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Estranhar o bairro em que se vive pode se contêm versões que produzem e reproduzem
converter em uma experiência bastante sig- concepções especí�cas sobre esse bairro. Foi a
ni�cativa, principalmente para quem preten- partir dessa percepção que o material no qual
de exercitar uma visão antropológica sobre o esperava obter informações “documentais” e
próprio meio social. Proporciona, talvez, uma “objetivas” se transformou em um objeto de
maior facilidade para “transformar o familiar re�exão para minha pesquisa.
em exótico”, como sugere Da Matta (1978). Neste trabalho realizo uma análise sobre
Este exercício re�exivo que pratico cotidiana- os meios de comunicação para compreender o
mente no bairro onde moro fez com que Ipa- modo como Ipanema é percebida, elaborada e
nema se tornasse, para mim, além de um local divulgada.1 Busco examinar os valores, símbolos
intrigante, um objeto a ser pesquisado. e noções que constroem o passado e o presen-
Uma vez decidida a realizar uma investiga- te do bairro comparando os diferentes espaços,
ção sobre Ipanema, iniciei uma busca por refe- personalidades e características que representam
rências bibliográ�cas sobre o local. Deparei-me a Ipanema de ontem e a de hoje. Considerando
com livros que continham descrições, fotos e que “Ipanema”, mais do que um espaço físico de-
comentários que em nada se assemelhavam ao limitado, exprime um conjunto de crenças e de
que costumo observar no bairro. A Rua Gar- representações culturalmente elaboradas, busco
cia D’Ávila, por exemplo, que me surpreende analisar o processo de construção social de um
às vésperas do Natal com seu tapete vermelho bairro emblemático da cidade do Rio de Janeiro.
estendido na calçada de lojas como Louis Vuit-
ton, Cartier, Mont Blanc e H. Stern, não ocu- Um bairro carioca
pava uma página sequer de tais livros. Aquelas
evidências que para mim atestam que Ipane- Ipanema possui 1,67 quilômetro quadrado.
ma é uma das localidades mais caras do Rio Seu território consiste em uma estreita faixa de
de Janeiro passavam quase despercebidas nessas terra, de formato quase retangular, banhada ao
obras sobre o bairro. O que encontrei foi uma sul pelo oceano Atlântico e ao norte pela Lagoa
certa regularidade no modo como os autores re- Rodrigo de Freitas. Em comparação com a maio-
tratam Ipanema, como por exemplo, através de ria dos bairros do Rio de Janeiro, Ipanema pode
uma referência constante a épocas passadas. A
Ipanema dos livros é uma Ipanema “de memó- 1. Os livros que constituem o material do trabalho são:
rias”, aparecendo como um local que vivenciou Ela é carioca (1999), de Ruy Castro; Ipanema, se não
me falha a memória (2000) de Jaguar e Os degraus de
grandes mudanças comportamentais, artísticas
Ipanema (1997), de Carlos Leonam. Dentre as ma-
e culturais nas décadas de 1960 e 1970. térias publicadas na imprensa no ano de 2004, esti-
Enquanto era transportada para uma Ipa- pulei como critério de seleção aquelas dedicadas ao
nema por mim desconhecida – um bairro aniversário de 110 anos do bairro de Ipanema. Utili-
“provinciano”, “boêmio” e “libertário” – os zei como objeto de re�exão suplementos dos jornais
jornais e revistas de grande circulação no Rio O Globo, Jornal do Brasil e da revista semanal Veja
Rio que apresentavam “Ipanema” estampada em suas
de Janeiro celebravam os 110 anos de uma
capas. Trata-se, respectivamente de Caderno Zona
Ipanema “moderna”, “luxuosa” e “cosmo- Sul – “Ipanema, 110 anos na vanguarda” (O Globo,
polita”. Notei, portanto, o caráter subjetivo 22.abr.2004); Caderno H – “O garotão de Ipane-
e simbólico das informações contidas nos ma – Ipanema 110 anos, edição especial” (Jornal do
meios de comunicação. Mais do que apresen- Brasil, 25.abr.2004) e “Ipanema 110 anos: Histórias
tar fatos sobre Ipanema, os livros e a imprensa e personagens do bairro mais charmoso da cidade”
(Veja Rio 26.abr.2004-02.maio. 2004).
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ser classi�cada como pequena, no entanto, suas o país”. O depoimento do Secretário Municipal
dimensões espaciais não são proporcionais às das Culturas também dissemina a mesma idéia:
simbólicas: Ipanema é entendida como um em- “Pela peculiaridade de Ipanema não poderíamos
blema de sua cidade e até mesmo de seu país. tombar apenas imóveis. Ipanema resume bem o
Essa representação aparece de diversas manei- espírito do carioca, seu comportamento, suas ati-
ras no material selecionado para este estudo, como tudes. E é isso que estamos preservando também”
por exemplo, através das noções de “moda”, “ca- (O Globo 20.jul.2003).
