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olhares

editorial

Olhares é uma revista que olha. E olha de perto. Viajamos pela metáfora, pela figura,
pela entrelinha. Não somos literais mas, sim, somos literários. Praticamos o jornalismo literá-
rio e o fotodocumentarismo buscando a poesia que existe em todo pequeno ou grande aconte-
cido.

Nesta edição traçamos OLHARES pela cidade histórica mineira de São João
del-Rei, sempre retratada por suas belas igrejas barrocas, pelos sinos debatedores, pelas ruas
centenárias.

Mas nossos olhares são esses que buscam sempre o avesso, novas
bonitezas. E sim, elas estão ali. Singelamente sorrindo por toda a cidade, em cada lugar onde,
não cabendo um cartão-postal, caberia por certo um poema.
Índice
de Fotos
1 - Mapa de São João del-Rei,
exposto na Rodoviária, Centro
2 - Cristo do bairro Sr. dos Montes
3 - Rua do Bairro São Geraldo
4 - Fios elétricos - Bonfim
5 - Esquerda: praça do bairro Santa
Terezinha
6 - Direita: Tejuco
7 - Grupo de Maracatu que reúne
pessoas de vários bairros
8 - Tejuco
9 - Tejuco
10 - Bar no Bairro São Geraldo
11 - São Geraldo
12 - São Geraldo
13 - Feira de domingo no bairro
Matosinhos

expediente
Edição 1 - Agosto/2013
Fotografia, Reportagem e Diagramação:
Dani da Gama
foco

A teoria da periferia

Do grego periphereia, através do latim peripheria – peri, em torno, e pherein, levar. Ou o limite de um
espaço ou objeto.

A periferia ficou pop, depois dos anos 90. Pelo bem ou pelo mal, passou a preocupar e ocupar a cabe-
ça de sociólogos, artistas e outros estudiosos. De um lado a violência, que passou a ser como um símbolo das
consequências de um esquecimento pelo poder público, de outro a reação dos moradores através da arte e da
cultura. Em dois extremos, a periferia cresceu, apareceu e pede para existir.

Para Luan Ariel Sigaud Vasconcellos, professor de Geografia, é preciso considerar o conceito de “não-
-cidade”. Aqueles locais onde ainda não há participação plena do Estado – não há asfaltamento ou tubulações
de esgoto, por exemplo. A comunidade acaba dando conta de resolver problemas por si.

“O termo periferia significa afastado do Centro. Mas há conceitos diferentes para a periferia”, afirma
Otavio Boseja, estudante de Geografia da UFSJ. É preciso lembrar que há condomínios de alta renda em áreas
periféricas, afastadas do centro, e áreas desfavorecidas em bairros considerados nobres. Estudiosos defendem
que periferia deva ser considerado mais pela precariedade e falta de recursos do que pela localização territo-
rial.

Cada vez mais iniciativas populares ou de organizações não-governamentais buscam preencher as


lacunas deixadas pelo poder público, ou resistir ao apagamento de sua existência frente a um centro que se
elitiza e se afasta, fragmentando a cidade em ‘cidades’ ou apagando as tradições populares que ainda sobrevi-
vem. Em muitas cidades de grandes metrópoles ou mesmo em bairros de cidades do interior, a comunidasde
se faz ouvir através das armas pacíficas da arte e da cultura. Na criação de lugares que promovem manifesta-
ções artísticas, incentivo à prática de esportes, conservação de patrimônios culturais, essas tentativas trans-
cendem sua localização e se tornam modelos de iniciativa popular na construção de uma nova imagem não
apenas da periferia para o resto do mundo mas, principalmente, na imagem que o morador da periferia tem
de si mesmo, geralmente alimentado por um estigma de exclusão.

Ainda assim, o olhar sobre a periferia, por parte de estudiosos ou da mídia, acaba sendo um olhar do
estrangeiro. Diferente do olhar que tem aquele que venha dela mesmo.

O nosso olhar também pode ser estrangeiro. Mas vamos tentar mudar as lentes.
“Aqui a visão já não é tão
bela...

Não existe outro lugar...


Periferia é periferia...
Racionais MC’s
objetiva
Outras cidades

“Fica estabelecido o perímetro urbano da cidade de São João del-Rei, intensa-


mente ocupada com edificações, ruas e praças, também reservada à expansão urbana, ain-
da não ocupada por construções ou equipamentos urbanos, conforme discriminação abaixo:
O perímetro urbano da cidade de São João del-Rei terá seu início na foz do Córrego Caiambola, no Rio Ca-
randaí, subindo a encosta à margem esquerda do Rio Carandaí, contornando as águas da Colônia do Marçal
até a nascente do Córrego do Porto (hoje seco); nascente do Córrego do Porto até sua foz no Rio das Mortes
; Rio das Mortes até a foz do Córrego do André; Córrego do André passando pela ponte na BR–265 até a
foz do Córrego Morro Redondo; foz do Córrego Morro Redondo à margem da BR–265, a uma distância
de 500 metros até o divisor de águas do Rio das Mortes Grande e Pequeno, no Morro dos Vilelas, sob a
rede de transmissão de alta tensão da CEMIG, a 2 km do trevo do Tejuco na BR–265; morro dos Vilelas
até a Serra do Lenheiro; Morro das Almas até a cabeceira do Córrego do Bengo; Córrego do Bengo até
sua foz no Rio das Mortes; foz do Córrego do Bengo no Rio das Mortes, pelo espigão da margem direita
do Rio das Mortes até a cabeceira do Córrego Caiambola, Córrego Caiambola até sua foz no rio Carandaí.”

