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Mediação como política pública
de fortalecimento da democracia
participativa*
Mediation as a public policy of
strengthening of the participatory
Luthyana Demarchi de Oliveira11 democracy3
Fabiana Marion Spengler22
4
2 A democracia na sociedade contemporânea LEAL, Rogério Gesta. Estado, administração pública e socie-
dade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
Na sociedade contemporânea, falar em sistema 2006. p. 22.
5
NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o
estatal remete necessariamente a um problema central
estado democrático de direito a partir e além de Luhmann e
na teoria política que é a ideia de representação política Habermas. 2. ed. São Paulo: M. Fontes, 2008. p. 158.
6
e suas consequências, frente a um Estado cada vez mais BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das
regras do jogo. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro:
pleno de direitos, obrigações e deveres, reflexo da com- Paz e Terra, 1987. p. 18.
7
plexidade social atual. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das
regras do jogo. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro:
Nessa linha de raciocínio, o Estado deve se rela- Paz e Terra, 1987. p. 18.
8
LEAL, Rogério Gesta. Estado, administração pública e socie-
cionar com o povo, que é reconhecido como a fonte le- dade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
132 gítima dos poderes institucionais, exercidos pelo poder 2006. p. 26.
Mediação como política pública de fortalecimento da democracia participativa
Dessa maneira, para melhor entendimento, pare- de “[...] Estado, Democracia e Poder Político passa pela
ce pertinente estabelecer a diferença entre a democracia avaliação da eficácia e legitimidade de procedimentos
representativa e a direta. Na democracia representativa, utilizados no exercício de gestão de interesses públicos, a
as deliberações coletivas dizem respeito à coletividade partir de novos espaços de comunicação e novos instru-
como um todo e não apenas àqueles que dela fazem par- mentos políticos de participação”.13
te. Trata-se de pessoas eleitas para essa finalidade. “Um
No contexto apresentado, a democracia implica
estado representativo é um estado no qual as principais
outros conceitos estruturais de poder político e partici-
deliberações políticas são tomadas por representantes
pação política, baseada em uma sustentação teórica de
eleitos, importando pouco se os órgãos de decisão são o
formação da vontade política institucionalizada e na no-
parlamento, o presidente da república, o parlamento mais
ção de esfera pública revitalizada, que aloca um “[...] con-
os conselhos regionais, etc.”9
junto orgânico de arenas políticas informais, compostas
Na democracia direta, há “[...] o instituto do re- de velhos e emergentes atores/cidadãos, dialogicamente
presentante substituível contraposto ao do representante discursivas e democráticas, inovadoras competências so-
desvinculado de mandato imperativo. De fato, o cordão beranas de interlocução, deliberação, formulação e exe-
umbilical que mantém o delegado unido ao corpo eleitoral cução de políticas públicas sociais”.14
10
não é de todo cortado”. Nesse tipo de regime, o indiví-
Atualmente, o modelo de democracia apresenta-
duo participa por conta própria nas deliberações que lhe
-se como meio de luta estratégica do poder, pois é sensí-
dizem respeito. É preciso que entre os indivíduos delibe-
vel às diversidades de valores da sociedade moderna, os
rantes e a deliberação não exista nenhum intermediário.11
quais devem ser tratados imparcialmente pelos procedi-
Ressalta-se, no entendimento de Leal, que o mo- mentos do Estado Democrático de Direito. Esse Estado
delo de democracia representativa clássica da Idade Mo- pressupõe uma esfera pública pluralista recíproca, pois:
derna, fundado na ideia de representação política, não [...] legitima-se enquanto é capaz de, no âmbito
conseguiu se desincumbir das tarefas sociais e populares, político-jurídico da sociedade supercomplexa
da contemporaneidade, intermediar consenso
[...] transformando-se em espaços de compo- procedimental e dissenso conteudístico e, dessa
sição de interesse privado, levando a uma crise maneira, viabilizar e promover o respeito recí-
9 13
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das
regras do jogo. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: regras do jogo. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987. p. 44. Paz e Terra, 1987. p. 33.
10 14
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das LEAL, Rogério Gesta. Estado, administração pública e socie-
regras do jogo. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: dade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
Paz e Terra, 1987. p. 44-51. 2006. p. 77.
11 15
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o
regras do jogo. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Estado democrático de direito a partir e além de Luhmann e
Paz e Terra, 1987. p. 51. Habermas. 2. ed. São Paulo: M. Fontes, 2008. p. 156.
