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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


COMARCA DE BRAGANÇA PAULISTA
FORO DE BRAGANÇA PAULISTA
2ª VARA CÍVEL
AVENIDA DOS IMIGRANTES, 1501, Bragança Paulista - SP - CEP
12902-000
Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às19h00min

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/pg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1003938-82.2020.8.26.0099 e código 6BB4783.
SENTENÇA

Processo Digital nº: 1003938-82.2020.8.26.0099


Classe - Assunto Procedimento Comum Cível - Contratos Bancários
Requerente: M. M. E. Transportes e Fretamentos Ltda
Requerido: Companhia de Arrendamento Mercantil RCI Brasil

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Frederico Lopes Azevedo

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por FREDERICO LOPES AZEVEDO, liberado nos autos em 16/09/2020 às 13:34 .
Vistos.

M.M.E. TRANSPORTES E FRETAMENTOS LTDA., qualificada nos autos,


ajuizou ação de obrigação de fazer c/c pedido de tutela antecipada em face de BANCO RCI
BRASIL S/A. Aduz, em suma, que firmou com a instituição Ré contrato de financiamento de
veículo automotor com alienação fiduciária em garantia, mediante o pagamento de prestações
mensais. Aponta que estava a cumprir o contrato regularmente, alegando que, a partir de março de
2020, em decorrência dos impactos causados pela pandemia de COVID-19, não mais conseguiu
adimplir suas obrigações contratuais. Afirma que sua única fonte de renda é o aluguel do veículo
para serviços de turismo e transporte de passageiros, anotando que, em razão das medidas
adotadas para o combate da pandemia, especialmente o isolamento social, seu último serviço foi
prestado em 14.03.2020. Relata que, administrativamente, conseguiu obter junto ao Réu a
suspensão das parcelas referentes aos meses de abril e maio de 2020, o que se mostra insuficiente,
em virtude de sua frágil situação financeira. Pede a procedência da ação, para que seja suspenso o
contrato sub judice, sem a incidência de qualquer encargo, a partir de junho de 2020, pelo período
mínimo de 06 (seis) meses "após o término do estado de calamidade pública ou o
restabelecimento da ordem econômica". Sucessivamente, pede a suspensão do contrato por prazo
não inferior a 90 (noventa) dias, findo o qual reiniciar-se-á a exigibilidade da avença, a partir da
parcela suspensa, prorrogando todas as demais pelo mesmo período. Juntou documentos (pág.
20/47).

Houve emenda à inicial (pág. 52/54), regularmente recebida (pág. 64/67).

A liminar foi parcialmente deferida (pág. 64/67), apenas para postergar o


vencimento referente aos meses de junho/2020, julho/2020 e agosto/2020, sem incidência de juros
e correção monetária, devendo as demais parcelas seguirem a ordem cronológica firmada no
contrato de financiamento, e para que a Ré abstenha-se de entrar com ação de busca e apreensão
do veículo objeto da ação, bem como de incluir o nome da Autora nos órgãos de proteção ao
crédito, até final provimento jurisdicional.

Regularmente citado (pág. 73), o banco Réu apresentou contestação (pág. 74/81),
alegando a prevalência do postulado pacta sunt servanda, além da aplicação dos princípios da
intangibilidade e da força obrigatória dos contratos. Defende que a posterior discussão dos termos
contratados enseja ofensa à boa-fé contratual, pugnando pela improcedência da ação. Juntou
documentos (pág. 82/110).

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Em réplica (pág. 113/116), a Autora repisa termos iniciais e tenta rebater os
argumentos defensivos.

Instadas as partes a especificarem as provas pretendidas (pág. 117), a Autora


pleiteou a produção de prova oral (pág. 120) e o Réu pugnou pelo julgamento antecipado da lide
(pág. 122/123).

É o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por FREDERICO LOPES AZEVEDO, liberado nos autos em 16/09/2020 às 13:34 .
Não havendo questões preliminares a serem enfrentadas e, tampouco, vícios ou
irregularidades que maculem o processo, passo ao julgamento do meritum causae, já que, ante a
controvérsia instaurada nos autos, desnecessária a produção de outras provas, além dos
documentos já apresentados pelas partes (art. 355, inc. I, do Código de Processo Civil).

O pedido é parcialmente procedente.

Trata-se de ação cominatória sob o rito ordinário, através da qual a Autora postula
a suspensão do contrato de financiamento indicado na inicial (pág. 31/35 e 82/83), em razão de
temporária impossibilidade de pagamento decorrente dos impactos econômico-financeiros
causados pela pandemia de COVID-19 sobre sua atividade empresarial. Em contraposição ao
pedido inicial, o banco Réu invoca o postulado pacta sund servanda, além dos princípios da
intangibilidade contratual e da força obrigatória dos contratos.

Da análise do acervo probatório colacionado aos autos, em cotejo com as


alegações de ambas as partes, de se concluir que assiste razão à parte Autora.

Com efeito, é fato notório que a pandemia ocasionada pelo novo coronavírus tem
acarretado impacto severo na atividade econômica do país, não só pelo recolhimento voluntário
das pessoas para evitar a disseminação da doença, como também pelas múltiplas decisões estatais
que determinaram a suspensão de diversas atividades empresariais, atingindo direta e gravemente
o faturamento de empresas, além de trazerem inexoravelmente o comprometimento financeiro de
milhares de brasileiros proprietários destas empresas.

