 7%, para 3 629 340.
O baixo consumo de jornais poderia refletir os fatores
s7. Revista do Livro, INL, vol. 13,n. 41, p. 89, abr.-jun. 1973.
culturais que venho discutindo. Poderia ser apenas pobreza.
58. “Ediroriales y Librerias del Brasil”, Fichero Bibliográfico Hispa-
Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento, mais noamericano, vol. 12,0. 12, pp. 45-81, set. 1973. Cf. também, nesse
de dois terços da população encontram-se efetivamente mar- mesmo número, “Algunas Observaciones sobre la Situación de las
ginalizados da vida econômica do país: são agricultores de Librerías en el Brasil”, e Teresa Montero Otondo, “ Jacó Guinsburg, o
subsistência, subempregados, favelados desempregados ou Editor dentro da Cultura”, O Estado de S. Paulo, n. 533, p. 9, 20 out.
coisa semelhante. Em seu conjunto, até pouco tempo atrás, O 1990 (caderno Cultura).
296 Na Época da “Abertura” Na Época da “Abertura” 797

cultural por introduzir autores como Scholem Aleichem e ra Rocco, especializada em literatura, Seus primeiros títulos
Scholem Asch, mas foi um fracasso comercial. Com a coleção foram Teje Preso, de Chico Anísio, Casos de Amor, de Marisa
Debates, iniciada pouco antes da crise de 1968, a Perspectiva Raja Gabaglia, e O Viúvo, de Oswaldo França Júnior — livros
se firmou. Nessa série figuram, entre muitos outros, Margaret de venda certa que, esperava Rocco, lhe tornariam financei-
Mead, Walter Gropius, Octavio Paz, Le Corbusier e Umberto ramente possível assumir riscos no lançamento de nomes
Eco. Seguiu-se, nos anos de 1970, a Coleção Estudos. Entre os inteiramente novos. Mas teve de aguardar nove anos antes
brasileiros editados encontram-se Benedito Campos, Haroldo de entrar para as primeiras filas de editoras com trezentos
de Campos e Décio Pignatari. Menos de trinta anos após sua títulos em catálogo; entre eles, livros de Chico Anísio, Ruth
fundação, a Perspectiva, com cerca de quatrocentos títulos Rocha, Otto Lara Resende, Carlos Castello Branco, Fernan-
em catálogo, distribuídos em dez coleções, conseguiu situar-se do Gabeira, infantojuvenis de Clarice Lispector e Ana Ma-
entre as mais destacadas editoras paulistas. Nas palavras do ria Machado, e poesia de Affonso Romano de Sant'Anna,
bibliófilo-empresário José Mindlin, “com seu rigoroso crité- além de traduções de Henry James, Anton Tchékhov, Ma-
rio de seleção e a prioridade que sempre deu ao valor cultu- nuel Puig, Gore Vidal, William Styron (Confissões de Nat
ral de suas edições, correndo muitas vezes riscos de insucesso Turner) e do sul-africano Breyten Breytenbach. Seriam so-
em vendas, [...] conquistou o respeito e a admiração de nosso bretudo os livros de Paulo Coelho - Diário de um Mago
meio cultural”sº, (1987), O Alquimista (1988), Brida (1990), Nas Margens
Outra empresa do ramo livreiro digna de menção é a do Rio Piedra Eu Sentei e Chorei (1991) - que lhe dariam
Editora Cátedra, fundada em 1970 pelos escritores Moacir vendas suficientes para assegurar-lhe o sucesso. No final do
Costa Lopes e Eduardo Zandron com a política de publicar século, apesar de ter perdido Coelho para a nova Objetiva,
apenas autores brasileiros. Além de literatura, lançaram li- sua casa lançava doze títulos novos por ano, 40% deles de
vros para crianças e obras sobre folclore. O próprio Moacir autoria de escritores nacionais, entre eles Clarice Lispector e
C. Lopes escreveu um interessante guia para o autor poten- Lygia Fagundes Telles. A Rocco entraria no século xxt com
cial, A Situação do Escritor e do Livro no Brasil. Essa edito- cerca de mil títulos em coleções como Artemídia, Adminis-
ra publicou também a segunda edição de O Livro Brasileiro tração e Negócios, Arco do Tempo (espiritualidade), Avis
desde 1920, de Olímpio de Souza Andrade. Rara (clássicos), Ciência Atual, Gênero Plural (sociedade,
Em 1973, Fernando Mangarielo constituiu a Alfa-Ômega, arte, sexualidade) e Prazeres e Sabores (viagens € gastrono-
que se ocupou de quase todas as ciências humanas de interes- mia), além do selo Jovens Leitores.
se do público universitário. Até 1976, havia produzido trinta Dentre outras editoras que surgiram até meados da déca-
títulos, todos de autores brasileiros, mas posteriormente es- da de 1970, na área de literatura, estão: Editora do Escritor,
tendeu sua programação à literatura hispano-americana (O Edição Símbolo (associada com a Hemus, cf. nota da tabela
Túnel, de Ernesto Sábato, e Crônicas de Bustos Domecq, de 40), Editora Comunicação, Edições Quiron, Vertente Edi-
Borges e Bioy Casares) e à política hispano-americana (Sete tora (todas em São Paulo) e Edições Marginais, em Belo Ho-
Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, de José Car- rizonte. Uma lista completa seria extensa: de 1975 a 1984,
los Mariátegui). Em 1978, teve a coragem de publicar uma cerca de 150 empresas filiaram-se à Câmara Brasileira do
lindão5 o

denúncia contra a polícia paulista, por assassinar o jornalista Livro, editoras na maior parte, e quase todas novas.
Herzog e simular seu suicídio, escrita por Hamilton Almei- Esse brotar de novas editoras parece, sem dúvida, indi-
da Filho (A Sangue Quente: A Morte do Jornalista Vladimir car uma melhoria do mercado. Há mais ou menos quaren-
Herzog). Em 1982, seu catálogo alcançou mais de cem títulos. ta anos, as possibilidades editoriais no campo da literatura
am

Em junho de 1975, Paulo Roberto Rocco, que fora geren- brasileira não pareciam tão encorajadoras. Este setor não se
- aa

te da Sabiá e então dirigia a Francisco Alves, fundou a Edito- beneficiou da expansão geral da atividade editorial do fim
da década de 1960, parecendo até mesmo ter declinado, nes-
59. José E. Mindlin, “Marcos da Cultura Brasileira”, O Estado de S. sa época, em termos absolutos. As traduções representavam
Paulo, n. 5$0,p. 11,23 fev. 1991 (caderno Cultura). três quartos das edições literárias e os novos romances de
Na Época da “Abertura”

A
798 Na Época da “Abertura” 799

ci
autores nacionais somavam cerca de cinquenta títulos por mos de expressar aqui a nossa admiração por um dos mais
ano: um pouco menos do que a produção de 1939, que foi destacados deles, o paulistano Massao Ohno, que prossegue
de 59 novos romances brasileiros e três livros de contos. Até editando poesia de alta qualidade em livros adequados des-
mesmo o modesto incremento no tamanho médio da tira- de 1960, € tão preocupado com sua apresentação gráfica
gem, de dois a três mil exemplares, no final da década de que, no mais das vezes, permanece fiel à tradicional impres-

cs a
1950, para cerca de cinco mil, não passava de um reflexo são tipográfica. Em 1979, Roswitha Hellbruge (1928-1989)
do aumento do mínimo econômico. Tampouco eram muito trabalhou em parceria com Massao Ohno antes de fundar a
melhores os números relativos à literatura como um todo sua própria editora de poesia, a Roswitha Kempf Editores,
(isto é, incluindo traduções). O ano de 1967, especialmente interessada em “poetas pouco conhecidos e autores clássicos
favorável à atividade editorial em geral, mostrou uma queda da Grégia antiga”. Não obstante,o professor de literatura da

e
de 25% em literatura, em comparação com 1964, enquanto usp Augusto Massi editou, em 1991, como livro de estreia,

mma
a produção literária de 1969 (4,9 milhões de exemplares) Claro Enigma (distribuído pela Duas Cidades), na opinião
foi inferior à de 1956. De lá para cá, porém, o crescimento de Vinícius Torres Freire, “para mostrar ao público brasi-
tem sido contínuo, e em 1980 foram publicados 3 968 títulos leiro que existe poesia séria, muito além do padrão Massao
literários: mais de duas vezes o total lançado em 1969. À Ohno de qualidade”*º. A Livraria Duas Cidades, criada em
tiragem média também subiu para quase 8 soo exemplares. 1955 pelo ex-dominicano José Santa Cruz (1919-) já havia
Mas, ainda melhor, foi a parcela desse aumento que cou- editado, nos anos de 1960, grande parte da poesia do con-
be a obras de autores brasileiros: mais da metade da pro- cretismo, além de ter abrigado, durante a ditadura, ideias e
dução literária de 1980 por título (2035, em 3965) e bem ativistas perseguidos, entre eles (dizem) Carlos Marighella*".
mais da metade por número de exemplares (18 601 536, em Entre edições aleatórias de poesia, mencionaríamos a cole-
34491 232). Houve uma expansão do total de títulos de tânea O Livro das Ignorãças, novos poemas de Manoel de
literatura brasileira editados nos anos de 1980: 4703 em Barros, em edição de luxo, preparada por José Mindlin, em
1986, 4997 em 1987, $ 503 em 1988, 5780 em 1989€e 6127 1993. Embora a Global Editora e Distribuidora, de Jefferson
em 1990, ano em que a Brasiliense introduziu uma nova Luiz Alves, afirme que as áreas em que publica são “políti-
coleção de ficção nacional, Espaço Brasileiro. ca, história, educação ambiental, saúde, alimentação”, cita,
As estatísticas de 1996 indicam vendas de 8 198 625 livros entre os quatro títulos que escolhe dos 433 em catálogo,
de literatura adulta, ou pouco menos de 7% do mercado de como “campeões de venda” em 1998: Os Melhores Poemas
livros não didáticos (rro 348 493 exemplares naquele ano). de Paulo Leminski, na série que inclui obras de vários ou-
tros poetas, como Os Melhores Poemas de Paulo Mendes
Campos (1991). Agora faz parte da Global a Gaia, lançada
$209 A POESIA NO BRASIL DE HOJE
originalmente em 1990 por Carlos Alberto de Oliveira, para
desfrutar da onda new age.
Dos entrevistados para o projeto Retrato da Leitura no Bra- A bibliografia de um poeta do renome de João Cabral de
sil, apenas 24% das mulheres e 15% dos homens citaram os Melo Neto ilustra as reais dificuldades de conseguir edições
romances como uma das suas leituras habituais, ainda me-
nos dos que citaram poesia (26% das mulheres e 19% dos 60. Vinícius Torres Freire, “Negativos de Massi Revelam Abstrações
homens), embora eu relute em acreditar que esses percen- Informes”, O Estado de S. Paulo, p. 5, 11 abr. 1991 (Caderno 2).
tuais realmente impliquem a frequência das suas compras Cf. também “A Saúde dos Versos”, Veja, pp. 146-148, 7 dez. 1988.
de livros de poesia. 61. Francisco Costa, “Em Lugar do Passado: Livreiros à Antiga, Eles
Quaisquer que sejam as dificuldades do editor de litera- São o Elo Perdido de uma Tradição em que Vender Livros era Como
tura geral ou de ficção, devem ser mínimas ao serem compa- Ter um Caso de Amor”, Leia, pp. 36-38, fev. 1989. À Duas Cidades
(143 títulos em catálogo) edita também nas áreas de filosofia, política,
radas com o editor que se atreve a especializar-se em poesia
sociologia, religião e literatura (como Um Mestre na Periferia do Ca-
moderna, mas esses existem no Brasil moderno, e gostaría- pitalismo: Machado de Assis, de Roberto Schwarz, 1991).
Soo Na Época da “Abertura”

