Você está na página 1de 39

Teologia Sistamática II

Doutrina de Cristo

Sumário

Introdução
Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?

Capítulo 1
Nomes e títulos da pessoa de Cristo

Capítulo 2
O Deus Filho - sua divindade

Capítulo 3
O Filho do homem - sua humanidade

Capítulo 4
Controvérsias cristológicas

Capítulo 5
A obra redentora de Cristo

Capítulo 6
O Tomo de Leão

Questionário

Referências bibliográficas

1
Introdução

Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?

“E, chegando Jesus às partes de Cesaréia de Filipe, interrogou os seus discípulos,


dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do homem? E eles disseram: Uns, João o
Batista; outros, Elias; e outros, Jeremias, ou um dos profetas. Disse-lhes ele: E vós, quem
dizeis que eu sou? E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus
vivo. E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to
não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus” (Mt 16.13-17).
A pergunta mais importante a ser feita a qualquer ser humano é: “Quem é Jesus para
você?”.
Bem, sabemos que a salvação de uma pessoa não tem início quando ela aprende
uma definição teológica sobre quem é Jesus, mas quando ela passa a ter um conhecimento
pessoal dele, ou seja, quando tal pessoa passa a ter um encontro pessoal com Ele.
O grande problema que a cristologia se propõe a resolver é: “Quem é o verdadeiro
Jesus Cristo com quem as pessoas devem e podem encontrar-se, além de poder obter um
conhecimento pessoal?”. O simples nome Jesus, esvaziado do seu significado bíblico, nada
representa. Quando os kardecistas, umbandistas, testemunhas-de-jeová, mórmons e outros
grupos utilizam o nome de Jesus, estão oferecendo “um outro Jesus” (2Co 11.4), destituído
das características reais do Jesus das Escrituras. “Examinais as Escrituras [...] pois são estas
mesmas Escrituras que testificam de mim” (Jo 5.39). Qualquer Jesus que não se ajuste aos
moldes bíblicos é falso e perigoso.
A coisa mais importante da vida do homem é conhecer a Jesus. Mas aceitar
meramente o seu nome e sua essência não é suficiente. Devemos, acima de tudo,
conhecermos aquele em quem estamos crendo. Qualquer outra fonte, além da Bíblia, não
tem autoridade divina para levar-nos ao conhecimento do nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo. Por meio da Escritura Sagrada, podemos entender a pessoa e a obra do Filho de
Deus, Jesus Cristo. Que seja este agora o objeto de nosso estudo.

2
Capítulo 1
Nomes e títulos da pessoa de Cristo

Jesus
Como tudo em sua vida, seu nome também não foi um acaso. Foi dado pelo anjo a
José, para que fosse colocado nele. Embora fosse um nome de certa forma comum em sua
época, seu significado, “O Senhor é Salvação”, cabia a ele mais do que a qualquer outro.
“Porque ele salvará o meu povo dos seus pecados” (Mt 1.21)

Cristo
Cristo era o termo grego equivalente ao nome hebraico Messias, cujo significado é
“Ungido”. Embora o conceito de ser um ungido do Senhor era muito comum em toda a
história de Israel, tratava-se de “O Ungido”, com letra maiúscula, o ungido por excelência.
Logo, a palavra Cristo foi acrescentada ao seu nome, passando para posteridade como Jesus
Cristo (Jo 4.25,26)

Filho do Homem
Filho do Homem era primeiramente um título messiânico. Fora usado por Daniel
com referência a um que viria nas nuvens, interpretado como sendo o Messias (Dn 7.13).
Nos lábios de Jesus, porém, o título vai mais longe, identificando o Messias com a
própria humanidade. A palavra “filho” é um hebraísmo, uma forma própria de expressão
dos semitas que identifica as qualidades de uma pessoa. Por isso, uma série de expressões é
usada com a palavra filho: “filhos do reino” (Mt 8.12); “filho da perdição” (Jo 17.12);
“filhos da ressurreição” (Lc 20.36), e assim por diante.
Por meio do título “Filho do Homem”, o Filho de Deus, Jesus, que, por natureza,
não era homem, ressaltou este aspecto de sua natureza. Sua identificação foi quase
completa, excluindo somente seu nascimento virginal e sua vida imaculada.

Filho de Deus
Por nascimento
Jesus foi o Unigênito (Jo 3.16), ou seja, o único gerado. Qualquer outro ser no
universo que receba o título de filho de Deus só o será em um sentido relativo, como no
caso dos anjos (Jó 38.4), de Adão (Lc 3.38) e do nosso próprio, da nova aliança, que fomos
adotados (Rm 8.15). Jesus o é em um sentido único, absoluto.
A filiação divina no sentido exclusivo de Jesus dava-lhe natureza semelhante à de
Deus. Para os líderes religiosos de sua época, isto ficou muito claro. É evidente que eles
conheciam a designação “Filho de Deus”. Mas a maneira como Jesus a usou escandalizou
seus contemporâneos, porque o colocava em pé de igualdade com o Pai (Jo 5.18; 10.33).
Alguns querem argumentar que o fato de Cristo ser Filho de Deus e gerado por Ele
confere-lhe uma origem, um princípio, anulando, assim, sua eternidade e, por
conseqüência, sua divindade. Todavia, é necessário analisar teologicamente o termo
“Filho”. No contexto das pessoas divinas (Trindade), ele é utilizado apenas como analogia,
e não como descrição exata entre a primeira e a segunda pessoas. Se quiséssemos, no
entanto, tomar as palavras “filho” e “gerar” com sentido literal, teríamos então de supor que
a divindade engravidara ou tivera uma mãe para que ocorresse a concepção. Logo, os

3
termos apenas ilustram verdades divinas por comparação. Por isso o credo de Atanásio o
coloca como “Eternamente Gerado”.

No sentido messiânico
Em certo sentido, homens como Davi ostentaram o título de filho de Deus. Mas esta
designação aparece em passagens de conteúdo messiânico, ou seja, eram passagens que,
embora se referissem à aliança de Deus com Davi, apontava, porém, para o seu sucessor
futuro – Cristo (2Sm 7.14; Sl 89.27; Sl 2.7,12).

Senhor
Este termo reflete pelo menos três fatos a respeitos de Jesus: divindade, exaltação e
soberania.
Deidade: Quando Jesus faz referência ao Salmo 110 proferido por Davi, ele deixa
bem claro que o título Senhor ali utilizado ia bem além de mera monarquia humana (Mt
22.41-46). Se Davi chamava de Senhor alguém que estava diante de Deus, com certeza não
era mero governante humano.
Soberania: Este título mostra seu domínio efetivo sobre tudo. Hoje, este domínio é
voluntário. Futuramente, será reconhecido por todos os seres conscientes do universo (Fl
2.10,11).

4
Capítulo 2
O Deus Filho - sua divindade

Jesus é Deus. Temos consciência da sublimidade desta afirmação. Dizer que foi o
próprio Deus quem andou entre os homens, morreu na cruz, ressuscitou e subiu aos céus é
um fato grandioso demais para a mente humana. Mas as Escrituras Sagradas, única fonte
inspirada e infalível para este assunto, assim nos revelam. Logo, crer nas Escrituras
Sagradas significa crer na divindade de Cristo.
A doutrina da divindade de Cristo não é baseada em um ou em poucos versículos
isolados. É alicerçada em toda a Bíblia. Dentre as várias provas das Escrituras referente a
esta doutrina, destacamos cinco:
Cristo em relação ao tempo;
Cristo em relação à criação;
Passagens paralelas do Antigo e do Novo Testamentos;
Atributos da natureza de Cristo;
Declarações bíblicas explícitas;

1. Cristo e o tempo

“Porque um menino nasceu e um filho se nos deu [...] e o seu nome será [...] pai da
eternidade...” (Is 9.6, grifo do autor).
“Sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida,
mas sendo feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre” (Hb7.3,
grifo do autor).
“Dos quais são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos,
Deus bendito eternamente. Amém” (Rm 9.5, grifo do autor).
“O teu trono, ó Deus, é eterno e perpétuo” (Sl 45.6 cf. Hb 1.8).
Houve um tempo (se é que podemos chamar assim) em que nada existia, além de
Deus. Quando declaramos nada, não queremos apenas dizer o mundo visível, a terra, as
estrelas e o universo, mas também o mundo invisível, isto é, todo o exército de anjos com
suas hierarquias e poderes. Antes do primeiro ser angélico ser criado, Deus já era em sua
essência trina .
E isto mostra que o Filho não foi uma criação, pois antes que ele se pusesse a criar,
só havia o nada. Nem mesmo o que chamamos “tempo” pode ser dado como existente. Ele
é o “pai (que deu origem) da eternidade”, “Ele é antes dos tempos dos séculos” ou “tempos
eternos” (Tt 1.2, 2Tm 1.9). Ele não tem “princípios de dias” e é chamado “Deus bendito
eternamente”.
A expressão bíblica “antes dos tempos dos séculos” mostra um período muito
longínquo e já aqui Cristo existia, planejando com o Pai e o Espírito os rumos do universo.
Quando lemos: “Façamos o homem à nossa imagem”, percebemos:
a) Que a criação foi planejada por Deus antes de ser executada.
b) Que este Deus criador tinha pelo menos outro ao seu lado, pois com o outro se
comunica antes de criar a coroa da criação, isto á, o homem.
c) Que este outro (ou outros) trabalham em harmonia com Ele. Note que não foi dito:
“faça o homem” como falando a um anjo subordinado. Nem foi dito “faremos o

5
homem” como uma ordem já decidida. Mas foi um plano em harmonia: “Façamos o
homem”.
d) Este outro (ou outros) tinha a mesma imagem, pois não disse: façamos à minha
imagem, mas “à nossa imagem”.

Logo, o início da existência de qualquer coisa não partiu apenas do Pai, mas de toda a
divindade. Sendo assim, Cristo fez parte dessa decisão de criação de todas as coisas.

2. Cristo e a criação

Com respeito a Cristo e a criação, a Bíblia afirma quatro coisas:

a.) Todas as coisas foram feitas por Ele (Jo 1.3);


b.) Todas as coisas foram criadas Nele (Cl. 1.16);
c.) Todas as coisas subsistem por Ele (Cl. 1.17);
d.) Todas as coisas foram criadas para Ele (Cl.1.16, Hb.1.2).

Todas coisas foram criada por Ele


(Textos auxiliares: Jo 1.3,10; Cl 1.15; Hb 1.2, 10-12; 1Cr 8.6)

Sabemos que é algo espantoso, mas aquele carpinteiro de Nazaré, filho de Maria,
que morreu crucificado no Gólgota, era o Criador do universo. E, por ter-se identificado
tanto com suas criaturas não foi reconhecido por elas. Mas a Bíblia afirma: “estava no
mundo, e o mundo foi feito por ele e o mundo não o conheceu” (Jo 1.10). Esta criação,
como já dissemos, inclui o mundo espiritual.
Com isso, Cristo é excluído da classe angélica. Em nenhum lugar das Escrituras é
afirmado o poder criador dos anjos. Nem o poderoso Miguel seria capaz de trazer do nada
qualquer coisa à existência. Aqueles que não se referem a Jesus como sendo Deus, caem na
inconsistência de julgá-lo como sendo um anjo e, com isso, acabam crendo em uma espécie
de semideus .

Todas as coisas foram criadas Nele


(Textos auxiliares: Cl 1.16; Ef 1.23; Jr 23.22)

Tudo o que foi criado foi criado nele. O que quer que exista no universo está dentro
de sua infinitude. Não há recanto no cosmo que esteja excluído da presença infinita do
Filho unigênito .
“Não encho eu os céus e a terra? diz o Senhor?” (Jr 23.24). Isto é infinitude. Logo, o
universo é permeado, em toda a sua extensão, com o ser de Cristo. Mas ainda é mais do que
isso. Embora o Senhor Jesus encha os limites do universo, Ele os trespassa, de modo que
não é o universo que contém a Deus. Antes, é Deus quem contém o universo. Não é que
Deus esteja no mundo, mas o mundo é que está em Deus. Ele não é contido. Ele contém.
É este o sentido “foi criado Nele”. Embora o universo seja considerado infinito,
ainda assim não está fora da abrangência da natureza infinita de Cristo. Ele é o que
preenche “tudo em todas as coisas” (Ef 1.23). Sim, preenche tudo. E ainda vai mais além,
pois “os céus dos céus não o podem conter” (1Sm 8.27).

6
Assim, o Criador, que fez todas as coisas, criou tudo dentro da sua infinitude.
Portanto, nada está fora de sua natureza. Ou seja, tudo fora criado Nele .

