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33º 

Encontro Anual da Anpocs;  

Número e Título do GT. 

MR14:  Saberes,  éticas  e  políticas  das  religiões  afro­americanas  (Brasil  e 


Cuba) 

  

   Título do trabalho 

 A  icnoclastia  afro­brasileira  na  Festa  de  Nossa  Senhora  dos  Navegantes  em 
Porto Alegre. 

 
José Carlos Gomes dos Anjos (UFRGS)
Introdução 

Oficialmente, desde 1871 a cidade de Porto Alegre percorre a devoção a Nossa


Senhora dos Navegantes como a festa de dois de fevereiro. Extra oficialmente o dia
consagrado à Santa é também o dia de homenagem a Iemanjá. O artigo propõe-se em
discutir os sentidos dessa extra-oficialidade tomando duas controvérsias em torno da
festa como pontos de partida: a proibição ao consumo da melancia nos arredores da
igreja e a desoficialização da procissão fluvial.

Durante as várias etapas da construção do artigo tive o cuidado de ter sempre


presente que, embora estivesse a falar religiosamente, o meu lugar de enunciação não
era o do autorizado a falar sobre as devoções em pauta, nem sob pedestal de um
distanciamento crítico que instituiria um conjunto de procedimentos que assegurariam o
desvelamento do sentido das práticas em questão, muito além das perspectivas
conscientes dos próprios devotos, nem sob o manto de uma autoridade religiosa
inspirada ou sapiente. Sobretudo, evito legislar sobre o sincretismo criticando ou
elogiando aqueles que o recusam.

Uma das formas de iniciar marcando o alcance desse procedimento é


reconhecendo filosofias plenas naqueles menos propensos a serem reconhecidos na
estatura filosófica de suas produções culturais: os africanistas. Em Porto Alegre, com
freqüência o termo africanista é usado entre os babalorixás e as yalorixás para se
designarem entre si. Na academia, africanista, brasilianista, ou orientalista, é o exato
oposto da posição aqui (re)forçada pelos guardiães dos orixás. E se eles forem plena e
simultaneamente tão praticantes quanto estudiosos de suas práticas e se suas
controvérsias tiverem de ser elevadas ao lugar epistemológico de uma referência do
mesmo tipo que Roger Bastide? É tratando todos os Babalorixás, como também
teóricos, que sigo suas experimentações, para descobrir regimes insuspeitados de
problematização, enunciação, denúncia e diplomacia.

É desse modo que respondo ao desafio de, por um lado, evitar o sociologismo
que reduz a um conjunto de fatores sociais as práticas que se apresentam como
religiosas, e, por outro lado, recuso o lugar de “autorizado” a efetuar um exercício de
proselitismo. Se o africanismo, aqui, for apreendido como um conjunto de
procedimentos de composição de mundos, o pesquisador, na forma do aprendiz de
feiticeiro, experimenta o procedimento diplomático de seus interpelantes, no modo de
misturar e separar porções cósmicas. Como o artista plástico, personagem conceitual de
Gilles Deleuze e Félix Guattari, vejo o devoto africanista como aquele que:

“Ventila os meios, separa-os, harmoniza-os, regulamenta suas misturas,


passa de um a outro. O que ele afronta assim é o caos, as forças do caos,
as forças de uma matéria bruta indomada, às quais as Formas devem
impor-se para fazer substâncias, os Códigos, para fazer meios.
Prodigiosa agilidade” (Deleuze; Guattari, 1997, p. 153).

Se fosse possível recriar um personagem que fosse o meu lugar de enunciação,


este teria se metamorfoseado de um lugar epistemológico de sociólogo crítico e cético
quanto às crenças nativas, ao de crítico de obra de arte que se extasia e se deixa
subsumir no objeto de contemplação. Parto aqui da intuição de que não é possível seguir
seriamente os africanistas em procissão se não extasiados contemplando suas gramáticas
e operações diplomáticas para salvar a paz de mundos comuns.

Utilizo neste artigo o material empírico subutilizado em um livro publicado com


o meu colega e professor da UFRGS, Ari Oro, em 2010. Em campo, acompanhamos de
perto a procissão a Nossa Senhora dos Navegantes, no dia 2 de fevereiro, ocasião em
que interpelamos os devotos. Mas, antes e depois desse evento também ouvimos
pessoas, escolhidas aleatoriamente, sobre a Festa e o sincretismo nela embutido.

1. Primeiro ponto de controvérsia: a melancia  

Desde a década de 1920, pelo menos, no batuque de Porto Alegre, a fruta de


Iemanjá– a melancia – ocupa um lugar de destaque e é consumida por ocasião da Festa
de Nossa Senhora dos Navegantes. De fato, em seu livro consagrado a Nossa Senhora
dos Navegantes, Henrique Licht inclui várias matérias jornalísticas dando conta do lugar
privilegiado ocupado pela melancia por ocasião da festa de Nossa Senhora dos
Navegantes. Assim, a revista Liberal, de fevereiro de 1921, apresenta uma reportagem
com o título: “Nossa Senhora das Melancias”. Nela é recordado que assim como o Rio
de Janeiro tem a sua N. S. da Patuscada “temos nós a N. S. das Melancias” (Licht, 2007,
p. 132).

O jornal Diário de Notícias, de três de fevereiro de 1929, publicava uma matéria


com o título “Festa das Melancias”, dizendo que este é o nome que calha bem com os
festejos em homenagem a Nossa Senhora dos Navegantes. Continua a reportagem:

“A grande praça fronteira à Igreja daquella devoção se transforma num


grande bazar de melancias. São dezenas de tendas (...) que emprestam
àquelle local o mais pitoresco aspecto. E dentro delles (...) o banquete
das verde-roseas melancias. Às margens do Guahyba, uma multidão de
barcos repletos de melancias. Parti-las e comê-las é já um culto, um rito
que se celebra annualmente” (Licht, 2007, p. 144).

Dois dias depois, do mesmo ano, o mesmo jornal publicou outra matéria sobre a
Festa dos Navegantes dizendo que “aumentou de um modo considerável o número de
adeptos ao culto da melancia (...) que tem uma sahida fantástica” (Id. Ibid., p. 145).

No início dos anos 80, o pároco da Igreja tentou banir o consumo de melancia no
entorno da Igreja de N. S. dos Navegantes, onde ocorre a Festa propriamente dita,
alegando falta de higiene, resultante do consumo dessa fruta. Ora, isto desencadeou
forte polêmica, noticiada pelos jornais da época. Assim, em 25 de janeiro de 1983, o
jornal Correio do Povo falava em

“uma heresia: festa dos Navegantes sem melancia. Um hábito tão


tradicional quanto a própria festa de Nossa Senhora dos Navegantes
deverá acabar este ano. A pedido do padre Arthur Wickert, a Secretaria
Municipal da Produção, Indústria e Comércio – SMIC – não autorizou a
venda da melancia próximo à igreja dos Navegantes” (Id. Ibid., p. 230).