(Extraído da Lei Municipal n. 2.520 de 31 de agosto de 1989)


Centro, Sr. dos Montes, Fábricas, Colônia do Marçal, Matosinhos, Jardim Central, Bonfim e Tejuco.

Em 1989, 8 bairros eram oficialmente reconhecidos em São João del-Rei. Como dizia o texto da lei
2.521, aquela divisão foi feita com a finalidade de “facilitar o próximo recenseamento” do IBGE.

Em agosto de 2013, na Conferência Municipal de Cultura, representante do bairro fala da tradicional


festa do Divino, que ocorre todo ano no Matosinhos. “A festa é considerada como do bairro Matosinhos. Mas
a festa é do município!”.
“A periferia (em SJDR) não tem acesso ao centro, justamente porque o centro de São João se elitizou e está
restrito a um público que apenas consome este espaço, não é um espaço de vivência para estas pessoas, é um
espaço de consumo.” Otavio Boseja, estudante de Geografia da UFSJ.

“A periferia nasceu da polarização e contraposição com o centro”. Luan Ariel Sigaud Vasconcellos, profes-
sor de Geografia. Para ele, o estudo político da periferia deve tratar de resgatar a dualidade entre o foco de
todas as políticas públicas, que é o centro, e a margem, e muitas vezes esquecida, que é a periferia.

Afinal, onde está São João?


“Na periferia
Sérgio Vaz, poeta e criador da Co
a não tem museu,
tem boteco.”
ooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia, SP)
duas cidades, três cidades
centro e bairro – bairro e bairro

limites?

gente.
plongè

Impressões

M inhas notas: o centro é masculino. Calculado. Direto. Muitas


vezes burocrata, de cartão-ponto e repartição. Repartem-se as ruas do centro em
caminhos matemáticos e conteúdos lineares. As lógicas de esquerda e direita.
A periferia não é simétrica, não é lógica. É tem-
peramental. Tal como mulher, é romântica. Guarda-
das em suas curvas podem florescer lembranças e vontades.
Chego estrangeira. A cada nova rua encontrada, as pessoas me
acham. Me olham, me assuntam, muitas me cumprimentam e sorriem. As
crianças brincam livremente na rua. Bola de gude, pipa, futebol. Estranho a
liberdade dos pés descalços como estranho os sorrisos dos desconhecidos.
Nem tudo é lirismo. Ou será? Algumas vezes me abor-
dam. Dou a volta e descubro que alguém me seguiu para averi-
guar o que tanto estou fotografando. Em outro bairro, sigo silencio-
sa. Em algum ponto alguém já sabe exatamente quem sou, o que
vim fazer, a troco do quê. Penso que a comunidade se protege.
Senhores sentados às calçadas irrompem em conversas so-
bre futebol, política, amenidades. Pequenas lojas estendem seus dize-
res e seus fazeres para a oferta diária. Mulheres conversam às janelas.
Fotografo algumas crianças que jogam bola de pés descalços. Uma
menina se aproxima, tímida, um olhar longe. Pergunto seu nome. É Sara.
“O que você ‘ta fazendo?”, pergunta. Digo que achei bonito, estou
tirando fotos dos meninos jogando bola.
“Você conhece eles?”, interroga com uma certa crítica precoce.
O meu olhar foi longe feito o dela. Não conheço. Mas sou eu
que quero conhecê-los. Como quero conhecer as pessoas que me de-
ram informações para que eu não me perdesse, ou me perdesse me-
nos. E os senhores que conversavam na praça, as meninas me sorrindo
da janela. O sujeito que me emprestou um papelão para eu não precisar
sentar no chão. As doces dançarinas do Maracatu da Dona Vicentina.
No último dia de meus percursos encontro alegres moradores que fotografo num
bar, numa descida íngreme de um São Geraldo dominical. Um deles me explica que eles
fazem vaquinha para comprar a carne e cada um paga sua bebida.

Insistência para que eu fique e tome uma cervejinha. Imensa vontade, mas estou
a trabalho, recuso. O cantor então escolhe uma música: “Essa é pra você!”. Eu, que já ia
guardando a câmera, sento-me e ouço o samba. Resolvo entrar e peço para bater uma foto. O
dono, Zé Maria, se afasta para liberar a paisagem.
Eu insisto: não, eu quero a foto é com o senhor.
Eu queria lhe dizer que eu quero a foto é com elas. As pessoas. Afinal são elas que
fazem a beleza do bar.
E depois dessa viagem, posso dizer: são elas que fazem a beleza de qualquer lugar.
Termino, guardo a máquina e abro a minha gelada, em comemoração. Nem importa
onde estou.
Agora sim, estou em casa.
olhares
olhares

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