a
de poesia: 26 livros de vinte editores diferentes, mais dois
editados por ele mesmo. Parece que tal situação só muda

ns
com o desaparecimento de um poeta consagrado. Quando
morreu Carlos Drummond de Andrade, três editoras dispu-
taram as suas obras inéditas: José Olympio, Companhia das
Letras e Nova Fronteira. É talvez esta última, entre as maio-
res editoras literárias, a que mais mostra interesse pela poe-
sia. Foi a última editora de João Cabral e de Murilo Mendes,
produziu em 1986 uma Antologia do poeta português José
Régio (1901-1969) e publica poesia tradicional na sua cole-
ção Poesia de Todos os Tempos, na qual autores estrangeiros
aparecem em edições bilíngues.
Evidentemente, a tendência, ou talvez necessidade, de um
autor pagar as suas próprias edições permanece ainda hoje
mais frequente no caso de poesia, e temos editoras especiali-
zadas nessa área, entre elas muitas de honestidade um tanto
duvidosa, chamadas no inglês de vanity publishers. Não obs-
tante, devo citar uma das melhores nos seus métodos e orga-
nização, João Scortecci Editora, do bairro de Pinheiros, na Na Nova
cidade de São Paulo. Uma carta que apareceu no Jornal do
Brasil, em 10 de julho de 1986, de um poeta amador, Sergio República
Guéron, apoiando o modo mais tradicional, descreve uma
edição de mil exemplares, lançada numa livraria que “acre-
dita no novo autor”, onde noventa exemplares foram ven-
didos no lançamento, “pela módica quantia de 40% sobre
o preço de capa, e um garrafão de Mosteiro”. Mantém-se
o fato de que uma “edição cooperativa sem fins lucrativos”
feita com uma editora especializada no gênero e com o com-
promisso do autor de comprar a metade da tiragem custaria
quase o dobro de uma edição custeada pelo autor.
[...] When radical social transformations
take place they 1will be accompanied and
stimulated by the use of the printed word,
Reading can then become a basis for social
and personal liberation. It will help provide
alternatives to the old authorities who are
passing away and a defence against the new
ones which will appear.

RONALD €. BENGE'

Povo desenvolvido é povo que lê.

EMÍLIO G. MÉDICI

ittimanaa

A CRISE LATINO-AMERICANA DA DÍVIDA EXTERNA fzro

Em 1968, um assessor norte-americano da Colted, após des-


crever alguns problemas da indústria, especialmente aqueles
surgidos no início dos anos de r960, revelava-se surpreso
E

com a firme situação do setor editorial no Brasil, uma vez


O

que, no seu entender, não havia condições para isso*. Treze

1. “|...] Quando ocorrem transformações sociais radicais, elas vêm


acompanhadas e estimuladas pelo uso da palavra impressa. À leitura
poderá tornar-se, então, uma base para a libertação social « pessoal,
Ajudará a fornecer alternativas para substituir as antigas autoridades
que estão saindo e uma defesa contra as novas autoridades que hão
de chegar” Ronald Charles Benge, Cultural Crisis and Libraries in the
Third World, Londres, Clive Bingley, 1979, p. 118.
2. Kenneth T. Hursr, Report on How to Improve Book Distribution
in Brazil, Rio de Janeiro, Usaid, 1966.
8o4 Na Nova República Na Nova República

anos depois, um especialista inglês pôde dizer que o desen- direto na crise de 1982. Segundo o jornal catarinense O Esta-
volvimento da indústria editorial, sob todos os aspectos, do, o salário médio dos funcionários civis do Governo Fede-
fora nos últimos anos “espantosamente rápido”, estando ral caiu, em termos reais, em 47% entre dezembro de 1980

e
agora a produção e a apresentação “à frente do mercado e junho de 1984, enquanto os militares perderam apenas
internacional”, pelo menos em algumas áreas:. 10%. No Recife, a cidade que, na época, apresentava o custo
O que eu não sabia quando escrevi a primeira edição des- de vida mais alto do Brasil, o salário mínimo aumentou em
te livro era que testemunhava o exato momento, no século um ano, até maio de 1984, 191,05%, e os salários de muitos

ne
xx, em que o comércio do livro no Brasil atingia seu ápice, membros da classe média aumentaram muito menos em ter-

a
e que o sumário estatístico da situação em 1982 com que mos percentuais, para defender-se de uma alta no custo de
concluí meu texto apresentava um desempenho que só fora vida de 231,5%. Seria lógico esperar que a crise tivesse um
alcançado novamente após um intervalo de vários anos. Gil- grande impacto negativo sobre a indústria do livro. Além de

TS
berto Barbosa Salgado, em sua tese de mestrado em sociolo- ser um produto consumido pela classe mais atingida, pro-
gia, apresentada no Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro porcionalmente, pela crise, o livro é coisa tida geralmente
e que recebeu o título muito apropriado de O Imaginário em como supérflua. Normalmente, esse comércio conseguiu
Movimento: Crescimento e Expansão da Indústria Editorial sobreviver nas épocas de crise graças à demanda de livros

———se
no Brasil, apresentou-nos uma perspectiva excelente de todo escolares, que, em 1982, chegou a 33,94% da produção to-
o período de r960 até 1994. tal. Mas agora não: em quase todas as faixas da população,
Infelizmente, naquele ano de 1982, o país mal havia su- os pais tiram os filhos do processo educacional por razões
perado os anos perdidos da depressão mundial da década econômicas, seja a criança da favela tirada do primeiro grau,
anterior. Embora a abertura política tenha correspondido seja o filho de classe média impedido de fazer o curso de
à presidência de João Figueiredo (1979-1985), já em 1982 mestrado. Entre 1979 e 1982, 0 número total de alunos em

CD
ocorreu o fim efetivo da época com as mudanças econômi- todos os níveis, apesar do crescimento contínuo da popula-
cas, quando finalmente secou a fonte de empréstimos estran- ção nestas faixas etárias, caiu quase em um milhão,
geiros que sustentavam a economia brasileira desde a crise Ao mesmo tempo, a indústria sofria grandes aumentos

E
do petróleo. A moratória financeira mexicana de agosto de de custo. Entre meados de 1980 e meados de 1981, os filmes
1982 daria início a um decênio de depressão econômica crô- subiram 330%; em 1983,0 preço da tinta aumentou 300%.
nica em toda a América ao sul do Rio Bravo, a chamada a cm Um estudo do ano até março de 1984 constata aumentos
“hiperestagflação”, um declínio quase constante das rendas de 1 100% no preço das chapas litográficas, 900% nos fil-
re

do consumidor acompanhado de um aumento contínuo da mes, 500% na tinta, 400% no papel, 230% na “inflação
taxa inflacionária, que subiu de 10% ao mês em 1982 para oficial”, 200% no preço de capa, 170% no valor monetário
Da a

13% no final de 1987, 20% em 1988, 25% em 1990 e até 40% do faturamento de livros, 160% nos sálarios dos impres-
o

no fim de 1993. Outro problema foi a alta contínua, acima sores e apenas 82% nos sálarios dos profissionais, quer di-
da inflação, dos custos postais. zer, da maioria dos consumidores de livros. O custo de uma
Como eu disse alhures*, em qualquer país, os consumi- tiragem de dois mil exemplares de um livro de 120 pági-
dores do produto livro encontram-se, em sua grande maio- nas havia aumentado, em seis meses, de Cr$1 500000 para
ria, na classe média da população, precisamente a faixa cujo
o
Cr$2 500000, enquanto as gráficas diminuíram o prazo de
poder aquisitivo sofreu, proporcionalmente, o maior corte pagamento às editoras de 120 para 60 dias, forçando-as a
reduzir o prazo de 90 dias exigido pelas distribuidoras. Tam-
3. [ThomasJ. Maugham), Brazil: Translation Rights Market, São Pau- pouco podemos esquecer a taxa de juros, que subiu de 3%
lo, British Council, [1981]. Relatório spa/264/2. ao mês, em 1979, para 12% em 1984. Nessa época de alta
4. Em palestra proferida, em 1986, na 1x Bienal Internacional do Li- inflação, era preciso remarcar frequentemente o preço de
vro em São Paulo, reimpressa em Livros no Brasil: Estudos, coord. capa. A Tecnoprint Gráfica (a futura Ediouro) utilizava, há
Alice Mitika Koshiyama, São Paulo, Com-Arte, 1987. muitos anos, um sistema de símbolos — estrela de ouro, leão
806 Na Nova República Na Nova República 807

de ouro etc. — cujo valor podia ser mudado facilmente. A editorial por obrigá-la a melhorar seu desempenho, tendo
Civilização Brasileira introduziu o real-livro (antecipando o maior cuidado na escolha de manuscritos, maior atenção à
nome da nova moeda em 1994), ligado automaticamente à qualidade da tradução e à busca de pontos alternativos de
ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional). Contu- venda, como os supermercados.
do, a maioria das editoras preferia corrigir seu preço de capa Em termos regionais, o mercado paulista foi quantita-
apenas a cada trimestre, ou mesmo a cada semestre, com a tivamente estável; o carioca mostrou, em 1984, até mesmo
aplicação, então, de aumentos drásticos de 50%, 100% ou um ligeiro aumento, enquanto o nordestino, o mais pobre de
150%, que assustavam o consumidor e faziam com que este todos, apresentou um notável crescimento, que ocorreu sem
acusasse os editores e os livreiros de ladrões, o que só fazia qualquer esforço para cultivá-lo. Ao contrário, os distribui-
aumentar a relutância em comprar. dores e livreiros da região lamentavam a falta de interesse
Ão irromper a crise, em agosto de 1982,0 governo, em pá- das editoras cariocas € paulistanas por esse mercado.
nico, numa tentativa de limitar o acesso às divisas estrangeiras, Oswaldo Siciliano, da cadeia de livrarias Siciliano, enfa-
vetou toda importação de livros. Mesmo que essa proibição tizou a importância do público de jovens entre 15 e 26 anos.
não tenha durado muito tempo, os livreiros queixaram-se do É importante o crescimento demográfico dessa faixa etária,
fechamento do mercado de livros estrangeiros, devido à péssi- mas também a melhoria da sua formação e do nível cultural.
ma situação cambial e ao impacto da alta taxa de juros sobre O atendimento às suas necessidades é que explica o sucesso
o preço de um item de venda lenta. Assim, a versão original da Brasiliense nos princípios da década de 1980,
deste O Livro no Brasil, em inglês, com um preço de capa de Entretanto, houve diferença no impacto da crise segundo
US$ 27,50, seria oferecido, em 1984,ao público da vir Bienal o tipo de livro. Entre 1983 e 1984, 0 consumo de livro téc-
a um preço em cruzeiros equivalente a usgr0o, diferença que nico e científico caiu 15%, para piorar em seguida: segundo

asa
não beneficiou nem a mim, nem a meu editor norte-americano, as estatísticas do Snel, foram editados doze milhões de livros

