Você está na página 1de 399

Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e

Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde (dir.)

DOI: 10.4000/books.cidehus.7002
Editora: Publicações do Cidehus
Lugar de edição: Évora
Ano de edição: 2019
Online desde: 14 outubro 2019
coleção: Biblioteca - Estudos & Colóquios
ISBN eletrónico: 9791036521669

http://books.openedition.org

Edição impressa
Número de páginas 396
 

Refêrencia eletrónica
SÁ, Vanda de (dir.) ; CONDE, Antónia Fialho (dir.). Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e
Património. Nouvelle édition [en ligne]. Évora : Publicações do Cidehus, 2019 (généré le 23 mars 2020).
Disponible sur Internet : <http://books.openedition.org/cidehus/7002>. ISBN : 9791036521669. DOI :
https://doi.org/10.4000/books.cidehus.7002.

© Publicações do Cidehus, 2019


Conditions d’utilisation :
http://www.openedition.org/6540
Introdução

Vanda de Sá
Antónia Fialho Conde

A noção de paisagem sonora (Soundscapes) que tem vindo a ganhar cada vez mais
expressão nos círculos musicológicos internacionais permite entender a música realizada
numa determinada área a partir de uma perspectiva contextual abrangente, contrariamente
à leitura centrada num compositor ou grupo restrito de compositores. Permite reconstruir
contextos, circuitos, trânsitos e cartografar a presença da música e dos músicos,
entendendo a música como uma actividade social, política e económica e não meramente
artística.
A escala urbana é especialmente indicada para observar a rede social que forma a
música. O papel que as artes desempenham na construção de uma identidade cívica tem
sido tratado nos últimos tempos, tanto no caso da música como no das artes plásticas. Ao
mesmo tempo, a historiografia do fenómeno urbano reformulou o conceito de cidade de
uma tal forma que a prática social e cultural é tão importante como a noção de ocupação
espacial ou as próprias estruturas socioeconómicas.
Por outro lado, a prática musical é reflexo dessa realidade plural, e em constante
mutação, sendo que abordagens de determinados períodos na história das regiões e das
cidades não podem esquecer contextos mais amplos. Se tomarmos como exemplo o
século XVI, e em especial a questão da música sacra, num tempo marcado por intensas
reformas na Igreja Católica as decisões do Concílio Ecuménico de Trento (1545-1563)
refletiram-se a nível local e regional, no quotidiano tanto do clero secular como do clero
regular, em que a música e as práticas musicais (na Missa, no Ofício Divino, nas
manifestações devocionais, nas festividades) eram muito supervisionadas, tanto na praxis
instrumental como na praxis vocal. Nesta realidade, com características próprias em cada
país europeu e em cada região, apesar da tentativa de uniformização tridentina, também
as instituições religiosas eborenses demonstram a existência de práticas identitárias
(apesar da existência dos ritos e práticas típicos de cada Ordem) que as caracterizam1.
Falamos de uma realidade em que a sua presença era muito significativa desde o século
XIII (mosteiro de S. Bento de Cástris e os conventos S. Francisco e de S. Domingos) a

1
Para o caso de Cister, e em concreto do estudo do espólio musical do mosteiro eborense de S. Bento de
Cátris no período pós-tridentino, cf. ORFEUS
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

que se juntaram outras no século XV (conventos de Santa Margarida do Aivado, do


Espinheiro, de Santa Clara, dos Lóios e da Graça). O período moderno reforçou a
presença regular masculina e feminina na cidade de Évora, com seis fundações no século
XVI (conventos de Nossa Senhora do Paraíso, Santa Catarina de Sena, Santa Helena do
Monte Calvário, Carmo, Cartuxa, Santa Mónica, este último derivado de uma
comunidade medieval) e quatro no século XVII (conventos dos Remédios, das Mercês, de
S. José e refundação do convento do Salvador)2. A esta multiplicidade juntavam-se ainda
diversos beatérios, alguns posteriormente conventualizados, recolhimentos, Colégios
(onde destacamos os Colégios Jesuítas, nomeadamente o do Espírito Santo), irmandades e
confrarias a que prática musical não era alheia, possibilitando, desta forma, o
levantamento e a análise de um vasto conjunto documental, decisivo para compreensão da
história da paisagem musical da cidade de Évora.
A corrente de investigação da Musicologia urbana caracteriza-se por uma vocação
interdisciplinar, integrando os contributos de diversos domínios de investigação. Para
além dos estudos sobre a actividade e produção musical propriamente ditas, interessam
também as suas representações e fontes; os executantes e os diretores; os profissionais e
os amadores; as práticas de sociabilidade, os tempos e os espaços; os agentes envolvidos
no chamado mercado da música; os ritos e as práticas espontâneas, porque todos estes
elementos contribuem para configurar uma paisagem, uma identidade sonora.
O aspecto urbano no respeitante à actividade musical das igrejas, conventos ou outras
instituições religiosas, nas praças ou teatros proporcionam uma “paisagem sonora”
particularmente rica seja no caso de Évora, Lisboa, Coimbra ou outros centros musicais
Europeus como Madrid, Sevilha, Paris ou ainda em cidades como Salvador da Bahia ou
Rio de Janeiro. No seguimento de projectos deste género realizados na Andaluzia
(Sevilha e Granada)3, o Projecto proposto relativamente a Évora4 assenta na cartografia

2
Cf. Conde, Antónia Fialho. (2009). Cister a Sul do Tejo. O Mosteiro de São Bento de Cástris e a
Congregação Autónoma de Alcobaça (1567-1776). Lisboa: Colibri; Simplício, Maria Domingas V. M.
(2002). Évora: Algumas Etapas Fundamentais na Evolução da Cidade até ao Século XVI. A Cidade de Évora:
Boletim de Cultura da Câmara Municipal (2ª Série). Nº 6, p. 97-112; Idem. (2006). Évora: Origem e
Evolução de uma Cidade Medieval. Revista da Faculdade de Letras. Vol. XIX. Porto: Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, p.365-372; Fontes, João Luís Inglês. (2015). Em torno de uma experiência religiosa
feminina: as mulheres da pobre vida de Évora. Lusitânia Sacra. Lisboa, 2ª S. 31, p. 51-71; Santos, Maria
Leonor Ferraz de Oliveira Silva. (2009). As Ordens Religiosas na Diocese de Évora 1165 – 1540.
Medievalista [Em linha]. Nº7, (Dezembro de 2009).
3
O Projecto Historical Soundscapes . Foi concebido por Juan Ruiz Jimenez. Na sua plataforma digital o
projecto abarca as cidades de Sevilha e Granada, prevendo-se o seu alargamento a Barcelona. Os Projectos de
Sevilha e Granada estão integrados e em conexão com o a European Association for Digital Humanities
contribuindo para a promoção de transferência digital de conhecimento.

2
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

do maior número possível de eventos históricos sonoros na cidade de Évora desde 1540
(quando a cidade ganhou o estatuto de sede de arcebispado) até 1910 (ano de Implantação
da República). Deste modo, a presente publicação abre caminho à realização dos
propósitos que estiveram na origem deste projecto interdisciplinar. O projecto visa, na sua
essência, propor a criação de uma base de dados interactiva com os respectivos eventos e
a compilação de documentos de natureza vária e em vários suportes (nomeadamente
áudio, visuais, textuais) que permitam a quem a visita experienciar o máximo possível de
cada evento. Estes eventos permitirão criar itinerários temáticos para o visitante explorar
uma série de cenários musicais históricos através de várias plataformas virtuais, como
Apps para smartphones, tablets, entre outras, no sentido de enriquecer o percurso in loco
na cidade. A jusante da transferência digital de informação, de documentos e de
conhecimento relativo à paisagem sonora de Évora encontra-se um trabalho de
investigação que se organiza em diferentes níveis e abarca investigação (a) documental e
histórica nos domínios da música e organologia; (b) ao nível da prática da música em
comunidades monásticas e festas de natureza religiosa tendo em conta instituições, locais,
impacte na comunidade; (c) reportórios inseridos na sociabilidade seja na esfera da
cultura de Corte, seja na esfera pública; (d) e ainda ao nível da paisagem espacial sonora
no século XIX.

_________________________________________________________________
4
PASEV – Patrimonialization of Évora's Sounscape. 1540 - 1910 (ALT20-03-0145 – FEDER-028584.
LISBOA-01-0145).

3
La actividad musical universitaria en la Sevilla del siglo XVII

Clara Bejarano Pellicer

Resumen:

La Universidad, institución que en la Edad Moderna cobró un renovado auge, era una
más de las instituciones demandantes de servicios musicales en la competitiva sociedad
del siglo XVII. Su activa vida ceremonial necesitaba un acompañamiento musical en
consonancia con los gustos sociales de la época. El propio colegio y la comunidad de
estudiantes serán productores de espectáculos con diversas necesidades musicales y
sonoras. El objetivo de este estudio consiste en conocer los contextos en los que la
Universidad de Sevilla utilizó la música en el siglo XVII, con qué músicos cubrió sus
necesidades y qué relación estableció con ellos. Para ello, será necesario analizar
comparativamente varios contratos de servicios musicales intitulados por la Universidad
de Sevilla, confrontarlos con las series de gastos de la propia Universidad, que no sólo
recogen la dimensión musical de la institución sino también algunos otros elementos de
su paisaje sonoro, y relacionarlos con las crónicas festivas.

Palabras clave: música, universidad, Sevilla, colegio Santa María de Jesús, ceremonia,
grados

Abstract:

The University, an institution which reached a new height in the Early Modern Age, was
one of the entities due for musical services in the competitive society of XVIIth century.
Its active ceremonial life needed a musical accompaniment in agreement with social
preferences. The college and the community of students did spectacles with musical and
sounding necessities. The aim of this paper is the knowledge of the contexts where the
University of Seville used music in the XVIIth century, which musicians met its need and
what kind of relationship had with them. Therefore, it will be useful to analyze and
compare several contracts of musical services by the University of Seville, to confront
them to the series of expense of the University of Seville, which include both musical


Trabajo que se inscribe en el Proyecto I+D «Andalucía en el mundo atlántico: actividades económicas,
realidades sociales y representaciones culturales (siglos XVI-XVIII)». HAR2013-41342-P. Dicho Proyecto
está financiado por la Subdirección General de Proyectos de Investigación del Ministerio de Economía y
Competitividad.

Universidad de Sevilla, Departamento de Historia Moderna
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

dimension and some other elements of its soundscape, and to relate them to festive
chronicles.

Keywords: music, university, Seville, Santa María de Jesús college, ceremony,


graduation

La historia de la música en la Universidad de Sevilla o colegio mayor de Santa María


de Jesús1 sólo puede ser recreada en torno a sus ceremonias, las cuales han dejado los
suficientes indicios en las fuentes archivísticas y bibliográficas. A pesar de ello, aunque el
protocolo y las tradiciones universitarias del siglo XVII han despertado el interés de los
historiadores, los aspectos sonoros o musicales no han sido tratados monográficamente
salvo excepciones en torno a la universidad de Salamanca.2 La historia de la música en
las universidades está por construir, y no es un asunto menor en las investigaciones de la
musicología urbana, puesto que los colegios y estudios generales en el Antiguo Régimen
eran instituciones de gran vitalidad en la sociedad, con su propia jurisdicción, que atraía
población joven, cultivada y bien situada, y reclamaba su lugar en el conjunto de las
fuerzas de la ciudad. Las necesidades musicales que experimentaban y la forma en que las
satisfacían son del mayor interés para una historia urbana de la música, pues su
conocimiento contribuye a comprender las dinámicas del mercado de la música en el
siglo XVII. A su vez, será útil para profundizar en la problemática de la función de la
música y la condición del músico en el Barroco.

Este trabajo aspira a contribuir a esta parcela de la historia social de la música. El objetivo
de este trabajo consiste en adquirir una imagen más completa de las prácticas musicales
en la vida universitaria y la forma en que se organizaban en el siglo XVII, tomando como
caso de estudio la Universidad de Sevilla. Se estudiará para qué tipo de eventos utilizaba
la música esta institución, cómo se proveía de músicos y qué relación establecía con ellos.
También se intentará valorar qué papel desempeñó la universidad en el mercado urbano
de la música del siglo XVII. Esto aporta una pieza indispensable al conjunto del paisaje
musical urbano del Barroco, y puede contribuir con información de interés a la
reconstrucción de su paisaje sonoro.

1 Esta institución fue fundada en 1505 por maese Rodrigo de Santaella con bula papal, sobre la primera
piedra legal que fue la cédula de los Reyes Católicos de 1502. Se situaba en el siglo XVII en su sede de la
puerta de Jerez. Sobre la historia de la institución, consúltese: Aguilar Piñal, 1991. Ollero Pina, 1993.
2 García Fraile, 1999, 87-107. García Fraile, 2000, 9-74. García-Bernalt Alonso, 2015, 10-46. Sanhuesa
Fonseca, 2007, 125-144.

5
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

La presente investigación sustenta su desarrollo, estructura y argumentos en el análisis


comparativo de distintas fuentes, tanto archivísticas (contratos, documentación
administrativa) como narrativas (crónicas), algunas de las cuales han sido poco
exploradas hasta el momento y muchas permanecen inéditas. Se analizan
comparativamente varios contratos de servicios musicales intitulados por la Universidad
de Sevilla, con el propósito de comprender la evolución de esta realidad a través del
tiempo. Para observar el fenómeno a una escala más larga, se realiza la confrontación de
estos datos con las series de gastos de la propia Universidad durante el siglo XVII. Estas
fuentes no sólo recogen la dimensión musical de la institución sino también
eventualmente algunos otros elementos de su paisaje sonoro (clarines, fuegos artificiales).
Asimismo, los servicios musicales contratados serán relacionados con las muestras
celebrativas que la Universidad proyectaba a la sociedad, retratadas a través de crónicas
festivas.
En el mundo universitario del siglo XVII, la música ocupaba un lugar tanto en su
vertiente teórica como en la práctica. Por un lado, formaba parte de las enseñanzas que se
impartían dentro de la facultad de Artes, puesto que era una de las siete artes liberales en
la sección del Quadrivium. Por el otro lado, aunque la interpretación musical no entraba
dentro del currículo, la Universidad como institución cívica tenía necesidades de servicios
musicales profesionales para representar su papel en la sociedad en determinadas
ocasiones festivas. Como institución que en la Edad Moderna cobró un gran auge, formó
parte de la maraña de corporaciones que se disputaban una posición en la competitiva
sociedad del siglo XVII. Se contaba entre las instituciones demandantes de servicios
musicales, porque pocas universidades contaban con personal propiamente musical, como
el organista, el cantor o el trompetero, y ninguna contaba con una capilla polifónica.3
Concretamente en el caso de la Universidad de Sevilla, era necesario contratar personal
externo, ajeno a la república de las letras. Si en el siglo XVI recibía préstamos musicales
del concejo municipal, en el siglo XVII se buscará sus propios recursos, como veremos.4

Las necesidades musicales de la universidad

1. Los grados

Entre las ceremonias propias de la vida universitaria en el siglo XVII, la más


recurrente e idiosincrática era la graduación, sin lugar a dudas. Según el modelo de

3 Una de las universidades españolas más ricas en personal musical era la de Salamanca, que tenía una capilla
de capellanes cantores y un cuerpo de trompetas y atabales. García Fraile, 2000, 9-74.
4 Bejarano Pellicer, 2013, 444-445.

6
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Salamanca y Valladolid, en las universidades españolas más antiguas,5 la graduación de


doctor, que constituía la cúspide de la carrera académica, se iniciaba con un paseo. En él,
los doctores y maestros de la Universidad salían montados en procesión, con música,
desde la facultad hasta la casa del padrino para recogerlo, y posteriormente hacían lo
mismo con el graduando, cabalgando el uno junto al otro. Tras el acto académico, en que
al graduando se le imponía el birrete y el anillo, abrazos y besos ceremoniales, se hacía la
protestación de fe a través de juramentos. Se trataba de una ceremonia muy regida por el
protocolo, en la que las intervenciones musicales tenían la función de solemnizar y
separar las intervenciones y secciones del acto.6
A los grados seguían los vejámenes. Tras una ceremonia muy solemne de aclamación
académica del nuevo grado, previa a la colación o convite en casa del graduado, tenía
lugar una intervención satírica que trataba de evitar la vanidad del graduado sacando a
relucir sus defectos mediante un discurso burlesco.7 El acto del vejamen comenzaba con
una procesión o paseo por las calles, en que los miembros de la Universidad desfilaban
tras los pasos de atabales y ministriles.8 De regreso al teatro o auditorio universitario, el
vejante escenificaba la pantomima ante la comunidad de doctores que admitía a su nuevo
miembro. Después del convite, se corrían cuatro toros pagados por el graduado.

2. Las fiestas extraordinarias

Pero no debemos limitarnos a las ceremonias cotidianas e internas, puesto que si las
Universidades saltan a la escena pública y se integran en el paisaje sonoro de la ciudad en
el siglo XVII es principalmente gracias a las fiestas extraordinarias. Cuando se presentaba
un acontecimiento gozoso de interés general, actuaba como pretexto para que los órganos
vivos de una ciudad corriesen a manifestar su fervor mediante un derroche de efímero
entusiasmo colectivo. Las Universidades no fueron menos que los cabildos, órdenes
religiosas, cofradías, órdenes militares, consulados y vecindades, sumándose al gozo
compartido con sus propias aportaciones ceremoniales. A la cabeza de ellas se encuentra
la fiesta universitaria por antonomasia en el siglo XVII: la institución del juramento a la

5 Torremocha Hernández, 2003, 45-65.


6 Si para el paseo, otras universidades como la de Salamanca y Valladolid preferían trompetas y atabales y la
de Sevilla parecía optar por ministriles, a la hora de solemnizar la ceremonia del grado todas seleccionaban
chirimías. Polo Rodríguez, 2003, 109-153.
7 Carrasco Urgoiti, 1988, 49-58. Madroñal Durán, 2005. Rodríguez-San Pedro Bezares, 2006, 873.
8 Era el momento adecuado, a su vez, para los acrósticos y juegos de palabras, e incluso para los homenajes a
la monarquía, como se hizo el 27 de diciembre de 1675, en que el doctorado en Teología de Diego de Castil-
Blanco en la Universidad de Sevilla se convirtió en una celebración del ascenso al trono de Carlos II al
cumplir 14 años. Anónimo, 1675, p. 12.