pital cultural”, “boemia” e “estilo de vida”: “Ipa- Ao considerar a relação metonímica que
nema está para o Rio como Paris para o mundo. se estabelece entre bairro, cidade e país, pode-
É sinônimo de moda. Tudo o que a menina de se pensar que as representações sobre Ipanema
Ipanema usa a caminho do mar, da universidade, apresentam dimensões mais amplas do que as de
das compras, as meninas de todo o Brasil copiam” um simples bairro e se estendem a um imaginário
(Jornal do Brasil: 8); “o bairro era a capital cultural sobre “ser carioca” e “ser brasileiro”. Apesar dis-
do Rio, e portanto, a capital cultural do Brasil” so, os elementos que estabelecem a ligação entre
(O Globo: 34); “Talvez seja impossível de�nir o o ipanemense, o carioca e o brasileiro, como os
carioca sem o espaço informal de cordialidade... conceitos de moda, boemia e estilo de vida, são
Em Ipanema, como bairro carioquíssimo que é, tratados aqui como típicos de Ipanema. É preci-
não podia faltar botequim” (Jornal do Brasil: 14) so ter em mente, contudo, que essa simbologia
e “Ipanema traduz um estilo de vida bem carioca: é capaz de transcender os limites territoriais de
praia, calçadão e espontaneidade” (O Globo: 16). 1,67 quilômetro quadrado desse lugar.
O livro de Ruy Castro sobre Ipanema ex-
pressa as mesmas idéias encontradas na impren- A Ipanema do passado
sa. O título Ela é carioca sugere que o bairro
não poderia estar localizado em outra cidade Nos suplementos de imprensa pesquisa-
que não fosse o Rio de Janeiro. Em abril deste dos, a idéia de moda é recorrentemente utili-
ano, esse escritor foi convocado por uma livraria zada para designar o passado de Ipanema: “Nos
para tratar o aniversário de 110 anos do bairro. anos 60 e 70, Ipanema viveu uma espécie de
Em suas primeiras palavras, Ruy Castro sugeriu fase áurea, exportando personagens, moda, ar-
que Ipanema é um bairro típico do Rio através tistas, posicionamentos políticos e modos de
da oposição “formalidade x informalidade” que vida” (Jornal do Brasil: 4). O bairro é quali�ca-
comumente se estabelece entre paulistas e ca- do como “Laboratório de moda... centro irra-
riocas. O autor negou que naquela ocasião faria diador de tendências” (O Globo:18) ou “Lugar
uma “palestra com viés acadêmico”, pois “isso onde não faltaram musas, modismos, aconteci-
só seria possível se Ipanema fosse em São Pau- mentos e polêmica” (Veja Rio: 12). Nos livros,
lo”, e preferiu denominar de “bate-papo” a sua a idéia também é freqüente. Jaguar acredita que
participação na homenagem ao bairro. o bairro “se intrometia na cidade e no estado,
A importância de um projeto de preservação ditava moda, hábitos e costumes para o Brasil e
cultural para o bairro de Ipanema fundamenta-se o mundo; cagava regras” (: 12).
no decreto publicado em julho de 2003, no Di- A concepção de moda utilizada para qua-
ário O�cial da Prefeitura do Rio de Janeiro, por li�car Ipanema não se relaciona somente ao
meio de considerações como estas: “...Ipanema, sentido mais comum de inovações nas vesti-
pela sua história, tornou-se uma referência do mentas ou nos acessórios de uso pessoal; en-
modo de vida do carioca, re�etindo-se em todo volve também outros signi�cados. A associação
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entre Ipanema e moda fundamenta-se na idéia O grupo de�nia-se como sendo orientado para a
de que os ipanemenses do passado tinham uma mudança. O vanguardismo implica na inovação,
habilidade peculiar de transgredir, criar e in- na invenção... ser um artista de vanguarda, por
ventar estilos de vida, comportamentos e ati- exemplo, implicaria não ser pessoalmente “qua-
tudes. Para ilustrar esta idéia não é preciso ler drado”, “careta”, “pequeno-burguês”. Mesmo as
os livros ou as matérias de jornais e revistas que pessoas que não desempenhavam uma atividade
falam sobre o bairro, bastando observar as foto- que não fosse considerada especialmente inova-
gra�as que se repetem nesse material. dora ou vanguardista aceitavam, em princípio, a
A praia serve como o cenário privilegiado importância de ser “aberto”, rejeitando as escalas
das imagens mais emblemáticas do passado de de valores das famílias de origem, consideradas
Ipanema, como a da atriz Leila Diniz grávida de hipócritas, repressivas etc. (: 63-64).
