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DIREITO AUTORAL.
Rio de Janeiro
2020
1
Advogado graduado pela UFF. Advogado especializado em Propriedade Intelectual pela PUC RIO. Pesquisador do
Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial da UFPR.
2
Advogado graduado na UFRJ. Pós-graduado em Direito Público pela UVA. Pós-graduado em Direito da
Propriedade Intelectual e MBA em Planejamento Tributário Estratégico, ambas, pela PUC-RJ. Especializado em
Direito para Startups pela FGV/RJ Auditor Interno no BNDES.
1
1. INTRODUÇÃO
A segunda categoria apontou produções feitas pelo homem, que seguiam uma espécie de
padrão lógico pré-determinado, como se evidenciam as obras do Minimalismo. A exposição
demonstrou que a lógica de máquinas acabou por alterar o senso estético humano, haja vista a
diferença entre as criações da primeira categoria e da segunda.
A terceira categoria deixou de expor obras criadas diretamente por mãos humanas e
trouxe as geradas por IA. Esta classe preserva a estética humana, pois todos os dados e
parâmetros conferidos aos softwares foram introduzidos pelo homem, através de percepções e
memórias dele próprio. Dessa forma, note-se, não houve espaço para as máquinas criarem algo
com sua própria estética. Apenas percepções humanas estavam insertas no banco de dados.
A quarta categoria não apresentou obras, mas algumas pinturas feitas por chimpanzés.
Isso se deu pelo fato das tecnologias de IA ainda não terem produzido arte com intenção e
estética própria. No entanto, será que um dia terão essa capacidade 4? A provocação desta
categoria se deu com os chimpanzés, já que eles são capazes de produzir “arte” pelo simples
prazer da produção, o que não ocorre com os programas de computador. Estes, estimulados pelo
3
Disponível em http://nautil.us/issue/57/communities/waiting-for-the-robot-rembrandt, data de acesso: 21/10/2020.
4
VENANCIO JUNIOR, Sergio José. Arte e inteligências artificiais: implicações para a criatividade. Artigo. São
Paulo, 2019.Pág.02.
2
homem, necessitam de comandos. Não há, ainda, nesse campo a produção da arte pela arte. Será
que algum dia irá haver?
O presente trabalho visa entender o universo desses softwares e suas criações e observar
sua relação com o Direito Autoral, questionando se tais as obras estariam protegidas pelo Direito
de Autor.
Em que pese tal opinião, pensamos que tal conjuntura talvez não se mantenha por muito
tempo. A reboque da IA vem o aprendizado de máquina (machine learning) e a aprendizagem
profunda (deep learning) que, em verdade, são sua própria essência, e dessa feita temas
relevantes para o mundo jurídico. Nesse sentido, destacamos alguns casos envolvendo a interação
entre homem e máquina, tendo como resultado obras artísticas do ponto de vista não jurídico. O
software denominado AARON fora desenvolvido em 1968, na cidade californiana de San Diego,
pelo pintor britânico Harold Cohen. O programa realiza pinturas, com total autonomia e
espontaneidade, tendo como base os parâmetros apontados de forma anterior por seu criador e
utilizando-se de IA para isso.
O programa produz soluções para problemas apresentados, assim como uma calculadora
que nos mostra a resposta para diferentes equações. A diferença é que as soluções oferecidas por
AARON, realizadas através de seus desenhos, são dotadas de originalidade (no sentido original
da palavra) e não se repetem. Ensina Carboni 6 que “AARON comporta-se como um animal com
relação ao meio ambiente: o programa reage a um ambiente artificialmente criado por meio de
simulações por Harold Cohen”. AARON possui um mundo limitado de “lembranças e
orientações” e através do mergulho nessas diretrizes, consegue responder através de obras de
arte. Assim, surge a figura do meta-autor, responsável por criar um processo gerador de
significados, que então, a partir desse universo, dá como resposta produções artísticas diferentes e
singulares.
Cohen é o criador do sistema e, portanto, é inegável que seu estilo está presente nas
pinturas realizadas pelo software, jamais capaz de produzir sem a base e os conceitos
originalmente fornecidos. O artista humano está implícito nas imagens que AARON produz em
suas cores, estilo e desenho7. Porém, ainda que AARON produza obras que remetam a de seu
criador, não fora Cohen que pintara os quadros, e talvez nem seria capaz de fazê-lo.
