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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


COMARCA DE SÃO PAULO
FORO CENTRAL - FAZENDA PÚBLICA/ACIDENTES
15ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
VIADUTO DONA PAULINA,80, São Paulo - SP - CEP 01501-020
Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às19h00min

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1040393-87.2020.8.26.0053 e código A27AB71.
SENTENÇA

Processo Digital nº: 1040393-87.2020.8.26.0053


Classe - Assunto Ação Civil Pública Cível - Violação aos Princípios Administrativos
Requerente: Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo -
Sifuspesp
Requerido: Fazenda Pública do Estado de São Paulo

Juiz de Direito: Dr. ENIO JOSE HAUFFE

Vistos.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ENIO JOSE HAUFFE, liberado nos autos em 02/02/2021 às 20:07 .
Trata-se de ação civil pública, com pedido liminar, ajuizada pelo Sindicato dos
Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo - SIFUSPESP contra a Fazenda
Pública do Estado de São Paulo, alegando, em síntese, que busca o afastamento da aplicação da
Lei Complementar nº 173/2020, que alterou a Lei Complementar nº 101/2000, para impelir a
requerida a abster-se de observar suas disposições, conservando os direitos dos servidores públicos
no tocante à continuidade do cômputo do tempo de serviço para todos os fins. Sustentou ter havido
a suspensão do direito por meio da edição de comunicados administrativos eletrônicos, emitidos
pelo Departamento de Recursos Humanos da SAP DRHU-SAP e de uma resolução do Secretário
de Estado de Projetos, Orçamento e Gestão. Afirmou que a LC 173/2020 está eivada vício formal,
diante da inobservância da participação democrática na atividade legislativa, em especial no
tocante à competência exclusiva para dispor sobre o regime jurídico de seus servidores, “além de
vício de iniciativa por ter na autoria de parlamentar violação da prerrogativa exclusiva, dos
chefes dos Poderes ou de Órgãos, de iniciativa das leis que dispõem sobre regime jurídico de seus
servidores públicos (...) e tem vício de natureza material, por ofensa aos postulados
constitucionais da separação dos poderes (...) e à autonomia federativa (...), além da extrapolação
de competência regulamentadora (...) bem como, violação à regra da irredutibilidade
remuneratória dos servidores públicos (...) e ao direito adquirido (...)”. Requereu a concessão da
liminar para garantir os direitos dos servidores da sua base de representação, a fim de: 1)
restabelecer a continuidade do cômputo do tempo de serviço para todos os fins, especialmente
para obtenção de vantagens por tempo efetivo de serviço (quinquênio e sexta parte) e da licença-
prêmio, com o direito de conversão em pecúnia; e 2) determinar a concessão de todos os direitos
sonegados aos servidores que preencherem os requisitos temporais e fechamentos de blocos para
aquisição e preferencial recebimento em pecúnica, respectivamente, de adicionais temporais
(quinquênio e sexta parte) e licença-prêmio, desde antes do advento da LC 173/2020. Ao final,
requereu a procedência dos pedidos para determinar a continuidade do cômputo do tempo de
serviço para todos os fins, inclusive para obtenção de vantagens temporais, como o quinquênio, a
sexta parte e o preenchimento do requisito temporal da licença-prêmio, com o direito de conversão
em pecúnia, em todo o período de 28/05/2020 a 31/12/2021, procedendo-se ao apostilamento do
direito, com o afastamento da aplicação do art. 8º da LC 173/2020, condenando a requerida ao
pagamento de todas as vantagens eventualmente suprimidas. Juntou documentos (fls. 19/77).
A liminar foi indeferida (fls. 117/119).
Citada, a ré ofertou defesa, sob a forma de contestação (fls. 135/151), alegando,
em resumo, que, em 28/08/2020, o Presidente do E. Tribunal de Justiça de São Paulo deferiu
pedido de suspensão de liminar nº 2204497-44.2020.8.26.0000 para suspender a eficácia da