7
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Inmaculada Concepción de María, adoptado en 1617 por el colegio de Santa María de


Jesús. Es la principal, por no decir la única retratada pormenorizadamente, en una
relación de fiestas escrita por el licenciado Alfonso Sáez y dedicada al rector con
objetivos propagandísticos. Por lo tanto gozó de celebridad en la vida pública,
extendiéndose el eco de sus hechos en el tiempo y en el espacio a través de la escritura.
Veamos qué efectivos musicales mostró la Universidad de Sevilla en su momento de
mayor exhibición.
Al instituir como obligatorio para sus miembros el juramento a favor de la Inmaculada
Concepción, la Universidad de Sevilla se integraba en la corriente de universidades
españolas que, al calor de la militante campaña concepcionista desatada por los
franciscanos en 1615, decidieron señalarse significativamente en su defensa. A Sevilla le
competía particularmente, pues no en vano en dicha ciudad había nacido el movimiento.
Las fiestas se extendieron por cinco días y comenzaron con una procesión por las calles a
las tres de la tarde del 26 de enero de 1617, encabezada por instrumentos heráldicos
(atabales, trompetas y clarines) prestados por el cabildo municipal. Al texto del estatuto
recién redactado seguía una copia de ministriles, que tocaba el conocido himno Todo el
mundo en general, emblema del inmaculismo, aunque carente de letra. Así lo describía el
cronista:

Seguíanse una Capilla de ministriles, que con suave armonía significavan, y casi claro
hablavan la letra tan famosa, y tan solemne Todo el mundo en general. En sus contrapuntos,
tocava el tiple las coplas, y respondiendo las demás vozes, repetían el estribillo con que
causavan notable alegría.9

El segundo día de la fiesta a las tres de la tarde volvió a salir una procesión del
colegio: tuvo lugar una mascarada o desfile burlesco realizado por los estudiantes, que
carecía de carácter institucional pero que también tuvo acompañamiento musical de una
cuadrilla de ministriles a bordo de la última de las carrozas, junto a una escultura de la
Inmaculada y las representaciones alegóricas de las siete islas canarias: «Yvan en este
carro dulcíssimas vozes de ministriles, que suspendían los ánimos, con que se dava fin a
la máscara».10 Como vemos, la música profesional puso el broche de oro al desfile,
honrando las últimas figuras, dignificándolas y tornando lo jocoso en serio al suscitar
emoción.

9 Sáez, 1617, 10.


10 Ibíd., 29. Sanz Serrano, 1998, 111-119.

8
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

El tercer día de la fiesta hubo una corrida de toros y un torneo de sortija en defensa de
la Inmaculada Concepción. El cuarto día, una compañía profesional de teatro representó
una comedia con sus entremeses y bailes en los interludios, y por la noche tuvo lugar una
fiesta de luminarias (barriles de brea) y fuegos artificiales (cohetes rastreros y voladores),
sin que se mencionara la música que solía acompañar a estos espectáculos. El quinto y
último día el colegio celebró una misa oficiada por el propio rector, en la que participaron
los ministriles de la catedral,11 y tuvo lugar el juramento propiamente dicho. En la
procesión de entrada precedieron al rector trompetas y ministriles, cuya música fue
jalonando el desarrollo del acto. A cada juramento siguió «el aplauso de los ministriles»,
que provocaba las ovaciones de los presentes.12
No obstante, no sólo las fuentes narrativas publicadas nos informan sobre este tipo de
festividades. También a través de fuentes contables está documentada la participación
sonora del colegio de Santa María de Jesús en celebraciones a nivel urbano, por motivos
religiosos o civiles, como también lo hacían otras universidades españolas del
Seiscientos:13
 En 1610, con motivo de la beatificación de San Ignacio de Loyola, el jesuita colegio de
San Hermenegildo organizó un desfile estudiantil en el que se publicó el cartel de un
certamen literario en honor del nuevo beato, y sabemos que cuatro ministriles montados
formaron parte de la comitiva del colegio de Santa María de Jesús que salió a recibir a
este paseo, porque este último colegio pagó un ducado a cada uno e invirtió tres reales en
alquilar cada una de sus mulas. A su vez, su participación en la fiesta nocturna por el
beato fue recompensada con 20 reales.14 En la relación de fiestas escrita por Francisco de
Luque Fajardo, se los menciona expresamente:

de la mesma Universidad (en número más de cinquenta) salieron a recebir a los de nuestro
paseo, hasta las gradas (que es a la Iglesia mayor) todos a cavallo, y una copia de
Ministriles: de modo que interpolados, con los Teólogos, que eran los últimos del paseo. Y
correspondiéndose la música, como en dos muy bien concertados Coros, de abultada y
alegre consonancia, passaron de allí a la Universidad, a cuyas puertas estava un dosel rico,
para fixar el Certamen (…).15

11 Sáez, 1617, 32.


12 Ibíd., 33-34.
13 Por ejemplo, podemos citar relaciones de fiestas que retratan fiestas universitarias de carácter monárquico:
Céspedes, 1611. Porres, 1658.
14 AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, Libro de cuentas cargo y data 279 sº, p. 330r.
15 Luque Faxardo, 1610, 2v-3r.

9
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

 En 1624, con motivo de la visita de Felipe IV a la ciudad, la Universidad preparó un


grado de especial relevancia, una merienda de dulces y una máscara estudiantil para
agasajar al monarca, pero finalmente no se llevaron a cabo, sin que sepamos la razón.16
 En 1628 el colegio también celebró una fiesta nocturna en honor al conde de la Puebla,
en la que invirtió 12,5 reales en chirimías y luminarias y 36 reales en cohetes.17
 En octubre de 1629 el colegio también libró 22 reales para las trompetas y ministriles
que fueron necesarios en las luminarias (la fiesta nocturna) por el nacimiento del príncipe
de Asturias, heredero de la corona, llamado Baltasar Carlos.18 No tenemos crónicas de lo
sucedido, pero en los anales de Ortiz de Zúñiga se afirma que «las fiestas fueron en todas
partes grandes, y a ninguna cedió Sevilla en las suyas».19
 En 1630 el colegio gastó 22 reales en luminarias que duraron tres noches, como
contribución a la fiesta pública por la reactivación del proceso de canonización del rey
Fernando III de Castilla, su conquistador cristiano.20 De hecho, las autoridades
municipales habían pregonado un bando instando a la ciudad a hacerlo: «Dispúsose la
fiesta para el Domingo 22 de Setiembre, pregonándose quatro días antes con trompetas, y
atabales, se adereçassen las calles, se pusiesen luminarias tres noches continuas; la
víspera (que fue en Sábado) Domingo, y Lunes».21
 En 1645 el colegio libró 68 reales para invertir en bandurrias,22 sin que aparentemente
mediara ningún evento especial. El único contexto en el que estos instrumentos de cuerda
pulsada podrían tener aplicación en la vida universitaria (institución en la que la
enseñanza de la música tan sólo era teórica) es una mascarada o fiesta estudiantil.
 En un caso excepcional en el que no queda claro el motivo de celebración, encontramos
una corrida de cuatro toros en enero de 1680, lo cual trajo su propio paisaje sonoro, ya
que se pagaron 6 reales a un clarinero.23 En el espectáculo taurino, los instrumentos más
apropiados para las connotaciones marciales del evento eran los instrumentos más
heráldicos: trompetas o clarines y atabales o timbales.24

16 Anónimo, 1624, 2. Cit. por Madroñal Durán, 2005, 256.


17 AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, Libro de cuentas cargo y data 280 sº, p. 208r.
18 AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, Libro de cuentas cargo y data 280 sº, p. 261v.
19 Ortiz de Zúñiga, 1677, 654.
20 AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, Libro de cuentas cargo y data 280 sº, p. 314v.
21 Anónimo, 1630, s/fol.
22 AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, Libro de cuentas cargo y data 209 sº, p. 13.
23 AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, Libro de cuentas cargo y data 237 sº, p. 68.
24 Bejarano Pellicer, 2015, 137.

10
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

 En abril del mismo año también se necesitaron los servicios de una copia de ministriles
remunerada con 22 reales, y dos clarineros generosamente pagados con 24.25 Esta
distribución del salario nos hace pensar que se trató de una corrida de toros, debido al
protagonismo de los clarineros.

3. Las diversiones estudiantiles

Al margen de la vida estrictamente universitaria quedan las diversiones propias de los


estudiantes, figura estereotipada de la literatura del siglo XVII que demuestra una
inclinación manifiesta por la práctica musical y que,26 a juzgar por las crónicas de
festivales públicos estudiantiles, estaba basada en la realidad. La máscara o pandorga, que
era la típica aportación estudiantil a las fiestas públicas, consistía en un desfile de
carrozas, jinetes y comparsas a pie, teatralizado y cargado de iconografía, símbolos,
alegorías y personificaciones, con un importante enfoque humorístico y satírico que hacía
más digerible el mensaje. Las referencias más frecuentes eran a la historia antigua, la
historia bíblica, la mitología grecolatina y la geografía física y humana. Tenían claras
alusiones a la festividad o personaje homenajeado. La máscara no era un producto
estudiantil en exclusiva, pero los colegios fueron las instituciones que más despuntaron
organizándolas con un alto contenido intelectual, como medio de competición entre sí. En
el siglo XVIII, el fenómeno dio sus mejores frutos, pero en una tendencia que
abandonaba la vocación pedagógica y popular por la racionalización y la erudición. 27 En
las máscaras, la música era una herramienta indispensable para convocar al público
mediante una avanzadilla de trompetas y atabales, para separar secciones mediante copias
de ministriles, para caracterizar y vivificar a los personajes representados mediante
instrumentos musicales.28
Aunque casi todas las relaciones de fiestas del siglo XVII que describen mascaradas
estudiantiles en Sevilla corresponden a otros colegios universitarios que no son el de
Santa María de Jesús (el jesuita de San Hermenegildo, el dominico de Santo Tomás),29 no
por ello hemos de dar por hecho que los alumnos de la Hispalense fuesen más serios que
sus vecinos. Una pista en esta dirección quizá sea la siguiente libranza: «en 9 de febrero

25 AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, Libro de cuentas cargo y data 237 sº, p. 68.
26 Chevalier, 1981, 39-58. Bejarano Pellicer, 2016, 145-170.
27 García Bernal, 1996, 31-48. García Bernal, 2009. Ollero Lobato, 2013b, 143-173. Ollero Lobato, 2013a,
131-141. Díez Borque, 1988, 103-124. Sanz Serrano, 1995, 73-101.
28 Bejarano Pellicer, 2015, 154-166.
29 Luque Faxardo, 1610. Bernal Martín, 2005-2006. Anónimo, 1683, 1100.

11
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

pagó el maestro Sobrino sesenta y ocho reales de el gasto que se hiço este día en
bandurrias».30
De hecho, se conoce la mascarada que los estudiantes de este colegio organizaron para
las fiestas inmaculistas de 1617, ya mencionada.31 Aunque en el último carro tocaban los
ministriles de la Universidad, hay que destacar que a lo largo de la larga cabalgata la
música propiamente dicha brilla por su ausencia. En la representación burlesca de cada
una de las materias que se impartían en la Universidad, la música fue representada con un
carro atestado de instrumentos musicales viejos, en el que el cochero tocaba la gaita y el
asno una pretendida vihuela. Aunque este carro fue abandonado al poco por razones
prácticas, vinieron a sustituirlo varias figuras recubiertas de cascabeles e instrumentos
musicales de percusión. Cerraba esta sección el contrapunto de las divinas figuras de
Apolo, Melpómene y Euterpe, figuras olímpicas de la música, cada uno con un
instrumento representativo en las manos pero sin tañerlos,32 ya que los encarnaban
estudiantes, no músicos profesionales. Del paisaje sonoro de este desfile se desprende que
los estudiantes del colegio de Santa María de Jesús optaron por volcar su creatividad en el
espectáculo visual, absteniéndose de cantar, tocar o incluso vocear (ya que los mensajes
cómicos iban escritos en carteles) y dejando la música en manos de los pocos
profesionales disponibles.

4. Las celebraciones de plazas

No obstante, por mucha retórica que las relaciones de fiestas derrochen, para
demostrar la necesidad de personal musical externo que la Universidad de Sevilla tenía y
para explicarnos cómo se organizaba el abastecimiento de servicios musicales, es
necesario recurrir a la documentación archivística, de carácter económico. Las fuentes de
contabilidad del colegio de Santa María de Jesús nos revelan cómo se pagaba y con qué
frecuencia la asistencia musical. Escudriñando los libros de cuentas de esta institución,
hay que recurrir a los tomos de gastos extraordinarios del siglo XVII para descubrir
libranzas a los ministriles y otros elementos del paisaje sonoro. Puesto que se trata de
ocasiones extraordinarias, estos servicios musicales no estaban incluidos en las tarifas
acordadas con los músicos habituales.
Gracias a esta fuente, descubrimos nuevas tipologías de celebraciones universitarias.
A juzgar por esta documentación, el colegio organizaba frecuentes alegrías por sus más

30 AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, Libro de cuentas cargo y data 209 sº, p. 13.
31 Domínguez Guzmán, 1990, 31-44.
32 Sáez, 1617, 18-20.

12
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

conspicuos miembros cuando estos obtenían una plaza significativa en la administración


pública.33 Así, en los años del siglo XVII que las fuentes nos permiten estudiar,
encontramos hasta 34 fiestas de este tipo, en las que el colegio festejó a su costa el éxito
que suponía que sus mejores colegiales se convirtieran en prebendados, canónigos,
obispos, consejeros de Hacienda, fiscales del consejo de Indias, oidores de la Real
Chancillería de Granada, alcaldes de corte y otros cargos no especificados.
Por lo que se puede deducir de las breves entradas, el acto más sonoro de estas
celebraciones consistía en la típica fiesta nocturna que se practicaba en el Antiguo
Régimen. Puesto que no existía la iluminación pública de las calles y además regía el
toque queda, el tiempo ordinario se rompía en las fiestas mediante lo que las fuentes
denominan «la conversión de la noche en día». La iluminación de calles o plazas durante
toda la noche mediante luminarias (puntos de luz de cera, aceite, azufre, pez o brea)
creaba un espacio inusualmente activo para la sociabilidad, donde a su vez se llevaba a
cabo un espectáculo de luz y sonido en el que la música de los ministriles, proyectada
desde las alturas (y en ocasiones otro tipo de música, salvas de artillería y campanas),
acompañaba a un despliegue pirotécnico por tierra y por aire (cohetes rateros y voladores)
que a veces incluso tenía un soporte de arquitectura efímera decorado con un programa
iconográfico.34 La mayoría de las libranzas del colegio de Santa María de Jesús
corresponden a ministriles, preferentemente chirimías, «que tocaron aquella noche en la
açotea»,35 y a material pirotécnico por docenas, incluso para varias sesiones de fuegos
artificiales, aunque desde 1657 también destacan los materiales para alimentar las
luminarias: cazuelas, pez, brea, lebrillos, leña, barriles, tiras. Raramente en los años 80 se
añadieron hachas de cera en fiestas de obispados.

33 De hecho, no fueron pocos los universitarios sevillanos del siglo XVII que ocuparon plazas en los
consejos, e incluso se cuentan entre ellos un gobernador del Consejo de Castilla, un fiscal del reino, un
presidente de la Casa de Contratación, y un presidente de la Audiencia de Quito. De la carrera eclesiástica se
puede decir otro tanto. Consúltese más pormenorizadamente en Aguilar Piñal, 1991, 78-80.
34 Bejarano Pellicer, 2015, 180-211.
35 Archivo Histórico de la Universidad de Sevilla (AHUS), Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús,
Libro de gastos extraordinarios 216 sº, p. 7.

13
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Tabla 1 - Gasto en celebraciones extraordinarias, expresado en reales36

Año Gasto en Gasto en cohetes Gastos en Gasto total


ministriles luminarias
1626 52,5 52,5
1627 112 112
1629 22 22
1641 8 8
1641 12 50,5 62,5
1642 8 24 32
1643 8 8
1647 12 12
1650 12 12
1651 13 36 49
1655 12 17 29
1657 12 15 4 31
1659 12 12
1669 51 51
1670 36 36
1674 25 26 27 78
1674 24 24 23 71
1678 22 72 6 84
1678 22 48 12 82
1680 22 24 12 58
1680 22 24 12 58
1680 22 24 12 58
1681 22 36 12 70
1683 22+12=3437 36 10 80
1683 3638 26 51 113
1686 24 24 18+4439 110
1688 24 24 12 60
1690 6240
1692 24 24
1695 18 28 10 56
1697 18 18
1699 26 26
1699 25 25
1699 38 38

36 AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, libro de cuentas de cargo y data 280sº y libros de
gastos extraordinarios 206 sº-251sº.
37 Ministriles 22 y clarineros 12. AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, Libro de gastos
extraordinarios 239 sº, fol. 58v.
38 Este fue el pago a ministriles y clarineros juntos. Ibíd., fol. 59r.
39 Los 18 reales corresponden a cazuelas, pegotes, barriles y leña para las luminarias; los 44 a las hachas de
cera. AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, Libro de gastos extraordinarios 240 sº, fol. 58v.
40 Este fue el gasto en ministriles, cuatro docenas de cohetes y dulces. AHUS, Fondo Colegio Mayor de
Santa María de Jesús, Libro de gastos extraordinarios 243 sº, fol. 61v.

14
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

A la vista de los datos, la inversión en este tipo de celebraciones osciló continuamente,


alcanzando su cúspide en los años 80, en que España se aproximaba a su recuperación
socioeconómica tras las calamidades del Siglo de Hierro. El elemento más constante fue
la música, pues escasean las fiestas que prescindan de ella. Si bien su remuneración es
muy cambiante, esto se debe fundamentalmente al número de individuos que la sirvieron:
cada uno de los músicos parece cobrar 4 reales.41 Por lo tanto, el número de músicos en
estas fiestas osciló entre los dos y los nueve. Lo más frecuente en la primera mitad del
siglo fue el trío de ministriles; en la segunda mitad la plantilla parece ampliarse
definitivamente. El gasto en pirotecnia suele ser mayor que el de la música, ya que
resultaba un elemento vistoso, barato y muy popular en aquella época de fulgores
barrocos. Salvo excepciones, se solían consumir una o dos docenas de cohetes hasta los
años 80 y tres o cuatro a partir de entonces. En cuanto a las luminarias, la edad de oro de
la iluminación nocturna en el colegio de Santa María de Jesús se dio en los años 70 y 80.
En resumidas cuentas, el colegio apostó sin dudarlo por la vertiente sonora de sus fiestas,
en dos niveles de refinamiento, en detrimento de la visual.
Como colofón, debiéramos añadir que el colegio también celebraba anualmente en el
mes de noviembre una función solemne en recuerdo de sus difuntos, la cual tenía lugar en
su propia capilla. Las necesidades musicales de estas ceremonias religiosas fueron
cubiertas en ocasiones por capillas prestigiosas de la ciudad, documentables en el período
entre 1607 y 1610. De hecho, en estos años fueron contratadas la capilla musical de la
catedral y la de la colegial del Salvador, recompensadas con 200 reales.
Lamentablemente, más adelante no se conoce quién ofreció los servicios musicales,
aunque sí se sabe que en 1626-1636 los pagos eran mucho menos abultados (88 reales).42
Aunque es muy posible que estos eventos no afectaran a los ministriles, sino
principalmente a los cantores, por su naturaleza luctuosa, no dejaremos de mencionarlos.

