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Princípios do Direito da Energia


Princípios do Direito da Energia

Rafael Lazzarotto Simioni

Publicado em 06/2011. Elaborado em 12/2007.

Após a descentralização do sistema de geração, transmissão,


distribuição e consumo, a energia só pode ser juridicamente
entendida como dependente da tecnologia e dos recursos
naturais.

SUMÁRIO: 1 Introdução – 2 O contexto de surgimento do Direito da Energia – 3


Descentralização e transnacionalização – 4 Inclusão e exclusão energética – 5
Energia e tecnologia – 6 Princípios do Direito da Energia – 7 Segurança no
aprovisionamento energético – 8 Eficiência energética – 9 Não-retrocesso na
utilização de tecnologias – 10 Acesso universal à rede de distribuição de energia –
11 Liberdade energética – 12 Considerações finais – 13 Bibliografia

Resumo: O Direito da Energia se consolidou como disciplina jurídica na Europa do


final do século XIX. Mas apesar dos esforços da teoria jurídica, a sua autonomia
disciplinar sempre foi ameaçada pela falta de princípios próprios. A partir da
semântica ecológica da década de setenta, o Direito da Energia passa a incorporar
também referências à sustentabilidade ambiental. Atualmente – e especialmente
após a descentralização do sistema de geração, transmissão, distribuição e consumo
de energia –, a energia só pode ser juridicamente entendida como dependente da
tecnologia e dos recursos naturais. Essa tríplice referência jurídica, ecológica e
tecnológica permite pensar em princípios específicos ao Direito da Energia: o
princípio da segurança no aprovisionamento energético, da eficiência energética, do
não-retrocesso na utilização de tecnologias, do acesso universal à rede de
distribuição de energia e, por fim, o princípio da liberdade energética.

Palavras-chave: Direito da Energia; princípios; tecnologia; recursos naturais.

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Abstract: Energy law was consolidated as a judicial subject at the end of the 19th
century. But, despite all the efforts from the judicial theory, your disciplinary
autonomy was always in danger because of the lack of its own principles. With the
ecologic semantic from the 70's, the Energy Law also started to incorporate
ambient sustainability concepts. Nowadays – especially after the decentralization
of the generation, transmission, distribution and energy consumption's system –
the energy can only be judicially understood as dependent from the technology and
the natural resources. Those triple judicial, ecological and technological references
allow us to think about Energy Law's specific principles: the principle of safety in
the energy upgrading (or advance), the principle of energy efficiency, the principle
of the technological use's improvement, the principle of universal access to the
energy distribution's web and, finally, the principle of energy freedom.

Key-words: Energy Law, principles, technology, natural resources.

1 Introdução

As transformações sociais provocadas pela máquina a vapor foram enormes. Mas


enquanto as sociedades industriais do século XIX enfrentavam o problema da
"máquina", a sociedade mundial contemporânea enfrenta o problema do "vapor".
A sociedade contemporânea se depara com os limites ecológicos do
desenvolvimento e isso produz uma orientação diferente no modo de
relacionamento da sociedade com o ambiente. Antes era a máquina que tinha que
ser aperfeiçoada para produz mais trabalho, com mais velocidade, com mais
potência e com mais automatização. Agora as máquinas têm que ser aperfeiçoadas
para continuarem a produzir trabalho com economia de energia. Isso significa um
deslocamento significativo na orientação da sociedade: a orientação se desloca,
daquele otimismo tecnológico da conquista do universo, para uma expectativa de
otimização econômica da relação entre a sociedade e seu ambiente natural.

Essa expectativa atinge em cheio o Direito da Energia. A questão energética


colocada para o direito não está mais apenas nas relações entre produção,
transmissão, distribuição e consumo de energia. Agora a energia tem que ser
pensada também como a) um recurso natural escasso que coloca como problema a
própria continuidade operativa da sociedade como um todo; b) e ao mesmo tempo
como um produto cuja utilização não pode agravar a situação ecológica do planeta.
E isso significa: exigências de sustentabilidade ambiental.

No que segue, pretende-se enfrentar a questão da colocação de princípios no


campo do Direito da Energia, de modo a possibilitar a institucionalização jurídica de
referências sistêmicas com a ecologia, a economia e a política. Em outras palavras,
pretende-se analisar a semântica da energia para extrair dela princípios capazes de
mediar a abertura das decisões jurídicas a referencias ecológicas, econômicas e
políticas. E para ser atingindo esse nível de abstração, serão utilizados alguns
aportes da teoria dos sistemas sociais autopoiéticos de Niklas Luhmann.

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2 O contexto de surgimento do Direito da Energia

O Direito da Energia surgiu na Europa, no final do Século XIX, a partir de um


problema que hoje os juristas chamam de "colisão de preceitos fundamentais".
Naquele contexto histórico de liberalismo político e econômico, a propriedade
privada era entendida como uma garantia fundamental. Mas ao mesmo tempo – e
sob o pano de fundo de um deslumbre diante dos avanços tecnológicos da ciência
positivista –, a energia elétrica encontrou uma rápida absorção na economia. Sob
um clima de otimismo tecnológico, o problema que se colocava em termos jurídicos
era, então, o de como satisfazer o direito à livre iniciativa dos empreendimentos de
eletricidade e a demanda crescente de energia elétrica se, ao mesmo tempo, a
satisfação dessa demanda exigia a violação do direito de propriedade para a
passagem de linhas de transmissão de energia? Do final do Século XIX até a
primeira década do Século XX, todos os esforços da teoria jurídica foram
concentrados no sentido de estabelecer as condições legais sob as quais a violação
do direito de propriedade privada, pela passagem das linhas de transmissão de
energia elétrica, não caracterizaria uma violação (Armissoglio, 1889, p. 2; Pipia,
1900, p. 321; Baldi, 1908, p. 4; Istel & Lémonon, 1914, p. 261). Esse mesmo
esforço da teoria jurídica aparece também no Brasil do início do Século XX
(Mendonça, 1939, p. 5; Valladão, 1904, p. 5).

O objetivo do Direito da Energia, nesse período histórico, é justificar procedimentos


legais que legitimam exceções à propriedade privada, à liberdade individual e à
inviolabilidade do domicílio. Daí o interesse generalizado dessa doutrina em afirmar
a natureza jurídica de direito público das instalações elétricas, para conectá-la ao
interesse público que logo se sobrepõe ao particular. Decorrência dessa construção
são as servidões de passagem como meios de instrumentalização jurídica da
necessidade de restringir direitos de propriedade para a passagem de redes de
energia; as concessões públicas para o exercício da livre iniciativa em
empreendimentos de energia elétrica; bem como questões ligadas a tarifas e
tributos sobre a energia, contratos de compra e venda, responsabilidade civil por
danos decorrentes de eletrocussão, além de discussões sobre a natureza jurídica da
energia elétrica para fins de tipificação penal do furto. Toda discussão da doutrina
jurídica, aqui, ressalta, na forma da necessidade de se assegurarem os direitos à
propriedade privada, à liberdade, à inviolabilidade do domicílio e etc., as condições
jurídicas para excepcionar esses direitos. E o eixo argumentativo é duplo: um
externo, baseado no clima de otimismo dos desenvolvimentos tecnológicos, e outro
interno, baseado no interesse público.

Antes da eletricidade, as matrizes energéticas estavam baseadas na queima de


combustíveis vegetais e fósseis, como o carvão e derivados de petróleo, além da
energia do trabalho humano e animal. Esses tipos de energia não suscitavam
problemas novos para o direito, porque eventuais conflitos decorrentes tanto da
sua produção, como do transporte e consumo, cabiam exatamente nas formas
contratuais tradicionais do direito privado. Os problemas jurídicos surgiram

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somente com a energia elétrica, já que a sua produção, transporte e distribuição


afetava o dogma da liberdade privada. O que chama a atenção nesse período de
passagem do Século XIX ao Século XX é que toda a argumentação utiliza
referências predominantemente econômicas. As justificativas das construções
jurídicas utilizam sempre o valor "desenvolvimento" (Blaevoet, 1930; Canby,
1966; Ippolito, 1969; Mandelbaum, 1963). Nessa semântica, colocar-se contra os
empreendimentos de geração de eletricidade seria o mesmo que colocar-se contra
o desenvolvimento. Nessas condições, o dogma da propriedade privada logo cedeu
espaço à exigência econômica do desenvolvimento baseado na energia elétrica. Isso
permitiu que, no Brasil da era Getúlio Vargas (1930-1945), o Direito da Energia se
abrisse à discussão política das alternativas entre nacionalização, socialização,
estatização ou municipalização da geração de energia (Cavalcanti, 1939, p. XCIV).
Essa oportunidade, contudo, não foi aproveitada pela teoria do Direito da Energia.
A discussão política a respeito da energia ficou a cargo do Estado, especialmente do
Exército, sob o nome de geopolítica [01 ] .

