Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Jaguar
PREFÁCIO DE SÉRGIO PORTO
SÉRGIO PORTO
PERFIL DE TIA ZULMIRA
POR que será que tem gente que vive se metendo com o que
os outros estão fazendo? Pode haver coisa mais ingênua do que
um menininho brincando com areia, na beira da praia? Não
pode, né? Pois estávamos nós deitados a doirar a pele para
endoidar mulher, sob o sol de Copacabana, em decúbito ventral
(não o sol, mas nós) a ler "Maravilhas da Biologia", do
coleguinha cientista Benedict Knox Ston, quando um camarada
se meteu com uma criança,, que brincava com a areia.
Interrompemos a leitura para ouvir a conversa. O menininho
já estava com um balde desses de matéria plástica cheio de
areia, quando o sujeito intrometido chegou e perguntou o que é
que o menininho ia fazer com aquela areia.
O menininho fungou, o que é muito natural, pois todo
menininho que vai na praia funga, e explicou pro cara que ia
jogar a areia num casal que estava numa barraca lá adiante. E
apontou para a barraca.
Nós olhamos, assim como olhou o cara que perguntava ao
menininho. Lá, na barraca distante, a gente só conseguia ver
dois pares de pernas ao sol. O resto estava escondido pela
sombra, por trás da barraca. Eram dois pares, dizíamos, um de
pernas femininas, o que se notava pela graça da linha, e outro
masculino, o que se notava pela abundante vegetação capilar, se
nos permitem o termo.
— Eu vou jogar a areia naquele casal por causa de que eles
estão se abraçando e se beijando-se muito — explicou o
menininho, dando outra fungada.
O intrometido sorriu complacente e veio com lição de moral.
— Não faça isso, meu filho — disse ele (e depois viemos a
saber que o menino era seu vizinho de apartamento). Passou a
mão pela cabeça do garotinho e prosseguiu: — Deixe o casal em
paz. Você ainda é pequeno e não entende dessas coisas, mas é
muito feio ir jogar areia em cima dos outros.
O menininho olhou pro cara muito espantado e ainda
insistiu:
— Deixa eu jogar neles.
O camarada fez menção de lhe tirar o balde da mão e foi
mais incisivo:
— Não senhor. Deixe o casal namorar em paz. Não vai
jogar areia não.
O menininho então deixou que ele esvaziasse o balde e disse:
— Tá certo. Eu só ia jogar areia neles por causa do senhor.
— Por minha causa? — estranhou o chato. — Mas que casal
é aquele?
— O homem eu não sei — respondeu o menininho. — Mas
a mulher é a sua.
SOMOS BONS DE BANHO
FOI em São Paulo. Aqui o jornal diz que Isaura Specca Pinto
registrou a queixa na Polícia, depois de ter recebido socorro
médico. Fora atacada pelo seu amásio (em notícia de fato
policial o distinto é sempre amásio e nunca amante. É um truque
lá dos coleguinhas). O amásio é o vigia de obra Herculano de
Sousa Martins.
Para que vocês não fiquem imaginando que a gente inventa
essas coisas, vão aqui outros dados importantes. O casal vivia
(vai no passado porque a reconciliação vai ser difícil) na Rua
"L", número 4-B, em Vila Medeiros, jurisdição da 19.a De-
legacia.
Agora o caso. Foi assim: Herculano tinha lá suas razões para
ofender Isaura com palavras de baixo calão (xingamento de
nome de mãe, provavelmente) e Isaura achava que não ficava
bem o amásio estar espinafrando assim seus antepassados. Vai
daí — palavrão vai, palavrão vem — pegou a arma que estava
escondida debaixo da cama e agrediu Herculano. Este, mais
robusto pouquinha coisa, desarmou-a e passou a usar a arma
contra ela, e com tal apetite que Isaura foi parar no Hospital e
Herculano deu no pé.
Mas, nas suas declarações em Distrito, onde foi aberto
inquérito já relatado e enviado ao Fórum, Isaura foi mais
explícita. Aqui está como saiu no jornal:
"Isaura acusa o seu amásio Herculano de tê-la agredido a
golpes de urinol, no interior de sua residência. Esclareceu que
quem empunhava o vaso noturno (bonito nome para uma valsa:
vaso noturno), a princípio, era ela. Mas Herculano, mais forte,
desarmou-a (diria melhor se dissesse 'desurinolizou-a') e passou
a desferir seguidos golpes, ferindo-a bastante."