No dia 4 de fevereiro do mesmo ano, o mesmo jornal publicava reportagem em


que afirmava que “a maior reclamação das pessoas que participaram dos festejos foi
contra o preço das melancias, escassas e caras...”. Também o jornal Folha da Tarde
falava em “melancias caras” (em razão, certamente, da sua escassez devido à proibição)
(Id. Ibid., p. 231).

Embora tal interdição perdure até hoje, a melancia continua sendo por
excelência o meio de desterritorialização da festa católica sob a tradição afro-brasileira.
Assim, em 2008 as melancias eram vistas e vendidas, menos nas barracas próximas da
igreja e mais em locais retirados dela, mas acessíveis a quem desejasse adquiri-las. Ou
seja, as melancias continuam a fazer parte do cenário da Festa de Nossa Senhora dos
Navegantes, embora nem tanto no espaço nobre do pátio da Igreja de Navegantes.

Que agenciamentos de subjetivação reverberam nesse regime de enunciação da


presença, se a Iemanjá se faz no interior da devoção a Nossa Senhora dos Navegantes
extra-oficialmente?

É significativo que por ocasião da Festa do dia 2 de fevereiro de 2008, a quase


totalidade dos entrevistados, sejam eles batuqueiros, umbandistas ou católicos,
conheciam a associação existente entre Iemanjá e melancia. E mais: a maioria deles
disseram que naquele dia, consagrado a Iemanjá/N.Senhora dos Navegantes, iriam
consumir a mencionada fruta, mas preferencialmente em casa.

2. Segundo ponto de controvérsia: a procissão fluvial  

Na década de 80, cerca de 250 embarcações, devidamente pintadas, limpas e


ornamentadas, participavam da procissão náutica, “tendo à frente uma lancha do Corpo
de Bombeiros que espargia jatos de água colorida, formando um grande leque”.

As pessoas que se apinhavam, sobre na ponte móvel do rio Guaíba, por ocasião
da passagem do cortejo fluvial costumavam jogar flores, velas e papel picado, algumas
em homenagem a Nossa Senhora dos Navegantes, outras, à Iemanjá (Cavedon, 1992, p.
50). Poderíamos perguntar a cada devoto a quem no íntimo homenageavam. Porém,
nessas circunstâncias, o poder do contágio faz do cortejo de flores sobre o rio um rito
que de modo geral escapa em intensidade das fronteiras territoriais do catolicismo.

O panorama que se via desde os barcos, da multidão apinhada sobre os viadutos


da travessia, irrompendo numa explosão de aplausos e gritos de louvor, quando o vão
móvel da ponte era içado, constituía-se em magnífico arco de triunfo para a padroeira
dos navegantes (Licht, 2007, p. 333). E a enunciação repetitiva reverbera a intensidade
produzindo o tempo próprio da festa, a qual, frisa Henrique Licht,
começou em 1871; ela começou fluvial, sempre foi, os barcos, com todos
os ornamentos, porque na época havia muitos barcos de passeio, muitos
barcos, aqueles nossos puxadores de areia, e tanto outros pequenos,
tudo isso fazia parte, o ornamental e se ia de barco. Depois aquilo foi e
o povo ia, saiam juntos lá da igreja do Rosário, vinham até o porto onde
largavam a santa no barco e eles vinham ao longo do rio caminhando,
todos que não tinham como ir.

É na procissão fluvial que a devoção afro-religiosa à Iemanjá, a deusa das águas,


desmantela mais expressamente todas as identidades religiosas demasiadamente fixadas.
Até certo ponto, enquanto a procissão terrestre se inscrevia na tradição católica das
romarias e peregrinações, a procissão fluvial remetia, além da tradição católica, à
cultura afro-religiosa de devoção a Iemanjá. Mas, é claro, ambos os espaços, o terrestre
e o aquático, eram igualmente freqüentados e venerados pelos devotos da Santa,
independentemente das identidades religiosas institucionalizadas.

Se na procissão terrestre se impõem as forças molares que institucionalizam a


procissão como ritual do catolicismo, na intensidade dos desejos a presença como
procissão fluvial se faz Iemanjá. Para muitos fiéis da procissão, à Nossa Senhora dos
Navegantes desterritorializada sobre o plano fluído das águas percorre a Iemanjá como a
sua intensidade sagrada.

Chamamos de desterritorialização ao processo pelo qual entidades muito


diferentes em seus percursos identitários, em determinados regimes de enunciação
ganham gradientes de percepção tão próximos que chegam à indiscernibilidade.

Uma tal concentração de energias constrói não apenas mundos, mas, também,
olhos de água que emanam das forças cósmicas em jogo e impõe perspectivas
impessoais. Que agenciamento de subjetivação enuncia, no mais consagrado espaço
político da cidade, como veremos, que o cortejo fluvial é a razão de ser da cidade e
anuncia pelo ritual o resgate das costas africanas dos negros castigados, se não uma
perspectiva emanada das águas? É essa intensidade desterritorializante que captura
o irmão católico Antônio Cechin, em sessão na Câmara Municipal de Porto Alegre,
realizada em 5 de novembro de 1999, quando assim descreve o cenário da procissão
fluvial:
As dezenas de barcos enfeitados com bandeirolas coloridas, seguindo
em cortejo atrás da nau Capitânia com a Santa, pela Avenida Mauá,
margeando o rio, sempre contemplando a beleza das águas, os devotos
com flores e outras oferendas, daqui e dali chegando na beira e jogando
às águas as ofertas, como sinal de suas preces, em direção à Santa
Padroeira.

Esse é um extrato de um apelo do devoto ao retorno da procissão fluvial. Porém,


a Capitania dos Portos mantém, desde 1989, a interdição da parte fluvial da procissão,
alegando insegurança no transporte de passageiros. Este fato foi bastante criticado na
ocasião pelos organizadores da Festa e ao longo dos anos foram redigidos vários
ofícios, pedidos oficiais, abaixo-assinados, pelos devotos, para retornar a tradição da
procissão fluvial.

Em maio de 1999 foi fundado o Movimento Pró-Retorno da Procissão pelo


Guaíba. Em 5 de novembro do mesmo ano, a Tribuna Popular da sessão da Câmara
Municipal de Vereadores teve como tema o Retorno da Procissão de Nossa Senhora dos
Navegantes. Na ocasião, como já foi mencionado, usaram da palavra o irmão católico
Antônio Cechin e o Sr. Henrique Licht. O primeiro recordou a importância multiétnica
dos rios, mares, e mesmo do Guaíba, para os índios, os açorianos e os negros. Salientou,
também, que estes últimos, “em dia de Nossa Senhora dos Navegantes, lembravam o
mar de suas costas africanas e homenageavam Iemanjá, a fada das águas salgadas”.
Acrescentou que “a festa de N. S. dos Navegantes é fruto de um grande mutirão popular
ao longo de mais de dois séculos”. Porém, “já lá se vão 10 anos que (...) o rito principal,
a razão de ser da própria cidade, que é a procissão pelas águas, foi suprimido, sem razão
que possa justificar” (Licht, 2007, p. 330-333). Por seu turno, Henrique Licht sustentou
que após o acidente do Bateau Mouche, no Rio de Janeiro, “somente em Porto Alegre, o
povo devoto, macro-ecunêmico e fiel a sua Santa, perdeu o seu regresso triunfal pelas
águas (...). Francamente não dá para entender o cancelamento da Procissão de Nossa
Senhora dos Navegantes pelo Guaíba”.