Com os desenvolvimentos de tecnologias de energia nuclear na década de


cinquenta, o Direito da Energia – que até então tinha por objeto apenas as questões
tangenciadas pela energia elétrica – passou a incorporar também em seu âmbito
disciplinar a energia elétrica gerada pela fissão nuclear, pela queima de
combustíveis vegetais ou minerais fósseis (carvão, petróleo e derivados), pelo
aproveitamento da força mecânica dos ventos (energia eólica) e das águas (energia
hidráulica) e pelo aproveitamento da energia solar. Mas a despeito dessa ampliação
do seu âmbito disciplinar, o Direito da Energia manteve-se sob sua base de
referência predominantemente econômica. As únicas exceções, que apontam para
uma referência política, estão nas questões da eletrificação rural (Aranha, 1973, p.
6-18; Bueno, 1970, p. 44) e nas questões – surgidas após a criação do sistema de
eletricidade interconectado em nível nacional (década de trinta) – das
possibilidades de concessão do serviço de geração/distribuição de energia a
empresas estrangeiras e de exportação de energia elétrica a países vizinhos (Brito,
1966, p. 5-14; Cancio, 1968, p. 80-86). A questão que se coloca sob essa semântica
do Direito da Energia é a de como o direito pode contribuir para o desenvolvimento
econômico.

Somente no início da década de setenta começam a surgir as primeiras referências


à comunicação ecológica dos Club’s norte-americanos de preservação ambiental.
Até mesmo a edição do Código Florestal de 1965, que instituiu severas exigências
de preservação florestal, foi justificada na necessidade de estimular a redução do
consumo de energia baseado na lenha – que na época importava em 40% da
produção energética brasileira – e garantir os insumos da indústria de celulose e
papel através de incentivos ao reflorestamento (Leite, 1997, p. 211). Somente a
partir da década de oitenta o Direito Ambiental passa a integrar a agenda das
preocupações do Direito da Energia. E do mesmo modo como o Direito da Energia
justificou, mediante uma série de condições legais, uma exceção ao direito de
propriedade privada, também o então novo Direito Ambiental justificou, mediante

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condições procedimentalizadas na forma de licenciamentos, uma exceção à livre


iniciativa energética. Agora os impactos ambientais devem ser mitigados e
compensados. Ao lado da referência econômica do Direito da Energia, surge
também uma referência ecológica, que vai se apresentando cada vez mais forte e
autônoma em relação às inconstâncias políticas da Reforma Econômica do período
1964-1974 ou às inconstâncias econômicas das duas crises do petróleo no período
de 1974-1985. Mas apesar de todas as inconstâncias políticas e econômicas do
Século XX, o Direito da Energia manteve-se centrado, predominantemente, nos
mesmos temas do contexto do seu surgimento: desapropriação, servidão,
concessão, contratos, tarifas, tributos, responsabilidade civil e furto de energia. As
questões relativas ao Direito Ambiental ganharam capítulos nos textos de Direito
da Energia. Mas somente sob a forma de condições, requisitos, pressupostos
normativos, que uma vez cumpridos, possibilitariam a continuidade do
desenvolvimento do setor de energia. A semântica ecológica aparece, no Direito da
Energia, sob a forma de exigências de compatibilização, conciliação, integração,
harmonização e etc., do desenvolvimento econômico com a preservação do meio
ambiente [02 ] . E essa semântica da harmonização perdura até hoje, inclusive nos
textos de Direito Ambiental.

3 DESCENTRALIZAÇÃO E TRANSNACIONALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE


ENERGIA

Um impacto significativo no Direito da Energia brasileiro surgiu na década de


noventa, não só pela regulamentação Constitucional da ordem econômica, pelo
Código do Consumidor e pelas legislações na área do meio ambiente, mas
principalmente em razão das privatizações e do início do processo de
desregulamentação do setor elétrico. O Programa Nacional de Desestatização
(PND) do Governo Fernando Henrique Cardoso iniciou com a MP 115, convertida
na Lei 8.031/90, a qual foi revogada pela Lei n. 9.491/97. A inclusão das empresas
federais no PND se deu pelo Decreto n. 1.503/95. Após, entrou em vigor a Lei n.
8.631/93, que extinguiu o nivelamento geográfico das tarifas e os 10% mínimos de
retorno garantido sobre os ativos (Contas de Resultados a Compensar e Reserva
Nacional de Compensação de Remuneração). Essa lei institucionalizou um novo
mercado energético ao distinguir entre tarifas de suprimento (atacado: entre
geradores e distribuidores, incluído o custo de utilização da linha de transmissão) e
tarifas de distribuição (varejo: entre distribuidores e consumidores finais, variando
o preço segundo classe residencial, industrial ou comercial). Logo após entrou em
vigor a Emenda Constitucional n. 5/95 e a Lei n. 8.987/95, que regulamentou o art.
175 da CF/88 e instituiu os princípios básicos da concessão de serviços públicos,
incluindo a previsão dos critérios gerais de manutenção do equilíbrio econômico e
financeiro da concessão. Outro passo foi dado pela Lei n. 9.074/95, que renovou as
concessões existentes e permitiu novas concessões, condicionadas a um
desmembramento claro das atividades de geração, transmissão e distribuição. As
tarifas então foram distribuídas conforme o segmento do mercado (geração,

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transmissão e distribuição) e a tarifa de suprimento original foi dividida em tarifas


de geração e de transmissão. Essa mesma lei prorrogou por mais 20 anos as
concessões de usinas em construção, exigindo explicações e providências, bem
como a participação compulsória de no mínimo um terço de capital privado. Além
disso, foi criada uma espécie de princípio da não-exclusividade das concessionárias
de distribuição de energia elétrica sobre seus consumidores. Os arts. 15 e 16
exigem, agora, que os consumidores possam optar pela compra de energia elétrica
de uma ou de outra concessionária de distribuição. A única exceção é a do art. 16
da Lei 8.987/95, que permite a exclusividade se houver inviabilidade técnica ou
econômica justificada. Outro princípio que se extrai daqui é o do direito universal
de acesso à energia, no sentido de conexão à rede de distribuição, tanto para os
consumidores como para fornecedores e distribuidores.

A partir desse processo de desregulamentação/privatização do setor elétrico, o


Brasil optou, baseado na experiência das commissions norte-americanas, pela
institucionalização de organizações semi-estatais, denominadas Agências
Reguladoras. A Lei n. 9.427/96 criou a Aneel. E nesse mesmo ano, a Eletrobrás
contratou a consultoria da empresa inglesa Coopers & Lybrand para projetar o
novo mercado livre de energia no Brasil. Apesar de inúmeras controvérsias
políticas (Goldenberg & Prado, 2003), foram essas recomendações que resultaram
na Lei n. 9.648/98, que reestruturou a Eletrobrás e criou o ONS (Operador
Nacional do Sistema Interligado), o MAE (Mercado Atacadista de Energia Elétrica)
e a ASMAE (Administradora de Serviços do Mercado Atacadista de Energia
Elétrica), bem como o Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão do
Sistema.

Esse processo também ocorreu no âmbito da energia fóssil. Desde o Decreto-Lei n.