Considerando que estilo não é protegido pelo Direito Autoral, qual tutela seria conferida a tais
criações?
artes, e não as peças de artes em si8. Após o falecimento de Cohen, seu programa continuará
desenvolvendo produções que remetem a sua estética, AARON se tornará um autor imortal9.
Também temos o artista britânico Simon Colton que cria aplicações de IA para
produzirem obras com conteúdo original, pelo menos na percepção do público. O procedimento
de criação e desenvolvimento desse software, chamado de “The Painting Fool”10 é diferente do
de AARON. Neste, a máquina é programada por diferentes agentes, de modo que sua memória e
estilo não são oriundos de uma única mente, mas de uma pluralidade. No site do programa, o
próprio sistema (na primeira pessoa) alega que suas habilidades são baseadas no processo de
pintura física e que possui a capacidade fantástica de extrair os sentimentos e sensações de
diferentes meios como fotografias ou textos.
Por último, o projeto The Next Rembrant, que fora criado para absorver as características
do famoso pintor. Este, se comparado aos dois programas apontados acima, possui características
e objetivos mais próximos de AARON. O projeto foi desenvolvido pela empresa Microsoft, a
ING, a Universidade de Tecnologia de Delft e dois museus holandeses de arte. O objetivo era ter
como resultado um “autêntico Rembrandt”, isto é, um retrato que pudesse ser confundido com
um autêntico. Para isso, o algoritmo foi treinado para entender o estilo e as percepções do artista,
8
Disponível em https://computerhistory.org/blog/harold-cohen-and-aaron-a-40-year-collaboration/, data de acesso:
20/09/2020.
9
SILVIA, Ligia da. AARON: Um experimento de coautoria desenvolvido pelo meta-artista Harold Cohen.
Dissertação (Mestrado em Estética e História da Arte). Pós-graduação Interunidades em Estética e história da Arte da
Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2008. Pág.86.
10
Disponível em http://www.thepaintingfool.com/, data de acesso: 20/09/2020.
11
Ibidem.
12
O aplicativo “leu” um artigo do jornal The Guardian sobre a Guerra do Afeganistão e foi capaz de extrair dele
algumas palavras (tais como "Nato", "Troops" e "British") e criou, a partir delas, uma espécie de composição visual.
13
Ibidem.
5
de modo que a máquina passasse a compreender como o pintor entendia e expressava os olhos do
ser humano14.
O diretor da Microsoft, Ron Augustus, afirmou que usaram “tecnologia e dados, assim
como Rembrandt usou suas tintas e pincéis para criar algo novo”15. Os especialistas reuniram
acervo do autor como banco de dados para o programa apurá-los através de deep learning. Por
serem a maioria dos quadros de Rembrandt retratos, foram analisados os principais traços das
pessoas retratadas, para se apontar o objetivo do programa. O próprio aplicativo decidiu as
características do quadro que, tais como, ser de um indivíduo do sexo masculino, entre 30 e 40
anos, utilizando colar e virado para o lado direito16.
Os softwares citados são guiados pelos homens através de dados. As máquinas não
possuem uma criatividade natural ou uma força inventiva original, ainda que as obras sejam
inéditas e únicas, elas apenas criam a partir da base de informações fornecida. Mas seria isso tão
diferente dos nossos processos mentais naturais? Quer nos parecer que não.
14
Disponível em https://www.bbc.com/news/technology-35977315, data de acesso: 21/10/2020.
15
Tradução livre, de:. https://www.youtube.com/watch?v=IuygOYZ1Ngo, data de acesso: 21/10/2020.
16
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=IuygOYZ1Ngo, data de acesso: 21/10/2020
17
MCCARTHY, John. What Is Artificial Intelligence? Stanford University, Stanford, CA. 2007. p 12. Disponível
em:<http://jmc.stanford.edu/articles/whatisai/whatisai.pdf>
18
SCHMIDHUBER, Jürgen. Deep Learning in Neural Networks: An Overview. Istituto Dalle Molle di Studi sull’Intelligenza
Artificiale University of Lugano. 2014. Págs. 07-12.
6
Em que pese o ar de ficção científica que isso possa ter a primeira vista, fato é que desde
os anos de 1950 cientistas já estudam o funcionamento do cérebro a fim de que ele seja replicado
em uma máquina. Tal campo é chamado de “redes neurais artificiais” (ou RNA’s). Segundo
Haykin19o cérebro é um computador altamente complexo, no sentido de ser um sistema de
processamento de informações, que tem a capacidade de organizar seus constituintes estruturais,
(neurônios) de forma a realizar certos processamentos, tais como reconhecer padrões ou mesmo
controle motor de forma muito mais célere do que o mais rápido computador digital. Segundo o
autor “(...) um cérebro tem uma grande estrutura e a habilidade de desenvolver suas próprias
regras através do que usualmente denominamos “experiência”. Na verdade, a experiência vai
sendo acumulada com o tempo (...)20.
