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Liderança e mudança na BE e na escola 7 Novembro 2010

Proposta de reflexão para a sessão de trabalho:

“A implementação do Modelo de Auto-Avaliação requer uma

liderança forte e uma mudança de atitude e de práticas por parte

do professor bibliotecário e da escola.”1

1. Porquê avaliar a BE2?

Ao longo dos tempos, a BE viu evoluir as suas funcionalidades e

pressupostos. Aos conceitos iniciais, que a consignavam como um lugar onde

se armazenavam os saberes e o conhecimento presentes nos seus livros e

que nem sempre deveriam estar acessíveis a um público não especialista

(relembremos a questão central de O nome da Rosa, de Umberto Eco),

foram-se agregando outros princípios e novas valências, que a

transformaram, ao longo das últimas décadas, em Centros de Recursos

razoavelmente apetrechados, em Mediatecas onde as novas tecnologias

deixaram de ser bichos de sete cabeças, em suma, em locais especiais na

escola onde os alunos, utilizadores por excelência, descobriam novos

mundos no conforto seguro de um sofá ou de umas almofadas.

Mesmo este conceito, tão querido, de uma BE promotora do gosto da

leitura através das experiências agradáveis proporcionadas às crianças e

jovens, veio evoluindo num sentido mais consentâneo com o papel da escola

1
À medida que o texto foi sendo escrito, apercebemo-nos de que, embora tivéssemos
partido da leitura atenta dos vários documentos, acabámos por não recorrer amiúde à
citação dos mesmos. Não se veja aqui nenhum desrespeito pelos ensinamentos aí presentes,
antes a tentativa de interiorização e de explicitação de uma visão mais pessoal da
problemática. Obviamente, a experiência adquirida, as leituras e formação realizadas e,
principalmente, a interacção constante com PBs e CIBEs, num contexto pragmático de
trabalho efectivo em BE, muito contribuiu para esta apropriação, que desejamos não seja
considerada abusiva.
2
Por uma questão de economia, e porque estamos entre gente “do terreno”, designamos a
Biblioteca Escolar pelas suas iniciais, BE.

Maria Madalena Miranda Tavares Agrupamento de Escolas Damião de Goes


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em si: a formação integral do indivíduo, preparando-o para desempenhar um

papel autónoma numa sociedade em constante mudança e evolução.

Neste sentido, a BE foi reconhecida como um parceiro e um recurso

no processo de ensino-aprendizagem das crianças e dos jovens. Fora das

salas de aulas, a BE é, também ela, um espaço preparado para fomentar as

aprendizagens, para compartilhar os seus fundos documentais com os alunos

que deles necessitam mas, principalmente, para os ajudar a desenvolver

capacidades de pesquisa e reflexão autónomas, e para promover o

desenvolvimento das literacias, tão essenciais numa sociedade pejada de

informação, como é a nossa, mas à qual muitos dos nossos alunos não

conseguem aceder, por não possuírem as “ferramentas” (mentais, verbais,

icónicas) indispensáveis para o efeito.

Sendo um parceiro da escola e dos alunos, o “coração” das

aprendizagens em contexto informal (e formal, também), a BE precisa de

aferir a qualidade dos seus serviços e a eficácia dos mesmos. Não lhe basta

possuir vasta e actualizada colecção de fundos documentais: terá de

conseguir que essa mais-valia produza efeitos junto do seu público-alvo;

terá de procurar enquadrar a sua acção num plano mais vasto, relacionado

com o próprio Projecto Educativo da Escola, e terá de fazê-lo em estreita

colaboração e cooperação com os demais elementos da comunidade

educativa, sem nunca deixar de lançar um olhar vigilante sobre os seus

próprios procedimentos e linhas condutoras – implementando um processo

constante de auto-avaliação e reflexão sobre as suas práticas, a fim de

melhorá-las.

2. Mudança de paradigma

A concepção de uma BE orientada para o desenvolvimento cabal de

competências de literacia e construção do conhecimento por parte dos

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alunos vem alterar, necessariamente, o paradigma anterior. Com efeito, a

BE tem de conseguir mudar os seus procedimentos e as suas valências,

adequando-as a este novo desafio. Muito longe dos armários fechados à

chave (ciosamente guardada por um funcionário de olhar feroz), à nova BE

pede-se que se torne indispensável, que encontre formas de cativar o seu

público-alvo e de produzir para ele e com ele os mecanismos e os tutoriais

que permitirão a cada aluno desenvolver, de forma autónoma, o seu

conhecimento do mundo e da vida, partindo, claro está, de uma abordagem

do próprio currículo.