395/38, que nacionalizou a indústria de refinação do petróleo importado ou
nacional, a União exercia monopólio sobre o petróleo. A Lei 2.004/53 manteve o
petróleo no monopólio exclusivo da União e a Constituição de 1967 o confirmou. Em
todo esse período, o petróleo manteve-se nacionalizado. A exploração e refino só
poderiam ser realizados por empresas públicas. A Emenda Constitucional 9/95
quebrou esse monopólio, permitindo a contratação, pela União, de empresas
estatais ou privadas para a realização das atividades dos I a IV do art. 177. A lei
que regulamenta essas condições é a Lei n. 9.478/97 – a Lei da Política Energética
Nacional – que revogou a Lei n. 2.004/53 e institui o Conselho Nacional de Política
Energética e a Agência Nacional do Petróleo – atualmente "Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis", face a inclusão dos biocombustíveis na
política energética nacional pela Lei n. 11.097/05. Antes da emenda 9/95, o
monopólio sobre o petróleo poderia ser exercido através de instituição criada por
lei federal, justificada na indispensabilidade da atividade por motivo de segurança
nacional e de necessidade de organização do setor. A própria Constituição anterior
(art. 169) colocava com exclusividade a lavra de petróleo. Com a Emenda 9/95, a
exploração, refino, transporte e distribuição de petróleo passou a poder ser
realizada por empresa privada, mediante concessão. Atualmente, o petróleo e

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derivados são explorados pela Petrobrás, em associação estratégica com empresas


privadas estrangeiras como a Chevron, Texaco, Exxon Móbil, Shell, TotalFinaElf,
El Paso, Unocal, Statoil e Partex (Paula, 2002, p. 121).

A única atividade de produção de energia elétrica que se manteve sob monopólio


exclusivo da União, no Brasil, foi a energia nuclear. E atualmente, surgem novas
tecnologias para o aproveitamento de fontes alternativas de energia, como a eólica,
a solar (térmica e fotovoltaica), a geotérmica e uma série de novas fontes baseadas
no aproveitamento de biomassa – os biocombustíveis. Quer dizer, ao lado de
tecnologias de produção de energia centralizadas no Estado, desenvolvem-se
atualmente tecnologias de produção de energia à margem do Estado. E isso
significa o início de um processo de descentralização e transnacionalização radical
da produção energética. Especialmente porque, no cenário atual mundial, essas
tecnologias alternativas já se apresentam competitivas e economicamente viáveis
(Comissão Europeia, 2007), além de satisfazerem as expectativas ecológicas da
sociedade. Em outras palavras, diferentemente de todos os desenvolvimentos do
Direito da Energia do Século XX, o sistema mundial de energia tende, hoje, a uma
forma de organização sem precedentes na história: a produção energética tende a
uma descentralização, diante da qual podem ser observadas múltiplas
oportunidades: a) uma política energética de estímulo a essa descentralização –
como é o caso da União Europeia (Comissão das Comunidades Europeias, 2007) e
EUA (U.S.Departament of Energy, 2000); b) uma política energética de resistência
a essa descentralização – como ocorre na Bolívia e Venezuela [03 ] ; c) ou ainda uma
política energética orientada a oportunidades econômicas, baseada em um cenário
favorável ao aproveitamento dos recursos naturais internos diante de uma
demanda mundial de energia e outra nacional por desenvolvimento – como ocorre
com a política da energia dos biocombustíveis do Brasil (Brasil, 2007).

4 INCLUSÃO E EXCLUSÃO ENERGÉTICA

O que chama a atenção nesse cenário atual da política energética global é que,
independentemente das opções políticas possíveis, o desenvolvimento das
tecnologias de produção alternativa de energia implica em uma descentralização
radical da geração de energia e, por isso, uma pluralização da matriz energética
nacional e mundial. Constitui-se, assim, um sistema complexo de produção,
transporte, distribuição e consumo de energia, que ultrapassa os tradicionais
modelos jurídicos de definição normativa das condições de inclusão/exclusão
energética. Se antes a inclusão energética exigia a observância de regras jurídicas
oficiais para a participação em uma rede pública de distribuição de energia, agora a
inclusão energética exige a observância de regras não oficiais, criadas de modo
descentralizado, no âmbito de organizações não-estatais transnacionais – como por
exemplo algumas cooperativas de economia solidária e grupos de empresas ou
condomínios industriais com auto-suficiência energética.

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Enquanto um sistema de produção dependia da energia centralizada na rede


pública de distribuição, com os avanços das tecnologias de produção alternativa de
energia essa dependência tende à diminuição. E isso significa uma exigência de se
ultrapassar a observação da produção oficial do Direito da Energia pelo Estado,
para observar também a produção espontânea de normas nesses sistemas
periféricos ao sistema energético central do Estado. Em outras palavras, na medida
em que os processos produtivos da sociedade estão fortemente conectados à
disponibilidade energética, a descentralização da produção energética cria
possibilidades de transnacionalização dos processos produtivos. Para o Direito da
Energia, isso significa a exigência de um cruzamento da linha de fronteira que
separa o direito Estatal do direito criado espontaneamente em setores não-
estatais, que possivelmente apresenta-se em relação de concorrência com o direito
oficial dos Estados-nação.

Essa descentralização da relação de inclusão/exclusão energética produz, também,


uma descentralização dos modos de relacionamento da sociedade com os recursos
naturais. E isso significa que o conceito de energia se torna uma peça teórica chave
para a observação do modo através do qual a sociedade contemporânea se
relaciona com o seu ambiente. Quando toda a energia disponibilizada para o
consumo estava centralizada em uma rede pública de distribuição, as novas
tecnologias de produção de energia só poderiam ser pensadas enquanto fossem
compatíveis com essa rede pública (Scheer, 2000, p. 214). Um projeto de geração
de energia limpa, por exemplo, só seria viável na medida em que a tecnologia
resultante fosse compatível com a rede pública. Mas na medida em que a legislação
autoriza a autoprodução de energia em sistemas privados, abre-se a possibilidade
de se pensar no desenvolvimento de novas tecnologias limpas de produção de
energia, não mais dependentes da compatibilidade com a rede pública de
distribuição.

Os impactos disso são enormes: na economia, os fatores de produção clássicos –


capital e trabalho – ganham outro sentido: capital tecnológico e energia. E
agregando-se a esses fatores de produção a informação e os recursos naturais, o
foco da observação econômica os processos sociais comunicativos se desloca, do
lucro, para as condições de possibilidade da sustentabilidade dos processos
mesmos. Isso significa uma mudança de visão a respeito do sentido do
desenvolvimento. A economia de mercado, ligada aos processos produtivos de
organizações empresariais, passa a constituir uma sensibilidade cognitiva à questão
da energia. E a energia não pode, nesse contexto, ser entendida como algo
desconectado da tecnologia e dos recursos naturais. Pois os limites da geração de
energia são limites tecnológicos e ambientais. Um território que dispõe de
condições ambientais favoráveis à geração de energia – como é o caso do território
brasileiro e da América Latina em geral – só poderá conquistar autonomia
energética se dispor, também, de tecnologia. E do mesmo modo, um território que

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dispõe de tecnologia para geração de energia – como é caso da Europa ocidental –


só poderá conquistar autonomia energética se dispor, também, de recursos
ambientais.

Por isso que inclusão energética pressupõe disponibilidade tecnológica. E também


por esse motivo, a disponibilidade ambiental para a geração de energia não significa
nada enquanto não se dispõe, também, de tecnologia [04 ] . Em outras palavras, não
existe autonomia energética enquanto não existir autonomia tecnológica. A
potência cafeeira e açucareira do Brasil do Século XIX não difere muito, desse
ponto de vista, do otimismo da opinião pública a respeito das possibilidades de
geração de energia a partir da biomassa e de outras fontes alternativas de energia.
Energia e tecnologia são, portanto, conceitos inseparáveis no contexto atual da
política energética mundial. Alguns fornecem os recursos naturais disponíveis,
outros exploram economicamente esses recursos e ditam as regras. Os que
fornecem acabam se submetendo às exigências, tecnologicamente justificadas, dos
que detêm a tecnologia. A diferença entre a situação de um e do outro está,
portanto, no domínio da tecnologia. E para isso o direito presta uma importante
contribuição: é ele que garante o direito de propriedade das tecnologias, na forma
das patentes, distinguindo entre proprietários e não-proprietários, vale dizer,
entre inclusão e exclusão no sistema de produção-transmisão-distribuição-
consumo de energia.