<A
nem ao livreiro nacional, mas apenas aos bancos! E, como o científicos em 1983, mas apenas três milhões nos primeiros
consumidor não entendia nada disso, esse preço prejudicava seis meses de 1985, uma queda equivalente a 25% por ano.

sm
a reputação de toda a indústria. Curiosamente, as estatísticas Houve, em 1983-1984, uma queda de 20% nas vendas de
de importação global de livros contrariaram essa constatação: livros didáticos e um declínio de 30% nas de literatura. Em-
o total de trinta milhões de livros estrangeiros importados em bora o número de estudantes de direito e de medicina (e, com
1983 foi comparável às cifras alcançadas em 1982. isso, a demanda de livros nessas áreas) tenha permanecido
Houve ao mesmo tempo a suspensão do pagamento de igual, houve um declínio de 50% no número de estudantes
direitos autorais no exterior. Felizmente, essa situação chegou de psicologia (por exemplo) e na venda dos livros que liam.
ao fim antes de comprometer o crédito internacional das edi- O destino das editoras oficiais dependia, evidentemente, das
toras brasileiras; e, nisso, a atitude compreensiva das autori- suas relações com o poder político. À Fundação Cultural da
dades brasileiras lhes deu uma clara vantagem sobre a indús- Bahia, por exemplo, não tinha recebido, de março a dezembro
A

tria editorial da maioria dos países hispano-americanos, onde de 1983, qualquer recurso para edições e, em 1984, recebeu
essa suspensão subsistiu por muito mais tempo. O benefício apenas a sétima parte das suas necessidades. Por sua vez, o
potencial dessa suspensão para os autores nacionais nunca se departamento editorial da Sudene, embora tenha sofrido cor-
concretizou, como disse Ivan Gomes Pinheiro Machado, da tes de 60% entre 1976 € 1981, funcionava, desde então, com
L&PM, por não existirem suficientes originais brasileiros de um excelente orçamento fixo em termos reais: alegava-se que
alta qualidade e porque as pressões financeiras dissuadiam a Sudene era protegida pelo ministro responsável, cuja base
muitos editores de arriscar o lançamento necessariamente ex- de poder estava na região, até se desvanecerem suas ambições
perimental de novos talentos. À solução adotada por muitas presidenciais em favor de Tancredo Neves.
editoras foi reeditar traduções de quarenta, cinquenta anos Já em 1984, teve início uma recuperação (cf. tabela 49, p.
atrás, por já terem os direitos pagos! No entanto, na opinião 933). Pareceu de verdade que o ramo livreiro seria o único
do dono da L&PM, a crise acabaria beneficiando a indústria setor da economia brasileira a beneficiar-se da situação. As
808 Na Nova República Na Nova República 809

classes médias, disseram, voltavam-se para a compra de li- Em maio de 1984, um artigo do Correio Braziliense dis-
vros justamente porque muitas outras de suas atividades cutia a venda de discos, fazendo uma comparação entre a
| de lazer tradicionais estavam fora de seu alcance. Essa foi a música clássica e o jazz. Ambos custavam o dobro do preço
“explicação dada por um observador norte-americano para dos discos de música popular. Um ano antes, os dois eram
o crescimento de 25% a 40% dos números de 1983 obti- vendidos em quantidades mais ou menos iguais. À partir
| dos junto às editorass. No seu entender, era possível também de então, as vendas do jazz caíram e as de música clássica
'* que, como observamos em relação à Segunda Guerra Mun- continuaram estáveis no nível anterior. Inferia-se que os
dial, “em tempos de incerteza e de crise nacional, as pes-
5
-

aficionados de música clássica encontravam-se, em termos


soas parecem voltar-se para os livros em busca de soluções, gerais, na faixa da população adulta de elevada posição
“progresso pessoal ou simplesmente fuga”. Em abono des- social e altos recursos financeiros e, assim, eram menos
sa explicação apresentou-se a edição de O Nome da Rosa, atingidos pela crise. Do mesmo modo, uma reportagem da
o “romance do ano” de 1983, de Umberto Eco, traduzido Rede Globo, de 6 de julho de 1984, constatava que, apesar
do italiano por Aurora Bernardini e Homero de Andrade, e da queda nas vendas de automóveis, a demanda dos mode-
editado pela Nova Fronteira. Essa estranha história, senão los mais nobres continuava boa. No comércio do livro, os
estritamente “policial”, pelo menos de detetive, localizada livreiros com quem falei não observaram qualquer efeito
num mosteiro medieval e cheia de discussões filosóficas e semelhante. Seria porque no Brasil os ricos não lêem? Era
informes sobre obscuras heresias, ganhou renome interna- preferível acreditar que suas compras estavam escondidas
cional e até uma longa resenha na revista americana Time, entre as estatísticas gerais, já que isso ajudaria a explicar o
mas o sucesso brasileiro ultrapassou o padrão externo: fuga sucesso da Companhia das Letras, empresa cuja produção
perfeita dos problemas do Brasil? (Mesmo que a apresenta- era dirigida para o consumidor diferenciado e que parecia,
ção da violência das classes oprimidas e da contraviolência desde sua criação em 1986, ter sofrido menos impacto das
das autoridades não tenha fugido tanto assim da realidade sucessivas crises da indústria.
de nossos tempos!) À obra saiu em 30 de novembro de 1983, O excelente desempenho do país nos ganhos das expor-
na época precisa, alegaram, em que todo o mundo procura- tações servia apenas para possibilitar-lhe pagar os juros da
va brindes de Natal incomuns e baratos ao mesmo tempo! enorme dívida pública internacional: na verdade, uma ex-
| Jáno princípio de 1983, a crise estimulava a leitura séria, portação da riqueza nacional à custa do consumidor brasi-
| e sobretudo dos títulos sociopolíticos capazes de explicá-la, leiro. Essa pressão em favor da exportação privou o mer-
mas, ao tornar os leitores mais bem informados, seu inte- cado interno de papel, provocando sua escassez (e a alta já
resse por ela caía, enquanto o desenvolvimento rápido da citada de 400% no custo), o maior problema dos editores
situação política criava maior interesse pela atualidade, me- em 1984 e 1985.
lhor servido por jornais, rádio e televisão do que pelos livros. Infelizmente, essa depressão foi tão severa e duradou-
Todavia, talvez seja preciso distinguir entre o tratamento sé- ra que, no final, o consumidor típico da classe média teve
| rio da política (e do sexo) e o tratamento superficial (folhe- de reduzir ainda mais seu consumo de livros. Apesar de o
tos polêmicos na política e a exploração do quase pornô no suplemento Folhetim da Folha de S.Paulo (15 de setembro
sexo), cuja venda tivera um boom transitório com o fim da de 1985) considerar os “Livros: Uma Indústria em Alta”, a
* censura e rapidamente se extinguira*. tabela 49 (p. 933) mostra quanto as vendas caíram, o que al-
guém, como o autor deste livro, que visitava o Brasil somen-
te uma vez por ano podia verificar apenas pela queda crôni-
$. John Hebert, “Current Publishing Trends in Brazil”, Salalm News- ca do número de clientes nas lojas Sodiler nos aeroportos.
letter, vol. 9,n. 2, p. 6, dez. 1983.
6. Muitas ideias desta seção devo a bate-papos com os livreiros e edi-
tores Darcy Luzzatto e Pinheiro Machado, de Porto Alegre, D. Costa Bartolomeu, de João Pessoa, Wilson Hargreaves, de Brasília e o distri-
Chaves, de Salvador, José Tarcísio Pereira, do Recife, a Livraria do buidor paulista Manuel Augusto Pires da Cruz, entre outros.
810 Na Nova República Na Nova República $11