In casu, denota-se que a inadimplência da parte Autora iniciou-se no mês de abril


de 2020, ou seja, no mesmo período em que determinadas medidas restritivas pelo Poder Público
em decorrência da pandemia de COVID-19, o que está a conferir verossimilhança à narrativa
exposta na inicial. Além do mais, o impacto da pandemia sobre a atividade empresarial
desenvolvida pela Autora é evidente, tendo em vista sua atuação no ramo de transporte coletivo de
passageiros, havendo documento nos autos, não impugnado pelo Réu, a indicar que o último
serviço prestado pela demandante ocorreu no mês de março de 2020 (pág. 46/47).

Nessa esteira, a situação que emerge dos autos permite a aplicação da teoria da
imprevisão (cláusula rebus sic stantibus), aliada aos princípios da boa-fé objetiva e da função
social dos contratos (arts. 421 e 422, do Código Civil). Isto porque, é evidente que o surgimento
da pandemia provocada pelo novo coronavírus e as medidas restritivas impostas pelo Poder
Público são acontecimentos extraordinários e imprevisíveis que alteraram de forma substancial as

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bases negociais sobre as quais fora construído o contrato vigente.

Por outro lado, deflui da boa-fé objetiva a necessidade de observância de deveres


de lealdade e de cooperação entre os contratantes, fazendo com que seja possível afastar, ainda
que temporariamente, o cumprimento de obrigações que, por circunstâncias inesperadas, tornaram-
se insuportáveis para uma das partes, valendo ressaltar que o princípio da função social dos
contratos, tomado como vetor axiológico na execução dos negócios jurídicos, impõe que sejam
buscadas soluções tendentes a preservar o liame negocial (conservação do contrato) estabelecido
entre as partes.

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Diante de tal quadro, o parcial acolhimento da pretensão inicial é medida que
se impõe, para, a partir de junho/2020, postergar o pagamento de todas as parcelas do
contrato, sem a incidência de encargos (exceto correção monetária), suspendendo-o pelo
prazo de 06 (seis) meses, após o qual será retomada a exigibilidade das prestações. Registre-
se: o prazo de suspensão ora fixado está a considerar que, atualmente, a economia do país já
demonstra sinais de recuperação, não havendo falar, assim, em suspensão por período superior,
inclusive em respeito à intervenção mínima do Estado na vontade privada e à excepcionalidade da
medida buscada nestes autos (art. 421, parágrafo único, do Código Civil).

Neste ponto, cumpre retificar parcialmente os termos da liminar anteriormente


deferida (pág. 64/67), tão somente para determinar que haja incidência de correção monetária
sobre as parcelas cujos vencimentos serão postergados, pois, caso contrário, estaria-se a impor ao
banco Réu os efeitos da inflação correspondente ao período, a ensejar o enriquecimento sem causa
por parte da Autora. É que a correção monetária representa tão somente "a atualização monetária
da moeda, em virtude de sua desvalorização pelo processo inflacionário" (SILVA, De Plácido e.
Vocabulário Jurídico. 30ª edição – Rio de Janeiro. Ed. Forense, 2013). Ou seja, a correção
monetária objetiva meramente atualizar um valor no tempo, de acordo com índices oficiais,
visando preservar o poder de compra da moeda diante da desvalorização proporcionada pelo
processo inflacionário. Em suma, a correção monetária nada acresce ao valor original, como fazem
os juros, limitando-se apenas a mantê-lo atualizado.

Por fim, e por óbvio, o Réu deverá abster-se de entrar com ação de busca e
apreensão do veículo objeto da ação, bem como de incluir o nome da Autora nos órgãos de
proteção ao crédito, durante o período de suspensão ora determinado, sendo que, transcorrido o
prazo assinalado, a manutenção da posse do bem financiado em favor da Autora e a não inclusão
de seu nome nos órgãos de proteção ao crédito dependerão do cumprimento do contrato celebrado
entre as partes, não cabendo a este juízo, após a retomada da exigibilidade da avença, tolher o
regular exercício do direito do credor de proceder aos meios lícitos de cobrança previstos no
ordenamento vigente.

Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, com fundamento no art.
487, inc. I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido
formulado na inicial, para, retificando os termos da liminar anteriormente deferida, postergar o
pagamento de todas as parcelas do contrato sub judice, a partir de junho/2020, sem a incidência de
encargos (exceto correção monetária), suspendendo-o pelo prazo de 06 (seis) meses, após o qual
será retomada a exigibilidade das prestações. Ante a sucumbência preponderante, condeno o Réu
ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.500,00
(mil e quinhentos reais) (art. 85, §8º, do CPC).

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Diante do pedido de ampliação da tutela provisória, que fora anteriormente
indeferido por este juízo (pág. 117), e a partir dos elementos que foram carreados aos autos
ao longo da marcha processual, entendo ser o caso de ampliar os efeitos da tutela, para que,
nos termos constantes no dispositivo do presente decisum, e independentemente do trânsito
em julgado, sejam postergados os vencimentos das parcelas atinentes aos meses de
setembro/2020, outubro/2020 e novembro/2020, sob pena de imposição da multa diária já
fixada (pág. 64/67). Providencie-se.

Após o trânsito em julgado, aguarde-se por até 30 (trinta) dias o início de eventual

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fase de cumprimento de sentença, oportunidade em que deverá o credor observar o contido nos
arts. 513 e seguintes do Código de Processo Civil, bem como o disposto nos arts. 1.285 e seguintes
do Tomo I das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral de Justiça. No silêncio, certificando-se,
arquivem-se os autos, observadas as formalidades legais.

P.R.I.C.

Bragança Paulista, 15 de setembro de 2020.

DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006,


CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA

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