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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
AS NOIVAS DE SATÃ:
ordem jurídica e bruxaria entre o Directorium
Inquisitorum (1376) e o Liber Razielis (1259)
CUIABÁ-MT
2018
LARISSA OLIVEIRA GREGÓRIO
AS NOIVAS DE SATÃ:
ordem jurídica e bruxaria entre o Directorium
Inquisitorum (1376) e o Liber Razielis (1259)
CUIABÁ-MT
2018
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
RESUMO
Gratidão!
“A história é, na verdade, pouco mais do que o
registro dos crimes, das loucuras e das
desgraças da humanidade”.
Edward Gibbon
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 12
INTRODUÇÃO
(George R. R. Martin)
1
O que denominamos de práticas mágicas nesta dissertação refere-se, grosso modo, aos grupos
condenados por Eymerich como demoníacos: adivinhos e videntes heréticos, mágicos heretizantes,
necromantes, astrólogos, astrônomos, alquímicos, invocadores do diabo, demonólatras.
2
É preciso ressaltar que não se pode falar de apenas um conceito para magia, pois a experiência
mágica varia de acordo com a sociedade e a época em que se desenvolve.
3
BOLOGNE, Jean Claude. Da Chama à Fogueira: Magia e Superstição na Idade Média. Lisboa:
Publicações Dom Quixote, 1993, p. 185.
4
RIDER, Catherine. Magia e Religião na Inglaterra Medieval. São Paulo: Madras, 2014, p. 20.
5
O conceito de tradição será melhor aprofundado no segundo capítulo.
14
6
HASKINS, Charles H. The Renaissance of the Twelfth Century. Cambridge: Havard University
Press, 1993; SPINELLI, Miguel. Herança grega dos Filósofos Medievais. São Paulo: Hucitec,
2015.
7
RIDER, Magia e Religião..., p. 20.
8
É preciso apontar, no entanto, que a magia representa uma categoria que abrange muito mais
práticas, crenças e fenômenos que as que aqui denominamos de bruxaria.
9
RIDER, Magia e Religião..., p. 28.
10
CLARK, Stuart. Pensando com Demônios: A ideia de Bruxaria no Princípio da Europa
Moderna. São Paulo: Edusp, 2006, p. 553.
15
11
A bruxaria com a qual lidamos nesta dissertação refere-se, exclusivamente, àquela ocorrida no
século XIV (podendo ter alguma referência do período denominado de Caça às Bruxas – Séc. XV –
XVII) na Europa Ocidental, especialmente na região que hoje corresponde à Península Ibérica. Não
adentramos, portanto, o terreno das religiões neopagãs, comumente denominadas de Bruxaria (como
é o caso da Wicca), nem dos fenômenos de ocultismo, de magia ritual ou das seitas satânicas.
12
MURRAY, Margaret Alice. O Culto das Bruxas na Europa Ocidental. São Paulo: Madras
Editora Ltda., 2003, p. 15-24.
16
apresentado por Murray, teria sobrevivido por todo esse tempo com nenhuma, ou
quase nenhuma, influência cristã. De fato, não há evidência alguma que sustente a
ideia de que uma religião pagã bem estruturada – da organização de seus cultos até
a existência de uma hierarquia própria – tenha existido e sobrevivido pela Idade
Média13. Especialmente porque
13
MURRAY, O Culto das Bruxas na Europa..., p. 47-48.
14
PEREIRA, Rita de Cássia Mendes. Da Irrealidade dos Atos Mágicos ao Pacto Satânico: Magia,
Bruxaria e Demonologia no Pensamento Eclesiástico. Simpósio Internacional de Estudos
Inquisitoriais. Salvador, ago., 2011, p. 01. Disponível em:
<http://www3.ufrb.edu.br/simposioinquisicao/wp-content/uploads/2012/01/Rita-Pereira.pdf>.
Acesso em: 25 de maio de 2017.
15
RUSSELL, Jeffrey B.; ALEXANDER, Brooks. História da Bruxaria. São Paulo: Aleph, 2008,
p. 48.
16
WHITEHOUSE, Ruth. Margaret Murray (1863-1963): Pioneer Egyptologist, Feminist and
First Female Archaeology Lecturer. Disponível em: < http://www.ai-
journal.com/articles/10.5334/ai.1608/>. Acesso em: 20 de maio de 2017.
17
MURRAY, O Culto das Bruxas na Europa..., p. 13.
17
18
MURRAY, O Culto das Bruxas na Europa..., 47.
19
WHITEHOUSE, Ruth. Margaret Murray (1863-1963): Pioneer Egyptologist, Feminist and
First Female Archaeology Lecturer. Disponível em: < http://www.ai-
journal.com/articles/10.5334/ai.1608/>. Acesso em: 20 de maio de 2017.
20
Nesta dissertação abordamos principalmente as ideias de Carlo Ginzburg em “História Noturna:
decifrando o Sabá” (1991) e Jeffrey Richards em “Sexo, Desvio e Danação: as minorias na Idade
Média” (1993).
21
Os autores aqui tratados se diferenciarem em alguns pontos, nós optamos por abordá-los de
maneira única, inserindo-os numa mesma “teoria sobre a bruxaria”. Pois, no que interessa a este
trabalho, eles tratam a bruxaria dentro de um mesmo eixo: um bode expiatório criado para oprimir
práticas culturais não absorvidas pelo catolicismo.
22
Como é o caso do antropólogo inglês Evans-Pritchard (1902-1973), que possui uma influência
decisiva na identificação da bruxaria como cultura nativa criminalizada pelas elites. Para maiores
informações, consulte: EVANS-PRITCHARD, Edward Evan. Bruxaria, oráculos e magia entre os
Azande. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
18
23
GINZBURG, Carlo. História Noturna: decifrando o Sabá. Companhia das Letras: São Paulo,
1991, p. 81.
24
GINZBURG, História Noturna..., p. 81.
25
GINZBURG, História Noturna..., p. 81.
26
RICHARDS, Sexo, Desvio e Danação..., p. 84.
27
RICHARDS, Sexo, Desvio e Danação..., p. 82.
19
28
RICHARDS, Sexo, Desvio e Danação..., p. 83-94.
29
GINZBURG, História Noturna..., p. 88.
30
BETHENCOURT, Francisco. O imaginário da magia: feiticeiras, adivinhos e curandeiros em
Portugal no século XVI. Companhia das Letras: São Paulo, 2004, p.46.
31
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 599-600.
20
32
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 43.
33
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 45.
34
Essa abordagem costuma ser especialmente explorada pelo cinema, pela literatura e em séries
televisivas. Apesar de comumente mesclarem diversos outros elementos, o foco de boa parte dessas
obras está em apresentar a perseguição à figura feminina.
35
À saber: “Somos as netas das bruxas que vocês não conseguiram queimar”.
36
BARROS, Maria Nazareth Alvim de. As Deusas, as Bruxas e a Igreja: Séculos de Perseguição.
2 ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2004, p. 351.
37
BARROS, As Deusas, as Bruxas e a Igreja..., P. 351.
21
da história das mulheres consolida uma hipótese explicativa: a bruxaria foi uma
repressão criada para punir aquelas que ousassem, mesmo sem intenção, afrontar a
ordem de vida legitimada, servindo de exemplo para todos sobre o perigo de uma
mulher que não vivia sob os mandamentos de Deus e a proteção masculina38.
Associar a figura de Eva com a justificativa de fragilidade das mulheres
e, portanto, sua inferioridade foi um passo natural, assim como utilizar-se dos
discursos de ódio presentes contra aquelas que se mostravam tão sujas e propícias
ao erro como a pecadora original. A introdução da figura diabólica como influência
para que mulheres se tornassem bruxas foi uma questão de lógica39. Com o quadro
apresentado nos fins do período medieval, formado por mulheres livres do domínio
masculino, vivendo por conta própria, sem casamentos ou filhos, velhas viúvas que
ultrapassavam visivelmente a expectativa de vida populacional, parteiras e
curandeiras que se encontravam na área em que os médicos começariam a ocupar,
a supremacia do patriarcado começou a ser desafiada40. A bruxaria teria surgido
como uma forma de conter essa inversão de papéis sociais.
No entanto, a ideia da bruxaria associada com mulheres foi construída
em cima do mais banal dos clichês dos séculos XVI e XVII, pois incorporava as
ideias aristotélicas das mulheres como homens incompletos em conjunto com a
hostilidade cristã, que as consideravam originadoras do pecado41. Não obstante,
nessa área há uma tendência a se ignorar que a bruxaria possuía uma realidade para
aqueles que nela acreditavam, porém, como historiadores, “devemos reconhecer
que por trás da crença em bruxaria dos primeiros tempos modernos jaz o
funcionamento de um sistema de representação; e sem ladear com os crentes,
devemos reconhecer que o que se representava era considerado, todavia, real”42. A
sociedade europeia em que ela se desenvolveu estava baseada em uma lógica de
correlação de opostos em que a associação do masculino ao polo positivo e do
feminino como sua contraparte negativa era natural. Porém, diagnosticar a bruxaria
como um fenômeno exclusivamente machista e opressor contra as mulheres é
anacrônico.
38
BARROS, As Deusas, as Bruxas e a Igreja..., p. 328-332.
39
BARROS, As Deusas, as Bruxas e a Igreja..., passim.
40
BARROS, As Deusas, as Bruxas e a Igreja..., passim.
41
BARROS, As Deusas, as Bruxas e a Igreja..., p. 165.
42
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 60.
22
43
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 160.
44
RUSSELL, Jeffrey. El Principe de las tinieblas: el poder del mal y del bien em la historia. 2
ed. Santiago do Chile: Editoral Andres Bello, 1995, p. 334.
45
NOGUEIRA, Carlos Roberto Figueiredo. Bruxaria e história: as práticas mágicas no Ocidente
cristão. São Paulo: EDUSC, 2004, p. 42.
46
RUSSELL; ALEXANDER, História da Bruxaria..., p. 50.
23
47
NOGUEIRA, Bruxaria e história..., p. 153-164.
Este conceito sofreu grande influência da obra “Uma História do Medo no Ocidente (1300-1800)”
(1978) de Jean Delumeau.
48
NOGUEIRA, Bruxaria e história..., p. 211-238.
49
RUSSELL; ALEXANDER, História da Bruxaria..., p. 77.
24
50
Disponível em: < http://elpais.com/diario/1984/03/29/agenda/449359202_850215.html>. Acesso
em: 05 de junho de 2015.
51
MANDROU, Robert. Magistrados e Feiticeiros na França do século XVII. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1979, p. 81.
52
NOGUEIRA, Bruxaria e história..., p. 137.
53
NOGUEIRA, Bruxaria e história..., p. 135.
25
considerá-la simplesmente em seu reflexo”54. Pois Satã, que é colocado por essa
vertente como o verdadeiro protagonista do teatro da bruxaria, para nós não passou
de mais uma personagem auxiliar na legitimação de um discurso socialmente
aceito. O que afirmamos aqui é que observar a demonolatria e a demonologia como
fatores determinantes da bruxaria, associando-os a uma psicose coletiva gerada
graças às diversas dificuldades passadas pela população, é retirar da linguagem a
figura central que acreditamos lhe pertencer.
Embora nos atentemos a aspectos relevantes da abordagem que
relaciona a bruxaria a uma mentalidade demonológica - especialmente aquele que
torna o demônio uma personagem relevante do discurso de bruxaria -,
desconsideramos a ideia de que a bruxaria se apresentava como uma psicose
coletiva, oriunda de um inconsciente coletivo associado ao medo, que culminou em
uma repressão irracional de certo grupo. Especialmente porque, para a pessoa
comum, a bruxaria era utilizada como justificativa para as causas de seus males,
mas não em decorrência do pacto demoníaco, e sim devido ao mal causado para ela,
sua família e seu sustento. A bruxa, para a massa populacional, “era vista, primeiro
e, sobretudo, como alguém com o poder e a vontade maligna de causar danos reais
a suas vítimas”55.