12 16
LEAL, Rogério Gesta. Estado, administração pública e socie- LEAL, Rogério Gesta. Estado, administração pública e socie-
dade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, dade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2006. p. 71. 2006. p. 74. 133
Luthyana Demarchi de Oliveira, Fabiana Marion Spengler
21
VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 7. ed. Rio de Janeiro:
17
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse Record, 2004. p. 73.
22
político atual e o futuro da social- democracia. Rio de Janeiro: VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 7. ed. Rio de Janeiro:
Record, 1999. p. 70. Record, 2004. p. 75.
18 23
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 7. ed. Rio de Janeiro:
político atual e o futuro da social- democracia. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 76.
24
Record, 1999. p. 43. GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse
19
GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social- democracia. Rio de Janeiro:
político atual e o futuro da social- democracia. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 63.
25
Record, 1999. p. 43. GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse
20
VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 7. ed. Rio de Janeiro: político atual e o futuro da social- democracia. Rio de Janeiro:
134 Record, 2004. p. 72. Record, 1999. p. 107.
Mediação como política pública de fortalecimento da democracia participativa
breza e violência em vários países e os casos de exclusão informação, opinião e conhecimento, evitando igualmen-
dos blocos econômicos no auxílio dos mais necessita- te a exploração”.30
dos. Ressalta-se, assim, que a “[...] pobreza se caracteriza
Para tanto, busca-se outro modo de vida baseado
como um problema complexo e multidimensional que
em um espaço comunitário de efetivação da pluralidade
requer um enfoque intersectorial e integrado, de forma
democrática, comprometida com a alteridade e a diversi-
igual o desenvolvimento humano e sustentável”.26 A situ-
dade cultural. Ressalta-se um contexto global de eman-
ação de pobreza é consequência da ordem econômica so-
cipação que tem como “[...] estratégia progressista de
cial e política em nível internacional. A pobreza também
integração procurar promover e estimular a participação
é deficiente de outros fatores da condição humana, como
múltipla de segmentos populares e de novos sujeitos co-
segurança e autoestima.
letivos de base”.31
Nesse sentido, não se pode deixar de mencionar o
Assim, a cidadania é definida como princípio da
modelo de vida americana, que “[...] tem como principal
democracia, constituindo-se na criação de espaços so-
objetivo impulsionar os mecanismos do mercado e sobre
ciais de luta e na definição de instituições permanente
o todo impor a rude disciplina do trabalho desqualifi-
para a expressão política, significando também conquis-
cado nas populações marginais”.27 Consequentemente,
ta e consolidação social e política. “A cidadania poderá,
procuram:
dessa forma, cumprir um papel libertador e contribuir
[...] sacrificar o pobres, e sobretudo, o subprole- para a emancipação humana, abrindo novos espaços de
tariado urbano negro, encarnação e bode expia-
tório de todos os males do país, para exorcizar liberdade”,32 além de funcionar como uma forma de en-
as preocupações das classes médias e trabalha- fretamento das devastadoras consequências da ordem
dores acerca do futuro. Significa, uma vez mais,
pedir para os que vivem a negação do sonho
globalizada, que é o que se passa a estudar.
americano que sofrem por uma suposta alteri-
dade de tal modo que o país possa manter sua fé
no mito nacional de prosperidade para todos. 28
4 O sistema estatal e a esfera de atuação polí-
Desse modo, o que se percebe é que, atualmente, tica
as consequências da globalização transmitem “[...] pelo
Os conflitos que permeiam a sociedade moderna
que ocorre na Europa, entre o final da Idade Média e o Dessa forma, o sistema estatal não é somente uma
início da Idade Moderna. Nas palavras de Rodrigues, “[...] organização burocrática. É também um reordenamento
o Estado moderno se constitui de um conjunto de insti- jurídico, social e político da sociedade com o reconheci-
tuições públicas que envolvem múltiplas relações com o mento da cidadania. Assim, o papel do Estado é promo-
complexo social num território delimitado”.34 A crise está ver políticas que priorizem a convivência dos cidadãos,
afetando a maioria das sociedades do mundo, desde que de modo a multiplicar os espaços públicos de cooperação
se preconizou a ideia de diminuição da intervenção do e participação.
Estado em oferecer os direitos sociais à população.
