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Ciência e realidade
Lucía Eilbaum
Simoni Lahud Guedes
Aula 1 • Ciência e realidade
Meta
Objetivos
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Antropologia do Direito
Introdução
O que você enxerga nessa imagem? Uma velha de nariz grande? Uma jo-
vem de chapéu? Um senhor de bigode grande? Qual a figura real? Qual
a visão verdadeira?
Essas e outras são perguntas muito comuns que podemos enfrentar
diante de diversas situações sociais. Dois observadores diferentes, ou
um mesmo observador localizado em um ponto de vista diferente, po-
dem enxergar um mesmo objeto como sendo coisas distintas. Da mes-
ma forma, uma mesma situação social – uma briga, um assassinato, um
casamento, um abraço, uma piscadela de olho – pode apresentar dife-
rentes versões e ser interpretada com sentidos distintos por parte dos
diversos atores envolvidos. E isso porque cada um deles tem pontos de
vista, interesses e motivos distintos para explicar a tal situação.
De forma mais geral, também, cada sociedade tem formas distintas de
explicar fenômenos aparentemente semelhantes; se em uma sociedade o
adoecimento de uma pessoa explica-se por causas físico-orgânicas, em
outra pode sê-lo pela maldição dos deuses. Em uma sociedade como,
por exemplo, Timor Leste, o fato de um marido bater “dentro de cer-
tos limites” na esposa porque esta tem um amante, não serviu a água
quente ou não serviu o almoço não é considerando um ato de violência,
mas encontra-se dentro do esperado e estabelecido nos acordos matri-
moniais, como direitos e obrigações entre marido e mulher (SIMIÃO,
2005). Já no Brasil, por exemplo, isso pode ser considerado um crime,
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Aula 1 • Ciência e realidade
A realidade
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Antropologia do Direito
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Aula 1 • Ciência e realidade
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Antropologia do Direito
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Aula 1 • Ciência e realidade
Atividade 1
Atende ao Objetivo 1
“O real não existe, existe o que vemos dele.” A frase é da escritora e poe-
tisa brasileira Clarice Lispector.
Explique a frase, considerando os conceitos de realidade e verdade apre-
sentados até aqui.
Resposta Comentada
A frase refere-se ao entendimento de que o “real”, ou a “realidade”, não
existe como tal, independente da pessoa que a define ou olha para ela.
Nesse sentido, entende-se que não existe uma realidade absoluta e que a
mesma depende do ponto de vista e das perguntas que dirijamos a ela.
Enfim, que a realidade é uma construção de quem a formula.
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Antropologia do Direito
A verdade
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Aula 1 • Ciência e realidade
Há ainda um aspecto que pode parecer óbvio, mas que achamos im-
portante evidenciar: o cientista, assim como o religioso, o artista, o filó-
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Antropologia do Direito
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Aula 1 • Ciência e realidade
Atividade 2
Atende ao Objetivo 2
Resposta Comentada
Do ponto de vista científico, tal frase se explica pelas propriedades do fogo e
pela reação que produz na pele humana. Para o senso comum, a frase signifi-
ca não tem um sentido literal nem linear. Ela é utilizada, não para destacar as
características químicas do elemento fogo, mas para se referir às consequên-
cias prejudiciais, previsíveis e inevitáveis de brincar com uma coisa perigosa.
O espírito científico
Como ponto final desta primeira aula, nos interessa enfatizar um aspecto
muitas vezes levantado e até questionado, criticado e denunciado na produ-
ção científica: a imparcialidade ou neutralidade do científico ou pesquisador.
O título da seção é emprestado de uma expressão de Thomas Khun
na qual aponta como uma das características do cientista ideal é “ser
objetivo e ter espírito aberto”. Vejamos o que ele diz ao iniciar seu artigo
“A função do dogma na investigação científica” (1979):
Estou certo de que cada um dos participantes neste simpósio se
expôs, a dada altura de sua carreira, à idéia do cientista como
o investigador sem preconceitos em busca da verdade; o explo-
rador da natureza – o homem que rejeita preconceitos quando
entra no laboratório, que coleciona e examina os fatos crus, obje-
tivos, e que é fiel a tais fatos e só a eles (1979, p. 53).
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Antropologia do Direito
Com esse trecho, Khun chama a atenção para o fato de que essa ima-
gem ideal do cientista não é o que se verifica na prática. Os cientistas
são pessoas com preconceitos, pré-noções, julgamentos prévios sobre
o aspecto da realidade que irão pesquisar, a maioria deles provenientes
do conhecimento do senso comum, discutido na seção anterior. De fato,
todo objeto de pesquisa nasce de uma preocupação prévia do pesquisa-
dor com tal objeto. Nenhum cientista enfrenta sua pesquisa, seu objeto,
digamos assim, “cru”, do zero.
Esses preconceitos e pré-noções podem estar referidos a uma hipótese
prévia que o cientista buscará, insistente e persistentemente, demonstrar.
Ou seja, buscará, através da pesquisa, chegar ao resultado esperado. E
isso como forma de validar e legitimar o paradigma e o modelo vigentes.
Além disso, os preconceitos e pré-noções também advêm da inser-
ção do cientista em uma dada cultura, da vida social, de sua história de
vida, familiar, profissional, de seus valores religiosos, morais, políticos.
Isso nos leva a afirmar a inevitabilidade de cientistas e pesquisadores
terem esses preconceitos, posto que, como dissemos, são seres humanos
inseridos em culturas específicas.
A questão que interessa à ciência, em tal caso, é explicitar esses pre-
conceitos de forma a evidenciar e controlar sua possível influência na
atividade científica. Nesse sentido, retomando as ideias centrais da aula
em torno da relativização de conceitos como realidade, verdade e ci-
ência, deixamos claro que a imparcialidade e a neutralidade absolutas
também não existem. Porém, existem formas de controlar e explicitar
os interesses, os valores e as prenoções.
Atividade Final
Atende ao Objetivo 3
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Aula 1 • Ciência e realidade
Resposta Comentada
1. A partir das ideias trabalhadas na aula, podemos pensar que não se
trata de uma “contradição”, mas de formas diferentes de construir e ex-
plicar a realidade, no caso, o surgimento do homem. Uma, própria do
pensamento religioso, e outra, do científico. O peso que cada uma delas
terá dependerá da época histórica e do grau de legitimidade de cada um
desses campos.
2. O “criacionismo” pode ser entendido como um paradigma que en-
tende que o homem é uma criação de Deus, enquanto o “evolucionis-
mo” é um outro paradigma que se opõe ao anterior e que postula que o
homem descende dos macacos. Trata-se de dois paradigmas, mas que,
como mostra a matéria, não necessariamente se substituem totalmente
um ao outro, mas convivem de forma não pacífica.
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Antropologia do Direito
Resumo
Leitura recomendada
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