Mesmo argumentando em favor da existência das duas procissões, a mobilização


em favor da oficialização da procissão fluvial continua institucionalmente bloqueada.
Na enunciação das razões para o retorno, a memória da grandiosidade passada da
procissão fluvial se faz intensidade presente. Nas palavras de Henrique Licht:

Era bastante diferente de hoje. A mudança maior foi justamente a perda


da procissão fluvial, a procissão náutica. Há uma tentativa que alguns
fazem, tentam fazer, não para que haja uma procissão só, que haja as
duas e que as duas sejam oficializadas.

Toda essa mobilização não chegou a surtir o efeito desejado sendo este um dos
pontos mais criticados, tanto por devotos em geral quanto por líderes religiosos,
sobretudo afro-brasileiros. Recordam os fiéis que ao longo de todos os anos em que
ocorreu a procissão fluvial, nunca houve um acidente mortal sequer. Sustentam, ainda,
que o rio Guaíba não tem ondas, assegurando a realização de uma procissão tranqüila.

O Irmão Antônio Cechin, no pronunciamento na Câmara Municipal, acima


mencionado, chegou a referir diretamente o prejuízo que a mencionada proibição traz
para os afro-descendentes, o que constitui, diz ele, “uma dívida social para os negros”; e
acrescenta: “Nós fizemos injustiças históricas em relação a eles, e, se a procissão não
retornar pelas águas, vamos, de certa maneira, perder a ocasião de mostrar o
arrependimento com aquilo que a história fez para com eles” (In: Licht, 2007, p. 333).

O atual pároco da Igreja dos Navegantes mostrou-se reticente em relação ao


retorno da procissão fluvial. Segundo ele, outrora havia condições mais favoráveis para
a realização desta procissão uma vez que o povo devoto acompanhava ao longo do cais
do porto a procissão fluvial. Hoje, indaga ele, “alguém consegue caminhar ao longo
daquele porto cheio de capoeira, de areia?”. Ademais, se houvesse a procissão fluvial,
ela seria seguida por cerca de 1% dos devotos, que teriam acesso aos barcos, no rio.
Seria, assim, “privilegiar o pequeno grupo, de mil pessoas, e quase quinhentas mil ficam
na rua”. Por isso, conclui, “hoje não há mais clima para isso” (a procissão fluvial).

Porém, uma procissão fluvial “paralela” é realizada há nove anos no mesmo dia
e horário em que é celebrada a procissão terrestre. Trata-se de uma promoção conjunta
da Associação dos Pescadores da Ilha da Pintada e da Fundação do Esporte e Lazer do
Estado do Rio Grande do Sul, órgão vinculado à Secretaria de Turismo do Estado, que,
neste ano de 2008, contou com o patrocínio do Banco Itaú. Trata-se de uma procissão
que junta dezenas de embarcações, cerca de 130, segundo informações prestadas por
Henrique Licht, que partem da Ilha da Pintada, passam pela Usina do Gasômetro, pelo
cais e finaliza no Parque Náutico do Estado, próximo à Ponte do Guaíba, a dezenas de
metros da Igreja dos Navegantes. Neste local é celebrado um culto ecumênico. Neste
ano de 2008 um pai-de-santo, um pastor evangélico e um frei católico, participaram do
ritual. Na procissão fluvial viu-se um barco lotado de fiéis das religiões afro-brasileiras,
todos vestidos com suas indumentárias religiosas. Neste dia, houve a distribuição
gratuita de um caminhão cheio de melancias para os participantes da festa.

Além da procissão “paralela” e “oficiosa”, que ocorre no dia 2 de fevereiro, a


proibição da procissão fluvial no dia de Nossa Senhora dos Navegantes ensejou, em
Porto Alegre, a realização de uma procissão fluvial, sem o mesmo esplendor daquela, no
dia 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. É a procissão
da “Aparecida das Águas”. Como refere Henrique Licht,

Hoje em dia eles continuam, na procissão náutica, na Aparecida das


águas, que é feita dia 12 de outubro. As oferendas, os rituais, os
cânticos, toda aquela movimentação. Ela é muito bem aceita.

No dia 1 de fevereiro de 2009, um andor na forma de barco, de cerca de três


metros de comprimento, contendo dentro de si uma imagem de Iemanjá de cerca de 2
metros de altura, e uma imagem de Nossa Senhora dos Navegantes de cerca de 1 metro,
foi exposto em pleno centro do Mercado Público de Porto Alegre, um espaço portador
de profundo significado simbólico para os afro-religiosos da cidade por ser considerado
espaço de Bará (Oro, Anjos, Cunha, 2007). Em torno do andor, durante todo o dia,
líderes afro-religiosos vestidos com indumentária religiosa celebraram rituais,
distribuíram passes, receberam pedidos endereçados à(s) deusa(s) das águas.

Nota-se que a iniciativa do barco portando as duas imagens das Santas postado
no centro do Mercado Público evidencia, de um lado, a cosmopolítica existente em
torno das duas deusas do mar em Porto Alegre; e, de outro lado, revela que uma tradição
não pode ser assim tão facilmente aniquilada.

Na esteira da oposição entre cosmopolitismo e cosmopolíticas que elaboram


Latour (2004) e Stengers (2007), enfatizamos aqui que nos jogos entre mundos as coisas
são mais importantes do que as palavras, na medida em que são regimes de existência
que estão em jogo, isto é cosmopolítica:

“A política permanece duvidosa enquanto ela não se debruça sobre (...)


os ‘cosmogramas’. É sempre mais difícil distinguir por meio das
opiniões do que se diferenciar a partir das coisas – notadamente a
propósito do mundo em que habitamos. E é certo que os adversários
mais do que estabelecer acordos sobre suas opiniões, vão começar por
reivindicar um modo diferente de habitar o mundo” (Latour, 2007, p.
75).

O fato da maior parte dos devotos aceitarem a procissão terrestre ainda não
significa uma situação de paz, se não se equacionar a questão dos modos de “habitar o
mundo”. No que lhes concerne, a cidade sem a procissão fluvial é menos cidade,
reclamam parte dos devotos.

E se é nesse cosmo, que é a procissão, que as identidades étnicas em jogo são


reafirmadas para serem de forma nômade percorridas indiferentemente pela
multiplicidade dos corpos, enquanto experimentação concreta da possibilidade de outras
composições de mundos de paz, com identidades sem territórios, o que significaria de
perigos a supressão de dimensões concretas do rito?