5 ENERGIA E TECNOLOGIA

A expressão "energia" tem muitos sobrenomes. Os quais se expandem inclusive


para completar referências de sentido no âmbito da comunicação religiosa, das
chamadas parapsicologias e de inúmeras outras referências esotéricas do conceito.
Desde o que ocorre no Sol até o que ocorre dentro de um chuveiro elétrico, a
energia está na base de referência da construção dessas explicações científicas. E
trata-se de um conceito que se utiliza em diversos contextos comunicativos. Desde
a energia do amor para contextos interpessoais, até a energia elétrica para
contextos de mercado, de engenharia, de tecnologia e etc. Pode-se falar, então, de
um denominador em comum? Pode-se observar um único conceito de energia a
partir dessa diversidade de referências?

Seguindo o script teórico de Niklas Luhmann, pode-se utilizar o cálculo da forma de


Spencer Brown (1979) e perguntar pelo re-entry (o fundamento paradoxal) da
forma em si mesma [05] . Pode-se perguntar, por exemplo, o que fica excluído
quando se faz referencia à energia (forma de diferença) e o que sobra quando se
aplica essa forma em si mesma (re-entry). Se a energia for colocada como
diferença da estagnação, por exemplo, pode-se ver que na re-entry dessa forma se
encontra o paradoxo da energia estar fundamentada na natureza – a energia existe
ontologicamente na natureza, no sol, nos relâmpagos de uma tempestade, na força

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cinética, eletrostática e etc. – e, ao mesmo tempo, estar fundamentada na


necessidade humana. Buscar um fundamento aqui, então, só pode apontar para
Deus ou para a natureza como dádiva.

Por isso, seguindo a matemática da forma de Spencer Brown, pretendemos colocar


a energia como diferença da tecnologia. Com efeito, a forma "energia/tecnologia"
parece ser o modo mais adequado para se observar a atual dinâmica comunicativa
da energia da sociedade contemporânea. Energia e tecnologia são os dois lados de
uma mesma forma de diferença, são os dois lados de um paradoxo
autoconstitutivo. Pois para produzir energia é necessário dispor de tecnologia. Mas
ao mesmo tempo só se dispõe de tecnologia quando já se tem energia. A energia
pressupõe tecnologia, que por sua vez pressupõe energia. A questão do início ou do
fim desse cálculo auto-indicativo – a auto-recursão "energia/tecnologia" – se
resolve com o conceito de autopoiese: ocorre o que ocorre, sem uma origem
absoluta ou uma finalidade necessária.

O paradoxo da energia então é resolvido, no direito, através da


transcendentalização econômica do "bem" energia. Em outros termos, para o
direito, o fundamento da energia está na referência às necessidades básicas de
subsistência da humanidade, ou seja, a energia tem um fundamento econômico. Do
mesmo modo, o paradoxo da energia se resolve, no sistema econômico, através da
transcendentalização ecológica da energia. Para a economia, o fundamento da
energia está na referência ecológica, quer dizer, na referência à
continuidade/descontinuidade das operações econômicas. A energia serve, assim,
de fundamento econômico para o Direito da Energia e, ao mesmo tempo, de
fundamento ecológico para a economia. Por isso a energia constitui um elo de
ligação entre direito, economia e ecologia, quer dizer, constitui um medium de
comunicação, que recepciona formas de acoplamento estrutural.

E ultrapassando as referências aos sistemas jurídico e econômico, pode-se observar


como o sentido da energia se constitui de modo diferente conforme se passa de um
sistema de referência para outro. Assim, do ponto de vista da ecologia, o sentido da
energia já aparece sob a distinção entre sobrevivência e decadência. Uma decisão
ecológica, orientada cognitivamente (hetero-referência) à energia, não vê a energia
tal como o sentido que a ela se atribui no campo da economia ou do direito.
Enquanto na contextura jurídica a energia é um bem juridicamente tutelado como
uma questão de interesse público, na economia a mesma energia aparece como um
elemento externo ao sistema econômico (pagamento/não-pagamento), que deve
ser levado em consideração a partir de uma relação entre custo e oportunidades. E
a mesma energia, do ponto de vista da ciência, aparece já sob o sentido constituído
sob o código "verdade/falsidade". A "policontexturalidade" [06 ] está nisto:
dependendo do sistema/função a partir do qual se observa a energia, o seu sentido
muda. E muda de modo contingente, quer dizer, os diversos sentidos possíveis da
energia não são necessariamente incompatíveis entre si e, ao mesmo tempo, são

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igualmente fundamentais. A questão então é: como o Direito da Energia pode se


organizar na forma de princípios que lhe garantam autonomia e, ao mesmo tempo,
sensibilidade a essa multiplicidade de referências sociais possíveis?

6 Princípios do Direito da Energia

O direito precisa de princípios. Se ele não os encontra em semânticas sociais


consolidadas, ele os cria nas práxis mesma das decisões judiciais. Prestando contas
a Kurt Gödel, pode-se definir um princípio como uma referência externa que serve
para resolver um problema de referência interno. A incompletude do teorema
exige um ir além, exige um transcendentalizar-se, exige um suplemento ou uma
Différend no sentido de Derrida (2004, p. 203; 2007, p. 109). No âmbito do direito,
essa gödelização do paradoxo da auto-referência é algo normal: instituem-se
princípios do mesmo modo que a lógica clássica institui o terceiro excluído. Mas ao
fazer isso, o terceiro excluído já passa a ser incluído, quer dizer, já passa a
constituir-se na forma de um paradoxo que exige uma constante busca de
referências exteriores, uma constante energia de assimetrizações, de
desdobramentos do paradoxo. Ao se pensar em princípios, portanto, não nos
referimos simplesmente àquilo que o direito positivo mesmo institui como
princípios, mas sim àquilo que as decisões jurídicas mesmas dão como um suposto
inquestionado de validade universal. Por isso que a pergunta por princípios
jurídicos deve ser, em última análise, uma pergunta pelo contra o quê se usam
princípios.

Nessa perspectiva, um breve retrospecto semântico de princípios atribuídos pela


doutrina jurídica especificamente ao Direito da Energia – quer dizer: sem
correspondentes nos demais ramos do direito – pode ser encontrado somente a
partir de 1900. Em um contexto de liberalismo econômico e político, Pippia (1900,
p. 320) pensou em um princípio específico para reger o Direito da Energia: "Un
primo principio dev’essere proclamato in modo solenne ed indubbio: quello
dell’abolizione di ogni monopolio, dell’assoluta nulità di ogni concessione esclusiva e
privilegiata". Para Pippia, a energia elétrica apresenta uma imensa utilidade social
e por isso se deveria favorecer a descentralização, limitando a aglomeração de
várias pessoas a um só estabelecimento. Só assim os benefícios da energia elétrica
poderiam ser distribuídos, não ficando submetidos aos caprichos do concessionário:
"Il principio della libertà dell’industria e dei commerci deve, in materia di
elettricità, essere affermato senza riserve nè restrizioni. Dalla concorrenza deli
impianti elettrici, dal loro evolutivo e progrediente svolgimento devono trarsi i
massimi benefici per l’economia publica e la prosperità nazionale" (Pipia, 1900, p.
321). Esse movimento foi semelhante no Brasil do início do Século XX, no qual não
havia monopólio na geração e distribuição de energia, embora houvesse um
monopólio no consumo da energia pelo Estado [07 ] .

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Outro princípio, no contexto da doutrina jurídica brasileira da década de sessenta,


pode ser lido em Vilhena (1968), quando propõe a tutela da não-interrupção do
fornecimento regular de energia ao consumidor. No mais, as autodescrições do
Direito da Energia não se preocuparam muito com a construção de princípios
próprios durante o Século XX. A preocupação estava ligada mais à questão da
autonomia disciplinar baseada em temáticas relacionadas à energia do que em
princípios próprios [08] . Assim, apesar das divergências teóricas na organização das
subdivisões, a unidade do Direito da Energia e, por isso, a sua identidade disciplinar
no campo jurídico, ficava garantida pela referência àquela base unívoca de sentido
que desempenhava a semântica da tecnologia (Álvares, 1968; Feitosa, 1972). E
desse modo, as autodescrições do Direito da Energia possibilitaram a colocação de
si mesmas em uma forma seletiva e ao mesmo tempo abrangente, capaz de incluir
conceitos que vão desde "um conjunto de regras que disciplinam os resultados
tecnológicos de aplicação da eletricidade ao meio social" (Álvares, 1974a, p. 158),
até a articulação de relações como esta: "direito e energia são suportes do trabalho
tecnológico e econômico no contexto grandioso da siderurgia, nenhum dispensando
o outro" (Álvares, 1974b, p. 59).