A concentração nas relações diabólicas entre a bruxa e Satã, o pacto
demoníaco, a associação de bruxaria com heresia e apostasia eram preocupações
dos clérigos, magistrados e das classes instruídas em geral56. Isso nos permite
observar que “havia, pois, duas “linguagens” da bruxaria, uma concentrada na
feitiçaria, outra no diabolismo, e elas expressavam dois conjuntos diferentes de
interesses”57. E diferentemente do que se acredita na caracterização da bruxaria
como mentalidade demonológica, eram as classes instruídas que enxergavam as
bruxas como servas de Satã, o resto da população só o faria se fosse ensinado a
fazê-lo. Para eles, a bruxaria representava apenas mais uma das hostilidades
cotidianas e sua relação com o demônio era pouco relevante58.
54
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 14.
55
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 557.
56
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 560.
57
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 560.
58
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 560.
26
59
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 17.
60
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 61.
61
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 73.
62
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 86.
63
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 107.
64
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 109.
27
65
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 198.
66
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 111.
67
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 130.
28
CAPÍTULO 01
EM BUSCA DO INQUISIDOR: A IDEIA DE BRUXARIA E A
TRAJETÓRIA DE PODER DE NICOLAU EYMERICH
1
Vale informar que a região da Catalunha constituía um dos mais impressionantes representantes do
que F. Heer (1935) chamou de “Reino dos Três Anéis”, locais em que as três religiões monoteístas
– cristianismo, judaísmo e islamismo – coexistiam e interagiam.
2
SULLIVAN, Karen. The Inner Lives of Medieval Inquisitors. Chicago: University of Chicago
Press, 2011, p. 170.
3
DÍAZ DÍAZ, Gonzalo. Hombres y Documentos de La Filosofía Española. Vol. 03. Madrid:
CSIC, Centro de Estudios Historicos, 1987, p. 96.
4
Roseli foi elevado ao grau de Cardeal.
5
VILANOVA, Evangelista. Historia de la Teología Cristiana: de los Orígenes al siglo XV. Vol.
01. Barcelona: Editorial Herder, 1987, p. 922.
30
inimigos, dentre eles o rei Pedro IV, o Cerimonioso, de Aragão6, que foi responsável
por ordenar, no Capítulo Geral de Perpinhão (1360), a deposição de Eymerich do
cargo de inquisidor. No ano de 1362, Nicolau Eymerich foi eleito vigário geral da
Ordem dos Dominicanos aragonesa, no entanto, a eleição foi seguida de uma grande
disputa política na diocese, uma vez que o padre Bernardo Ermengaudi a contestou,
e apenas com a interferência do papa Urbano V, que afastou Eymerich e nomeou
Jacopo Dominici para o cargo, que tal impasse fora resolvido7.
Em 1366, o dominicano retoma a função de Grão-Inquisidor de Aragão,
no entanto a hostilidade entre ele e o rei se intensifica, por causa da perseguição e
das condenações de obras de Raimundo Lúlio efetuados por parte de Eymerich,8 (o
que levou os lulianos a requisitarem a proteção do rei). O inquisidor chegou a
notificar os habitantes de Barcelona que ele vedava as leituras desse autor9,
resultando na proibição régia das pregações do inquisidor – interdição esta que ele
desobedeceu. Aliás, anteriormente aos conflitos com Eymerich, o rei já havia
censurado dominicanos e franciscanos por proferirem sermões antijudaicos
altamente incendiários, que resultaram no assassinato de vários judeus10. Diante
desse quadro, acreditamos que o agravamento da relação entre o inquisidor e o rei
é decorrente da perseguição inquisitorial de membros do Clero e a condenação
extremamente fervorosa da filosofia luliana, combinadas com a pressão sofrida por
Pedro IV, por meio de membros da nobreza da Coroa Aragonesa, para que as obras
de Lúlio permanecessem sendo estudadas.
Tal situação os levou a se colocarem um contra o outro em diversas
questões, como ocorreu quando Eymerich, encontrando-se “à frente das
reivindicações da igreja tarraconense a respeito da onerosa política tributária de
6
COVINGTON, Samuel. The Esoteric Codex: Witch Hunting. Raleigh: Lulu.com, 2015, p. 209.
7
VARGAS, Michael A. Taming a Brood of Vipers: Conflict and Change in Fouuteenth-Century
Dominican Convents. Leiden: Brill, 2011, p. 290.
8
Boa parte da vida de Eymerich foi dedicada a se opor aos escritos de Lúlio, resultando em obras
como o “Tractatus contra doctrinam Raymundi Lulli”, onde ele lista 135 heresias e 38 erros na
teologia dos lulianos e “Dialogus contra lulianos”.
9
GOMES, Daiany Sousa Macelai de Oliveira. O Tribunal do Santo Ofício Espanhol:
Continuidades e Inovações nas Práticas Processuais (Sécs. XIV-XVI). 2009. 122f. Dissertação
(Mestrado em História) – Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal de
Goiás, Goiânia, 2009, p. 32.
10
RICHARDS, Jeffrey. Sexo, Desvio e Danação: as minorias na Idade Média. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1993, p. 102.
31
Pedro IV”11, apoia a revolta ocorrida na diocese de Tarragona contra o rei, que
terminou com o cerco do mosteiro em que Eymerich residia, em 1376. Ele então
fugiu para a corte do Papa Gregório XI, em Avinhão e, neste mesmo ano, concluiu
a escrita do Directorium Inquisitorum, sua obra mais conhecida. No entanto, é
válido ressaltarmos que, quando o manual de Eymerich foi finalizado, ele já não
tinha mais contato com o território sobre o qual escrevia. Este é um dado curioso,
pois a necessidade de respaldo social local se encontra presente em grande parte das
instruções para a plena instauração da jurisdição inquisitorial, conforme veremos
melhor no segundo capítulo.
Em 1377, encontrando-se exilado, quando o papa decide deslocar a sede
do papado para Roma, Eymerich o acompanha. Entretanto, já no ano seguinte, em
decorrência do Cisma do Ocidente12, resultante da morte de Gregório XI e a eleição
de Urbano VI como novo papa, Nicolau Eymerich decide regressar à Avinhão, onde
entra em conflito com o missionário dominicano Vicente Ferrer13. Este conflito
resulta em uma nova perseguição ao antigo inquisidor, desta vez ocasionada por seu
apoio ao papa Clemente VII em detrimento do papa Urbano VI14. Ele retorna então
para Aragão em 1381, momento em que descobre que o posto de Inquisidor durante
sua ausência fora ocupado por Ermengaudi – cuja autoridade Eymerich recusou-se
a reconhecer. Ademais, com o seu retorno, o dominicano retomou a pregação contra
11
DÍAZ DÍAZ, Hombres y Documentos de La Filosofía Española..., p. 96.
12
O Cisma do Ocidente, também conhecido como O Grande Cisma do Ocidente, Grande Cisma ou
Cisma Papal foi uma crise ocorrida na Igreja Católica durante o período de maio de 1378 a novembro
de 1417 e “resulta da política francesa de afirmação continental frente aos outros reinos e à Cúria
Pontíficia de Roma, fomentando a alternativa de Avinhão. O fim do Exílio de Avinhão com o retorno
de Gregório XI a Roma, em fins de 1377, periga diante da morte do referido pontífice em março de
1378. A pressão da aristocracia romana sobre o mosteiro cardinalício é forte para que se eleja um
Papa romano, no entanto, a escolha recai, em abril de 1378 sobre Bartolomeo Prignano, Arcebispo
de Bari, antigo funcionário da Cúria de Avinhão, designado Urbano VI. Cerca de dois meses depois
da eleição, um grupo de treze cardeais eleitores denuncia a fraude da eleição realizada, segundo eles,
sob forte pressão e em Fondi, Nápoles, elegem Roberto, Cardeal de Genebra, primo de Carlos V,
designado como Clemente VII, o qual, incapaz de assumir suas funções em Roma, estabeleceria
simultaneamente sua Sé Apostólica em Avinhão, onde alguns cardeais tinham permanecido após o
retorno de Gregório XI” (FERNANDES, Fátima Regina. A Monarquia Portuguesa e o Cisma do
Ocidente (1378-85). In: GUIMARÃES, Marcella Lopes (coord.). Instituições, poderes e
jurisdições. Curitiba: Juruá, 2007, p. 137).
13
Vicente Ferrer (1350-1419) entrou para a Ordem Dominicana em 1367; durante o Cisma do
Ocidente colocou-se ao lado de Avinhão, em detrimento de Roma. Chegando a trabalhar, em 1379,
com o cardeal Pedro de Luna (futuro Papa Bento XIII) em busca da obediência do rei Pedro IV para
Avinhão. Ferrer foi canonizado em 03 de junho de 1455, pelo Papa Calisto III.
14
Eymerich chegou, inclusive, a escrever a obra “De potestate Papae”, que defende o poder
absoluto do Papa, a pedido de Clemente VII. (DÍAZ DÍAZ, 1988, p. 97).
32
os lulianos, levando o rei a ordenar sentença definitiva de exílio dele, que ignorou
a decisão real e manteve-se em Aragão.
Diferentemente de seu pai, Juan tentou manter um relacionamento
cordial com o dominicano, chegando a apoiar Eymerich quando esse retornou do
primeiro exílio. Tal atitude desagradou o Cerimonioso, que, ao tomar conhecimento
disso, enviou a seu sucessor uma missiva calorosa: “horrorizado com a audácia de
Juan em permitir que Eymerich estivesse presente em Barcelona, contra seus
desejos, Pedro ordenou que seu filho aprisionasse Eymerich e não lhe prestasse
mais ajuda”15. Michael Ryan informa que não fica claro qual foi o impacto que tal
ordem dada por Pedro teve no relacionamento entre o dominicano e seu filho. No
entanto, já em 1386, com a morte de Pedro IV, Eymerich retoma suas funções como
Inquisidor Geral, tendo sua repressão aos lulianos favorecida por Juan I de Aragão,
sucessor de Pedro, até 1388. Ano em que, em consequência da decisão de Eymerich
de investigar toda a cidade de Valência por suspeita de heresia, o rei pede que a
Igreja contenha a violência deste e manda reexaminar as obras de Lúlio. Nicolau
Eymerich é novamente exilado, retornando para Avinhão e lá permanecendo até a
morte de Juan I, em 1396, quando, enfim, retorna ao mosteiro de sua cidade natal,
residindo aí até sua morte, em 1399. É descrito em seu epitáfio como: “Praedicator
veridicus, inquisidor intrepidus, doctor egregius”16.
No entanto, para se compreender como viveu Eymerich, é preciso olhar
além de sua biografia. Sendo necessário analisar não só as relações deste com a
monarquia aragonesa, mas o próprio contexto histórico em que a Coroa estava
inserida no tempo de vida do inquisidor. Sabemos que durante grande parte de sua
atuação eclesiástica, Eymerich esteve sob o reinado de Pedro IV (1319-1387), que
recebeu a alcunha de “o Cerimonioso” devido à atenção dispendida por ele à
reorganização das instituições centrais do governo, bem como sua atenção ao
protocolo17. O rei é descrito por Lasarte como um apaixonado pela história, tendo
15
RYAN, Michael A. A Kingdom of Stargazers: Astrology and Authority in the Late Medieval
Crown of Aragon. Ithaca e Londres: Cornell University Press, 2017, p. 127.
16
“Pregador da verdade, inquisidor intrépido, douto egrégio”, em tradução livre.