Los servicios musicales de los ministriles

Con todo, las fuentes anteriormente mencionadas no son suficientes para comprender
enteramente de qué ocasiones musicales constaba la rutina universitaria o cómo
funcionaba internamente el aprovisionamiento musical de la Universidad, puesto que se
trata de una documentación ora fría y puramente económica, sin concesiones a la

41 “Pagué doçe reales a tres ministriles que vinieron miércoles 26 de noviembre en la noche a celebrar el
canonicato de escritura de Cádiz que se llevó de oposición el señor don Christóbal Castellanos y Guzmán”.
AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, Libro de gastos extraordinarios 220 sº, fol. 152.
42 AHUS, Fondo Colegio Mayor de Santa María de Jesús, Libro de cuentas cargo y data 279 sº; Libro de
cuentas cargo y data 280 sº. Ruiz Jiménez, 2015.

15
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

curiosidad, redactada por el propio colegio para su consumo interno, ora excesivamente
retorizada y propagandística. Tanto la contabilidad interna como las relaciones de fiestas
son fuentes producidas por la propia Universidad. Para asimilar correctamente la relación
entre comitentes musicales y músicos, debemos confrontar sus voces en pie de igualdad y
observar cuáles eran los intereses de cada una de las dos partes. Y para ello no hay mejor
fuente que los archivos de protocolos notariales. De comienzos del siglo XVII hemos
localizado dos contratos entre el colegio de Santa María de Jesús y una compañía de
ministriles, que parecen marcar la pauta de las relaciones que rigieron entre ellos durante
largo tiempo. Si el primer contrato se firmó para un período de validez de ocho años, y
cuando estaba para expirar se formalizó un segundo muy similar pero por un período un
50% más largo (doce años), se ha de entender que el vínculo había permanecido estable
entre una y otra escritura y además había causado la satisfacción de ambas partes, por lo
que podemos abrigar esperanzas de que esta asociación continuase durante muchos años
más, aunque no hayamos encontramos un nuevo protocolo notarial que lo confirme. El
primer contrato de que tenemos constancia se firmó en 9 de diciembre de 1608,43 aunque
nada impide que pudiera haber habido un precedente en un período anterior. De hecho, el
primero de los documentos se refiere a una tradición previa: «propinas hordinarias que se
acostumbran e suelen dar a los menestriles que suelen acudir a lo susodicho». El segundo
se escrituró en 9 de julio de 1615 y, si no se rescindió, tuvo que permanecer vigente hasta
1627.44 Se puede colegir que la Universidad era más fuerte que los músicos y puso los
contratos a su favor, pues de hecho se firmaron en el propio colegio, en la cámara
rectoral, en vez de acudir a la oficina del notario como era habitual.
Entre los dos contratos, separados por siete años, observamos que la institución fue la
misma aunque su equipo rectoral ya se había renovado; la composición de la copia de
músicos no era exactamente igual pero en esencia se trataba de la misma familia vecina
de la ciudad. El patriarca era Andrés de Arroyo, el cual la encabezaba en 1608 pero ya
había muerto en 1615.45 Se trataba de un ministril extravagante, nunca detentó un puesto
como músico en ninguna institución aunque estuvo vinculado profesionalmente a los
ministriles de la catedral, pero era un eficaz agente en el negocio privado de los servicios

43 Archivo Histórico Provincial de Sevilla (AHPdS), Sección Protocolos Notariales de Sevilla (PNS), oficio
4, leg. 2446, libro 4º de 1608, 9 de diciembre de 1608, fols. 926r-929v.
44 AHPdS, PNS, oficio 5, leg. 3594, libro 3º de 1615, 9 de julio de 1615, fol. 79.
45 El último documento que intitula data del 14 de febrero de 1615 y consiste en un concierto entre copias de
ministriles. AHPdS, oficio 4, leg. 2473, libro 1º de 1615, 14 de febrero de 1615, fols. 459r-462r. Ya en 30 de
diciembre de 1615 fue sustituido por Manuel Jiménez Aranda en su copia. AHPdS, oficio 4, leg. 2477, 30 de
diciembre de 1615, fols. 598-599.

16
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

musicales. Comenzó su carrera hacia 1588 y a comienzos del siglo XVII estaba en la
cúspide, pues nos consta su abastecimiento al cabildo municipal de Sevilla46 y a la
parroquia de San Lorenzo.47 Suministraba copias de ministriles a las localidades de una
amplia área metropolitana. Era el representante de una extensa familia de ministriles.
Miembros fijos de la compañía con la que se concertó con la Universidad eran sus
cuñados Cristóbal de Chaves (hermano de su esposa) y Jerónimo Gutiérrez de Paz
(marido de su hermana), su yerno Gabriel de Palacios (casado con su hija María) y su hijo
Juan de Arroyo, que en el primer contrato tan sólo tenía 21 años, lo que lo hacía menor de
edad en el Antiguo Régimen. A su vez, en el contrato de 1615 se cuentan en la compañía
nuevos efectivos como Diego de Alba (que se convirtió en su yerno al desposar a su hija
Leonisia en 1611) y Manuel Jiménez de Aranda, que vino a ocupar el lugar del propio
Andrés de Arroyo en esta compañía a su muerte. Por lo tanto, si en 1608 se contrató a una
copia de cinco hombres, en 1615 se amplió a seis, señal de que las necesidades o los
estándares de sonido y boato habían crecido. Todos ellos se comprometían a atender
personalmente los encargos del colegio de Santa María de Jesús, luego formaban una
compañía estable y sedentaria en la ciudad.
Los músicos se comprometían para todas las fiestas que celebrase el colegio, cuya
tipología era variada y quedaba abierta a lo que se presentase, pero fundamentalmente
consistía en graduaciones de doctores, maestros, licenciados y bachilleres. Por lo tanto, se
entiende que el colegio no podía recurrir a otros músicos, sino que éstos se reservaban sus
acontecimientos en régimen de monopolio. A su vez, la institución quedaba obligada a
mandarlos avisar en cada ocasión, condición indispensable para que se personasen allí, y
a pagarles no bien acabada cada ceremonia. Si en 1608 el documento se expresaba
genéricamente, en 1615 queda claro que el recado o aviso debía darse al capitán de los
ministriles, en ese caso Jerónimo Gutiérrez, el cual debería comunicárselo a sus hombres.
Probablemente esta precisión venía motivada por alguna confusión que debió de darse en
algún momento de vigencia del contrato precedente.
Seguidamente, los músicos imponían sus honorarios haciendo hincapié en la tradición
como referente de autoridad. En principio, la retribución se solicitaba para cinco
personas, incluso cuando la plantilla se amplió. Las tarifas contemplaban una parte en
metálico y otra en especie, y su cuantía dependía de la categoría académica de quien se
graduase. Para los grados de doctor y maestro, para cada integrante de la copia musical se

46 Archivo Municipal de Sevilla (AMS), Sec. XV Mayordomazgo, tomo 19, lib. H-3194, 16 de mayo de
1605.
47 Archivo de la Parroquia de San Lorenzo de Sevilla (APSL), Libro de fábrica 2, fol. 77v.

17
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

reclamaba veinte reales (la mitad si el acto no incluía procesión o paseo) y un par de
guantes, si bien la calidad de los del director de la compañía era superior, de cordobán. La
naturaleza de este regalo venía motivada por la tradición: los pares de guantes eran un
obsequio habitual en estos actos para todos sus participantes, incluso se arrojaban algunos
al público en la mejor tradición salmantina.48 Este paseo en realidad estaba a cargo de otra
copia de cuatro ministriles a caballo que la compañía firmante se comprometía a presentar
y remunerar, puesto que los músicos suscriptores debían permanecer en el propio colegio
«para resibir el acompañamiento y unibersidad y dar el grado». Esto es, ellos actuaban
como los músicos de la Universidad, mientras que aquellos a los que ellos subcontratarían
representaban el papel de los músicos de graduando. Prosiguiendo con la tipología de los
actos, en los grados de licenciado se pagaba un ducado para cada uno de los cinco
ministriles (11 reales), y en vez de guantes los músicos recibían dos libras para la comida.
En los de bachiller, los cinco ducados (55 reales) se reducían a dos (22 reales), pero las
dos libras para la comida permanecían invariables.
Por su parte, los músicos se comprometían a ser fieles a este contrato durante el
período estipulado. De lo contrario, eran responsables solidarios de los daños que
pudieran ocasionar a su cliente, puesto que se obligaban mancomunadamente entre ellos,
y la Universidad tendría derecho a buscar sustitutos a costa de ellos. Mientras que los
colegiales arriesgaban las rentas del colegio, los ministriles respondían con sus propios
patrimonios personales. Si en 1608 estas cláusulas de incumplimiento son genéricas, en
1615 se vuelven más concretas, quizá bajo los efectos de la experiencia de disensiones
previas: los ministriles no pueden faltar a su deber ni un solo día, y si la Universidad debe
recurrir a unos sustitutos, no basta con que los firmantes costeen la diferencia, sino que
además recaería sobre ellos una grave multa de 200 ducados. Obviamente, la Universidad
confiaba en la pericia profesional de ellos y no estaba dispuesta a admitir sustitutos
eventuales en sus actos.
Merece la pena realizar una comparación de esta realidad con la de la Universidad más
cercana y asimilable, la de Granada, para evitar una perspectiva sesgada. Se sabe que la
institución granadina ya en 1577 firmaba un contrato con cinco ministriles de la catedral
encabezados por Juan de Arroyo para sus cuatro fiestas religiosas y sus grados
académicos,49 para el que aún no se ha hallado equivalente sevillano. No obstante, un
concierto entre la institución granadina y una copia de cuatro ministriles diferentes en

48 Polo Rodríguez, 2003, 109-153.


49 Montells Y Nadal, 1870, 99-101. RAMOS LÓPEZ, 1994, I, 63.

18
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

1619 nos permite percibir los puntos en común entre Granada y Sevilla.50 Al igual que los
de la Universidad de Sevilla, dicho acuerdo fue firmado por diez años para todas las
fiestas y grados que se ofrecieran, siempre que el maestro de ceremonias o un bedel
avisase a alguno de ellos. Los cuatro ministriles firmantes se comprometían a servir
personalmente, cuando menos, todas las fiestas, y comprometían sus propias fortunas
personales al cumplimiento del contrato.
No obstante, las dos universidades demostraron un proceder muy distinto en infinidad
de aspectos. La de Granada nombró comisarios a un abogado de la Real Audiencia y a un
clérigo parroquial para que llegasen a este acuerdo, mientras que en la de Sevilla fue el
propio rector y sus adláteres quienes gestionaron y firmaron los contratos. Los ministriles
que se concertaron con la de Granada no eran extravagantes, sino que tenían nómina en la
Capilla Real de la ciudad51 y además hablaban en nombre de todos los ministriles de la
misma, por lo que el número de instrumentistas que servía las fiestas de la Universidad de
Granada podría ser virtualmente mayor que en Sevilla. Era prescriptivo que llevaran sus
propios instrumentos y monturas, cosa de la que no se habla en los contratos hispalenses.
Los granadinos hacen hincapié en la puntualidad bajo pena de multa y en que el único
pagador posible era el maestro de ceremonias de la Universidad, no los graduandos. De
hecho, «si el graduante trugere otra música no se recibirá». En los doctorados y
bachilleratos de Artes era imprescindible la presencia de la música; en el resto, el
graduando podía optar por renunciar a ella. Lo más llamativo es que la Universidad de
Granada, además de los grados académicos, tenía instituidas cinco fiestas religiosas por
fiestas santorales (San Martín, Santa Catalina, San Lucas, San Nicolás y Santo Tomás de
Aquino), que tenían lugar en su sede o en otros templos de la ciudad, y de las que se
detalla el protocolo musical. Si la Universidad de Sevilla contaba con un calendario
festivo de esta naturaleza, no debía de ser regular cuando no los menciona en sus
contratos ni en sus gastos regulares o extraordinarios, sino que debemos entenderlo bajo
la expresión «fiestas que hisieren el dicho colegio en cosas suyas». 52 Por lo demás, la
Universidad de Granada se reservaba el derecho a crear nuevas ceremonias remuneradas
y a mudarlas de sede.
Por otro lado, el contrato granadino es mucho más prolijo en detalles sobre el papel de
la música. El cometido básico de los ministriles consistía en realizar una convocatoria
musical del gobierno universitario desde las ventanas, acompañarlo en procesión hasta el

50 Archivo Notarial de Granada (ANG), leg. 407, fols. 894v-989v. Cit. por Gila Medina, 1993, 335-343.
51 Ruiz Jiménez, 1997, 39-75.
52 AHPdS, PNS, oficio 5, leg. 3594, libro 3º de 1615, 9 de julio de 1615, fol. 79.

19
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

templo correspondiente, solemnizar la ceremonia (graduación, misa o vísperas) y escoltar


musicalmente a la Universidad de regreso. También se contemplaba la recepción del
rector electo cuando venía de fuera. Las procesiones a destinos lejanos (la iglesia de la
Encarnación, la de San Nicolás, el convento de Santa Cruz el Real) se realizaban a
caballo y se remuneraban en menor medida si se hacían a pie. Los paseos o procesiones
de acompañamiento del graduando dependían de la solicitud de éste.
Dada la diversidad de fiestas religiosas y ceremonias académicas que contempla la
Universidad de Granada, sorprende que su dotación económica fuera sensiblemente
menor que la de Sevilla. A pesar de que los ministriles debían llevar más compañeros e
incluso caballos, sus honorarios para los grados son más modestos en general. Las fiestas
religiosas tampoco están remuneradas de forma excepcional, en un rango entre los 22 y
los 60 reales, antes menos que más a tenor de los recibos y órdenes de pago
conservados.53 Aunque la Universidad de Granada pasaba momentos de estrechez en esas
fechas, se esforzaba por mantener un esplendor en sus manifestaciones públicas.54 Si bien
los músicos que empleaba eran virtualmente mejores que los que pagaba la Universidad
de Sevilla, por pertenecer a una capilla musical estable con acceso mediante oposición, 55
sin embargo se veían obligados a trabajar más y con más inversión por menos dinero.

Tabla 2 - Tarifas recogidas en los contratos entre Universidades y ministriles56


Universidad de Sevilla Universidad de Granada
Doctorado con 100 reales y cinco pares de 74 reales
paseo guantes
Doctorado sin 50 reales y cinco pares de guantes 33 reales y una libra de
paseo colación
Licenciatura con 55 reales y dos libras de colación 66 reales
paseo
Licenciatura sin 33 reales
paseo
Maestría 100 reales y cinco pares de 33 reales
guantes
Bachillerato 22 reales y dos libras de colación 44 reales

Sabemos que en la Universidad de Salamanca se recurría a los músicos de la


catedral o a trompeteros y atabales del concejo cuando se celebraba alguna

53 Ramos López, 1994, I, 309-315.


54 Gila Medina, 1993, 335-343.
55 Ramos López, 1990, I, 669-690.
56 AHPdS, PNS, oficio 4, leg. 2446, libro 4º de 1608, 9 de diciembre de 1608, fols. 926r-929v. AHPdS, PNS,
oficio 5, leg. 3594, libro 3º de 1615, 9 de julio de 1615, fol. 79. ANG, leg. 407, fols. 894v-989v.

20
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

ceremonia. En la Universidad de Oviedo, fundada en 1608, también se recibían


los servicios de los músicos municipales: en los grados, los trompeteros y
atabaleros que acompañaban el paseo recibían 4 reales cada uno y los chirimías
del acto cobraban ocho reales cada uno, por estipulación de los estatutos
fundacionales del colegio.57 No tenemos noticia de otra universidad española del
siglo XVII que se concertase con músicos autónomos o extravagantes, aunque la
investigación sobre este tema está en ciernes.

Conclusiones
De todo lo dicho se desprende que la Universidad de Sevilla en el siglo XVII tuvo
aproximadamente las mismas necesidades musicales que otras en lo que se refiere a
grados y eventos extraordinarios. Si por un lado no contaba con fundaciones religiosas
como la de Granada, en cambio la documentación nos ha revelado la existencia de otro
tipo de homenajes más académicos, en torno a los éxitos profesionales de sus egresados.
El catálogo de ceremonias con intervención de música es variado y frecuente, incluyendo
causas internas (grados, plazas, difuntos) y externas (fiestas extraordinarias), religiosas y
profanas, de profesores y de alumnos. Las fuentes tratadas nos han permitido conocer
mejor cuál era su naturaleza: nos ayudan a recrear esquemáticamente el desarrollo de la
ceremonia universitaria por antonomasia, con su paseo, su convite y su obsequio de
guantes. Por lo que parece, la música en las ceremonias universitarias solemnizaba,
separaba secciones y atraía al público, otorgando una dimensión pública a actos internos
y cubriendo de honor a la institución y a sus miembros.
Y si el modelo tradicional marcaba que esas necesidades musicales de las
universidades se vieran satisfechas por organismos musicales que servían a los poderes de
la ciudad, en el caso de Sevilla descubrimos que en el siglo XVII la universidad se
escindió de esa costumbre, contratando ante notario a nuevos músicos extravagantes que
no estaban comprometidos con ninguna otra institución de la ciudad de forma
permanente. Es decir, el colegio de Santa María de Jesús quiso disponer de sus propios
recursos musicales, que aunque externos eran exclusivos.
Además, la confrontación de este par de documentos notariales sevillanos nos permite
confirmar la fuerte vinculación familiar que agrupaba a los ministriles, rasgo
profundamente gremial, y la tendencia a la sedentarización de los mismos en el siglo
XVII. La Universidad no necesitaba mantener un cuerpo interno de músicos porque en el

57 Sanhuesa Fonseca, 2007, 125-144.

21
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

mercado podía hallar a bandas de ministriles independientes, profesionales y disponibles,


pero no podía confiar en que siempre los encontraría, de ahí que se reservara sus servicios
con exclusividad. Estos grupos solían ser de 4 a 6 individuos, fuertemente cohesionados y
vecinos de la ciudad, suficientes para producir una música polifónica con capacidad de
adaptación al contexto y movilidad a través de la ciudad, a los que no era necesario
suministrar ningún material.
Esta documentación nos ofrece datos concretos sobre el mercado de la música en el
siglo XVII, a nivel económico y contractual: de forma indirecta revela cuáles eran los
intereses de músicos y clientes y cuáles eran los conflictos más frecuentes que se
presentaban entre ellos. Vistos en gran perspectiva, estos contratos contrastados con otros
ya estudiados58 revelan ciertos cambios en el devenir del mercado de la música. Si bien
los primeros tiempos de la Modernidad habían conocido una movilidad alta entre los
músicos, conforme avance el Seiscientos iremos percibiendo una fuerte tendencia a
firmar contratos de larga duración, con precios cerrados, con las mismas instituciones.
Los clientes optaron por asegurarse los servicios de unos determinados instrumentistas
durante largas temporadas, frente a la inseguridad que les causaba competir con las demás
corporaciones en su contratación en fechas muy solicitadas. No obstante, los más
interesados parecen ser los propios músicos. El hecho de que las tarifas no se actualizaran
de acuerdo con la inflación,59 sino que se fijasen invariablemente para muchos años, nos
dice que la economía había culminado el proceso conocido como «la revolución de los
precios», y que los músicos ya preferían la seguridad a las ganancias exponenciales.
Además, en 1615 se introduce una cláusula que explicita que en los grados, los músicos
no debían pedir ni recibir ninguna recompensa por dos facetas de la ceremonia: «ni a las
alegrías de los señores colegiales de las plaças probeydas y que le proveyeren ni en fiestas
que hisieren el dicho colegio en cosas suyas». En definitiva, los músicos debían
contentarse con la tarifa oficial que estaba asignada al acto académico, sin pretender
beneficiarse también de las fiestas que los afortunados celebraban por la provisión de las
plazas, ni tampoco de otro tipo de fiestas que organizaba el colegio, a las que se supone
que los ministriles debían asistir de forma no remunerada. Esto revela que la vinculación
entre el colegio de Santa María de Jesús y esta copia de ministriles garantizaba a los dos

58 Bejarano Pellicer, 2013, 378-381.


59 Entre los contratos de la Universidad de Granada y los ministriles de 1577 y 1619 tampoco se actualizan
los honorarios. Avanzado el siglo, la documentación contable revela que si sube el precio es porque llevaron
consigo cantores de la Capilla Real. Ramos López, 1994, I, 64.

