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Por Moisés Mendes
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± Fui um péssimo estudante de história, e os museus me aborrecem.
Me apaixona, isso sim, a realidade, com suas histórias secretas, suas zonas
invisíveis que escondem as pequenas coisas da vida cotidiana. E isso vale
para o presente e para o passado. E vale para a realidade de sperta e para a
realidade adormecida, ou que acontece enquanto dorme e tem sonhos e
pesadelos.
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É ela, não sou eu. Ela, a realidade, é que que me oferece essa
poesia. Eu a traduzo, trabalhando duro para ser digno de sua capacidade de
ser bela. E encontro a mais alta beleza na lixeira da história, ali onde repousam
os desdenhados, os ninguém, os que têm voz mas não são ouvidos. Elas e
eles são os que fulguram com as luzes mais deslumbrantes no ignorado arco -
íris da terra.
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± De alguma maneira mágica,
foi adquirindo uma estrutura,
uma armação, que no começo podia parecer produto do manicômio, porque
mesclava os tempos e os lugares sem tom e sem som, mas foi ganhando
coerência sem perder sua essência. E à margem das normas tradicionais
seguiu mesclando passado e presente e oferecendo vários m undos ao mesmo
tempo. Enquanto esse processo acontecia, eu encontrava mais e mais histórias
que valia a pena contar, e cada uma buscava e encontrava seu lugar no
conjunto. Mais de cem histórias ficaram de fora. O sacrifício não foi fácil. Elas,
todavia, me acusam, me golpeiam a espalda, me perguntam: por que me
jogaste no exílio?
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± Acompanhei o trabalho de Eric passo a passo. Sugeri, propus
mudanças, mas ele teve sempre a última palavra. Amo o jeito brasileiro de
falar, mas ele sabe melhor. Essa diferença o favorece.
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± É difícil. Enquanto o poder não for trocado, seus donos continuarão
nos proibindo de recordar. Rivera é nome da maior avenida do Uruguai, e outro
assassino de índios, o general Roca, tem a estátua mais alta da Argentina.
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Reconheço que ajuda. Eu tinha preconceitos contra os
computadores, porque suspeitava que bebiam à noite e que por isso, durante o
dia, por causa da ressaca, faziam coisas incompreensíveis. A suspeita
continua, mas isso não me impede que reconhecer a utilidade da internet e
outras utilidades dessa máquina. É um paradoxo que alimenta o otimismo: a
internet nasceu a serviço da morte, para programar as operações do
Pentágono em escala mundial, e agora serve, entre outras coisas, para difundir
vozes alternativas que antes tocavam sinos de p au. E também para que se
conheçam escritores que antes estavam condenados a escrever para a família.
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± Não, não cheguei a isso. A contragosto, uso o telefone, e isso não
me agrada muito. Para mim, um pré-histórico, a conversa ocorre corpo a corpo
e cara a cara.
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± Não, tampouco. Me agrada que os jornais estalem na minha mão e
que cheirem a tinta.
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± Sim, votei.
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± Nem sequer são papeleiras. São empresas gigantes, estrangeiras,
que produzem celulose, a etapa mais tóxica do processo de fabricação do
papel, para exportar matéria -prima para fábricas distantes. É o pão para hoje e
a fome para amanhã. Eu propus que se instalassem em Punta del Este, para
melhorar a qualidade de vida do balneário, mas não me deram atenção. O
Uruguai, país pequeno, está hipotecando seus recursos naturais. Essas
empresas gigantes vão envenenar o ar, vão secar a terra e chupar a água.
Nós, latino-americanos, levamos cinco séculos repetindo a história. Já é hora
de recordar que os recursos naturais se vão sem dizer adeus.
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± O importante é que em toda a América do Sul, ou em quase toda,
há uma energia popular de mudança, que se expressa de diversas maneiras,
porque afortunadamente a América Latina é um vasto reino da diversidade.
± Vivemos a confirmação de que o mundo está com as pernas para o
ar. Se recompensa a falta de escrúpulos e se castiga o trabalho. Banqueiros e
especuladores receberam a maior esmola de toda a história da humanidade.
Somando as ajudas de Estados Unidos e Europa, os fundos públicos
presentearam US$ 3 trilhões aos responsáveis por ess a trapaça. Todos
pagamos o pato pelos erros de alguns. Mas o capitalismo tem mais de sete
vidas, é um sistema astuto, muito sabido, capaz de cobrar entrada a cada um
de seus funerais.
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± Não. Estou na posição de aplicador em ouro. Dos muelas (dos
dentes molares).
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± Não.
Não vou vender gelo aos esquimós. Não opino sobre o Brasil numa
entrevista para o Brasil.
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Agora, ele entra na Casa Branca, que será a sua casa. Tomara que
não esqueça que a Casa Branca foi construída por escravos negros. Chegou a
hora de os Estados Unidos se libertarem da sua pesada herança racista. Há
pouco tempo, em 1943, o Pentágono proibiu transfusões de sangue de
doadores negros, como se tal diferença existi sse, para evitar que acontecesse
por injeção a mistura de raças proibida na cama.
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Ainda. E isso nos fez prisioneiros da nostalgia. Não é ruim, mas é
preferível ter esperança. Se recordar é bom, viver é melhor. Eu me recordo
sobretudo do que aconteceu depois do jogo. Obdulio Varela, o capitão, o motor
daquela vitória impossível, passou a noite, de bar em bar, abraçado aos
vencidos, bebendo com eles e dizendo: ³Como pude fazer -lhes esta maldade?¶¶
Ele os via sofrendo, e eram todos anjos. Umas horas antes, eram uma besta de
mais de 200 mil caras ferozes. Vistos um a um, a situação mudava. Ele me
contou, e ele não mentia.
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O futebol profissional sacrifica, inevitavelmente, a beleza e a
fantasia em todos os altares do êxito. Se joga pelo dever de ganhar e não pelo
prazer de jogar. Isso é normal num sistema mundial de poder em que o que
não é rentável não deve existir, e o fracasso é o único pecado que não tem
redenção.
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Gracias. Não sabia. Transmitirei essa boa notícia à UMC (União
Mundial dos Carecas).
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O mundo que o mundo quis ser quando todavia não era: uma casa
de todos.