biquíni; a do ex-guerrilheiro Fernando Gabeira
de “tanga” tomando uma limonada ou a de um Se Ipanema é entendida como um bairro
grupo de mulheres com os seios à mostra, rode- onde se desenvolveram comportamentos “van-
adas de repórteres e de curiosos. Ipanema teria guardistas”, é no espaço da praia – mais propício
sido, sob esse ponto de vista, um local pionei- para a exposição corporal – que as novas mora-
ro, onde nasceram costumes e comportamen- lidades de Ipanema ganharam um destaque pú-
tos que romperam com padrões tradicionais de blico. A partir da análise de Goldenberg (1995)
conduta. De acordo com os livros e o material sobre a trajetória da atriz Leila Diniz, pode-se
de imprensa, as atitudes ipanemenses teriam argumentar que é na praia que o corpo ipane-
sido posteriormente difundidas e até copiadas mense aparece sob sua forma “transgressora”,
em outros locais do Rio de Janeiro e do Brasil. “polêmica” ou “libertária”. Lembrando que na
A barriga grávida de uma personalidade pú- década de 1970 as mulheres grávidas evitavam
blica, o “topless” feminino e a semi-nudez de um freqüentar espaços como a praia ou procuravam
militante de esquerda são imagens estrategica- disfarçar suas barrigas com trajes de banho apro-
mente utilizadas para tornar concretas as idéias priados, Goldenberg (1995) sustenta que a bar-
de “moda”, “inovação” e “ousadia” que também riga grávida de Leila Diniz, tornada pública em
contribuem para o imaginário que associa Ipane- 1971, materializou e corpori�cou seus compor-
ma ao conceito de “vanguarda”. Percebe-se que tamentos transgressores. “A barriga grávida de
essas fotos não são selecionadas arbitrariamente, Leila Diniz, exibida de biquíni nas praias de Ipa-
já que são justamente aquelas em que a “trans- nema, é ainda hoje lembrada como símbolo da
gressão” está mais evidente por recair no próprio liberação da mulher no Brasil...” (: 208-209).
corpo das personalidades fotografadas. Para compreender a crença de que Ipanema
A partir da pesquisa de Velho (1998) sobre “lançou modas” é preciso atentar para o desta-
jovens da década de 1970, nota-se que a idéia que atribuído às personalidades desse bairro. O
de ser “vanguarda” aparece como um valor material pesquisado sugere que falar de Ipane-
fundamental para as camadas médias da zona ma não signi�ca apenas descrever um espaço
sul do Rio de Janeiro nessa década. Esse grupo geográ�co delimitado, mas principalmente,
apresentaria forte anseio por mostrar um esti- lembrar de indivíduos “ousados”, “irreveren-
lo de vida “vanguardista”, que se traduziria no tes” e “polêmicos”. O bairro recebe as mes-
valor atribuído ao tema da mudança como um mas quali�cações que são atribuídas aos seus
modo de se opor a uma visão de mundo tradi- freqüentadores e habitantes, o que faz pensar
cional e conservadora: em uma espécie de “contágio” que se estabelece
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mais executadas do mundo – a história da cria- tações artísticas brasileiras edi�ca-se por uma
ção dessa música, que envolve os compositores associação entre espaços e pessoas. O bairro
Tom Jobim e Vinícius de Moraes, a musa ins- como um todo é tomado por suas partes. A
piradora Helô Pinheiro e o bar Veloso, trans- valorização da praia e dos bares demonstra que
formou-se em uma lenda do bairro, narrada Ipanema não era apenas o local onde os indiví-
por todas as matérias analisadas: duos se encontravam, criavam e executavam os
acontecimentos pioneiros. Mais do que isso, o
Nenhuma canção nacional foi – e continua sen- bairro é entendido como um local propício para
do – tão executada quanto “Garota de Ipane- as inovações por servir de fonte de inspiração e
ma”.... A música de Tom e Vinícius, de 1962, motivo de celebração para os ipanemenses.
foi inspirada em Helô Pinheiro quando passa-
va a caminho do mar em frente ao bar Veloso O livro de Jaguar fornece outras evidências
– hoje Garota de Ipanema (O Globo: 38). de que os botequins foram importantes para
de�nir o passado de Ipanema. O autor expres-
Uma das mais executadas canções do mun- sa essa idéia a partir da caracterização dos ipa-
do foi composta em 1962, na casa de Tom Jo- nemenses, narrando histórias bem humoradas
bim. A idéia nasceu nas mesas do bar Veloso, ocorridas no espaço dos bares:
onde Tom e Vinícius passavam horas beberi-
cando, jogando conversa fora e observando Aquela história do coelho no Jangadeiros acho
as mulheres, entre elas a musa Helô Pinheiro que todo mundo já conhece. Quando um ga-
(Veja Rio: 14). roto gritou “papai, olha um coelho!” foi um alí-
vio geral. Ninguém ousava dizer que tinha um
A ligação entre o Cinema Novo e a Bossa Nova coelho correndo entre as mesas; pensavam que
com o bairro de Ipanema se faz pelo caráter estavam tendo alucinação alcoólica (: 52).