22
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

una estabilidad, a costa de mayores ganancias a las que los músicos optaron por renunciar
en aras de la seguridad.
Estas fuentes brindan indicios sobre la condición del músico urbano en el siglo XVII.
La profesión de ministril se cotizaba en la sociedad, pues las instituciones tenían interés
en reservarse sus servicios durante años. Lejos de ser servidores dependientes del
mecenazgo de un patrón, los ministriles se organizaban en sus propios círculos y ofrecían
sus servicios al mejor postor, negociando sus honorarios y condiciones de trabajo en pie
de igualdad ante la fe pública de un notario.
En definitiva, este trabajo plantea un primer acercamiento al uso universitario de la
música en el siglo XVII utilizando fuentes pertenecientes a los archivos históricos
universitarios, a las relaciones de fiestas y también a fuentes externas como los protocolos
notariales. Fases posteriores de esta investigación podrán comparar más sistemáticamente
los datos de las universidades españolas, incluso europeas, para recrear las prácticas
musicales universitarias dentro y fuera de sus instalaciones, y comprender cuál fue la
aportación de esta institución a la cultura musical barroca, siempre confrontando la visión
interna con la del resto de la sociedad.

Bibliografia:
AGUILAR PIÑAL, Francisco (1991) - Historia de la Universidad de Sevilla. Sevilla:
Universidad de Sevilla.
ANÓNIMO (1624) - Salida del Rey... Felipe Quarto, de la villa de Madrid, para la ciudad de
Sevilla, iueves ocho de febrero de 1624: sacado de una carta escrita de Madrid, a una
persona grave desta ciudad de Sevilla: dase cuenta del acompañamiento de su Real persona,
y de las prevenciones de Sevilla para recebille. Sevilla: Francisco Pérez de Estupiñán.
ANÓNIMO (1630) - FIESTA, / Y ALEGRÍA, QUE LA CIUDAD / de Sevilla hizo en la
publicación, y entrega del RO / TULO, y Remisoriales Apostólicos, para la informa / ción
plenaria de la Canonización del santo Rey / DON FERNANDO el III que ganó a / Sevilla.
Sevilla: Francisco de Lyra.
ANÓNIMO (1675) - Vejamen con que se afectó el regozijo del cumplimiento de años de
nuestro Rey, y Señor D. Carlos II en el grado que de doct. en sagrada Theología recibió el
reverendíssimo padre Diego de Castel-Blanco, visitador general de su religión, de los
padres clérigos menores, y predicador de su Magestad, en el colegio mayor de Santa María
de Jesús, Universidad de Sevilla. viernes día veinte y siete de diziembre del año de 1675. S/l:
s/i.

23
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

ANÓNIMO (1683) - Descripción de la máscara con que el día tres de diciembre del Apóstol de
la India San Francisco Xavier, solemnizaron la victoria de las armas católicas los
estudiantes del Colegio de San Hermenegildo de la Compañía de Jesús de Sevilla. Sevilla:
Juan Vejarano.
BEJARANO PELLICER, Clara (2013) - El mercado de la música en la Sevilla del Siglo de
Oro. Sevilla: Universidad de Sevilla, Fundación Focus-Abengoa.
BEJARANO PELLICER, Clara (2015) - Los sonidos de la ciudad: el paisaje sonoro de Sevilla,
siglos XVI al XVIII. Sevilla: ICAS.
BEJARANO PELLICER, Clara (2016) - Música y juventud en la primera mitad del siglo XVII
español a través de la novela picaresca. Estudios Humanísticos. Filología. Vol. 38, p. 145-
170.
BERNAL MARTÍN, María (2005-2006) - Algunas máscaras jesuitas del Siglo de Oro.
TeatrEsco. Vol. 1.
CARRASCO URGOITI, María Soledad (1988) - La oralidad del vejamen de academia. Edad de
Oro. Vol. 7, p. 49-58.
CÉSPEDES, Baltasar de (1611) - RELACION / DE LAS HONRAS, / QUE HIZO LA
UNIVERSIDAD / DE SALAMANCA A LA MAGESTAD DE / la Reyna doña Margarita de
Austria nuestra / Señora, que se celebraron Miércoles / nueve de Noviembre del Año /
MDCXI. Ordenada por mandado de la Universidad por el Maes / tro Baltasar de Céspedes
Cathedrático de / Prima de Latinidad, y Griego en ella. Salamanca: Francisco de Cea Tesa.
CHEVALIER, Maxime (1981) - Un personaje folclórico de la literatura del Siglo de Oro: el
estudiante. En PIÑERO RAMÍREZ, Pedro M. y REYES CANO, Rogelio (eds.) Seis
lecciones sobre la España de los Siglos de Oro (literatura e historia). Sevilla: Universidades
de Sevilla y Burdeos, pp. 39-58.
DÍEZ BORQUE, José María (1988) - Órbitas de teatralidad y géneros fronterizos en la
dramaturgia del XVII”. Criticón. Vol. 42, p. 103-124.
DOMÍNGUEZ GUZMÁN, Aurora (1990) - Una curiosa fiesta universitaria en Sevilla en 1617.
Archivo Hispalense. Vol. 223, p. 31-44.
GARCÍA BERNAL, José Jaime (1996) - Lo serio y lo burlesco: la máscara barroca como forma
de pedagogía popular. Demófilo. Vol. 18, p. 31-48.
GARCÍA BERNAL, José Jaime (2009) - Fisiognómica y código estético de las mascaradas
públicas del barroco hispano: crítica y evolución del concepto de la máscara jocoseria”. En
Congreso Internacional Imagen y Apariencia. Murcia: Universidad de Murcia.

24
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

GARCÍA FRAILE, Dámaso (1999) - La música en la vida estudiantil universitaria durante el


siglo XVI. En RODRÍGUEZ-SAN PEDRO BEZARES, Luis y POLO RODRÍGUEZ, Juan
Luis (eds.) Líneas de investigación sobre universidades hispánicas. Salamanca: Universidad
de Salamanca, p. 87-107.
GARCÍA FRAILE, Dámaso (2000) - La vida musical en la Universidad de Salamanca durante
el siglo XVI. Revista de Musicología. Vol. 23, nº 1, p. 9-74.
GARCÍA-BERNALT ALONSO, Bernardo (2015) - La música y su entorno en la Universidad
de Salamanca en el Siglo de las Luces. Neuma. Vol. 8, nº 2, p. 10-46.
GILA MEDINA, Lázaro y GILA MEDINA, Mª Josefa (1993) - Los ministriles de la Capilla
Real y la Universidad de Granada: aspectos ceremoniales”. Cuadernos de Arte de la
Universidad de Granada. Vol. 24, p. 335-343.
LUQUE FAXARDO, Francisco (1610) - Relación de la fiesta que se hizo en Sevilla a la
beatificación del Glorioso San Ignacio fundador de la Compañía de Iesús. Sevilla: Luis
Estupiñán.
MADROÑAL DURÁN, Abraham (2005) - De grado y gracias. Vejámenes universitarios de los
Siglos de Oro. Madrid: CSIC.
MONTELLS Y NADAL, Francisco de Paula (1870) - Historia del origen y fundación de la
Universidad de Granada. Granada: Universidad. Ed. Facs. Granada: Universidad de
Granada, 2000.
OLLERO LOBATO, Francisco (2013a) - La plaza de San Francisco. Escena de la fiesta
barroca. Sevilla: Monema.
OLLERO LOBATO, Francisco (2013b) - Las mascaradas, fiesta barroca en Sevilla. Potestas.
Vol. 6, p. 143-173.
OLLERO PINA, José Antonio (1993) - La Universidad de Sevilla en los siglos XVI y XVII.
Sevilla: Universidad de Sevilla.
ORTIZ DE ZÚÑIGA, Diego (1677) - Anales eclesiásticos y seculares de la muy noble y muy
leal ciudad de Sevilla. Madrid: Imprenta Real, Juan García Infançón.
POLO RODRÍGUEZ, Juan Luis (2003) - Ceremonias de graduación en la Universidad de
Salamanca, siglos XVI-XVIII. En RODRÍGUEZ-SAN PEDRO BEZARES, Luis y POLO
RODRÍGUEZ, Juan Luis (eds.) Grados y ceremonias en las universidades hispánicas.
Salamanca: Universidad, p. 109-153.
PORRES, Francisco Ignacio de (1658) - ACLAMACION / DE LAS / MUSAS / AL /
NACIMIENTO / DEL / PRINCIPE / DE LAS / ESPAÑAS / NUESTRO SEÑOR. JUSTA
POETICA / ZELEBRADA POR LA UNIVERSIDAD / DE ALCALÁ COLEGIO MAYOR DE

25
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

SAN / ILDEFONSO; EN EL NACIMIENTO / DEL PRINCIPE DE LAS / ESPAÑAS. Alcalá:


María Fernández.
RAMOS LÓPEZ, Pilar (1990) - La música en la Capilla Real de Granada a través de las
Constituciones de 1758. En De musica hispana et aliis. Homenaje al prof. Dr. José López
Calo. Santiago de Compostela: Universidad, vol. I, pp. 669-690.
RAMOS LÓPEZ, Pilar (1994) - La música en la catedral de Granada en la primera mitad del
siglo XVII: Diego de Pontac. Granada: Diputación Provincial de Granada.
RODRÍGUEZ-SAN PEDRO BEZARES, Luis (2006) - Protocolo académico: tradición y
ceremonial de 1720. En RODRÍGUEZ-SAN PEDRO BEZARES, Luis (coord.) Historia de
la Universidad de Salamanca. Tomo II. Salamanca: Universidad de Salamanca, p. 873.
RUIZ JIMÉNEZ, Juan (1997) - Música y Devoción en Granada (siglos XVI-XVIII):
Funcionamiento extravagante y tipología de plazas no asalariadas en las capillas musicales
eclesiásticas de la ciudad”. Anuario Musical. Vol. 52, p. 39-75.
RUIZ JIMÉNEZ, Juan (2015) - Honras celebradas anualmente en la capilla del colegio mayor
de Santa María de Jesús (en línea). Granada (Consult. 11 de Octubre 2017).
SÁEZ, Alfonso (1617) - Relación de la fiesta, que el colegio mayor de santa María de Jesús
Universidad de la Ciudad de Sevilla hizo, en la publicación de un Estatuto, en que se juró la
Concepción limpíssima de nuestra Señora sin mancha de pecado original. Sevilla: Francisco
de Lyra. Reed. Sevilla: Diputación Provincial de Sevilla, 1949.
SANHUESA FONSECA, María (2007) - Una breve historia de la música en la Universidad de
Oviedo”. Boletín de Letras del Real Instituto de Estudios Asturianos. Vol. 61, nº 170, p. 125-
144.
SANZ SERRANO, María Jesús (1995) - El problema de la Inmaculada Concepción en la
segunda década del siglo XVII. Festejos y máscaras: el papel de los plateros. Laboratorio de
Arte. Vol. 8, p. 73-101.
SANZ SERRANO, María Jesús (1998) - Representación plástica e imagen literaria de las islas
Canarias en una fiesta sevillana del siglo XVII. Archivo Hispalense. Vol. 248, p. 111-119.
TORREMOCHA HERNÁNDEZ, Margarita (2003) - Rito y fiesta académica en la Universidad
vallisoletana de los Austrias. La trastienda de un ceremonial. En RODRÍGUEZ-SAN
PEDRO BEZARES, Luis y POLO RODRÍGUEZ, Juan Luis (eds.) Grados y ceremonias en
las universidades hispánicas. Salamanca: Universidad, 2003, p. 45-65.

26
Espacios sonoros femeninos en ciudades de la Edad Moderna. El Palau de la
Comtessa en Barcelona∗
Ascensión Mazuela-Anguita∗∗

Resumen:

El Palau de la Comtessa de Barcelona fue un importante punto de encuentro para


miembros de la nobleza, la realeza y el gobierno a inicios de la Edad Moderna, y la
capilla del palacio se convirtió en un centro musical muy vinculado a la devoción
femenina. Durante la mayor parte del tiempo, el palacio fue un espacio esencialmente
femenino, puesto que los padres y maridos de las mujeres que allí vivían, pertenecientes a
la familia Requesens, estaban normalmente fuera de la ciudad, cumpliendo con sus
obligaciones diplomáticas. El análisis de documentos del Arxiu Nacional de Catalunya en
Sant Cugat del Vallès (Barcelona) arroja luz sobre el papel desempeñado por las mujeres
en la fundación y desarrollo de esta capilla privada. Este ensayo explora la identidad
sonora de este edificio en el contexto urbano de Barcelona como un espacio donde, a
través de una diversidad de sonidos, los límites entre los privado y lo público, y entre lo
religioso y lo profano, se difuminaban y donde las nobles de la familia Requesens podía
exhibir su estatus social a través de la música tanto en festividades profanas como en
celebraciones religiosas en la capilla del palacio.
Palabras clave: mecenazgo musical, mujeres y música, musicología urbana, paisaje
sonoro de Barcelona, Palau de la Comtessa

Abstract:

The Palau de la Comtessa (Palace of the Countess) in Barcelona was an important setting
for social networking and meetings between members of the nobility, royalty, and
government in the early modern period, and its private chapel became a major musical
center in the city, closely related to female worship. For most of the time, it was


Este trabajo es resultado de la investigación que llevé a cabo en el marco del Proyecto europeo «Urban
musics and musical practices in sixteenth-century Europe» CIG-2012: URBANMUSIC nº 321876), dirigido
por Tess Knighton en la Institució Milà i Fontanals del Consejo Superior de Investigaciones Científicas en
Barcelona entre 2012 y 2016. Una versión previa de este trabajo se presentó en el seminario «Espacios
devocionales: Prácticas religiosas de las mujeres y transferencias culturales en el siglo XVI» (Seminario del
Área de Historia Moderna, Facultad de Geografia e Historia, Universitat de Barcelona, 9 de octubre de 2017),
y una versión más extensa ha sido publicada en Knighton et al. 2018.
∗∗
Universidad de Granada
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

essentially a female space, since the fathers and husbands of the women who lived there,
belonging to the Requesens family, were usually abroad, fulfilling their diplomatic
obligations. Analysis of documents at the Arxiu Nacional de Catalunya in Sant Cugat del
Vallès (Barcelona) shed further light on the role played by women in the foundation and
development of this private chapel. This paper aims to explore the sounding identity of
this building in the context of urban Barcelona as a space in which through diverse music
and sounds, a blurring between the private and the public, and the religious and the
secular, occurred, and in which the Requesens noblewomen were able to display social
status through music both in secular festivities and in devotional celebrations in the
palace chapel.

Keywords: music patronage, women and music, urban musicology, Barcelona


soundscape, Palau de la Comtessa

La novela pastoril Los diez libros de fortuna de amor, publicada en 1573 por el poeta
y soldado sardo Antonio Lo Frasso, ofrece una imagen del paisaje sonoro de la Barcelona
del siglo XVI. El autor se propone narrar, mezclando ficción y realidad, su propia vida, a
través del relato de la historia de amor del pastor Frexano. Los libros 7 y 8 se sitúan en
Barcelona, a donde el pastor viajó tras ser condenado por un crimen que no había
cometido y donde el autor realmente vivió al menos entre 1571 y 1573 (ROCA
MUSSONS, 1987-1988; DURAN, 1997; GALIÑANES GALLÉN, 2014). La novela
incluye, por ejemplo, una descripción de la llegada de Frexano a Barcelona en barco en
1572, su itinerario por la ciudad, y una alabanza de más de cincuenta mujeres de la
nobleza barcelonesa (Figura 1). Este retrato de Barcelona está repleto de referencias
musicales. Así, el libro detalla un torneo real celebrado en la Plaça del Born a instancias
del Conde de Quirra—dedicatario de la novela—, que reunió a los miembros más
importantes de la nobleza catalana y tuvo una gran presencia de música tanto vocal como
instrumental (LO FRASSO, 1573, fol. 260v-272r). También se incluye un relato
pormenorizado de una fiesta con música en el Palau de la Comtessa con motivo de la
boda de la noble catalana Mencía de Requesens (1557-1608).