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liminar concedida nos autos da Ação Civil Pública nº 1034474-20.2020.8.26.0053. Sustentou que
a LC 173/2020 não dispõe sobre o regime jurídico de servidores, mas tem a finalidade de
promover o equilíbrio fiscal dos entes federativos. Mencionou que a competência legislativa em
relação ao direito financeiro é concorrente, de modo que a União cria normas gerais aplicáveis às
outras unidades federativas, além do que somente a União pode legislar sobre mecanismos de
contenção de despesas e controle de finanças. Afirmou que a LC 173/2020 tem aplicabilidade
imediata e eficácia plena, especialmente em relação ao seu art. 8º, não havendo necessidade de lei
específica privativa do Chefe do Poder Executivo para fixação da remuneração dos servidores.
Mencionou que houve o reconhecimento do estado de calamidade pública no Estado de São Paulo
por meio do Decreto-Legislativo nº 2.493/2020, editado em 30/05/2020 e, posteriormente, a
União, por meio da LC 173/2020, dentre as medidas de ajuste fiscal a serem adotadas pelos entes
federativos, “vedou a concessão de aumento, reajustes ou adequação de remuneração dos
servidores”. Acrescentou que não houve a supressão de direitos, mas sim a mera suspensão do seu
cômputo, a fim de evitar o aumento de despesas com pessoal no período. Requereu a

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ENIO JOSE HAUFFE, liberado nos autos em 02/02/2021 às 20:07 .
improcedência dos pedidos.
Réplica a fls. 154/155, com os documentos de fls. 156/165.
O Ministério Público ofertou parecer pela extinção do feito sem resolução do
mérito, ou, subsidiariamente, pela procedência parcial dos pedidos (fls. 168/178).
Instadas a especificar provas, as partes manifestaram-se a fls. 183, 185/186 e 189.
É o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
Desnecessária a produção de outras provas, pois os elementos carreados aos autos
são suficientes para o deslinde da demanda. Assim, passo ao julgamento do feito no estado em que
se encontra, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
Trata-se de matéria de direito, sendo desnecessária a dilação probatória para o
deslinde da lide, motivo pelo qual se passa ao julgamento do processo no estado em que se
encontra nos termos do art. 355, I do Código de Processo Civil.
No caso sub judice, objetiva a parte autora o reconhecimento do direito de
contagem de tempo de serviço para todos os fins, notadamente quanto a quinquênio, sexta-parte e
licença prêmio, apostilando-se, garantindo-se ainda quanto a esta última a possibilidade de sua
conversão em pecúnia caso venha a ser indeferido, assim como implementação das vantagens que
deixaram de ser concedidas durante o período de 28/05/2020 a 31/12/2021, com os respectivos
pagamentos, devidamente corrigidos.
Afasta-se a questão preliminar de inadequação da via eleita, suscitada pelo
representante do Ministério Público, uma vez que o que está sendo julgado, nestes autos,não é a
constitucionalidade da Lei Complementar nº 173/2020. A questão controvertida versa sobre a
possibilidade da referida LC, sem aprovação de lei estadual equivalente, alterar o regime jurídico
do servidor estadual.
O pedido é parcialmente procedente.
Com efeito, a Lei Complementar da União n. 173/2020, cuja publicação e deu no
Diário Oficial da União aos 28/05/2020, buscou estabelecer o “Programa Federativo de
Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19)”, disciplinando em seu art. 8º:

“Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101,


de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados

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pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de
dezembro de 2021, de:
(...)
IX - contar esse tempo como de período aquisitivo necessário
exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e
demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da
aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo
exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins. (...)”

Argumenta a Fazenda Pública que se trata de lei que disciplina e regula normas
gerais de finanças públicas, cuja finalidade é reduzir os custos da máquina pública, para aplicar os
recursos direcionados ao enfrentamento da pandemia, até mesmo como requisito para o
recebimento de verbas federais, respeitando-se, assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Sem
razão, contudo.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ENIO JOSE HAUFFE, liberado nos autos em 02/02/2021 às 20:07 .
No caso sub examine, ao proibir os Estados e Municípios de computarem o tempo
de serviço dos seus servidores até 31/12/2021 para fins de concessão de adicionais temporais e
licença-prêmio, a norma combatida evidentemente extrapolou a competência legislativa da União,
violando o pacto federativo estabelecido como princípio fundamental em nossa Constituição
Federal, inclusive como cláusula pétrea (CF, art. 60, §4º, I).
Neste sentido, dispõe o art. 37 da Constituição Federal:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos


Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte:
(...)
X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o §
4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a
iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data
e sem distinção de índices.”