KIRSCH, Johann Peter. Nicolas Eymeric. In: The Catholic Encyclopedia. Vol. 5. New York: Robert
Appleton Company, 1909. Disponível em: <http://www.newadvent.org/cathen/05735c.htm>.
Acesso em: 10 de maio de 2017.
17
PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. História da Idade Média: textos e testemunhas. São
Paulo: UNESP, 2000, p. 315.
33
18
AINAUD DE LASARTE, Josep María. L’época del Cerimoniós. Balanç d’um regnat. In:
CLARAMUNT RODRÍGUEZ, Salvador (org.). Pere el Cerimoniós i la Seva Época. Barcelona:
CSIC, 1989, p. 01.
19
PÉREZ, Joseph; SANTOS, Juliá; VALDEÓN, Julio. História de Espanha. Lisboa: Edições 70,
2014.
20
SARASA SÁNCHEZ, Esteban. El enfrentamiento de Pedro el Ceremonioso con la
aristocracia aragonesa: la guerra con la Unión y sus consecuencias. In: CLARAMUNT
RODRÍGUEZ, Salvador (org.). Pere el Cerimoniós i la Seva Época. Barcelona: CSIC, 1989, p. 35.
21
GUERRERO NAVARRETE, Yolanda. La Configuración de los Reinos Hispánicos (s. XIII-
XV). Liceus, Servicios de Gestió, 2006, p. 19.
34
de nobres que buscavam defender seus privilégios de classe contra o rei. Chamada
de Unión, ela estava presente nos estados de Aragão e Valência. Seu retorno ocorre
em decorrência do conflito externo, do custo econômico da política mediterrânea e,
no caso de Aragão, da questão sucessória22 causada pela, até então, falta de herança
masculina por parte do rei, que proclamou sua filha, Constança, como herdeira do
trono23.
Durante o ano de 1348 tanto a Unión valenciana quanto a aragonesa
foram derrotadas. Em Valência foi firmado um acordo entre o rei e a Unión, porém,
em Aragão a dissolução definitiva da Unión só foi possível após o conflito armado
denominado de Batalha de Épila24. A vitória sobre as Uniões resultou em um alívio
político que permitiu ao rei travar o conflito contra Pedro I de Castela. Conhecida
como a Guerra dos Dois Pedros (1356-1369), esse foi o “conflito no qual Pedro IV
comprometeu definitivamente a liberdade financeira e os recursos econômicos da
Coroa de Aragão”, sendo forçado a convocar numerosas Cortes durante seu
reinado25. Essa dependência financeira resultou na criação da Delegação Geral da
Catalunha26 (1362), um conselho do Parlamento responsável por gerir
financeiramente os impostos, controlar sua arrecadação e supervisionar o destino
dos mesmos, retirando essa função dos oficiais reais27. Sendo, portanto, uma
comissão econômica que efetua a gestão de doação das Cortes ao rei, sem incluir
nenhum representante da Coroa28.
É preciso recordar que durante o reinado de Pedro IV se desenvolveram
as primeiras fases de uma importantíssima guerra do chamado período baixo-
22
A questão sucessória decorre da decisão de Pedro IV em reconhecer sua filha mais velha,
Constança, como herdeira de Aragão, em detrimento de seu irmão, o infante Jaume. Tal situação foi
resultado da morte de sua primeira esposa, Maria, um dia após o parto do natimorto Pedro, sem que
houvesse um herdeiro masculino ao trono. Juan, que iria suceder de Pedro, nasceu apenas em 1350,
fruto do terceiro casamento do monarca.
23
GUERRERO NAVARRETE, La Configuración..., p. 19.
24
Travada em 21 de julho de 1348, perto de Zaragoza, a Batalha de Épila foi o conflito final entre a
Unión Aragonesa e o Rei Pedro IV, resultando na vitória da Coroa.
25
GUERRERO NAVARRETE, La Configuración..., p. 20.
26
Também conhecida como La Generalitat.
27
GUERRERO NAVARRETE, La Configuración..., p. 20.
28
FERRER I MALLOL, Maria Teresa Ferrer i. Origen i Evolució de la Diputació del General de
Catalunya, Les Corts a Catalunya: Actes del Congrés d’Historia Institucional, 1991, p. 152.
Disponível em: < https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=1394654>. Acesso em: 20 de
maio de 2017.
35
29
O período denominado de Idade Média é comumente dividido em Alta Idade Média, abarcando
do século V ao X, e Baixa Idade Média, correspondente ao período do século XI ao XV. Utilizaremos
nesta dissertação a divisão cronológica mais tradicional, como forma de melhor situar o leitor no
tempo dos acontecimentos retratados.
30
A Guerra dos Cem Anos, assim chamada desde a publicação do livro de Bachelet em 1852, foi
uma disputa entre Inglaterra e França que se iniciou em 1337 e durou até 1453. Teve início em
decorrência da questão sucessória do trono francês.
31
VALDEÓN BARUQUE, Julio. La Incidencia de la Guerra de los Cien Años en la Península
Ibérica. In: CLARAMUNT RODRÍGUEZ, Salvador (org.). Pere el Cerimoniós i la Seva Época.
Barcelona: CSIC, 1989, p. 47.
32
A Primeira Guerra Civil de Castela (1366-1369) foi uma disputa entre Pedro I, chamado de “o
Cruel” pelos inimigos e “o Justo” pelos aliados, e seu meio-irmão bastardo, Henrique de Trastâmara
pelo trono de Castela. A disputa terminou com o assassinato de Pedro I durante a Batalha de Montiel,
em 1369, resultando na ascensão ao trono de Henrique, denominado de Henrique II. Esse conflito
acabou por integrar a Guerra dos Cem Anos.
36
33
BARUQUE, La Incidencia de..., p. 57.
34
OLIVER, Jaume de Puig I. El Tractat “Confessio Fidei Chistianae” de Nicolau Eimeric, O. P.
Edició Estudi. Arxiu de Textos Catalans Antics, Barcelona, v. 25, 2006, p. 09. Disponível em: <
http://www.raco.cat/index.php/ArxiuTextos/article/view/298731/387980>. Acesso em: 11 de maio
de 2017.
35
COSTA, R. Maiorca e Aragão no tempo de Ramón Llull (1250-1300). 2001, p. 03. Disponível
em: < http://www.ricardocosta.com/artigo/maiorca-e-aragao-no-tempo-de-Ramón-llull-1250-
1300>. Acesso em: 20 de janeiro de 2018.
37
região, aliás, “a convivência entre árabes, judeus e cristãos se fez mais estreita e
mais indispensável que em qualquer outra parte”36.
No entanto, antes de se tornar o filósofo cristão tão estudado por
historiadores, teólogos e filósofos, Raimundo Lúlio levou uma vida bem mais
mundana. De fato, sua vida pode ser dividida em duas fases: pré e pós conversão.
Durante o período anterior à sua conversão, quando era parte da corte do príncipe
Jaime II (filho de Jaime I, o Conquistador e governante de Maiorca), e recebeu uma
educação comum à ordem cavaleiresca, com foco no aprendizado do manuseio de
armas e na arte de trovar37. No entanto, por volta de 1263, Lúlio tem cinco visões
do Cristo crucificado que, conforme nos informa a Vita Caoetania38, o levaram a
começar o rompimento com seu modo de vida. Mudança essa que foi efetivada após
ele ouvir um sermão sobre o despojamento de São Francisco de Assis (1181-1226),
o que levou Lúlio a seguir o exemplo do santo medicante, e abdicar de sua vida
como trovador, passando a se dedicar à defesa de Cristo39.
Segundo Ventorim, nas sociedades pré-industriais, “as visões ou os
êxtases místicos sempre foram [considerados] um importante meio de comunicação
entre este mundo e o Além”, e podemos encontrar diversos exemplos nas
hagiografias medievais que “demonstram a [crença na] manifestação de Cristo por
visões que modificam de forma definitiva a vida daqueles que passam por elas”40.
Essa forma de comunicação acompanhou todo o projeto missionário de Lúlio, que
incluía também mudanças na conduta dos cristãos e a unificação das Igrejas do
Ocidente e do Oriente, que possibilitaria o resgate do ideal apostólico e eliminaria
36
PALAU, Joaquim Xirau. Vida y obra de Ramón Llull: Filosofía y mística. Cidade do México:
Fondo de Cultura Económica, 2004, p. 15.
37
Os trovadores medievais foram músicos-poetas que se viam como portadores de um novo tipo de
ciência: uma “Gaia Ciência” (uma “ciência alegre” ou uma “ciência gaiata”), isto é, uma ciência que
conseguia se articular no mundo e, ao mesmo tempo, transcende-lo. Uma das principais criações
desses trovadores foram as cantigas de amor cortês. (BARROS, J. A. Os Trovadores Medievais e o
Amor Cortês – Reflexões Historiográficas. Revista Alétheia, vol. 01, n. 01, abril/mai. 2008.
Disponível em: < http://www.miniweb.com.br/historia/artigos/i_media/pdf/barros.pdf>. Acesso em:
20 de janeiro de 2018.
38
A Vita Coaetania (1311) é uma autobiografia ditada por Raimundo Lúlio aos monges cartuxos de
Vauvert. Ela é usada como base para os historiadores precisarem a biografia do filósofo.
39
LÚLIO, Raimundo. Vida Coetânia. 1311. Tradução: Ricardo da Costa. s/d, p. 06-10. Disponível
em: <http://www.ricardocosta.com/sites/default/files/pdfs/vidacoetania.pdf>. Acesso em: 29 de
janeiro de 2018.
40
VENTORIM, Eliane. As Ideias Políticas e a Apologética de Ramón Llull (1232-1316) sobre a
Cruzada na Terra Santa. 2008. 145f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Ciências
Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2008, p. 34-35.
38
41
VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 35-36.
42
LÚLIO, Raimundo. Vida Coetânia..., p. 12-14; VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 43-49.
43
LÚLIO, Raimundo. Vida Coetânia..., p. 12-14; VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 43-49.
39
44
COSTA, Maiorca e Aragão..., p. 03..
45
MARRONI, P. C. T.; OLIVEIRA, T. Ramón Llull e O Livro da Ordem de Cavalaria: Tentativa
de Retomada dos Ideais da Cavalaria Cristã. In: VII Congresso Brasileiro de História da
Educação, 2013, Cuiabá. Anais do VII Congresso Brasileiro de História da Educação: Circuitos e
Fronteiras da História da Educação no Brasil, 2013. v. 1. p. eixo 3, p. 02. Disponível em:
<http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe7/pdf/03-
%20FONTES%20E%20METODOS%20EM%20HISTORIA%20DA%20EDUCACAO/RAMÓN
%20LLULL%20E%20O%20LIVRO%20DA%20ORDEM%20DE%20CAVALARIA.pdf>. Acesso
em: 29 de janeiro de 2018.
46
Em 1272, Jaime, o Conquistador elabora o seu testamento, dividindo o reino entre seus dois filhos:
Jaime - que recebeu Montpellier, as ilhas Baleares, os condados de Rossilhão e Cerdanha e as regiões
fronteiriças de Vallespir e Conflent – e Pedro – que ficou com o reino de Aragão, Valência e o
principado da Catalunha. No entanto, com a morte do Conquistador, em 1276, Jaime II se coroou
rei de Maiorca, porém Pedro III, o Grande, não se conformou com a divisão feita por seu pai e, em
1279, por meio do Tratado de Perpinhão, obrigou Jaime II à se reconhecer como seu vassalo,
transformando a Coroa de Maiorca em uma série de distritos territoriais juridicamente integrados à
Aragão. Vale dizer que a Casa Real Francesa, protegida pelo papado (na época o papa era o francês
Urbano IV) , opunha-se às pretensões de Pedro III de Aragão (COSTA, Ricardo da. Maiorca e
Aragão..., p. 04.)
