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M AT É R I A D E C A PA

MICROMOBILIDADE
OS DESAFIOS DA SEGURANÇA VIÁRIA EM TEMPOS
DE NOVOS MODAIS NO TRÂNSITO

Camila Alvarenga e Emerson Farias Alexandre Martins Xavier

O
s números alarmantes de acidentes e mortes destino, até o meio de transporte mais próximo.
provocadas por colisões, atropelamentos, Um exemplo comum é caminhar 800 metros até
perda de controle do veículo etc., motivaram a estação de metrô, ou da estação de metrô até
a ONU a estabelecer uma Década de Ação pela seu local de trabalho ou casa – a micromobilidade
Segurança no Trânsito, com a meta de reduzir essas veio para preencher essa lacuna.
ocorrências no mundo todo – uma iniciativa que De acordo com um estudo do McKinsey Center
pede atualização constante dos esforços de combate for Future Mobility, cerca de 60% das viagens de
a essa tragédia mundial. E a atualização passa, carro em todo o mundo têm menos de
também, por criar novas abordagens de acordo com 8 km. Assim, a micromobilidade pode ter papel
as tecnologias que vão sendo agregadas às vias. fundamental na resposta a alguns dos desafios
Nos últimos anos, os serviços de micromobilidade em pelo menos duas vertentes: questões
compartilhada proliferaram rapidamente em cidades ambientais e otimização de tempo. Mas isso
de todo o mundo, transformando o panorama de precisa de regulação.
mobilidade principalmente nos grandes centros. O ritmo acelerado com que as novas tecnologias de
Bicicletas, e-bikes, patinetes, hoverboards, transporte estão sendo introduzidas e integradas
monociclos, patins, skates, entre outros, reforça a necessidade de criar estruturas
oferecem uma riqueza de benefícios potenciais regulatórias flexíveis, que possam ser aplicadas
para o ecossistema urbano. Porém, precisam ser aos novos modelos de mobilidade à medida que
cuidadosamente gerenciados para garantir que se desenvolvem. As cidades precisarão criar
essas facilidades sejam usufruídas da melhor forma processos adaptativos, porém consistentes, que
durante uma locomoção. as ajudem a integrar essas novas tecnologias
Mas afinal, o que significa a palavra no design urbano e contribuam para que seus
micromobilidade? resultados sejam positivos a longo prazo.
O termo é muito novo. A primeira menção foi em Diante dos inúmeros modais de micromobilidade
2017, durante o Tech Festival em Copenhagen. A existentes, o que temos visto em massa pelo
palavra descreve veículos de transporte que pesam Brasil são as bicicletas e patinetes – em sua
menos de 500 quilos e que funcionam com motores maioria no formato dockless, ou seja, sem
elétricos, apresentando-se como soluções para estações de travamento. Se você ainda não
trajetos de curta distância – geralmente, o primeiro cruzou com uma patinete ou uma bicicleta em sua
ou o último quilômetro de uma viagem nas grandes cidade, tenha certeza de que isso vai acontecer a
cidades. Ou seja, trechos pequenos da origem ao qualquer momento.

O texto contido neste arquivo PDF é a reprodução na íntegra da matéria de capa da Revista "CESVI BRASIL" (Edição 115).
CESVI é o Centro de Experimentação e Segurança Viária. Este arquivo tem como objetivo fins didáticos para a disciplina de
Engenharia de Tráfego Urbano da Universidade de Mogi das Cruzes
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QUANDO ESSA FEBRE COMEÇOU NO ESTUDO DE VISIBILIDADE


