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Joseine Busanello¹, Wilson Danilo Lunardi Filho², Nalú Pereira da Costa Kerber³, Silvana Sidney Costa Santos²,
Valéria Lerch Lunardi², Flávia Conceição Pohlmann4
RESUMO: Revisão integrativa que objetivou identiicar características metodológicas empregadas nas publicações
cientíicas da Enfermagem que utilizaram o Grupo Focal como técnica de coleta de dados. O levantamento bibliográico
foi realizado em novembro de 2010, nas bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde, utilizando os descritores Grupos
focais e Enfermagem. Foram selecionados 55 artigos, com os principais resultados: publicações a partir 2002; temáticas
tangenciaram, principalmente, o Ensino e Pesquisa da Enfermagem; número de encontros focais variou de um a 20; média
de participantes foi 10; mais de 32% dos estudos utilizaram análise temática. Este estudo poderá apoiar a construção de
estudos que utilizem essa técnica de coleta de dados, considerando que o grupo focal favorece a percepção de práticas,
ações e reações a eventos, comportamentos e atitudes que inluenciam na saúde ou doença.
DESCRITORES: Enfermagem; Pesquisa qualitativa; Pesquisa em enfermagem; Grupos focais.
¹Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Pampa.
²Enfermeiro. Doutor em Enfermagem. Professor da Escola de Enfermagem da FURG. Pesquisador do CNPq.
³Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora da Escola de Enfermagem da FURG.
4
Acadêmica de Enfermagem da FURG. Bolsista PIBIC-CNPq.
Para síntese dos dados, foram utilizados dois mé- focais. Conforme os estudos que informaram este
todos: a distribuição de frequência e a análise descri- dado, é possível destacar que mais de 16% dos estudos
tiva, a partir do software SPSS - Statistical Package tiveram 9 participantes; o mínimo de participantes foi
for the Social Sciences. Também foi usada a análise quatro e o máximo foi 20; e a média de participantes
qualitativa(8), desenvolvida por meio da leitura analí- foi, aproximadamente, 10.
tica, seguindo as etapas de análise textual, realizada De acordo com tabela 4, observa-se que mais
a partir da leitura cuidadosa, obtendo-se uma visão de 60% dos estudos analisados utilizaram a técnica
mais abrangente dos dados; análise temática, buscando de análise de conteúdo para análise dos dados. Ou-
esclarecimentos a respeito do tema abordado; e análise tras técnicas adotadas, em menor frequência foram
interpretativa, na qual se desenrolou a problematização análise do discurso, discurso do sujeito coletivo e
dos achados. Ground Theory.
A partir da presente revisão, evidencia-se que o
RESULTADOS número de encontros, realizados nos estudos da Enfer-
magem que utilizaram o grupo focal, variam de um a
Inicialmente, foram encontrados 126 estudos no 20, e mais de 40% dos estudos analisados não dispo-
levantamento bibliográico inicial. Considerando os nibilizavam essa informação. Nos artigos que descre-
critérios de seleção adotados, foram desconsiderados: veram essa característica metodológica, identiicou-se
56 estudos que não disponibilizavam texto completo; que a maioria realizou apenas um encontro, enquanto
dois estudos que não utilizavam o grupo focal como que a média de encontros focais foi de três a quatro.
técnica de coleta de dados; um estudo do tipo revisão Em relação ao tempo de duração dos encontros
integrativa; sete dissertações; e cinco teses. dos focais, observa-se que mais de 60% dos estudos
Os periódicos cientíicos em que foram publicados analisados não disponibilizaram essa informação.
os artigos, em sua maioria, são da Enfermagem, com Dentre os artigos que descreveram esse aspecto,
destaque para a Revista da Escola de Enfermagem da evidencia-se que a maioria teve a duração de uma
Universidade de São Paulo e a Revista Acta Paulista de hora e trinta minutos; a média de tempo icou entre
Enfermagem. Outros periódicos, também especíicos uma hora e trinta minutos e duas horas; o mínimo
da área, apresentaram a publicação de estudos que de duração das sessões focais foi de uma hora, e o
utilizaram essa técnica de coleta de dados: Revista máximo, de três horas.
