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A CONSTRUÇÃO DE JURISDIÇÕES ECLESIÁSTICAS

dízimos, ordens religiosas e territórios

no direito canônico medieval

(séculos Xii-Xiii)

Organização

Igor Salomão Teixeira


Eliane Veríssimo de Santana
Carolina Gual da Silva

Porto alegre
2019
Copyright © Editora CirKula LTDA, 2019.
1° edição - 2019

Edição, Diagramação e Projeto Gráfico: Mauro Meirelles


Revisão e Normatização: Mauro Meirelles
Capa: Luciana Hoppe
Tiragem: 300 exemplares

Editora CirKula
Av. Osvaldo Aranha, 522 - Loja 1 - Bomfim
Porto Alegre - RS - CEP: 90035-190
e-mail: editora@cirkula.com.br
Loja Virtual: www.livrariacirkula.com.br
11 ApresentAção
igor s. teiXeira, eliane veríssimo de santana,
carolina gual da silva

17 pode A lei ver AtrAvés do tempo? A europA medievAl e o


direito metAhistórico
leandro duarte rust

ordens mendicAntes e direito cAnÔnico


Sumário

39 As ActA cApitulorum GenerAlium ordinis prAedicAtorum:


considerAções e Análises iniciAis de umA trAdução
carolina coelho Fortes

55 cAvAleiros podem demAndAr e reter o dízimo? reflexões


sobre priviléGios pApAis em rAimundo de peñAfort
carolina gual da silva

75 conflitos reGionAis e políticA: divisão dAs provínciAs e


reorGAnizAção AdministrAtivA dA ordem dos preGAdores
(1266-1303)
luiz otávio carneiro Fleck

103 A esmolA e o dízimo nA sumA teolóGicA


de tomás de Aquino
igor salomão teiXeira

121 dimonstrAzione dellA servitù: o décimo como elemento de


AfirmAção dA plenitudo pApAl no de ecclesiAsticA
potestAte de eGídio romAno (1302)
eliane veríssimo de santana
espAços de AutoridAde e Jurisdições
eclesiásticAs: estudos de cAso

137 “direitos que me pertencem”: cArtAs de foro e Jurisdição


réGiA (portuGAl, séc. xii)
maria Filomena coelho

161 tierrA, hombres y derechos en los litiGios de lA colección


diplomáticA del monAsterio de sAhAGún (siGlos xi-xii)
Paola miceli

175 dA proteção réGiA à debilidAde JurídicA: A leGislAção dA


coroA de cAstelA relAtivA Aos Judeus (séc. xi-xiii)
kellen Jacobsen Follador

197 desobedienciA, neGliGenciA, ileGitimidAd: un posible cAso de


diJon, 1298-1302
corrupción en
armando torres Fauaz

219 lA monedA entre lA idolAtríA y lA providenciA:


el itinerário del precio de cristo seGún Alberico de rosAte
aleJandro morin

243 sAntidAde e heresiA no século xiv: AlGuns cAsos itAliAnos


marina benedetti
CONSELHO EDITORIAL
Mauro Meirelles
Jussara Reis Prá
José Rogério Lopes
César Alessandro Sagrillo Figueiredo

CONSELHO CIENTÍFICO
Alejandro Frigerio (Argentina)
André Luiz da Silva (Brasil)
Antonio David Cattani (Brasil)
Arnaud Sales (Canadá)
Cíntia Inês Boll (Brasil)
Daniel Gustavo Mocelin (Brasil)
Dominique Maingueneau (França)
Estela Maris Giordani (Brasil)
Hermógenes Saviani Filho (Brasil)
Hilario Wynarczyk (Argentina)
Jaqueline Moll (Brasil)
José Rogério Lopes (Brasil)
Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Brasil)
Leandro Raizer (Brasil)
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva (Brasil)
Lygia Costa (Brasil)
Maria Regina Momesso (Brasil)
Marie Jane Soares Carvalho (Brasil)
Mauro Meirelles (Brasil)
Simone L. Sperhacke (Brasil)
Silvio Roberto Taffarel (Brasil)
Stefania Capone (França)
Thiago Ingrassia Pereira (Brasil)
Wrana Panizzi (Brasil)
Zilá Bernd (Brasil)
ApresentAção