28
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Figura 1- Antonio de Lo Frasso, Los diez libros de fortuna d’amor, Barcelona, Pedro
Malo, 1573, fol. 230v, Madrid, Biblioteca Nacional de España, U/7057

Este palacio pertenecía a Lluís de Requesens (1528-1576), Comendador Mayor de


Castilla y en ese momento gobernador de Milán, y era la residencia de su esposa,
Jerònima de Gralla (m.1579), y la hija de ambos, Mencía de Requesens, que acababa de
casarse con Pedro Fajardo, marqués de Los Vélez. La novela describe el baile de
caballeros y damas al son de la música de «suavísimos ministriles», y cómo la novia pidió
a Anna de Cardona i Pinós que interpretara una canción acompañándose con el arpa, que
afinó cuidadosamente antes de empezar a cantar una glosa (El sol entre los ayres

29
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

eclipsado / se muestra por las causas soberanas) a un soneto de Jorge de Montemayor


(Estauase Marsida contemplando / en su pecho el pastor por quien moria):1

[...] a vna parte estauan las damas, y a la otra parte el excelentissimo Duque de Soma, y el
desposado, y el Illustrissimo Conde de Quirra, con muchos caualleros, los quales de vno en
vno, con las damas dançauan al son de la musica de suauissimos menestriles que alli eran
[…] y passado vn buen rato, vieron que la desposada con muchas otras damas y caualleros
estauan suplicando a la Illustre Señora Doña Ana de Cardona y de Pinos, les hiziesse
merced por entretenimiento de la conuersacion, y por mas complimiento de la fiesta, y dar
contento al desposado, y a los señores y señoras que alli estauan, tañesse y cantasse vna
cancion: doña Ana viendo que todos los caualleros y damas se lo rogauan, y siendo
cumplida dama como lo es, no pudo escusar de hazello, y luego le truxeron vna harpa, y
templola muy finamente y tañendo canto suauemente vna glosa del siguiente soneto [...]
(LO FRASSO, 1573, fol. 234v-235r).

A la noble Anna de Cardona i Pinós, a la que se ha identificado con la esposa de Joan


de Cardona-Rocabertí y tía del conde de Quirra,2 se la alaba en verso en la novela
ensalzando sus habilidades musicales.3 Lo Frasso también describía la capilla del palacio
como «un suntuoso y moderno templo» a donde las damas iban cada día a rezar a través
de un corredor.4 La historiadora Eulàlia Duran ha argumentado que, aunque el Palau de la
Comtessa había sido el principal palacio de Barcelona en la primera mitad del siglo XVI,
la continua ausencia de Lluís de Requesens debió afectar a su grandeza y que únicamente
la capilla y los músicos mantenían su antiguo esplendor.5 La hipótesis de Duran es que Lo
Frasso intentaba ganar el favor de Lluís de Requesens exagerando la magnificencia de su
palacio y alabando a las mujeres de su familia, y añade que el autor probablemente se
basó en Il Cortegiano (Venecia, 1528) de Castiglione para describir la fiesta de boda: la
novia dirigía la dinámica del evento, invitando a los participantes a bailar, cantar y tocar.
Curiosamente, en estudios de musicología de género se ha argumentado que la obra de

1
Véase Montemayor, 1544, fol. 35r-v.
2
Duran, 1997, 82; Galiñanes Gallén, 2012, 78.
3
Lo Frasso, 1573, fol. 216r: «Otra dama veras questa de frente / con tal valor virtud saber y cordura /
demostrandose rara entre la gente / ques de mil gracias llena su gura, // Su tañer y cantar suaue excelente /
mas que el de tracia vemos en altura / de Cardona y de Pinos es nombrada / doña Ana en todo muy
agraciada». Lo Frasso también incluye un poema en alabanza de doce damas catalanas (Lo Frasso, 1573, fol.
317v–320r). Sobre la representación de la mujer en esta novela, véase Souviron López, 1997, 126.
4
Lo Frasso, 1573, fol. 232r: «y en entrando por la puerta de la calle mayor, dio en vn ancho patio que a la
mano drecha [sic] tenia vn sumptuoso y moderno templo, donde las damas y señoras del palacio 
por vn
corredor yuan cadaldia [sic] a rezar al templo».
5
Duran, 1997, 89: «Però als anys setanta, el palau, en absència del seu senyor, estava semitancat, endolat, les
sales buides. Només la capella i els músics mantenien el record de les antigues glòries». Véase también
Borràs i Feliu, 1994, 144: «Únicament se salvà l’església, amb la seva plata, i la seva famosa “capella
musical”, que li era motiu d’esplendor».

30
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Castiglione no refleja la realidad de la vida cortesana en España, donde las mujeres


hacían frente a constricciones morales más estrictas (RAMOS, 2009, 256). Esto lleva a
preguntarse si el relato de Lo Frasso de la actividad musical femenina en el Palau de la
Comtessa se relaciona más con el tropo pastoril y el deseo de agradar a los Requesens que
con un reflejo de la realidad.
Aunque en los tratados de conducta femenina la música y el baile se utilizaban para
ejemplificar la falta de moralidad de las mujeres, las nobles constantemente forzaban los
límites de lo aceptable a través del mecenazgo de música y músicos y la organización y
participación en eventos musicales desde sus propios espacios y ámbitos de actuación.6 El
Palau de la Comtessa puede abordarse como un caso en que la contribución de las
mujeres al paisaje sonoro urbano ha permanecido invisible en documentos históricos,
oculta tras las actividades de sus maridos. Argumentaré que este espacio privado fue
usado por las mujeres de la familia Requesens para mantener su estatus social en la
ciudad, y el mecenazgo musical fue un medio para lograrlo. El análisis de documentos de
la colección «Arxiu Palau-Requesens» en el Arxiu Nacional de Catalunya en Sant Cugat
del Vallès (Barcelona) arroja luz sobre estos aspectos, y permite evaluar la importancia
del Palau de la Comtessa en el paisaje sonoro de la Barcelona del siglo XVI.

1. El Palau de la Comtessa como un espacio sonoro femenino

Desde mediados del siglo XV los Requesens destacaron como una de las familias más
importantes de la nobleza catalana, vinculada a la posición de gobernador de Cataluña.7
Durante la mayor parte del tiempo, el palacio era un espacio esencialmente femenino,
puesto que los padres y maridos de las mujeres que vivían allí estaban normalmente fuera
de Barcelona, cumpliendo con sus obligaciones políticas y diplomáticas (Figura 2). El
palacio tenía una localización muy céntrica, cerca de los principales focos de actividad
musical de Barcelona, como la catedral y las principales iglesias parroquiales, y fue un
importante punto de encuentro entre miembros de la nobleza, la realeza y el gobierno
(MOLAS RIBALTA, 2009-2010). En el siglo XII la capilla del palacio fue una iglesia
templaria y después se convertiría en el palacio de Leonor de Sicilia (1325-1375), reina
de Aragón, y pasaría a conocerse como «Palau de la Reina». En el siglo XV, Juan II cedió

6
Véanse Mazuela-Anguita, 2012, 2013 y 2018. Un estudio pionero sobre el mecenazgo musical de la nobleza
es Subirá, 1927. Para una época posterior, donde se cita una amplia bibliografía sobre el tema, contamos con
los trabajos de Fernández-Cortés, 2007 y 2011. Sobre el mecenazgo musical de los Duques de Medina
Sidonia, véanse Gómez Fernández, 2017, y Ruiz Jiménez, 2009. Sobre el mecenazgo musical de los Cardona
y los Fernández de Córdoba, véase Ros-Fábregas, 2002. Para el contexto latinoamericano, véase, entre
muchos otros trabajos, Marín López, 2017.
7
Sobre la élite social de Barcelona, véase Amelang, 1986.

31
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

el palacio al gobernador de Cataluña, Galcerán de Requesens, y el edificio era conocido


como «Palau del Governador». Su hijo Lluís de Requesens (1435-1509) se casó con la
noble valenciana Hipòlita Roís de Liori (c.1479-1546) y, cuando él murió, ella se
convirtió en una poderosa viuda de treinta años que adquirió el título de condesa de
Palamós; fue entonces cuando el palacio pasó a conocerse como «Palau de la Comtessa».8

Figura 2 - Relación de las mujeres Requesens en el siglo XVI

Su hija Estefania de Requesens (c.1504-1549) se casó en 1526 con el camarero de


Carlos V, Juan de Zúñiga y Avellaneda (1488-1546), en el Palau de la Comtessa, aunque
Juan residía en la corte castellana como tutor del príncipe Felipe y Estefania también se
trasladaría a la corte como camarera de la emperatriz en 1534 (CLOPAS I BATLLE,
1971, 27). Higini Anglès utilizó la correspondencia de Estefania de Requesens con su
madre como fuente de la vida musical de la corte, puesto que daba noticia de eventos
cortesanos con un componente musical, así como de la educación musical que recibió el
hijo mayor de Estefania, Lluís, junto al príncipe Felipe;9 por ejemplo, en una carta de 5 de
mayo de 1537, se indica que Lluís bailaba la pavana y la gallarda.10 Henry Kamen (1998,

8
Sobre Hipòlita Roís, véase Ahumada, 2004.
9
Anglès, 1944, 83, n. 1. Para una transcripción de la correspondencia entre Hipòlita y su hija Estefania,
véanse Ahumada, 2003; y Guisado, 1988. Acerca de la personalidad de las mujeres Requesens a través de su
correspondencia, véase Ahumada, 2007; y sobre estas cartas como una forma de educación, véase Pérez-
Toribio, 2011.
10
Ahumada, 2003, 299-300: «Lloÿset no à escrit estos dies perquè des que estudia ab lo prínsep no té tant de
tems com abans [...] Està molt bo, y ayr féu lo prínsep una festa de un torneg de minyons y agé-y sarau de

32
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

p. 36) ha indicado que Estefania fue como una segunda madre para Felipe II. Cuando el
príncipe visitó Barcelona en 1542, Estefania y su marido organizaron una fiesta con
música y baile en el Palau de la Comtessa, quizá similar a la descrita por Lo Frasso en su
novela.11
Cuando Estefania enviudó en 1546 se estableció en Barcelona y el palacio continuó
siendo uno de los espacios elegidos por miembros de la realeza en sus visitas a la ciudad
(SANS I TRAVÉ, 1994-2007, II, 33). En 1552, su hijo Lluís se casó con Jerònima de
Gralla, que residiría en el palacio con su hija Mencía mientras su marido ejercía de
Comendador Mayor de Castilla y gobernador de Milán (1572-1573) y después de Flandes
(1573-1576). En una carta escrita a su esposa el 6 de octubre de 1573 Lluís informaba de
que su amigo el empresario genovés Juan Antonio Espínola enviaría a su hija el
clavicordio que le había pedido y también una espineta, para que aprendiese a tocar: «A
doña Mencía me encomiendo, y Juan Antonio le lleva el clavicordio que me invió a pedir,
y otro pequeño dentro de un libro que acá llaman spinetta, que son buenos para
aprender».12 Esta carta evidencia la educación musical de Mencía de Requesens, así como
la circulación internacional de instrumentos musicales a través de redes diplomáticas, y
pone de relieve la presencia de actividad musical femenina en el Palau de la Comtessa.
En 1572, Mencía se casó con Pedro Fajardo, que se trasladó a Viena como embajador
y, de nuevo, ella permaneció en el Palau de la Comtessa con su madre (SIMAL LÓPEZ et
al., 2012, 151). El marqués murió siete años después y, en 1581, Mencía se casó con el
cortesano castellano Juan Alonso Pimentel (m.1621), conde de Benavente, y dejó
Barcelona. En 1602 el matrimonio volvió a la ciudad antes de partir rumbo a Nápoles
para asumir el cargo de virreyes, que ocuparían entre 1603 y 1610. Según los cronistas, el
16 de diciembre de 1602 miembros del gobierno fueron al Palau de la Comtessa, donde
serían recibidos por los condes y su comitiva, y un torneo tuvo lugar en el patio del
palacio, el cual podría haber tenido un componente musical como el descrito por Lo

________________________________________________________________
minines, y don Lloys dansà la pavana y gallarda ab dona Anna de Çúñiga, la lla del conte, que aja gloria, que
està en palàsio aprés que son pare morí. Té treze anys y és molt jentil. Feren-o molt bonico los dos consins, y
ell estava molt ben vesti». Véase también March, 1941, 334.
11
Alenda y Mira, 1903, 39: «Dase cuenta de las iluminaciones, hogueras, tablados con músicas, danzas,
máscaras, galanes ricamente vestidos [...], escaramuza de las galeras y sortija. El Comendador mayor de
Castilla hizo al Principe fiesta y sala en su casa, donde hubo baile, y á la noche, en el patio desempedrado,
juego de cañas y alcancía. La relación describe minuciosamente los trajes de los señores en danzas y
máscaras, y los festejos de Valencia [...]». Alenda y Mira toma como fuente el manuscrito del siglo XVI
Relaciones varias (San Lorenzo de El Escorial, Real Biblioteca del Monasterio de El Escorial, II-U-4), fol.
133v. 

12
Carta de Lluís de Requesens a su esposa Jerònima de Gralla (6 de octubre de 1573), citado en March, 1943,
26, n. 2.

33
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Frasso en la Plaça del Born (SANS I TRAVÉ, 1994-2007, III, 445). La música tenía un
importante papel para las mujeres Requesens como un medio de representar estatus social
y poder en la ciudad incluso desde espacios semiprivados como el Palau de la Comtessa
pero, sobre todo, para expresar su religiosidad a través del mecenazgo musical en un
espacio devocional como la capilla del propio palacio, que tuvo gran importancia en la
configuración del paisaje sonoro urbano.

2. La capilla del Palau de la Comtessa como centro urbano para el mecenazgo de


música devocional

La actividad musical de esta capilla en el siglo XVIII ha sido estudiada por César
Alcalá (1998) y Jordi Rifé (2004). Rifé ha analizado las reglas que gobernaron la capilla
en 1704 como evidencia de su rica vida musical en tiempos del archiduque Carlos III
(1685-1740), y ha estudiado cómo el impacto de modelos italianos en Barcelona se
reflejaba en la música que allí se interpretaba. El archivo musical de la capilla del Palau
fue destruido durante la guerra civil. Varios pliegos con letras de villancicos interpretados
en la capilla en la segunda mitad del siglo XVIII se conservan en la Biblioteca de
Catalunya (Figura 3) y, como señalaba anteriormente, algunos de los documentos
generados por esta capilla privada se preservan en el Arxiu Nacional de Catalunya. A
partir de ellos es posible conocer detalles sobre la capilla del palacio antes del siglo
XVIII.

Figura 3 - Villancicos de pastorela que se han de cantar la noche de Navidad de este año 1764
en la Real Capilla de N. S[eñor]a de la Victoria del Paláu de la Condesa, desta Ciudad de
Barcelona. Puestos en Musica por el S[eño]r Joseph Duràn, maestro de la Real Capilla de la
misma Iglesia, Barcelona, Thomas Piferrer, 1764, portada, Barcelona, Biblioteca de
Catalunya, F.Bon. 1247

34
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

En el siglo XIV, en tiempos de la reina Leonor de Sicilia, la capilla del palacio ya


disponía de una comunidad de capellanes que celebraban misas cantadas (MARCH, 1921,
16). Esta capilla fue de patronazgo real hasta 1542, cuando Carlos V asignó su
patronazgo a Juan de Zúñiga y Estefania de Requesens.13 Durante el período de Hipòlita
Roís, madre de Estefania, la liturgia continuó celebrándose, como atestiguan escritos
sobre las celebraciones litúrgicas financiadas por Hipòlita y el registro de los nombres de
algunos capellanes (MARCH, 1921, 17). Fue ella quien inició la restauración y expansión
de la capilla, mientras su hija residía en la corte castellana (LÓPEZ TORRIJOS et al.,
2012). Este espacio fue el elegido por Estefania y su marido como lugar de enterramiento
en su testamento conjunto de 16 de abril de 1546, y requerían que los frailes franciscanos
y los del convento dominico de Santa Caterina celebraran la liturgia del día del funeral
junto a todos los miembros del clero y frailes que desearan asistir.14 También estipularon
que aquel de los dos que viviera más tiempo se responsabilizaría de la fundación de ocho
capellanías; los ocho capellanes debían dedicarse exclusivamente a celebrar
solemnemente los oficios en la capilla. Juan de Zúñiga murió dos meses más tarde, el 27
de junio, y a su funeral en la capilla del Palau asistieron los consellers de la ciudad.15
Sería, por consiguiente, Estefania de Requesens, quien se haría cargo del proyecto de
la capilla, que fue consagrada a Nuestra Señora de la Victoria el 10 de mayo de 1547.16
Sus disposiciones para el regimiento de la capilla, escritas en latín y catalán el 9 de julio
de 1548, evidencian la importancia que ella—en su nombre y el de su marido—daba a la
música como parte de la veneración divina, así como la relevancia y frecuencia del canto
polifónico.17 Esto significa que debería matizarse la idea de que el paisaje urbano de
Barcelona estaba radicalmente afectado por el privilegio que tenía el coro de la catedral
durante la mayor parte del siglo XVI de ser la única iglesia de la ciudad a la que se

13
Una copia del documento se conserva en Sant Cugat del Vallès, Arxiu Nacional de Catalunya, ANC1- 960-
T-1036 («Libro de la Capilla o Iglesia de Nuestra Señora del Palau de la Condessa, en el qual estan
continuados los actos principales de dicha iglesia, su primitiva fundacion, y privilegios de aquella, y todas las
dotaciones, o fundaciones de los exmos. patronos», 1542–1821). 

14
ANC1-960-T-30, Lligall 31 («Excm. Sr. D. Juan de Zúñiga y de Avellaneda. Llevadores, capítulos
matrimoniales, cartas, etc.»), nº 16 («Testamento de los Exmos. Sres. D. Juan de Zúñiga y de Avellaneda y
Dña. Estefania de Requesens. Madrid 16 Abril de 1546»). Otra copia se incluye en el manuscrito ANC1-960-
T-1036.
15
No se han encontrado referencias a este evento en los Dietaris de la Generalitat de Catalunya; véase Sans i
Travé, 1994-2007. 

16
ANC1-960-T-969 («Libro mayor del patrimonio de nuestra señora de la Victoria y rentas de censos, juros,
y censales en que la dotaron los Exmos. Fundadores patronos de su capilla del Palau de Barcelona desde el
año de 1548 de su fundacion, y reedificacion a 1741, y en adelante»), fol. 1v. Para un copia de la
consagración de la iglesia, véase ANC1-960-T-1036.
17
Una copia de las regulaciones de Estefania se incluye en ANC1-960-T-1036, fol. 16r-30r.