3. Oferendas à Iemanjá ou a indexação da doçura

Os afro-brasileiros associam ícones duplicando seus percursos em cadeias


intermináveis de associações daquilo que pode se destacar de modo a, no encadeamento,
produzir a presença visível do sagrado. Um ícone é aqui tudo o que pode se destacar
para se associar a uma cadeia prévia de relações: um brinco se associa à feminilidade da
Iemanjá, que se associa à beleza da efetuação, que se associa ao pensamento como a
intencionalidade do que se efetiva e, assim, prossegue a cadeia cotejada pelos rituais
adequados de encadeamento. É a cadeia que torna possível oferecer brincos à Iemanjá
em um pequeno barquinho de quarenta centímetros, azul e branco, portando cangica,
mel, agradecimentos e solicitações renovadas. Adereços podem virtualmente se
destacar do fundo indiferenciado do profano para se articular a uma cadeia em processo
de sacralização.

É por essa vontade de encadeamento que os afro-brasileiros são nostálgicos em


relação ao tempo em que pelas águas do Guaíba se levava uma estátua da Santa do
centro da cidade até a Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes.
Quando era feito por água, os nossos irmãos da religião [que] não
tinham condições de ir à praia de Cidreira, praia de mar (...)
acompanhavam a Festa dos Navegantes, evocando a reverência a
Iemanjá (...) e na água ele ia fazendo aquilo que era preceito, soltando
as flores, soltando perfume porque ele tinha disponível aqui no rio
Guaíba os barcos, pois era muito barato ou até de graça. Então, ele
fazia a prática daquilo que é o preceito religioso e de uma forma santa.
O que começou a criar essa identificação foi a festa dos barqueiros que
eram da nossa religião, tocando os atabaques e cantando as orações de
Iemanjá, em vez dos cantos religiosos, em todo o translado. Então, na
realidade ele estava dentro d`água homenageando Iemanjá. Quando
houve essa mudança uma boa parte dos religiosos foi procurar outros
caminhos. (Pai-de-santo Áureo Rodrigues, janeiro de 2008).

Para os afro-brasileiros, a procissão - que passou a ser terrestre, levando a


imagem desde a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no centro da cidade, até a Igreja
de Nossa Senhora dos Navegantes - em parte se esvaziou do fundamento de uma
homenagem a uma Rainha das Águas. Ao lamentarem a perda do encadeamento entre as
águas e a procissão como a perda de um “fundamento”, trazem à tona a pedra de toque
da questão do sincretismo da perspectiva afro-brasileira.

Essa Santa, o próprio nome dela diz: Nossa Senhora dos Navegantes! Só
que ela navega a pé, navega por terra, então de navegantes ela também
está perdendo essa característica. Tiraram da santa. Porque ela fazia
sempre o trajeto por água e tiraram e colocaram por terra. Por quais
motivos eu não sei. Eles alegam que desde que teve aquele acidente com
o Bateau Mouche no Rio, mas eles poderiam perfeitamente colocar só a
santa por água e as pessoas irem receber a Santa lá nos Navegantes, lá
na igreja. Ela faz todo o percurso por terra. Eu acompanhei a santa até
esse período em que ela ia por água. Eu sempre acompanhava. Quando
ela passou a seguir por terra eu sempre acompanhei por terra. Mas eu
sei que não é a forma original de quando ela começou. Então, isso é
uma coisa que já mudou bastante (Pai Dinajara, maio de 2008).

“Tiraram da santa” um elo do encadeamento. A denúncia da ausência de


“fundamento” não testemunha aqui contra um erro doutrinal. Se o babalorixá aponta um
desvio ritual é menos para marcar um desacerto do que para sinalizar uma dificuldade: a
improbabilidade da presença se ela não percorre as águas para produzir a intensidade
sagrada materialmente encarnada. O axé, como força cósmica, opera no encadeamento
material de ícones. Não é que algo oculto passe a ser inalcançável fora da procissão
fluvial, mas que sem ela a intensidade perde o lugar de percurso, não flui do mesmo
modo. Trata-se menos de uma exigência de mais esoterismo e mais de uma denúncia de
demasiado proselitismo sem a sensibilidade dos encadeamentos corporificados.

O “fundamento” é, na verdade, estabelecido na noite de véspera, quando os


pequenos barquinhos dos afro-brasileiros são entregues às águas do Guaíba carregando
preces e oferendas. A insuficiência do encadeamento verbal das pregações do dia dois
de fevereiro demanda menos uma alternativa e mais uma “corrente” complementar:
bijuterias, flores, alimentos sagrados da orixá, rio acima ou ornamentando a orla
enquanto presença do sagrado.

É quanto às possibilidades de se carregar ou não o “fundamento” que a


religiosidade afro-brasileira questiona o sincretismo. Sem fundamento não há
sincretismo e a manutenção do fundamento carrega o ícone alienígena para o interior da
cosmologia afro-brasileira. De todo o modo, não há sincretismo no sentido de
hibridação de dois sistemas religiosos.

Poderia-se pensar que a desatenção afro-brasileira para com as possibilidades de


devoção à presença através do verbo pudesse significar uma dissolução das fronteiras
entre o regime religioso de enunciação e os profanos. Seria, na verdade, mais
consistente pensar esse regime religioso como autopoiético, de improvável comunicação
com o seu exterior, de onde ele consome ícones, mas que não lhe alteram a lógica. A
devoção e a fraternidade entre os devotos produzem um regime específico de
encadeamento: a corrente religiosa.

Se a cadeia religiosa é essencialmente diferente da corrente festiva profana, não


é tanto pelas diferenças nos entes que compõem o mundo, mas pelos efeitos de presença
que o encadeamento deve suscitar na pessoa do devoto.

Hoje, a festa da Nossa Senhora dos Navegantes no catolicismo está


muito mudada. Em primeiro lugar, no meu tempo que eu freqüentei a
igreja, a gente tinha mais devoção, não tinha pagode, não tinha escola
de samba, era um ritual religioso. Hoje, pra mim, é um carnaval. Porque
não tinha essa parte de danças; era somente, a parte religiosa, agora
tem pagode, tem escola de samba, no meu tempo não tinha. Era muito
bonito: a gente ia de manhã, tinha as mesas que se faziam o conjunto de
todos os irmão que vão ser pais de santo, ser babalorixá, então nós
íamos com meu pai e lá a gente encontrava outros irmãos, tinha
churrasco, tinha melancia, tinha pastel, tinha galinha enfarofada. Hoje
isso não tem mais. Não tinha bebida de álcool, que eu acho contra a
regra religiosa. Porque no fim as pessoas se embriagam. Ficam fora
daquele respeito religioso, seria a palavra certa. (Pai Jorge de Yemanjá,
maio de 2008).

É o fato da atenção à presença que constitui o respeito religioso, enquanto


modalidade de recomposição da pessoa como devoto. A tese defendida nesta parte do
texto é a de que o mundo religioso afro-brasileiro acontece por contágio iconográfico,
um processo que, uma vez desencadeado, não pára mais de poder encadear novos
ícones. A associação de ícones por um ordenamento centrífugo a partir das linhas de
intensidades definidas pelas características de cada orixá do panteão deve produzir o
respeito por séries intermináveis de ícones1. Essa é a gramática da relação desse mundo
religioso afro-brasileiro com outros mundos. As coisas “de outro mundo” destacam-se
como o lugar da presença se puderem ser encadeadas à série preexistente, conformando
um novo enunciado.