Uma solução elegante como esta esconde o fato de, no fundo, haver um
deslocamento do âmbito de referência, da energia, para os resultados tecnológicos.
O que chama a atenção é que, apesar disso, nem a energia, nem a tecnologia são
objetos do Direito da Energia. Mas sim o resultado tecnológico do uso da energia na
sociedade. Observa-se claramente que, para driblar a auto-referência da relação
"energia/tecnologia", essas descrições criam um suposto inquestionado de que a
forma jurídica seria o mecanismo de ontologização do objeto tecnológico [09 ] . Só
atualmente é que podemos extrair, a partir de uma comparação entre as
expectativas semanticamente consolidadas no campo da energia e as
correspondências normativas em outras áreas do direito, a existência de princípios
específicos do Direito da Energia. Assim, além dos princípios da continuidade,
modicidade tarifária e adequação do serviço, comum a todos os serviços públicos
concessionados (art. 175 da Constituição Federal e 22 do Código do Consumidor)
[1 0] , podemos também inferir alguns princípios específicos do Direito da Energia,

como por exemplo os princípios da segurança no aprovisionamento energético,


eficiência energética, não-retrocesso na utilização de tecnologias, acesso
universal à rede de distribuição de energia, além do princípio da liberdade
energética (no sentido de liberdade de escolha do fornecedor).

Cada um desses princípios estabelece uma mediação entre as operações auto-


referenciais do sistema jurídico e uma contextura do ambiente social. A segurança
no aprovisionamento energético, por exemplo, estabelece uma mediação
comunicativa ente direito e ecologia, a eficiência energética conecta o direito à
economia da sociedade, o não-retrocesso na utilização de tecnologias acopla o
direito ao sistema científico, o acesso universal à rede de distribuição de energia
permite a entrada de referências políticas no direito e, por fim, a liberdade
energética oportuniza a conexão das decisões jurídicas sobre energia/tecnologia

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com a semântica jurídica da sociedade moderna. Além desses princípios, na


comunicação da União Europeia aparece também uma referência a sistemas de
organização, a qual é realizada através do princípio da descentralização da
produção e unificação do mercado energético.

Naturalmente, a constituição desses princípios jurídicos – que, gize-se, servem


para tornar decidíveis as decisões que, sem eles, não seriam possíveis –, pressupõe
como pano de fundo uma sociedade mundial organizada na forma da diferenciação
funcional (Luhmann, 2007, p. 589; Luhmann & De Giorgi, 2003, p. 302). Somente
uma sociedade funcionalmente diferenciada disponibiliza contextos de decisão
diferentes e, ao mesmo tempo, igualmente essenciais.

7 Segurança no aprovisionamento energético

Esse princípio estabelece uma abertura ecológica do direito. Parte do suposto de


que assegurar o aprovisionamento energético pressupõe continuidade das
operações autopoiéticas de cada sistema social implicado. E continuidade
autopoiética só se assegura mediante sustentabilidade ambiental. Do ponto de vista
interno do sistema jurídico, muitos recursos energéticos são escassos na natureza e
a sua utilização é fonte de poluição. Nessa perspectiva, o princípio da segurança no
aprovisionamento energético aponta para a necessidade de planejamento das
decisões sobre política energética, tendo em conta o cumprimento das condições
necessárias para uma autonomia energética. Isso significa, em outras palavras,
planejar a autonomia energética para evitar a dependência de uma matriz de
aprovisionamento às flutuações econômicas, políticas e militares da sociedade
mundial.

Em outras palavras, esse princípio nos diz, normativamente, que apesar de todas
as inconstâncias e descontinuidades políticas, econômicas, militares, tecnológicas,
regionais e etc., as decisões da sociedade a respeito da energia "devem" levar em
consideração o longo prazo, a solidez do desenvolvimento, os vínculos com o futuro,
enfim, a sustentabilidade. A pergunta-chave para verificar o cumprimento ou
descumprimento desse princípio é: quais são os prováveis impactos energéticos da
decisão no futuro? Quais são seus possíveis efeitos colaterais? Ou ainda, em uma
perspectiva luhmanniana (1996), o que os decisores observam como "risco" (que
merece ser enfrentado para não se perder oportunidades irreversíveis) que os
afetados observam como "perigo" (para o qual se está submetido e que, por isso,
não vale a pena)?

Na conjuntura atual, esse princípio corresponde à exigência de não se depender


exclusivamente de poucas fontes de energia. Tanto a diversificação de
fornecedores, quanto a diversificação das fontes naturais e, principalmente, a
diversificação tecnológica, são estratégias que se inserem no contexto normativo
que decorre desse princípio da segurança no aprovisionamento energético.
Diversificar as fontes energéticas significa aumentar o número de alternativas

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possíveis. Isso permite não apenas uma garantia de escolha emergencial entre as
possibilidades energéticas, com também permite uma maior autonomia do
consumidor em face das pressões tecnológicas e financeiras de alguns detentores
das tecnologias ou de recursos naturais relacionados ao fornecimento de energia.
Essa relação é fácil de ser compreendida: quando um país depende, por exemplo,
da energia produzida somente pelo país vizinho, ele não tem outra alternativa
senão submeter-se as suas exigências e aos humores do seu mercado. Como
também um país que possui recursos energéticos naturais, mas que depende, por
exemplo, da tecnologia de produção de energia disponibilizada apenas por poucos
países, situação na qual a relação de dependência se confirma mediante a
submissão, face a inexistência de outras alternativas, às condições de licenciamento
para uso da tecnologia mediante o pagamento de royalites.

No âmbito da União Europeia, esse princípio aparece sob a forma da "Segurança a


longo prazo do abastecimento energético" (Europa, 2007), cujo conteúdo
normativo está na exigência de "não depender excessivamente de um pequeno
número de países para o aprovisionamento ou compensar tal dependência com
uma cooperação estreita com países como a Rússia (uma fonte importante de
combustíveis fósseis e, potencialmente, de electricidade) e os países da região do
Golfo em matéria de investimento e transferência tecnológica" (Europa, 2007).
Isso implica no planejamento do próprio mercado de energia, de modo a garantir
juridicamente mais concorrência para beneficiar os consumidores e planejamentos
baseados em áreas geográficas ou em setores julgados como estratégicos para a
alocação de recursos.

Além desse aspecto de sustentabilidade mercadológica da energia, o princípio da


segurança no aprovisionamento energético aponta também para uma
sustentabilidade ambiental. A preocupação com um planejamento mercadológico
do aprovisionamento energético não é suficiente: o princípio exige também uma
diminuição progressiva da emissão de CO2 , através da substituição dos
combustíveis fósseis por alternativas mais limpas. Naturalmente, "Isto pressupõe
uma mudança ambiciosa no sentido das energias eólica (especialmente ao largo),
hídrica, solar e de biomassa e dos biocombustíveis obtidos a partir de matéria
orgânica. O passo seguinte poderá ser tornar-se uma economia baseada no
hidrogênio" (Europa, 2007).

A segurança do aprovisionamento energético também tem relações íntimas com o


princípio da continuidade na prestação do serviço público essencial. Na Argentina
também se fala de "obligación de suministro" no sentido de manter um serviço sem
interrupções e em condições eficientes (Fuente, 1970, p. 9). Por isso a suspensão
ou interrupção no fornecimento de energia deve cumprir com condições
juridicamente justificadas, como por exemplo um caráter de penalidade por
problemas na conduta do consumidor (inadimplemento, utilização de
equipamentos perigosos e etc.), bem como um caráter de prevenção ou correção da
demanda ou do consumo (como nos casos de racionamento). Assim, no âmbito do

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Direito da Energia, até para se adequar a essa semântica da segurança no


aprovisionamento energético, tem-se que distinguir entre a "suspensão provisória"
para consertos e manutenção nas redes de distribuição e a "interrupção" do
fornecimento de energia como técnica de punição de participantes do sistema de
geração-transmissão-distribuição-consumo de energia.