Sumariamente, uma rede neural é um sistema projetado para modelar a maneira como o
cérebro humano realiza uma tarefa particular, sendo geralmente implementada pela utilização de
componentes eletrônicos ou então simulada por meio de programação em um computador. Para
alcançarem bom desempenho, as redes neurais empregam uma interligação maciça de “células
computacionais simples” (denominadas de “neurônios” ou unidades de processamento)21. Assim,
a máquina vai se aperfeiçoando conforme mais dados a vão “alimentando”.
Para que o homem crie algo, ele se baseia em suas memórias, recordações, estudos,
percepções e sensações, isto é, o artista é um grande receptor de seu mundo e o expressa através
de suas habilidades. Já os robôs precisam receber as percepções humanas e suas visões e
entendimento de mundo para que possam criar. Estariam eles, ao menos conceitualmente, tão
distantes assim?
Contudo, caminha-se para um sistema de inteligência artificial geral, que consiga emular
os sentimentos humanos e ter uma percepção existencial e externa do mundo. Essa realidade
tecnológica, apesar de distante, é o grande objetivo dos estudiosos 22. Então, algum dia haverá a
produção artística de máquinas baseadas em suas próprias emoções e experiências? E se
emulação da mente humana evoluir ao ponto de a máquina simular exatamente o funcionamento
de um cérebro humano, elas não seriam possuidoras desses atributos da criatividade própria?
19
HAYKIN, Simon. Redes Neurais: princípios e prática.Ed 2a.Porto Alegre:Bookman, 2001, págs 27 a 29.
20
Ibidem, pág 28.
21
Ibidem, pág 32.
22
BOSTRON, Nick. Superinteligência. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2018.
7
Nesse ponto, se as obras obtidas como resultados dos projetos apresentados são inéditas e
imprevisíveis, poderíamos pensar que o requisito da originalidade foi alcançado? Quer nos
parecer que sim.
O direito Autoral tem por objetivo valorizar a criação intelectual, porém sem valorar as
obras, pois possuem diferentes níveis de importância artística ou científica dentro da sua própria
singularidade. O conteúdo só importa na análise jurídica para a adequação correta do meio de
proteção (marcas, patentes, desenho industrial, direito autoral e etc). Nesse sentido, Pedro Borges
Barbosa23 nos ensina que pouco importa o gosto do intérprete ou mesmo a pretensa qualidade da
obra, pois todas repousam sobre a égide da Lei 9.610/98.
23
BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Originalidade em crise. Revista Brasileira de Direito Civil – RBD Civil. Belo
Horizonte, v. 15, p. 33-48, jan./mar 2018. Pág.37.
24
Ibidem, pág. 39.
25
ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002. Pág. 95.
8
Se o Direito Autoral busca proteger criações com contornos singulares, sem medir o
nível ou grau dessas singularidades, acreditamos que as obras oriundas de IA consigam alcançar
tal traço único (quando analisado o ineditismo), uma vez que o resultado é inesperado e
completamente fora de qualquer previsão artística. Isso se dá pela forma como essas aplicações
operam: através de algoritmos de machine learning e deep learning, que analisam e processam
dados de maneira complexa e repetida antes de apresentar o trabalho final (a obra), de modo que
apresentam resultados inesperados26.
Interessante é a reflexão proposta por Marcos Aurélio De Castro Junior, onde o autor
questiona se de fato o homem possui criatividade em suas criações. Ensina o renomado jurista
que “nem o homem nem a máquina são capazes de criar informações” 27. Para ele, toda ideia
criativa é uma questão de mera justaposição ou combinação de dados já existentes previamente,
mas configurados de formas distintas. Assim, segundo o autor, não haveria qualquer empecilho
ao desenvolvimento da capacidade criativa por uma IA.
Portanto, assim como a obra proveniente de uma IA, a arte proveniente do homem pode
ser entendida como uma “amálgama de trabalhos criativos anteriores vividos e aprendidos pelo
artista”28. Inclusive, Lehman-Wilzig29 vai além, questionando se uma criatividade verdadeira de
fato existe:
In addition, there may be no such thing as “true creativity” since “neither man nor
machine are able to create information”. Given that all “creative” thuoght is merely a
matter of juxtaposing or combining previosly existing information into diferente
configurations (ie recycling “matter” into diferente forms of energy), there is
consequently no bar in principle to the development of artificial intelligence. In reality,
computers do only what your program them to do in exactly the same sense that humans
do only what their genes and their cumulative experiences program them to do”.