Gzrr O PLANO CRUZADO E SUAS CONSEQUÊNCIAS acarretou nova derrocada da Brasiliense, que, embora tenha
conseguido sobreviver, nunca mais recuperou sua posição
Em fevereiro de 1986, o ministro da Fazenda Dilson Funa- de liderança no mercado. Entretanto, lançou sessenta títu-
ro introduziu o chamado Plano Cruzado, uma tentativa de los novos, em 1993, contra 36 em 1992 e criou uma nova
vencer o dragão da inflação por meio de um choque psico- coleção de literatura para jovens acima de treze anos, faixa
lógico que acabasse com a própria expectativa de alta dos etária muito menos provida do que a infantil.
preços, a chamada “inflação inercial”. Congelou os preços Já falei ($2017) da ameaça de uma penetração maciça na
e os salários, aboliu a correção monetária e, depois de uma praça de empresas e capitais estrangeiros, mas, como vimos,
brutal desvalorização do cruzeiro, introduziu uma nova esta deixou de ser uma possibilidade séria nesses anos de “hi-
moeda, o cruzado. O plano satisfez tanto as forças do capital perestagflação”. Realmente, as casas nacionais mostraram-se
como as do trabalho, e o desemprego quase desapareceu. Ao muito mais adequadas do que as estrangeiras para lutar con-
interromper por um breve período a queda do poder aqui- tra tais dificuldades e, no começo da década de 1980, qua-
sitivo do brasileiro, a demanda e o consumo de livros for- se todas as editoras multinacionais abandonaram o cam-
taleceram-se. À Editora Record, por exemplo, dobrou suas po, vendendo ou fechando suas sucursais; em 1990, com
vendas, de 3,5 milhões, em 1985, para oito milhões de livros exceção das portuguesas, restaram apenas a Encyclopaedia
vendidos entre março de 1986 e março de 1987. No entanto, Britannica, a Mérito, a Difel e a Campus, agora pertencen-
o novo nível salarial era alto demais, criando uma demanda te à Elsevier (60%) e ao argentino Claudio M. Rothmuller
global bem acima das possibilidades da economia. O gover- (40%). Inclusive a todo-poderosa Bertelsmann, decepciona-
no ganhou as eleições de novembro quando aumentou ainda da com um ligeiro declínio transitório na fortuna do Círculo
mais os salários, mas procurou corrigir a medida com um do Livro, vendeu sua participação ao sócio brasileiro. Dentro
aumento dos preços uma semana depois. Tal cinismo privou dessa exceção das portuguesas estavam incluídas a Bertrand
o plano do apoio psicológico de que necessitava para con- Brasil (do grupo Bertrand de Lisboa), com a qual a Civiliza-
tinuar. Com o fim efetivo do Plano Cruzado, começou um ção Brasileira se fundira em 1984, e a Edições 70, a quarta
novo declínio nacional da venda de livros a partir de abril de maior editora portuguesa na área de ciências humanas e so-
1987 (cf. tabela 49), junto com o tradicional aumento dos ciais, que, em agosto de 1989, havia adquirido uma sede bra-
custos industriais do livro bem acima da taxa de inflação ge- sileira, na Tijuca, investindo us$300 000 no país, com planos
ral. Devido ao tempo gasto no processo de editoração, o au- de lançar cinco livros por mês e com a preocupação declara-
mento do total de títulos colocados no mercado não ocorreu da de adaptar os textos para o português do Brasil.
antes do ano seguinte, quando os efeitos do plano já tinham Entretanto, como um aspecto da demanda de livros esca-
desaparecido; assim, as estatísticas de 1987 mostram um pistas, surgiu o fenômeno Paulo Coelho e sua produção eso-
aumento do número de títulos acompanhado da queda das térica, cujos títulos entraram todos nas listas de best-sellers
vendas, de mais ou menos 15% no caso da Record, e tam- do fim dos anos de r980 (permanecendo até o fim do século
bém na quantidade de exemplares produzidos. Mas a Casa e além) — ajudando a transformação da Rocco ($208) numa
do Livro, um “supermercado” onde livreiros e professores das editoras literárias mais importantes da praça. Eviden-
pegavam diretamente em gôndolas o que queriam comprar, temente, o consumidor continuava a procurar leitura to-
foi desativada porque “o livreiro e o professor brasileiro”, talmente escapista para esquecer a condição da economia,
segundo Danda Prado, estavam “acostumados a serem con- pessoal e nacional.
vencidos pessoalmente por um vendedor”. Nesses tempos difíceis, os diferentes setores do merca-
Apesar dos novos planos monetários (Plano Bresser, de do sofreram de maneira diversa. As vendas a prestações em
junho de 1987, Plano Verão, de janeiro de 1989), as crises domicílio caíram de 3 902058 exemplares, em 1982, para
prosseguiram: vendas baixíssimas, despesas altas, grandes 2468230 em 1990 € apenas 1841 143 em 1996. O mercça-
compromissos em direitos autorais aceitos na euforia do do de fascículos sofreu ainda mais, passando de 4 709 465
Plano Cruzado e falta de liquidez do mercado. Tudo isso exemplares vendidos em 1982 para 2 656 408 em 1990, €
812 Na Nova República Na Nova República 813

apenas 999 485 em 1996; com efeito, de uma posição de 8 500 exemplares vendidos do seu romance de estreia, Fa-
quase dominância nas bancas de jornal no início dos anos vela High-tech, pondo a culpa na alta inflação da época, o
de 1980, esses caíram até praticamente desaparecerem já em autor conseguiu na Justiça a sentença de apreensão e sus-
1992, o que é fácil de entender: sua venda estendeu-se às pensão das vendas. Não só porque o pagamento justo por
faixas econômicas mais baixas do que as dos consumidores esse total de vendas teria sido no mínimo us$13 000, mas
do livro tradicional, e foram exatamente as faixas inferio- também, como o livro permaneceu por cinco meses no topo
res as mais atingidas pelo aperto salarial. Embora a venda da lista dos mais vendidos, parecia muito duvidosa essa
do livro tradicional não tenha caído tanto, já que a maioria reduzida quantidade apresentada pela editora.
dos consumidores estava situada em faixas um pouco mais Segundo o seu fundador, Gilberto Dupas, foi justamen-
altas, nota-se um decréscimo considerável na demanda de te a crise econômica e a tendência consequente da maioria
ficção, objeto de luxo em tempos de dificuldade econômica: das casas editoriais de retrair e desacelerar o programa de
foi vendida, em 1992, apenas uma terça parte do consumo de lançamentos depois do fracasso do Plano Cruzado que o es-
1982. Já em 1983, Fernando Mangarielo, da Alfa-Ômega, timulou a criar, em 1988, a Trajetória Cultural (uma divisão
uma editora, na época, com 115 títulos no catálogo, parou da Grano EPc), para satisfazer a demanda urgente de obras
de editar novos livros por seis meses, fechou uma das duas de “análise e reflexão sobre os caminhos do país”. Entre seus
livrarias e substituiu sua Kombi por um triciclo. Greudo primeiros lançamentos figuram Mil Dias: Os Bastidores da
Catramby, livreiro do centro de Belo Horizonte, reuniu as Revolução em um Grande Jornal, de Carlos Eduardo Lins da
“pontas de estoque” e ofereceu-as por peso, a Cr$1490 o Silva, Deus não Joga Dados, de Henri Laborir, e Os Olhos
quilo. Calculou-se, em 1990, que um livro custava em média do Diabo, romance do argentino Jorge Andrade.
30% ou mais do salário mínimo mensal, enquanto nos paí-
ses mais desenvolvidos a mesma relação era de apenas 5%.
Tampouco podemos esquecer os efeitos da inflação NOS TEMPOS DE COLLOR f2r2
sobre o pobre autor. O pagamento adiantado de direitos
autorais é de rigor no caso de livros estrangeiros, mas rara- Trinta anos antes, enfrentando a ameaça de uma vitória do
mente acontece o mesmo com o autor nacional. Um exem- candidato da esquerda, Teixeira Lott, nas eleições presiden-
plo excepcional foi o caso de José Carlos Garbuglio, que ciais, e com todos os presidenciáveis descartados, os partidos
recebeu da Ática os direitos sobre os cinco mil exemplares de direita uniram-se em torno da vassoura de um homem
de um livro sobre Machado de Assis e a metade sobre os novo, produzido no último momento como se se tratasse do
seis mil exemplares de outro sobre Graciliano Ramos. Nos coelho tirado da cartola do prestidigitador. Jânio Quadros
anos de 1990, a Companhia das Letras pagava os direitos apresentou-se com o desejo declarado de varrer a corrupção
autorais trimestralmente; a Brasiliense, a Nova Fronteira e responsável por todos os males do país. Conseguiu apenas a
a Salamandra estavam entre aquelas que pagavam a cada vitória eleitoral. Depois de sete meses, renunciou ao cargo e,
seis meses; o normal, porém, era pagar apenas uma vez por após quatro anos, a própria “República Populista” chegou
ano. É óbvio que, numa época de inflação alta, esse atraso ao fim, substituída por um regime militar, No começo dos
reduz enormemente o verdadeiro valor do que é pago! En- anos de 1990, a história quase se repetiu. Ameaçados pela
tretanto, as mesmas pressões da inflação converteram mui- vitória de Lula, candidato do Partido dos Trabalhadores,
tas editoras em pagadores ainda piores. Tornou-se notória todos os partidos de direita uniram-se em torno de um ho-
a relutância, nesses tempos difíceis, de algumas empresas, mem novo, praticamente desconhecido, Fernando Collor de
entre as maiores e mais conhecidas, em abrir a mão — so- Mello, que havia desafiado os “marajás” do pequeno estado
bretudo no pagamento à viúva ou a outro herdeiro de au- de Alagoas do qual era governador. Eleito, ele também, para
tor morto. Quando, em 1994, a Editora Scritta se dispôs resolver toda a corrupção no país, rapidamente mostrou-se
a pagar a Marco Antônio de Lacerda, brasileiro residente tão incrivelmente corrupto que as reclamações persuadi-
no Japão, apenas us$4,5 mil de direitos autorais sobre os ram o Congresso da necessidade de votar seu impeachment.
814 Na Nova República Na Nova República 8Is

Infelizmente, os dois anos de sua administração (1990-1992) cheia”7. Devemos lembrar também que a economia variava
foram uma época de um filistinismo intransigente. Come- de região para região: o Nordeste, que comprou cerca de
çando pela abolição do Ministério da Cultura, acabou com 13,2% das vendas nacionais, em 1982, adquiriu, em 1990,
quase todo o subsídio à cultura nacional. E, talvez ainda pior, apenas 9,37% do total reduzido das vendas de livros avul-
a economia foi paralisada por um bloqueio total de 85% de sos. Manteve-se a diferença entre as duas grandes cidades
toda conta bancária, uma medida incrivelmente drástica que de São Paulo e Rio. O preço de um livro que parecia justo em
logo reduziu a horrível taxa de inflação de 809% por ano para São Paulo podia ser caro para um comprador carioca por
20%, sua pretensa justificativa, sem que tenha tido realmente sua cidade ter um custo de vida geralmente mais baixo. E,
qualquer impacto a longo prazo. como já explicamos, a taxa inflacionária não foi constante,
Naturalmente, o livro foi uma vítima plena dessa calami- mas aumentou continuamente.
dade. O Instituto Nacional do Livro foi extinto, como o foi Entre os editores nacionais, temos de destacar c lastimar
a Lei Sarney (uma maneira de reduzir os impostos de ren- o desaparecimento de sete dos mais proeminentes no bre-
da para pessoas e entidades que subsidiassem a edição de ve espaço de 25 meses (numa triste correspondência quase
livros e outras manifestações culturais, embora onerada por exata ao governo negro de Collor). O velho José Olympio,
tanta burocracia que, na verdade, pouco rendeu). Os edito- já afastado da sua “Casa”, morreu depois de cinco anos de
res não podiam sacar dinheiro nem para pagar os seus au- doença, no dia 3 de maio de 1990, aos 88 anos; seu fiel irmão
tores nacionais, nem para comprar direitos de tradução dos Daniel seguir-lhe-ia em julho de 1991. Em 24 de agosto de
autores estrangeiros. Ao mesmo tempo, ocorria uma crise no 1991, Victor Civita, 83 anos, da Abril, sofreu um infarto.
fornecimento de papel no mercado. Segundo as estatísticas Entretanto, o gigante em tamanho, energia e visão que foi
do Snel, o número de livros editados caiu de 161,6 milhões Alfredo Machado, da Record, lutou durante um ano con-
de exemplares, em 1988, para 155 milhões em 1989, mas, tra um câncer cerebral, vindo a morrer em 8 de fevereiro
apesar de tudo, voltou a crescer para 212 206449 em 1990 de 1991, aos 68 anos de idade. Em dezembro do mesmo
e 289957634 em 199r, até estabilizar-se em 289 214 847 ano, sua principal concorrente, a Nova Fronteira, perdeu seu
editados em 1992 e 288472061 em 1993. Todavia, nestes dono, Sérgio Lacerda, também de câncer (renal), um dia an-
últimos vinte anos, a série estatística da Câmara Brasilei- tes de completar 53 anos. Em 18 de junho do ano seguinte,
ra do Livro indica não o total de livros editados, mas o de morreu, caracteristicamente, de acidente de motocicleta por
livros vendidos. Embora o resultado seja mais abrangente não usar capacete, o sempre jovem Caio Graco Prado, da
que o do Snel, o que nos interessa, sobretudo, é sua maior Brasiliense. Também em 1992, morreu, aos 64 anos, Jorge
variação, implicando uma mudança das vendas de ano para Gertum Carneiro, da Ediouro. À morte do oitavo grande
ano muito maior do que a da produção: 320 milhões de editor, Ênio Silveira, ocorreu no final de 1995.
exemplares vendidos em 1988, 280 milhões em 1989, ape- A Abril, o maior empreendimento editorial da América
nas 212206449 (dos 239 392000 produzidos) em 1990, uma Latina, já em 1982 fora dividida entre os filhos de Victor. A
melhoria em 1991, chegando a uma venda de 289957 634 editora de livros (a antiga Abril Cultural) transformou-se na
(dos 303 492000 produzidos) com o impacto do Plano Collor Nova Cultural, com uma subsidiária, a Best Seller, consti-
sobre o bolso do consumidor, caindo de novo, em 1993, para tuída, em 1986, pelo filho Richard. Na Record, Sérgio Ma-
apenas 159 678 277 (dos 189 892 218 produzidos). Seguiu- chado substituiu o pai na chefia, c o novo dono da Nova
-se uma lenta recuperação, subindo para 277 619 986 (de Fronteira foi o irmão de Sérgio, Sebastião Lacerda, depois
222 622 318 produzidos) em 1993 e 267 004 691 (ainda substituído por Carlos Augusto, filho de Sérgio. Na Ediouro,
superior aos 24$ 986 312 produzidos) em 1994. Isso cor- assumiu Jorge Carneiro, sobrinho de Gertum. À sucessão de
responde à experiência das pessoas envolvidas no setor li- Caio Graco, na Brasiliense, passou, depois de um período
vreiro. Disse Tarcísio Pereira, da grande Livro 7 do Recife:
“nunca passei um sufoco tão grande como em 1992. Foi um 7.º0 Maior Livreiro do Brasil”, Jornal do Commercio, Recife, p. 1,
desastre; 1993 foi um ano dedicado a somente tirar a lama da 31 jan. 1994 (Caderno c).
816 Na Nova República Na Nova República 817