Assim, no contexto apresentado, os mecanismos
Desse modo, a fim de evitar um colapso mundial, mais usados para que isso aconteça são as políticas públi-
organizações da sociedade civil começaram a tomar ini- cas. As políticas públicas normalmente são um conjunto
ciativas pontuais com o objetivo de burlar o quadro de de ações ou programas instituídos pelo bem ou interesse
crise e garantir os direitos de todos os cidadãos. Na busca comum. O conceito tem ligação direta com a “política”
desse espaço de diálogo, a sociedade civil ressurge como que advém da palavra de origem grega polis, que se refere
a esfera de interação, de modo a garantir a autonomia da às coisas da cidade, ou seja, “[...] ao que é urbano, público,
economia e do Estado. A construção dessa esfera torna- civil e social”.37
-se, assim, essencial enquanto participação política e
Nas explicações de Rodrigues, Aristóteles, no sé-
social dos cidadãos. Nessa seara, o combate do modelo
culo 4 a.C, foi o primeiro filósofo a desenvolver um trata-
liberal, denominado democracia liberal, dá-se pela ins-
do sobre o tema. O autor referia que a política era a arte
tituição de uma democracia participativa com espaços
ou ciência do Governo e apresentava uma tipologia das
estruturais de integração social. Nas palavras de Santos:
formas de governar. Na era moderna, a ideia de políti-
No processo, o próprio espaço político liberal, ca começa a ser substituída como “ciência do Estado” ou
o espaço da cidadania sofre uma transformação
profunda. A diferenciação das lutas democrá- “ciência política”, que diz respeito à “[...] atividade ou ao
ticas pressupõe a imaginação social de novos conjunto de atividades que, de alguma maneira, faz re-
exercícios de democracia e de novos critérios
democráticos para avaliar as diferentes formas
ferência ao Estado. Como tal, o conceito de política está
de participação política. E as transformações estreitamente vinculado ao de poder”.38 Reitera ainda que
Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 2, n. 2, p. 131-140, jul./dez. 2012
Nas afirmações de Morin, “[...] os gigantescos Para a maioria da doutrina, os aspectos conceitu-
problemas da civilização, demandando mobilização para ais das políticas públicas envolvem três dimensões: a ins-
humanizar a burocracia e a técnica, defender e desenvol- titucional, denominada de polity, ordenada pelo sistema
ver as convivialidades e solidariedades”.36 Assim, a socie- político e delineada pelo sistema jurídico; a processual,
dade contemporânea, colhendo os resultados negativos politics, que se dá pela dinâmica da política e da competi-
do modelo de progresso capitalista, necessita reaprender ção do poder; e a material, policy, que envolve o conteúdo
a viver conjugando as formas individuais e coletivas de concreto dita como o “Estado em ação”. Salienta-se que
cidadania, de modo a tratar seus conflitos. as três esferas são permanentes e se influenciam recipro-
camente.
34
RODRIGUES, Marta Maria Assumpção. Políticas públicas.
37
São Paulo: Publifolha, 2010. p. 17. RODRIGUES, Marta Maria Assumpção. Políticas públicas.
35
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o São Paulo: Publifolha, 2010. p. 13.
38
político na pós-modernidade. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997. RODRIGUES, Marta Maria Assumpção. Políticas públicas.
p. 271. São Paulo: Publifolha, 2010. p. 13.
36 39
MORIN, Edgar. A decadência do futuro e a construção do pre- RODRIGUES, Marta Maria Assumpção. Políticas públicas.
136 sente. Florianópolis: UFSC, 1993. p. 32. São Paulo: Publifolha, 2010. p. 13.
Mediação como política pública de fortalecimento da democracia participativa
Dessa forma, observa-se que várias são as defini- um interesse comum na área e têm contribuído para
ções de políticas públicas, sendo um processo pelo qual avanços teóricos e empíricos”.42
os diversos atores que compõem a sociedade tomam de-
Nesse sentido, a definição de políticas públicas
cisões coletivas que objetivam um interesse comum. Nas
permeia um campo de estudo que vem trazendo impor-
palavras de Schimidt:
tantes contribuições para compreender o funcionamen-
[...] configuram decisões de caráter geral que to das instituições e das complexidades que envolvem a
apontam rumos e linhas estratégicas de atu-
ação governamental, reduzindo os efeitos da vida nos dias atuais. Assim, a seguir, passa-se à análise da
descontinuidade administrativa e potencia- mediação como política pública para o fortalecimento da
lizando os recursos disponíveis ao tornarem
públicas, expressas e acessíveis à população e
democracia.