“vanguardista” desses dois movimentos; ambos
são entendidos como estilos artísticos que rom- Entre os “ipanemenhos padrões” descritos
peram com os padrões estéticos e musicais tradi- no livro de Jaguar, quase todos são apresenta-
cionais. Todavia, nota-se que o vínculo da Bossa dos como assíduos freqüentadores de bares e
Nova com o bairro aparece de modo ainda mais botecos, ou lembrados pelas “loucuras” come-
peculiar se comparado ao do Cinema Novo. tidas em estados alterados de consciência, sob
Como a própria imprensa menciona, embora a o efeito de bebidas alcoólicas. O próprio autor
troca de idéias entre os cineastas brasileiros se não se exclui dessa caracterização, desculpan-
desenrolasse nos botecos de Ipanema, os �lmes do-se, em pelo menos dois trechos do livro,
desse movimento voltaram-se para cenários nada pela sua “amnésia alcoólica” que o fez esquecer
parecidos com o bairro, como, por exemplo, o de pessoas ou “embaralhar as lembranças”. O
sertão nordestino. No caso da Bossa Nova, Ipa- estilo de vida boêmio do autor e de seus ami-
nema aparece não apenas como um ponto de gos de Ipanema está evidenciado no capítulo
encontro de seus principais representantes, mas dedicado ao “ipanemense ilustre” “Carlinhos
�gura também como temática de suas canções de Oli”:
mais famosas.
A construção simbólica de Ipanema como um Nunca marcamos encontro, mas durante anos a
bairro que “lançou moda” e que se consolidou gente se esbarrava na ronda dos bares... chegáva-
como vanguarda dos costumes e das manifes- mos em horários diferentes mas amiúde éramos os
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últimos a sair. Só íamos embora quando os garçons localidades, como é o caso do próprio Jaguar:
começavam a jogar baldes d’água nos nossos sapa-
tos. Numa dessas madrugadas, no Degrau, estáva- Nós, ipanemenses dos anos 60, estávamos nos
mos tomando a saideira em pé porque as cadeiras lixando para os limites geográ�cos do bairro.
já estavam empilhadas em cima da mesa. Carli- Eu mesmo, enchendo a boca falando em “nós,
nhos pagou a conta com um cheque que assinou ipanemenses”, morava em Copacabana.... Havia
contra a parede. Teve um ataque de fúria quando o uma espécie de imperialismo ipanemense. Como
cheque foi devolvido; a assinatura “José Carlos de grileiros, invadíamos a cidade e até o estado do
Oli” não conferia. O “veira” restante estava escrito Rio (: 17).
na parede (: 31-32).
Na obra de Ruy Castro essa idéia também
O trecho acima poderia representar uma des- é marcante já que nem todas as personalidades
continuidade nas representações sobre o bairro que aparecem em seu livro foram moradoras
de Ipanema, já que o bar mencionado locali- de Ipanema. Exemplos paradigmáticos da “au-
za-se no Leblon. Contudo, Jaguar insiste que, tonomia” que esse conjunto de representações
embora o seu grupo freqüentasse outros locais apresenta diante das fronteiras do bairro são os
da cidade, inclusive os bares da Lapa, Leblon e artistas internacionais que aparecem na enci-
Copacabana, o “clima” que emprestavam a esses clopédia desse autor.
ambientes era marcadamente “ipanemense”: Um verbete interessante é o de Isadora Dun-
can, que esteve de passagem pelo Rio de Janeiro,
As festas que Albino e eu dávamos na Estudan- em 1915, na seqüência de uma turnê mundial.
tina Musical, na praça Tiradentes, no Silvestre, Percebe-se que o que explica a presença dessa
em Santa Teresa, no Elite, na Praça da Repúbli- dançarina na “enciclopédia de Ipanema” não é
ca, e na Banda Portugal, na Presidente Vargas, somente o fato da artista ter conhecido a praia
eram festas ipanemenses... A turma de Ipanema do Arpoador durante sua estadia na cidade, mas
aprontava no Degrau (Leblon)... no Alfredão a percepção de que seu “per�l” assemelha-se ao
(Lido), no Bar Brasil (Lapa), na Gôndola, Ka- da típica mulher ipanemense, defendido por
takombe e Galeria Dezon (Copacabana)... e até Ruy Castro. O autor descreve Isadora Duncan
em Petrópolis (: 17). como “uma modernista radical, na dança e no
comportamento: escolhia os homens que queria
Com base nessa idéia de Jaguar, pode-se pen- como amantes, tinha �lhos com eles, dispensa-
sar que a categoria “Ipanema”, pensada como va-os de casar e aonde fosse, arrastava séquitos
um adjetivo que quali�ca pessoas, lugares e com- de todos os sexos” (: 174). Aqui, o bairro é as-
portamentos, não precisa estar necessariamente sociado não ao imaginário “boêmio”, mas às
vinculada ao espaço físico do bairro. Da mesma noções de “ousadia” e “liberdade”, que também
forma, “ipanemense” ou “ipanemenho” são iden- são empregadas na descrição de quase todas as
tidades utilizadas para designar pessoas que não mulheres da enciclopédia. A percepção de que
têm, necessariamente, um vínculo direto com os as ipanemenses teriam uma inclinação para
limites territoriais de Ipanema. Morar no bairro, romper com os papéis de gênero convencional-
por exemplo, não é uma condição necessária, nem mente prescritos aparece no seguinte trecho:
tampouco su�ciente, para que um indivíduo as-
suma essa identidade. De modo análogo, “ipane- As mulheres de Ipanema tinham desprezo por
menses típicos” podem ser habitantes de outras conceitos como virgindade, casamento burguês,
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fritar bolinhos, monogamia e maridinho-prove- Pasquim podem ser “bons para pensar” um tipo
dor-do-lar. Elas estudavam, trabalhavam, mo- de representação atribuído à Ipanema contra o
ravam sozinhas, namoravam quem quisessem qual voltaram-se alguns discursos acusatórios.