40
47
COSTA, Ricardo da. In: LÚLIO, Raimundo. Vida Coetânia..., op. cit., p. 16.
48
LÚLIO, Raimundo. Vida Coetânia..., p.16; VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 50-52.
49
VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 52.
50
Foi nesse momento em que ele escreveu a obra “Ars inventativa veritatis” (1290).
51
VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 56.
52
Para Ventorim, o interesse de Lúlio pelas Cruzadas surge por causa da queda do último reino
cristão em Ultramar, São Juan de Acre. (VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 54).
53
JAULENT, E. Raimundo Lúlio: Um Único Pensamento e Um Único Amor. Instituto Brasileiro
de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramón Llull), s/d, p. 05. Disponível em:
<http://www.Ramónllull.net/sw_studies/pdf/s_vida.pdf>. Acesso em: 25 de janeiro de 2018.
41
54
O papa Nicolau IV faleceu em 1292, e Lúlio só volta a buscar apoio pontifício com o papa
Celestino V (eleito em 1294), a quem dedica o tratado denominado de “Petitio Raymundi pro
conversione infidelium ad Coelestinum V papam”, entretanto, Celestino abdica do papado,
frustrando novamente os planos de Raimundo. É então eleito um novo papa, Bonifácio VIII, para
quem o filósofo apresenta nova petição, a “Petitio pro conversione infidelium”, que é recusada.
55
LÚLIO, Raimundo. Vida Coetânia..., p. 18-26; VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 52-62.
56
LÚLIO, Raimundo. Vida Coetânia..., p. 28.
57
LÚLIO, Raimundo. Vida Coetânia..., p.28; VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 62-66.
42
58
Raimundo Lúlio propôs que cada um elaborasse um livro de diálogos e de defesa de sua fé. Foi
quando ele começou a escrever a “Disputa de Raimundo, o cristão e O'Mar, o Sarraceno”.
59
LÚLIO, Raimundo. Vida Coetânia..., p. 30-34.
60
LÚLIO, Raimundo. Vida Coetânia..., p. 34;VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 67-69.
61
VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 69.
62
O termo averroísmo designa a doutrina de Averróis (1126-1198), como foi entendida e interpretada
pelos escolásticos medievais e pelos aristotélicos do Renascimento. Resumia-se nos seguintes
fundamentos: l. eternidade e necessidade do mundo: tese contrária ao dogma da criação; 2. separação
do intelecto ativo e passivo da alma humana e sua atribuição a Deus; essa tese, atribuindo à alma
humana só uma espécie de imagem do intelecto, despojava-a de sua parte mais alta e imortal; 3.
doutrina da dupla verdade, isto é, de uma
verdade de razão, que se pode extrair das obras de Aristóteles, o filósofo por excelência, e de uma
verdade de fé: ambas podem opor-se. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5 ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 100).
63
VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 69-70.
43
Lúlio viveu até cerca de 1316, tendo deixado Paris após ditar a Vita
Coetania, em finais de 1311. Ele ainda viajou para Montpellier (1312), Maiorca
(1313), Messina (1313-1314), e em uma missão ao norte da África (1314-1315).
Após a finalização da sua autobiografia, ele ainda escreveu pelo menos mais
sessenta obras65. De forma geral, as mais de duzentas obras de Raimundo Lúlio
“revelam o intuito da conversão do islã, do fortalecimento da fé cristã por meio da
educação de vários segmentos da sociedade, tais como as crianças e os
cavaleiros”66. Por sua vez, suas viagens e frequente deslocamento evidenciam um
trânsito constante entre poderes régios e eclesiásticos, incluindo o papado. Era, a
despeito das tensões e conflitos provocados, um filósofo plenamente inserido entre
as elites cristãs que se consideravam ortodoxas.
A leitura de sua biografia nos permite observar que a figura de
Raimundo Lúlio, tal qual Nicolau Eymerich, também possuiu uma vida política
conturbada. Mas, diferente do inquisidor, o filósofo catalão conseguiu, ainda em
vida, a aceitação das suas ideias entre as elites cristãs ortodoxas. O que resultou em
uma difusão da sua filosofia entre figuras de autoridade no Ocidente Cristão. É o
que observamos na Aragão do século XIV: a filosofia luliana produziu seguidores
e defensores de grande importância, tanto no clero quanto na nobreza, e foram com
essas personalidades – dentre as quais se destaca o próprio rei de Aragão - que
Nicolau Eymerich tão arduamente antipatizava.
64
VENTORIM, As Ideias Políticas..., p. 70-71.
65
COSTA, Ricardo da. In: LÚLIO, Raimundo. Vida Coetânia..., op. cit., p. 36.
66
MARRONI, P. C. T. Ramón Llull e O Livro..., p. 02.
44
67
MONTANÉ, Pedro Ribes. La Ortodoxia de Ramón Llull. Analecta Sacra Tarraconensia,
Barcelona, n 40.1. 1967, p. 80-83. Disponível em: <
http://www.icatm.net/bibliotecabalmes/sites/default/files/public/analecta/AST_40.1/AST_40_1_77
.pdf>. Acesso em: 11 de maio de 2017.
68
SULLIVAN, The Inner Lives..., p. 170.
69
Expressão utilizada por BOFF, Leonardo. Prefácio. In: EYMERICH, Nicolau. Directorium
Inquisitorum: Manual dos Inquisidores. 2 ed. Rosa dos Tempos: Brasília, 1993.
45
havia iniciado sua campanha contrária70, temendo, alega-se, que a difusão dessa
filosofia fosse um perigo para a ortodoxia católica71.
A empreitada em busca da destruição da filosofia luliana é tão
importante para Eymerich que, em 1371, o inquisidor adverte o papa sobre os
perigos das obras de Lúlio e o pontífice requer, então, que o arcebispo de Tarragona
leve algumas obras para serem examinadas. Dessa decisão resulta uma alegada
proibição das vinte obras verificadas. Teria sido, então, elaborada a suposta bula
Conservationi Puritatis Catholicae Fidei (1374) – cuja autenticidade é duvidosa –
do papa Gregório XI, “que exigia que tudo relacionado a Raimundo Lúlio e à Escola
Luliana fosse coletado para exame, e que as pessoas relacionadas à doutrina Luliana
fossem denunciadas”72.
“Essas ações, no entanto, provocaram raiva em todos os níveis da
sociedade catalã, inclusive no rei Pedro”73. Dessa forma, o monarca, sofrendo
pressão por parte dos familiares e amigos de Raimundo Lúlio, além de setores do
próprio clero local, requisitou, em janeiro de 1377, que o papa reanalisasse as obras
de Lúlio em Barcelona, utilizando-se de especialistas conhecedores de catalão74.
Mas é apenas em março de 1386, em uma comissão presidida pelo então Grão-
Inquisidor de Aragão, frei Bernardo Ermengaudi e constituída por dois dominicanos
e seis franciscanos, que ocorre a revisão das proposições extraídas por Eymerich. A
comissão concluiu, então, que a bula era justa, mas que os trechos não se
encontravam na obra de Lúlio, “Desta forma, Bernardo Ermengaudi deixava intacta
a bula Conservationi puritatis Catholicae fidei, mas salvava o trabalho de
Raimundo Lúlio, acusando o inquisidor de não o compreender e, até mesmo, de
manipulá-lo”75. Nota-se, portanto, que Eymerich se apresenta como um episódio
em que a Inquisição enfrenta oposição eclesiástica.
70
OLIVER, El Tractat “Confessio Fidei..., p. 10.
71
MONTANÉ, La Ortodoxia..., p. 81.
72
RAMIS BARCELÓ, R. El Proceso de la Inquisición contra la Lectura del Arte de Ramón Llull en
La Universidad de Zaragoza (1610). Hispania Sacra, Madrid, vol. 66, Extra 01, jan./jul. 2014, p.
134. Disponível em: <
http://hispaniasacra.revistas.csic.es/index.php/hispaniasacra/article/viewFile/396/397>. Acesso em:
11 de maio de 2017.
73
RYAN, A Kingdom of Stargazers..., p. 126-127.
74
OLIVER, El Tractat “Confessio Fidei..., p. 11.
75
RAMIS BARCELÓ, El Proceso de la Inquisición..., p. 134.
46
76
BOADAS LLAVAT, A. Nicolau Eimeric, un dominico antilulista. In: BUENO GARCÍA,
Antonio. PÉREZ BLÁZQUEZ, David; SERRANO BERTOS, Elena (eds). Dominicos 800 años:
labor intelectual, lingüística y cultural. Caleruega: Editorial San Esteban, 2016, p. 421. Disponível
em: <http://traduccion-dominicos.uva.es/caleruega/pdf/25_BOADAS.pdf>. Acesso em: 11 de maio
de 2017.
77
RYAN, A Kingdom of Stargazers..., p. 127-128.
78
RYAN, A Kingdom of Stargazers..., p. 128.
79
Como podemos ver em bulas papais como a “Ad Abolendam” (1184) de Lúcio III e a “Vergentis
in Seniun” (1199) de Inocêncio III.
80
SULLIVAN, The Inner Lives..., p. 170.
47
E ela tem razão. Porém, com o que foi até agora apresentado, podemos
afirmar que isso é muito menos resultado do próprio inquisidor e muito mais
consequência do ambiente de inversões em que ele viveu e que expandiu. Sua
própria carreira eclesiástica serve para ilustrar tal afirmação, tendo se tornado
81
VARGAS, Taming a Brood of Vipers..., p. 290.
82
SULLIVAN, The Inner Lives..., p. 171.
48
83
BOUREAU, Alain. Satã Herético: O Nascimento da Demonologia na Europa Medieval (1260-
1330). Campinas: Editora da Unicamp, 2016, p. 28.
84
BOUREAU, Satã Herético..., p. 17.
49
Uma consulta foi lançada pelo papa Juan XXII em 1320: ele
procurava obter de dez teólogos e canonistas argumentos que
permitiriam qualificar a invocação dos demônios e a prática da
magia como heresia. O salto foi grande. Treze séculos de
cristianismo tinham estabelecido que a heresia residia apenas no
pensamento e na palavra, não nos atos. Essa classificação abria a
via aos procedimentos excepcionais de inquérito e repressão dos
tribunais inquisitoriais, com a função exclusiva de perseguir a
heresia85.
85
BOUREAU, Satã Herético..., p. 17.
86
BOUREAU, Satã Herético..., p. 40.
87
BOUREAU, Satã Herético..., p. 49.
88
BOUREAU, Satã Herético..., p. 50.
89
De acordo com Boureau, “o pontífice [Juan XXII] estava muito irritado com a falta de respeito de
alguns inquisidores pelo direito”. (BOUREAU, Alain. Satã Herético: O Nascimento da
Demonologia na Europa Medieval (1260-1330). Campinas: Editora da Unicamp, 2016, p. 52).
90
BOUREAU, Satã Herético..., p. 52.
É preciso esclarecer que a hipótese defendida por esta dissertação diverge da afirmação de Boureau.
91
BOUREAU, Satã Herético..., p. 27.
50
92
Como é possível encontrar no Malleus Maleficarum (1487), um manual inquisitorial voltado
exclusivamente para a bruxaria, e em que seus autores afirmam que: “(...) a opinião mais certa e
mais católica é a de que existem feiticeiros e bruxas que, com a ajuda do diabo, graças a um pacto
com ele firmado, se tornam capazes, se Deus assim permitir, de causar males e flagelos autênticos e
concretos, o que não torna improvável serem também capazes de produzir ilusões visionárias e
fantásticas, por algum meio extraordinário e peculiar. O escopo da presente investigação, entretanto,
só abrange a bruxaria, que difere muitíssimo de todas essas outras artes ocultas”. (KRAMER,
Heinrich; SPRENGER, James. Malleus Maleficarum: O Martelo das Feiticeiras. 16 ed. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos, 2002, p 56, grifos nossos). Geralmente é essa categoria plenamente
diferenciada, conforme estabelecido por Kramer e Springer, que o leitor moderno busca ao deparar-
se com a temática da bruxaria.