Este livro nasce da junção de dois projetos de pesquisa que visam


discutir o direito em suas diferentes facetas na sociedade medieval. O títu-
lo geral das propostas envolvidas na organização do livro pode ser sinteti-
zado como “A construção de jurisdições eclesiásticas: Dízimos, territórios e
ordens religiosas no direito canônico medieval (séculos XII e XIII)”.
Parte do projeto é desenvolvida na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) (aprovado no edital 04/2018 FAPERGS/CA-
PES – DOCFIX); outra parte é desenvolvida na Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP) (Processo Fapesp n.2017/20683-6). As orga-
nizadoras e o organizador do livro dialogam, portanto, desde 2018 sobre
como fazer pesquisa na área da história e, mais especificamente, nos estu-
dos medievais, a partir de aportes institucionais distintos. Ao publicarmos
este livro podemos afirmar que se trata de uma obra que se insere em um
contexto de, ao menos, duas constatações contemporâneas sobre os estu-
dos medievais em terras não europeias.
A primeira constatação é que estudar aspectos da normatividade
jurídica ou dos direitos na Idade Média é tão complexo quanto a variedade
de objetos que esse estudo pode englobar1. A segunda constatação é que
a historiografia brasileira se especializa e internacionaliza cada vez mais2.
Temáticas relacionadas a esses objetos de estudo têm protagonizado im-
portantes diálogos, como, dentre outras inúmeras possibilidades de exem-
plos, a Rede latino-americana de estudos medievais e suas publicações3.

1 TEIXEIRA, I. S.; ALMEIDA, C. C. O universo normativo e relações de poder na


Idade Média: doutrinas, regras, leis e resoluções de conflitos entre os séculos V e XV.
Anos 90: Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS, v. 20,
n. 38, pp. 11-15, 2013.

2 ALMEIDA, N. de B; SILVA, M. C. Le Moyen Age et la nouvelle histoire politique au


Brésil. Mélanges de l’École Française de Rome – Moyen Âge. v. 2, n. 126, 2014.

3 TEIXEIRA, I. S.; BOY, R. V.; CERDA COSTABAL, J. M. Exercício do poder na Idade


Média e suas representações: novas fronteiras, novos significados. Anos 90: Revista do
Programa de PPG em História da UFRGS, v. 26, 2019.; TORRES FAUAZ, A. (Org.).
La edad media en perspectiva latinoamericana. Heredía: EUNA, 2018. Podemos destacar,
ainda, os artigos publicados na Revista Chilena de Estudios Medievales, n. 11, 2017.
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Assim, a partir da riqueza e complexidade das questões relaciona-
das à normatividade, é importante ressaltar os pressupostos que orientam
nossa visão sobre as formas de exercício do direito na Idade Média e que
se manifestam nos diferentes capítulos desse volume. Em primeiro lugar,
partimos da ideia de que o Cristianismo, concebido como uma “religião
da lei”, sempre estabeleceu relações extremamente complexas e originais
com o direito. O direito canônico medieval, por exemplo, surgiu imerso
em princípios religiosos/teológicos e, portanto, não pode ser dissociado
deles. Desde pelo menos a segunda metade do século XII, com a obra de
Graciano (c. 1140), o direito da Igreja era visto como um sistema de go-
verno da sociedade cristã e, para que ele funcionasse, precisava integrar
um sistema normativo no qual a economia da salvação associava o desejo
individual com a formação da instituição.
Ao longo dos séculos XII e XIII, o campo religioso foi continua-
mente jurisdicizado e os princípios religiosos ofereciam legitimidade para
um modelo normativo que estivesse de acordo com o plano divino. Para
além da intercessão entre Direito Canônico e Romano, no que viria a ser
chamado de ius commune, a concepção medieval de direito incluía e admitia
uma série de estruturas normativas diferentes entre o direito da Igreja,
o direito romano, os costumes locais e a teologia. Mais do que isso, as
obras tinham uma natureza viva e mutável, não seguindo a noção de um
código normativo definitivo e fechado. Assim, para que se obtenha uma
compreensão mais completa das concepções legais, é preciso acrescentar
o estudo de elementos teológicos e das variadas formas de direito, pois

[…] não existe uma estrutura normativa, e sim estruturas nor-


mativas dentro das quais não se desenha necessariamente uma
hierarquia. É preciso insistir, ao contrário, no vai e vem entre as
diferentes formas de resolução de conflitos, nas formas de aceita-
ção de penas, na capacidade e vontade de esquecer, na utilização
polimorfa das normas4.