3. A aprendizagem no centro de tudo

Se há uns anos se pedia à BE que se constituísse como local de

prazer, de lazer, hoje vai-se mais além. Escolas, professores e alunos

entendem a BE como um recurso ao seu dispor. No entanto, convém

clarificar alguns dos pressupostos associados a essa premissa: mais do que

um recurso per si, enquanto garante da existência de fundos documentais,

ou de equipamentos modernos e atractivos, tecnologicamente

desenvolvidos, a BE tem de conseguir rentabilizar-se de modo a ajudar os

alunos a desenvolver as suas aprendizagens. Ou seja, por mais interessante

que seja entrar numa BE apetrechada de computadores, DVDs, livros

recentes e em profusão, isso por si só não se torna enriquecedor, a não ser

que haja uma concepção de aprendizagem subjacente, uma política de acção

que coordene todos os esforços e todos os recursos no sentido de

promover o desenvolvimento autónomo (mas não “isolado”) do conhecimento

e do saber por parte dos alunos.

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4. Novos papéis para o PB3

Nesta medida, à nova BE tem de corresponder uma nova figura, a do

PB. Indo além da coordenação e gestão da BE ao seu cargo, o PB tem de ser

capaz de, constantemente, questionar o papel e funcionamento da BE e

actuar em articulação com toda a escola (e restante comunidade educativa)

no sentido de melhor atingir os objectivos a que se propõe.

Não podemos continuar a conceber uma BE existindo isoladamente,

enquanto “nicho”, no seio da escola. O PB tem como função ir ao encontro

das necessidades de formação e aprendizagem, conhecendo o currículo, os

fundos ao seu dispor, interagindo com a escola, a direcção, o projecto

educativo. Trata-se de uma tarefa exigente, que requer organização,

capacidade de interacção com os demais parceiros e uma grande abertura

de espírito.

Simultaneamente, o PB terá de ser promotor de uma nova forma de

actuação da escola e na escola, “impondo” uma nova atitude para com as

aprendizagens realizadas a partir da BE, e terá de ter a humildade

necessária para reconhecer que os seus saberes e conhecimentos são,

apesar de tudo, insuficientes face às necessidades, procurando reforçar

frequentemente a sua formação e aceitando as sugestões que venham a

surgir por parte dos restantes elementos (colegas da equipa, outros

professores, direcção, pais e, principalmente, alunos).

5. A desejada articulação

Do que vem sendo dito, torna-se evidente que um bom trabalho por

parte do PB passa necessariamente por uma desejada articulação. Vimo-lo

em relação às sugestões, mas convém reforçar a ideia de que uma BE não

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Optamos pelas iniciais PB para Professor Bibliotecário pelas mesmas razões de
simplificação e economia anteriormente referidas.

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funciona ao arrepio da escola, e que ao PB compete ir ao encontro dos

alunos e professores, articulando com os diferentes grupos disciplinares

(se os houver), departamentos, órgãos directivos e pedagógicos. À BE

interessa, sobremaneira, que o PB consiga articular com todos os docentes,

a fim de conseguir corresponder às necessidades de todos os alunos.

Tratando-se de um ideal, verifica-se, na prática, que os PB procuram fazê-

lo com grande regularidade, reunindo com os colegas ao longo do ano (além

de reunirem a sua própria equipa e colaboradores, quando os há); daí que a

atribuição obrigatória de turmas/tempos lectivos aos PB, recentemente

consignada no pacote orçamental para o próximo ano lectivo possa ser um

duro volte-face numa estratégia de articulação que vem sendo desenvolvida

por muitas BEs e PBs, e que passa, certamente, por um processo de

“sedução” para com o trabalho da BE em prol das aprendizagens dos alunos,

o que leva muito tempo. Mudar mentalidades é do mais difícil e moroso que

existe, e temos de ter consciência de que não obrigamos nunca ninguém a

mudar; esse processo, que é interior, apenas ocorrerá se e quando o nosso

interlocutor quiser, e é por isso que temos de ser persuasivos e

demonstrar, claramente, as vantagens inerentes ao trabalho conjunto da BE

e dos restantes professores.

6. Evidente, meu caro Watson

Demonstrar à escola (direcção, docentes, pessoal não docente, pais e,

principalmente, alunos) que há nítidas vantagens em trabalhar em estreita

colaboração e articulação com a BE está, neste momento, na ordem do dia.

Ross Todd apresenta, no Manifesto para os Bibliotecários Escolares (2008),

um cenário que nos assusta: “Se os bibliotecários escolares não

conseguirem provar que fazem a diferença, talvez deixem de existir”. Ora,

face às recentes alterações à Portaria que regulamenta o número de PB por

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escola/agrupamento e às contingências já referidas da obrigatoriedade de

o PB “dar aulas” – como se o trabalho da BE não estivesse directamente

relacionado com as aulas (e, aí, não apenas com as que o PB possa vir a dar,

mas sim com todas) -, é fundamental recorrer a ferramentas capazes de

demonstrar o valor e a eficácia (Cf. texto da sessão) do trabalho da BE e

do PB e da sua equipa.

A prática baseada em evidências permite medir o impacto da BE nas

aprendizagens dos alunos e os seus efeitos a curto, médio e longo prazo.

Para isso, temos de nos consciencializar de que nos é indispensável um

modelo de auto-avaliação do trabalho da BE, que se aplique continuamente,

que leve a reflexões aprofundadas sobre as práticas e a mudanças que

correspondam aos pontos fracos detectados e procurem implementar

acções de melhoria.