93
Francisco de La Peña editou o Directorium Inquisitorum no final do século XVI – século este
que foi considerado como o auge da Caça às Bruxas.
51
94
PEÑA, Francisco de La. F. Indícios exteriores pelos quais se reconhecem os hereges: 29. Os
Necromantes. In: EYMERICH, Nicolau. Directorium Inquisitorum: Manual dos Inquisidores. 2 ed.
Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993, p. 134.
95
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 40.
96
GROSSI, Paolo. A Ordem Jurídica Medieval.São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014, p. 06.
97
GROSSI, A Ordem Jurídica Medieval..., p. 23.
98
GROSSI, A Ordem Jurídica Medieval..., p. 23.
99
GROSSI, A Ordem Jurídica Medieval..., p. 39.
52
CAPÍTULO 02
AS RELAÇÕES DE PODER NAS BARRAS DA JURISDIÇÃO:
O DIRECTORIUM INQUISITORUM COMO ORDENAMENTO
JURÍDICO
1
BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália - Séculos
XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 23.
2
PETERS, Edward. The Magician, the Witch, and the Law. Philadelphia: University of
Pennsylvania Press, 1978, p. 160-197.
54
Assim, o manual inquisitorial que nos serve de fonte subdivide-se em três partes:
“A Jurisdição do Inquisidor”, “A Prática Inquisitorial” e “Questões Referentes à
Prática do Santo Ofício da Inquisição”. Em se tratando da terceira parte, essa afirma
claramente a finalidade do Directorium Inquisitorum: abordar a prática
inquisitorial. Além desses tópicos, todos presentes na versão traduzida para o
português, no texto original em latim, antes de apresentar as questões existentes na
primeira e na segunda parte, Eymerich seleciona os documentos canônicos que
foram usados para embasar sua obra, como os cânones de concílios, especialmente
o Lateranense IV e diversas bulas papais. E quanto às respostas dadas por Eymerich
em relação aos questionamentos levantados, estas raramente exibem dúvidas ou
opiniões contrárias3.
Aliás, na seleção de obras eclesiásticas da primeira parte do manual,
Eymerich proporciona a justificativa teológica para o combate herético por meio da
Inquisição, retomando declarações de direito canônico de Inocêncio III, Agostinho,
Graciano e, principalmente, São Tomás de Aquino – teólogo cujas ideias são
refletidas em todas as questões presentes na primeira parte do Manual4. É possível
observar que na segunda parte do manual, por sua vez, há continuidade ao já
realizado na primeira parte, porém as fontes de direito eclesiásticos usadas de forma
mais contundente são alternadas. Ele se volta, então, principalmente para as glosas,
como a glosa do Hostiense sobre as decretais. Segundo Hill, essa parte representa
uma lista padrão e autoritária dos canonistas5, pois a seleção realizada por Eymerich
na segunda parte do manual é feita dentro de um rol de textos que eles tendiam a
utilizar. Esse exercício resulta numa aparente tradição jurídica canônica.
No entanto, faz-se necessário esclarecer que o que aqui compreendemos
por tradição está de acordo com Gérard Lenclud. Esse autor afirma ser essa “um
‘ponto de vista’ que os homens do presente desenvolvem sobre o que os precedeu,
uma interpretação do passado conduzida em função de critérios rigorosamente
3
HILL, Derek Arthur. Change in the Fourteenth-Century Inquisition seen through Bernard Gui’s
and Nicholas Eymerich’s Inquisitors’ Manuals. 2015. 262f. Tese (PhD) – Birkbeck College,
University of London, Londres, 2015, p. 51.
4
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 51.
5
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 52.
55
contemporâneos”6. Isto significa dizer que a tradição seria moldada não do passado
para o presente, e sim ao contrário. Ademais, a tradição “não se contenta de dizer
alguma coisa do passado, ela o diz em vista de certos fins que comandam,
seguramente, o conteúdo da mensagem”7, funcionando não só como um ponto de
vista, mas como um dispositivo cuja utilidade geral está em “fornecer ao presente
uma caução para o que ele é”8 e a utilidade principal é a de “oferecer a todos aqueles
que a enunciam e a reproduzem no dia-a-dia o meio de afirmar sua diferença e, por
isso mesmo, de assentar sua autoridade”9.
Assim, nos é possível reconhecer a existência de uma multiplicidade de
tradições ao invés de uma tradição consolidada. Se tratando do período estudado,
conseguimos observar a presença de uma pluralidade de pontos de produção da dita
tradição. Ao analisarmos o recorte de cânones realizado pelo inquisidor, que
compreende uma seleção própria de forma a concordar com a ideia que ele possuía
sobre fé e heresia, conseguimos vislumbrar um destes pontos de produção da
tradição. Isso ocorre porque seu material inquisitorial, ao mesmo tempo que
justificava o exercício da Inquisição – retomando textos canônicos de autoridades
eclesiásticas reconhecidas – servia como fundamento para o reconhecimento da
autoridade do inquisidor. Dessa forma, podemos dizer que Nicolau Eymerich faz
parte de uma sociedade constituída por uma multiplicidade de tradições jurídicas.
O inquisidor estava inserido em “um universo de ordenamentos
jurídicos, ou seja, de realidades “autônomas”, de realidades [...] caracterizadas pela
‘autonomia’”10. O que pode ser observado especialmente ao se comparar com a
terceira parte do Directorium Inquisitorum, onde Eymerich, apesar de ainda utilizar
fontes do direito canônico, também proporciona outras fontes. Isso ocorre porque a
terceira parte do manual aborda assuntos relacionados à prática inquisitorial
propriamente dita. No caso de Eymerich, ele recomenda a utilização de documentos
por ele mesmo elaborados, além de apresentar, em diversos momentos, um
6
LENCLUD, G. A Tradição Não é Mais o Que Era... Sobre as Noções de Tradição e Sociedade
Tradicional em Etnologia. História, histórias, Brasília, vol. 01, n. 01, 2013, p. 157. Disponível em:
<http://periodicos.unb.br/index.php/hh/article/viewFile/9366/6958>. Acesso em: 18 de abril de
2017.
7
LENCLUD, A Tradição..., p. 158.
8
LENCLUD, A Tradição..., p. 158.
9
LENCLUD, A Tradição..., p. 158.
10
GROSSI, Paolo. A Ordem Jurídica Medieval.São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014, p. 58.
56
11
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 55.
12
GROSSI, A Ordem Jurídica Medieval..., p. 59.
13
GROSSI, A Ordem Jurídica Medieval..., p. 203.
14
GROSSI, A Ordem Jurídica Medieval..., p. 209.
57
15
GROSSI, A Ordem Jurídica Medieval..., p. 17.
16
Para Grossi, o Estado representa um macrocosmo unitário que tende a se estabelecer como
estrutura global dotada de uma vontade englobante.
17
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Jurisdição. In:__________. Instituições de Direito Processual
Civil. 3 ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 75-80.
18
MIATELLO, A. A Transcendência Imanente no Ordenamento Social da Idade Média: Os Limites
da Dicotomia Sagrado e Profano. Veredas da História, Belo Horizonte, ano III, ed. -2, 2010, p. 02.
Disponível em: < http://www.seer.veredasdahistoria.com.br/ojs-
2.4.8/index.php/veredasdahistoria/article/view/47/50>. Acesso em: 15 de abril de 2017.
58
19
PRODI, Paolo. Uma História da Justiça: Do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre
consciência e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 61.
20
SILVA, M. C. Controvérsias Historiográficas Acerca da Doutrina Gregoriana. Textos de História,
Brasília, vol. 09, n. 1/2, 2001, p. 176. Disponível em: <
http://periodicos.unb.br/index.php/textos/article/viewFile/5958/4932>. Acesso em: 13 de abril de
2017.
21
PRODI, Uma História da Justiça..., p. 63-64.
22
PRODI, Uma História da Justiça..., p. 60.
23
RUST, Leandro Duarte. A Reforma Gregoriana: trajetórias historiográficas de um conceito.
História da Historiografia, Ouro Preto, n. 03, set., 2009, p. 138. Disponível em: <
https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/62>. Acesso em: 16 de janeiro de
2017.
59
24
RUST, A Reforma Gregoriana..., p. 139.
25
RUST, A Reforma Gregoriana..., p. 141.
26
RUST, A Reforma Gregoriana..., p. 141.
27
RUST, A Reforma Gregoriana..., p. 142.
28
RUST, A Reforma Gregoriana..., p. 143.
60
29
RUST, A Reforma Gregoriana..., p. 144.
30
PRODI, Uma História da Justiça..., p. 61.
31
RUST, Leandro Duarte. Colunas de São Pedro: A Política Papal na Idade Média Central. São
Paulo: Annablume, 2011, p. 518.
32
RUST, Colunas de São Pedro..., p. 519.
33
GROSSI, A Ordem Jurídica Medieval..., p. 16.
61
34
RUST, L. D., Bulas Inquisitoriais: Ad Abolendam (1184) e Vergentis in Seniun (1199). Revista
de História, São Paulo, n. 166, jan./jun. 2012, p. 150. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/viewFile/48532/52451>. Acesso: 16 de janeiro de
2017.
62
35
BARROS, José D’Assunção. As Heresias Medievais na Idade Média Central e Suas Fontes.
In:_________________. Papas, Imperadores e Hereges na Idade Média. Petrópolis: Vozes, 2012,
p. 42.
63
36
BONIFÁCIO VIII, papa. Bula “Unam Sanctam” – Bonifácio Oitavo (18.11.1302). Disponível
em: <http://agnusdei.50webs.com/unam.htm>. Acesso em: 20 de março de 2017.
37
GOMES, Daiany Sousa Macelai de Oliveira. O Tribunal do Santo Ofício Espanhol:
Continuidades e Inovações nas Práticas Processuais (Sécs. XIV-XVI). 2009. 122f. Dissertação
(Mestrado em História) – Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal de
Goiás, Goiânia, 2009, 21-22.
38
GOMES, O Tribunal do Santo Ofício Espanhol..., p. 18.
39
GOMES, O Tribunal do Santo Ofício Espanhol..., p. 18.
40
GOMES, O Tribunal do Santo Ofício Espanhol..., p. 21.