BRASIL? Justamente por se tratar de um cenário novo para
A bicicleta compartilhada já é uma velha conhecida dos todo mundo, o CESVI BRASIL decidiu abordar o
brasileiros. Porém, em 2018, surgiu um novo formato tema micromobilidade em suas ações de Pesquisa &
de serviço: aluguel em formato dockless – e em Desenvolvimento, uma vez que o mercado ainda está
paralelo surgiram também as patinetes, com o mesmo carente de informações técnicas e estudos a respeito
formato de locação. disso. Considerando essas estatísticas de acidentes
Os serviços de compartilhamento de patinetes mencionadas acima, especialmente a situação em
começaram a chegar ao país no passado e já estão que uma patinete ou bicicleta colidem contra um
presentes em dez capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, automóvel em movimento, o CESVI BRASIL realizou um
Brasília, Goiânia, Recife, Belo Horizonte, Vitória, estudo para investigar um dos principais fatores de
Curitiba, Porto Alegre e Florianópolis. São Paulo segurança no trânsito, agora em relação aos usuários de
é a campeã desse tipo de serviço, com bicicletas micromobilidade: a visibilidade do condutor de veículos
convencionais, e-bikes e patinetes elétricas. automotores. (Vale avisar que o CESVI está tratando o
E aí, com a ascensão desses modais, aumentam tema de maneira ainda mais abrangente, de modo que o
também os riscos de acidentes e ferimentos. No Brasil, estudo aqui apresentado ainda terá mais duas fases.)
um estudo divulgado pelo Centro de Trauma do Hospital Pensando na segurança dos usuários da via como um
Samaritano, em maio, apontou um aumento de 19,6% todo, o CESVI avaliou as dificuldades que o condutor do
em internações relacionadas a acidentes com veículos automóvel tem em visualizar os condutores de patinetes e
alternativos no primeiro trimestre de 2019, em bicicletas.
comparação com o mesmo período de 2018. O centro de pesquisa levou em consideração os três tipos
de visibilidade proporcionados pelos veículos.
SEGURANÇA: CENÁRIO MUNDIAL • Visão traseira (fornecida pelo espelho retrovisor interno).
Há dois anos, as patinetes elétricas foram lançadas no • Visão lateral (fornecida pelos espelhos laterais).
sul da Califórnia, e a aderência desde então tem sido • Visão dianteira (na qual pode haver obstrução na
impressionante. Um dos líderes de mercado nesse visibilidade causada pela coluna A).
segmento realizou 34 milhões de viagens apenas no Para realização dos testes, o CESVI contou com uma
primeiro ano. Na Europa, as ruas de grandes cidades pessoa com a altura média dos brasileiros. De acordo com
como Paris, Berlim e Barcelona também foram um mapeamento realizado pela revista científica eLife, em
preenchidas com patinetes e similares. E o cenário parceria com a Organização Mundial da Saúde, essa altura
relacionado aos acidentes igualmente se expandiu. é de 1,73 m.
O instituto americano Jama Network Open divulgou em Os automóveis utilizados na pesquisa foram:
janeiro o primeiro estudo sobre lesões causadas por • Hatch compacto – Novo Fiat Uno
patinetes elétricas na Califórnia. Esse estudo relata • Utilitário esportivo – Hyundai IX35
que as causas mais comuns de lesões foram quedas • Picape compacta – GM Montana
(80,2%), colisões com objetos (11%) ou o usuário ser • Micro-ônibus – Fiat Ducato
atingido por um veículo em movimento, como um carro,
uma bicicleta ou outra patinete (8,8%).
Já os tipos de lesões são liderados pelas fraturas
AUMENTOU EM 19,6% O NÚMERO
ósseas (40,2%), traumatismo craniano (31,7%),
cortes, entorses e contusões (27,7%). Do total de 249
DE INTERNAÇÕES RELACIONADAS
pacientes estudados, apenas 4,4% utilizavam capacete A ACIDENTES COM VEÍCULOS
no momento do acidente. ALTERNATIVOS

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O QUE É UM PONTO CEGO
As zonas em que elementos na parte exterior do nas manobras de marcha à ré, quando há risco de
veículo (no caso desse estudo, uma patinete ou graves acidentes com patinetes e bicicletas que estejam
bicicleta) são ocultados por uma obstrução ou passando por trás do veículo.
limitação da visibilidade são chamadas de pontos Aqui vale uma observação: já existem tecnologias que
cegos. Esta obstrução pode ser causada pelas auxiliam na redução dos pontos cegos, como sensores
colunas de sustentação do teto, sendo ampliada e câmera de ré. No entanto, nesse estudo, o CESVI
conforme aumenta a distância entre o veículo e o não levou esses sistemas em conta por se tratar de
objeto observado. No sentido vertical, os pontos cegos medições realizadas na pior situação, com veículos que
nascem da própria dimensão do veículo, principalmente não possuem essas novas tecnologias (a maioria ainda).

ESTUDO COM PATINETES ESTUDO AMERICANO REVELOU QUE QUASE


Patinete é um meio de transporte conduzido por um 9% DOS ACIDENTES COM PATINETES
guidão e constituído por duas rodas em série, que SÃO RELACIONADOS A COLISÃO COM
sustentam uma base na qual o usuário apoia os pés.
AUTOMÓVEIS E OUTROS VEÍCULOS
A equipe técnica do CESVI saiu a campo para
analisar as patinetes utilizadas pelas empresas
de compartilhamento, e verificar as diferenças
dimensionais entre elas.
O CESVI identificou que, para os automóveis de
passeio, tanto hatch compacto quanto utilitário
esportivo, há áreas de ponto cego nas laterais do
veículo, o que pode prejudicar a visibilidade em troca
de faixas, principalmente em se tratando do lado
direito do condutor, onde há maior dificuldade em
visualizar as patinetes.
A picape compacta também apresentou ponto cego
nas laterais, e também na traseira do veículo do
ponto de vista do espelho retrovisor interno. Porém,
há possibilidade de visualizar a patinete na traseira
com o espelho retrovisor externo do lado esquerdo.
Para vans de passageiros, além da dificuldade
na visibilidade lateral, há uma grande área de
ponto cego na traseira: o motorista da van não
consegue enxergar uma patinete a até pelo menos
13 metros de distância do automóvel. E isso pode
prejudicar a visibilidade também em manobras
de ré, para estacionar.