Texto e Contexto - Enfermagem, Revista Brasileira Das 55 publicações cientíicas analisadas, apenas
de Enfermagem e Cogitare Enfermagem. quatro estudos apresentaram as implicações da uti-
Assim, a presente revisão é composta por 55 artigos lização do grupo focal. Dentre os aspectos positivos
cientíicos. De acordo com a tabela 1, observa-se que a acerca dessa técnica de coleta de dados, estas pes-
produção cientíica analisada concentra-se no período quisas destacaram a possibilidade de interação entre
compreendido entre os anos de 2002 a 2010. O ano de o âmbito acadêmico e o campo assistencial, o que
2008 apresentou o maior número de publicação. favorece a criação de espaços para o fortalecimento
Os estudos da Enfermagem que utilizaram o grupo da Enfermagem.
focal abordaram, em sua maioria, temáticas associadas Ao investigar as recomendações propostas pelos
ao Ensino e Pesquisa da Enfermagem, como pode ser estudos, acerca do processo metodológico que envol-
observado na tabela 2. Outras temáticas que apresenta- ve o grupo focal, evidenciou-se a escassez de dados
ram um número signiicativo de estudos foram a Saúde desta natureza. Contudo, foram identiicadas contri-
Coletiva e o Processo de Trabalho da Enfermagem. buições importantes dessa técnica de coleta de dados
Conforme a tabela 3, evidencia-se que mais de para as pesquisas analisadas: aproximação entre os
40% dos estudos utilizaram somente o grupo focal participantes (participantes e pesquisadores); troca
como técnica de coleta de dados. No entanto, 15% de saberes acerca do fenômeno em estudo; e esta-
dos estudos analisados, além de utilizar essa técnica, belecimento de um espaço para relexão e discussão
associaram outras técnicas de coleta de dados, tais entre os envolvidos. Essas perspectivas coniguram
como entrevista, observação; e análise documental; e o grupo focal como uma técnica de coleta de dados
entrevista e observação. diferenciada, pois favorecem a interação grupal para
Em torno de 18% dos estudos analisados não a busca de dados que seriam menos acessíveis fora
informaram o número de participantes dos encontros do contexto coletivo.
de uma hora e trinta minutos a duas horas, tempo pois os periódicos determinam o número de páginas
sugerido por referenciais metodológicos(5,10). Além para a estruturação dos artigos cientíicos, reduzindo
do tempo dedicado às discussões do grupo, é preciso as informações metodológicas das pesquisas.
considerar a necessidade de um período de organi- De um modo geral, o desenvolvimento da parte
zação inicial da sessão, que inclui a interação entre inal de uma pesquisa ou publicação cientíica tem um
os participantes, e um espaço para o encerramento tempo reduzido, em relação às demais etapas de um
do encontro. Em encontros focais que ultrapassam estudo. No fechamento de um manuscrito, o pesqui-
duas horas pode ocorrer fadiga entre os participantes sador precisa articular os resultados mais relevantes e
ou intelectualizações excessivas acerca do tema, em signiicativos, procurando demonstrar a aplicabilidade,
virtude do desgaste ou esvaziamento da mobilização praticidade e possibilidade de ampliação do conhe-
do grupo(10). cimento produzido. Além disso, o capítulo inal do
A dimensão de participantes do grupo deve variar estudo, por vezes, pode ser utilizado como um espaço
de acordo com os objetivos e inalidades estabelecidas. para a auto avaliação do investigador, apontando ca-
Um grupo maior, de até 15 participantes, pode ser minhos metodológicos que podem ter fragilizado ou
indicado nos estudos que buscam gerar o máximo de prejudicado o andamento da pesquisa(11).