e não davam satisfações. Nada que �zessem era A associação entre Leila Diniz e o passado
chocante em Ipanema (: 210). de Ipanema é evidente. A atriz integrava a “tur-
ma de Ipanema” de que falam Jaguar e Carlos
Ao quali�car como “ipanemenses” a ameri- Leonam, e na enciclopédia de Ruy Castro sua
cana Isadora Duncan e as festas na Praça Tira- descrição possui um número de páginas supe-
dentes e em Santa Tereza, Ruy Castro e Jaguar rior ao da grande maioria dos demais verbetes.
sugerem que os aspectos simbólicos atribuídos à A imprensa também sustenta que “poucas mu-
Ipanema transcendem os limites territoriais do lheres encarnaram tão bem o espírito de Ipa-
bairro. Ao contrário do que pode parecer, esse nema. Bem-humorada, curiosa, transgressora,
aspecto somente comprova a importância do Leila Diniz foi a grande musa do bairro.” (Veja
espaço para a criação de classi�cações sociais. Rio: 13). Na célebre entrevista ao jornal O Pas-
Como sugeriu Mauss (1974) – ao pesquisar a quim, comenta Goldenberg (1995), Leila Di-
sociedade esquimó – e Halbwachs (1990) – ao niz transgrediu as regras de linguagem, negou
re�etir sobre o tema da memória – o espaço é os principais valores do campo artístico a�r-
uma categoria de pensamento que estrutura re- mando que escolhia o trabalho pela “patota” e
presentações e práticas sociais. Assim, embora pela diversão e mostrou viver sua sexualidade
o imaginário sobre Ipanema seja sólido o su�- de forma livre e intensa. A fotogra�a de sua
ciente a ponto de se desligar das fronteiras do gravidez de biquíni amplamente divulgada pela
bairro, é somente em referência àquele espaço imprensa da época (e de hoje também) simbo-
que esse conjunto de representações e de me- lizou a transgressão em relação aos usos do cor-
mórias se consolida, adquirindo sentido. po feminino, além de trazer para a polêmica a
São muitas as representações evocadas pela rejeição da atriz pelo casamento convencional
palavra “Ipanema”, podendo designar tanto e pelos papéis tradicionais de “ser mulher”. As-
estilos de vida “livres”, “transgressores” e “mo- sim, se a �gura de Leila Diniz é apropriada pe-
dernos” quanto “boêmios”, “criativos” e “infor- los meios de comunicação para exempli�car o
mais”. De uma maneira ou de outra, “Ipanema” “tipo ideal” ipanemense, isso se deve, em gran-
é uma categoria repleta de signi�cados, e vale de medida, pelo fato de a atriz ter demonstrado
a pena pensar que, se por um lado, essas ela- publicamente sua recusa a uma série de valores
borações são utilizadas para enaltecer o bairro, predominantes na sociedade brasileira das dé-
por outro, elas também podem assumir valores cadas de 1960 e 1970.
negativos e transformar a identidade “ipane- A partir das acusações que recaíram sobre os
mense” em uma categoria de acusação. comportamentos dessa atriz, é possível pensar
Para compreender de que modo “Ipanema” sobre o modo como a identidade “ipanemen-
simbolizou um rótulo negativo é interessante se” foi vivenciada como um rótulo negativo. O
buscar alguns emblemas capazes de traduzir trabalho de Goldenberg (1995) mostra que as
aquilo que se considera como o “espírito” do acusações de desvio variam conforme o grupo
bairro em épocas passadas. Dentre todas as per- que cria o rótulo. Enquanto Leila foi chamada
sonalidades, acontecimentos e lugares recor- de “puta” e de “subversiva” pela “direita”, a “es-
rentemente citados nos livros e na imprensa, querda” e as feministas da época acusavam-na
acredito que a atriz Leila Diniz e o jornal O de ser “alienada”, “super�cial” e “porra-louca”.