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RESULTADOS DO ESTUDO COM PATINETES

Hatch compacto Utilitário esportivo

8,76 m² 6,88 m²

11,88 m² 9,60 m²

Picape compacta Van de passageiro

7,92 m² 8,04 m²

8,96 m² 12,2 m²
12 m²* 13,5m²*

ESTUDO COM BICICLETAS Outro ponto importante verificado é que, para


Com relação às bicicletas, foi identificado que, para os o utilitário esportivo, há uma pequena área de
automóveis de passeio, também há áreas de ponto cego nas ponto cego, deixando a bicicleta em uma área
laterais do veículo. Em situações de troca de faixa da pista de não visível tanto pelo espelho retrovisor interno
rolagem, o condutor pode ter dificuldades para visualizar a bike. quanto pelo externo.
Assim como em relação à patinete, a área de maior Para os casos da picape compacta e van de
dificuldade de visualização para o motorista do carro se passageiros, além das laterais, há pontos cegos
encontra no lado direito. na traseira do veículo do ponto de vista do

*área de ponto cego no retrovisor interno, mas há visibilidade pelo retrovisor externo LE.

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retrovisor interno. No caso da picape compacta, há
possibilidade de visualizar a bicicleta na traseira com
o espelho externo do lado esquerdo.
Nos testes com a van, além dos retrovisores laterais
possuírem a maior área de ponto cego em metro
quadrado desse estudo, a visibilidade na traseira
é quase nula: o motorista da van não consegue
enxergar uma bicicleta a até pelo menos 15 metros
de distância do automóvel.
A visibilidade frontal não foi afetada pela “coluna A”.
Em todos os casos estudados, houve a possibilidade
de enxergar patinetes e bicicletas.

RESULTADOS DO ESTUDO COM BICICLETAS

Hatch compacto Utilitário esportivo

8,76 m² 5,4 m²

9,04 m²
11,56 m² 3 m²

Picape compacta Van de passageiro

7,92 m² 8,04 m²

8,96 m² 12,2 m²
23,26 m²
12 m²*

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RECOMENDAÇÕES DE SEGURANÇA: RECOMENDAÇÕES DE SEGURANÇA:


PATINETES BICICLETAS
Antes de utilizar, inspecione freios, guidão, rodas e luzes Para expandir a visibilidade tanto para o ciclista quanto
de sinalização do equipamento. para os demais usuários, é recomendado utilizar os
Sempre utilize o capacete. equipamentos exigidos nas bicicletas de acordo com o
Utilize as duas mãos para guiar. Código de Trânsito Brasileiro:
Evite utilizar fones de ouvido, ouça o que está ao - Sinalização refletiva na dianteira e traseira da bicicleta.
seuredor. - Sinalização refletiva nos pedais.
Faça os deslocamentos sozinho: patinete é para ter - Campainha de boa qualidade para permitir que outros
apenas um usuário. usuários identifiquem a bicicleta no trânsito.
Respeite a sinalização e a faixa de pedestre. - Espelho retrovisor pelo menos do lado esquerdo e
De acordo com o Decreto 58.750, de 13 de maio devidamente ajustado.
de2019 - § 3º, é vedada a circulação de patinetes O estudo do CESVI indica que as laterais dos veículos
em vias com velocidade máxima permitida superior têm pontos cegos. Portanto, ao pedalar compartilhando
a 40 km/h. o mesmo espaço com ônibus, caminhões, automóveis
Já nas vias abaixo de 40 km/h onde não haja ciclovias e motocicletas, sempre sinalize o que pretende fazer.
e ciclofaixas, atente-se ao tráfego, principalmente Utilize as mãos para pedir e dar passagem, além dos
em cruzamentos, onde a probabilidade de acidentes sinais sonoros da campainha.
é maior. Lembrando que, de acordo com o estudo Não circule em vias de trânsito rápido ou rodovias. De
realizado, existem pontos cegos que dificultam a visão acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, Art. 244, §
do motorista. 1º, b, só é permitido o trânsito de bicicletas onde houver
Quando terminar uma viagem, estacione sempre em acostamento ou faixas de rolamento próprias.
local apropriado. Sempre utilize capacete.

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COMO O CONDUTOR DE AUTOMÓVEL DEVE SE PORTAR

Para os veículos de passeio, há áreas de ponto cego mas os elementos de micromobilidade podem
nas laterais do veículo, o que pode prejudicar a ser vistos pelo retrovisor externo. Vale lembrar a
visibilidade do condutor. Atente-se principalmente ao importância de utilizar todos os recursos visuais
realizar a troca de faixas. ao realizar manobras com o veículo, tanto os
Na região traseira, também há possibilidade de retrovisores internos quanto os externos.
pequenos pontos cegos. É importante atentar-se em Já nas vans, além de maiores áreas de pontos
manobras de ré. cegos nas laterais, a visibilidade na traseira é
Em todos os casos, o lado direito do condutor do quase nula. E isso implica maior atenção em
veículo tem maior dificuldade em visualizar patinetes manobras de ré.
e bicicletas. Portanto, as manobras do lado direito O CTB prevê que o condutor do veículo mantenha
precisam de uma atenção maior. uma distância lateral de 1,5 metro de uma
Para os veículos de carga, picape compacta, há bicicleta, ou será multado e terá quatro pontos
possibilidade de pontos cegos na traseira do veículo, em sua CNH.

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