aos formadores de opinião as intenções do go-
verno no planejamento de programas, projetos
e atividades.40
5 A mediação como política pública para o
Normalmente, a política pública é gerada por uma fortalecimento da democracia participativa
situação de dificuldade ou por algum problema, que cha-
A implementação de uma política pública é o
ma a atenção do Estado, aqui envolvendo todos os atores
instrumento utilizado para a promoção da cidadania. O
de forma ampla, e que é inserida em uma agenda política.
mundo atual é consequência de uma série de crises que
Assim, há a formulação da política pública, que é a defi-
trouxeram reflexos devastadores para toda a sociedade.
nição sobre a maneira de solucionar o problema político
Nesse sentido, explica Morin:
em pauta e a escolha das alternativas a serem adotadas. A
Não se poderia destacar um problema número
próxima fase é a de implementação da concretização da um, que subordinaria a todos os demais; não há
formulação, por meio de ações e atividades que materia- um único problema vital, mas vários problemas
vitais, e é essa inter-solidariedade complexa de
lizam as diretrizes, programas e projetos, e está a cargo do
problemas, antagonismos, crises, processos des-
aparelho burocrático (administração). E por último, se dá controlados, crises gerais do planeta que consti-
sua avaliação, na qual são analisados os seus resultados, tuem o problema vital número um.43
custos e aceitação pelos cidadãos.
Percebe-se que, a cada ano, os problemas aumen-
Vale ressaltar que muitos desses direitos não tive- A justificativa de implementação da política públi-
ram sua efetiva aplicabilidade devido a uma série de fa- ca considera o largo e crescente aumento dos problemas
tores de ordem política, econômica e funcional que pro- e conflitos jurídicos na sociedade, de forma a organizar
vocaram uma crise do Estado Democrático de Direito. e consolidar, em âmbito nacional, não somente os servi-
Assim, a retomada desse Estado perpassa pela ideia de ços prestados nos processos judiciais, como também nos
política dedicada a reinventar a convivência entre os ci- outros mecanismos de solução de conflitos, em especial,
dadãos e isso depende da multiplicação de espaços sociais os consensuais, como a mediação e a conciliação. Assim,
favoráveis à expansão de novas formas de solidariedade, “[...] desenvolvem-se novas políticas sociais referentes ao
cooperação e participação democrática. papel jurisdicional do Estado frente a essa explosão de li-
Essas políticas implicam também novas formas de tigiosidade, decorrente da complexidade socioeconômica
tratamento dos conflitos sociais, os quais somente produ- moderna”.46
zem eficácia se contarem com uma mudança de paradig- Nessa esteira, a Resolução menciona a concilia-
ma, transformando o litígio em consenso. Nesse sentido, ção e a mediação como instrumentos efetivos de pacifi-
a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de cação social, de modo a solucionar e prevenir os litígios,
2004, que inclui o art.103-B na Constituição Federal, cria já que sua prática em programas já implementados no
o Conselho Nacional de Justiça, que é o órgão encarrega- país tem reduzido a excessiva judicialização dos confli-
do de desenvolver ações e programas com o objetivo de tos de interesses, a quantidade de recursos e de execução
garantir o controle administrativo e processual, a trans- de sentenças, devendo servir de base para a criação de
parência e o bom funcionamento do Judiciário. juízos de resolução alternativo de conflitos, verdadeiros
Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 2, n. 2, p. 131-140, jul./dez. 2012
Das múltiplas funções do Conselho Nacional de órgãos judiciais especializados na matéria. Nas palavras
Justiça, estipula-se a implementação de ações de reforma de Favreto:
do sistema de justiça, instituindo-se, assim, uma política Devemos trabalhar com a solução pacífica e ne-
gociada- portanto, mais preventiva do que cura-
de tratamento adequada dos conflitos, pela Resolução nº tiva- dos problemas que surgem na sociedade,
125 de novembro de 2010. visando à estutura de um processo de formação
de pacificação social no âmbito das lides- judi-
Normalmente, a política pública é instituída ten- cializadas ou não.” 47
do como base conceitual os problemas da esfera pública.