O que viria a ser, de fato, a originalidade exigida nas obras pelo direito autoral? Nessa
toada, dois aspectos devem ser destacados. O primeiro trata da distinção entre originalidade e
ineditismo. Segundo Manoel J. Pereira dos Santos houve certa ambiguidade na aplicação de tais
26
WACHOWICZ, Marcos e GONÇALVES, Lukas Reuthes. Inteligência Artificial e Criatividade Novos conceitos
na Propriedade Intelectual. Curitiba: Gedai, 2019.Pág 71.
27
DE CASTRO JUNIOR, Marco Aurélio. Direito e Pós-humanidade: Quando os robôs serão sujeitos de direito.
Curitiba: Juruá Editora, 2013. Pág.85.
28
Ibidem, pág 73.
29
LEHMAN-WILZIG, Sam N. Frankenstein Unbound: towards a legal definition of Artificial Intelligence. IPC
Business Press: Futures, 1981.Pág. 444.
9
conceitos na doutrina e legislação pátria, de modo que “a doutrina ora distingue entre originalidade
em sentido subjetivo e em sentido objetivo, sendo esta correspondente à novidade, ora contrapõe a
novidade objetiva à novidade subjetiva, sendo esta equivalente à originalidade”30. Contudo, ainda que
fundamental para a compreensão do requisito, tal aspecto não se mostra essencial para o escopo
pretendido neste trabalho.
Conforme ensinado por Allan Rocha de Souza 31, a originalidade exigida pelo Direito
Autoral se dá em cima da pessoalidade e individualidade da obra, e pode ser dividida entre
originalidade subjetiva e objetiva.
A originalidade subjetiva está ligada aos contornos pessoais atrelados à criação por parte
de seu autor. É justamente esta humanidade do criador, expressa através de sua criatividade
intelectual que confere a obra caráter original e inimitável, justificando a proteção do Direito
Autoral. Interessante é notar-se que, ainda que o requisito da originalidade esteja atrelado à
criação, é o autor, através de sua criatividade, pessoalidade e humanidade que confere a esta, seu
contorno original.
Por outro lado, a originalidade objetiva faz referência a mera não-banalidade da obra, o
que passa a exigir, ainda que de forma mínima, certo grau de novidade, uma vez que a obra deve
ser entendida como resultado diferente de outras já pré-existentes.
O professor Allan Rocha de Souza aponta que para o Direito Autoral o foco se dá na
originalidade subjetiva, pois a matéria busca valorizar e proteger a individualidade e o processo
de criação do Autor32. Já para o professor Manoel J. Pereira dos Santos tal conceito não é uniforme.
Segundo ele pode ser entendido que “a originalidade equivale (a) a criatividade, no sentido de caráter de
criação intelectual individual ou aporte da personalidade do autor, ou (b) a autoria, no sentido da origem
intelectual da obra (ou originação), qualquer que seja o nível de criatividade” 33.
caráter pessoal e humano da figura do Autor, o que garante, ao menos em termos legais, seus
contornos individuais.
A um primeiro olhar, fica-se a impressão de que as criações de softwares não podem ser
protegidas, vez que estes não possuem alma, pois são meras estruturas sintéticas criadas pelo
homem. Entrementes, a Lei de Direitos Autorais é criada para o homem em si. Ela sequer fora
idealizada para outros sujeitos. O Direito moral do Autor exerce grande papel nessa dinâmica
protecionista e antropocentrista. Dessa forma, entendemos que a Lei brasileira em vigor optou
por não contemplar (ou provavelmente ignorou) obras criadas por sujeitos diferentes do humano.
O autor De Castro Júnior ensina que, historicamente, o Direito tem esse viés
antropocêntrico. E era de se esperar. No entanto, ele próprio corrobora nossa percepção de que
essa “visão jurídica pode vir a sofrer forte abalo em curto espaço de tempo se todas as previsões,
34
RAMOS, Carolina Tinoco. Contributo Mínimo em Direito do Autor: o mínimo grau criativo necessário para quem
uma obra seja protegida; contornos e tratamento jurídico no direito internacional e no direito brasileiro. Dissertação
de Mestrado - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2009.Pág.42.