41
A Ordem Dominicana, também chamada de Ordem dos Pregadores, é uma das Ordens
Mendicantes surgidas no começo do século XIII. Essas Ordens são assim denominadas por
combinarem o ideal de pobreza com uma pregação voltada para a população. Entretanto, em seu
período de surgimento, a Igreja já se encontra em um constante combate as heresias, tornando o
controle da pregação popular uma prioridade (BAPTISTA, p. 65). “Ambos [franciscanos e
dominicanos] nascem neste quadro de luta contra movimentos de pregação popular, no seio de uma
crise e de uma Reforma vivida pela Igreja. Ocupam o terreno da pregação e logo conhecem um
grande sucesso diante da espiritualidade laica” (BAPTISTA, p. 65-66). São Domingos de Gusmão,
na ocasião do IV Concílio de Latrão, em 1215, tenta aprovar o surgimento da Ordem Dominicana,
porém tal concílio não permitia o surgimento de novas ordens. Ele então adota a regra de santo
Agostinho, mas observando de maneira mais rígida as questões pertinentes à alimentação, jejuns,
entre outras. Assim, “a missão da Ordem fundada por Domingos, que fora aprovada em 22 de
64
dezembro de 1216 pelo papa Honório III, era difundir a palavra de Deus, pregar ante aos “inimigos
da fé”, salvar almas” (BAPTISTA, p. P. 74). Em 1218 eles recebem uma permissão especial
referente à pregação (RANGEL, p. 27). E, de acordo com Rangel, haviam dois elementos
fundamentais na Ordem e que a acompanhou desde a sua criação: a pregação e o estudo. Inclusive,
Rangel acredita que o ofício inquisitorial é passado aos dominicanos nos primórdios de 1230 devido
a pregação (RANGEL, p. 27). Vale ressaltar, entretanto, que o surgimento das Ordens Mendicantes
se dá justamente por causa do aumento no combate as heresias. E, tratando-se da Ordem dos Frades
Pregadores, é especialmente pelo contato entre São Domingos e os hereges, em especial os cátaros
e a cruzada lançada por Inocêncio III contra estes. De fato, “é a partir da cruzada de 1207 que muitos
religiosos cooperam na tarefa de Domingos e a ele se vinculam. É nesta circunstância, [...], que o
número de religiosos em torno de Domingos cresce, culminando com a nomeação deste e seus
seguidores por Fulco como pregadores contra a heresia em sua diocese. Intitular Domingos e os
religiosos relacionados a ele como pregadores foi uma ação de forte valor de formação de um grupo
com propósitos em comum, o que fez com que a atitude de Fulco fosse ressaltada como um precioso
registro das origens da Ordem dos Frades Pregadores. A reunião em torno da pregação e da
conversão herética e a nomeação dos religiosos como pregadores da diocese do bispo Fulco fornece-
nos indícios da incipiente ideia de um grupo concreto com finalidades próprias e específicas. Esta é
a motivação que leva Domingos e Fulco a seguirem em direção a Roma, ao IV Concílio de Latrão,
com o desígnio de se formar e confirmar pelo papado a fundação de uma Ordem” (BAPTISTA, p.
75). Ademais, “uma das grandes originalidades dos dominicanos foi sua organização e ação. Para
adentrarem na Ordem, os noviços estudavam teologia ao mesmo tempo em que viviam no claustro,
onde pronunciavam três votos: de obediência, de pobreza e de castidade” (RANGEL, p. 26.). Essa
ênfase dada pelos frades dominicanos ao estudo deve-se na crença de que “a prática intelectual
germinava salvação. [...]. Na verdade, acreditava-se que o estudo era fundamental, necessário para
preparar o sermão: um frade pregador bem preparado era aquele que estudava para a pregação”
(BAPTISTA, p. 84). Como podemos perceber, todo o surgimento da Ordem dos Frades Pregadores
esteve intrinsicamente relacionado com o combate as heresias. Tanto o é que, apesar de ter sido
aprovada apenas em 1216, a Ordem Dominicana nasceu ligada à heresia albigense e a cruzada
lançada pelo papa Inocêncio III em busca de combate-la. Assim, com a criação oficial do Tribunal
da Inquisição, em 1229, os dominicanos logo se puseram à disposição para a tarefa de legislar e
condenar os hereges (ROCHA, p. 39), sendo encarregados da execução do Santo Ofício por
Gregório IX em 1231. Toda a discussão aqui apresentada nos auxilia na compreensão do
Directorium Inquisitorum, pois permite uma melhor acepção da severidade no trato com o herético
praticada por Eymerich. Afinal, nós estamos diante de uma figura histórica proveniente de uma
Ordem Religiosa que desde seu surgimento encontrava-se relacionada com a luta contra as heresias.
42
COELHO, M. F. Entre Bolonha e Portugal: A Experiência Política do Conceito de Iurisdictio
(Séculos XII e XIII). Revista da Faculdade de Direito, Curitiba, vol. 61, n. 02, mai./ago., 2016, p.
68.
65
43
COELHO, Entre Bolonha e Portugal..., p. 69.
44
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 49.
45
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 49-50.
46
EYMERICH, Nicolau. Directorium Inquisitorum: Manual dos Inquisidores. 2 ed. Rosa dos
Tempos: Brasília, 1993, p. 185.
47
Disposições de Clemente V.
48
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 186
49
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 187-188.
66
50
BETHENCOURT, História das Inquisições..., p. 24.
51
GOMES, O Tribunal do Santo Ofício Espanhol..., p. 30.
52
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 32.
67
53
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 41.
54
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 33.
55
RUST, L. D., Bulas Inquisitoriais: Ad Abolendam (1184) e Vergentis in Seniun (1199). Revista de
História, São Paulo, n. 166, jan./jun. 2012, p. 129-161. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/viewFile/48532/52451>, Acesso: 16 de janeiro de
2017. Grifo nosso.
68
56
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 39-75.
57
BETHENCOURT, História das Inquisições..., p. 32.
58
BETHENCOURT, História das Inquisições..., p. 31.
69
59
FINKE, Enrique. Nicolás Eymerich: Publicista en los Comienzos del Cisma de Occidente. An.
Inst. Estud. Gertmd, 2. 1947, p. 125. Disponível em: <http://dugi-
doc.udg.edu/bitstream/handle/10256/5986/53346.pdf?sequence=1>. Acesso em: 16 de janeiro de
2017.
70
60
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 50.
61
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 50.
62
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 87-97.
63
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 87-89.
71
64
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 91-96.
65
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 97-99.
66
GROSSI, A Ordem Jurídica Medieval..., p. 16. Ademais, assim como Grossi, o que aqui
chamamos de direito não se restringe a lei, mas abarca também o conjunto de valores que a sociedade
acredita dever observar (p. 32).
72
67
GROSSI, A Ordem Jurídica Medieval..., p. 38.
68
GROSSI, A Ordem Jurídica Medieval..., p. 63.
69
GROSSI, A Ordem Jurídica Medieval..., p. 63.
70
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 100.
73
71
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 97-100.
72
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 105-109.
73
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 98.
74
74
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 99.
75
Nele nos é permitido observar que a data do sermão geral respeita tanto
o costume local quanto as festividades, pois, essas são suspensas durante o período
de atuação da Inquisição naquela comunidade. Isso ocorre devido à grande
relevância deste sermão para o reconhecimento da autoridade inquisitorial, e,
portanto, ele deve alcançar o máximo possível de membros do grupo social. Não
obstante, após o sermão geral, o inquisidor já se apresentou para a população e
tornou legítima, aos olhos desta, sua posição. Situação que não ocorreria se ele
apenas se dirigisse às autoridades civis. Assim, o sermão pode ser reconhecido
como o ato que torna a jurisdição real, no entanto, esta não é sua única função. Ele
atua como catalizador de uma sanção social à repressão inquisitorial, porque este
incentiva que a própria comunidade atue de forma a repreender o membro que
cometeu alguma falta contra ela, denunciando-o ao inquisidor.
Findado o período de denúncia, o processo inquisitorial prossegue então
para os interrogatórios. Eymerich apresenta a preocupação em compreender a
mentalidade herética, ou melhor, o que ele identifica (cria) como uma mentalidade
enganadora, aconselhando aos inquisidores que adaptem seus questionamentos,
pois os hereges comportam-se de dez maneiras para esquivarem-se das perguntas
inquisitoriais – respondendo de maneira ambígua; respondendo com o acréscimo
de uma condição; invertendo a pergunta; fingindo surpresa; mudando as palavras
da pergunta; deturpando as palavras; auto justificando; fingindo debilidade física;
simulando idiotice ou demência; e se dando ares de santidade76.
Assim, cabe ao inquisidor atentar-se para esses truques e neutralizá-los.
Havendo também dez maneiras de fazê-lo: desfazendo as dúvidas; falando
calmamente com o réu; lendo ou mandando ler os depoimentos das testemunhas,
em caso de recusa de confissão; depondo contra o herege; fingindo que se ausentará
75
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 97.
76
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 117-122.
76
77
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 123-127.
78
EDWARDS, John. Eymerich, Nicolau. In: GERLI, E. Michael (org). Medieval Iberia: an
encyclopedia. Oxford: Taylor & Fracis, 2003, p. 317.
77
79
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 121.
80
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 128-129.
81
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 200.
78
82
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 53.
83
Também denominadas de Matriosca, refere-se a uma série de bonecas ocas (exceto pela menor
delas), geralmente feitas de madeira, que são colocadas uma dentro da outra em ordem de tamanho.
84
HILL, p. Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., 58.
85
MENEZES, Raul Goiana Novaes. Palavras Torpes: Blasfêmia na Primeira Visitação do Santo
Ofício às Partes do Brasil (Pernambuco, 1593 – 1595). 2010. 114f. Dissertação (Mestrado em
História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife,
2010, p. 67.
79
86
MENEZES, Palavras Torpes..., p. 68.
87
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 33.
88
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 131.
89
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 133.
80
90
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 157.
91
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 55.
92
HILL, Change in the Fourteenth-Century Inquisition..., p. 163.
81
CAPÍTULO 03
O INQUISIDOR EXPULSA OS ANJOS DO PARAÍSO: O LIBER
RAZIELIS COMO REFERENCIAL DAS PRÁTICAS DE
INVERSÃO DA REALIDADE
(Hebreus 13:09)
1
A problemática do termo tradição foi anteriormente discutida no item 01 do capítulo 02 desta
dissertação.
82
2
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 128-129.
83
3
Esse termo refere-se aos elementos esotéricos da Cabala e inclui ideias sobre cosmologia, magia e
angelologia.
4
GARCÍA AVILÉS, Alejandro. Imágenes Mágicas. La obra astromágica de Alfonso X y su
fortuna en la Europa bajomedieval. In: RODRIGUEZ LLOPIS, Miguel (org). Aportaciones de
un rey castellano a la construcción de Europa. Murcia: Editora Regional de Murcia, 1997a, p.
132.
5
GARCÍA AVILÉS, Imágenes Mágicas..., p. 132.
6
GARCÍA AVILÉS, Alejandro. Alfonso X y el Liber Razielis: imágenes de la magia astral judía
en el scriptorium alfonsí., Bulletin of Hispanic studies, Glasgow. V. 74, n. 1, p. 21-39. 1997b, p.
22. Disponível em: < http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/alfonso-x-y-el-liber-razielis-
imgenes-de-la-magia-astral-juda-en-el-scriptorium-alfons-0/html/>. Acesso em: 20 de janeiro de
2018.
7
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 54-55.
84
aparentando ser essa não só a mais usual das práticas, como a medida a ser tomada
por qualquer bom inquisidor. Conforme demonstraremos posteriormente, tal
abordagem é bastante recorrente no Directorium Inquisitorum.
8
Essa definição é importante porque o esoterismo era estudado como parte dos assuntos teológicos,
porém atualmente designa um campo de pesquisa científica próprio – conhecido por “Tradição
Esotérica Ocidental” – que, de forma mais específica, compreende o mundo latino a partir do fim
do século XV, o Renascimento, o resgate de correntes filosóficas e religiosas helenísticas - como o
hermetismo - o neoplatonismo, a cabala e a alquimia. É o historiador francês Antoine Faivre, por
meio da obra L’ésoterisme (1992), que auxilia na ampliação dos estudos científicos sobre
esoterismo.
9
Faivre explica o esoterismo por meio de uma metáfora, em que a Tradição Esotérica Ocidental
corresponderia à grandes rios desaguando no oceano do esoterismo. Tais rios seriam a alquimia, a
astrologia e a magia, e seus afluentes a cabala cristã, o hermetismo neoalexandrino, a philosifa
perennis, o paracelsismo, a naturphilosophie, a teosofia (séc. XVII), o rosacrucianismo, e as
sociedades iniciáticas.