Por fim, estabelece ainda a relevância e a neces-
Dessa forma, ampliando a abrangência da política, con-
sidade de organizar e uniformizar os serviços de conci-
forme os termos da Resolução nº 70, de 18 de março, de
liação, mediação e outros métodos consensuais de solu-
2009, do próprio Conselho, estipula-se que a eficiência
ção de conflitos, para evitar disparidades de orientação
operacional, o acesso ao sistema de justiça, e a respon-
e práticas, bem como para assegurar a boa execução da
sabilidade social serão os objetivos estratégicos do Poder
política pública.
Judiciário e que o direito de acesso à justiça, conforme
previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, impli-
cará também a ordem jurídica justa. Para Bacellar:
45
BACCELAR, Roberto Portugal. Juizados especiais: a nova
mediação paraprocessual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 222.
44 46
LEAL, Rogério Gesta. Significados e sentidos do estado de- MORAIS, José Luiz Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion.
mocrático de direito enquanto modalidade ideal/constitu- Mediação e arbitragem: alternativa à jurisdição. 2. ed. Porto
cional do estado brasileiro. Redes : o mundo do trabalho na Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 113.
47
virada do século, Santa Cruz do Sul, v. 3, p. 149-174, jul. 1998. AZEVEDO, André Gomma (Org.). Manual de mediação judi-
138 p. 167. cial. Brasília: PNUD. 2009. p. 18.
Mediação como política pública de fortalecimento da democracia participativa
Nesse sentido, o Estado Democrático de Direito, Por conseguinte, há uma reestruturação da teoria
promulgado pela Constituição de 1988, passou a contar política, já que se remodelam as inter-relações entre Es-
com um conjunto significativo de instrumentos, de modo tado, economia e sociedade. Nesse sentido, a definição de
a enfrentar os problemas frutos das relações sociais mo- políticas públicas permeia um campo de estudo que vem
dernas. Assim, trazendo importantes contribuições para compreender o
[...] essa medidas deverão ser implementadas, funcionamento das instituições e das complexidades que
conjuntamente, com meios assecuratórios à ci- envolvem a vida nos dias atuais.
dadania, pois a crise que enfrentamos provém
de causas distintas pertencentes a um mesmo Assim, a implementação de uma política nacional
fenômeno global, mas com características pró-
de tratamento dos conflitos, por intermédio da Resolução
prias.48
nº 125 do CNJ que adota como mecanismos consensuais
Portanto, a cidadania social favorece a construção a conciliação e a mediação, transforma as relações não só
de uma democracia, já que ela reside nas classes econô- dos envolvidos, mas contribui, e muito, para a mudan-
micas menos favorecidas, por meio de vínculos entre as ça de paradigma de um sistema de justiça voltado para o
pessoas. E é por esses vínculos que se fortalece a coope- consenso e a pacificação social.
ração que gera a confiança. A atuação conjunta do Estado
Nesse sentido, a Resolução nº 125 não deve servir
e da sociedade fomenta essa confiança. Nas palavras de
somente para desafogar o judiciário como parece para
Rodrigues:
muitos, ou um mecanismo que resolva todos os proble-
Da capacidade do Estado (pelos diversos Go-
vernos) para executar políticas públicas sociais mas do sistema, mas tem como objetivo uma política que
mais eficazes, abrangentes e universais, depende conscientize o tratamento do conflito de modo qualitati-
o aprimoramente do bem estar e da cidadania,
vo e quantitativo.
com a diminuição das desigualdades e a conso-
lidação da democracia de cidadãos e cidadãs.49 Desse modo, a atuação conjunta entre Estado e so-
Nesse sentido, o que se almeja é um Estado par- ciedade fomenta a confiança e propicia o fortalecimento
ticipativo que se aproxime do seu cidadão e busque a da dita democracia participativa, que busca incessante-
defesa das questões sociais, priorizando a inclusão social mente espaços públicos destinados a políticas públicas de
bem-estar e de pacificação social, priorizando a inclusão
6 Considerações finais
Frente à complexidade do mundo contemporâ-
Referências
neo, a democracia se remodela estabelecendo um novo
AZEVEDO, André Gomma (Org.). Manual de mediação
contrato de civilidade com todos aqueles que participam
judicial. Brasília: PNUD, 2009.
da comunidade, inclusive reaproximando o político e o
social, nascendo daí uma nova democracia dita partici- BACCELAR, Roberto Portugal. Juizados especiais: a
pativa. nova mediação paraprocessual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.
Nessa democracia, a cidadania é o princípio nor-
teador, recriando espaços sociais de luta e participação, BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências
humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: J. Zahar,
redefinindo a dimensão social e política e estabelecendo
1999.
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