de incerteza, para sua irmã mais velha, a escritora femi- de 1989º*. Um desses, Brasil: Um País Travado, é de autoria
nista Yolanda Cerquinho Prado (1930-), conhecida como do presidente da editora, almirante José Celso de Macedo
Danda. Afastada da editora desde seu exílio na Europa, em Soares Guimarães, antigo dono da Francisco Alves ($96).
1970-1980, desenvolveu, ao voltar ao país, uma bem-suce- Entre as editoras novas dos anos de 1990 que ainda não
dida carreira de psicóloga, que abandonou para enfrentar o citamos, figura a Pauliceia, fundada, em 1991, pelo economis-
desafio de reerguer a editora da família. ta e professor da Fundação Getúlio Vargas Roberto Perosa,
Um artigo de Mário Pontes, “O Charme dos Pequenos”, após breve passagem pela Trajetória Cultural, em associação
publicado na seção Ideias, do Jornal do Brasil de 22 de maio com seu irmão José Mateus. Combina obras populares em
de 1993, fala do aumento do número de editores, uma flo- grandes tiragens (Assassinato no Canal de Oxford, de Colin
ração quase exclusiva de “editoras pequenas, às vezes mi- Dexter, e Robin Hood, de Louis Rhead) e literatura clássica,
croscópicas, no limite do artesanal”, muitas delas guiadas como as Cartas Persas, de Montesquieu, e Haroun e o Mar de
“por um forte propósito de intervir na esfera cultural” e Histórias, de Salman Rushdie, e, em 1997, já tinha quarenta
preencher as grandes lacunas que ainda existem. Nem todas títulos no catálogo. Registramos, em seguida, cinco editoras
conseguiram sobreviver, e a maioria das outras permaneceu fundadas em 1992: Editora Revan, dedicada à arquitetura,
pequena. Houve exceções, porém. Uma das citadas no artigo artes plásticas, literatura e assuntos da atualidade, como ZR:
é a Top Books, de José Mário Pereira Filho, editora política, O Rifle que Matou Kennedy (1993), de Claudia Furiati, e Po-
cujo crescimento começou com a publicação de obras de lítica é Paixão (1995), de Antônio Carlos Magalhães; Nova
César Maia, Delfim Netto e Roberto Campos. Alexandria, editora dos clássicos raros da literatura, culinária,
Outra é a Objetiva, então recém-fundada por Alfredo poesia bilíngue, história da arte e obras infantojuvenis, cujo
Gonçalves (ex-Codecri, ex-Rocco, ex-Nova Fronteira), mas primeiro best-seller foi Sobre a Brevidade da Vida, de Sêneca,
já com noventa livros publicados. Teve tanto êxito que ra- depois que o ex-presidente Fernando Henrique declarou ser
pidamente entrou na lista das cinco principais na área de este seu livro de cabeceira; a algo parecida Ars Poetica, dos
livros gerais, a saber, Record, Companhia das Letras, Roc- bibliófilos Ubiratan e Terezinha Mascarenhas, que edita os
co, a própria Objetiva e a Nova Fronteira. À Objetiva co- “grandes nomes da literatura universal, principalmente aque-
meçou por induzir Paulo Coelho a deixar a Rocco, com a les da Roma e Grécia antigas”; a Geração Editorial, “aberta,
oferta de $500000 de direitos autorais, pagos adiantado, pluralista, libertária, radical”, fundada, em São Paulo, pelo
pela obra Monte Cinco, que sairia em 1998. A produção jornalista Luiz Fernando Emediato e entre cujos autores edi-
da Objetiva, de sessenta títulos novos por ano, incluiu, em tados figuram José Néumanne (A República na Lama, sobre
2001,0 excelente dicionário português de Antônio Houaiss, o governo Collor), Frei Betto, Luiza Erundina e João Carlos
cuja edição tinha sido, durante uma gestação de muitos Teixeira Gomes (Memórias das Trevas, sobre Antônio Car-
anos, uma antiga esperança da José Olympio (que planejara los Magalhães); e, por último, a Editora 34, com cerca de tre-
comercializá-lo numa associação com a Xerox, a Melhora- zentos títulos no catálogo. Esta editora foi o projeto de um
mentos e as Páginas Amarelas, até que perdeu o patrocínio grupo de universitários já responsável pela revista trimestral
da Xerox, com a morte de seu proprietário, Sérgio Gregori). 34 Letras, editada de agosto de 1988 a março de 1990. Sua
A Objetiva conquistou autores como Mário Prata, em 1999, linha editorial, agora dirigida por Aluizio Leite, é principal-
e Luís Fernando Veríssimo, em 2000, editou, em tradução,
a coleção Découvertes, da Gallimard, e contratou com Ro-
naldo Vainfas o Dicionário do Brasil Colonial (2000) e o 8. Isabel Cristina Mauad, “Livros e Polêmica: Rio Fundo, mais uma
Dicionário do Brasil Imperial (2002). Editora no Mercado Carioca”, O Globo, p. 3, 25 fev. 1990. À polê-
mica foi a discussão em torno da publicação de Águas de Amargura,
A Editora Rio Fundo, de Virgílio Moretzsohn, com o
de Joel Bicalho Tostes, marido de Elierh, neta de Euclides da Cunha,
nome tirado de uma fazenda do século xvrII e tendo o es- que pretendia provar que Judite Ribeiro de Assis, filha da mulher de
critório num casarão do século x1x, em Botafogo, começou Euclides e de seu amante, Dilermando, “agiu de má-fé” no seu depoi-
suas atividades com a publicação de quatro livros no final mento a Jefferson de Andrade para seu Ana de Assis (1988).
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mente filosofia, mas também história, psicanálise, política, Houve, a partir de 1992, uma discussão contínua, e às ve-
economia, artes, literatura e humor. Outras editoras novas são zes um tanto amarga, entre editoras e livreiros sobre a culpa
a Casa Jorge Editorial (catorze títulos em 2002) que come- pelos preços altos, com um impacto bastante nocivo sobre as
çou, em 1998, com a edição de Como Contar um Conto, de vendas. Antes do Plano Real, os editores calculavam os pre-
Gabriel Garcia Márquez; e a Editora Musa, de Ana Cândida ços em termos da inflação futura prevista, para cobrir o pra-
Costa, cujo catálogo de trinta títulos se distingue por Teresa zo de pagamento do livreiro, agora reduzido de 60 para 45
de Lisieux 1873-1897, por Monika-Maria Stóckler, Deus e dias. À solução óbvia, do ponto de vista das editoras, teria
Adivinhas: Mulher e Adivinhação na Roma Antiga, obra do sido reduzir ainda mais este prazo, como já haviam feito as
historiador espanhol Santiago Montero, e uma tradução da editoras didáticas (exigem pagamento em 21 dias), mas essa
História de Florença, de Maquiavel. À Razão Cultural Edito- mudança necessitaria da unanimidade das editoras, o que
ra, especialista em autores brasileiros (vivos e clássicos), fun- é muito mais difícil de conseguir na área de livros em geral
dada em 1995, foi comprada, em 2002, pela Editora Palavra e por ser muito maior o número de empresas. Segundo Alfre-
Imagem (fundada em 2007). Uma indicação talvez do quanto do Weiszflog, da Melhoramentos, o comprador tradicional
tem mudado, no final do século, a moderna sociedade brasi- da classe média quase cessou de existir. Há, nesses dias, um
leira foi a fundação, também em 1995, da Editora Nova Tribo mercado do comprador abastado, que compra livros de $s0,
Cultural, dedicada à cultura indígena, por Kaka Werá Jecupé, $60, $70, ou $80, e outro dos pobres, que podem pagar $3
índio txucarramãe nascido e criado em São Paulo. ou $4, mas não têm costume de entrar em livraria. Para ser-
Uma mudança social mundial que ganhou força no Bra- vir a este mercado, a Melhoramentos empregou meios não
sil justamente nessa época foi o movimento gay e o reconhe- tradicionais de venda: restaurantes, postos de gasolina e a
cimento consequente da demanda do consumidor homos- Internet. Um minilivro de 16 páginas para este mercado ven-
sexual, À primeira editora dedicada ao que seu fundador deu, em 1996, uma tiragem de quatrocentos mil, ao preço de
chamou de “literatura homoerótica” foi estabelecida por $0,50, por meio das vendedoras domiciliares da companhia
José Carlos Honário, no princípio de setembro de 1994, com Avon de cosméticos. No céu, Monteiro Lobato deve ter fica-
o nome de Transviatta. do muito contente!
Apesar do otimismo desses estreantes no mercado do livro, Teria agradecido também o reconhecimento, afinal, em
os autores nacionais (menos Paulo Coelho!) sentiam clara- 1997, da importância do capista. Foi nesse ano que surgiu o
mente a diminuição das vendas, mas, na opinião do perito nor- prêmio Jabuti para melhor capa (dado a Ettore Bottini por
te-americano Herbert Lottman, ganhavam vantagem no mer- Tão Triste como Ela, de Juan Carlos Onetti, da Companhia
cado mais apertado: são mais baratos para o editor do que os das Letras), e que o Museu da Imagem e do Som realizou a
estrangeiros, não precisam ser traduzidos e podem participar exposição À Arte da Capa, dedicada à obra do catarinense
muito mais facilmente da promoção. Ainda assim, a Record, Bottini, do austríaco Eugênio Hirsch ($169), da Civilização
sempre favorável aos best-sellers internacionais, publicava, em Brasileira, da pernambucana Moema Cavalcanti, da Duas
1993, apenas 30% de livros de autoria nacional (mesmo de- Cidades, e do paulistano João Baptista da Costa Aguiar, da
pois de ter aumentado sua proporção de autores brasileiros”); Companhia das Letras.
e, em 1998, seria apenas 20% (de um total de 270 títulos). Sobre a internet, mencionemos, ao lado da entrada no
Brasil da Amazon.com — para a qual o português constitui o
quinto em volume de vendas entre os idiomas do mundo -,
9. Herbert R. Lottman, “Brazilian Book Boom?”, Publishers Weekly, a concorrência entre três empresas nacionais, a Livraria Cul-
pp. 52-54, 15 nov. 1993. É interessante observar os títulos escolhidos tura (www.livrariacultura.com.br), a Submarino (www.sub-
por esse autor para os seus relatórios sucessivos sobre o mercado do li- marino.com.br) e a Saraiva (www.saraiva.com.br). Isso, por
vro no Brasil: o de 25 de novembro de 1988, “Brazil: Living On Hope”, sua comodidade, pode estimular as vendas, mas pode dificul-
enquanto o de 21 de novembro de 1980 foi o ainda menos animador
tar a existência da livraria tradicional, por burlar o preço de
“Brazil: A Long Way to Go”, embora o subtítulo concedesse que a
indústria daqui “is a lusty infant with a healthy future”. capa fixo, ao mesmo tempo que facilita a busca do preço mais
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baixo pelo consumidor. Muitas editoras, naturalmente, têm Programa Nacional do Livro Didático (PNLD, entidade fe-
seus próprios websites, cujo endereço se pode obter por meio deral criada em 1985) para distribuir gratuitamente às du-
do Portal Editorial do Snel, www.portaleditorial.com.br. zentas mil escolas públicas de primeiro grau. As dificuldades
orçamentárias do Programa acarretam, porém, uma enorme