Por mais difícil que se afigure recolher determinado tipo de

evidências (as estatísticas de utilização, requisição domiciliária, fundos

adquiridos e actividades realizadas são tópicos já relativamente

consensuais e de uso corrente na BE), como as que medem o grau de

eficácia na resolução de uma tarefa por parte dos alunos, ou comparem os

resultados obtidos num determinado momento do ano, relativamente às

literacias, por exemplo, com os que esses mesmos alunos vêm a registar

noutro momento, são essas as “pedras de toque” que ainda faltam à

avaliação das BEs, para poderem demonstrar cabalmente o seu papel e a sua

absoluta indispensabilidade no processo de formação e ensino-

aprendizagem dos jovens. Sobre as evidências recolhidas deve o PB e a sua

equipa exercer uma reflexão cuidada e constante, tendente a redefinir as

estratégias assumidas e a mudar as práticas, de molde a atingirem os

objectivos pretendidos. Elementar, diria Sherlock… mas não tão simples

quanto isso, arriscamo-nos nós a afirmar.

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7. De Profundis, valsa lenta

Escolhemos o título de José Cardoso Pires não numa alusão a um

qualquer episódio de perda das capacidades intelectuais, em virtude de uma

doença grave, mas porque voltamos à questão da mudança, tema sensível nas

escolas. O Modelo de Auto-Avaliação (MABE) incide sobre quatro domínios

fundamentais do trabalho da BE e da própria escola, nomeadamente no que

se relaciona com o apoio ao desenvolvimento curricular (A), leitura e

literacia (B) e projectos, parcerias e actividades livres e de abertura à

comunidade (C). Reservamos mais para a própria BE o domínio D, de gestão

da BE em si, embora este pressuponha, igualmente, a articulação directa da

BE com a escola, ao nível do acesso e serviços e das condições em que os

mesmos são prestados, além da gestão da colecção e da informação,

ferramentas essenciais para o trabalho colaborativo com todos os

utilizadores.4

Para que a escola, no seu todo, entenda a pertinência do papel da BE e

as suas potencialidades enquanto recurso/parceiro na formação integral do

aluno, é de todo o interesse que a BE divulgue o seu processo de auto-

avaliação por todos os meios ao seu dispor, e que peça a colaboração

efectiva de todos os elementos da sua comunidade educativa, e ainda

daqueles que, não pertencendo estritamente a essa comunidade, com ela

colaboram activamente, como os serviços de uma Biblioteca Municipal, ou as

entidades da região, ou as personalidades convidadas… É também através

da publicitação do seu trabalho e dos resultados obtidos que a BE

conseguirá contribuir para uma efectiva mudança nas mentalidades e

atitudes, cumprindo o papel que é o seu e valorizando o esforço de todos os

4
Para uma melhor compreensão dos domínios, subdomínios e pressupostos, foi consultado o
Modelo de Auto-avaliação disponível na plataforma da Formação.

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intervenientes no processo de aprendizagem e formação das suas crianças e

jovens; um papel que, a ser bem desempenhado, fará a diferença ao longo

de toda a vida.

8. 2010, Odisseia na BE

Ou porque a ficção científica é um tema assaz interessante, ou pela

coincidência cronológica, o facto é que o título de Arthur C. Clarke poderia

ser aplicado às BEs no momento presente. De alguma forma, já nos

apropriámos do mesmo: o tema geral proposto pela BE do nosso

Agrupamento foi, precisamente, “O Futuro começa agora”. Se isso é verídico

para as ciências, as línguas, a matemática, as descobertas, o espaço, não é

menos aplicável às BEs.

Estamos num ponto de viragem importante no que se refere ao

trabalho e impacto da BE ao nível da escola e da comunidade alargada;

temos de provar o valor do nosso trabalho junto dos alunos, defender a

qualidade dos serviços da BE numa abordagem mais vasta da concepção de

aprendizagem, saber e conhecimento numa sociedade de informação como é

a nossa. Reconhecermos que, efectivamente, a BE é ainda, e continuará a ser

para muitas das nossas crianças e jovens, o único parceiro de construção de

aprendizagens positivas e relevantes, além dos professores e aulas

propriamente ditas, coloca o nosso patamar de expectativas e,

concomitantemente, de responsabilidades muito acima de uma fasquia

mediana.

Ao PB terá de corresponder um perfil que se adeqúe a este nível de

exigências. Líder por excelência, terá de saber gerir recursos humanos e

físicos, terá de saber persuadir os mais renitentes à mudança e,

simultaneamente, mostrar que está num constante processo de

aprendizagem, para o qual necessita do contributo de todos. Um PB que

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planifique directamente com os professores, que conheça as necessidades,

anseios e dificuldades de cada grupo disciplinar, que vá ao encontro das

expectativas dos seus alunos e respectivas famílias, que não tenha medo de

auto-avaliar os serviços da BE, que faça dos resultados dessa avaliação um

ponto de partida para acções de melhoria constantes não pode ser uma

quimera nem uma criatura do futuro: é disto que precisamos já neste

momento, sob pena de comprometermos o nosso futuro.

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