O que não pode ser encadeado na série de onde emana o respeito religioso cai no
fundo indiferenciado do profano. É o caso da embriaguez e das danças de sedução
amorosa, em que o desvio da atenção impede o encadeamento de ícones que encarnam a
presença como o alvo do regime religioso de enunciação.

Se o que está em jogo é a presença, diríamos que esse é um traço comum aos
regimes religiosos de enunciação do sagrado. O que torna diferenciado o regime afro-
brasileiro de associações iconográficas é o modo como a rostificação2 se cola a
posteriori sobre um fluxo de ícones impessoais como pedras, folhas, águas, trovões e
raios.

Na religião de matriz africana também se adota os mesmos princípios de


cultuar o orixá. Nós não fizemos o culto à pessoa; a imagem nada mais
é do que uma fonte de referência, pois nós cultuamos a natureza e
zelamos pela preservação da mesma enquanto que outros credos
religiosos destroem a natureza, modificam o meio ambiente, nós

1
“Considerados em seu conjunto, estes desenvolvem ou esboçam um modelo ordenado em que as
qualidades e os elementos naturais se opõem e se respondem uns aos outros, por mais que cada figura
singular, em virtude de sua ambiguidade e de sua riqueza, pareça desmentir a simplicidade do quadro
conjunto ou das oposições em termos de conjunto” (Augé, 1998, p.26).
2
Opomos a forma sagrada – ocutá – pela qual os afro-brasileiros desterritorializam os rostos e as
paisagens sagradas, ao modo como o catolicismo rebate o rosto de homens e mulheres europeus sobre a
forma do sagrado de modo a constituir um território fechado: “uma organização de rosto, parede branca-
buracos-negros, face-olhos, ou face vista de perfil e olhos oblíquos (esta semiótica da rostidade tem por
correlato a organização da paisagem: rostificação de todo o corpo e a paisagificação de todos os meios,
ponto central europeu o Cristo). (Deleuze e Guattari, 1997, p. 101).
precisamos da folha, da água, da terra, da luz. Então nós nunca vamos
atacar isto, pois fazem parte da necessidade básica da existência do
homem dentro do mundo e essa cultura não é de agora; ela tem 150
milhões de anos (sic). (Pai-de-santo Áureo Rodrigues, janeiro de 2008).

Essas “forças da natureza”, adoradas pelos devotos afro-brasileiros, existem na


medida em que são encarnadas em eventos, manifestadas na intensidade das “coisas”
que se dispõe em séries. A santa, como um processo de rostificação, é aqui mais um
momento em uma série de processos de singularização das “forças da natureza”. Daí o
caráter virtualmente ilimitado dos entes que podem ser associados sob o mesmo
fundamento. A ausência de uma partição ontológica rígida entre humanos e não-
humanos favorece a constante rostificação e des-rostificação do sagrado. O fundamento
só é colocado em risco quando a associação de práticas desvia-se da atenção prestada à
presença encarnada no ícone.

A falta de fundamento é denunciada como descaracterização. Assim, do ponto


de vista afro-brasileiro, se pode dizer que a igreja católica descaracterizou o culto a
Nossa Senhora dos Navegantes ao des-encadear a procissão no fluxo das águas.

Depois que ela começou a ir pela terra descaracterizou tudo. Daí uma
boa parte dos religiosos abandonou. Muitos vão porque não tem
condições. Ele segue ali sabendo que está homenageando Iemanjá. Mas
ele faz a procissão acompanhando a santa, por respeito, e depois vai lá
na água largar o seu presente. Porque toda a água do rio desemboca no
mar e quem não tem condição econômica, e a nossa religião é feita de
pessoas que não tem muita riqueza, então eles fazem o recolhimento e
largam na beira do rio, entregando pra Iemanjá seus presentes. (Pai-de-
santo Áureo Rodrigues, janeiro de 2008).

Os babalorixás contestam duas séries de perdas de fundamento: o fato de a


procissão ter se tornado terrestre e a introdução de dimensões profanas não encadeadas
pelas intensidades sagradas da presença.

Bem colocada, lamentavelmente a essência da festa, que era a festa da


melancia, da praça de Navegantes, hoje ela foi substituída pelo álcool e
pela droga. A praça da alimentação, se tu for lá a partir do meio dia tu
vê alcoolizados, longe de estar em qualquer pensamento unido, em prol
de buscar energias, em prol de construir, em prol da fé. Tu vê pessoas
bêbadas, alcoolizadas, pra não falar drogadas, e termina sempre em
pancadaria, em brigas, porque, porque eu acho que inclusive a igreja
dos Navegantes tem que mudar essa estrutura, porque, porque tem o
processo da liberação da venda da bebida, tem muita bebida na praça,
porque bebida gera dinheiro, o capitalismo como sempre dominando
todas as tradições. O meu olhar de fato sobre isto, acho que se perde
com a festa dos Navegantes que é uma tradição do povo gaúcho. O
momento forte que hoje ainda resta é a entrada e a saída da igreja da
Nossa Senhora do Rosário. Casualmente eu estou na frente da igreja e
eu vejo a massa da população, a nível de cem, cento cinqüenta mil
pessoas, que acompanha a procissão as cinco horas da manhã. A partir
da chegada dela na igreja, que agora é por terra, termina essa harmonia
de fé, começa a beberage, começa a especulação financeira, que estraga
aquela harmonia da festa. Se voltasse a ser como antigamente, que não
tivesse essa comercialização e fosse só a melancia, a gente conseguiria
manter a real tradição da festa de Navegantes (Vera Soares, de Iansã,
janeiro de 2008).

Churrasco, melancia, pastel, galinha, podem ser encadeados com os ícones da


santa e de orixás de modo a produzir a efervescência religiosa que torna o
compartilhamento dos alimentos momentos de uma intensidade sagrada em percurso.
Mesmo o fato de Iemanjá ser das águas salgadas dos mares3 e as oferendas serem
entregues nas praias doces do Guaíba, não chega a quebrar o encadeamento correto dos
ícones. Teria mais fundamento ir até Cidreira, ou Tramandaí, para uma homenagem à
Rainha dos Mares, mas como o rio deságua no oceano o encadeamento pode ser
contemplado mesmo para os religiosos que por não tão abastados, estão obrigados
a permanecerem na festa da Nossa Senhora dos Navegantes em Porto Alegre.

Para se compreender o que está em jogo em termos de confrontos


cosmopolíticos na restrição do uso da melancia e na des-oficialização do perigrinação
fluvial se impõe descortinar o lugar da Iemanjá na cosmologia afro-brasileira.