variação anual. Em 1991, 67 milhões de livros foram confec-
$213 LIVROS PARA CRIANÇAS E DE AUTOAJUDA cionados para a Fundação de Assistência ao Estudante, em-
bora tenha havido atraso na distribuição; em 1992, porém,
Em contraste total com o mercado para adultos, o mercado devido à escassez de recursos, a FAE mandou imprimir ape-
do livro infantojuvenil mantinha a sua nova posição de desta- nas oito milhões e, no Rio de Janeiro, o PNLD “simplesmente
que (cf. $203) e, na verdade, melhorou-a, passando de 7,84% parou de funcionar” "4,
do total dos títulos de livros publicados em 1986 para 11% Mais consolo para os editores encontra-se no mercado
em 1990. Contudo, esses percentuais escondem sua partici- de livros de autoajuda's. Segundo a revista Visão, de 20 de
pação no declínio geral do mercado: o total de novos títulos novembro de r99r, esse fenômeno começou com a venda,
infantojuvenis editados caiu de 22 834 553 exemplares, em no Brasil, dos setecentos mil exemplares de Complexo de
1988, para 17 157271 em 1989€ para apenas 15 milhões em Cinderela (da Record). Dentre os livros mais vendidos de
1990. Neste último ano, a luta entre si das editoras infanto- não ficção de 1993 (segundo a Folha de S.Paulo, 2 de janei-
juvenis para manter o seu respectivo market share resultou ro de 1994), oito eram de autoajuda e os outros dois eram
no recorde de 2 514 livros e 120 fascículos editados'º. Feliz- Parati, um relato de viagem da Companhia das Letras, e o
mente, O recuo foi transitório: em 1991, foram publicados Passando a Limpo, de Pedro Collor, sobre a corrupção po-
32 milhões de livros para jovens” e, em 1992, a produção lítica. E não devemos esquecer a grande demanda de livros
representou 20,3% do total nacional, chegando, em 1993, de informática, cujas excelentes vendas estimularam até a
a 38% de todos os lançamentos"*, É talvez significativo que volta para o Brasil de algumas editoras multinacionais que
a Ática, a maior editora de livros do país, embora dedicada fugiram no início da década de r980. Na área de livros sobre
principalmente ao livro didático (60% da sua produção), te- computadores, um nome importante é o da Makron Books,
nha entrado maciçamente nesse mercado, com 30% da sua comprada em 1984 por Milton Mira de Assumpção da sub-
produção (20% juvenil, 10% infantil). sidiária brasileira da McGraw-Hill. Em 2000, a empresa foi
Notemos que o desenvolvimento dessa nova indústria de vendida ao grupo inglês Pearson Education. Como observou
livros infantojuvenis antecipou em quase quinze anos uma o veterano brasilianista norte-americano Thomas Skidmore:
mudança semelhante nos países de língua castelhana, ofere-
cendo aos autores e editoras brasileiros uma excelente opor- Livrarias que tinham poucas obras literárias novas nas estantes
tunidade de exportação”. agora estavam superlotadas de livros de autoajuda. [...] O leitor
O livro didático continua a constituir a metade da pro- brasileiro já se tornou introvertido, fugindo da confusão e da ten-
dução editorial: 120 milhões de livros, dos quais, na Nova são da política do Brasil contemporâneo e dos seus problemas so-
República, perto de cinquenta milhões são comprados pelo ciais sem fim. [Mas ele se consola com uma única reação positiva:)
Autores, sobretudo os jornalistas, editaram uma série de notáveis
ro. Produção Editorial Brasileira, 1990: Resultados, Rio de Janeiro, biografias de personagens históricos proeminentes. |...) Esses li-
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, 1992. vros, todos eles best-sellers, refletiram o desejo comum de captar
11. “Brazil Exporta a Amazônia”, O Estado de S$. Paulo, p. 2, 10 abr.
1991 (Caderno 2).
12. Rosane Pavam, “Para Gostar de Ler”, IstoÉ, n. 1 237, pp. 60-61, 14. “Alunos da 3º e 4º Séries Terão Livro só em Maio”, O Estado de
16 jun. 1993; Cristina Ramalho, “A Literatura Infantil Deixa de Ser 8. Paulo, p. 16, 26 mar. 1993.
Criança”, Jornal da Tarde, p. 14, 18 abr. 1994. 15. Cf. também Suzamara Santos, “Febre da Autoajuda Sustenta Edi-
13. Ana Maria Ciccacio, “Literatura Infantil Brasileira Conquista Ou- toras”, Diário do Povo, Campinas, p. 1, 19 ago. 1993 (caderno Arte
tros Países”, O Estado de $. Paulo, p. 8, s jul. 1993. e Lazer).
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por meio de alguma personalidade singular |...) como se esses au- mais ativa da América Latina e, realmente, o Brasil já pode
tores estivessem empenhados numa empresa comum de superar o orgulhar-se de ter a maior indústria livreira unilíngue dos
pesadelo do governo militar para encontrar as raízes de um Brasil países em desenvolvimento.
mais autênticos. As perspectivas para a economia, e assim para o poder
aquisitivo do leitor-consumidor, parecem, por fim, alenta-
Ele cita as biografias do Barão de Mauá, escrita por Jorge doras. Também foi muito agradável registrar que, enquan-
Caldeira, a de Chatô por Fernando Morais (cem mil exem- to os governos dos países desenvolvidos — especialmente o
plares vendidos), a de Nelson Rodrigues por Ruy Castro, a Reino Unido — reagiram à depressão mundial dos anos de
de Noel Rosa por João Máximo e Carlos Didier e, ainda, 1980 com violentos cortes nos orçamentos das bibliotecas,
os romances históricos, Sonhos Tropicais, de Moacyr Scliar, no Brasil o serviço de bibliotecas públicas da cidade de São
sobre Oswaldo Cruz, e Agosto, de Rubem Fonseca, sobre os Paulo atravessou, na gestão de Erundina na prefeitura, um
últimos dias de Getúlio Vargas. A romancista Betty Milan, período de expansão inovadora. Se, em contraposição, hou-
proprietária da nova editora paulista Cultura Editores Asso- ve vários retrocessos na área da cultura (como a substituição
ciados, reagiu, no entanto, de modo diferente e atribuiu a si- do Instituto Nacional do Livro pelo Departamento, um ór-
tuação a “secretários-executivos dos editores que só querem gão pequeno e muito limitado dentro da Biblioteca Nacio-
biografias e livros de autoajuda”, desvalorizando a literatu- nal), essas ações provieram de um presidente rapidamente
ra nacional. Sugere que é por isso que, ao contrário de Por- exonerado por exigência de uma nação indignada.
tugal, nunca ganharemos o Prêmio Nobel de Literatura. Se
os editores brasileiros não valorizam a nossa literatura, não
é de esperar que seja valorizada no exterior"”. ITAMAR FRANCO E O PLANO REAL $214
Talvez, eu preferiria acreditar que a indústria entende o
seu consumidor um pouco melhor do que essa escritora e Inicialmente, parecia que o sucessor de Fernando Collor, o
ufanar-me-ia de que mais uma vez os editores e livreiros do vice-presidente Itamar Franco, assumia seu posto sem so-
Brasil demonstraram sua maravilhosa capacidade de sobre- lução para os muitos problemas do Brasil, além de acabar
viver aos tempos dificílimos, e insisto em afirmar que, ape- com o desastre que fora o Plano Collor. No entanto, depois
sar de tudo, a indústria editorial brasileira continua sendo a de algum tempo, teve a felicidade (ou sorte?) de transferir
seu ministro das Relações Exteriores para a pasta da Fazen-
da, na qual ele e seus conselheiros fizeram o milagre do Pla-
16.“Bookstores that had few new literary works on their shelves now no Real, reduzindo, pela primeira vez em cinquenta anos, a
overflowed with books on self-help [...] The Brazilian reader had tur-
taxa de inflação de um só golpe, senão a um zero absoluto
ned inward, away from the confusion and tension of contemporary
politics and the endless social problems.” [...] “Writers — especially a longo prazo, pelo menos a algo digno de um “país sério”.
journalists = published a series of outstanding biographies of leading O prêmio do ministro Fernando Henrique Cardoso, outro,
historical figures. [...) These books, all best-sellers, reflected a com- porém muito diferente, foi sua merecida eleição para a pre-
mon desire to recapture the past through some unique personality sidência da República.
[...] as if these authors were engaged in a common enterprise to reach Essa mudança fundamental não foi imposta sem pro-
beyond the nightmare of military rule to find the roots of a more au- blemas. Antes da introdução da uRv (o futuro “real”), o
thentic Brazil” Thomas Skidmore, Brazil: Five Centuries of Change, livreiro via o preço de capa do livro aumentar bastante, em
Nova York, Oxford University Press, 1999, p. zro. Cf. também Rinal-
termos monetários, durante o prazo de pagamento (agora,
do Gama, “Retratos do Brasil: As Listas de Mais Vendidos Mapeiam
a Evolução da Mentalidade do Leitor Brasileiro nos Últimos Vinte como dissemos, reduzido de 60 para 45 dias) ao editor,
Anos”, Veja, pp. 94-97 , 13 jul. 1994. enquanto o valor nominal da fatura ficava sem correção
17. Deonísio da Silva, “Editores não Investem no Escritor Brasileiro; En- monetária. Ou, em termos reais, a importância da fatura
trevista / Betty Milan”, Observatório da Imprensa, disponivel em: htrp:// diminuía enquanto o valor real do livro não mudava. Com
www observatoriodaimprensa.com.br/arrigos, acesso em 6 jun. 2001. a chegada da uRv, as condições de comércio inverteram-se.
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À fatura ia aumentando, mas o preço de capa cessou de que o leitor compare com a escolha quase monocultural dis-
mudar. Com isso, os editores reduziram os preços de capa ponível nos países anglofônicos (por exemplo), citarei a lista
em torno de 30%, já que não havia motivo para manter dos quarenta best-sellers no Reino Unido, apresentada no
uma expectativa inflacionária na hora de calculá-los. Ao jornal londrino The Guardian, de 10 de agosto de 2002, em
mesmo tempo, com as faturas agora expressas em URV, que um único autor (Isabel Allende, cujo Portrait in Sepia
com correção monetária diária, os livreiros queixaram-se está na 31” posição) não é anglofônico!
da queda dos lucros, de modo que a Siciliano, o mais po- Essa vitória sobre o velho dragão da inflação monetária,
deroso deles, insistiu num aumento de so% para 60% no se não representa seu fim, pelo menos constitui o retorno
desconto dado pelas editoras, sob pena de deixar de vender a níveis que, numa perspectiva mundial, podemos conside-
os produtos das editoras que se recusassem a aceitar essa rar “normais”. Todavia, embora isso seja, no contexto da
condição. (Esse desconto de 50% era o concedido, tradi- economia brasileira em geral, a maior melhoria imaginável,
cionalmente, ao distribuidor quando a editora pagava os criou certos problemas que exercem impacto diferente so-