8 Eficiência energética

Enquanto o princípio da segurança no aprovisionamento energético aponta para


uma abertura do direito para referências ecológicas, o princípio da eficiência
energética aponta para uma abertura a referências econômicas. Eficiência significa
não-desperdício. A "oikonomie" grega já sabia disso. Em algum lugar da história,
"oikos" e "nomos" se separaram. Aristóteles já vê essa separação na forma da
diferença entre a economia doméstica – ou "economia do lar" – e a ciência das
riquezas – ou a "arte de fazer fortuna". E em uma economia de mercado, a "oikos"
da economia doméstica grega já não é mais tão importante. A importância dela
aparece agora sob o título de "oikologie". Ecologia e economia então encontram,
novamente, um ponto de convergência comum: a energia. E por isso a eficiência
energética se liga, hologramaticamente, a essas as referências comunicativas da
sociedade. Ela se constitui na forma de um meio de comunicação entre referências
econômicas e ecológicas, quer dizer, entre referências à lucratividade evitando
prejuízos e referências à sustentabilidade evitando a degradação. A predominância
na semântica jurídica da energia, contudo, é a econômica. E o seu conteúdo
normativo indica uma expectativa de racionamento de energia, de não-desperdício,
de aproveitamento ótimo e etc. A qual, do ponto de vista ecológico, aparece sob a
forma da redução de gases poluentes da atmosfera, da redução dos impactos
ambientais de novas hidrelétricas, da redução dos riscos e perigos da
radioatividade das usinas nucleares e etc.

Do ponto de vista das decisões jurídicas, a eficiência energética orienta a se decidir


pelas expectativas que procuram meios inovadores de aproveitamento ótimo da
energia na relação entre geração, transmissão, distribuição e consumo. Esse
princípio nega, portanto, a dotação de validade a decisões que confirmam situações
de desperdício de energia. E nessas condições, pode produzir um resultado
interessante nas decisões com impactos energéticos: tanto os consumidores podem
aprender a economizar energia, como também os geradores não desperdiçarão
investimentos em obras supérfluas do ponto de vista da eficiência energética. No
campo da energia elétrica isso pode ser facilmente constatado através do fato de
que toda a energia produzida é imediatamente consumida, não havendo a
possibilidade de estocagem de energia elétrica. Isso significa a exigência de um
planejamento energético no sentido do equilíbrio entre produção e consumo de
energia, a partir do qual todo excesso é desperdício e toda escassez é motivo para
novos planejamentos de eficiência.

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Por outro lado – o lado da "tecnologia" da forma "energia/tecnologia" –, a eficiência


energética aponta normativamente para a utilização de equipamentos mais
eficientes do ponto de vista do consumo de energia e da relação custo/benefício. E
não se trata apenas de uma certificação de eficiência energética por órgãos oficiais
como, por exemplo, o Inmetro. A eficiência deve ser trabalhada para além dos
equipamentos elétricos. Deve ser trabalhada também, por exemplo, no trânsito.
Planejar melhor o tráfego. Incentivar o transporte coletivo e a utilização de
biocombustíveis são medidas que cumprem com as expectativas normativas
generalizadas sob a forma da eficiência energética. A informação do consumidor se
torna uma estratégia decisiva para a orientação segundo esse princípio. A
certificação do Inmetro no Brasil e o sistema de certificação de eficiência energética
da União Europeia são bons exemplos. Mas a eficiência é algo que vai além de
aparelhos elétricos, atingindo também veículos automotores, sistemas de
transporte, engenharia de tráfego e etc. Do discurso político da necessidade de
mais energia para o desenvolvimento – que legitima a assunção de riscos e a
submissão a perigos incontroláveis de proporções catastróficas –, o princípio da
eficiência energética pergunta pela necessidade de melhor aproveitamento da
energia disponível e pela necessidade de tecnologias mais eficientes de geração-
transmissão-distribuição-consumo de energia. Por isso que, ao lado do princípio da
eficiência energética, pode-se validar também um princípio do não-retrocesso na
utilização de tecnologias.

9 Não-retrocesso na utilização de tecnologias

Talvez um dos mais interessantes princípios do Direito da Energia – e exatamente


porque encontra validade nos demais princípios, além de uma especial motivação
na semântica ecológica da sociedade – seja o princípio do não-retrocesso na
utilização de tecnologias. Esse princípio diz que uma determinada tecnologia de
produção-transmissão-distribuição-consumo de energia não pode ser substituída
por outra inferior do ponto de vista da eficiência energética. E isso significa que
deve ser considerado não apenas a potência da energia, mas também todo o seu
ciclo de vida, que passa pela produção de insumos, geração, transmissão,
distribuição, consumo e inclusive o descarte de resíduos-gases-efluentes. A
justificativa é a de que em cada etapa desse ciclo de vida da circulação da energia
há geração de resíduos capazes de comprometer as exigências da semântica
ecológica. Pensa-se, por exemplo, no CO2 decorrente do uso de energia fóssil, ou no
descarte do urânio, ou ainda dos impactos ambientais das usinas hidrelétricas.

Não-retrocesso pode significar, portanto, a garantia de um espaço social


economicamente viável somente para novas tecnologias capazes de superar as
anteriores no aspecto da eficiência energética. E eficiência, como acima observado,
não se limita à questão da potência, pois abrange também o consumo, a
organização, o planejamento e a sustentabilidade dos processos de produção e
consumo de energia. O controle da decisão a respeito do retrocesso ou não-
retrocesso, contudo, é algo que somente pode ser realizado no âmbito da ciência.

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Por isso que esse princípio é o responsável pela institucionalização jurídica de uma
mediação comunicativa – uma abertura – entre o direito e a ciência. O direito
permite decidir a respeito da entrada de novas tecnologias de produção e consumo
de energia no mercado, enquanto que a ciência – pela mediação das perícias
técnicas nos procedimentos legais – informa à decisão jurídica a respeito do
retrocesso ou não-retrocesso. As perícias, aqui, desempenham a função de
acoplamento estrutural entre os sistemas do direito e da ciência (Rocha & Simioni,
2005).

Na práxis das decisões judiciais, o não-retrocesso na utilização de tecnologias


orienta a se decidir pela abertura de mercado a tecnologias mais eficientes e, ao
mesmo tempo, à imposição de barreiras normativas à manutenção de tecnologias
obsoletas do ponto de vista da eficiência energética. Como isso pode ser feito na
prática de uma sociedade que não tolera mais uma instância central de controle,
trata-se de outro problema. Diga-se de passagem: trata-se do mesmo problema da
aplicação do princípio do poluidor-pagador no âmbito do Direito Ambiental, para o
qual as soluções propostas giram em torno da institucionalização jurídica de
técnicas econômicas de regulação, como por exemplo taxações, tributação,
incentivos fiscais, MDL’s do Protocolo de Kyoto e todos os demais recursos
jurídicos que, inevitavelmente, apenas geram a alternativa entre assumir ou não o
preço da sanção jurídica (Teubner, 1997; Willke, 2007; Simioni, 2006a).

Independente disso, ao menos no plano teórico se pode observar experiências


interessantes no campo do licenciamento de produtos tóxicos. Novos agrotóxicos,
por exemplo, só são licenciáveis para colocação no mercado de consumo se forem
comprovadamente menos tóxicos que os atuais [1 1 ] . Uma experiência assim pode
orientar a criação de instrumentos não econômicos de seleção das novas
tecnologias mais eficientes que, ao mesmo tempo, obrigam as velhas tecnologias
menos eficientes a cederem espaço. Quer dizer: só pode juridicamente entrar no
mercado da energia uma nova tecnologia comprovadamente mais eficiente que as
atuais. Porque senão, como justificar um retrocesso tecnológico se o baixo preço de
uma tecnologia menos eficiente pode custar caro a médio e longo prazo? E longo
prazo é exatamente o resultado da semântica – que nós indicamos como princípio
– da segurança no aprovisionamento energético.

Fecha-se aqui um ciclo de legitimação circular desses princípios. A segurança no


aprovisionamento energético justifica-se na necessidade de sustentabilidade do
desenvolvimento. A eficiência energética justifica-se na necessidade de otimização
energética decorrente das exigências de segurança no aprovisionamento
energético. E por fim o não-retrocesso na utilização de tecnologias energéticas
justifica-se na própria necessidade de eficiência energética, que se justifica na
segurança no aprovisionamento, que se justifica na sustentabilidade do
desenvolvimento, que já não precisa mais de justificação. Quer dizer, esses
princípios se fundamentam reciprocamente. Cada um deles sustenta os demais.