Todas as coisas subsistem por Ele


(Textos auxiliares: Cl 1.17; Hb 1.3)

Quando olhamos o universo, vemos uma “máquina” espantosa. São milhares de


estrelas de tamanhos diferentes que se mantêm fixas no Firmamento. É a terra que faz seu
giro milenar ao redor do sol. É a vida, em suas múltiplas formas, que se apresenta a nós
todos os dias: nas flores que nascem, nos animais que se multiplicam, na vegetação que
seca e torna a renascer etc. Será que existe um poder, uma força que faz que todas estas
coisas mantenham seu curso e nunca parem? Por que a vida não pára de se multiplicar e o
universo de se mover? Porque Cristo sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder (Hb
1.3). Ele não é só o Criador, mas também é o sustentador da sua criação. Ela se mantém
firme e coesa pelo poder de Cristo.
O deísmo que afirma que Deus criou o mundo e depois o abandonou às suas
próprias leis se esquece que há uma força por trás de todas as leis que rege toda a criação.
Cristo é a força por trás das leis da natureza que age para que ela (a natureza) seja
cumprida. Assim, tudo o que existe subsiste por Ele, Jesus.

Todas as coisas foram criadas para Ele


(Textos auxiliares: Cl 1.16; Hb 1.2; Mt 11.27; Jo 3.35; 13.3; Rm 8.17).

Tudo foi criado para Ele. Aqui encontramos o motivo que levou Deus a criar o
universo. O universo foi criado para o Filho.
A queda prejudicou este propósito. Por isso, a criação teve de ser redimida antes que
o Herdeiro pudesse tomar posse, e a redenção da qual estamos falando foi realizada por
meio do próprio Herdeiro, Jesus Cristo.
Na eternidade passada, quando a divindade planejou a criação, havia o propósito de
entregar tudo ao Filho. Tudo o que existe pertence a Cristo. Cada coisa criada traz em si a
marca “para Cristo”. O homem, como “a consciência do universo”, teve em si a
possibilidade de escolha de aceitar este propósito ou não. Rejeitou-o. Hoje, a igreja, o
“novo homem” (Ef 2.15), é composta por aqueles que reconheceram e aceitaram este
propósito de “ser para Cristo”.
O universo estará fora do seu eixo enquanto toda a oposição não for banida e a
criação não estiver dentro do propósito de “ser para Cristo”. Esta é a razão de ser do
universo e do homem.

3. Cristo e seu Pai

É possível que muitos amem a Jesus, mas sintam receio quanto ao Deus do Antigo
Testamento. Parecem distintos, antagônicos. Um é guerreiro sanguinário; o outro é médico,
compassivo. Um mata os pecadores; o outro morre por eles. Um fala de vingança contra os
inimigos; o outro fala de perdão. Um se ira; o outro se compadece.
Estas idéias, todavia, são falsas. O Deus do Antigo Testamento ama, e muito.
Quando expulsou o homem do Éden prometeu-lhe um Salvador (Gn 3.15). No dilúvio salva
uma família e com ela faz a promessa de nunca mais afogar sobre a água os seres debaixo

7
dos céus (Gn 9). Ama Abraão e sua descendência, a nação de Israel (Gn12). E este amor
não se limita etnicamente. Mas estende-se, a ponto de perdoar e reter sua ira sobre a
perversa Nínive (Jn 1.3).
Por outro lado, é o meigo Jesus que com seu chicote expulsa os vendedores do
templo e com seus lábios pronuncia pesados “ais” sobre os fariseus (Mt 23). Foi Jesus
quem, principalmente, ensinou a doutrina do inferno e se colocou como o pronunciador da
maldição eterna sobre os pecadores (Mt 25.41).
Não queremos aqui inverter o quadro. Queremos, sim, encurtar a distância, apagar
as diferenças ilusórias. Queremos deixar bem claro que o que vemos em Jesus é o mesmo
Deus do Antigo Testamento. Ou não disse Ele: “Quem vê a mim vê ao pai” (Jo 14.9)? Ou
não é Ele a “expressa imagem da sua pessoa?” (Hb 1.3). Ou ainda não é a seu respeito que
Paulo diz ter “a forma de Deus?” (Fl.2.6).
Em Jesus há mais do que mera afinidade com o Pai. Ele e o Pai são um (Jo 10.30).
Em Jesus, vemos o único Deus verdadeiro (1Jo 5.20,21), e as Escrituras apresentam
Jesus tomando títulos e honras que só pertencem a Deus. Os escritores do Novo Testamento
tomam livremente passagens que se referiam a Deus e as aplicam a Jesus. Ele é a forma
visível do Deus invisível, a lâmpada tangível pela qual se derrama a intangível e inacessível
luz de Deus (Ap 21.23).
A fim de comparar afirmações relacionadas a Deus e a Jesus, traçaremos um
paralelo nas Escrituras. Assim, mostraremos, por comparações, o quanto Jesus é igual ao
seu Pai.

Passagens referindo-se a Deus e a Jesus

“Eu o Senhor, o primeiro, e com os últimos eu mesmo” (Is 41.4).


“Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim” (Ap 1.17).

“E todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Jl 2.32).
“E todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (At 2.21; 34.36; Rm 10.17).

“Diante de mim se dobrará todo o joelho, e por mim jurará toda a língua” (Is 45.23).
“Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho [...] E toda a língua confesse que Jesus
Cristo é o Senhor” (Fl 2.10-11).

“Então ele vós será santuário, mas servirá de pedra de tropeço e rocha de escândalo” (Is
8.14).
“E uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra,
sendo desobedientes; para o que também foram destinados” (1Pe 2.8).

“O teu trono, ó Deus, é eterno e perpétuo; o cetro do teu reino é um cetro de eqüidade” (Sl
45.6).
“Mas do filho diz, ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos, cetro de eqüidade
é o cetro de teu reino” (Hb1.8).

“Desde a antiguidade fundaste a terra, e os céus são obras das tuas mãos. Eles perecerão,
mas tu permanecerás; todos eles se envelhecerão como um vestido; como roupa os

8
mudarás, e ficarão mudados. Porém tu és o mesmo, e os teus anos nunca terão fim” (Sl 102.
25-27).
“E [do Filho]: Tu, Senhor, no princípio fundaste a terra, e os céus são obras de tuas mãos.
Eles perecerão, mas tu permanecerás; e todos eles, como roupa, envelhecerão, e como um
manto os enrolarás, e serão mudados. Mas tu és o mesmo, e os teus anos não acabarão”
(Hb1.10-12).

“Eu o Senhor, esquadrinho o coração e provo a mente, e isto para dar a cada um segundo os
seus caminhos e segundo o fruto de suas ações” (Jr 17.10).
“Em todas as igrejas saberão que eu sou aquele que esquadrinha os rins e os corações, e
darei a cada um de vós segundo as sua sobras” (Ap 2.23).

“No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gn1.1).


“No princípio era o Verbo [...] todas as coisas foram feitas por ele” (Jo 1.1-3).

“Vede, eu envio o meu mensageiro que prepara o caminho diante de mim” (Ml 3.1).
“E tu, ó menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque hás de ir ante a face do
Senhor, a preparar os seus caminhos” (Lc 1.76).

“Todas as coisas me foram entregues por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai;
e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt
11.27).
“Ninguém conhece o Pai , senão o Filho” (Mt 11.27).

“O Senhor é o meu pastor, nada me faltará” (Sl 23.1).


“Eu sou o bom Pastor” (Jo 10.11).

“Deus é a verdade, e não há nele injustiça; justo e reto é” (Dt 32.4).


“Eu sou [...] a verdade” (Jo 14.6).

“Respondeu o Senhor a Moisés: aquele que pecar contra mim, a este riscarei do meu livro”
(Êx 32.33).
“E adoraram-na todos os que habitam sobre a terra, esses cujos nomes não estão escritos no
livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap 13.8).

“E entrarão nas fendas das rochas, e nas cavernas das penhas, por causa do terror do
SENHOR, e da glória da sua majestade, quando ele se levantar para abalar terrivelmente a
terra” (Is 2.21).
“E diziam aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós, e escondei-nos do rosto daquele que
está assentado sobre o trono, e da ira do Cordeiro” (Ap 6.16).

“Digno és, Senhor, nosso e Deus nosso de receber glória, e honra, e poder” (Ap 4.11).
“Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e
honra, e glória, e ações de graças” (Ap 5.12).

“Porque eu sou Deus e não homem, o santo no meio de ti” (Os 11.9).
“Mas vós negaste o santo...” (At 3.14).

9
“Quando subiste ao alto levaste cativo ao cativeiro...” (Sl 68.18).
“Por isso diz: Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro...” (Ef 4.8).

“Ó Senhor, quem é como tu...?” (Êx 15.11).

A esta pergunta, podemos responder: “Só o teu Filho”.


De fato, os paralelos acima nos mostram que o Filho é igual ao Pai. O que se diz de um
também é dito do outro, igualmente.

4. Cristo e seus atributos

Jesus Cristo é:
1- Aquele que sonda os corações (sua onisciência).
2- Aquele que opera como o Pai (sua onipotência).
3- Aquele que passeia no meio dos castiçais (sua onipresença).
4- Aquele que recebe oração.
5- Aquele que recebe adorações.

Quem é Jesus?
Um anjo?
Um homem?
Só existem três classes de seres:
a) humanos
b) angelicais
c) divinos
E podemos distingui-las pelos seus atributos. Cada uma destas classes tem as
qualidades próprias de sua natureza, e nós, como servos de Deus, só podemos contar com
os seres dentro das limitações de seus atributos. Mas quando nos relacionamos com Jesus
nós relacionamos com alguém com atributos divinos. Jesus é universal e só pode ser
universal porque é divino. As pessoas, por meio do mundo físico, podem relacionar-se com
homens, anjos ou demônios, porque são muitos. Jesus, no entanto, é um único ser e, ainda
assim, devido à sua natureza divina, pode relacionar-se com todos os cristãos do mundo
inteiro em uma comunhão igual a que tem com o Pai (1Jo 1.3).
Se o nosso relacionamento com Cristo é pessoal, então Ele é um ser limitado? Nada
disso. Cristo não é como os homens ou como os anjos. Seus atributos o colocam em pé de
igualdade com Deus.

Aquele que sonda os corações (sua onisciência)


(Textos auxiliares: Mt 11.27; Jo 16.30; 21.17; Ap 2.23; Jo 2.25).

O conhecimento de Jesus foi limitado na sua vida terrena (Mt 24.36), mas na
totalidade de seu ser, por ser Deus, Ele conhecia todas as coisas.
Ao aparecer para João, em Patmos, Ele disse: “Todas as igrejas saberão que eu sou
aquele que sonda os rins e os corações. E darei a cada um de vós segundo as vossas obras”
(Ap 2.23). O que Jesus está dizendo? Que dará a cada um a recompensa devida. E como Ele
pode saber o que cada um realmente merece? Por seus atributos divinos, pois Ele é aquele

10
que sonda, esquadrinha os rins (a mente para os antigos) e os corações (sede da
personalidade). O Senhor Jesus conhece o que se passa no interior de cada um de nós. E
este conhecimento é uma característica de Deus, e de nenhum outro ser. Na verdade, estas
palavras de Jesus são apenas o eco das próprias palavras de Deus em Jeremias 17.10: “Eu, o
Senhor, esquadrinho os corações, e provo a mente, para dar a cada um segundo os seus
caminhos e segundo as suas obras”.
O apóstolo Pedro, que tão bem conheceu o Senhor Jesus, estava apto a dizer:
“Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que te amo” (Jo 21.17). Pedro sabia que estava diante de
alguém com conhecimento ilimitado.

Aquele que opera como o Pai (sua onipotência)


(Textos auxiliares: Jo 5.19 ; Mt 28.18 ; Fl 3.21)

Ao invés de perguntarmos: “Jesus pode todas as coisas?”, façamos este


questionamento de maneira inversa: “Há alguma coisa que Ele não possa fazer?”.
Se há algum limite para o Filho de Deus, este limite é de permissão, e não de
possibilidade. Caso Ele não faça algo, será apenas por lhe faltar a permissão do Pai, e não
por faltar poder em sua natureza.
Ele é o Deus Filho, o onipotente Filho de Deus. Se alguém dúvida da onipotência de
Cristo, perguntamos: “O Pai pode fazer todas as coisas?”. A resposta é sim. Então, Jesus
também pode, pois Ele é Deus e é onipotente. Foi o próprio Jesus quem disse: “... tudo o
que o Pai faz, o Filho o faz igualmente” (Jo 5.39). E quando Ele diz que “o Filho por si
mesmo não pode fazer coisa alguma...” não aqui nenhuma contradição, antes, demonstra
apenas a submissão do Filho ao Pai.
Jesus, o Deus Filho, tem todo o poder no céu é na terra, conforme está escrito em
Mateus 28.18. Ele tem poder para colocar todas as coisas sujeitas a seus pés (Fl 3.21). Se
Jesus é limitado em algum ponto, não é em sua natureza, mas na submissão voluntária. Seu
amor infinito ao Pai limita seu poder infinito.
Àquele que criou, sustenta e circunda todas as coisas haverá algo impossível para
Ele? De modo nenhum!