<a, o
fretes; o normal para a livraria era 40%.) Em 1994, duran- bre o comércio do livro”. Embora o resultado tenha sido

É
te meses, as lojas Siciliano não adquiriram livro algum da a expansão da rede de livrarias — dez grandes lojas foram
Record, nem da Companhia das Letras, Nova Fronteira, abertas já em 1997 -, isso representou a chegada de gigantes
Objetiva, Best Seller, Globo, Bertrand Brasil, Imago, Paz estrangeiros quando a Ática Shopping Cultural (sem cone-
e Terra, Martins Fontes. Com a substituição da uRv pela xão com a editora) vendeu suas três “megalojas” em São
nova moeda, o real, e a chegada da estabilidade monetária, Paulo à multinacional francesa Pinault-Printemps-Redoute,
a situação equilibrou-se. que procurava estender ao Brasil e à Argentina a sua cadeia
Sobretudo, o mercado do livro reagiu ao fim dos cin- de livrarias com lojas de música e artigos eletrônicos FNAC.

TT—
quenta anos de inflação crônica. Em 1995, manteve-se 0 Em 1998, 0 Darby Overseas Emerging Markets Fund, che-

do
crescimento do total de livros produzidos (330 milhões) e fiado por Nicholas F. Brady, antigo secretário do Tesouro (o

ha.
vendidos (ainda maior, 374 600000). Somente em 1996 é ministro da Fazenda norte-americano), investiu $r5 milhões

E
que, com a volta da confiança (e das encomendas das livra- na Siciliano. Com efeito, as condições mais estáveis criadas
rias) às editoras, o total dos livros produzidos e dos vendidos pelo término da inflação já provocaram a volta maciça das
conseguiu igualar-se em 387 milhões. Embora tenha havido, casas editoriais multinacionais, estando entre as primeiras a
em 1997, um pequeno excedente de produção (381870374 McGraw-Hill e a Simon & Schuster.
produzidos e apenas 348 152034 vendidos), as estatísti- O presidente Fernando Henrique Cardoso venceu igual-
cas de 1998 iriam compensar: 369 186 474 produzidos e mente o dragão da censura, abolindo a sua última mani-
410334 641 vendidos. E, durante toda a década, houve um festação, com o nome eufemístico de Conselho Superior de
aumento quase contínuo no total de obras escolhidas para Defesa da Liberdade de Criação e Expressão, pelo decreto-
o consumidor: a partir de 22 479 títulos editados (9 806 no- -lei assinado no primeiro dia útil da sua administração, 2 de
vos) em 1990, esse total subiu para 28450 (10871 novos) janeiro de 1995.
em 1991, 27 561 (10069 novos) em 1992, 33 508 (10799
novos) em 1993, 37 253 (12 564 novos) em 1994, 40503
(12795 novos) em 1995, 43 315 (12994 novos) em 1996, 19. Sobre a impressão de uma visitante norte-americana a res-
49746 (15 098 novos) em 1998'*, E mais, a escolha feita peito do comércio livreiro no Brasil após o Plano Real, cf. Sally
pelo comércio brasileiro do livro é universal, eclética. Para Taylor, “Brasil, a Case of Boom and Bust”, Publishers Weekty, vol.
245,0. 37, p. $28, 14 set. 1998. Em seu artigo “The Latin Touch”,
publicado na mesma revista um ano antes (p. S4, 25 ago. 1997),
r8, Seria interessante uma comparação com a indústria do livro na que trata da situação na Argentina, a autora observou o impacto
Argentina, que produziu 9913 edições (novas e reimpressões) em muito maior da estabilização monetária do país do que aconteceu
1996, 12271 em 1997, 13 156 em 1998 e 14224 em 1999, mas caiu no Brasil: as vendas argentinas de livro aumentaram entre 1993 €
para 13149 em 2000. 1996 cerca de quatro vezes.
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$2r5 SEBOS E FEIRAS lamentavelmente distante do centro da cidade e de difícil


acesso através dos transportes públicos.
À curto prazo, ao livrar o consumidor da necessidade de gas- Em 3 de setembro de 20071, foi inaugurada uma “minibie-
tar seu salário antes que ele perdesse todo o seu valor, a que- nal”, a Primavera dos Livros, para editoras de pequeno e mé-
da da inflação deu-lhe a nova opção de poupar, levando-o a dio porte, as quais passavam praticamente despercebidas nas
procurar novos modos de economizar. Isso talvez explique grandes bienais, onde o volume dos eventos paralelos desvia
o alegado ressurgimento, nesse novo século, do comércio de a atenção dos visitantes. Essa primeira Primavera realizou-se
livros de segunda mão, os chamados “sebos” ou alfarrabis- no Jóquei Clube, com o comparecimento de editoras como
tas: o Guia dos Sebos do Rio de Janeiro e de São Paulo, de a Boitempo, Casa da Palavra, Contraponto, Cosac & Naify,
Antônio Carlos Secchin (Nova Fronteira, 2002), cadastra 68 Garamond, Hedra, Iluminuras e Navy, com dez mil pessoas
apenas na cidade de São Paulo, quase certamente omitindo comprando, em média, mais de um livro cada, e as livrarias
muitas lojas de livros usados que existem nos bairros menos aumentaram em 40% as encomendas das editoras participan-

TT
abastados*º, A escolha das cidades a incluir no anexo do li- tes. A segunda Primavera dos Livros, em outubro de 2002, foi
vro indica que os sebos mais importantes fora de Rio-São realizada na Sala Adoniran Barbosa do Centro Cultural São
Paulo encontram-se em Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Paulo, com o patrocínio da Prefeitura de São Paulo e o apoio
Goiânia, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Luís. da rr Donnelley América Latina. Uma reportagem sobre o
A valiosa exposição do livro que é a Bienal continua a evento, publicada em O Estado de S. Paulo para ilustrar a
realizar-se, desde 1981, anualmente, já que acontece em grande variedade de temas oferecidos pelas editoras partici-
duas cidades, São Paulo e Rio, em anos alternados ($182). À pantes, cita a edição de Cartas sobre Cézanne, de Rainer Ma-
de São Paulo, depois de treze exposições no Pavilhão do Ibi- ria Rilke, um entendimento do trabalho artístico a partir da
rapuera, mudou, em 1996, para a nova sede no Expo Center observação do grande escritor, publicada pela 7 Letras.
Norte, na Vila Guilherme, com onze mil metros quadrados Nas Bienais e nas Primaveras participam principalmente

e
de área para abrigar seus oitocentos estandes (contra os se- as editoras. Mais antigas e muitas delas instaladas ao ar li-
tenta estandes nos 3 250 m* da primeira em 1970). À Bienal vre, em praça pública, as feiras do livro são promovidas, em
e
do Rio ocupa 6 soo m* no Riocentro, lugar atraente, mas sua maioria, pelas associações estaduais de editoras, mas são
utilizadas principalmente pelos livreiros para vender seu es-
toque com grandes descontos e para atrair o grande público,
20. Haroldo Ceravolo Sereza, “São Paulo e Rio Ganham Mais e Me- além dos frequentadores tradicionais de livrarias. São reali-
lhores Sebos”, O Estado de 8. Paulo, ro de fevereiro de 2002, cader-
zadas em Belo Horizonte, Brasília, Florianópolis, Recife, Rio
no 2, p. 1. Cf. também Antônio Magalhães, “Sebos, uma Especializa-
ção no Difícil Comércio de Livros”, O Estado de S. Paulo, 2.6 de abril
de Janeiro e Salvador, entre outras capitais, mas a principal de
de 1981, p. 48; Claudio Figueiredo, “O Estranho Mundo dos Sebos, todas é a de Porto Alegre, realizada pela primeira vez em 1955
e tema de um livro de Paulo Betancur, ilustrado por Joaquim
ce

Onde Bibliófilos, Maníacos e Curiosos Caçam Livros Raros nas Pra-


teleiras Empociradas”, Jornal do Brasil, 21 de setembro de 1986, pp. da Fonseca, A Feira do Livro de Porto Alegre: 40 Anos de His-
42-44; Francisco Costa, “Em Algum Lugar do Passado: Livreiros à tória, editado pela Câmara Riograndense do Livro, em 1994.
Antiga Eles São o Elo Perdido de uma Tradição em que Vender Livros
Era Como ter um Caso de Amor”, Leia, fevereiro de 1989, pp. 36-38;
TC