Assim, pensamos o direito como algo plural, vivo e em constante


transformação. Especificamente para o contexto medieval, ressaltamos a
multiplicidade e a natureza, por vezes contraditória, das diferentes formas

4 GAUVARD, C. et Al. La Norme. In: SCHMITT, J-C.; OEXLE, O. E. (Dir.). Les ten-
dances actuelles de l’histoire du Moyen Âge en France et en Allemagne: Actes
des colloques de Sèvres (1997) et Göttingen (1998). Paris: Publications de la Sor-
bonne, 2002, p. 472.
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das construções normativas. Logo, a concepção fundamental que orienta
nosso livro é a de multinormatividade, pensada como “A combinação de
abordagens analíticas centradas em diferentes esferas normativas, nas re-
gras que guia, práticas culturais subjacentes e na dinâmica da produção
cultural em espaços sociais caracterizados pela diversidade (…)”5. Parti-
mos do pressuposto que a concepção de direito na Idade Média funciona
dentro da lógica da multinormatividade e, portanto, só pode ser entendida
quando analisadas todas as diferentes produções de sentido normativo.
Dessa forma, a compreensão de um tempo histórico a partir da do-
cumentação jurídica implica na necessidade de reconstrução dos contex-
tos específicos de produção, utilização e adaptação das normatividades em
diálogo com as diferentes temporalidades e espacialidades. No caso me-
dieval, por exemplo, isso implica em compreender o contexto de estudo
e produção do direito enquanto disciplina (para o caso do direito romano
e canônico no espaço universitário, por exemplo), as especificidades ad-
ministrativas e políticas que produzem e usam outras formas normativas
(como os direitos consuetudinários, feudais, principescos), os atos da prá-
tica (tanto no âmbito eclesiástico quanto leigo), a produção da doutrina e
do discurso teológico, entre outros.
Outro pressuposto fundamental para os autores desse volume é a
importância da noção de jurisdição para a composição dos poderes na Ida-
de Média. O discurso legalístico e jurídico medieval baseava-se em noções
de jurisdição para pensar sobre os espaços de atuação de cada esfera da
organização eclesiástica. A teoria jurídica medieval, como um todo, tinha
no conceito iurisdictio um dos pilares que sustentavam a vida institucional
e política. As diferentes esferas de poder dentro da instituição eclesiástica
se entrelaçavam por meio desse conceito e a compreensão dessas relações
nos permite apreender a multinormatividade medieval.
Todos esses pressupostos – a complexidade e importância do direito
na Cristandade, o contexto de multinormatividade e a centralidade das no-
ções de jurisdição – estão presentes nos capítulos que compõem esse volu-
me. O livro abre com uma reflexão teórica. O primeiro capítulo, escrito por
Leandro Duarte Rust, professor da Universidade Federal do Mato Grosso,
procura repensar o modelo explicativo do direito, e como este modelo pode
ser analisado para estudo e interpretação da história, sem, contudo, torná-lo
um paradigma, mas sim uma possibilidade para interpretação.
5 DUVE, T. Global Legal History—A Methodological Approach. In: DUBBER, M.
(Ed.). Oxford Handbook of European Legal History. Oxford University Press, 2018.
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Na continuidade, o livro encontra-se dividido em duas partes. A pri-
meira, intitulada “Ordens Mendicantes e Direito Canônico” é composta
por cinco capítulos que exploram, cada uma a sua maneira, as relações
específicas que as ordens mendicantes – particularmente os dominica-
nos – desenvolveram com formas normativas. A segunda parte, “Espaços
de autoridade e jurisdições eclesiásticas: estudos de caso”, apresenta seis
casos específicos que ajudam a pensar sobre a constituição de poderes e
autoridades através do direito canônico, dos direitos régios e de outras