Em cada dois de fevereiro, a doçura, a sensualidade feminina e as


potencialidades do pensamento se ordenam aqui num único argumento que se faz
procissão. Os pescoços que exibem guias, vestes da religiosidade africana, ou apenas
pessoas trajando branco, o entrelaçamento das afetividades, faz a Iemanjá acontecer
também no dia dois de fevereiro no largo da igreja da Nossa Senhora dos Navegantes.
Iemanjá é a intensidade que se propaga pela orla, um modo de afetar a visão em azul e

3
Segundo Vallado (2005, p. 33), originalmente o culto a Iemanjá também era realizado “à beira do rio
Ogum em Abeocutá, na África”. Teria sido no Brasil que o culto se transferiu para o mar. Não seria
carente de ironia o fato de em Porto Alegre, por conta da pobreza de meios dos devotos, o culto se
associar à procissão a Nossa Senhora dos Navegantes, na intensidade criada em torno do Guaíba, águas
doces de novo.
branco, a emergência da vontade de degustação que se estende na impessoalidade das
barracas de venda de melancias. Esse estado de possibilidade de experimentação do ser
indexa tudo em volta como doçura.

Na noite de véspera do dia dois de fevereiro e ainda na manhã seguinte, os


barquinhos esperam a sétima onda para que homens e mulheres com a água pelos
joelhos os enviem rio acima portando destinos e pedidos. As oferendas à rainha dos
mares estão carregadas de cangica e cocada branca. Não se trata de uma evocação à
doçura como se algo distante estivesse sendo convocado. O que está em jogo é a
presença da doçura enquanto o acontecimento associado à feminilidade: espelhinhos,
brincos, anéis, colares, perfumes, pentes, no mesmo barquinho de pouco mais de
quarenta centímetros, fazem acontecer a rainha dos mares.

É no se fazer com as águas aos joelhos que homens e mulheres agradam à rainha
e fazem dos pequenos barquinhos portadores de destinos. Sob a cangica os pedidos num
pedaço de papel; sobre a cangica branca, o mel, a cocada. Antes de soltar os pequenos
barcos à sétima onda, esfregando os sabonetes da oferenda, os pedidos são relembrados,
o orixá segue às águas como um destino favorável.

As práticas afro-brasileiras procedem por indexação do real, do que agora


realmente importa, isto é, o que pode emergir e pode ser recebido como a doçura da
feminilidade, aqui e agora; o modo por excelência de dar-se do ser.

A doçura que ela traz no coração é a fruta dela. Toda casa de Iemanjá,
ou filho de Iemanjá, no dia dois de fevereiro come um pedacinho, se não
quer comer, uma canjica branca, com coco, uma melancia, um peixe,
uma cocada. (Pai Jorge de Yemanjá, maio de 2008).

Sublinhar o que realmente importa no que se apresenta não se faz aqui como
evocação de algo que poderia ter sido. É o ente como a intensidade de um sabonete que
se faz presença daquilo que na impessoalidade do acontecimento é simplesmente a
doçura feminina: aqui e agora o modo da presença do ser. O ser capturado numa
expressão que dispensa o verbo. O odor, a textura, o gosto no modo como o ser apenas
se oferece. Oferenda, a mediação do ser, argumento da presença.

Se aqui também se busca trazer à atenção o que no presente se impõe e do qual


não se deve desviar, essa atenção não é transportada pela mediação da palavra. Menos
palavras e mais coisas, o dar-se do que realmente importa aqui se faz. A melancia não é
doce como a Iemanjá, mas sim, é a Iemanjá que é a doçura de tudo o que se apresenta
no feminino. Não se trata, sob esse regime de enunciação, de dizer que a melancia evoca
a doçura da Iemanjá; pelo contrário, destaca-se a especificidade de um sagrado que faz a
doçura da melancia.

“A relação entre o material concreto e a divindade é uma relação de


imanência e não de transcendência. O acutá não remete para um poder
que do além se faz representar num mediador simbólico. O acutá - esta
pedra sagrada aqui e agora – já carrega de imediato a totalidade do ser
da divindade. Esta pedra sagrada, aqui e agora, é o xangô, o ogum, a
Iemanjá”. (Anjos, 2006, p. 76).

“Fazer” é o verbo mais importante desse regime afro-brasileiro de existência. A


cabeça do praticante é feita, aprontada, assim como o próprio orixá, e ambos se fazem
mutuamente no presentear-se das oferendas. E fazer não procede por evocação verbal,
mas sim por provocação material da emergência do que realmente importa.

Aqui o acontecimento não se deixa representar: diríamos, enganados, que a


Iemanjá estaria sendo representada pelos adereços. O orixá não é nem evocado nem
representado; simplesmente se instala como a potência do ser. No caso, os adornos são
os argumentos da doçura como feminilidade, a feminilidade do ser como fecundidade
que se associa à amamentação e faz de toda a amamentação um momento que se destaca
como presença.

A regularidade do regime centrífugo das associações icônicas afro-brasileiras


obedece apenas ao princípio de preservação de uma áurea que remete ao passado como
o fundo de um segredo do qual emanam as possibilidades de encadeamentos com
fundamento.

4. Iemanjá na cosmopolítica africana

O regime afro-brasileiro de religação oferece a presença no ícone em


encadeamento. Se, de todo o esforço anterior, isso me for concedido, ainda encontro-me
em apuros. Mesmo que estejamos de acordo que no regime afro-brasileiro a presença se
dá pela afirmação do ícone, ainda me resta descortinar a gramática da associação dos
ícones que permite esculpir a presença que sobressai do fundo indiferenciado do
profano. Que coisas podem ser associadas sob a linhagem da Iemanjá, como regime de
articulação de entidades?

A oposição esquemática entre um regime de enunciação que traz de volta a


presença por meio do verbo – a cristã, tal como apresentada por Latour (2007) – e a
tradição africana que fabrica intensidades por meio de ícones, não deve nos levar de
volta à clássica oposição entre, de um lado, um regime de intelectualização e, de outro,
o pensamento concreto, inteligência versus afeto, espírito contra mundanidades. Banido
esse jogo espúrio de oposições típicas da gramática do racismo colonialista, resta ainda
interrogar a cosmologia afro-brasileira pelas suas próprias partições ontológicas.

Aqui a Iemanjá aparece no lugar de origem do pensamento, mesmo sendo uma


divindade associada à sensualidade. A sensualidade não é aqui uma virtude oposta às
competências do intelecto, mas sim o modo de realização do pensamento em seu
delineamento enquanto efetuação palpável de tudo do que é belo.

E a Iemanjá é a dona do pensamento. Eu acredito que se todos nós


tratássemos bem a Iemanjá ela daria bons pensamentos para toda a
humanidade e boa sabedoria. (Pai Dinajara, maio de 2008).

O pensamento não é aqui apenas uma atividade mental que antecede, precede ou
monitora a ação. O pensamento é também a intensidade do que é, seu vetor moral e a
força que garante a consecução como destino. A melhor explicitação do regime próprio
de temporalização da ação na religiosidade afro-brasileira aparece em Márcio Goldman
(2008) quando nos apresenta o Candomblé como a arte da atualização de virtualidades.
Para Goldman, se o candomblé também é uma forma de arte, não é apenas porque exige
talentos e dons especiais, mas também porque cria objetos, pessoas e deuses. É no trato
que sofre o tempo nessa forma de arte, que se exibe a singularidade de uma ontologia
em que os objetos de arte já existem antes de serem criados. A criação é aqui na verdade
a apresentação das virtualidades que as atualizações dominantes contêm.