35
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

permitía interpretar los oficios en polifonía, mientras que otras iglesias tenían que pedir
licencia al maestro de capilla de la catedral (GREGORI, 1991). Las reglas de Estefania no
mencionan la posición de maestro de capilla, aunque estipuló que el capellán mayor debía
saber cantar y tener buena voz, y que los capellanes seleccionados—que vivirían en casas
emplazadas alrededor del palacio para que pudieran celebrar más fácilmente los servicios
litúrgicos—debían ser buenos cantores de canto llano y todos, o al menos algunos, saber
cantar polifonía, de modo que, incluso con un número reducido de capellanes, se pudieran
celebrar los oficios con gran solemnidad.18
Por tanto, fue Estefania de Requesens quién plantó la semilla de una capilla de música
que se situaría entre las más importantes de la ciudad. Antes de morir, Estefania pidió a
su hijo mayor que continuara su proyecto. Por ejemplo, en una carta de 22 de abril de
1549, le indicaba que se hiciera cargo de la construcción de órganos:

Después de vuestros hermanos, la cosa más cara que tengo que encomendaros es esta
iglesia que vuestro padre rehedifico y doto; faltan algunas cosas que hazer en ella, assi
como rretablos y órganos y otras cosillas de no tanta costa, que todo esto se ha dexado de
hazer hasta aqui, por hauerse de cumplir los gastos que vos haueis hecho, y porque en mis
dias no lo he podido hazer, os ruego que vos lo hagais, y que conserueis esta costumbre tan
santa y tan buena y de tanta calidad que teneis en vuestra casa; y pues vuestro padre hizo lo
mas, que fue fundarla, no os descuidedes de entretenerla.19

Siguiendo los deseos de su madre, Lluís de Requesens (1528-76), en su testamento de


1573, ordenó la construcción de «órganos medianos» y retablos, añadió cuatro capellanías
a las ocho establecidas por Estefania, y fundó más misas.20 Además, requería que los doce
capellanes cantaran o «semitonaran» las horas canónicas en el coro y celebraran otra misa

18
ANC1-960-T-1036, fol. 16r-30r («Reglas de la capilla del Palau de la Comtessa estipuladas por Estefania
de Requesens el 9 de julio de 1548»), fol. 18r-19v: «[…] vull y orden sia persona de bona casta [el capellán
mayor] , y que aje viscut honesta, y religiosament, y que sia de edat de quaranta sinc ans en amunt y no
manco y que sia español y que tingue algunes lletras, o al mens sie bon grammatich, y que tambe tinga alguna
habilitat de cant y veu. […] [los capellanes] hagen de ser persones que hagen viscut, y visquem be, y honesta
y ecclesiasticament, y an de ser españols, y de bona rassa, y han de tenir molt bona veu, y ser bons cantors de
cantpla y tots, o almenys algun dells de cant de orga, de manera que encara que lo numero dells sie poch se
puguen los offices fer molt solemnement […]».
19
Carta de Estefania de Requesens a su hijo Lluís de Requesens y Zúñiga (22 de abril de 1549), Londres,
British Library, Ms. 16176, fol. 202, citado en Alcalá, 1998, 200.
20
ANC1-960-T-30, Lligall 31 («Excm. Sr. D. Juan de Zúñiga y de Avellaneda. Llevadores, capítulos
matrimoniales, cartas, etc.»), nº 17 («Cláusulas (impresas) del testamento de los Exmos. Sres. D. Juan de
Zúñiga y de Avellaneda y Dña. Estefania de Requesens. 16 Abril 1546»), contiene una copia parcial del
testamento de Lluís de Requesens que incluye las cláusulas relativas a la capilla.

36
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

diaria en honor de los patrones perpetuamente.21 Lluís, que murió el 5 de marzo de 1576
siendo gobernador de los Países Bajos, fue enterrado en la capilla del Palau junto a sus
padres. Fue su hija Mencía quien ordenó la construcción del órgano en 1600, contratando
al organero Josep Bordons:

El mismo don Francisco de Agullana [administrador de Mencía de Requesens] el año de 1600


mandò hazer el Organo de la capilla, por contrata con Miguel Notario, Carpintero, y Joseph
Bordons, organero en precio de Ducientos, y setenta libras por la hechura, y manos, dandoles la
Madera, y materiales, ante Alfonso Miguel Maynes notario.22

Cuando Mencía llegó a Barcelona el 12 de diciembre de 1602 en su ruta hacia


Nápoles, sería recibida en la capilla del Palau con música. Según el cronista Jeroni
Pujades (1569-1635), se cantó el Te Deum y, cuando Mencía escuchó el órgano, que ella
misma había ordenado construir dos años antes, dijo: «esto es nuevo».

[Mencía de Requesens] va a posar en su palacio que en tiempos antiguos se llamó «de la


Condesa». Antes de subir entrarían a la capilla y los capellanes la recibirían cantando el Te
Deum como patrona, y dicen que cuando escuchó el órgano dijo: «Esto es nuevo»; puesto
que no hace dos años que se hizo.23

Al día siguiente Mencía y su marido, acompañados por otros miembros de la nobleza,


asistieron a misa en la capilla del Palau. Pujades, que estuvo presente en el evento,
informaba de que tras la misa el capellán mayor anunció que Mencía quería oír una misa
cantada de la Concepción. El cronista indicaba que fue de lo mejor que él había
escuchado: la misa polifónica se cantó a dos coros, con un grupo de cantores con el
órgano y otro grupo situado en el coro:

[…] y se cantó misa de Concepción, la cual cantó el dicho capellán mayor, y en el coro se
cantó a canto de órgano toda la misa a dos coros, una capilla con el órgano que sonaba y la

21
ANC1-960-T-969, fol. 6r: «[Lluís] Mando hazer el Organo, y los retables, y pinturas de las otras tres
capillitas debajo de los Arcos, y que en ellas se hiziessen rejas de yerro, y todo lo demás necessario para el
decente ornato de la Yglesia, o Capilla [...] compro diferentes casas y sitios para hazer havitaciones contiguas
a las suyas, y a su Capilla, para los capellanes, y por razon de ellas les impuso la carga de cantar, o semitonar,
en el coro, las horas canonicas, y que entre todos Doze Capellanes, celebrassen perpetuamente vna missa mas
al dia, gratis por los Patronos». 

22
ANC1-960-T-969 («Libro mayor del patrimonio de nuestra señora de la Victoria y rentas de censos, juros,
y censales en que la dotaron los Exmos. Fundadores patronos de su capilla del Palau de Barcelona desde el
año de 1548 de su fundacion, y reedificacion a 1741, y en adelante»), fol. 6v.
23
Pujades, 1975-1976, I, 224: «[Mencía de Requesens] Anà a posar en son palau que de temps antic se diu de
la Comtessa. Ans de pujar entraren a la capella y los capellans la reberen cantant Te Deum com a patrona, y
diuen que com sentí lo horgue digué: Esto es nuevo, com és ver que no ha dos anys que és fet».

37
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

otra en el coro. Fue una de los mejores cosas que nunca haya oído. Mantenga Dios a tal
señora que hasta en eso ha mostrado ser catalana, ya que no hay nación más devota que esta
a la Inmaculada Concepción, como aparece en las Constituciones de Cataluña.24

Por tanto, como otras mujeres de la nobleza, Mencía utilizaba la música, en este caso
en la capilla del Palau, como un medio para expresar su religiosidad y su estatus social en
el contexto urbano. Ella y su marido fundaron misas cantadas en monasterios e iglesias,
como el monasterio franciscano y la iglesia de San Nicolás en Benavente (Zamora).25
Además, Mencía es la dedicataria de un libro devocional para «entretenimiento del alma
cristiana», publicado en 1590 por el franciscano Antonio Álvarez que, en su dedicatoria,
destacaba la devoción de Mencía por la orden franciscana (ÁLVAREZ, 1590, s. fol.
[dedicatoria]).
Las cuatro generaciones de mujeres Requesens del siglo XVI—Hipòlita, Estefania,
Jerònima y Mencía—desempeñaron un papel esencial en el mecenazgo musical de la
capilla del palacio. Al mismo tiempo, este espacio servía a los barceloneses para expresar
su devoción a través del sonido. En 1570 una bula papal otorgaba al altar mayor de la
capilla la distinción de «privilegiado», lo que significa que cada vez que se celebraba allí
una misa, un alma abandonaba el purgatorio, entre otras indulgencias para quienes
recibían la comunión en esa misa (MARCH, 1921, 32). Por esta razón, muchos
ciudadanos estipulaban la celebración de misas en la capilla del Palau de la Comtessa.
Las limosnas recogidas durante estos aniversarios se usaban para pagar otros aniversarios
en honor de las almas del purgatorio, celebrados a canto llano. La financiación de
celebraciones litúrgicas post-mortem con música para aliviar el sufrimiento del alma a su
paso por el purgatorio constituye una forma de mecenazgo musical llevada a cabo por
individuos de diferentes sectores socioeconómicos y totalmente aceptada desde el punto
de vista moral como actividad femenina. Esta modalidad de mecenazgo, que debió
contribuir enormemente a la configuración del paisaje sonoro urbano, ha pasado
inadvertida en la historiografía musical.

24
Pujades, 1975-1976, I, 224-225: «[…] y se cantà missà de Conseptione, la qual cantà lo dit capellà major, y
al cor se cantà a cant de horgue tota la missa a dos cors, la una capella ab lo orgue que sonava, y la altra al
cor. Fou una de les millors coses que jo may haya oyda. Mantinga Déu tal senyora que fins en assò ha mostrat
ser catalana que no hi ha nació més devota que aquesta a la Immaculada Conseptió com apar ab las
Constitutions de Catalunya».
25
Véase, por ejemplo, Toledo, Sección Nobleza del Archivo Histórico Nacional, Osuna, C.428, D.67, and
C.430, D.4-6.

38
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Debido al incremento de las celebraciones litúrgicas con motivo del reconocimiento


de la capilla como «altar privilegiado», y con la contribución que habían hecho su
esplendor los hijos de Estefania, se hizo necesario revisar las reglas de 1548, por lo que
en 1594 se elaboró un nuevo documento que ofrece información sobre la contribución de
la capilla del Palau al paisaje sonoro de Barcelona desde 1548 hasta finales de siglo,
siguiendo las estipulaciones de Estefania de Requesens.26 El documento, dividido en 31
capítulos, enfatiza, por ejemplo, que los oficios debían interpretarse muy lenta y
solemnemente, que los capellanes no podían cantar en otras iglesias—como en ocasiones
hacían los de más habilidad y mejores voces—y que ningún capellán podía ausentarse,
sobre todo cuando se cantase a canto de órgano:

[…] es cosa muy debida que en días solemnes y principales algunos de los capellanes que
estén en Barcelona no falten en la Capilla en dichos días, [ya] que se ha visto a muchos irse
a cantar pàssies u otras cosas en otras iglesias y ordinariamente suelen ser los de más
habilidad y mejor voz […]. Que ningún capellán falte en ningún día que se canta a canto de
órgano. 27

Las reglas también establecen el importe a pagar cuando se fundaba un aniversario


con polifonía—30 sous y 4 diners—y cuando se solicitaba uno a canto llano—18 sous y
10 diners.28 Los aniversarios eran en ocasiones fundados por los propios capellanes; por
ejemplo, el octavo capítulo de las reglas de 1594 está dedicado a las seis misas cantadas
fundadas por mossèn Montserrat Batalla, capellán de la capilla del Palau.29 El tercer hijo
de Estefania, Joan de Zúñiga y Requesens (1539-1586), Comendador Mayor de Castilla,
embajador en Roma y virrey de Nápoles, estipuló la celebración de dos procesiones
solemnes al año—una al amanecer del día de Pascua y otra en Corpus Christi o durante su
octava—que debían incluir ministriles y, si la capilla no tenía suficientes cantores de
polifonía para las procesiones, el maestro de canto debía traer cantores externos:

26
ANC1-960-T-789 («Lo orde y concert ab que la capella de nostra Señora del Palau de la Comtesa de la
ciutat de Barcelona se deu y ha de regir y governar»), fol. 139r-191r. Otra copia se encuentra en ANC1-960-
T-754.
27
ANC1-960-T-789, fol. 167v: «es molt deguda cosa que en dies solempnes, y principals algu dels capellans
que sien en Barcelona no falten en la Capella en dits dies que ses uist molts anarsen a cantar pasies o altres
cosas en altars Iglesias y ordinariament solen ser los demes habilitat y millor ueu […] que ningun Capella
falte en ningun dia se canta a cant de orga». La pàssia era un relato de la Pasión de Cristo recitado o cantado
en la Misa del Domingo de Ramos y también el Viernes Santo. Sobre la movilidad de las capillas
eclesiásticas de Barcelona en el siglo XVII, véase Pavia i Simó, 1986, 33-43.
28
ANC1-960-T-789, fol. 154r.
29
ANC1-960-T-789, fol. 154v.

39
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Y en dicha procesión ha de haber ministriles que asistan en ella y se les dé de salario veinte
reales cada vez conforme se acostumbra […]. Y si en la Capilla no hay suficiente número
de cantores de canto de órgano para solemnizar mucho las dichas procesiones, el maestro
de canto los procurará de fuera de la Capilla y se les dará lo que parezca al capellán mayor
a disposición y voluntad.30

Los oficios litúrgicos que precedían o seguían a las procesiones se cantarían en


polifonía con la intervención de los ministriles.31 La ruta de estas procesiones con
ministriles y cantores de polifonía abandonaba la capilla hacia la derecha por el actual
Carrer d’Ataülf y entraba al Palau de la Comtessa por la puerta principal, cruzando el
patio y saliendo por otra puerta. Después regresaba a la iglesia por el Carrer dels
Templers, a donde daban las casas de los capellanes.32 De este modo, la polifonía
interpretada por los cantores de la capilla y los ministriles entraba al espacio palaciego y
también se extendía a las calles de la ciudad.
Las reglas de 1594, recogen las numerosas ocasiones en que los capellanes tenían la
obligación de cantar polifonía e indican que el canto sería polifónico, además, en
cualquier ocasión que el capellán mayor considerase oportuna.33 Aunque se pensaba que
las primeras normas relativas a la posición de maestro de capilla eran las de 1704, donde
todavía se le denomina «maestro de canto» (ALCALÁ, 1998, 201), las reglas de 1594 ya
contenían dos capítulos (21 y 22) dedicados a las obligaciones del maestro de canto, que
incluían marcar el compás cuando se interpretaba polifonía, ensayar con el grupo de
cantores de polifonía tantas veces como fuera necesario, y comprobar que el repertorio se
cantaba de forma adecuada (Figura 4). Para las interpretaciones polifónicas se debía
buscar al menos a un tiple externo. Es difícil saber si la capilla no tenía tiples o si se está

30
ANC1-960-T-789, fol. 156v: «Y en dita professo han de hauer menestrils que asistencan en ella y sels done
de salari uint reals quiscuna uolta conforme ses acostumat […]. Y si en la Capella no y haura prou numero de
cantors de Cant de orga pera molt solempnisar les ditas profesons lo mestre de Cant ne procurara de defora la
Capella als quals se donara lo que parra el Capella major a disposisio y uoluntat». Los libros de cuentas de la
sacristía recogen estos pagos a los ministriles; véase, por ejemplo, ANC1-960-T-989 («Llibre de les dates y
rebudes per lo sacristà de la capella de Nª Sª del Palau de la comptessa», 1595-1596), s. fol.: «Item doni als
musichs uint reals per sonar en la profeso y al ofici 2 ll[iueres] [procesión del día de Pascua] […] Mes als
Menestrils uint reals 2ll[iures] [procesión del Corpus Christi]».
31
ANC1-960-T-789, fol. 157r.
32
ANC1-960-T-789, fol. 156v-157r: «La dita profeso ha de exir per lo portal majo de la dita Capella y
pendrer a ma dreta deues la porta principal del palau y entrant per dita porta ha de atreuesar tot lo pati del
palau y exir per la altra porta del dit palau pasara deuant la casa dels castells y sen tornará a la Capella per lo
carrer dit dels temples passant deuant les cases dels capellans de dita Capella, y tornara a entrar per lo mateix
portal major que será exida».
33
ANC1-960-T-789, fol. 159r: «En totes les festes, y vigilias elles ques done extraordinari distribusio se ha
de procurar de cantar a cant de orgue tot lo ques pugue en particular en les que se donen dos reals de
extraordinari que son mes solemnes».

40
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

aludiendo a un tipo particular de tiple, aunque parece ser una referencia a cantores adultos
más que a niños, por lo que podría tratarse de castrati (Gregori, 1993):

Bien claramente se ve lo forzoso que es que se procure al menos un tiple para cuando se
haya que cantar a canto de órgano al menos en las festividades y solemnidades grandes
como es la Semana Santa, los días en que se muestre la Vera Cruz, fiestas añales y los
demás días solemnes de esta iglesia. Y así procurará el capellán mayor por medio del
maestro de canto buscar un tiple, el más conveniente que se pueda encontrar y darle lo que
le parezca al capellán mayor […] pero todo lo que en ello se gastara en un año no excederá
las doce lliures.34

Figura 4 - Detalle de «Lo orde y concert ab que la capella de nostra Señora del Palau de la
Comtesa de la ciutat de Barcelona se deu y ha de regir y governar» (1594), Sant Cugat del
Vallès (Barcelona), Arxiu Nacional de Catalunya, ANC1-960-T-789, fol. 139r-191r, fol. 170v

El maestro de coro de la capilla del Palau a finales del siglo XVI e inicios del XVII se
ha identificado con el apenas conocido Mateo Llorens (ALCALÁ, 1998, 201-202). Una
versión a cuatro voces de O Crux, ave, en un estilo muy arcaico, atribuida a «Mateu
Lorens», se preserva en un libro de polifonía titulado Libro de los Responsorios de

34
ANC1-960-T-789, fol. 171r: «Ben clarament se ueu la força que es se procure al menys un tipble per totes
les ultes ques aura de cantar a cant de orgue al menys en les festiuitats, y solempnitats grans com es la
semmana santa dies ques mostre la vera Creu festes anyals y los demas dies solemnes desta Iglesia Y axi
procurara lo Capella major per medi del mestre de cant sercar un tiple lo mes conuenient que trabarse pugue y
donarli tot allo que li parra al capella major en demes segons la ocorrensa del cars pus empero tot lo que en
aço se gastara en un any no excedesca de dotze lliures».