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Outro ícone do passado de Ipanema capaz por dentro das feministas” ou “Desculpe Dona
de colaborar para o entendimento das acusações Betty [Friedan], mas nós vamos dar cobertura
de desvio é o jornal O Pasquim. Vale dizer que os às furadoras da greve do sexo”.
três autores aqui analisados – Jaguar, Carlos Leo- Se Ipanema representava, de um lado, uma
nam e Ruy Castro – já trabalharam ou, pelo me- “ameaça” ao governo militar por ter sido, se-
nos, colaboraram com esse semanário. Em �ns gundo Ruy Castro, “um reduto permanente
de 1970, nove integrantes de O Pasquim foram de oposição que combateu ou criticou todos
presos pelo governo militar e o jornal foi man- os governos dos últimos sessenta anos” (: 11),
tido sob censura. Na enciclopédia ipanemense, muitas acusações dirigiam-se, por outro, à pos-
Ruy Castro defende que o jornal era “engraçado, tura excessivamente “descontraída” e à falta
provocativo e desrespeitoso, mesmo quando tra- de compromisso e seriedade dos ipanemenses
tava de assuntos sérios” (: 281) e faz ressalvas ao frente às questões mais “importantes” do país.
classi�cá-lo como um jornal de oposição: Talvez seja em referência a esses aspectos que o
autor comenta a condenação da cantora Nara
Nitidamente era um jornal “de esquerda” – mas Leão à “alienação de Ipanema” (: 59).
não da esquerda o�cial, do Partidão... ou mes- As acusações dirigidas a O Pasquim e à atriz
mo da esquerda estudantil, maoísta, que já co- Leila Diniz variaram conforme grupos sociais
meçara a assaltar bancos e a fazer caixa para a distintos. De um lado, sofreram perseguições
luta armada. Era uma esquerda de humoristas, por representarem uma ameaça à ideologia do
mais para festiva, tipo Ipanema, que os militares governo militar; eram considerados “perigosos”
ainda não levavam a sério (: 280). pelos segmentos mais conservadores da socie-
Era o apogeu da Esquerda festiva, da qual o Pas- dade brasileira da década de 1960. De outro,
quim era um alegre porta-voz, e do mito de Ipane- aos olhos dos militantes políticos de oposição
ma, de que ele foi o grande estimulador (: 282). ou das lutas feministas, esses ícones de Ipanema
simbolizavam o “desbunde”, a falta de serieda-
No livro Os degraus de Ipanema, Carlos Le- de e a alienação. Sob esse aspecto, os ipane-
onam mostra que as críticas dirigidas aos ipa- menses típicos ocupavam uma posição peculiar
nemenses eram uma preocupação para Jaguar, em um sistema de rotulação e de acusação. A
fundador d’O Pasquim, nas primeiras tiragens ameaça apresentada por esses jovens resultava
do jornal. Em resposta ao pedido de Carlos de uma condição que oscila entre pólos anta-
Leonam para colaborar com o tablóide, Jaguar gônicos, como o de “subversivo”, de um lado, e
teria advertido: “queremos fazer um jornal que o de “alienado”, de outro. Estes exemplos mos-
não seja rotulado de ipanemenho” (: 218). Se- tram de forma paradigmática a idéia de Becker
gundo Braga (1991: 193), uma acusação fre- (1971) segundo a qual não existem condutas
qüente que se fez a O Pasquim é que, apesar essencialmente desviantes, mas diferentes ma-
de crítico e politicamente avançado, o jornal neiras de se reagir a elas. Para o autor, o desvio
era machista. De acordo com o autor, embora não é criado por aquele que o realiza mas pelos
O Pasquim abrisse espaço para artigos escritos grupos que o classi�cam como desviante.
por colaboradoras que participavam das lutas
da mulher, ele também ironizava as feministas A Ipanema do presente
mais engajadas em algumas frases de capa como
“Pasquim – um jornal ao lado da mulher. E se Os autores aqui investigados sugerem que
for o caso, sobre e sob”; “Pasquim – Um jornal Ipanema não é mais como antes pois os locais
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vários restaurantes e lojas da região... (Veja Rio: Ipanema �rma-se como endereço predileto
15-16). das grifes e atrai novos investidores. Entre eles,
Oskar Metsavaht, dono da Osklen há 15 anos,
Não é difícil imaginar que a imprensa de- que há apenas dois abriu a primeira loja no lo-
monstre outros interesses – para além da co- cal: – “Ipanema foi o bairro que escolhi para �n-
memoração do aniversário de 110 anos – para car a primeira loja internacional da Osklen...”
elaborar uma imagem positiva sobre Ipanema. (O Globo: 18).
Seria ingênuo desconsiderar os interesses econô-
micos dos meios de comunicação nos empresá- Alexandre Accioly, capa deste H, acredita em
rios atuantes no bairro. Nesse sentido, é possível Ipanema. Ele é seguramente quem mais inves-
pensar que muitas matérias acabam cumprindo te no bairro nos últimos anos... Somando tudo,
uma função publicitária que visa tornar mais são US$ 12 milhões jogados no pano verde que
atrativos os serviços dos anunciantes por meio hoje se tornou investir no Brasil (Jornal do Bra-
de uma exaltação do bairro onde estes se locali- sil: 11).