Consigne-se, também, que o direito aqui reclamado conta com expressa previsão
na Constituição do Estado de São Paulo:

“Artigo 129 - Ao servidor público estadual é assegurado o percebimento


do adicional por tempo de serviço, concedido no mínimo por quinquênio, e vedada a sua
limitação, bem como a sexta-parte dos vencimentos integrais, concedida aos vinte anos de
efetivo exercício, que se incorporarão aos vencimentos para todos os efeitos, observado o
disposto no artigo 115, XVI, desta Constituição.
Parágrafo único - O disposto no “caput” não se aplica aos servidores
remunerados por subsídio, na forma da lei.”

Portanto, não pode a Lei Complementar Federal suspender ou suprimir direitos


remuneratórios dos servidores Estaduais, especialmente aqueles já adquiridos com base na
legislação própria vigente, não correspondendo a aumentos de salários ou reajustes, quanto mais
quando referendada por meio de mero ato administrativo estadual. Neste caso, aliás, contata-se

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dupla afronta à Constituição Federal, por: a) inconstitucionalidade material, na medida em que
viola a forma federativa de estado, segundo o qual cada ente federativo tem autonomia para se
organizar política e administrativamente (o que inclui legislar sobre o direito remuneratório de
seus próprios servidores); e b) inconstitucionalidade de ordem formal, já que remuneração de
servidor público deve ser regulada por lei, votada e aprovada pelo respectivo ente federativo.
No mais, é de se ressaltar que, por contar com previsão na própria Constituição
Estadual, o direito aos adicionais temporais com base no tempo de serviço, concedido no mínimo
por quinquênio e sem limitação, não pode ser mitigado por lei, sendo necessário, para tanto, a
edição de Emenda Constitucional. E, ainda que em um contexto de calamidade pública, o não
cômputo de tempo efetivamente trabalhado caracteriza enriquecimento sem causa da
Administração.
Por derradeiro, não procede o pedido do autor relacionado à conversão de licença
prêmio em pecúnia, posto que genérico e cuja indenização depende de situação fática ainda não
configurada, pressupondo, portanto, o preenchimento de seus requisitos após prévio requerimento

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por ENIO JOSE HAUFFE, liberado nos autos em 02/02/2021 às 20:07 .
administrativo. Cumpre destacar que a indenização não é automática, até por que prioritário é o
seu gozo, e que somente se impossível o usufruto é que haverá indenização em pecúnia.
Pelo exposto, PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado por Sindicato
dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo - SIFUSPESP contra a
Fazenda Pública do Estado de São Paulo, para condenar a ré a proceder com a continuidade do
cômputo do tempo de serviço efetivamente prestado para a obtenção de adicionais temporais
(quinquênio e sexta-parte) e licença-prêmio, durante o período de 28/05/2020 até 31/12/2021, bem
como efetuar o apostilamento e pagamento dos adicionais temporais que eventualmente deixaram
de ser concedidas no período, respeitada a prescrição quinquenal, corrigido monetariamente nos
termos da Resolução 303/2019 do CNJ, desde a data em que deveriam ter sido realizados os
pagamentos e acrescidas de juros moratórios nos termos do artigo 1º-F da Lei 9.494/07, a partir da
citação, apurando-se o valor do débito em fase de liquidação de sentença. Em decorrência, julgo
extinto o processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
A ré não agiu de má-fé, descabendo condenação nas verbas de sucumbência, ex vi
do princípio da simetria (lei 7.347/85, art. 18). Nesse sentido:

"(...) em razão da simetria, descabe a condenação em honorários


advocatícios da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, de igual
sorte como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei n.
7.347/1985" (EAREsp 962.250/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL,
julgado em 15/08/2018, DJe 21/08/2018).

Oportunamente, arquivem-se os autos.


P.R.I.

São Paulo, 02 de fevereiro de 2021.

DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006,


CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA

1040393-87.2020.8.26.0053 - lauda 4

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