10
A correspondência indica uma relação de interdependência entre diversos componentes e planos
existenciais, retomando a relação de microcosmo com macrocosmo, e constituindo uma rede de
interligações simpáticas. Seu estudo “indicaria uma dimensão na qual o contraditório, paradoxal ou
indissociável se desfaria e encontraríamos a solução para os grandes problemas da existência”.
(VIEIRA, O. S. O Esoterismo: Uma abordagem hermenêutico-conceitual. Diversidade Religiosa,
Paraíba, v. 04, n. 01, 2014, p. 04-07. Disponível em:
<http://periodicos.ufpb.br/index.php/dr/article/view/18064>. Acesso em: 28 de novembro de 2017.).
11
A natureza viva determina que a natureza possui diversas camadas e, portanto, é passível de ser
manuseada, sendo a magia o elo entre todas as coisas naturais, e o controle e emprego das forças são
relacionados ao uso das correspondências. (VIEIRA, 2014, p. 04-07).
12
A imaginação, por meio das mediações, possibilita ao indivíduo a capacidade de acessar os
diferentes níveis da realidade. Assim, a imaginação e as mediações, quando operadas em conjunto,
se interligam às correspondências e forças naturais, dando origem aos ritos, angelologias, símbolos,
dentre outros. (VIEIRA, 2014, p. 04-07).
85
13
A experiência da transmutação, tem origem alquímica, porém diferente desta, não se refere à
transformação e sim à cooperação entre a gnose e a imaginação viva. (VIEIRA, O Esoterismo..., p.
04-07).
14
A práxis da concordância procura estabelecer pontos comuns entre as diferentes tradições
esotéricas. E a transmissão, por sua vez, determina que os conteúdos esotéricos devem ser
comunicados, porém só pode ser feito por meio de um sistema legítimo e regular, ou seja, só poderia
ser transmitido de mestre para discípulo. (VIEIRA, 2014, p. 04-07).
15
VIEIRA, O Esoterismo..., p. 04-06.
16
Stromata refere-se ao terceiro trabalho de Clemente de Alexandria sobre a vida cristã, os outros
dois são o Protrepticus e o Paedagogus.
17
HANEGRAAFF, Wouter J. (org.). Dictionary of Gnosis & Western Esotericism, Leiden:
Koninklijke Brill NV, 2006, p. 336.
86
perceber que o esoterismo contou com uma, por assim dizer, grande área de contato
com a cultura cristã, incluindo aí a cultura textual da patrística. Pensar esoterismo
e cristianismo como universos simbólicos inteiramente afastados e incomunicáveis
seria uma simplificação arriscada.
Em 1752 esse termo aparece no Dictionnaire universel français et latin,
sendo definido como:
18
CORSETTI, Jean-Paul. Historia Del Esoterismo y Las Ciencias Ocultas. Buenos Aires:
Larousse, 1993, p. 08.
19
LAURANT, Jean-Pierre. O Esoterismo. São Paulo: Paulus, 1995, p. 12.
20
No entanto, o esoterismo só foi reconhecido como uma palavra nova em 1852, por meio do
Dictionnaire Universel de Maurice Lachâtre’s, que definiu o termo como originário do grego
eisôtheô (faça entrar), representando a totalidade de princípios de uma doutrina secreta,
comunicados apenas para os membros afiliados.
21
HANEGRAAFF, Dictionary of Gnosis..., p. 337.
22
HANEFRAAFF, Wouter J. Some Remarks on the Study of Western Esotericism, p. 01.
Disponível em: <http://www.esoteric.msu.edu/printable/Hanegraaffprintable.html>. Acesso em: 28
de novembro de 2017.
87
23
apesar de haver um debate considerável sobre sua definição e sua demarcação, existe um consenso
acerca das principais correntes que constituem o seu núcleo: nos períodos moderno e contemporâneo
estão os casos do Renascimento (hermetismo e filosofia oculta em um contexto neoplatônico),
alquimia, paracelsianismo, rosicrucianismo, cabala cristã, teosofia cristã, iluminismo, e até mesmo,
fenômenos como o movimento New Age (Nova Era); na Antiguidade Tardia e no Medievo
encontramos o gnosticismo, o hermetismo, a teurgia neoplatônica e diversas ciências ocultas e
correntes mágicas que influenciariam o Renascimento.
24
Disciplina arcani ("Disciplina do Segredo" ou "Disciplina dos Arcanos") é o costume que
prevaleceu no cristianismo primitivo, pelo qual o conhecimento dos mistérios mais íntimos da
religião cristã foi cuidadosamente retido dos não-cristãos e mesmo daqueles que estavam passando
por instrução na fé.
25
HANEFRAAFF, Some Remarks on..., p. 01.
88
26
HANEGRAAFF, Dictionary of Gnosis..., p. 337.
27
HANEGRAAFF, Dictionary of Gnosis..., p. 337.
28
HANEGRAAFF, Dictionary of Gnosis..., p. 337-338.
29
GIZBERG, Louis. The Legends of the Jews. Vol. 1. Nova York: Start Publishing LLC, 2012, p.
57-59.
89
30
GIZBERG, The Legends of the Jews..., p. 90-93.
31
PAGE, Sophie. Uplifting Souls: The Liber de essentia spirituum and The Liber Razielis In:
FANGER, Claire. Invoking Angels: Theurgic Ideas and Practices, thirteenth to sexiteenth centuries.
University Park: Pennsylvania Stat University Press, 2012, p. 87.
32
PAGE, Uplifting Souls..., p. 87.
90
aparecer diante dos homens para responder às suas perguntas. Entretanto, por se
tratar de um texto mágico, apenas aquele que for sábio, temente a Deus e recorrer a
ele em santidade poderá fazer uso dos conhecimentos do livro. Esse estará a salvo
dos conselhos perversos e terá uma vida serena e, quando a morte por fim chegar,
encontrará repouso em um lugar onde não há demônios e nem espíritos do mal33.
Originalmente escrita em hebreu e aramaico, essa obra possui grande diversidade
de manuscritos a ela associada, mas é a trajetória de sua versão traduzida para o
castelhano por Alfonso X que nos interessa.
33
GIZBERG, The Legends of the Jews..., p. 57-59.
34
Conforme costume da época, assim que nasceu, Alfonso foi entregue a uma ama de leite, e, ao
completar um ano de vida foi colocado sob a tutela do aio Dom García Fernández de Villamayor e
de sua esposa Mayor Arias. Da infância de Alfonso sabe-se pouco. Reis informa que este “viveu sob
a proteção e os ensinamentos de seu aio, rodeado de sua família, participando de jogos e aventuras
infantis, e acompanhando-os em viagens às suas propriedades e nas visitas à corte” (REIS, 2007, p.
13). O príncipe herdeiro recebeu de seu aio ensinamentos específicos sobre a arte da guerra, os
costumes cavalheirescos, as boas maneiras e a forma de se tratar os súditos e na corte ele recebeu a
formação nas ditas sete artes liberais [O trivium, constituído pela gramática, retórica e a dialética, e
o quadrivium, formado por aritmética, geometria, música e astronomia, agrupam as disciplinas
básicas do sistema de ensino medieval],costume da época em que viveu. Ao fim do período de
aprendizagem, Alfonso passou a praticar, no ambiente da corte, os ensinamentos que havia recebido.
(REIS, J. E., Território, Legislação e Monarquia no Reinado de Afonso X, o Sábio (1252 – 1284).
2007. 252 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade
Estadual Paulista, Assis. 2007, p. 13-50).
35
Fernando III foi canonizado em 1671 pelo papa Clemente X.
36
REIS, J. E., Território, Legislação e Monarquia no Reinado de Afonso X, o Sábio (1252 –
1284). 2007. 252 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências e Letras de Assis,
Universidade Estadual Paulista, Assis. 2007, p. 26-28.
91
37
Não faz parte do escopo desta dissertação se aprofundar em temas sobre a reconquista, ou mesmo
as questões militares do reino de Castela. Portanto, iremos nos ater apenas aos dados biográficos
que consideramos essenciais para a compreensão da dimensão intelectual do reinado de Alfonso X.
38
SILVEIRA, M. C., As Penalidades Corporais e o Processo de Consolidação do Poder
Monárquico Afonsino (1254-1284). 2012. 235 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de
Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói. 2012, p. 87.
39
REIS, Território, Legislação e Monarquia..., p. 145.
40
REIS, Território, Legislação e Monarquia..., p. 146.
41
SILVEIRA, As Penalidades Corporais..., p. 113.
92
42
PRUDENTE, Luísa Tollendal. Deus quer, o Rei ordena, a Obra nasce: o casamento nas
partidas de Afonso X. Curitiba: Editora Prismas, 2017, p. 63.
43
Esses estudos são definidos pela Partida Segunda, Título XXXI, Lei 1 como “ ayuntamiento de
maestros y escolares, que es hecho en algún lugar con voluntad y con entendimiento de aprender los
saberes, y hay dos maneras de él: la una es la que dicen estudio general, en que hay maestros de las
artes, así como de gramática y de lógica y de retórica y de aritmética y de geometría y de música y
de astronomía, y otrosí en que hay maestros de decretos y señores de leyes; y este estudio debe ser
establecido por mandato del papa o del emperador o del rey.” (p. 65)
44
Antes dele houve, em Castela e Leão, duas outras tentativas de criação dos centros de Studium
Generalis, ambas frustradas. A primeira, ocorrida em Castela, foi levada a cabo por Alfonso VIII
(1158-1214), bisavô de Alfonso X, e buscava revigorar a escola episcopal de Palência. A segunda
tentativa, ocorrida em Leão e elaborada por Alfonso IX (1188-1230), avô de Alfonso X, criou o
Studium Generalis de Salamanca. O monarca assumiu o projeto de seu avô, com uma novidade:
substituiu a Teologia pelo Direito. (REIS, 2007, p. 180-183).
45
REIS, Território, Legislação e Monarquia..., p. 175 – 176.
46
RODRIGUEZ LLOPIS, Miguel (org.). El legado de Alfonso X. Murcia: Editora Regional de
Murcia, 1998, p. 11.
47
CARRIÓN GUTIÉRREZ, José Miguel. Conociendo a Alfonso X el Sabio. Murcia: Editora
Regional de Murcia, 1997, p. 29.
48
REIS, Território, Legislação e Monarquia..., p. 176-177.
93
49
REIS, Território, Legislação e Monarquia..., p. 177.
50
REIS, Território, Legislação e Monarquia..., p. 178.
51
FONTES, L. A. S. Alfonso X: O Rei Tradutor. In: VII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA
CULTURAL: Escrita, circulação, leituras e recepções, 2014, São Paulo. Anais... São Paulo: Edições
Verona, 2015, p. 3. Disponível em: <
http://gthistoriacultural.com.br/VIIsimposio/Anais/Leonardo%20Augusto%20Silva%20Fontes.pdf
>. Acesso em: 20 de janeiro de 2018.
52
FONTES, O Rei Tradutor..., p. 4.
53
FONTES, O Rei Tradutor..., p. 5.
94
divino”54. Assim, por se tratar de uma obra traduzida por um rei – e que foi
selecionada para fazer parte de seu scriptorium –, podemos afirmar que o Liber
Razielis representava, na Castela de meados do século XIII, uma função social de
grande prestígio. Especialmente ao considerarmos a relevância que o processo de
tradução possuía para o rei castelhano.