“Jóias na Estante: Através dos Catálogos de Livrarias Antiquárias, os O LIVRO PARA CEGOS $216
Colecionadores Garimpam Valiosas Raridades”, Veja, 13 de maio de
1987, pp. rro-1 11; Cristina Palmeira, “Sebos São Alternativa Boa e
Barata”, Jornal do Brasil, 27 de janeiro de 1990, caderno 1, p. 2; An- Outro leitor que, até agora, omiti totalmente, porque suas
tônio Fornazieri Júnior, “Sebos Têm Riquezas Literárias por Baixos necessidades exigem um tipo muito especial de livro, é o de-
Preços”, Correio Popular, Campinas, 9 de fevereiro de 1991, p. 16; ficiente visual. A produção, no Brasil, de material destinado
Ruy Castro, “Antiguidades que Também Dão Idéias”, Exame Vip, 2 a esse tipo de leitor começou, no Rio de Janeiro, no então
a

de outubro de 1991, pp. 42-45. Imperial Instituto dos Meninos Cegos, a primeira instituição
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para cegos em toda a América Latina, fundada em setembro centas páginas em braille por hora usando conversores braille
de 1854 e chamada desde 1889 de Instituto Benjamin Cons- ambientados para Windows. A partir de 1998, instituídos pela
tant. Produzia os seus primeiros livros de forma totalmente Secretaria de Educação Especial, os Centros de Apoio Peda-
artesanal, utilizando o sistema do francês Louis Braille, lança- gógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual
do em 1829 no seu Procédé pour écrire à "usage des aveugles, (cap), resultado de um trabalho conjunto entre a Secretaria
mas que só veio a tornar-se conhecido um pouco antes de de Educação do Estado de São Paulo e as entidades filiadas
sua morte, em 1852. Este sistema é adequado para qualquer à União Brasileira de Cegos (uBc), têm por meta viabilizar a
idioma que utilize o alfabeto latino, mas as necessárias abre- implantação de pelo menos uma unidade em cada um dos es-
viaturas das palavras mais comuns são peculiares a cada lin- tados brasileiros para garantir às pessoas cegas e àquelas de
gua. Inicialmente, os livros eram produzidos apenas para os visão subnormal o acesso ao conteúdo programático desen-
alunos daquela escola carioca, de modo que somente nos anos volvido na escola de ensino regular, bem como o acesso à lite-
de 1940 é que teve início uma produção mais geral em brail- ratura, à pesquisa e à cultura por meio do uso de equipamen-
le. Isso aconteceu após uma visita da senhora Regina Pirajá tos da moderna tecnologia e da impressão do livro em braille.
da Silva ao Instituto de Cegos “Padre Chico”. Impressionada Como disse a professora paraibana Luisa Maria de Almei-
com a total falta de livros para os alunos daquele instituto da, então presidente do Instituto dos Cegos Adalgisa Cunha,
paulistano, devido à impossibilidade de importá-los em tem- em palestra proferida no I Simpósio Brasileiro sobre o Sistema
pos de guerra, ela criou a pauta que leva o seu nome, uma fo- Braille, ocorrido em Salvador (BA), em setembro de 2002:
lha de cartolina impressa com os seis pontos da configuração
braille na qual não deficientes visuais, pressionando os pontos Hoje, em praticamente todas as capitais brasileiras podemos en-
impressos no papel sobre uma camada de mata-borrão, flane- contrar facilmente impressoras braille, seja nas Secretarias de Edu-
la grossa ou lã, produziam as letras em relevo do outro lado do cação, seja nas instituições de e para cegos. Poderíamos nos arriscar
papel. Foi assim que se transcreveram livros em cópia única a dizer que nunca se produziu tanto braille como hoje em dia, O
para formar uma pequena biblioteca. Seguiram-se os esforços primeiro grande desafio, no entanto, é produzir um braille de boa
de dona Dorina de Gouveia Nowill, a principal idealizadora qualidade, que venha a contribuir para a elevação do nível educa-
da Fundação para o Livro do Cego no Brasil, hoje Fundação cional e cultural das pessoas cegas, principalmente aquelas que só
Dorina Nowill para Cegos, fundada em 11 de março de 1946 dispõem desse meio de acesso para sua informação.
e que é, até hoje, a grande responsável pelo acesso de milhares Há outros desafios a serem enfrentados. As proporções conti-
de pessoas cegas à educação e à cultura. Em 1948, a Funda- nentais do Brasil fazem com que vivenciemos realidades, sobretudo
ção recebeu uma imprensa braille completa, com maquinaria, em muitos municípios do interior, em que as comunidades cegas
papel e outros materiais, doada por uma entidade dos Estados são carentes do kit mais básico para a escrita em braille, ou seja, a
Unidos. Para abrigá-la, a Prefeitura de São Paulo construiu regreta e o punção, que permite a produção do texto de forma ma-
um prédio adequado. Embora as impressoras braille da Fun- nual. Nesses municípios de profundas carências, o livro em braille
dação Dorina Nowill e do Instituto Benjamin Constant ainda impresso em larga escala chega a ser, pois, um produto de luxo.
sejam as maiores em todo o Brasil, recursos internacionais e A produção braille no Brasil não pode pois estar unicamente
do Ministério da Educação têm sido investidos, nos últimos nas mãos das instituições especializadas e do governo; esse desafio
anos, na implantação de centros de produção braille em todas exige que se envolvam nos processos de produção e distribuição do
as unidades da Federação. livro em braille tanto o mercado editorial, como as bibliotecas e se-
Para acompanhar o desenvolvimento científico e tecnoló- tores da sociedade que possam subsidiar a compra de equipamen-
gico e os recursos disponíveis na rede mundial de computa- tos, de softwares para a formação de bancos de armazenamento de
dores, a Fundação Dorina Nowill tem procurado modernizar livros digitais. As tecnologias de informática propiciam um diálogo
seus equipamentos e softwares, sempre com a preocupação perfeito entre produção, armazenamento e distribuição do livro em
de manter a qualidade dos livros produzidos. Dispõe de im- braille. No entanto, esse potencial inesgotável não está sendo apro-
pressoras braille Impacto, com a capacidade de produzir seis- veitado ainda no Brasil. Não conseguimos acompanhar, no tocante
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ao livro em braille, a grande avalanche das publicações de livros em Lei do Livro, da adaptação da Lei de Incentivos Fiscais para
todas as áreas do conhecimento. Ainda vivemos uma realidade ajudar o livro (como a antiga Lei Sarney?), da necessidade de
em que os nossos livros didáticos, em boa parte das escolas, são modificar a legislação corrente para devolver às editoras o
desatualizados; ainda vivenciamos o desagradável problema de ter- direito de contratar capistas, tradutores, revisores e autores
mos em escolas da rede comum de ensino, crianças e jovens cegos de prefácios etc. em base temporária (atualmente elas têm de
que nem sempre têm o livro em braille à mão, em pé de igualdade oferecer a todos estes um contrato de duração mínima de um
com seus colegas que enxergam. É preciso, pois, que se forme uma mês, inclusive para contribuir com um simples prefácio).
rede de solidariedade em torno do problema, a fim de que possa- Os problemas da sociedade brasileira estão longe de se-
mos caminhar no sentido de fazermos do livro em braille o artigo rem resolvidos, mas, sem qualquer dúvida, as dificuldades
mais básico e mais presente no processo educacional da criança, do do presente são apenas os entresseios de ondas de um mar
adolescente e do jovem cego, esteja ele onde estiver. que tem subido solidamente pelos anos, e, durante o último
século, com uma velocidade cada vez maior. À longo prazo,
Uma alternativa (que pode interessar igualmente ao públi- as perspectivas da indústria do livro no Brasil são fascinan-
co não cego) é o livro em cassete, ou talking book, introduzi- tes. Durante 430 anos, o Brasil foi uma sociedade essencial-
do no Brasil, em maio de 1986, pela Francisco Alves associada mente conservadora, rural e agrícola: foi a última nação do
à Moraes Sarmento Marketing Comunicações, com Bufo & Novo Mundo a abolir a escravidão e a última a abandonar
Spallanzani, de Rubem Fonseca, O Cão dos Baskervilles, de a monarquia. De 1930 para cá, tem-se desenvolvido frene-
Arthur Conan Doyle, Sombras da Noite, três contos de terror ticamente no sentido de tornar-se um Estado industrial mo-
de Stephen King, e Os Frutos Dourados do Sul, quatro contos derno. No processo, alguns de seus valores talvez se tenham
de ficção científica de Ray Bradbury, num total de 242 horas tornado por demais materialistas e prosaicos; mas isso é
faladas por 66 vozes em quatro fitas de noventa minutos cada. natural e inevitável: a Inglaterra do final do século xvim e
os Estados Unidos na “Guilded Age”, após a Guerra Civil,
atravessaram estágio semelhante. Gradualmente, porém, à
$217 AS PERSPECTIVAS PARA O TERCEIRO MILÊNIO medida que as necessidades materiais forem satisfeitas, a
própria urbanização operará uma transformação cultural.
O meu dever final, antes de concluir esta história, é mencionar A civilização, por origem e por definição, é a arte de viver
as Propostas para os Candidatos à Presidência da República, em cidades. Mesmo na Inglaterra, o primeiro Estado indus-
apresentadas pela Câmara Brasileira do Livro em julho de trial do mundo, a população urbana somente ultrapassou a
2002, quando se mudava para a nova sede em Pinheiros (rua rural, em números, nos meados da década de 1860. O Bra-
Cristiano Vianna, 91). Enfatizando a natureza abrangente do sil atingiu esse estágio exatamente um século depois. Se, ao
livro, com interfaces não apenas com a cultura e a educação, contrário da Inglaterra vitoriana, não possui precisamente a
mas também com a política de desenvolvimento industrial, maior cidade do mundo, possui duas cidades que competem
com a política de trabalho e emprego e com a política de de- entre as dez maiores. E as tabelas estatísticas deste livro de-
senvolvimento científico e tecnológico (inclusive em setores monstram o enorme crescimento complementar de cidades
como saúde, combate à pobreza e meio ambiente), propõe- do segundo escalão. As inter-relações entre grandes massas
-se a criação de “um organismo de âmbito nacional para o de seres humanos não podem deixar de produzir, no final, a
desenvolvimento e aplicação de uma política de Estado para fermentação intelectual que constitui a condição e a causa
o livro e para a leitura”, algo mais abrangente e mais sólido fundamentais da produção e do consumo do produto “livro”.
do que o antigo INL, e diretamente vinculado à Presidência Quando isso acontecer, o simples total de seus leitores
da República. Entre as muitas áreas de ação propostas para será, por si só, suficiente para dar ao Brasil uma das maiores
esse órgão, agrada-me muito saber que a segunda é o “estabe- indústrias editoriais de todo o mundo.
di,

lecimento e gerenciamento do Sistema Nacional de Bibliote-


cas Públicas”. Outras dessas Propostas tratam do projeto da
E

COLCHESTER, INGLATERRA, 1972-2012

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