Aquele que passeia no meio dos castiçais

a.) Sua presença nos salvos (Jo 14.23; Rm 8.10)


b.) Sua presença na igreja (Mt 18.20; Ap 2.1)
c.) Sua presença no universo (Ef 4.10, 1.23; Cl 1.16)

Embora sua presença possa variar em grau, ela existe em todo o universo. Desde o
coração dos santos, onde Ele habita como Senhor, até o lado do Pai, onde Ele governa o
universo, a presença de Cristo enche todas as coisas (Ef 1.23).
Que outro ser, além de Deus, pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo?
Mesmo no mundo espiritual, com outra forma de existência, isto é impossível, a não ser
para Deus. Cristo, todavia, prometeu habitar, fazer morada naqueles que o obedecem (Jo
14.23). Temos, então, sua onipresença nas diversas pessoas ao redor do mundo.
Indo mais além, Ele se faz presença onde seu nome é invocado em fé (Mt 18.20; cf.
Sl 145.18). Em sua igreja, entre os santos, Ele manifesta sua presença por meio do Espírito

11
Santo. Mas nem mesmo o universo foge da sua infinitude. Tudo foi criado Nele, dentro da
sua essência infinita, por isso Ele é aquele que preenche todas as coisas (Ef 1.23).

Aquele que recebe orações

Nem o maior santo ou o mais poderoso anjo é digno do nosso mais débil clamor.
Eles não possuem a onisciência para poder ouvir, muito menos a onipotência para poder
responder. Carecem destas qualidades para se tornarem depositário da nossa fé, clamor e
oração.
Embora Jesus tenha dito apenas uma vez que deveríamos pedir-lhe alguma coisa em
seu nome (Jo 14.14; cf. tb. os melhores e mais velhos manuscritos), no entanto, Ele se
tornou o objeto das orações do seu povo. Aqueles que desejam afirmar categoricamente que
não devemos dirigir orações ao Filho, somente ao Pai e em nome de Jesus, devem se dobrar
humildemente diante das Escrituras.
Se não bastasse o texto acima, vemos, ainda, que toda a comunidade cristã primitiva
usava o nome de Jesus em suas orações, dirigindo a Ele suas súplicas. Estêvão invocou o
Senhor Jesus, entregando-lhe seu espírito na sua morte (At 7.59). Os santos em Jerusalém
invocavam o nome de Jesus (At 9.14), e não somente em Jerusalém, mas “em todo o lugar”
se invocava o nome de Jesus (1Co 1.2). Também, encontramos o apóstolo Paulo orando a
Jesus para que o livrasse de uma barreira demoníaca (2Co 12.8).
Não resta dúvida de que a igreja primitiva olhava para Jesus da mesma maneira que
Israel olhou para Javé. Não como outro Deus, mas como o mesmo Deus que agora havia
chegado mais perto, morrido e ressuscitado, para se tornar o seu Senhor.

Aquele que recebe adoração

Estavam bem claras para Jesus, para os discípulos e para os primeiros leitores dos
escritos da nova aliança as palavras de Moisés, citadas em Mateus 4.10: “Ao Senhor teu
Deus adorarás e só a ele servirás”. Sendo assim, a única explicação para o fato de Jesus
receber adoração dos homens e dos anjos é Ele ser Deus.
Vemos Pedro (At 10.25,26), Paulo (At 14.11-15) e até um anjo (Ap 22.8,9)
rejeitando a adoração.
Jesus, todavia, aceitou, inúmeras vezes, que os homens se prostrassem aos seus pés
e o adorassem (Mt 8.2; 9.18; 14.33; Lc 17.15,16).
Não bastasse isso, o próprio Deus exigiu adoração ao Filho, dizendo “Que todos os
anjos de Deus o adorem” (Hb 1.6). E o apóstolo João, ao contemplar a glória celestial, foi
testemunha da adoração prestada ao Senhor Jesus Cristo no céu. Eram milhões e milhões de
anjos e homens dizendo: “Digno é o Cordeiro [...] de receber o poder, e riquezas, e
sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graças ” (Ap 5.12).
O capítulo ainda fala da adoração de toda a criação, uma adoração que não se dirige
apenas ao Pai, mas também ao Filho, a quem deve ser tributado “ações de graças, e honra, e
glória, e poder para todo o sempre ” (Ap 5.13).
Se Jesus não é Deus, então a palavra de Deus não passa de um amontoado de
incoerências. Mas se Ele é Deus, só há algo que o mundo pode fazer: adorar o Filho como
adora o Pai, e concordar com os testemunhos das Escrituras a esse respeito.

5- Declarando sua divindade

12
Em 1João 5.9, está escrito “Se recebemos os testemunhos dos homens, o
testemunho de Deus é maior”. Se não for suficiente o que temos visto até agora, para que
possamos nos convencer de que o Senhor Jesus é o verdadeiro Deus, resta-nos ainda o
testemunho aberto e inspirado das Escrituras.
A seguir, faremos uma exposição (com comentários) de quatorze textos em que
apóstolos, profetas e o próprio Jesus declaram abertamente a divindade do Filho de Deus.
Recomendamos que os alunos leiam as referências seguindo-as em sua Bíblia, pois, sem
essa observância, ficarão impossibilitados de compreender a abordagem a que nos
propomos.

Isaías 9.6
Esta passagem messiânica se refere a Jesus como o “Deus forte”. Este menino “que
nos nasceu” recebe um título que Isaías atribuíra a Javé . Em Isaías 10.21, o profeta diz: “os
restantes se converterão ao Deus forte, sim, os restantes de Jacó”. Logo, Ele, Jesus, é o
Deus forte.

João 1.1
Sua distinção (estava com Deus) e a sua identificação (era Deus) com Deus são
expressas de uma maneira bem simples aqui. As maiores distorções teológicas são
demasiadamente frágeis para anular o que o autor inspirado quis dizer: que Jesus é o Verbo
de Deus.
As tentativas obstinadas de alterar a verdade aqui expressa criaram doutrinas
absurdas e estranhas que não chegaram jamais a um consenso claro. Se Jesus não é Deus,
como diz o texto, quem Ele é então?

João 1.18
Aqui Jesus é o “Deus unigênito” que revelou, mostrou e desvendou ao mundo como
é o Pai.

João 5.18
Até mesmo os próprios inimigos de Jesus entendiam sua identificação com Deus. É
preciso ser tolo para não compreender o que Jesus quis dizer. E João, ao narrar este fato,
comenta sobre a percepção dos judeus.

João 10.30
Esta união não é só de propósito, como alguns querem interpretar. É uma união de
natureza. Os contextos anterior e posterior comprovam isto. Nos versículos 28 e 29, lemos:
“... ninguém poderá arrebatá-las das minhas mãos [...] ninguém poderá arrebatá-las das
mãos dele [...] eu e o Pai somos um”. No verso 30, Jesus está explicando o que havia dito
anteriormente. O contexto posterior, v. 33, mostra que foi isto que os seus ouvintes
entenderam, ou seja, que Ele estava declarando sua divindade.

João 20.28
Mais do que uma exclamação, é um reconhecimento. Vemos Tomé chamando Jesus
de Senhor e Deus seu.

13
Romanos 9.5
Ainda que debatido na atualidade, os primeiros copistas colocaram a pontuação de
uma maneira que a divindade de Cristo ficou expressa. Com certeza, a dúvida hoje
levantada não era conhecida pelos primeiro cristãos.

Atos 20.28
Também controvertido, este texto fala da igreja de Deus que Ele comprou com o seu
próprio sangue. Toda esta disputa não passa de preconceito

Filipenses 2.6
“Sendo em forma de Deus” fala da sua natureza espiritual, antes de adquirir a
terrena. Não se tratava de uma forma humana ou angélica, mas divina. Não era homem ou
anjo, mas Deus. Por isso, Ele compara a nossa sujeição a outros (v.5) à sujeição do Filho ao
Pai. Ainda que possua a mesma forma de Deus, Jesus, o Filho, se fez menor que o Pai.

Colossenses 2.9
Não apenas algumas características, não apenas um pouco da sua natureza, mas
“toda a plenitude da divindade”. Possuir toda a plenitude da divindade e não ser Deus é
como possuir toda a plenitude da humanidade e não ser homem.

Tito 2.13
“Grande Deus e Salvador Jesus Cristo”. Inserir a preposição “do” antes da palavra
“Salvador” para tentar fazer uma diferenciação é tolice, pois sabemos que a parousia -
aparecimento - se refere à vinda de Jesus em glória.

1João 5.20
Aqui, encontramos o apóstolo João chamando Jesus Cristo de “o verdadeiro Deus”.
Bem disse Atanásio em seu verso: “Verdadeiro Deus do verdadeiro Deus”.

Com estas passagens, podemos verificar que na crença de João, Paulo, Lucas,
Tomé, Isaías e Pedro Jesus Cristo era Deus manifestado na carne. Em linguagem verbal ou
escrita, eles ousaram proferir algo que seria considerado blasfêmia, embora possamos
inferir.

14
Capítulo 3

O Filho do homem — sua humanidade

Não podemos falar de Cristo sem falarmos de sua natureza humana, caso contrário,
seremos incompletos. Dizer que “o Verbo era Deus” (Jo 1.1) é apenas metade do assunto.
Pois, também está escrito: “O Verbo se fez carne” (Jo 1.14). Como qualquer outra doutrina
das Escrituras, a natureza de Cristo tem de ser analisada à luz de todas as passagens sobre o
assunto, e não apenas em partes selecionadas que ignorem outros textos referentes ao
mesmo tema. Se é importante dizer que Jesus é Deus, também é igualmente importante
mostrar que Jesus foi homem como nós.

1. O testemunho das Escrituras

“Pelo que convinha que em tudo fosse semelhante a seus irmãos” (Hb 2.17).

Para que o propósito divino tivesse êxito, o Filho de Deus teria de tomar sobre si a
humanidade completa. Era necessário que em tudo se tornasse um de nós. O que o Filho fez
ao torna-se carne foi traduzir o Deus inacessível para uma forma que a humanidade pudesse
compreender.
“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14). Para os gnósticos (para quem
a matéria era totalmente má) e para o atual movimento Nova Era (altamente subjetivo) um
salvador “que participou da carne e sangue” (Hb 2.14) é inaceitável.
“Jesus Cristo veio em carne” (2Jo 7) foi o grito do apóstolo João contra as doutrinas
que, por tanto mistificar o Filho de Deus, o colocam como um “avatar” do amor ou como
um mero “espírito evoluído”.
Graças a Deus, porém, que o testemunho de Deus nas Escrituras não deixa dúvida.
Pela palavra de três testemunhas será confirmada toda a palavra.

Moisés
“E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta
(Jesus) te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3.15).

O autor do livro de Samuel


“Quando teus dias forem completos, e vieres a dormir com teus pais, então farei
levantar depois de ti um dentre a tua descendência, o qual sairá das tuas entranhas, e
estabelecerei o seu reino” (1Sm 7.12).

João
“E o verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14).

Paulo
“Deus , enviando seu filho em semelhança da carne do pecado” (Rm 8.3).
“Mas a si mesmo se esvaziou tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante ao
homem ” (Fl 2.7).

15
2. Analisando sua natureza humana

Aqueles que nos narraram a vida de Jesus não o fizeram “seguindo fábulas
artificialmente compostas” (2Pe 1.16), mas por meio de contato pessoal ou de contato com
testemunhas oculares (V. Lc 1.1-4; Jo 21.23-24; 1Jo 1.1,2; 2Pe 1.16-18). Qualquer, pois,
que quiser afirmar algo sobre Jesus terá de curvar-se à autoridade divina e pessoal das
Escrituras da Nova Aliança, que nos apresentam alguém completamente identificado com
a humanidade. As Escrituras, em nenhuma parte, negam que Jesus era verdadeiro Deus e
verdadeiro homem.