Se a atuação é a atualização que precisa ser esculpida do fundo em que reside


como virtualidade, o tempo é o lugar de maturação do “já aí desde sempre” que aguarda
seu devir adulto. Esse devir, realização do pensamento como intencionalidade
impessoal, no batuque do Rio Grande do Sul se dá na intensidade da Iemanjá.
Iemanjá estrutura quando são adultos. Dificilmente veremos na volta de
Iemanjá crianças. E Nanã cuida o nosso corpo; por isso ela é a senhora
do lodo e da água parada; é a transformação do corpo em matéria
orgânica de novo. (Pai Áureo, janeiro de 2008).

A sucessão de Iemanjá por Nanã expressa a queda do pensamento que deixa de


ser atualidade para retornar de novo à potência do indiferenciado.

A injunção de levar a sério a ontologia afro-brasileira, no modo do fazer


acontecer como o ato de esculpir o “já aí desde sempre”, torna-se possível escapar à
gramática colonial da contraposição entre intelecto e sensualidade. A intensidade que
acompanha a realização do “já aí” é também o lugar do esbanjamento da potência, como
sensualidade, a forma por excelência da fartura, no modo como a imensidão do mar é o
conteúdo, a substância da doação sem limites.

Iemanjá é o respeito, é a fartura por causa do mar, o mar dá muitos


alimentos. (Pai Dinajara, maio de 2008).

Sem a intensidade adequada à realização da ação como destino, o ato se


realizaria de modo desequilibrado. É por isso que no lugar da realização da ação, a
Iemanjá se manifesta como a saúde, o equilíbrio no processo de construção da
multiplicidade que é a pessoa.

Iemanjá é a saúde psicológica; Iemanjá é a rainha das águas. Quem é


que não gosta de tomar um banho de mar, quem não gosta de observar,
admirar o mar! Que paisagem mais bonita que é o mar! Todo mundo
observa. E pra ti ver o mar é tão forte, ele tem uma natureza tão forte.
Pode pegar o político mais importante, o presidente de uma nação, ele
não tem como entrar no mar de terno e gravata e tomar um banho
tranqüilo. (Pai Dinajara, maio de 2008).

Nessa cosmopolítica que enfrenta o sincretismo imponto a icnoclastia e a


controvérsia, Iemanjá é simultaneamente o pensamento, a saúde e a beleza do mar: a
respeitabilidade do pensamento em toda a sua sensualidade, a efetuação plena das
virtualidades adequadamente intencionadas. Que esse regime de enunciação se acople
ao catolicismo na forma da iconoclastia e da controvérsia cabe ainda demonstrar.
5. A iconoclastia nas mãos dos afro-brasileiros

É comum nos meios religiosos afro-brasileiros a narrativa de que para trapacear


seus senhores católicos os escravos escondiam seus ocutás subjacentes ao pedestal das
estatuetas de santos do catolicismo.

Tinha Nossa Senhora dos Navegantes e embaixo a Iemanjá. Então a


gente respeitava muito as imagens da igreja, porque foi o que nos
apoiou no nosso sincretismo. (Norinha de Oxalá, março de 2008).

Em outras versões, o orixá pode estar atrás do santo católico resguardado pela
estátua. Nos novos portais da religiosidade afro-brasileira que se desdobram pela
internet, é comum uma narrativa iconoclasta em que a Igreja Católica aparece zelando
naturalmente pela conversão dos escravos africanos e estes, mesmo batizados, mantêm
rituais e ícones africanos sob a prática da religião católica.

Com a necessidade de cultuar sua religião, os escravos escondiam seus


Orixás atrás de imagens de Santo Católico, a escolha do santo católico
era de acordo com cada Nação (tribo) de Orixás das peculiaridades e
características do Orixá cultuado, de acordo com a vida de Santo
católico. (http://www.paidudadeogum.com.br/ , grifo meu.)

Foi surpreendente a variante narrativa de nossa pesquisa que torna intuitivo o


caráter iconoclasta do personagem escravo repetido na narrativa. No relato de um pai de
santo de Porto Alegre, o ocutá não resiste mais subjacente ou à sombra da estatueta
católica, mas semeando o sagrado não-antropomórfico no interior mesmo das formas
demasiado humanas do catolicismo.

Eles [os orixás] vieram através dos escravos. Os escravos não podiam
praticar a religião africana porque eram governados pelos portugueses;
então eles usavam o santo católico, inclusive para esconder o ocutá. O
orixá dentro do santo, porque naquele tempo tinha muitos santos feito de
madeira. Então os santos eram ocos por dentro, por baixo, ali dentro
eles escondiam o ocutá, a feitura do orixá. (Pai Dinajara, maio de
2008).
A insinuação do vazio interior da sacralidade católica mais do que se contrapõe à
alternativa de se adorar ícones compactos como as pedras de que emanam as forças
sagradas dos afro-brasileiros. Sob a teoria esboçada pelo pai de santo, o catolicismo
aparece como a forma que transporta e traveste o que é o sagrado na sua efetividade.
Sob essa perspectiva visualizamos que as práticas sincréticas em torno de Nossa
Senhora dos Navegantes em Porto Alegre ressoam no interior das doutrinas católicas de
modo a destruir seus fundamentos icônicos. Se tomarmos a postura iconoclasta como a
oposição ao culto de ícones seria, aparentemente, contra-intuitivo que um modo de
existência em que as pessoas são constituídas de modo tão associado a ícones possa ser
percebido como iconoclasta. Mas não seria iconoclasta a postura de inserir uma pedra
no interior de uma estátua como se a coisa a adorar não pudesse ser essa forma humana
do catolicismo? O que passa a ser essa pedra interior se não o que a imagem católica
não é, nunca poderia vir a ser, por ser apenas uma estátua? E se a pedra interior
naturaliza o sagrado, na extensão da idéia de que os orixás são forças da natureza, esse
argumento não destrói as formas demasiado humanas da estátua católica? Em lugar ou
em comum com a estátua que busca forma humana, o que se passa a sacralizar quando
um santo católico carrega um orixá nas entranhas?

Não se trata de que de modo geral o regime de enunciação afro-brasileiro seja


iconoclasta, mas que no modo da cosmopolítica em jogo, os dois regimes de existência
não ressoam entre si se não intensificando a iconoclastia interna a cada uma das
cosmologias.

A perspectiva aqui subjacente se insere no interior de um tipo de abordagem que


passa a ver a iconoclastia como um regime ordinário de ação em que quebram-se ícones
ou se desdenha de dogmas ou de convenções estabelecidas “por outros”. Longe de ser a
marca específica do racionalismo próprios aos laboratórios científicos e filosóficos que
se estendem da modernidade ocidental, a iconoclastia se insere num tipo comum de
controvérsias nas disputas entre povos e em que os regimes de enunciação das
dimensões sagradas da existência estão em jogo. Mas as diferentes tradições
iconoclastas que se consolidam em cada cosmopolítica conformam regimes de
enunciação muito diferentes entre si.