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Uma espécie de "tangled hirarchie" (Hofstadter, 1999, p. 686), uma


autotranscendência (Dupuy, 1999, p. 109 e 173), uma "lógica do suplemento"
(Derrida, 2004, p. 203).

10 Acesso universal à rede de distribuição de energia

Além de uma referência ecológica institucionalizada pelo princípio da segurança no


aprovisionamento energético e de outras referências econômicas e científicas
institucionalizadas, respectivamente, pelos princípios da eficiência energética e do
não-retrocesso na utilização de tecnologias, o direito exige também, em cada nova
situação de decisão, a redescrição da semântica milenar da igualdade e da
liberdade. Essa semântica é bastante forte no direito. Sua "presença" aponta tanto
para a justiça distributiva aristotélica na forma da igualdade de todos os desiguais
perante a lei, como para a razão prática kantiana da liberdade como expressão da
normatividade. Esses princípios, portanto, só podem ser trabalhados
normativamente, na forma de um "dever-ser" kantiano, justificados na construção
política de uma "imagem" da opinião pública de cada época.

Nesse sentido político, pode-se dizer que a energia é uma condição do


desenvolvimento. Ela possibilita que a sociedade crie e mantenha mecanismos de
adaptação ao meio ambiente natural através do aquecimento, do arrefecimento, da
alimentação dos meios de transporte e motores industriais, além da própria
comunicação da sociedade. A inclusão social pressupõe, portanto, acesso universal à
energia. Somente com energia se pode participar comunicativamente da sociedade
contemporânea, quer dizer, uma sociedade que transcende os espaços das
interações presenciais face-a-face. A falta de energia corresponderia a uma
catástrofe social: interrompe a comunicação. E sem comunicação, os sistemas
sociais deixam de funcionar, a economia quebra, a segurança se encerra, os
hospitais já não podem fazer mais nada, o direito não se aplica mais, a política
perde seus meios de vinculação generalizada de suas decisões e etc (Luhmann,
1997, p. 151). Por isso, em uma sociedade baseada na comunicação, o acesso de
todos à energia é condição de participação nessa sociedade.

O caráter predominantemente político desse princípio fica evidente no âmbito da


semântica energética da União Europeia, na qual esse princípio do acesso universal
tem sido trabalhado no sentido da institucionalização jurídica de um mercado de
energia competitivo, justificada na suposição de que a competitividade oportuniza
uma otimização dos preços e das tecnologias de eficiência energética. Assim, nesse
contexto político, a decisão da União Europeia é clara no sentido da
competitividade energética: um "mercado da energia competitivo contribui para
uma utilização eficiente da energia" (Europa, 2007). Já que o resto é coisa do
passado: "No passado, os mercados nacionais de gás e electricidade eram ‘ilhas"
isoladas dentro da UE, com o aprovisionamento e a distribuição em poder de
monopólios. Os mercados estão hoje abertos à concorrência e desaparecem as
fronteiras nacionais dos mercados da energia" (Europa, 2007). A ideia europeia é

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criar um mercado de energia no qual se encontram múltiplos fornecedores e


consumidores. Garantindo, assim, o acesso universal dos fornecedores e
consumidores a esse mercado na forma de um acesso à rede unificada de
distribuição. O que se garante, portanto, não são os preços, mas o acesso à rede. Do
ponto de vista dos fornecedores, no mercado de energia entra quem tem bom
preço e qualidade no serviço. Então o próprio mercado passa a selecionar, segundo
critérios próprios de inclusão e exclusão, quem participa desse mercado.

11 Liberdade energética

Outra semântica fortemente consolidada no nível das autodescrições jurídicas da


sociedade é a da liberdade. Desde Kant se sabe que as limitações normativas são
condições de liberdade. Uma paradoxal "liberdade necessária". E os valores
desparadoxizantes apontam para diversas referências, dependendo da época, como
por exemplo à perfeição da natureza no mundo Grego, à Deus no direito antigo, à
virtude no mundo Romano, ao contrato social em Hobbes, aos interesses maiores
de Jhering, à norma fundamental de Kelsen. Mas afastando-se de toda essa
tradição metafísica, a liberdade energética se desloca para referências econômicas:
liberdade energética significa liberdade do consumidor na escolha do fornecedor de
energia.

No âmbito da União Europeia, essa liberdade encontra-se restrita à escolha do


fornecedor de gás e de eletricidade. As expectativas são de que essa liberdade seja
estendida para todos os consumidores de outras fontes de energia até meados de
2007. A justificativa está na própria decisão política pelo aumento da concorrência
no mercado da energia [1 2 ] . No Brasil também existe a institucionalização jurídica
desse princípio, mas com sua exigibilidade prática condicionada à viabilidade
técnica. No caso dos combustíveis fósseis (gás natural e derivados do petróleo), é
consabida a possibilidade de escolha do fornecedor. Podemos abastecer nosso
veículo em um ou noutro posto de gasolina, como também podemos comprar gás
de diversos fornecedores. No âmbito da energia elétrica, contudo, motivos técnicos
impedem a aplicação prática dessa liberdade para os chamados "consumidores
cativos" (residências, escritórios, pequenas indústrias e etc.). Apenas os
"consumidores livres", que são os consumidores de grandes quantidades de
energia elétrica (organizações empresariais e estatais, condomínios, associações),
têm a permissão legal de participar do Mercado Atacadista de Energia (MAE), no
qual todos os fornecedores vendem para todos os consumidores livres [1 3 ] .

Em uma perspectiva de argumentação heterárquica – sem essa carga de valores


supostos como universalmente evidentes –, contudo, a liberdade energética aponta
para uma justificação mais sofisticada: ela procura evitar que a exclusão de um
fornecedor do sistema não implique também em uma exclusão de consumidores.
De modo que o princípio da liberdade energética procura, ao mesmo tempo,
garantir o princípio do acesso universal à energia. Uma liberdade de escolha
paradoxalmente condicionada à disponibilidade tecnológica, a qual permite

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participar da rede de transmissão e distribuição de energia. Então logo se pode ver


que não há liberdade energética enquanto não houver descentralização do sistema
de distribuição de energia. E por isso o sentido da "liberdade" energética se
reconstrói de modo bastante diferente da "liberdade" no sentido da autonomia ou
da emancipação do Século XVIII. Liberdade como liberdade de escolha do
fornecedor mantém a dependência tecnológica, que é o outro lado – o lado
autoconstitutivo – da forma de diferença "energia/tecnologia", no sentido de
Spencer Brown (1979). Por isso que liberdade energética só existe quando há,
também, disponibilidade tecnológica.

12 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão que se pode colocar agora é a da validade prática desses princípios. No


plano teórico, a questão da validade dos princípios não suscita problemas. O
problema surge quando, na práxis das decisões jurídicas, a validade de um
princípio colide com a validade de outro. E a situação se torna um caso trágico
(Atienza) ou um hard case (Dworkin) quando, para afirmar a validade de um
princípio, tem-se que ao mesmo tempo negar a validade de outro. Para resolver
esse problema, Habermas (2003) propôs uma reformulação da distinção de Klaus
Günther (2004) entre discursos de fundamentação e discursos de aplicação. A
integração entre princípios jurídicos se daria então na forma de um esgotamento
normativo, a partir do qual a decisão selecionaria a norma mais adequada ao caso
concreto, com vistas aos prováveis efeitos colaterais da decisão, sob o pano de
fundo de uma constante submissão à crítica pública. Nessa perspectiva, integração
entre princípios significa restrições recíprocas entre a normatividade desses
princípios (Simioni, 2007). Significa, por exemplo, que o princípio da segurança no
aprovisionamento energético não pode legitimar a urgência na construção de mais
hidrelétricas com dispensa do Estudo de Impacto Ambiental para o licenciamento
da atividade.