zam. De qualquer maneira, é possível re�etir que
se o passado do bairro – conforme expressam os Não é apenas a imagem de “proprietários de
livros – é elaborado por uma elite intelectual que negócios” que torna curiosa a aparição desses
se coloca como protagonista das memórias do dois indivíduos na imprensa. Accioly e Metsa-
bairro, a atualidade de Ipanema – como reve- vaht parecem “corpori�car” um tipo de represen-
la a imprensa – é elaborada por uma elite co- tação sobre o bairro. Nas fotogra�as e em alguns
mercial que também se inclui com destaque nas trechos presentes nessas matérias, os hábitos e as
representações simbólicas desse bairro. Pode-se preferências de ambos, como a prática de espor-
sugerir que os critérios que tornam determina- tes ao ar livre, são descritos por meio de uma re-
das pessoas “legítimas” para falar sobre Ipanema lação estreita com os espaços do bairro. A praia
variam segundo o recorte temporal que se pre- de Ipanema, por exemplo, é representativa de
tende abordar. Enquanto os portadores das “me- seus hábitos cotidianos, servindo inclusive como
mórias autênticas” ou do relato mais “con�ável” o cenário de quase todas as fotogra�as em que os
sobre o passado são artistas e intelectuais, a hie- dois aparecem nos jornais. A relação de Accioly
rarquia de credibilidade (Becker, 1977) se trans- com a praia surge na descrição de sua trajetória
forma quando o tema é a atualidade, em que os como morador do bairro desde a infância:
indivíduos que ganham maior legitimidade são
os representantes do comércio de luxo. Pedra do Arpoador, o point de suas tardes, onde
Dentre os pro�ssionais ligados ao campo da [Accioly] curtia o pôr-do-sol... Adulto, transfe-
moda e da gastronomia, há dois indivíduos que riu-se para a rede de vôlei em frente ao Country,
merecem atenção por receberem destaque nos onde dava plantão nos �ns de semana. Das nove
três suplementos analisados. São eles, Oskar até a noitinha’ (Jornal do Brasil: 11).
Metsavaht e Alexandre Accioly. O primeiro
é proprietário da cadeia de lojas Osklen, gri- Esse empresário foi eleito “O garotão de Ipa-
fe que vende roupas para um público jovem nema”, aparecendo em uma enorme fotogra�a
de classe média/alta. Já o segundo é sócio de de capa do Caderno H. Alto, de pele bronzeada
quatro restaurantes de elevado padrão relativa- e aparência jovial, o empresário está vestido com
mente recentes no bairro. Ambos são descritos camisa social, calças compridas e chinelo, sen-
como fortes investidores na região: tado à noite no calçadão da praia de Ipanema.
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Essa mistura de elegância com informalidade o passar dos anos, o per�l das musas de Ipa-
também é transmitida na foto do interior da nema também se modi�ca. Se Leila Diniz foi
matéria, onde Accioly está de trajes “sociais”, to- considerada musa do bairro na década de 1960,
mando água de coco mas com os pés descalços a imprensa atual elege a apresentadora de um
na praia. O texto localizado abaixo diz: “Coco programa televisivo de esportes como um ícone
verde, areia no pé e o privilégio de ser, desde da Ipanema de hoje. Cíntia Howlett já foi eleita
sempre, um garoto de Ipanema” (: 11). Outra “musa do verão” e é lembrada por habitar em
matéria ressalta que Accioly vive no edifício Cap uma localização de prestígio em Ipanema; em
Ferrat, “supra-sumo do luxo à beira-mar, onde um edifício de frente para a praia do Arpoador.
não se compra um imóvel por menos de 3,5 mi- Fotos ou depoimentos ligados a essa ipanemen-
lhões de dólares” (Veja Rio: 15). se são recorrentes em matérias sobre Ipanema:
De modo semelhante, Oskar Metsavaht
aparece no Caderno Zona Sul do jornal O Entre os rostos manjados de Ipanema está a
Globo com a praia ao fundo, vestindo uma ca- apresentadora Cíntia Howlett, moradora do
miseta que diz “United Kingdom of Ipanema”. Arpoador. Geração saúde, Cíntia corre no calça-
Seu depoimento é colocado em destaque abai- dão, nada, anda de bicicleta na ciclovia. “Minha
xo dessa fotogra�a: “Ipanema é muito privile- ginástica é Ipanema, e isso não tem preço”, ob-
giada, com uma vida cosmopolita integrada à serva. (Veja Rio: 16)
natureza” (: 20). Essa mesma opinião está pre-
sente na Veja Rio, que dedicou um trecho da Assim como os emblemas masculinos an-
reportagem para a apresentação das atividades teriormente citados, Cíntia Howlett também
físicas realizadas por Metsavaht em Ipanema: representa uma dimensão “nobre” combinada
a um estilo de vida “despojado”, “jovem” e “es-
“O bairro simboliza uma vida urbana integra- portivo”. No suplemento da revista Veja, outras
da com a natureza, o que não existe em ne- mulheres são assim percebidas na matéria de pá-
nhum lugar do mundo”, diz o estilista gaúcho gina dupla “Ipanema, uma jovem de 110 anos”.