Suas limitações físicas

Dentro dos limites da capacidade física, Jesus realizou a vontade do Pai. Assim
como nós, homens, Jesus também estava sujeito à:

Sede
“Depois, vendo Jesus que tudo já estava consumado, disse: tenho sede!” (Jo 19.28).
Fome
“Cedo de manhã, ao voltar para a cidade, teve fome” (Mt 21.18).
Fadiga
“Jesus, pois, cansado do caminho, assentou-se assim junto da fonte. Era isto quase à hora
sexta” (Jo 4.6).
Sono
“E eis que no mar se levantou uma tempestade, tão grande que o barco era coberto pelas
ondas; ele, porém, estava dormindo” (Mt 8.24).

Limitações intelectuais

A onisciência, inerente à sua natureza divina, não se manifestava. Em sua


humanidade, Jesus ficou limitado também em suas capacidade intelectuais.

Ele crescia em conhecimento


“E crescia Jesus em sabedoria [...] diante de Deus e dos homens” (Lc 2.52).

Adquiria conhecimento pelas observações


“E, vendo de longe uma figueira com folhas, foi ver se nela acharia alguma coisa.
Aproximando-se dela, nada achou, senão folhas, pois não era tempo de figos” (Mc 11.13).

Era limitado em seus conhecimentos sobre o futuro


“Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, mas unicamente meu Pai” (Mt
24.36).

Limitações morais

“Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas
fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” (Hb 4.15).

16
Limitações espirituais

Nem mesmo nesta área Jesus foi poupado. Antes, venceu, não porque era divino,
mas porque era completamente consagrado e dedicado a Deus. Se assim não fosse, teria
sucumbido diante das tentações.

Jesus dependia da oração para ter poder


“E, levantando-se de manhã, muito cedo, fazendo ainda escuro, saiu, e foi para um
lugar deserto, e ali orava” (Mc 1.35).

Ele necessitava da orientação de Deus


“E aconteceu que naqueles dias subiu ao monte a orar, e passou a noite em oração a
Deus. E, quando já era dia, chamou a si os seus discípulos, e escolheu doze deles, a quem
também deu o nome de apóstolos” (Lc 6.12-13).

Ele dependia da união do Espírito Santo


“Como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude; o qual
andou fazendo bem, e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele”
(At 10.38).

Teve uma identificação com seu meio social


Não se fala dele como um ser misterioso que surgiu de repente e de repente
desapareceu. Mesmo aqueles que o rejeitaram tiveram com Ele uma convivência normal.
Poucos vultos do passado tiveram uma documentação do seu passado tão vasta.

Ele possui uma genealogia


Uma genealogia naquela época era tão ou mais importante quanto uma certidão de
nascimento hoje. A genealogia não só identificava pai e mãe como também a família e a
tribo. Embora Mateus 1.1-16 e Lucas 3.23-38 possuam algumas distinções, podemos ver o
Filho de Deus tendo uma completa identificação terrena.

Ele teve uma família


Mãe, pai, irmãos e irmãs faziam parte da vida terrena de Jesus. Em Marcos 6.3 seus
opositores se espantaram de que falasse de maneira tão sublime, pois o tinham visto
crescer, e seus irmãos e irmãs eram conhecidos entre eles.

Ele teve uma profissão


Até isto não ficou encoberto. “Não é este o carpinteiro...?” (Mc 6.3) perguntavam.
Jesus não foi um asceta, e muito menos um viajante que foi à Índia para aprender seus
mistérios, como os ocultistas querem que o mundo acredite. Jesus não foi alheio ao seu
meio, antes, fez parte integrante e integrada nele.

3. Possuía uma natureza em tudo humana

Em seu aspecto básico, o ser humano é constituído de corpo, alma e espírito (1Ts
5.23; Hb 4.12). Se Jesus era realmente humano, sua natureza, no aspecto básico, também

17
não poderia ser diferente. E, de fato, não era, pois as três partes básicas desta natureza
existiam em Jesus.

Corpo
Foi Ele mesmo quem disse: “...um espírito não tem carne nem ossos...” (Lc 24.39).
Em muitos lugares, também fica clara a referência ao seu corpo, como em Mateus 26.12,
por exemplo: “Pois, derramando este perfume sobre o meu corpo...”
Cegos são aqueles que são incapazes de aceitar este Jesus, como fazem os espíritas,
os hindus e os seguidores da Nova Era. Seu Jesus pode ser desencarnado, mas o Jesus das
Escrituras não.

Alma
Ao soprar Deus no homem o fôlego de vida, é dito: “... e o homem tornou-se alma
vivente” (Gn 2.7). Logo, a alma é parte inerente da natureza do homem. O Senhor Jesus
disse no Getsemani: “... a minha alma está profundamente triste, até a morte” (Mt 26.38).

Espírito
Como nós, Jesus também tinha um espírito. Em Lucas 23.46, lemos: “E, clamando
Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo disto
isto, expirou”.

4. Igual, mas diferente

Pelo menos em dois aspectos (e só!) Jesus era diferente da raça humana. Todavia,
estas diferenças eram de suma importância e de extrema necessidade, do contrário, lhe seria
impossível servir aos propósitos divinos.
A primeira refere-se à sua geração, a segunda, à sua vida sem pecado. Aqui está o
contraste entre Jesus e a humanidade inteira. Sua obra dependia destes fatores.
Aqueles que admiram os milagres realizados por Jesus deveriam saber que tais
milagres, em sua maioria, podem também ser realizados por seus seguidores. Embora
tenhamos este poder, nos outorgado pelo próprio Jesus, por meio do Espírito Santo, jamais
poderemos nos igualar a Ele nestes dois pontos de sua vida: seu nascimento virginal e sua
vida sem pecado. Na verdade, é aqui que reside a eficácia da obra salvadora de Deus.

Seu nascimento virginal

Este fato é claramente afirmado nas Escrituras da Nova Aliança. As pessoas que
negam esta verdade agem dessa forma porque lêem os textos sagrados com o preconceito
de que milagres não existem. Assim, tais críticos não merecem qualquer atenção, pois
querem ser matemáticos que não crêem na exatidão dos números, querem ser psicólogos
que não crêem na existência da mente. Seus raciocínios são fúteis (Rm 1.21).
Agora, no entanto, nos deteremos em dois pontos: no fato e na sua razão.

O fato
Dos quatros livros biográficos da vida de Jesus, dois deles mencionam o aspecto
virginal de seu nascimento, Mateus e Lucas. Marcos, com sua narrativa resumida, não o faz

18
porque se concentra mais em sua obra. E João, por destacar o lado divino de Cristo,
também não o menciona.
Contudo, estas duas narrativas, registradas em Mateus 1.18-25 e Lucas 1.26-38, se
complementam de tal forma que temos material abundante para confirmar o fato. Cada
afirmativa feita pelos dois biógrafos está relacionada à geração sobrenatural do Filho de
Deus.

As genealogias
As duas narrativas tiveram o cuidado de acrescentar uma expressão que demonstra
que Jesus era filho de José apenas aparentemente. Vejamos:
“E Jacó gerou a José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o
Cristo” (Mt 1.16).
“E o mesmo Jesus começava a ser de quase trinta anos, sendo (como se cuidava)
filho de José, e José de Heli” (Lc 3.23).

José
Embora não apareça em Lucas e em Mateus, a atitude de José, porém, é visível.
Eles, José e Maria, estavam noivos. Este é mais ou menos o sentido da palavra “desposada”
em Mateus 1.18. Quando soube da gravidez (o fato) sobrenatural de Maria, José intentou
deixá-la secretamente (Mt 1.19). O fato de José não ter tocado em Maria maritalmente pode
se lido no versículo 25, onde diz que José “não a conheceu até que ela deu à luz um filho”.
Logo, os próprios atos de José atestam a virgindade de Maria.

Maria
Lucas faz a descrição da anunciação do anjo a Maria. Pelas palavras dos seus
próprios lábios, ela era virgem: “Disse Maria ao anjo: como se fará isto, visto que não tenho
relação com homem algum?” (Lc 1.34).
Além disto, em sua narração sobre Maria, Lucas faz questão de relatar o seguinte: “a
uma virgem desposada de um homem cujo nome era José, da casa de Davi. O nome da
virgem era Maria” (Lc 1.27). Mateus, ao afirmar a gravidez de Maria pelo Espírito Santo,
fez questão também de frisar: “antes que coabitassem”.

Os anjos
O anjo que apareceu em sonhos a José testemunhou que Maria estava grávida pelo
poder do Espírito Santo (Mt 1.20). O próprio anjo Gabriel, ao dirigir-se a Maria, disse-lhe
que ela haveria de conceber pela virtude do Espírito Santo (Lc 1.33). Logo, tornam-se eles
testemunhas fiéis deste fato.

Isaías
“A virgem conceberá e dará à luz um filho” (Is 7.14).
Setecentos anos antes de Cristo o profeta messiânico já estava declarando o ato
miraculoso da concepção do Messias. E Mateus, escrevendo aos judeus, para quem as
Escrituras tinham um valor inegável, não poderia deixar de usar aquela expressão que
tantas vezes aparece em sua biografia: “Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que
foi dito da parte do Senhor ao profeta ” (Mt 1.22).

19
Observação: o fato de nenhum outro escritor da Nova Aliança ter-se referido ao
nascimento virginal de Jesus não invalida este acontecimento. Todos os argumentos
apresentados até aqui são mais do que suficientes para produzir convicção. O silêncio de
alguém não pode falar mais alto do que o testemunho de outra pessoa. Uma ausência não
pode ser mais convincente do que uma presença.
Não obstante outros escritores inspirados não confirmarem este fato, eles, porém,
não o negaram. E a fé no nascimento virginal de Cristo esteve presente na igreja desde o
início da mesma, como atestam os escritos dos continuadores da obra abaixo — testemunho
de Inácio de Antioquia, um dos discípulos dos apóstolos:
“... Ele pertence à raça de Davi segundo a carne, mas Filho de Deus por vontade e
poder divino verdadeiramente nascido de uma virgem e batizado por João”.

A razão do fato

Até aqui, vimos afirmando o nascimento virginal de Jesus Cristo: “Foi assim”.
Daqui por diante, explicaremos a razão de ter sido assim.
Deus, ao criar a vida, fê-la com a capacidade de se reproduzir. A vida gera vida, é
uma lei da natureza. Este axioma é verdadeiro com respeito à biologia e também às
Escrituras. Uma pedra não gerará uma árvore, nem uma árvore gerará uma pedra. Um
porco não dará à luz a terra, nem a terra dará à luz um porco.
Vamos dar um passo. Toda vida produz outra vida semelhante. Um gato gerará um
gato, nunca um cachorro. Um cachorro gerará um cachorro, nunca um macaco. Em termos
bíblicos, isto equivale a dizer que cada ser vivo sobre a terra produz fruto “segundo a sua
espécie ” (Gn 1.11, 12, 21, 25).
Com o homem, isto não foi diferente. Ele gerará descendentes segundo a sua
espécie. Foi justamente este o plano de Deus (Gn 1.28). Mas, até então, o homem trazia em
si a imagem de Deus. Como um espelho, ele refletia a glória de Deus. E o mesmo
aconteceria com seus descendentes.
Mas o pecado, infelizmente, embotou e quebrou este espelho, a ponto de a imagem
nele refletida não ser mais a perfeita imagem de Deus. O veneno do pecado agora estava
em seu sangue e na sua alma. O homem era o mesmo, só que com uma qualidade inferior.
Então, esta característica se propagaria aos seus descendentes. Nem mesmo o dilúvio
poderia destruir esta característica; pôde, sim, destruir um sistema perverso, mas não
alterou a natureza decaída do homem .
Adão teria descendentes “conforme sua espécie”. Quando ele gerou um filho, gerou-
o “à sua semelhança, conforme a sua imagem” (Gn 5.3). Usando uma paráfrase, diríamos:
“conforme a sua imagem decaída”, e não conforme a imagem perfeita original.
E isto ocorreu devido ao tipo de semente. Ora, qualquer agricultor tem ciência de
que a qualidade da semente determinará a qualidade do fruto. O homem, ao fecundar a
mulher, coloca nela uma semente que a Nova Aliança chama de “semente corruptível” (1Pe
1.23). O fruto, ou seja, o descendente, será da mesma qualidade.
Este fato foi reconhecido por Davi que, ao compor o Salmo 51, admitiu que na sua
concepção o pecado já estava presente nele. É o que ele diz: “Certamente em iniqüidade fui
formado e em pecado me concebeu minha mãe” (v.5).
No homem Jesus, esta imagem deveria ser resgatada em todos os aspectos. Jesus
foi, como homem, a imagem de Deus e o alvo da obra redentora sobre a humanidade. Ele
veio para restaurar esta imagem nos seres humanos. Podemos ler sobre este assunto em

20
Romanos 8.29, 1Coríntios 15.49, 2Coríntios 3.18 e Colossenses 3.10. Isto teria sido
impossível a qualquer pessoa que tivesse nascido da semente de Adão diretamente. Sim,
dizemos diretamente porque, embora o receptáculo da semente divina (Maria) fosse
proveniente de Adão, a semente em sim não era. Logo, foi necessário que o último Adão
trouxesse uma imagem de Deus não embotada.
Assim, o nascimento virginal de Cristo não foi um mero sinal à casa de Israel, mas
uma necessidade indispensável ao propósito restaurador de Deus.