discussões e ideias possíveis em torno de uma temá- A partir da revisão, também foram identiicadas as
tica(10). Tradicionalmente, o grupo focal é composto, contribuições do grupo focal. De acordo com um estudo
em média, por 10 participantes, e a seleção destes deve que abordou a compreensão dos efeitos da função renal
preservar a homogeneidade entre os mesmos(1,10). e sua relação com a hipertensão, essa técnica de coleta
Essa perspectiva, relacionada à dimensão do grupo, de dados possibilitou a interação, permitindo uma troca
foi evidenciada na maioria dos estudos analisados. Con- recíproca de saberes acerca do fenômeno em estudo.
tudo, dimensões menores, entre 5 e 7 participantes, são Ademais, essa técnica de coleta de dado favoreceu a
utilizados em estudos com a inalidade de maximizar a manifestação dos participantes que revelaram o contexto
profundidade de expressões de cada participante(10). e a realidade de vida(12). Essa interação de igual forma
Além dos participantes, o grupo focal é composto foi evidenciada por uma investigação que utilizou o
por um moderador que, em geral, é o pesquisador e tem grupo focal para descrever a percepção de enfermeiras
como missão promover a interação dos participantes, acerca dos elementos do seu processo de trabalho em
fomentando as discussões e expressões. Observadores Central de Material e Esterilização. Neste estudo a
também podem ser incluídos, com a função de avaliar técnica permitiu uma discussão produtiva pautada na
a condução técnica dos encontros, organizando o troca de experiências, opiniões, exposição de ideias e
ambiente, fazendo o registro dos depoimentos e ob- relexões(13).
servando a dinâmica do grupo(4). O observador, em Um estudo realizado em um hospital de grande
geral, deve estar envolvido com o tema em questão, po- porte da Região Sul do Rio Grande do Sul, que teve
dendo atuar a partir da observação participante ou não como objetivo promover a relexão de enfermeiras sobre
participante, de acordo com o caminho metodológico seu processo de trabalho, destacou que a utilização do
adotado pelo pesquisador responsável pelo estudo(10). grupo focal proporcionou às enfermeiras, juntamente
Alguns dados importantes não foram identiicados com as pesquisadoras, momentos de relexão, os quais
nos estudos analisados, tais como a avaliação dos auto- futuramente poderão contribuir para transformações
res acerca da utilização do grupo focal, e as possíveis concretas nessa instituição hospitalar. Essa técnica
recomendações metodológicas acerca dessa técnica permitiu o estabelecimento de um espaço de discussão
de coleta de dados. De um modo geral, é relevante a e relexão no qual as participantes foram incentivadas a
apresentação dessas informações nas etapas inais dos assumir, conscientemente, sua posição de atores sociais,
estudos, especiicamente, na elaboração das conside- bem como de seres políticos, críticos, relexivos, capazes
rações inais e conclusões. de utilizar de forma coerente a ação e o discurso, a im
Em sua maioria, os artigos não apresentam parecer de transformar a realidade em que estão inseridas(14).
acerca da metodologia utilizada, omitindo um dado O grupo focal favorece a oportunidade de autoco-
importante em relação ao processo metodológico nhecimento, de autoairmação, de revisão conceitual
adotado. Possivelmente, se a revisão integrativa fosse e de relexão crítica, acerca das atividades cotidianas.
conduzida nos documentos originais das pesquisas ana- Essa perspectiva reforça uma das vantagens dessa
lisadas, essas informações poderiam ser observadas, técnica de coleta de dados que é a de conduzir os par-
ticipantes ao pensamento crítico. Assim, essa técnica com o objetivo de mapear o conhecimento produzido,
favorece a percepção dos signiicados que expressam o acerca de um determinado tema. No entanto, enfatiza-
ponto de vista de quem foi pesquisado, singularidades, -se que esse método também pode ser utilizado como
experiência, vivências e sentimentos(15). um meio de visualizar os desenhos metodológicos e
As publicações cientíicas analisadas não aponta- as especiicidades de determinadas técnicas. Um dos
ram fragilidades ou aspectos negativos acerca do uso aspectos negativos do estudo foi o fato de que nem
do grupo focal. No entanto, cabe ressaltar que nem todas as publicações cientíicas estão disponíveis em
sempre essa técnica é adequada para todos os estudos. texto completo nas bases de dados e, para garantir o
De um modo geral, pode ser mais bem explorada como acesso na totalidade, o custo de uma revisão integrativa
técnica de coleta de dados em pesquisas qualitativas, pode se tornar elevado.