Oskar Metsavaht, que há vinte anos mora, Na página direita, a fotogra�a revela uma mu-
surfa, corre, pedala e anda de skate no bairro. lher branca, jovem, cabelos lisos, de óculos es-
(Veja Rio: 16). curos, caminhando na calçada da Rua Visconde
de Pirajá: “A estilista Joana Saladini: compras a
A idéia de que Ipanema é um bairro de pes- pé pelas ruas do bairro” (: 11). Na outra página
soas “jovens”, “ricas” e “descoladas” também há uma garota de short e biquíni na praia com
está implícita na escolha de suas atuais musas. a seguinte descrição “A wakeboarder Juliana na
Esse bairro está fortemente associado a uma Praia de Ipanema: beleza no Posto 10.... corpo
dimensão lúdica que se constrói por meio de moldado pelo treino de wakeboard” (: 10-13).
uma exaltação de elementos “naturais”. A praia, Segundo a matéria, as duas moças de Ipanema
o mar, os coqueiros e a pedra do Arpoador, por “não hesitam em apontar o mesmo passatempo
exemplo, são símbolos que associam o bairro à para as horas vagas: bater perna de olho nas vi-
idéia de beleza. Insistindo na percepção de um trines que se espalham pelas ruas dali” (: 13).
contágio entre espaço e pessoas, Ipanema é per- Assim como um único ipanemense pode
cebida como um local que produz pessoas be- reunir as diferentes características atribuídas ao
las, sobretudo, mulheres. Na medida em que o bairro, o estilo de vida “descontraído” e “requin-
imaginário do bairro sofre transformações com tado” também pode ser identi�cado em uma
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mesma localidade. O Caderno Zona Sul destaca Ipanema é admirada no mundo inteiro e tem
que os restaurantes com varandas e mesas na cal- uma condição privilegiada com uma vida urba-
çada se multiplicaram em Ipanema nos últimos na cosmopolita integrada à natureza – diz Met-
anos e sugere que “sem perder a descontração da savaht, que estampou “Arpoador” e “Posto 9”
cidade praiana, eles têm o típico requinte ipane- em blusas da última coleção da Osklen e criou a
mense”(: 45). A Veja Rio destaca o “almoço na campanha “United Kingdom of Ipanema”, que
varanda” e a “vida saudável à beira mar” como dá a dimensão do quanto ele gosta do bairro (O
programas típicos de Ipanema: “além da vida Globo: 20).
saudável à beira-mar, programa em Ipanema é o
footing pelas ruas aos sábados, compras todos os Através dessa “jogada” publicitária nota-se
dias, almoços na varanda do Gula Gula, cinemi- que o bairro de Ipanema também se apresenta
nha no Estação” (Veja Rio: 16). sob a forma de um bem de consumo. O que
A categoria “Ipanema”, tal como é transmi- se vende na Osklen não são simples camisetas,
tida pelos jornais e revistas, parece representar mas um estilo de vida “ipanemense” que é so-
algo mais do que o espaço geográ�co de um cialmente valorizado.
bairro. Ela denota, acima de tudo, um estilo
de vida. A descrição de personalidades como Dois bairros, duas moralidades
Oscar Metsavaht, Alexandre Accioly e Cíntia
Howlett é apenas uma maneira de expressar A partir da análise sobre os livros e as matérias
algumas das representações associadas ao bair- de imprensa observou-se que, mais do que um
ro, como a de um lugar informal, com belezas território espacial, Ipanema é pensada como um
naturais, propício para os esportes e, ao mesmo adjetivo capaz de quali�car pessoas, comporta-
tempo, urbano, de elevado padrão e so�stica- mentos e estilos de vida. De uma visão de mun-
do. Essa junção de atributos se transfere para do orientada para a vanguarda comportamental,
os indivíduos do bairro. Ipanema teria produ- a criatividade artística e a boemia, o bairro passou
zido pessoas que assumem um estilo de vida a simbolizar uma dimensão “de elite”, inclinada
“esportivo” e “espontâneo” sem deixarem de ser para o consumo e para as atividades físicas.
“elegantes” e “cosmopolitas”. Notou-se, portanto, a elaboração de duas
Para tornar essas representações mais con- Ipanemas; uma do passado e outra do presen-
cretas, vale mencionar a estratégia do estilista te. Enquanto a primeira é caracterizada como
Oskar Metsavaht em explorar comercialmen- um bairro “transgressor”, que “lançou modas”,
te esse imaginário através da criação de uma a Ipanema atual é um local “so�sticado” e “des-
identidade “ipanemense” para sua grife de colado”. Essas duas construções simbólicas se
roupas Osklen. Vale lembrar que mesmo an- elaboram por meio de uma associação entre
tes da instalação da Osklen de Ipanema, a espaços e indivíduos, evidenciando-se através
marca, voltada para um público de elite, já de uma mudança nas personalidades e nos lo-
era identi�cada com as idéias de valores como cais tidos como emblemáticos do bairro. Se os
“juventude”, “esportes” e “natureza”. Com a ipanemenses do passado são artistas, cineastas e
chegada à Ipanema, a estratégia de marketing músicos, os de hoje são empresários, estilistas e
parece ter sido a de reforçar esses conceitos esportistas. Enquanto os bares representaram o
associando a Osklen a um estilo de vida típico “espírito ipanemense” do passado, as joalherias,
“de Ipanema”: os restaurantes e as grifes de roupa de�nem o
“espírito atual” desse bairro.
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