35
Disponível em https://www.dicio.com.br/espirito/, acesso em 26/11/2019.
36
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. Pág. 27.
37
Ibidem, pág 27.
38
Ibidem, pág 28.
11
Essa questão explica muito bem o requisito da criação intelectual e do espírito, uma vez
que coloca o homem como a figura central do Direito. Nesse sentido, o próprio artigo 11 da LDA
corrobora esse raciocínio, excluindo as máquinas de sua proteção legal. Ainda, boa parte da
doutrina aponta que um dos pontos basilares da tutela às obras intelectuais é proteger o esforço
dos inventores e autores, retribuindo com a exclusividade todo o tempo e suor disponibilizado aos
diferentes tipos de projeto. Nesse sentido, Manuel Pereira J. dos Santos entende que tal visão é
decorrente de um sistema primevo em que se concediam privilégios inicialmente aos editores e
depois aos autores. Tal compromisso “era o estabelecimento de um equilíbrio entre, de um lado,
o interesse da coletividade pela difusão e progresso do conhecimento e, de outro lado, o
interesse privado pela proteção do esforço criativo e do investimento realizado pelo autor”40.
A ideia é retirada dos ensinamentos de Locke, que entende a obra como fruto do esforço
de seu criador, o que justificaria a titularidade:
Though the earth and all inferior creatures be common to all men, yet every man has a
“property” in his own “person.” This nobody has any right to but himself. The “labour”
of his body and the “work” of his hands, we may say, are properly his. Whatsoever,
then, he removes out of the state that Nature hath provided and left it in, he hath mixed
his labour with it, and joined to it something that is his own, and thereby makes it his
property. It being by him removed from the common state Nature placed it in, it hath by
this labour something annexed to it that excludes the common right of other men. For
this “labour” being the unquestionable property of the labourer, no man but he can have
a right to what that is once joined to, at least where there is enough, and as good left in
common for others41 .
Tendo tudo isso em conta, teriam os robôs a necessidade desse estímulo? A noção de
propriedade oriunda do esforço produzido pela máquina ainda faria sentido? Acreditamos que
não, se observado todo o processo que envolve a criação dessas obras, pode se apontar o esforço
apenas no desenvolvimento e aprimoramento desses softwares, que já possuem proteção autoral,
não sobre as obras em si, mas pelo programa desenvolvido42.
39
DE CASTRO JUNIOR, Marco Aurélio. Direito e Pós-humanidade: Quando os robôs serão sujeitos de direito.
Curitiba: Juruá Editora, 2013. Pág 25.
40
DOS SANTOS, Manoel J. Pereira. Direito Autoral. São Paulo: Saraiva – FGV Direito SP, 2014.Pág. 252.
41
LOCKE, John. The Founders' Constitution. Volume 1, Chapter 16, Document 3. 1681. Disponível em: http://press-
pubs.uchicago.edu/founders/documents/v1ch16s3.html.
42
Art.7º XII da Lei de Direitos Autorais.
12
4. CONCLUSÃO
O objetivo do presente artigo foi apresentar uma reflexão acerca das criações “artísticas”
de algoritmos computacionais. Com o avanço da tecnologia da informação, o Direito mostra-se
novamente necessitado de adaptar-se a realidade que surge. Realidades que até então imutáveis,
passaram a ser questionadas.
Diante do que se descortina, o futuro parece demonstrar mais incertezas do que certezas
no campo tecnológico. Tais novidades certamente afetarão as relações humanas, talvez criando
outra espécie de criaturas com as quais teremos que interagir. Tais alterações sociais reverberarão
no Direito como um todo, mas terá forte impacto no Direito Autoral. Da mesma forma que o ser
humano terá que repensar a sua percepção de si mesmo, para poder compreender a natureza
daquilo que está criando, ele terá que repensar as suas relações com elas. E é justamente nesse
ponto que entra o foco do presente trabalho: cabe-nos buscar entender qual é a real tutela do
Direito Autoral, qual a sua real essência. Acreditamos que só desta forma poder-se-á separar o
que é, verdadeiramente, objeto jurídico tutelado por este ramo do Direito, ou por qualquer outro.
Atualmente, no entanto, parece-nos que as obras criadas por softwares não apresentam
originalidade pois esta, segundo o conceito atual, decorre necessariamente do ser humano.
Também não há que se falar de “criações do espírito humano”, pois tal atributo é forçosamente
humano. Assim, não guardam proteção no Direito Autoral.
13
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