pois permite em pouco tempo e baixo custo, investigar Neste sentido, entende-se que a presente revisão
questões complexas e produzir conhecimento(16). To- pode ter aplicabilidade e praticidade, em especial, no
davia, a escolha do desenho metodológico precisa cor- que se refere à inalidade a que foi idealizada. Ade-
responder ao tema e ao objeto de estudo. Por exemplo, mais, os dados apresentados poderão servir de apoio
temas que envolvem a intimidade do paciente e de sua para a construção de outros estudos que pretendem
família, enfocados em um grupo, podem constranger utilizar essa técnica de coleta de dados. Nas pesqui-
os participantes, prejudicando as discussões(1). sas na área da Enfermagem, o grupo focal favorece
O grupo focal, assim como as demais técnicas a percepção de práticas cotidianas, ações e reações a
de coleta de dados, requer um desenho metodológico fatos e eventos, comportamentos e atitudes que, direta
bem deinido, pois a organização e o planejamento da ou indiretamente, inluenciam na saúde e na doença.
pesquisa tem impacto direto no resultado dos dados Essas perspectivas podem aproximar os enfermeiros do
coletados(17). Assim, ao deinir o método da pesquisa principal objeto de estudo da Enfermagem: o cuidado
é importante considerar a adequação entre o tipo de ao ser humano em situações de saúde e de doença.
abordagem e a técnica de coleta de dados, ao objeto e
ao contexto em estudo, garantindo a signiicância do REFERÊNCIAS
conhecimento produzido.
1. Lervolino SA, Pelicioni MCF. A utilização do grupo
CONSIDERAÇÕES focal como metodologia qualitativa na promoção da
saúde. Rev Esc Enferm USP. 2001;35(20):115-21.
A partir do presente estudo, foi possível identiicar
2. Bruggemann OM, Parpinelli MA. Utilizando as
algumas características metodológicas das publicações
abordagens quantitativa e qualitativa na produção do
cientíicas da Enfermagem que utilizaram o grupo focal conhecimento. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(3):563-8.
como técnica de coleta de dados. Todavia, destaca-se
que o desenho metodológico dos estudos não foi anali- 3. Leopardi MT, Beck CLC, Nietsche EA, Gonzales
sado completamente, pois o tipo de estudo, o periódico, RMB. Metodologia da pesquisa na saúde. Santa Maria:
as informações acerca dos autores, e outros aspectos, Pallotti; 2001.
não foram explorados, constituindo uma limitação
desta revisão integrativa. 4. Gomes V LO, Telles KS, Roballo EC. G r upo
Nas pesquisas cientíicas, a escolha da técnica de focal e discurso do sujeito coletivo: produção de
coleta de dados, parte do objetivo proposto e da possi- conhecimento em saúde de adolescentes. Esc. Anna
Nery. 2009;13(4):856-62.
bilidade de investigação do fenômeno. Porém, mesmo
utilizando um referencial metodológico, as técnicas 5. Kitzinger J. Grupos focais com usuários e proissionais
podem ser adaptadas ao ambiente, aos participantes da atenção à saúde. In: Pope C, Mays N. Pesquisa
e ao contexto em estudo. A variação do número e o qualitativa na atenção à saúde. Porto Alegre: Artmed;
tempo de duração dos encontros e de participantes, 2009. p. 33-43.
evidenciada entre os estudos analisados, pode repre-
sentar essa necessidade de adaptação. 6. Whittemore R, Knaf l K. The integrative review:
Em relação ao método de revisão integrativa uti- updated methodology. J Adv Nurs. 2005;52(5):546-53.
lizada no presente estudo, salienta-se que o mesmo,
de um modo geral, vem sendo amplamente utilizado 7. Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão
17. Mazza VA, Melo NSFO, Chiesa AM. O grupo focal como
técnica de coleta de dados na pesquisa qualitativa: relato
de experiência. Cogitare enferm. 2009;14(1):183-8.