Sua vida sem pecado — a santidade de Jesus

Vamos tratar aqui um raciocínio semelhante: o fato e a necessidade do fato.

O fato
Jesus realmente não tinha pecado? É fácil afirmar isso quando não convivemos com
alguém, ou quando o amor nos cega a ponto de não enxergamos as falhas da outra pessoa.
Todavia, os que testificaram da justiça, honestidade e inculpabilidade de Jesus foram
aqueles que conviveram intimamente com Ele ou ainda aqueles que não o amavam.
Os testemunhos a seguir compõem uma lista e atestam sua vida (Jesus) sem pecado:

O próprio Jesus
“Pode algum de vós acusar-me de pecado?” (Jo 8.46).
“Se aproxima o príncipe deste mundo. Ele nada tem em mim” (Jo 14.30).

Pilatos
“Tendo dito isto, tornou a ir ter com os judeus, e lhes disse: Não acho nele crime algum”
(Jo 18.38).
“Então Pilatos saiu outra vez fora, e disse-lhes: Eis aqui vo-lo trago fora, para que saibais
que não acho nele crime algum” (Jo 19.4).
“Pilatos porém lhes perguntou ; Que mal fez ele” (Mt 27.23).

A esposa de Pilatos
“E estando ele no tribunal, sua mulher mandou dizer-lhe: Não entre na questão deste justo,
pois num sonho muito sofri por causa dele” (Mt 27.19).

O ladrão da cruz
“Mas este [Jesus], nenhum mal fez ” (Lc 23.41).

Os demônios
“Bem sei que és o Santo de Deus” (Lc 4.34).

João Batista
“Eu preciso ser batizado por ti, e vens tu a mim?” (Mt 3.14).

Pedro
“Mas vós negastes o Santo e o justo” (At 3.14).
“Ele não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano” (1Pe 2.22).

21
João
“E nele não há pecado” (1Jo 3.5).

Paulo
“Aquele que não conheceu o pecado, ele fez pecado por nós, para que nele fôssemos feito
justiça” (2Co 5.21).
“Em tudo foi tentado, mas sem pecado” (Hb 4.15).

A razão do fato

Em primeiro lugar, era necessário que Jesus fosse sem pecado, para que se tornasse
um exemplo. O Senhor Deus, em Cristo, nos deu um padrão a ser seguido. Foi o próprio
Jesus quem disse: “Eu vos dei o exemplo para que faças o que eu fiz” (Jo 13.15). Pedro,
sem dúvida, captou esta importância da vida irrepreensível de Jesus. Em sua epístola, ele
escreve: “Porque para isto sois chamados; pois também Cristo padeceu por nós, deixando-
nos o exemplo, para que sigais as suas pisadas” (1Pe 2.21).
Em segundo lugar, era necessário que Jesus fosse sem pecado, para que pudesse ser
um sacrifício perfeito. Era a exigência divina para os sacrifícios da Antiga Aliança: que os
animais fossem sem defeito (Lv 1.3). A vida sacrificada em lugar do culpado tinha de estar
isenta de culpa. Seria inaceitável uma vida contaminada e manchada. Era dessa forma que
os animais eram utilizados simbolicamente para a expiação na Antiga Aliança. Por um
lado, eram inocentes, pois não tinham consciência do pecado, e, por outro, eram perfeitos,
pois não tinham defeitos.
Tais sacrifícios nada mais eram do que sombras. Na realidade, não poderia ser
inferior como sacrifício resgatador e substitutivo. Jesus era o Cordeiro de Deus (Jo 1.29)
e, sendo assim, qualquer mancha, defeito ou contaminação no sentido real teria anulado a
eficácia de sua morte. Por isso, Ele tinha de ser “como um cordeiro sem defeito, sem
mancha” (1Pe 1.19).
Em terceiro lugar, era necessário que Jesus fosse um sacerdote perfeito, com um
sacerdócio perfeito. O sacerdócio arônico não foi eficaz completamente, devido às falhas
dos oficiantes. Mesmo o sumo sacerdote não ousaria entrar diante de Deus no lugar
santíssimo, ou seja, no santo dos santos, sem que antes se purificasse (Hb 5.3). Com
respeito a Cristo e ao seu sacerdócio, lemos esta maravilhosa declaração em Hebreus 7.26,
27: “Por que nos convinha [isto é, era necessário] tal sumo sacerdote, santo, inocente,
imaculado, separado dos pecadores, e feito mais sublime do que os céus; que não
necessitasse, como os sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios, primeiramente
pelos seus próprios pecados, e depois pelos do povo”.

O homem Jesus

Quando olhamos para o homem Jesus de Nazaré, temos a consciência de que


estamos diante do homem perfeito no qual o Filho de Deus se tornou. Sua personalidade e
caráter superaram quaisquer outros que tenham existido neste mundo. Nenhum personagem
histórico aproximou-se da perfeição moral encontrada em Jesus. Hoje, depois de 2000 anos
de cristianismo, certas atitudes parecem ser normais. Mas quando olhamos para o mundo de
sua época, vemos Jesus falando, ensinando e praticando coisas que estavam em aberta
contradição com tudo o que então se pensava.

22
O amor de Jesus Cristo

É impressionante como Jesus conseguiu reunir os dez mandamentos, núcleo de toda


a fé judaica, e resumi-los de forma espetacular, utilizando-se de duas passagens do
Pentateuco. E os dois mandamentos deixados por Ele se resumiram em amar a Deus e os
homens.
Mas este amor não foi apenas um mandamento exposto, mas sua forma de vida. E
foi justamente a manifestação deste amor que o colocava em contato com os desprezados e
injustiçados. A forma como Jesus participou de sua época provocou grande impacto. Sua
convivência com os pobres, com as mulheres, com os pecadores e com as crianças era
inovadora, revolucionária.
Seu amor pelos pecadores rendeu-lhe o título de “amigo dos pecadores” pelos seus
inimigos (Mt 11.39), o que então não parecia ser uma política muito agradável para alguém
que era o Messias. O sistema farisaico que dominava o judaísmo da época era altamente
asceta no que se referia ao contato com as pessoas. Mas o amor de médico que Jesus
possuía o levou a aproximar-se dos pecadores, para curá-los.
Outro ponto em que o amor de Jesus quebra os paradigmas está relacionado ao
preconceito racial. Os judeus chamavam os gentios de cachorrinhos e os samaritanos de
endemoninhados. Mas Jesus louvou a fé aos não-judeus (Mt 8.5-13) e mostrou o cuidado
de Deus por eles (Lc 4.24-27). Quanto aos samaritanos, Jesus ousou contar uma parábola,
na qual um levita e um sacerdote eram “vilões” e o herói, um samaritano (Lc 10.25-37 ).
Quanto às mulheres, esta classe tão desprezada e inferiorizada na época de Jesus, o
Senhor, em seu amor, parou para conversar com uma delas que, além de mulher, era uma
samaritana de vida errada (Jo 4.1-27). O impressionante poder do seu amor estava muito
acima dos conceitos e preconceitos de sua época.
Por fim, seu amor tornou-se patente também em sua relação com as crianças. Estas,
na cultura da época, eram simples entraves. Para se ter uma idéia, na legislação romana os
pais tinham permissão para matar os filhos recém-nascidos que não lhes agradassem.
Quando os discípulos seguraram as crianças para que não se aproximasse de Jesus,
estavam, na verdade, tomando uma atitude comum para a época (Mt 19.13-15). Mas o amor
de Jesus chegava aos pequeninos também.
O efeito que teve a narração de sua vida sobre o mundo cruel e desumano daquela
época é difícil de ser calculado hoje. Mas, com certeza, foi um efeito transformador, ditado
mais por seus atos de amor do que por seus próprios ensinos.

A mansidão de Jesus Cristo

Segundo suas próprias palavras, Jesus veio para servir (Mt 20.28). Era uma
concepção alta demais para o povo de Israel: um Messias que serve. Um Cristo humilde era
a última coisa que eles esperavam.
Outro ponto que vale a pena ser destacado é que, embora Jesus fosse sábio,
corajoso, persistente e amoroso, as únicas qualidades que Ele fez questão de dizer que
possuía foram mansidão e humildade de coração (Mt 11.29).
Sua humildade foi ao extremo quando Ele foi levado preso, julgado e entregue para
ser crucificado. Então, a figura a qual Jesus é comparado é a de um cordeiro (Is 53.7). Que

23
outra figura seria mais adequada para descrever a humildade? Jesus foi o Cordeiro de Deus
(Jo 1.29) que aceitou a cruz que lhe estava proposta sem abrir a boca.

24
Capítulo 4
Controvérsias cristológicas

Do século II ao V d.C., houve inúmeras controvérsias com respeito à pessoa de


Cristo. Quem era Ele afinal?
Temos, pois, estabelecido, por meio das Escrituras, que Jesus era verdadeiro Deus e
verdadeiro homem. Uma questão, todavia, se levantava: Ele deixou de ser Deus para ser
homem? Ele era Deus e homem ao mesmo tempo? Podem existir duas naturezas ao mesmo
tempo?
Esta controvérsia ocupou por muito tempo os debates teológicos dos primeiros
séculos pós-apostólicos. As principais escolas foram Alexandria e Antioquia.
Alexandria, mais distante geograficamente da Palestina, mais amante da
subjetividade e mais amante do pensamento especulativo e inimigo da matéria, devido à
influência grega, sempre teve tendência para destacar de Cristo o seu lado espiritual e
divino. Algumas vezes, chegou até mesmo a negar a existência de um corpo como o nosso
em Jesus.
Antioquia, mais próxima da realidade histórica, mais influenciada pelos sinópticos e
menos avessa à matéria, devido à influência judaica, tendia destacar o lado humano de
Jesus. Num breve resumo, eis algumas das opiniões a respeito da natureza do Filho de
Deus:

Gnosticismo: Foi uma das piores doutrinas inimigas do cristianismo. Embora


existissem várias correntes diferentes do gnosticismo, todas elas, no entanto, foram
influenciadas pelo neoplatonismo e pelo pensamento grego em geral. Rejeitavam a matéria
por achar que ela era má e, com isso, rejeitavam também a encarnação do Verbo, o que
gerou posições absurdas e conflitantes no que se referia à morte e à ressurreição de Cristo.
Ao que parece, foi uma das primeiras heresias cristãs, visto que, conforme a opinião de
alguns, os escritos do apóstolo João foram redigidos visando combater estas idéias errôneas
a respeito de Cristo.

Sabelianismo: Sabélio começou a ensinar em Roma, por volta de 215 d.C. Segundo
seu ensino, o Pai e o Filho são exatamente a mesma pessoa, o mesmo Deus com nomes e
formas diferentes. Esta posição, com respeito à relação entre o Deus Pai e o Deus Filho,
também ficou conhecida como monarquianismo modalista, sendo condenada, em 261 d.C.,
juntamente com outras doutrinas de Sabélio.

Monarquianismo dinamista: Este ensino dizia que Jesus era um homem comum que, por
ocasião do seu batismo, foi unido a Cristo, que veio sobre Jesus como um poder. Jesus era
assim um profeta, e não o Verbo divino encarnardo. Quem primeiro apresentou esta
posição foi Teodoto, em 190 d.C., ao chegar em Roma. Na ocasião, foi excomungado pelo
bispo de Roma. Mais adiante na História da Igreja, Paulo de Samósata adotou a mesma
idéia e foi declarado herético pelo sínodo de Antioquia, em 268 d.C.

Ebionismo: Negava a natureza divina de Cristo, reputando-o como mero homem.

25
Cerintianismo: Defendia que não houvera união das duas naturezas, senão por ocasião do
batismo de Jesus, estabelecendo, assim, a divindade de Cristo como dependente do seu
batismo, e não por virtude do seu nascimento.