41
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Pascua de Sant Miquel de Barcelona datado en 1561 y 1643, y conservado en el Centro


de Documentación de l'Orfeó Català (E-Boc 59). Este libro ha sido estudiado por el
musicólogo Bernat Cabré (2016a y 2016b), e incluye música de compositores como
Palestrina, Giammateo Asola, Pere Beuló, Joan Borgueres, Francesc Coll, Pedro Egidio
da Fontseca, Onofre Martínez, Cristóbal de Morales, Joan Pau Pujol y Pere Riquet.35
El verso O Crux (procedente del himno Vexilla Regis) era una de las piezas que debía
interpretarse con polifonía los días en que la cruz estaba expuesta, según las normas de la
capilla del Palau, por lo que esta pieza musical podría ser un ejemplo de la música
interpretada en la capilla del Palau a finales del siglo XVI. Un documento datado a 19 de
febrero de 1631 firmado por Luis Fajardo de Requesens y Zúñiga, marqués de Los Vélez
e hijo de Mencía de Requesens, confirma el nombramiento de Jaume Coll como el nuevo
«maestro de capilla» tras la muerte de «Mateu Llorens».36 Por tanto, es probable que
Llorens muriese en 1631 y que fuese el maestro de coro de la capilla del Palau hasta
entonces.
La aproximación al rol del Palau de la Comtessa en el paisaje sonoro de la Barcelona
del XVI a través de la perspectiva de la participación de las mujeres en la actividad
musical muestra que este espacio privado, a través de la música, se convertía en un
escenario en que las mujeres desarrollaban estrategias para exhibir su estatus social a
través de fiestas seculares en las salas y el patio del palacio, y mediante celebraciones
devocionales en la capilla. Dado su estatus de altar privilegio, y la importancia que la
religiosidad popular atribuía a las misas como medio para aliviar el sufrimiento del alma
en el purgatorio, la capilla del Palau era un importante espacio devocional en su entorno
urbano y un foco de música polifónica fuera de la catedral de Barcelona. Estefania de
Requesens estableció las primeras regulaciones conocidas de esta capilla en 1548 y animó
a su hijo a construir un órgano y continuar desarrollando su proyecto. Su nieta Mencía de
Requesens recibió formación musical, e incluso cuando estuvo fuera de Barcelona, se
responsabilizó de la continuación del proyecto de mejora de la capilla y materializó la
construcción de un nuevo órgano. Volviendo al principio de este ensayo, es imposible
saber en qué medida las descripciones de Lo Frasso de las actividades musicales del
Palau de la Comtessa y de la afición de Mencía por la música son ficticias, pero las pistas
que ofrecen los documentos archivísticos claramente sugieren que las prácticas musicales

35
Este libro de polifonía está siendo catalogado en la base de datos en línea y de libre acceso «Libros de
polifonía hispana» (http://hispanicpolyphony.eu).
36
ANC1-960-T-506, Lligall 517 («Capilla. Nombramientos de capellanes, Visita de la Capilla por el M. Iltre.
Sr. Abad de Cardona y el Sr. Arcipreste de Ager en 1711, y otros asuntos»).

42
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

del Palau descritas en la novela podrían, al menos indirectamente, haber reflejado el


cosmopolitismo de estas nobles catalanas y su importante contribución al paisaje sonoro
urbano desde sus propios espacios.

Bibliografia:
AHUMADA, Laia de (2004) - Hipòlita Roís de Liori (ca. 1479-1546). Madrid: Ediciones
del Orto.
AHUMADA, Laia de (2007) - Les dones Requesens a través del seu epistolari. Des
d'Estefania «glòria i honor de les dones» fins a Mencía «suprema dama catalana». En
El (re)descobriment de l'edat moderna: estudis en homenatge a Eulàlia Duran, ed.
Eulàlia Miralles y Josep Solervicens. Barcelona: L'Abadia de Montserrat-Universitat
de Barcelona, p. 63-81.
AHUMADA, Laia de (ed.) (2003) - Epistolaris d'Hipòlita Roís de Liori i d'Estefania de
Requesens (segle XVI). Valencia: Universitat de València.
ALCALÁ, César (1998) - El Palacio de la Condesa y su capilla musical. Revista de
Musicología. Madrid. Vol. , nº 1, p. 197-214.
ALENDA Y MIRA, Jerano (1903) - Relaciones de solemnidades y fiestas públicas de
España. Madrid: Sucesores de Rivadeneyra.
ÁLVAREZ, Antonio (1589) - Primera parte de la Sylua spiritual de varias
consideraciones, para entretenimiento del alma christiana. Salamanca: Iuan y Andrés
Renaut.
AMELANG, James S. (1986) - Honored Citizens of Barcelona: Patrician Culture and
Class Relations, 1490-1714. Princeton: Princeton University Press.
ANGLÈS, Higini (1944) - La Música en la Corte de Carlos V. Con la transcripción del
'Libro de Cifra Nueva para tecla, arpa y vihuela', de Luys Venegas de Henestrosa
(Alcalá de Henares, 1557). Barcelona: CSIC.
BORRÀS I FELIU, Antoni (1994) - La Guerra del francès a Catalunya, segons un
registre conservat a l'Arxiu del Palau Requesens. En Miscellània en honor del doctor
Casimir Martí. Barcelona: Fundació Vives i Casajuana, p. 143-55.
CABRÉ I CERCÓS, Bernat (2016a) - El manuscrit 59 del Centre de Documentació del
l'Orfeo Català. Nous repertoris, noves perspectives. Revista catalana de musicologia.
Barcelona. Vol. 9, p. 99-146.
CABRÉ I CERCÓS, Bernat (ed.) (2016b) - Himnes, motets i responsoris del manuscrit
59. Mestres Catalans Antics 8. Barcelona: Ficta.

43
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

CASTIGLIONE, Baldassarre (1528) - Il libro del Cortegiano. Venecia: Aldo Romano.


CERDA, Fray Juan de la (1599) - Libro intitvlado vida politica de todos los estados de
mugeres en el qual se dan muy prouechosos y christianos documentos y auisos, para
criarse y conseruarse deuidamente las mugeres en sus estados. Alcalá de Henares:
Iuan Gracián.
CLOPAS I BATLLE, Isidre (1971) - Luis de Requesens, el gran olvidado de Lepanto:
Lugarteniente de Don Juan de Austria y Gobernador de los Estados de Milán y de
Flandes. Martorell: Ayuntamiento.
DURAN, Eulàlia (1007) - El silenci eloqüent. Barcelona en la novel.la Los diez libros de
fortuna d’amor d’Antonio Lofrasso (1573). Llengua & Literatura. Vol. 8, p. 77-100.
FERNÁNDEZ-CORTÉS, Juan Pablo (2007) - La música en las casas de Osuna y
Benavente (1733-1882). Un estudio sobre el mecenazgo musical de la alta nobleza
española. Madrid: SEdeM.
FERNÁNDEZ-CORTÉS, Juan Pablo (2011) - Mujeres y música en la Casa ducal de
Osuna (siglos XVII-XIX): Coordenadas y documentos para un estudio. Madrid:
SEdeM.
GALIÑANES GALLÉN, Marta (2012) - Autobiografía e intertextualidad en Los diez
libros de Fortuna de Amor de A. de Lofrasso. Cuadernos de Aleph. Vol. 4, p. 75-92.
GALIÑANES GALLÉN, Marta (ed.) (2014) - Antonio de Lo Frasso, Los diez libros de
Fortuna de Amor. Roma: Aracne.
GÓMEZ FERNÁNDEZ, Lucía (2017) - Música, Nobleza y Mecenazgo. Los Duques de
Medina Sidonia en Sevilla y Sanlúcar de Barrameda (1445-1615). Cádiz: Universidad
de Cádiz.
GREGORI, Josep Maria (1991) - La controvertida preeminència musical de la Seu dins la
Barcelona de la segona meitat del segle XVI. Anuario musical. Vol. 46, p. 103-25.
GREGORI, Josep Maria (1993). Falsetistas y evirados: reflexiones sobre la tradición
tímbrica hispánica y las partes de cantus y altus en el tránsito del Renacimiento al
Barroco. Revista de Musicología. Madrid. Vol. XVI, nº 5, p. 2770-81.
GUISADO, Maite (1988) - Cartas íntimas d'una dama catalana del s. XVI. Epistolari a
la seva mare la comtessa de Palamós. Barcelona: la Sal.
KAMEN, Henry (1998) - Philip of Spain. New Haven y Londres: Yale University Press.
KNIGHTON, Tess; MAZUELA-ANGUITA, Ascensión (eds.) (2018) - Hearing the City:
Musical Experience as Portal to Urban Soundscapes. Turnhout: Brépols, 2018.

44
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

LO FRASSO, Antonio de (1573) - Los diez libros de fortuna d'amor. Barcelona: Pedro
Malo.
LÓPEZ TORRIJOS, Rosa; GARCÍA CIRUELOS, Rebeca (2012) - El palacio real menor
de Barcelona y su capilla. Reformas del siglo XVI. Anuario del Departamento de
Historia y Teoría del Arte. Vol. 24, p. 33-48.
MARCH, José María (1921) - La Real Capilla del Palau en la ciudad de Barcelona:
breve reseña. Barcelona: Residencia del Palau, de la Compañía de Jesús.
MARCH, José María (1941) — Niñez y juventud de Felipe II: documentos inéditos sobre
su educación civil, literaria y religiosa y su iniciación al gobierno (1527-1547).
Madrid: Ministerio de Asuntos Exteriores.
MARCH, José María (1943) - El Comendador Mayor de Castilla Don Luis de Requesens
en el Gobierno de Milán, 1571-1573. Madrid: Ministerio de Asuntos Exteriores
Relaciones Culturales.
MARÍN LÓPEZ, Javier (2017). - Música, nobleza y vida cotidiana en la Hispanoamérica
del siglo XVIII: hacia un replanteamiento. Acta Musicologica. Vol. 89, nº 2, p. 123-
144.
MAZUELA-ANGUITA, Ascensión (2012) — Women as Dedicatees of Artes de canto in
the Early-Modern Iberian World: Imposed Knowledge or Women’s Choice? Early
Music. Vol. 40, nº 2, p. 191-207.
MAZUELA-ANGUITA, Ascensión (2013) - Mujeres músicas y documentos de la
Inquisición: Isabel de Plazaola y la IV Duquesa del Infantado. Revista de Musicología.
Vol. 36, nº 1-2, p. 17-55.
MAZUELA-ANGUITA, Ascensión (2018) - Pushing Boundaries: Women, Sounding
Spaces, and Moral Discourse in Early Modern Spain Through the Experience of Ana
de Mendoza, Princess of Eboli (1540-92). Early Modern Women Journal. Vol. 13, nº
1, p. 5-29.
MOLAS RIBALTA, Pere (2009-10) - El Palau Menor de Barcelona, centre de sociabilitat
nobiliària. Butlletí de la Reial Acadèmia de Bones Lletres de Barcelona. Vol. 52, p.
203-16.
MONTEMAYOR, Jorge de (1554) - Las obras de George de Montemayor repartidas en
dos libros. Amberes: Iuan Steelsio.
PAVIA I SIMÓ, Josep (1989) - La música a la catedral de Barcelona, durant el segle
XVII. Barcelona: Fundació Salvador Vives Casajuana.

45
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

PÉREZ-TORIBIO, Montserrat (2011) - From Mother to Daughter: Educational Lineage


in the Correspondence between the Countess of Palamós and Estefania de Requesens.
En Women's Literacy in Early Modern Spain and the New World, ed. Anne J. Cruz y
Rosilie Hernández. Aldershot y Burlington: Routledge, p. 59-77.
PUJADES, Jeroni (1975-76) - Dietari de Jeroni Pujades, ed. Josep M. Casas Homs.
Barcelona: Fundació Salvador Vives Casajuana, 4 vols. 

RAMOS, Pilar (2009) - Musical Practice and Idleness: A Moral Controversy in
Renaissance Spain. Acta Musicologica. Vol. 81, p. 255-74.
RIFÉ I SANTALÓ, Jordi (2004) - La música al Palau de la Comtessa de Barcelona
durant el govern de l'arxiduc Carles d'Àustria a Catalunya (1705-1714). Revista
Catalana de Musicologia. Barcelona. Vol. 2, p. 131-43.
ROCA MUSSONS, Maria Asunción (1987-88) - La città di Barcelona, spazio bucolico-
cortese nel romanzo di Antonio de Lofrasso Los diez libros de fortuma d'Amor.
Boletín de la Real Academia de Buenas Letras de Barcelona. Barcelona. Vol. 40, p.
29-56.
ROS-FÁBREGAS, Emilio (2002) - The Cardona and Fernández de Córdoba Coats of
Arms in the Chigi Codex. Early Music History. Vol. 21, p. 223-258.
RUIZ JIMÉNEZ, Juan (2009) - Power and Musical Exchange: The Dukes of Medina
Sidonia in Renaissance Seville. Early Music. Vol. 37, nº 3, p. 401-415.
SANS I TRAVÉ, Josep Maria (1994-2007) - Dietaris de la Generalitat de Catalunya.
Barcelona: Generalitat de Catalunya, 10 vols.
SIMAL LÓPEZ, Mercedes; FERNÁNDEZ DEL HOYO, Manuel (2012) - Donna Mencía
de Requesens: dama catalana, contessa castigliana e viceregina napoletana. En Alla
corte Napoletana. Donne e potere dall’età aragonese al viceregno austriaco (1442-
1734), coord. Mirella Mafrici. Nápoles: Fridericiana Editrice Universitaria, p. 155-77.
SOUVIRON LÓPEZ, Begoña (1997) — La mujer en la ficción arcádica: Aproximación
al a novela pastoril española. Frankfurt-Madrid: Iberoamericana.
SUBIRÁ, José (1927) - La música en la Casa de Alba: estudios históricos y biográficos.
Madrid: Establ. Tip. Sucesores de Rivadeneyra.

46
O repertório das marionetas antigas: uma dramaturgia sonora
Christine Zurbach

Resumo:
O estudo do teatro de marionetas antigas de tradição popular, menor entre todas as formas
de teatro, pertenceu durante décadas ao domínio do antropólogo ou do historiador teatral,
e ocasionalmente, dos coleccionadores e museólogos, numa busca, difícil mas persistente,
das suas origens, da sua história, da sua autenticidade. Este olhar sobre a marioneta tem
prevalecido, muitas vezes em prejuízo do interesse do seu valor teatral, artístico e
cultural. Hoje, a conservação e transmissão da marioneta antiga para o público actual
encontrou um novo quadro de recepção, aberto às problemáticas patrimoniais, de
requalificação de formas situadas nas margens ou até fora da cultura erudita. Propomos
neste artigo abordar a partitura sonora do teatro de marionetas a partir de um estudo de
caso, com incidência nas marionetas tradicionais que integram a vida teatral
contemporânea portuguesa. Procuraremos descrever a dimensão dramatúrgica da
utilização da música que integra os espectáculos, e das vozes que os manipuladores, nas
suas falas, emprestam aos objectos-marionetas. Sublinharemos também a abundância de
sons que, com as vozes distorcidas dos personagens e a proliferação de ruídos – gritos,
pancadas, batimentos –, são constitutivos do espectáculo e definem o ritmo na
performance.
Palavras-chave: marionetas, vozes, música, ruído, dramaturgia

Abstract:

The study of the ancient puppet theater of the popular tradition, the minor of all forms of
theater, belonged for decades to the anthropologist or theatrical historian, and
occasionally to collectors and museologists, in a difficult but persistent search for their
origins, its history, its authenticity. This gaze on the puppet has prevailed, often to the
detriment of the interest of its theatrical, artistic and cultural value. Today, the
preservation and transmission of the old puppet to the current public, has found a new


O presente estudo insere-se no âmbito do projecto ALT20-03-0145-FEDER-028584 (PTDC/ART-
PER/28584/2017) – «PASEV: Patrimonialização da Paisagem Sonora em Évora (1540-1910)», financiado
por fundos nacionais através da FCT/MCTES e co-financiado pelo Fundo Europeu de desenvolvimento
Regional (FEDER) através do Compete 2020 – Programa Operacional Competividade e Internacionalização
(POCI).

Universidade de Évora / Centro de História da Arte e Investigação Artística
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

reception, open to the patrimonial problematic, of requalification of forms located in the


margins or even outside of erudite culture. We propose in this article to approach the
sound score of puppet theater based on a case study, focusing on traditional puppets that
integrate contemporary Portuguese theatrical life. We will try to describe the
dramaturgical dimension of the use of the music that is part of the spectacles, and of the
voices that the manipulators, in their lines, lend to the puppet-objects. We will also
emphasize the many other sounds that, with the distorted voices of the characters and the
proliferation of noises - screams, blows, beats - are constitutive of the show and define
the rhythm in performance.

Keywords: puppets, voices, music, noise, dramaturgy

Introdução

O presente artigo expõe hipóteses de exploração de novos caminhos no estudo do


espólio patrimonial e artístico do teatro de marionetas tradicionais dos Bonecos de Santo
Aleixo, acolhido em 1996 pela Linha de Teatro, Música e Musicologia do Centro de
História da Arte e Investigação Artística (CHAIA) da Universidade de Évora. Apresenta-
se no formato de um estudo programático prévio, com vista à construção de um projecto
de investigação sobre esse património artístico que visa dar continuidade a uma primeira
fase de investigação, já concluída (ver infra. 1.1), completando-a. Depois de ter procedido
ao levantamento e divulgação dos dados que caracterizam os Bonecos na sua dimensão
material enquanto objectos, marionetas e textos conservados, trata-se de abordar o nosso
objecto de estudo na sua identidade performativa, enquanto repertório de espectáculos
vivos, recebidos pelo público de teatro contemporâneo. Com essa finalidade, o espólio
será analisado na sua dimensão cinética e sonora. No presente texto apenas serão
esboçados os aspectos considerados mais relevantes na análise de uma forma teatral cuja
dramaturgia tece uma paisagem sonora com contornos peculiares.

1. Estado da arte

1. 1. A abordagem teatral dos Bonecos de Santo Aleixo

Até agora estudado pela antropologia (Abelho, 1973) ou a etnomusicologia


(Giacometti, 2000), o espólio dos Bonecos passou a interessar a investigação teatrológica
no contexto recente da sua abertura para novos campos temáticos e formais,
nomeadamente o do teatro de marionetas tradicionais e/ou contemporâneas. No caso

48
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

presente esse interesse concretizou-se no projecto intitulado «Os Bonecos de Santo


Aleixo no passado e no presente do teatro em Portugal», que beneficiou de um
financiamento autónomo de apoio à investigação científica, entre 2004 e 20081. A verba
concedida permitiu realizar e concluir uma primeira fase dos trabalhos programados,
constituída pela análise e interpretação do espólio subsistente. A divulgação dos
resultados foi feita em duas vertentes: por um lado, com a construção de um site –
Bonecos de Santo Aleixo – que disponibiliza informações sobre as marionetas e sobre o
retábulo, com fotografias e textos de apresentação no formato de um cadastro; por outro,
com a fixação, edição e publicação em livro dos textos do repertório preservado
(Zurbach, Ferreira & Seixas, 2007).
Composto por uma tipologia variada de peças, até então esse repertório tinha sido
apenas transmitido oralmente pelos próprios marionetistas, de família para família, com
algumas transcrições eruditas ocasionais, de parte do espólio 2 . Hoje, é apresentado
regularmente ao público, na forma em que foi transmitido e recebido nos anos 1980, por
novos actores marionetistas que escolheram preservar o seu formato artístico, nos seus
traços originais, sem variações que passassem por cortes deliberados ou acrescentos de
novas componentes. Estamos assim perante um trabalho de conservação que disponibiliza
para a investigação um objecto com grande interesse teatral, e também patrimonial.
O teatro dos Bonecos terá permanecido vivo ao longo do tempo por razões ligadas a
aspectos sociológicos e culturais transversais às características da recepção deste tipo de
objectos culturais, fortemente vinculados a práticas e comunidades locais ou regionais.
Mais recentemente, a sua conservação passou a ser associada aos principais valores que
conotam os objectos que podem aceder à qualidade de objecto do «património», a saber: a
sua antiguidade, a sua autenticidade e o seu valor estético ou artístico, de acordo com uma
percepção que resulta de um consenso intuitivo, não ratificado até hoje por um
reconhecimento institucional. Com efeito os Bonecos não integram actualmente qualquer
lista oficial de bens patrimoniais nacionais ou internacionais, e também não entraram no
universo da conservação museológica3.
Em termos teatrais, o principal objectivo da investigação em curso consiste na
apreciação crítica da recepção contemporânea deste exemplar vivo da herança teatral e
musical oriundo da cultura tradicional e popular em Portugal, e das inúmeras questões

1
POCI/EAT/60520/2004 «Os Bonecos de Santo Aleixo no passado e presente do teatro em Portugal» (2005-
2008).
2
O levantamento realizado pode ser consultado em Zurbach, Christine, 2017.
3
Sobre este tema, consultar Ferreira, 2015: 31-52.