Se as escolas iconoclastas cristãs enfatizam a compreensão e a transformação


interior por meio da palavra, poderia-se simplificar dizendo que os afro-brasileiros
chegam ao que realmente importa no existir, sem sair da imanência da materialidade dos
ícones e economizando o verbo. O regime de iconoclastia posto em jogo contra o
catolicismo reside num deslocamento do sagrado do interior das formas humanas para
sua extensão às séries não humanas. No campo das distinções doutrinais no interior do
cristianismo a iconoclastia pode ser tomada como a injunção a obedecer ao mandamento
que proíbe os fiéis de adorarem imagens. Certamente não é desse tipo de iconoclastia
que se trata nesse outro regime de existências que é o da imanência do sagrado nas
formas fluviais, assim como na ventania e no trovão.

Um ocutá no interior de um santo católico não procede sem corroer o


antropomorfismo do sagrado católico. Trata-se de um regime de enunciação que em
lugar de perseguir o sagrado no que há de mais humano se estende com as divindades
no para-além do humano. Trata-se de outra iconoclastia; esta que ao rebater sob as
estátuas dos santos católicos busca o sagrado nas séries não-humanas.

E esse é o ponto mais tenso da diplomacia das práticas africanas junto às


agências institucionais católicas, no que tange aos cultos associados a Nossa Senhora
dos Navegantes. Quando a igreja católica proibiu a exposição da melancia no entorno da
igreja ela impossibilitou a sobreposição da série dos territórios existenciais africanos
sobre a série dos territórios sacralizados do humanismo católico.

6. Iemanjá nas pessoas ou como um orixá escava uma interioridade

Se me exigirem que use o termo sincretismo para codificar esse regime de


diplomacia, diria que o termo deveria denotar aqui uma guerra cosmológica por todos
os meios que não os da violência física – ou se quiserem, cosmpolítica. Contra a idéia
do sincretismo como guerra religiosa por (todos os) outros meios, poder-se-ia
argumentar que as pessoas envolvidas em tais narrativas iconoclastas são apenas uma
parte do campo das posições que se anunciam como religiosamente afro-brasileiras.
Para grande parte dos participantes da festa de Nossa Senhora dos Navegantes, não há
distância entre a estátua e o ocutá, a santa católica e a orixá. Para esses que vão
diretamente ao que realmente importa, as querelas doutrinais e institucionais se
resolvem, ou se dissolvem, pelas intensidades que a participação impõe. Como disse um
depoente anônimo:

Eu nasci no dia de São Pedro e São Paulo, o homem das chaves do céu.
Eu sou devoto a São Pedro e a São Paulo, porque eu nasci no dia deles.
Hoje eu sou da mãe deles, que a mãe de São Pedro é a Iemanjá ou Nossa
Senhora dos Navegantes, que é a mesma coisa.

A articulação possessiva do ser de São Pedro como devoto sugere aqui mais do que
uma relação eletiva. O modo como o devoto acontece como pessoa é feito pela
associação com as chaves do céu como intensidade. Nas múltiplas formas como a
intensidade pode ser transportada e religada, a mãe é a Iemanjá; sob as vibrações de
certos ícones ou em outras intensidades é a Nossa Senhora dos Navegantes. Assim
como o devoto é filho de São Pedro ou da Iemanjá, conforme o dia, sua intensidade
singular.

Acontece que ao se deixar levar pelo modo como o ser do sagrado se faz
constitutivo na pessoa, este devoto que se apresenta como católico e irmão de sangue de
uma batuqueira, apresenta o próprio corpo como a forma que carrega por dentro as
intensidades compactas de sacralidades transportadas por essa forma humana que é a
pessoa. Como o santo católico vazio da narrativa acima que se deixa ocupar por um
orixá que, sendo de madeira permite que uma pedra lhe escave as entranhas, assim esse
devoto que oscila entre o catolicismo e o batuque carrega na interioridade a imanência
do sagrado. Situado no terreno da diplomacia afro-brasileira, a lógica concreta das
coisas percorre irresistivelmente todos os corpos batizados, impondo-lhes a iconoclastia
interna da série ontológica que recusa o verbo.

Não apenas a narrativa auto-biográfica se faz indexar pela presença das intensidades
que esse regime de enunciação destaca, mas a presença do ser enquanto pessoa tocada
pela participação da festa sagrada, o regime de existência em que o devoto se coloca já é
o da sacralização das séries não-humanas. Pouco importa que esse fiel seja do
catolicismo ou da religiosidade afro-brasileira, a força da “transparência do mal”, diriam
os evangélicos.

Está aqui a raiz do principal erro do estudo sobre a procissão a nosa senhora dos
navegantes em que quantificamos o número de pessoas que associavam a data à Iemanjá
(Oro e Anjos 2010). Não o poderíamos ter feito se não sob a ontologia que totaliza
pessoas como unidades fechadas em torno de posições. Mas e se as pessoas forem
multiplicidades corroídas por terem as entranhas já pouco católicas mesmo quando só
reconhecem no discurso explícito a Virgem? Não nos corrói a todos esse princípio de
suspeita de que algo mais do que humano compõe nossas entranhas carnais (e não
apenas nosso ser espiritual)?

Conclusão 

Algo estranho se insinua quando os afro-brasileiros reagem com indignação à des-


oficialização da procissão fluvial. A essa altura das correlações de forças, os afro-
brasileiros poderiam simplismente oficializar uma procissão batuqueira e festejar a
melancia ao largo da imensa orla do Guaíba. Para supreender o que está em jogo em
termos cosmopolítico no modo como o regime afro-brasileiro de enunciação se acopla à
oficialidade católica se impõe ir além da superficialidade que denota o termo
sincretismo.

Não está jogo, nessa cosmopolítica, apenas um acoplamento entre dimensões do


catolicismo e africanistas. Há, por parte dos africanista, uma recusa enfática às
mudanças nos rituais do catolicismo, que percebem como destruição de um regime de
encadeamendo de icones sobre o qual se poderia potencializar uma corrosão
cosmológica. É como se na recusa ao cortejo terrestre, os afro-brasileiros denunciassem:
“vocês estão errados, pelos vossos fundamentos religiosos e por nós, pelo que
precisamos de vossa religiosidade devidamente fundamentada”.

Enquanto injunção e interpelação ao catolicismo, a religiosidade afro-brasileira se


apresenta como sendo também um regime de retificação ontológica. Na há religação ao
catolicismo sem recusa ontológica. Trata-se de uma proposta de pacto cósmico e
simultaneamente de uma controvérsia sobre o mundo possível e as possibilidades de se
viver junto. O regime afro-brasileiro de enunnciação apresenta-se como incompatível ao
monoteísmo cristão. Sob a controvérsia, se há algum sincretismo, é mais como guerra
de cosmos do que enquanto fusão de horizontes. A interpelação afro-brasileira é a de
que só um mundo é possível: o plurimundo politeísta.
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