De fato, essa valorização do aspecto cultural do reinado de Alfonso é
relembrada por Àngel García de Cortázar, quando ele afirma que “do amplo
espectro de temas aos quais o reinado alfonsino serviu de umbral, a memória social
que nos ficou do rei é, basicamente, a da sua sabedoria. Alfonso foi, antes de tudo,
um “rei sábio”, protótipo que constituiu um dos modelos do rei medieval”55. Da
mesma forma que a escolha pelo uso da língua castelhana, no lugar da latina, se
apresenta como um esforço intelectual em abarcar o judaísmo, o islamismo e o
cristianismo, claro que de forma muito mais favorável ao último. Sem nunca
comprometer sua imagem de rei cristão56, “Alfonso X parece, como seus próprios
textos demonstram, consciente do poder da escrita que, de forma surpreendente,
congregou romanos, árabes, judeus e cristãos num mesmo projeto”57. Não só nos
territórios da reconquista, mas também nas margens da cultura e do saber, “Alfonso
X buscou dar um novo sentido e organização a esta sociedade hispânica que nascia
do cruzamento de referências e tradições tão díspares”58.
Sempre cercado por intelectuais, Alfonso X de Leão e Castela manteve
interesse por diversas áreas do saber. Durante o seu reinado, os trabalhos de
tradução e elaboração de novos textos receberam um grande incentivo. Mais do que
a grande quantidade de textos, “Alfonso escolhe as obras que quer ver traduzir,
estabelece a ordem em que devem ser dispostas, revisa as traduções, discute as
passagens nebulosas, procura os termos mais adequados, dá o acabamento ao
conjunto. Alfonso X as estuda em profundidade”59. Fica claro que as obras
traduzidas durante o reinado de Alfonso X não foram feitas de forma casual ou
54
FONTES, O Rei Tradutor..., p. 5.
55
CORTÁZAR apud PRUDENTE, p. 63.
56
FONTES, Às Margens da Cristandade..., p. 74-75.
57
FONTES, Às Margens da Cristandade..., p. 85.
58
FONTES, Às Margens da Cristandade..., p. 85.
59
MATTOS, Carlinda Maria Fischer. A astrologia na corte de Afonso X, o Sábio: o Libro de las
Cruzes. Anos 90, Porto Alegre. V. 9, n. 16, p. 93 – 106. 2001, p. 94. Disponível em: <
http://seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/view/6227/3718>. Acesso em: 25 de janeiro de 2018.
95
60
Mattos explica essa relação entre a astronomia/astrologia por meio da divisão de conhecimentos
que existia no período medieval. De um lado as artes liberais, consideradas nobres e ensinadas nas
universidades, e do outro as artes mecânicas, que apesar de úteis, eram desvalorizadas. A astrologia
estaria dentro das artes divinatórias, que fazem parte do grupo de artes mecânicas, já a astronomia
estaria no lado das artes liberais. Porém, a astronomia possuía uma parte judiciária, denominada de
astrologia liberal, pois compartilhava com a filosofia a visão de que os astros exerciam influência
no mundo sublunar. Dessa forma, a astrologia e a astronomia carregavam “uma ambiguidade
constitutiva, no qual os limites entre uma prática mais ligada às artes mecânicas e aquela ligada às
artes liberais, nem sempre eram muito precisas, sendo por isso contínuo objeto de tensão”.
(MATTOS, 2001, p. 95-96)
61
MATTOS, A astrologia na corte de Afonso X..., p. 97.
62
MATTOS, A astrologia na corte de Afonso X..., p. 98.
63
MATTOS, A astrologia na corte de Afonso X..., p. 98.
96
64
GARCÍA AVILÉS, Imágenes Mágicas..., p. 130.
65
Livro escrito por Alberto Magnus, por volta de 1260, que objetivava defender a astrologia como
uma forma cristão de conhecimento.
66
La magia astral harraniana se fundamenta sobre el principio, de origen estoico, de la "simpatía"
de todas las partes del universo entre sí y la irradiación de los influjos de unas partes del mundo
hacia las otras. El más claro sustento filosófico de este sistema es el neoplatonismo y la propia
religión harraniana ha sido considerada con frecuencia una derivación tardía del neoplatonismo sirio.
(p. 132)
67
GARCÍA AVILÉS, Imágenes Mágicas..., p. 128.
68
GARCÍA AVILÉS, Imágenes Mágicas..., p. 128.
69
GONZÁLEZ SÁNCHEZ, A. R., Tradición y Fortuna de los Libros de Astromagia del
Scriptorium Alfonsí. 2011. 298 f. Tese (Doutorado) – Departamento de Filología Española de la
Facultad de Fiolofia y letras, Universidad Autónoma de Madrid, Madri. 2011.p. 192-193.
70
GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Tradición y Fortuna de los Libros..., p. 192-193.
97
71
Gematria refere-se ao método hermenêutico de análise de palavras, no qual se atribui um valor
numérico definido a cada letra. E Temurah é um método de permutação, no qual uma letra é
substituída por outra, podendo ser posterior ou precedente no alfabeto.
72
GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Tradición y Fortuna de los Libros..., p. 192.
73
GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Tradición y Fortuna de los Libros..., p. 193.
74
O conteúdo do sexto livro, chamado de “Libro de los cielos”, encontra-se estritamente relacionado
um manuscrito hebraico do período helenístico denominado de Sefer há-Razim, o livro dos
mistérios. Porém não se trata do mesmo manuscrito, visto que “Em seu prefácio é explicado que
este volume foi entregue a Noé por Raziel e que Noé gravou-o em uma safira”. Enquanto a lenda do
Liber Razielis traduzido durante o reinado de Alfonso X afirma que este fora entregue por Raziel a
Adão, conforme apresentamos anteriormente.
75
“Na introdução do Liber Razielis eles são nomeados da seguinte forma:: "Iste primus liber dicitur
Clavis. Secundus dicitur Ala. Tertius dicitur Thymiama. Quartus dicitur Liber temporum. Et quintus
dicitur Liber mundicie et abstinentie. Sextus dicitur Liber Samaym, quod vult dicere liber celonim.
Septimus dicitur Liber magice, quia locitur de virtutibus ymaginum” (Vat. Reg. lat. 1300, fol. 3v
apud. RODRIGUEZ LLOPIS, p. 156-157).
76
GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Tradición y Fortuna de los Libros..., p. 193
98
77
GARCÍA AVILÉS, Imágenes Mágicas..., p. 130.
78
GARCÍA AVILÉS, Imágenes Mágicas..., p., 132.
79
GARCÍA AVILÉS, Alfonso X y el Liber Razielis..., p. 35.
80
GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Tradición y Fortuna de los Libros..., p. 195.
81
GONZÁLEZ SÁNCHEZ define os decanos como “treinta y seis divinidades mediadoras que rigen
en sus diferentes manifestaciones a los signos zodiacales en una organización tripartita en la que
cada área se divide, a su vez, en diez días o grados” (p. 195).
82
GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Tradición y Fortuna de los Libros..., p.196.
99
83
GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Tradición y Fortuna de los Libros..., p. 196.
84
GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Tradición y Fortuna de los Libros..., p. 196.
85
GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Tradición y Fortuna de los Libros..., p. 208.
86
O termo sabbath, utilizado para se referir as missas invertidas praticadas pelas bruxas é também
o nome de uma cerimônia judaica.
Ver: GINZBURG, Carlo. História Noturna: decifrando o Sabá. Companhia das Letras: São Paulo,
1991; MOORE, R. I. La Formación de una Sociedad Represora. Barcelona: Crítica, 1988;
RICHARDS, Jeffrey. Sexo, Desvio e Danação: as minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1993;
87
GARCÍA AVILÉS, Alfonso X y el Liber Razielis..., p. 38.
100
emparelhados88. Isso significa dizer que o mundo era pensado como um complexo
de pares contrários que se complementavam e equilibravam a ordem social. No
entanto, essa dicotomia gerava uma situação de reversibilidade das experiências e
categorias, o que causava risco ao equilíbrio social e gerava uma segunda categoria
de opostos: os inversos89. Ou seja, quando a hierarquia desses opostos
complementares (considerados benignos e necessários) se modificava, o equilíbrio
social era desestabilizado e nos deparávamos com o tipo errado de oposição: a
inversão (considerada maligna). A bruxaria se apresenta como a versão última desse
processo de inversão. Clark, inclusive, apelidou o reino da bruxaria como “o mundo
virado de cabeça para baixo”.
Pensar dessa maneira significa admitir que a lógica produtora da noção
jurídica de bruxaria é mais complexa do que um processo de estigmatização social
por meio da ascensão de uma mentalidade demonológica. É preciso não distorcer
esse argumento: a demonologia se tornaria um elemento central do discurso sobre
a bruxaria. Não estamos negando isso. O que estamos afirmando é que falar e crer
em bruxas implica um desenvolvimento intelectual maior do que crenças
demonológicas. Não se trata, portanto, de minimizar o peso de um documento como
a Super Illius Specula, que, emitida em 1336 por Juan XXII, anunciava a vinculação
entre magia, astrologia e demonologia que se difundiria pelo século XIV. 90 Trata-
se, sim, de tentar mapear os processos intelectuais que abarcaram e fundamentaram
os sentidos de um documento como essa própria bula.
Entretanto, é válido reforçar que, conforme observamos no capítulo 02,
no discurso de Eymerich a bruxaria ainda é uma categoria em formação,
especialmente se comparada com a face que ela possuiria nos séculos posteriores.
Porém, por mais vaga que pareça sua definição no Directorium Inquisitorum – que
nem ao menos chega a nomeá-la como bruxaria – os grupos que a compõem são
tratados de maneira singular, sendo destacados pelo inquisidor como “claramente”,
“evidentemente” heréticos. É o que observamos nos trechos abaixo:
88
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 61.
89
CLARK, Pensando com Demônios..., p. 107.
90
JUAN XXII, Super Illius Specula. 1336. In: VIDAL, J. M. Bullaire de L’inquisition Française
au XIV Siécle et Jusq’a la fin du Grand Schisme. Libraire Letouzei et Ané : Paris, 1913, p. 113.
101
91
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 52.
92
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 53-54.
102
93
Joan de Rocatallada (de Rupescissa) foi um franciscano-joaquinista e alquimista francês que viveu
entre 1302-1310 e 1366. Conhecido por suas investigações sobre a quintessência, ele alegava ter
visões apocalípticas e sua própria ordem religiosa voltou-se contra ele em decorrência da falta de
ortodoxia em suas propostas. Suas profecias foram amplamente difundidas pela França e por toda a
Península Ibérica, especialmente em Aragão.
94
RYAN, A Kingdom of Stargazers..., p. 131.
103
bruxaria. Mas que, para tal, foram, antes, (re)classificadas como formas invertidas,
e por isso rivais, da religião cristã. Um entendimento que, como frisamos, não era
tradicional, tampouco consensual. Esse movimento de condenação é semelhante ao
que ocorreu com o Liber Razielis (denominado pelo inquisidor como “A Tábua de
Salomão”). Conforme debatemos anteriormente neste capítulo, a trajetória desse
manuscrito judaico em terras ibéricas inicia-se com a tradução pela corte castelhana
de Alfonso, o Sábio. Muito mais que traduzir, o monarca de Castela incorporou esse
livro em seu Scriptorium, permitindo-nos afirmar que esse era, portanto, de extrema
importância para o rei. No entanto, Eymerich subverteu o papel social que essa obra
representava e a rotulou como demoníaca. Assim como ocorreu com Raimundo
Lúlio, o inquisidor associou o Livro de Raziel a práticas que seriam atribuídas aos
condenados por bruxaria. Observemos o trecho transcrito abaixo:
95
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 54-55.
104
um que fora expulso do reino, exilado e era versado na arte de produzir inimigos. É
esse inquisidor que assegura: o Liber Razielis foi, obviamente, encontrado em posse
de necromantes.
Mas é a continuação desse trecho que possui o fragmento derradeiro na
caracterização da inversão do discurso. Vejamos:
96
EYMERICH, Directorium Inquisitorum..., p. 55-56.
106
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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