A integração dos princípios, portanto, não precisa mais ser realizada em abstrato,
quer dizer, não precisa mais ser realizada no plano da fundamentação das normas
jurídicas. Porque a integração pode ser realizada em concreto, no plano da
aplicação das normas, sob a forma de condições – restrições recíprocas – que, uma
vez cumpridas, legitimam a atividade. Naturalmente, isso pressupõe comunicação
entre órgãos públicos, agências reguladoras e sociedade civil. Porque só a
comunicação pode produzir coerência nas decisões. Só a comunicação pode
constituir a identidade da organização, a partir da qual seus membros, pelo simples
fato de serem membros, já não podem mais decidir arbitrariamente com base
naquele famoso jargão que inicia com "no meu entendimento...". O sentimento de
pertença a uma organização que tem por função a tomada de decisões importantes
para a sociedade é o pressuposto da substituição do "eu entendo que..." pelo "nós,
enquanto organização encarregada da tomada de decisões significativas para a
sociedade, entendemos que...".

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Por isso que tomamos um caminho diferente na descrição dos princípios do Direito
da Energia: não buscamos a sua fundamentação em textos legais, que sempre
permitem outros entendimentos igualmente possíveis. Mas sim construímos esses
princípios a partir de uma semântica que se consolida na comunicação da sociedade
mundial e que faz sentido também para outras áreas do direito. São princípios que
estabelecem referências intersistêmicas, que fazem mediações, que desempenham
a função de acoplamento com outras áreas do direito, com outras expectativas.
Naturalmente, o nível de abstração sob o qual se leva isso adiante é inclemente. De
qualquer modo, a sua utilidade ou inutilidade pode ser comprovada pelo que eles
possibilitam observar na dinâmica comunicativa da sociedade e pelo que eles
permitem decidir juridicamente.

13 BIBLIOGRAFIA

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NOTAS
1. A influência dessa semântica militar – uma linguagem de guerra – na
geopolítica da energia se condensou e se confirme até hoje (Conant, 1981;
Silva, 1967; Porto-Gonçalves, 2006, p. 287-298).
2. Destacam-se, na literatura jurídica nacional da energia da década de setenta,
os textos de Seaborg (1972, p. 49-53) e Álvares (1974b, p. 48-72).
3. Na Bolívia de Evo Morales Ayma, o "Decreto Héroes del Chaco" (Bolivia,
2007); e na Venezuela de Ugo Chaves, Venezuela, 2007.
4. O Brasil já tem experiência com esse elitismo democrático-tecnológico:
seguindo o padrão das políticas de desenvolvimento das multinacionais da
segunda metade do Século XX – palavras-chave: autonomia de consumo e
dependência tecnológica e financeira (Cardoso, 1983, p. 53) –, levou a
Petrobrás a pagar 500 mil dólares para um geólogo americano, Walter Link,
que em 1961 publicou um relatório – conhecido como o "Relatório Link" –
aconselhando a busca de concessões para exploração de petróleo no
estrangeiro. Porque segundo esse especialista, em solo brasileiro não havia
fontes suficientes para uma produção em larga escala (Marinho Jr., 1989;
Freitas, 1964).
5. Para Spencer Brown (1979, p. 1): "We take as given the idea of distinction
and the idea of indication, and that we cannot make an indication without
drawing a distinctions. We take, therefore, the form of distinction for the

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form [na qual, portanto,] distinction is perfect continence" (1979, p. 1). O


cálculo então inicia assim: "draw a distinction" (1979, p. 3). Sobre a
apropriação desse cálculo no campo das ciências sociais, ver-se,
especialmente, Espósito (1992).
6. Conceito de Gotthard Günther (2007). Trazendo esse conceito para um
contexto sociológico, policontexturalidade significa a existência simultânea de
diversas contexturas do real, igualmente essenciais mas contingencialmente
incompatíveis entre si.
7. A Lei n. 1.145, de 31.12.1903, que fixava a despesa geral da República dos
Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1904, já previa em seu art. 23 a
promoção, pelo Governo, do "aproveitamento da energia hidráulica para
transformação em energia elétrica aplicada a serviços federais, podendo
autorizar o emprêgo do excesso da fôrça no desenvolvimento da lavoura, das
indústrias e outros quais fins, e conceder favores às emprêsas que se
propusessem a fazer êsse serviço". Ou seja, a energia era um monopólio de
consumo do Estado, podendo ele autorizar apenas os excedentes de energia
no emprego privado. Assim também no Decreto n. 5.407, de 27.12.1904, que
regulava o aproveitamento da força hidráulica para transformação em
energia elétrica, consta, em seu art. 2º, § 4º, que somente "O excesso da
energia elétrica que não tiver aplicação no serviço federal poderá ser
empregado, com expressa autorização do Govêrno, no desenvolvimento da
lavoura, indústria e outros fins". No ano seguinte, o Decreto n. 5.646, de
22.08.1905, confirmou essa norma no seu art. 2º, regra 3ª.
8. Os primeiros intentos de construção conceitual do Direito da Energia
surgiram a partir da necessidade de se definir a "natureza jurídica" da
energia. A questão que se colocava era a da classificação jurídica da energia
como bem ou coisa. E tratava-se de uma definição importante para o direito,
porque dela dependia a decisão pelo instrumento contratual adequado:
contrato de locação de coisa? Compra e venda? Prestação de serviço? Serviço
público ou privado? A doutrina jurídica passa a construir, nessas condições,
uma realidade jurídica paralela à realidade, por exemplo econômica, dos
sistemas de organização da geração-transmissão-distribuição-consumo de
energia. E ela fez isso através do recurso a uma estrutura hierárquica de
organização disciplinar que não tem correspondência no ambiente do sistema
jurídico, qual seja, a noção de "direito tecnológico" (Álvares, 1978, p. 15).
Assim, com base na noção de direito tecnológico como núcleo conceitual geral,
a doutrina do Direito da Energia pôde desdobrar analiticamente o Direito da
Energia em subdivisões, conforme cada uma das fontes energéticas: direito
da energia hidráulica, da energia nuclear, da energia fóssil e etc.
9. Por exemplo, Álvares (1978, p. 20): "Por conseguinte, o objeto tecnológico
que não tiver ainda a adequada forma jurídica não tem existência social e
nem efetivação nesta área, donde a conclusão inevitável que o direito é a
forma da tecnologia efetivar-se no meio social, como a tecnologia é a forma da
manifestação prática da ciência no meio social."

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10. Importante destacar que princípios do serviço adequado, tarifas razoáveis e


da garantia da estabilidade financeira das empresas hidrelétricas já se
encontram positivados desde o Decreto-Lei n. 3.763 de 25.10.1941, que
alterou o art. 178 do Código de Águas.
11. Embora o art. 20 do Decreto 4.074/02, possivelmente inconstitucional por
omissão, não exija, por exemplo, a comprovação, para o registro de novo
agrotóxico no Brasil, de que o produto não seja proibido no país de origem –
quer dizer: os estoques de agrotóxicos proibidos nos países do Norte ainda
podem ser vendidos em países como o Brasil. Como ocorre também com o
uso de Brometo de Metila, expressamente autorizado pelo Anexo I da
NIMF-Norma Internacional de Medidas Fitossanitárias n. 15, da FAO-Food
and Agriculture Organization/OMC, como medida fitossanitária para reduzir
o risco de pragas em embalagens usadas no transporte internacional de
cargas.
12. O argumento oficial é este: "O aumento da concorrência envolve uma
protecção adicional. Existem salvaguardas para proteger os consumidores
contra as falhas de luz ou dos sistemas de aquecimento. Essas salvaguardas
garantem que a diminuição dos custos por parte dos fornecedores
concorrentes não se traduza numa falta de investimento, que os
consumidores das regiões remotas ou com rendimentos baixos não sejam
considerados demasiado insignificantes ou demasiado distantes para
constituírem uma preocupação e que, no caso de um fornecedor desaparecer,
haja sempre alguém para acudir de imediato" (Europa, 2007).
13. O livre mercado de energia elétrica foi instituído pela Lei n. 9.648/98, a qual
criou o MAE. A regulamentação veio pelo Decreto 2.655/98 (Acordo de
Mercado) e a participação no MAE ficou a cargo da regulamentação da
Resolução Aneel 249/98. A Aneel homologou o acordo e as regras de
mercado na forma das Resoluções Aneel 18/99 e 290/00.

Autor
Rafael Lazzarotto Simioni

Doutor em Direito (Unisinos), Mestre em Direito (UCS),


professor e pesquisador da FDSM.

Informações sobre o texto


Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Princípios do Direito da Energia. Revista Jus


Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2911, 21 jun. 2011. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/19372. Acesso em: 14 fev. 2023.

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