formas jurídicas seculares e locais.
O capítulo de Carolina Coelho Fortes, professora da Universidade
Federal Fluminense, busca demonstrar o processo por ela realizado de
tradução e análise das Atas dos Capítulos Gerais da Ordem dos Pre-
gadores. Dentre os 18 capítulos analisados desse conjunto legislativo,
Fortes demonstra a ocorrência das leis e sua porcentagem em relação
aos assuntos que figuram na obra. Por sua vez, Carolina Gual da Silva,
da Universidade Estadual de Campinas, aborda a Summa de Paenitentia
do canonista Raymundo de Peñafort, debatendo, no âmbito do direito
canônico, as participações e limitações dos laicos na cobrança e uso do
dízimo. Na sequência, Luiz Otávio Carneiro Fleck, doutorando da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul, aborda a Ordem dos Pregado-
res e o processo de divisão das províncias. Os documentos utilizados por
Fleck são as Atas dos Capítulos Gerais. No quinto capítulo, Igor Teixeira,
professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, analisa duas
questões da Suma Teológica de Tomás de Aquino, selecionando o dízimo e
a esmola como temas de estudo para esse capítulo. Ambas as questões se
aproximam na obra do Aquinate pelo tema da prostituição. Na sequên-
cia, Eliane Veríssimo de Santana, da Universidade Federal do Rio Gran-
de do Sul, analisa a forma como o dízimo foi utilizado como elemento
para afirmação da autoridade papal na obra De ecclesiastica potestate do
agostiniano Egídio Romano.
No sétimo capítulo, que abre a segunda parte do livro, Maria Filo-
mena Coelho, professora da Universidade de Brasília, contribui com no-
vas perspectivas para o estudo dos reinos, dando ênfase ao português,
utilizando os Forais como prisma diferenciado para análise historiográfica
do poder no medievo. Na sequência, Paola Miceli, da Universidad Nacio-
nal de General Sarmiento, Argentina, dedica-se ao estudo do monastério
de Sahagún. A autora utiliza pleitos contidos na documentação Diplomá-
tica del Monasterio de Sahagún para analisar a apropriação e o exercício
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de direitos como elemento central desses litígios. No capítulo seguinte,
Kellen Jacobsen Follador, pós-doutoranda da Universidade Estadual de
Campinas, estuda as mudanças legislativas ocorridas em relação aos ju-
deus em Castela no século XI-XIII, destacando Afonso X, nos Fuero Real
e nas Siete Partidas.
No décimo capítulo desta obra, Armando Torres Fauaz, professor
da Universidad Nacional de Costa Rica, dedica-se a Dijon nos anos de
1298 a 1302, e o conflito que se estabeleceu entre a comuna e a coope-
ração de poderes entre rei e duque. A pesquisa é realizada com base no
documento contido na Collection Bourgonge presente na Biblioteca Nacio-
nal da França. No penúltimo capítulo, Alejandro Morin, da Universidad
Nacional de Córdoba, estuda a construção jurídica da moeda em escritos
do jurista Alberico de Rosate. O livro se concluí com o texto de Mari-
na Benedetti, professora da Università degli Studi di Milano, que busca
aproximar os termos santidade e heresia como aspectos complementares
do governo exercido pela Igreja, analisando casos específicos de contra
Armando Pungilupo de Ferrara e Guglielma de Milão.
Essa obra não se constitui como uma síntese. As questões levanta-
das nos levam a novas pesquisas e a novas indagações, mas colocam em
evidência a importância do tema, a diversidade de abordagens possíveis
e a riqueza das análises efetuadas a partir da visão de uma Idade Média
multinormativa. São contribuições importantes, baseadas em fontes do-
cumentais diversas, demonstrando o quanto a compreensão da constru-
ção de jurisdições e os diálogos entre as diferentes formas de direito são
peças importantes no nosso entendimento sobre poderes e autoridades
na Idade Média.

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