Docetismo: Negava a realidade do corpo de Cristo, porque julgava que sua pureza não
poderia estar ligada à matéria, a qual reputava inerentemente má.

Arianismo: Considerava que Cristo era o mais exaltado dos seres criados, negando, com
isso, sua divindade e interpretando erroneamente sua humilhação temporária. Esta
controvérsia foi uma das maiores da História da Igreja e responsável pelo Concílio de
Nicéia. As testemunhas-de-jeová defendem posições semelhantes ao arianismo.

Apolinarianismo: Afirmava que Jesus não tinha um espírito humano. Sua posição inicial
era contra o arianismo. Contrapondo-se a Ário, ele advogava a autêntica divindade de
Cristo e tentava proteger sua impecabilidade, substituindo o pneuma (espírito) humano pelo
logos, pois julgava aquele sede do pecado. Conseqüentemente, Apolinário negava a própria
e autêntica humanidade de Jesus Cristo.

Nestorianismo: Negava a união das naturezas humana e divina, fazendo de Cristo duas
pessoas. Nestório cometeu este erro ao tentar abolir o título de “mãe de Deus” atribuído a
Maria.

Eutiquianismo: Afirmava que as duas naturezas de Cristo se uniam em uma só, que era
predominantemente divina, ainda que a natureza original estivesse fora do mesmo plano da
divina.

Estes heréticos posicionamentos conduziram, por fim, a uma síntese chamada


teologicamente de união hipostática ou teantropia: duas naturezas em uma só pessoa.
Cristo é o mediador entre Deus e os homens. Ele é aquele que pode caminhar sobre
o pó da terra e depois assentar-se à direita da majestade nas alturas. Como uma ponte,
tocou os dois extremos, formando um elo. Com uma de suas mãos, tocou os céus e, com a
outra, a terra. Uniu Deus ao homem. Já o justo Jó afirmava: “Não há entre nós árbitro que
ponha a mão sobre nós ambos” (Jó 9.33).
Apesar de ter tomado um corpo físico, isto, no entanto, não fez do Filho menos
Deus. Ele é tão Deus quanto o foi na eternidade, como bem atesta Hebreus 13.8 sobre a
imutabilidade de sua natureza. Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente. Embora
trouxesse um corpo como o nosso, Ele também trazia uma natureza como a de Deus nesse
corpo. Colossenses 2.9 diz: “Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da
divindade”.

26
Capítulo 5

A obra redentora de Cristo

Embora os ensinos tão sublimes e milagres tão tremendos de Jesus tenham, durante
vinte séculos, comovido a humanidade, suas marcas mais fortes e mais sublimes, porém,
são uma cruz sobre um monte e um túmulo vazio. E tão fortes foram e são estas marcas que
foi principalmente sobre elas que se baseou a pregação apostólica e toda a teologia da Nova
Aliança.
A ênfase bíblica não foi sobre os ensinos de Cristo. Embora o espírito de sua
doutrina sobre o amor ao próximo permeie tudo, ele não é o centro da revelação cristã, e
muito menos ocupa a grande extensão da literatura apostólica. Todo destaque vai para sua
obra — morte, ressurreição e ascensão. Os comentários, as exortações, a revelação e a vida
em Cristo se resumem nisto: “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras [...]
ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras...” (1Co 15.24).
Enquanto o mundo vê apenas a moralidade, a igreja enxerga a realidade. O essencial
não foi o que Ele disse, mas o que Ele fez. E, ainda, não o que Ele realizou por meio da sua
vida, mas o que Ele fez com ela — Ele a entregou como resgate, como expiação pelo
mundo. É este fato — sua morte na cruz — que denomina o “poder de Deus”, pois abriu a
possibilidade da ação de Deus no homem.
Ao encarnar, o Verbo inseriu em sua natureza a criação decaída. Sua condenação e
aniquilamento foram a condenação e o aniquilamento desta criação. O mesmo se dá com
sua ressurreição. A transformação e a exaltação da sua vida são a transformação e a
exaltação de toda a criação. O que Deus pretendia fazer com sua criação — destruir a velha
e trazer à existência a nova — Ele o fez por intermédio de seu Filho. “Através de quem
temos entrada pela fé a esta graça” (Rm 5.2).
É crendo nesta obra que esta realidade invade nossa existência e se torna eficaz. Isto
porque, para Deus, “nós” estávamos na morte, ressurreição e exaltação de Cristo. Para
Deus, sua morte foi a nossa morte. Sua ressurreição foi a nossa ressurreição. Jesus ascendeu
aos céus e nós com Ele. Quem assim crê, passa para uma nova posição de existência. Passa
a viver “em Cristo”; em união com Ele. A profundidade desta união é que determina a
intensidade da eficácia da obra realizada por Cristo. Quanto mais avançamos pela fé “para
dentro” desta relação, mais recebemos os efeitos da obra de Cristo.
Esta ênfase da Nova Aliança não é sem razão. O problema desta criação vai além de
um mero funcionamento errado. A própria essência foi contaminada. Em Cristo, Deus
tocou na própria natureza das coisas, destruindo o que pertencia à velha criação e, pelo seu
poder, resgatou seu Filho da morte para uma nova vida (incorruptível).
Este fato possibilitou ao homem vencer o pecado e as paixões que o dominam. Este
fato trouxe poder curador para o corpo do homem. Este fato possibilitou ao homem
dominar sobre “toda a força do inimigo” (Lc 10.19). Este fato também possibilitará a
transformação de todas as coisas no futuro.
A obra do Espírito Santo é aplicar a obra do Filho no coração do homem. Ele faz o
crucificado há dois mil anos tornar-se real para o homem de hoje. Ele traz o poder do
ressuscitado, aquele poder que venceu a morte, e o torna disponível hoje. O que o Espírito
Santo opera na vida do homem opera com base na obra consumada por Cristo.

27
Assim como Nele tudo foi criado (Cl 1.16), Nele também tudo foi redimido (Rm
8.19-23). Da mesma forma como Ele assumiu a essência da natureza na cruz, na
ressurreição Ele assumiu a natureza da nova criação, para em breve trazê-la à existência.
Em suma, o nosso relacionamento com Jesus nos leva a morrer para a corrupção e a
viver em uma nova vida. Neste relacionamento com Jesus, a velha criação/natureza é
condenada e destruída na sua morte, para depois ser regenerada na sua ressurreição. E é a
esta restauração da criação que Mateus se refere ao falar da “regeneração” (Mt 19.28).
Vamos, agora, olhar mais de perto a obra de Cristo. Com olhos atentos e espírito
pronto, nos nutriremos com as mais importantes verdades reveladas à humanidade.

A morte de Cristo

“...e sem derramamento de sangue não há remissão” (Hb 9.22).

O pecado, desde que surgiu no mundo, cobra um preço: a morte. Tudo aquilo que
está em desarmonia com Deus deve perecer. Adão pecou e, por este motivo, teve de
perecer. Este universo, contaminado pelo pecado, primeiramente pelos anjos e depois pelo
homem, também perecerá (Sl 102.25,26). Inflexivelmente, esta é uma determinação divina
que não pode ser revogada.
Apesar desta aparente falta de solução, a divina sabedoria e o divino amor
conceberam um plano que remisse tudo e assim mesmo não quebrasse a lei. Alguém que
estivesse fora da criação e não contaminado por ela tomaria o lugar das coisas criadas e,
recebendo sobre si a maldição e a culpa que lhe pesam, a remiria. Se a criação era digna de
morte, alguém encarnando a criação tomaria esta morte sobre si. Também por isso Darbi
assim traduziu Hebreus 2.9 “...para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todas as
coisas”( grifo do autor).
Não havia outro caminho pelo qual a redenção poderia ser realizada. Só o Criador
saberia como salvar sua criação. Se Ele o fez por tal meio é porque não havia outro. Deus
escolheu criar, mesmo sabendo em que resultaria. Logo, ao criar todas as coisas Ele esteve
disposto a pagar o devido preço por aquilo que havia de vir à existência.
Toda a Escritura, de Gênesis até o Apocalipse, traz a mensagem do sangue, isto é,
da vida derramada. “Porque o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23). E porque desde
Gênesis 3 até Apocalipse 20 o pecado está presente, as Escrituras são “tintas” de sangue.
A pregação da cruz é o centro da pregação do evangelho: “Pois nada me propus
saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado” (1Co 2.2). O evangelho chega
mesmo a ser chamado de “palavra da Cruz” e, embora não pareça, “é o poder de Deus”
(1Co 1.18).
Em Cristo crucificado Deus destruiu, com um só golpe, o pecado (Hb 9.26; Rm
8.3), o mundo (Gl 2.20), a lei (Ef 2.14.15), os principados e potestades (Cl 2.15), a carne
(Gl. 5.24) e o “eu” (Gl.2.20). Podemos imaginar a criação de Deus liberta destas coisas?
Embora a expressão de vitória sobre estas coisas nem sempre seja plena na vida dos
salvos, ela é uma realidade nos propósitos de Deus. Como com Israel em Canaã não houve
falta de garantia de vitória por parte de Deus, mas, sim, falta de fé nesta garantia, o mesmo
pode acontecer conosco, ou seja, podemos deixar também alcançar esta plenitude, mas ela
nos está disponível em Cristo.

28
Passo a passo, andaremos, a partir de agora, nas páginas Sagradas a fim de
contemplar como Deus, na morte de seu Filho sobre a cruz, demonstrou sua sabedoria e seu
poder.

Sua morte prefigurada

Sombras, tipos e figuras da morte de Cristo estão presentes nos eventos e no culto
da Antiga Aliança. Antes de o verdadeiro Cordeiro ser morto, muitos outros cordeiros
derramaram seu sangue para dar aos penitentes a expiação de sua culpa. Embora tivesse
recebido gloriosos títulos, como, por exemplo, Rei, Senhor, filho de Davi, entre outros,
Jesus foi identificado como “O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29).
Depois de milênios oferecendo cordeiros a Deus, os homens nada mais fizeram do
que prefigurar o dia em que Deus ofereceria “Seu Cordeiro” aos homens. Sem a religião da
Antiga Aliança, o sacrifício de Cristo na cruz ficaria inexpressivo, e a Bíblia fala daqueles
que souberam crer em uma obra de expiação realizada com “sacrifício superior a estes” (Hb
9.23).
Pelas representações em eventos e sacrifícios, Deus pôde apresentar no mundo
físico aquilo que Ele haveria de realizar no mundo espiritual. Eventos como a Páscoa, o
sacrifício de Israel e as cerimônias como o Dia da Expiação foram maneiras simples e
eficazes de Deus demonstrar a eficácia da obra que haveria de realizar em Cristo (Cl 2.17).
Sua morte, dentre outras coisas, foi o fato mais prefigurado na Antiga Aliança; cada
caráter de sua obra foi representado ou como tipo ou como contraste.
O sacrifício de Isaque, por exemplo, foi uma representação. É um pai oferecendo o
seu filho único. Sem nos prendermos a detalhes, esta é a prefiguração de Deus oferecendo
seu Filho unigênito. Se de Abraão está escrito: “Sim, aquele que recebera as promessas
ofereceu o seu unigênito” (Hb 11.17), do Pai está escrito: “Amou o mundo de tal maneira
que deu o seu Filho unigênito” (Jo 3.16). Abraão amou a Deus de tal maneira que ofereceu
o seu filho. E Deus também amou a humanidade de tal maneira que ofereceu o seu Filho
unigênito, Jesus Cristo.
O Êxodo, a saída do povo de Israel do Egito, também foi uma prefiguração da
redenção de Cristo. O Egito é o mundo, faraó representa Satanás e a passagem pelo mar a
libertação da terra da escravidão. E, como foram eles libertos? Pelo sangue, sim, pelo
sangue de um cordeiro (Êx 12). Aquele que aplicaram o sangue em suas casas foram os que
escaparam da destruição e receberam a libertação de Deus. Não temos um Egito literal que
domina, mas temos o mundo mau e seu príncipe, por isso “Cristo, nossa Páscoa, foi
crucificado a nosso favor” (1Co 5,7b), e “se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos
livrar do presente século mau” (Gl 1.4).
Após isto, vemos Deus estabelecendo uma aliança com o seu povo, na qual o
sangue derramado estava freqüentemente presente. Quando o pecador colocava as mãos
sobre os animais oferecidos em sacrifício, na verdade, havia uma identificação do homem
com o animal que morria em sacrifício em seu favor. Hoje, a mão da fé nos identifica com
aquele que foi oferecido e nos conforma com sua morte, Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus.
Desde cerimônias simples, como uma oferta pela culpa, até outras mais completas,
como o dia da expiação (Yom Kippur), era a morte de animais e o derramamento do seu
sangue que garantiam o relacionamento entre Deus e o seu povo. Até que viesse o cordeiro
perfeito, aquela foi a maneira encontrada por Deus para mostrar ao seu povo a realidade de
seus propósitos.