Vejam vocês que coisa prosaica. E ainda há quem diga que
amantes vivem melhor que cônjuges. A senhora aí, madame, já
imaginou se isto acontece com a senhora? Já imaginou depois,
no Fórum, o interrogatório, com o Juiz empunhando a arma do
crime? Que coisa prosaica, não é, dona?
Como disse? Com a senhora não haveria perigo? Por quê?
Debaixo da cama não"tem vaso no-
turno? Ah tem? Já compreendemos, madame. Em cima da
cama é que não costuma ter ninguém.
Antes assim, dona. Melhor sozinha com o vaso noturno do
que mal acompanhada.
O MILAGRE
>
■
■
SEGUROS DE AMOR
QUEM não tem o que fazer deu agora para inventar "dia".
Um vereador — cujo nome esquecemos — propôs a
oficialização do "Dia do Acidentado", explicando que, nesse dia,
todos iriam aos hospitais visitar os doentes passíveis de visitas e
perturbar os doentes que não podem receber visitas. A idéia, que
ao vereador deve ter parecido luminosa, não foi sequer levada a
sério pelos seus coleguinhas edis. Felizmente.
Já nossa amiguinha Graciette Santana quer o "Dia da
Progenitora", como se já não bastasse o "Dia da Genitora", onde
as progenitoras já estão incluídas porque a condição primordial
para a mulher ser progenitora é ser genitora anteriormente, deta-
lhe que — queremos crer — escapou à Dona Graciette.
Lamentável.
Outro que lançou "dia": Antônio Maria. Prenhe de boas
intenções, o Arcebispo do Sacha's quer o "Dia da
Reconciliação", conforme ele mesmo expôs em bem traçadas
linhas. Será o dia em que cavalheiros mais ou menos em crise de
amizade com outros tantos cavalheiros farão as pazes em lugar
público; dia em que ferrenhos desafetos se abraçarão para
legalizar o fim da briga etc. etc. E como é bom demais para
abençoar os outros, o próprio inventor do "Dia da
Reconciliação" irá para o interior na data dos reencontros, para
não ter que fazer as pazes com ninguém. Ele não confia nos
inimigos, infelizmente.
Já a flor dos Ponte Pretas, que também se sentia meio jogado
fora, resolveu criar um diazinho, para ficar atualizado e não ser
passado para trás. Por isso mesmo imaginou o "Dia da
Sinceridade", dia que — temos certeza — contaria com a adesão
incondicional de todos, mesmo com a adesão do vereador, da
Irmã Graciette da Emissora "Jesus Está Chamando" e do
Antônio Maria.
No "Dia da Sinceridade" aconteceriam coisas
surpreendentes. Você ligava a televisão e veria uma garota-
propaganda com um sabonete na mão, dizendo que o dito não
faz espuma, tem um perfume muito do rebarbativo e o preço é
extorsivo. Depois outros anúncios sinceros, seguidos de
entrevistas sinceras, ocasião em que os arnaldos nogueiras do
vídeo anunciariam assim seus convidados: está aqui ao nosso
lado um dos maiores ficeleiros do PSD, que vai explicar a
negociata que fez ontem no Ministério da Fazenda.
Os jornais também seriam sinceros, principalmente os da
imprensa sadia, cujos teriam um dia de reabilitação, pelo menos.
Jogadores de futebol fariam declarações importantes, explicando
que detestam o clube a que pertencem, que farão tudo pela
vitória porque o bicho é melhor quando vencem, mas que o
adversário tem um time melhor e, por isso mesmo, vão tacar o
pé no inimigo para intimidá-lo. E acrescentarão: a chave é essa,
o técnico que se dane, pois quem vence jogo é jogador e não
técnico.
Revistas especializadas diriam o que acham de Emilinha,
contariam como fazem reportagem com Cauby; cronistas
mundanos falariam de suas listas de "dez mais" com completa
isenção de ânimo; candidatos a eleições colocariam na rua faixas
com dizeres que espelhassem seus sentimentos cívicos e nos
petits comitês, os que vivem nos riversides da vida, trocariam
idéias entre si e sobre si, sem qualquer futuro ressentimento.
Nesse tão saudável "Dia da Sinceridade", por nós imaginado,
Stanislaw passaria despercebido e, para culminar a
comemoração, haveria discurso do Presidente na "Voz do
Brasil".
Credo!
A VOLTA DO DIA DA SINCERIDADE