29
Mesmo nos pequenos detalhes, a prefiguração era significativa. Ao escolher um
cordeiro, por exemplo, a mansidão com que este animal se deixa conduzir, mesmo à morte,
era uma demonstração daquele que “como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como a
ovelha muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca” (Is 53.7). A
exigência para que o animal sacrificado fosse perfeito e não apresentasse qualquer defeito
físico era uma amostra de como era a vida do Cordeiro de Deus: “imaculado e
incontaminado” (1Pe 1.18,19).
Como já dissemos, a mão sobre o sacrifício, como apresentado em Levítico, fala de
identificação. Poderíamos nos alongar nos detalhes, mas não faremos isto, pois eles fazem
parte de outro estudo. Todavia, já podemos reconhecer que as prefigurações referentes à
morte de Cristo são abundantes no Antigo Testamento.
No caso do grande dia do Yom Kippur, a simbologia tornar-se ainda mais
expressiva. As diversas prefigurações dos sacrifícios de Cristo, como apresentadas em
Levítico 1 a 7, têm caráter conservador, pois seu alvo é manter a comunhão, obtida pelo
perdão conquistado. O Yom Kippur, por sua vez, era a conquista deste perdão.

Sua morte predita e predeterminada

O ardente desejo dos judeus da época de Cristo por libertar-se do jugo romano,
aliado às passagens referentes ao reino glorioso do Messias, impediu a nação de Israel de
enxergar as profecias relacionadas à sua morte. Isaías 53 e o Salmo 22, principalmente,
predisseram com detalhes a morte do Messias. “E ele lhes disse: Ó néscios, e tardos de
coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura não convinha que o Cristo
padecesse estas coisas e entrasse na sua glória?” (Lc 24.25,26).
Os sofrimentos de Cristo, longe de serem um acidente histórico, uma fatalidade
política, eram o cumprimento de tudo aquilo que Deus havia planejado desde a eternidade
(At 2.23; 4.27,28). Por isso, Jesus é designado como o “Cordeiro que foi morto desde a
fundação do mundo” (Ap 13.8).

As conseqüências de sua morte

Incontáveis livros foram e ainda podem ser escritos sobre o valor da morte de
Cristo. Não foi, como vimos, uma fatalidade, ou como querem alguns, apenas um ato de
amor, pois não se pode achar nenhum valor concreto neste ato, a não ser que Ele gerasse
outros resultados além disso. Alguém que, quando vivo curava enfermos, expulsava
demônios e multiplicava os pães, demonstraria muito mais amor estando vivo do que
dentro de uma sepultura, depois de morrer com a estigma de um criminoso.
Dentre aquilo que é mostrado nas Escrituras, como fruto da cruz de Cristo, nós
podemos ter:

1. Perdão dos pecados - Que o homem é um pecador diante de Deus é fato evidente nas
Escrituras. Que só Deus pode perdoar o homem também é. Mas Deus perdoar com base
em sua soberania, seria uma afronta à sua justiça. Dizer que Deus poderia perdoar
bastando querer, pois Ele é Deus e faz o que quer, seria invalidar suas próprias leis e
também o seu próprio ser. Se o salário do pecado é a morte é porque Ele assim
determinou. Não castigar a iniqüidade seria ferir sua imagem, ser incoerente com suas
próprias determinações. Então, Ele não seria Deus.

30
O caminho utilizado por Deus foi a cruz. Cristo foi feito pecado em nosso lugar (2Co
5.21). Levou sobre si o pecado de todos nós (Is 53.5,6). Assim, o sacrifício de Cristo foi
substitutivo, de modo que Deus pode perdoar-nos e isentar-nos de culpa, uma vez que
outro a levou sobre si. Desta forma, Ele pôde ser “justo e justificador daquele que tem
fé em Jesus” (Rm 3.26).

2. Acesso a Deus - O pecado impede o homem de aproximar-se de Deus (Is 59.1,2). Ao


perdoá-lo na cruz, Deus permitiu ao homem aproximar-se dele. Talvez a forma mais
clara de demonstrar isso esteja relacionada ao templo de Jerusalém e ao seu culto. O
templo era dividido em Átrio, Lugar Santo e Lugar Santíssimo, ou Santo dos Santos.
Somente o sumo sacerdote poderia entrar no Santo dos Santos uma vez por ano. Ali, a
glória de Deus se manifestava.
Por ocasião da morte de Cristo, o véu que separava o Lugar Santo do Santíssimo se
rasgou de alto a baixo (Mt 27.51). Para o escritor da carta aos Hebreus, o sangue de
Cristo abriu acesso a todos os crentes para o santuário (Hb 10.19-22). Jesus tornou-se o
único mediador entre Deus e os homens (1Tm 2.5) e, portanto, pelo Espírito Santo,
temos livre acesso à presença de Deus (Ef 2.18)

Destruição do poder do pecado

Principalmente nas epístolas paulinas, o pecado não é apenas o ato em si, mas o
poder por trás deste ato. O homem não comete pecados apenas, ele tem “o pecado”
habitando nele (Rm 7.17). A vitória conquistada na cruz seria incompleta, caso não visasse
também este ângulo na atual situação do homem. O cristianismo tem seus preceitos éticos,
que seriam inúteis, caso não fosse possibilitado ao homem vencer suas más inclinações. Por
isso, Cristo tornou-se pecado (2Co 5.21). Por isso, Cristo assumiu a semelhança da carne
do pecado e condenou o pecado em sua natureza humana, morrendo na cruz (Rm 8.3). Ali,
morreu o pecado.

Vitória sobre os poderes malignos

Uma vez vencido o pecado, Satanás perdeu todo o seu direito sobre este mundo. Os
demônios têm sua base legal estabelecida sobre a desobediência humana diante das leis de
Deus. Uma vez que Cristo venceu em si o pecado, Ele decretou a derrota dos principados e
potestades, tirando todas as suas bases legais na cruz (Cl 2.15).

União da comunidade judaica crente com a comunidade gentia incrédula

Até Cristo, o povo de Israel se constituía na comunidade dos salvos. Embora outros
pudessem entrar nesta comunidade e desfrutar dos mesmos benefícios, era necessário estar
incluído de alguma forma dentro desta comunidade. Os gentios ou não-judeus, como povo,
estavam excluídos desta comunidade e, portanto, de todas as bênçãos prometidas a eles.
Quando morreu na cruz, Jesus desfez a parede de separação que havia no meio, e
reuniu em um só corpo os que eram salvos de ambos os grupos. Os salvos entre os judeus e
os salvos entre os gentios desfrutavam agora da mesma posição diante de Deus, sem que se
fizesse necessário uma transferência de comunidade em qualquer grau. (Ef 2.11-22; 3.1-6)

31
A ressurreição de Cristo

A importância da ressurreição

A crença judaica se distinguia dos povos ao seu redor pela fé na ressurreição física.
Diferente dos gregos, por exemplo, os judeus criam que o ser humano era completo apenas
por possuir corpo e alma. A filosofia grega dava ao corpo o mero valor de invólucro, de
casca, que o quanto antes fosse descartada, melhor. Enquanto o grego queria se despir do
corpo, a esperança judaica era que este corpo fosse reunido com a alma algum dia no futuro
e revestido de imortalidade. “Porque também nós, os que estamos neste tabernáculo,
gememos carregados; não porque queremos ser despidos (isto é, livres do corpo, como os
gregos), mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida” (2Cor 5.4).
Inúmeras passagens nas Escrituras hebraicas faziam referência à ressurreição dos
mortos. Assim, com o passar dos anos, a doutrina se desenvolveu, até tornar-se um assunto
central na fé judaica e de discussão teológica nos tempos de Jesus e dos apóstolos (Mt
22.23-33; At 23.5-9). Quando hoje dizemos a alguém que Jesus ressuscitou, o impacto é
bem menor do que aquele sentido pelos judeus no início da Igreja. A ressurreição era a
esperança de todo aquele povo e dizer que Jesus havia ressuscitado dentre os mortos não só
confirmava sua esperança milenar como também confirmava que Jesus era o Messias. Por
isso, os líderes religiosos em Jerusalém reagiram quando viu Jesus de Nazaré como a prova
definitiva da ressurreição dos mortos (At 4.2).

O fato histórico da ressurreição

O segundo ponto com respeito à ressurreição de Cristo é que ela é um fato histórico.
Isto é, em determinado lugar e em determinado tempo isto aconteceu. Não foi um produto
de ficção como as narrações do Bagava Gita ou de outro livro religioso hindu, nem de uma
mera percepção equivocada dos discípulos, mas algo que efetivamente ocorreu. “Mas de
fato, Cristo ressurgiu dentre os mortos, e foi feito primícia dos que dormem” (1Co 15.20).

Testemunhas da ressurreição

Este acontecimento tão crucial à validade do cristianismo foi presenciado por


diversas pessoas. Certos conceitos tidos como verdadeiros não podem advogar esta
validade. A reencarnação, por exemplo, embora crida por milhões de pessoas, não tem
como apresentar provas testemunhais. Jamais alguém na história se apresentou ou foi
registrado como testemunha ocular de uma reencarnação. O mesmo se dá com o ensino
sobre o anulamento ou inconsciência da alma na morte. Não existem testemunhas para estes
posicionamentos. São, no máximo, hipóteses, e não elementos factuais.
Mas o levantamento de Jesus dentre os mortos aconteceu e foi visto por diversas
pessoas. O apóstolo Paulo, em 1Coríntios 15.1-8, alista diversas pessoas que viram a Jesus
ressuscitado. A narrativa dos evangelhos também apresentam estas e outras testemunhas.
Foi algo que aconteceu e foi visto, o que concede à ressurreição de Cristo uma validação
universal, uma sanção desfrutada por poucos eventos deste tipo.

Provas escritas da ressurreição

32
Alguém talvez conteste que seja possível provar a ressurreição de Cristo. Mas
verdadeiramente é possível provar sua ressurreição pelo mesmo modo que é possível provar
qualquer fato histórico. Ninguém jamais lançaria dúvida de que Pedro Álvarez Cabral
descobriu o Brasil. É um fato crido. Por quê? Dos que hoje crêem, com certeza ninguém o
viu chegando. Mas houve testemunhas oculares do fato, que registraram em documentos.
Isto é suficiente.
Os livros do Novo Testamento não são escritos especulativos. São, em grande parte,
constituídos pela narrativa de acontecimentos. São provas documentais derivadas de provas
testemunhais. Existem cerca de 24.000 manuscritos referentes aos livros canônicos do
cristianismo. Isto retira qualquer dúvida de sua autenticidade. A afirmação de Pedro é uma
entre muitas que atestam fidelidade e historicidade dos relatos relacionados à ressurreição
de Jesus: “Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo,
seguindo fábulas artificialmente compostas; mas nós mesmos vimos a sua majestade” (2 Pe
1.16). Veja também Lucas 1.1-14 e 1 João 1.1,2.

O significado da ressurreição

Mas por que este fato é tão importante? Qual o significado disto tudo? De toda a
profundidade teológica que o fato envolve, podemos destacar algumas:

Foi uma vitória definitiva sobre a morte - Diferente da ressurreição de Lázaro, do filho da
viúva de Naim ou da filha de Jairo, a ressurreição de Cristo representou uma vitória
definitiva sobre a morte, e não uma vitória temporária como a daqueles (Rm 6.9). Cristo,
como primícia dos que dormem (1Co 15.20), foi o primeiro caso em que a matéria
corrompida pelo pecado foi eternamente remida, em que o mortal foi revestido de
imortalidade (1Co 15.53).

O efeito espiritual da ressurreição - O crente, ao receber a salvação preparada por Deus,


passa a viver “em Cristo” (2Co 5.17), isto é, unido com Ele em sua morte e ressurreição.
Embora a vida física daquele que crê permaneça a mesma, seu homem interior passa por
um processo de “ressurreição”, que faz que ele tenha um antegozo daquilo que lhe está
preparado no futuro. Assim, podemos dizer que fomos “ressuscitados com Ele” (Ef 2.4,5).

A certeza de que também iremos ressuscitar - O que fora apenas uma promessa profética do
Antigo Testamento (Is 26.19) tornou-se fato concreto no Novo. Jesus é a prova de que a
ressurreição é real. Ele ressuscitou, venceu a morte. Este fato deu a certeza de que o mesmo
sucederá a todos os que Nele crêem (Jo 11.25). Assim como Ele morreu e ressuscitou, os
que Nele dormem tornarão a ressuscitar com Ele (1Ts 4.14,15).

A ascensão de Cristo

O fato de Cristo ter subido aos céus e ter-se assentado à direita de Deus Pai não foi
apenas um deslocamento geográfico. A riqueza e os efeitos destes acontecimentos são de
alcance ilimitado e, junto com sua morte e ressurreição, constitui a coluna vertebral de sua
obra.

33
Este fato foi testemunhado e registrado tal qual os demais acontecimentos de sua
vida. Ele não apenas subiu, mas retornou ao seu estado anterior junto ao Pai, agora como
homem glorificado. Sua glorificação tem profundo significado em sua obra.

Obra de Intercessão - Jó lamentou que no seu caso ele não possuía um intercessor, um
mediador que servisse de árbitro entre ele e Deus. Esse mediador tornou-se patente na
pessoa de Cristo (1Tm 2.5). Ele agora atua como sumo sacerdote intercessor entre Deus e o
seu povo com um ministério efetivo e contínuo.

Soberania – Sua posição, acima de todo principado e potestade (Ef 1.21), é uma posição de
soberania, de domínio sobre todas as coisas. Ele foi colocado ao lado do trono do Pai e dele
emana todo o controlo do universo (Hb 1.3).

Preparação – Sua ida aos céus, ou seja, à casa do Pai, também teve um aspecto
preparatório (Jo 14.1-3). Ele foi antecipadamente ao local de nossa eterna morada. Na
eternidade, todos os que vencerem como seus seguidores participarão dos privilégios por
Ele conquistados.

34
Capítulo 6
O Tomo de Leão

Considerando o nosso breve estudo sobre cristologia — humanidade, divindade e


obra redentora de Cristo — julgamos por bem concluí-lo apresentando um resumo destes
pontos registrados em um documento escrito pelo Bispo de Leão (440-461), de 13 de junho
de 449.
Vejamos:
I. Resposta ao desvario de Eutiques e sua incompreensão das Escrituras:
II. Eutiques, ignorando o que devia saber acerca da encarnação do Verbo, não teve
vontade de buscar a luz da inteligência no estudo diligente das Escrituras. Devia ter
admitido, ao menos, com respeitosa solicitude, a fé comum e universal dos fiéis de todo o
mundo que confessam crer EM DEUS PAI TODO-PODEROSO E EM JESUS CRISTO
SEU ÚNICO FILHO, NOSSO SENHOR, QUE NASCEU DO ESPÍRITO SANTO E DA
VIRGEM MARIA. Esses três artigos derrotam as pretensões de qualquer herege. Cremos
que Deus é Pai onipotente, ao mesmo tempo Pai e onipotente. Segue-se que vemos o Filho
co-eterno ao Pai, em nada diferente do Pai, porque nasceu Deus de Deus, Onipotente de
Onipotente, co-eterno de co-eterno, não lhe sendo posterior no tempo, nem inferior no
poder, nem diferente na glória, nem separado dele na essência. Este mesmo unigênito, Filho
eterno do Pai eterno, nasceu do Espírito Santo e da Virgem Maria. Seu nascimento no
tempo, entretanto, nada tirou e nada acrescentou a seu nascimento eterno divino, mas se
integrou inteiramente para a restauração do homem desviado, a fim de poder vencer a
morte e por própria virtude aniquilar o diabo, detentor do poder da morte. Nós nunca
poderíamos derrotar o autor da morte e do pecado, se o Filho não tivesse tomado nossa
natureza, fazendo-a sua, o Verbo que nem morte, nem pecado podem deter, visto que Ele
foi concebido pelo Espírito Santo no ventre da Virgem Maria, cuja virgindade permaneceu
intacta tanto em seu nascimento como em sua concepção... (1) Este nascimento, unicamente
maravilhoso e maravilhosamente único, não deve ser entendido como se impedisse as
propriedades distintivas da espécie [isto é, da humanidade] através de novo modo de
criação. Pois é verdade que o Espírito Santo deu fertilidade à Virgem, embora a realidade
do seu corpo fosse recebida do corpo dela...
III. Assim, intactas e reunidas em uma pessoa, as propriedades de ambas as
naturezas, a majestade assumiu a humildade, a força assumiu a fraqueza, a eternidade
assumiu a mortalidade e, para pagar a dívida da nossa condição, a natureza inviolável uniu-
se à natureza que pode sofrer. Desta maneira, o único idêntico Mediador entre Deus e os
homens, o homem Jesus Cristo, pôde, como convinha à nossa cura, por um lado, morrer e,
por outro, não morrer. O verdadeiro Deus nasceu, pois, em natureza cabal e perfeita de
homem verdadeiro, completo nas suas propriedades e completo nas nossas [totus in suis
totus in nostris]. Por “nossas”, entenda-se aquelas que o Criador no princípio formou em
nós e que assumiu a fim de as restaurar; pois as propriedades que para dentro de nós trouxe
o Sedutor ou que, seduzidos, adquirimos por própria conta, não existiram absolutamente no
Salvador. O fato de entrar em comunhão com nossas fraquezas não o fez participar das
nossas culpas; tomou a forma de servo e não a mácula do pecado, enobrecendo as
qualidades humanas sem diminuir as divinas. Assim, “esvaziando-se a si mesmo”, o

35
invisível se tornou visível, o Criador e Senhor de todas as coisas se fez mortal, não por
alguma deficiência de poder, mas por condescendência de piedade. Quem, sem perder a
forma divina, pôde criar o homem, também pôde fazer-se homem em forma de servo. Cada
natureza guarda suas próprias características sem qualquer diminuição de tal maneira que a
forma de servo não reduz a forma de Deus.
O diabo alardeava que, seduzido pela sua astúcia, o homem estava privado dos dons
divinos, despojado do dom da imortalidade, implacavelmente condenado à morte, tendo
encontrado, neste companheiro de pecado, certa consolação de sua morte. Jactava-se
também de que, por causa da justiça que exigia, Deus teve de mudar seu plano com respeito
ao homem, criado com tanta distinção, pois precisou de nova dispensação para levar a cabo
seus ocultos desígnios; de que o Deus imutável, cuja vontade não pode ser privada de sua
própria misericórdia, só pôde realizar o plano original de seu amor por nós mediante outro
plano mais misterioso, para que este homem, conduzido ao pecado pela fraude maliciosa de
Satã, não perecesse contrariando os propósitos de Deus.
IV. Neste mundo fraco entrou o Filho de Deus. Desceu do seu trono celestial, sem
deixar a glória do Pai, e nasceu segundo uma nova ordem, mediante um novo modo de
nascimento. Segundo uma nova ordem, visto que invisível em sua própria natureza, se fez
visível na nossa e, Ele que é in compreensível (2), se tornou compreendido; sendo anterior
aos tempos, começou a existir no tempo; Senhor do universo, revestiu-se da forma de
servo, ocultando a imensidade de sua Excelência; Deus impassível, não se horrorizou de vir
a ser carne passível; imortal, não se recusou às leis da morte. Segundo um novo modo de
nascimento, visto que a virgindade, desconhecendo qualquer concupiscência, concedeu-lhe
a matéria de sua carne. O Senhor tomou, da mãe, a natureza, não a culpa (3). Jesus Cristo
nasceu do ventre de uma virgem, mediante um nascimento maravilhoso, O fato de o corpo
do Senhor nascer portentosamente não impediu a perfeita identidade de sua carne com a
nossa, pois Ele que é verdadeiro Deus também é verdadeiro homem. Nesta união não há
mentira nem engano. Correspondem-se numa unidade mútua [sunt invicem] a humildade do
homem e a excelsitude de Deus. Por ser misericordioso, Deus [divindade] não se altera; por
ser dignificado, o homem [humanidade] não é absorvido. Cada natureza [a de Deus e a de
servo] realiza suas próprias funções em comunhão com a outra. O Verbo faz o que é
próprio ao Verbo; a carne faz o que é próprio à carne; um fulgura com milagres; o outro
submete-se às injúrias. Assim como o Verbo não deixa de morar na glória do Pai, assim a
carne não deixa de pertencer ao gênero humano... Portanto não cabe a ambas as naturezas
dizerem: “O Pai é maior do que eu” ou “Eu e o Pai somos um” (4). Pois, ainda que em
Cristo nosso Senhor haja só uma pessoa. Deus homem, o princípio que comunica a ambas
as naturezas as ofensas é distinto do princípio que lhes toma comum a glória...
Notas:
1. Encontramos aqui indício da formação da doutrina Mariana. Realmente na concepção a
virgindade de Maria permaneceu intacta; pois José não teve relações com Maria durante a
gestação. Mas no nascimento houve naturalmente a ruptura vaginal (ou será que houve um
nascimento através da um parto cesariano?). Isto em nada diminui ou atribui mácula, e
durante o nascimento durante o nascimento deve ter havido algum sangramento, pois Maria
buscou a purificação comum às judias após o parto.
2. Não circunscrito especialmente.

36
3. Contrastando com a tendência Mariana, essa frase dá-nos excelente reflexão. Onde
estavam as doutrinas que ensinam que Maria era imaculada desde seu nascimento? Se fosse
necessário que Maria nascesse imaculada para ser mãe do prometido Messias, não deveria a
mãe de Maria também nascer sem pecado para gerar sem pecado? Nessa corrente
chegaríamos à mãe Eva — certamente a doutrina Mariana não tem lógica. Aqui, nesta
frase, temos a confissão de que Maria tinha culpa, embora não a tivesse transmitido a Cristo
Jesus.
4. João 10.30; 14.28 — Contrastando com o quarto anátema de Cirilo.

37
Questionário

1. O que significa o nome Jesus e o termo Cristo?


2. Como podemos interpretar as expressões “Filho de Deus” e “Filho do Homem”?
3. Conforme os nossos estudos, como podemos provar a divindade de Cristo em
relação ao tempo?
4. Explique resumidamente o que a Bíblia revela ao declarar que todas as coisas foram
feitas por Ele, criadas para Ele e criadas Nele, e que subsistem por Ele?
5. Descreva três passagens paralelas que se refiram ao Pai no Antigo Testamento e ao
Filho no Novo Testamento.
6. Comente sucintamente acerca da onipotência de Jesus.
7. Mencione passagens que comprovem as limitações físicas de Jesus.
8. Qual a importância do nascimento virginal de Cristo?
9. Destaque e responda uma controvérsia cristológica.
10. Como a morte de Cristo foi prefigurada no Antigo Testamento.
11. Quais foram as conseqüências da morte de Cristo?
12. Que significado tem a ressurreição de Cristo?
13. Que significado tem a ascensão de Cristo?
14. O que você diria a respeito da pessoa de Jesus Cristo?

38
Referências bibliográficas

GRUDEM, Wayne.Teologia sistemática. São Paulo: Edições Vida Nova, 1ª ed., 1999.
PEARLMAN, Myer. Conhecendo as doutrina da Bíblia. Editora Vida, 1970.
OLIVEIRA, Raimundo de. As grandes doutrinas da Bíblia. Casa Publicadora das
Assembléias de Deus, 1ª ed., 1987.
ICP. Bíblia Apologética. Editora ICP, 2000.
LANGSTON, A.B. Esboço de teologia sistemática. Editora Juerp, 6ª ed., 1977.
STRONG, August Hopkins.Teologia sistemática. Editora Hagnos, 1ª ed., 2003.
SEVERA, Zacarias de Aguiar. Manual de teologia sistemática. Editora A. D. Santos, 1ª
ed., 1999.
GEISLER, Norman. Enciclopédia de apologética. Editora Vida, 2002.
STEWART, Don. 103 perguntas que as pessoas fazem sobre Deus. Editora Juerp, 1988.
HALLEY, Henry Hampton. Manual bíblico de Halley. Editora Vida, Edição Revista e
Ampliada, 2001.
ERICKSON, J Millard. Conciso dicionário de teologia cristã. Editora Juerp, 1991.
HORTON, Stanley M. Teologia sistemática. Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2ª
ed., 1997.
MCDOWELL, Josh. Evidências que exigem um veredicto. Editora Candeia, 1972.
MILNE, Bruce. Know the Truth. Inter – Varsity Press, 1982.
DOYON, Jacques. Cristologia para o nosso tempo. Edições Paulinas, 1970.
HASSLUND, Bengt. História da Teologia. Concórdia, 1981.
BORCHERT, Otto. Jesus histórico,Vida Nova, 1985.

39

Você também pode gostar