49
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

que levanta. É precisamente o modo como integra, de forma plena e assumida, a vida e o
repertório teatral contemporâneo, enquanto prática artística vinculada a processos de
sobrevivência de formas do teatro popular tradicional, que define a particularidade deste
espólio e que determina a pertinência e o interesse do seu estudo.
Inicialmente, foi por se tratar do raro testemunho histórico de uma forma teatral com
origens prováveis na tradição portuguesa do teatro de marionetas do século XVIII ou
XIX4 que esse teatro dos Bonecos foi salvo da sua provável destruição ou dispersão. Tal
aconteceu no período de mudança política e cultural nascida do 25 de Abril de 1974, em
que sobressai um novo olhar sobre as manifestações da cultura não-erudita, associado a
novas leituras da sua identidade artística, acolhida por novos públicos e destinatários.
Assim, para a salvaguarda dos Bonecos contou-se com o empenho do Estado português
que apoiou a compra do conjunto do estojo – marionetas, retábulo e guitarra – ao último
proprietário, o Mestre Talhinhas, nos anos 1980 5 . António Talhinhas assegurou a
transmissão do repertório de peças e músicas para as mãos e as vozes de novos
marionetistas, alunos e actores do Centro Cultural de Évora, hoje Centro Dramático de
Évora (CENDREV). Passadas cerca de três décadas após a sua salvaguarda, com a sua
integração na programação do CENDREV, em espectáculos levados ao público pelos
novos depositários do espólio, que apresentam regularmente uma parte significativa do
repertório registado na fase de transmissão das obras, o teatro dos Bonecos de Santo
Aleixo ganhou novos públicos e um novo estatuto. Assim, o processo dessa nova
inscrição no panorama teatral e cultural nacional, num formato de museu «vivo», resultou
na valorização não apenas da sua dimensão patrimonial, mas também estética e teatral,
como ficou patente no discurso da crítica especializada no momento da sua nova
recepção.

1.2. A abordagem performativa dos Bonecos de Santo Aleixo

Na segunda fase do projecto, que se pretende desenvolver a fim de completar e


aprofundar o quadro dos conhecimentos sobre o nosso objecto de estudo, a pesquisa visa
abordar o repertório na sua dimensão performativa, com ressalva para a sua natureza oral
e sonora6. Nesse sentido, a análise será desdobrada entre dois campos de estudo distintos:
o campo visual e cinestésico, das imagens e do(s) movimento(s) em cena; o campo
sonoro, como materialização de uma forma teatral híbrida, em que a fronteira entre o

4
Cf. Passos, Alexandre, 1999:117; Zurbach, Christine, 2017.
5
Cf. Zurbach, Ferreira & Seixas, 2007:20.
6
O termo é utilizado para designar o conjunto das peças do espólio que são igualmente constitutivas de
programas de espectáculos (Zurbach, Ferreira & Seixas, 2007: 44-45)

50
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

falado e o cantado perde a sua nitidez (ver II, infra). Esse conjunto verbal compõe, na
performance dos textos das peças, o que podemos denominar paisagem sonora dos
espectáculos dos Bonecos de Santo Aleixo, à qual se junta a música instrumental,
articulada com a dança e a encenação. Essa junção é uma característica dos espectáculos
em estudo, como expressão de uma poética construída a partir de raízes tradicionais do
teatro às quais se foram integrando, ao longo do tempo, novos elementos originais.
Apesar de reconhecer a necessidade de ter que recorrer a uma abordagem
multidisciplinar de um objecto com a complexidade que caracteriza essa forma teatral, no
presente texto sinalizarei apenas as componentes sonoras do espólio que deverão
constituir o objecto central da nova etapa da nossa investigação.
O corpus de exemplos citados nesta breve exposição resulta do levantamento dos
dados relativos à voz, à música e aos sons referidos em didascálias e notas nas
transcrições dos textos 7 . Serão sinalizados também outros tópicos sonoros dos
espectáculos, que consistem nos sons ou ruídos produzidos pela presença dos
espectadores. Apesar de constituírem pistas imprescindíveis para uma leitura da recepção
actual do espólio, ainda não foram objecto de registo. Mas é certo que, nesta nova fase da
investigação, serão um contributo precioso enquanto parte integrante da representação e
traços próprios da linguagem desse género teatral, cujo modelo de comunicação é
propício à interacção entre cena e sala, nomeadamente pelo recurso ao improviso.
Esse corpus requer uma metodologia de análise adequada. De momento, admitindo
que o teatro de marionetas pertence, enquanto subgénero, ao campo artístico do teatro,
encontramos o nosso ponto de partida no modelo elaborado por Patrice Pavis para a
análise dos espectáculos (2003: 121-138). Hoje amplamente reconhecido pela sua eficácia
nos estudos de teatro, julgamos poder aplicá-lo com um risco reduzido de desvios graves
(ver infra) ao espectáculo de teatro de marionetas enquanto linguagem teatral com traços
específicos.
De facto, após um período relativamente recente em que permanecia remetido para um
plano secundário no conjunto das formas teatrais, o teatro de marionetas é lido por
Brunella Eruli como sendo «antes de mais teatro» (1997:37). Segundo a mesma
investigadora, representa um dos espaços mais interessantes na criação teatral
contemporânea pela sua abertura à experimentação.
Assim o entenderam desde logo as vanguardas do século XX que viram nele «um
reservatório, uma mina de técnicas, de possibilidades de fazer jogar uma intenção plástica

7
O levantamento foi feito a partir das transcrições publicadas em Zurbach, Ferreira & Seixas, 2007: 71-301.

51
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

com uma vontade de mudar radicalmente o teatro» (id.:38). O resultado visível hoje desse
reconhecimento é a omnipresença da marioneta em todas as cenas dedicadas ou não ao
teatro. Assim, desde a sua redefinição enquanto categoria teatral em meados do século
XX até hoje, a par com o surgimento do teatro de objecto, actores e marionetas partilham
idênticos questionamentos no campo mais alargado da arte contemporânea. Merece ser
citado aqui o número recente da revista Artpress2 que, sob a temática «La Marionnette
sur toutes les scènes» (2015) debate o diálogo entre artes plásticas e artes da marioneta e
fala de «dissémination d’un imaginaire marionnettique à travers les territoires de la
création et [des] processus de décomposition/recomposition de ses repères identitaires»
(Guidicelli & Plassard, id.: 9).
Nesse quadro, em que predomina a flutuação das fronteiras consagradas entre as artes,
será ainda possível definir uma especificidade do espectáculo de marionetas, da sua
dramaturgia e da sua recepção cénica?
Para esta pergunta encontramos uma resposta desafiadora na reputada revista Puck que
consagrou, em 2014, um número temático aos questionamentos filosóficos e estéticos
suscitados pela marioneta, que alimentam o que Plassard chama «scènes de l’
intranquillité» (id.: 11).
No plano ontológico, é um género teatral que, desde as origens, pela sua capacidade
para transgredir as fronteiras do que é representável, distinguindo-se nesses termos do
teatro de actores, permite aos criadores explorar os limites do humano e do não humano
na ficção teatral. Situando-se entre o real e o artificial, a marioneta define-se hoje como
objecto animado que, de forma algo irracional, vive do confronto entre o vivo, ou seja o
humano, e o inerte, a matéria sem vida, remetendo o espectador para a conhecida
impressão de inquietante estranheza descrita por Freud (John Bell, 2015). Uma
impressão que, apesar da afirmação moderna do pensamento racional, persiste nas formas
actuais da marioneta, que dão forma a uma interrogação reiterada nas artes hoje, sobre o
nosso poder real sobre o mundo material. Com efeito, se a essência do teatro de
marionetas está, de facto, na animação de objectos por humanos, também está no seu
corolário, a manipulação dos humanos como bonecos, por forças invisíveis. Recorde-se
aqui o teatro simbolista, que encontrou nesse tema uma fonte para uma estética e uma
dramaturgia exemplares que, como é o caso nas peças para marionetas de Maeterlinck ou
de Jarry, fazem parte hoje do repertório do teatro de actores.
No entanto, no plano estritamente teatral, perante a diversidade das práticas de teatro
actuais em que o teatro de marionetas e de actores convergem, cruzando os respectivos

52
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

códigos de representação, Brunella Eruli reconhece a dificuldade em encontrar uma


definição «absolutamente satisfatória» do teatro de marionetas, e esclarece: «Para mim,
actualmente, o teatro de marionetas é qualquer coisa que funciona dentro de um conjunto
de elementos (objectos, actores...) e é sobretudo uma certa relação entre estes diferentes
elementos» (o.c., ibid.) que, podemos acrescentar, se manifestam ao nível do espectáculo
em que se tornam actuantes.
É com o estudo dessa relação que procuraremos abordar, com a expectativa de alguma
eficácia, a complexidade do nosso objecto de estudo. Tendo em conta o trabalho
desenvolvido desde o início do projecto, o aprofundamento da análise da dramaturgia que
sustenta o espectáculo das marionetas dos Bonecos de Santo Aleixo deverá passar pelas
componentes que dão corpo à sua dimensão performativa, composta por elementos de
natureza cinética e sonora.

2. A dramaturgia sonora dos Bonecos de Santo Aleixo

2.1. Questões metodológicas

O estudo da paisagem sonora do espectáculo de marionetas - música, voz, sons ou


ruídos - apresenta algumas dificuldades metodológicas inerentes às características (que já
foram abordadas aqui), de um género em que elementos heterogéneos, uns imaginários e
outros concretos e materiais, se articulam na composição de uma partitura sonora
complexa.
Num dos raros textos publicados sobre os problemas da leitura do teatro de
marionetas, Robert Smythe8 faz a pergunta que não poderemos ignorar nesta nova etapa
do projecto: «How do we read a puppet show? Are we looking at the same thing when we
see Punch and Judy at a carnival or War Horse at Lincoln Center?», referindo a escassez
de guiões que possam ajudar o espectador ou o analista na leitura e na interpretação deste
tipo de espectáculo teatral.
No caso em análise aqui, o próprio levantamento dos elementos sonoros dos Bonecos,
sua descrição e identificação, e sua organização temática apontam para aspectos
específicos do género como veremos infra. Quanto à leitura e interpretação dos dados que
se pretende fazer, partirá do modelo teórico e metodológico de Patrice Pavis (2003)
baseado na semiologia teatral, que será utilizado a título experimental; a natureza
puramente convencional do teatro de marionetas obrigar-nos-á a adaptá-lo ao nosso
objecto de estudo. Por exemplo, se, no capítulo sobre «Os outros elementos materiais da

8
Robert Smythe, in Posner 2015: 255-267

53
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Representação» (id.: 118-184), em que trata o objecto, Pavis afirma: «Por objecto
entendemos tudo o que pode ser manipulado pelo actor» (id.: 174), no teatro de
marioneta, o objecto inerte torna-se animado, sujeito da acção cénica, sem todavia se
substituir ao actor. Nesse ponto, é interessante considerar o quadro de Pavis que descreve
a tipologia dos objectos no teatro, subdivididos entre objecto mostrado e objecto evocado,
imaginado. A marioneta, se não pode escapar à condição material dos objectos mostrados
no teatro, semelhante ao que o investigador designa como «objectos plenos» (id.: 177),
também é, pela sua presença animada em cena, o suporte fulcral de uma «experiência
estética vivenciada pelo espectador» (ibid.) distinta daquela suscitada pelo corpo do actor,
apesar de estar igualmente envolvido no conjunto dos componentes de uma encenação.
Do mesmo modo, as orientações que encontramos no modelo de Pavis para a análise
da «Voz, (da) Música, (do) Ritmo» (id.: 121-137) como componentes da actuação em
cena poderão ser consideradas. Note-se que são acompanhadas de um comentário que
também é um alerta para o nosso estudo de caso: «A análise da voz, do ritmo e da
temporalidade coloca os maiores problemas, e no entanto eles constituem muitas vezes os
traços indeléveis deixados nos espectadores, os que não se deixam medir ou localizar»
(id.: 137). A esta dificuldade acrescenta-se a exuberância expressiva deste tipo de
espectáculo, predominantemente realizado em espaços abertos, acessíveis a todos os
públicos, ao ar livre, ou num ambiente sonoro propício à partilha das vozes entre a
marioneta e o público, traduzida em risos, palmas, comentários, interpelações diversas
entre a cena e a sala, etc.

2. 2. Organização dos dados em análise

Numa primeira organização do corpus, dividimos a descrição da componente sonora


dos espectáculos dos Bonecos9 de forma sumária entre o recurso: 1) à voz humana, a do
marionetista; 2) à música tocada ao vivo na guitarra com diversas finalidades, associadas
ao canto e à dança; 3) aos sons ou ruídos inerentes à manipulação dos objectos ou a
particularidades da personagem ou da acção.

2.2.1. A(s) voz(es) dos Bonecos

Para enquadrar este primeiro tópico, o da voz nos Bonecos, reportamo-nos de novo à
especialista Brunella Eruli: «(...) uma das características da marioneta (é) essa relação
muito sedutora e muito fascinante entre um objecto inanimado e uma voz real» (1997:39),

9
Todos os dados relativos a essa componente do estudo que aparecem listados nesse ponto do artigo foram
recolhidos na edição dos textos transcritos onde são assinalados como didascálias. Ver em Zurbach, Ferreira
& Seixas, 2007.

54
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

ou seja, que sai de um corpo real, o do manipulador. Eruli atribui o fascínio exercido pela
marioneta ao «conjunto dum corpo real do marionetista fazendo uma unidade com o seu
boneco que (dá) todo um sentido, uma linguagem ao jogo» (ibid.). Para servir um
propósito dramatúrgico associado ao imaginário e à estranheza própria da animação de
um objecto como a marioneta, a voz humana até pode ser objecto de um tratamento
especifico como refere Brunella Eruli (2004: 68): «Pour s’adapter au corps imaginaire, la
voix de la marionnette doit avoir des sonorités particulières, imaginaires aussi (…).
Lorsqu’il joue le personnage de Polichinelle, le marionnettiste utilise la pratique10, qui
déforme sa voix».
Nos Bonecos, o recurso à voz falada e/ou cantada do marionetista inscreve-se na
enunciação dos diálogos entre as personagens nos seus papéis, actuando e interagindo na
acção cénica que estrutura os breves enredos das peças. Está igualmente presente nas
diversas modalidades do canto, individual e/ou coral, frequentemente num formato
híbrido, entre o recitativo e a melopeia, o texto falado e o texto cantado (Giacometti, o.c.).
Mas também anima a vocalização de sons diversos, como veremos a seguir.
No Auto da Criação do Mundo, a peça do espólio que mais se aproxima do modelo
canónico do género teatral – neste caso específico da tradição popular do teatro medieval
religioso -, as didascálias registadas com indicações sobre o uso da voz são muito
numerosas e conferem às personagens um naturalismo que lhes dá uma dimensão
humana, com diversos matizes : solene e grave ; rápido e grave ; falsete ; elocução um
pouco cantada e em falsete ; voz surda ; fanhosa ; soturna ; voz quase surda ; solene e
pausado ; aflautada para a personagem do « Pretinho » do final da peça. Também são
referidos gritos, gemidos (os do freguês moribundo no Passo do Barbeiro), e o riso, o
choro e o choramingar ; gritos nas altercações no jogo de cartas entre Caim e os diabos;
onomatopeias como : Tchu tchu ; cru-cru-qui-qui, no Auto do Nascimento e Che-che-che
do pastor do Baile dos Cágados.
Do mesmo modo, no desfile dos animais criados por Deus no Auto da Criação do
Mundo, cada aparição da marioneta correspondente é ilustrada pelos sons produzidos por
imitação pelo marionetista, suscitando um efeito cómico: relinchar do cavalo; grunhir do
porco; ladrar do cão; balir da ovelha (bé-bé); grasnar do corvo (crá-crá); arrulhar do
pombo (trruuu); mugir do boi (muuuuu); assobiar ou silvar da serpente.

10
Objecto denominado palheta «que se coloca dentro da boca, utilizado pelos marionetistas do teatro
tradicional de marionetas de Portugal e da Europa ocidental para amplificar e caracterizar a voz da
personagem principal (Gil, 2013: 217).

55
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

A voz é essencial na comunicação directa com o público, assegurada pelo Mestre


Salas, nas cenas executadas a pedido do público que, sem quebrarem a convenção do
objecto que fala, abrem um espaço de cumplicidade entre os actores e a assistência. Os
dados históricos sobre esse repertório revelam a importância crescente deste momento
dos espectáculos como espaço de sátira ou de crítica social.

2. 2.2. A partitura musical dos Bonecos

Além da partitura vocal associada às acções em cena, o recurso à música no teatro de


marionetas dos Bonecos de Santo Aleixo, é de tal importância para a dramaturgia dos
espectáculos que Michel Giacometti as comparou com «peças do teatro musical, na linha
dos antigos Mistérios, Loas e Vilancicos» (o.c.) (2000) num estudo pioneiro que o
etnomusicólogo realizou com Fernando Lopes Graça entre 1965 e 1968. Fundamental
para a leitura da dramaturgia sonora dos Bonecos de Santo Aleixo, esse estudo erudito foi
objecto de uma divulgação discográfica que contém notas dos dois investigadores e o
registo de «uma representação no Monte da Granja (Estremoz), em 11 de Novembro de
1967, de que se tentou preservar, na medida do possível, o clima e o ritmo próprio» (o.c.),
ou seja o modo como se manifestou a relação com o público e sua participação. Contém a
Introdução instrumental da representação, tocada à guitarra pelo guitarrista Manuel
Jaleco, do Auto da Criação do Mundo, do Auto do Nascimento do Menino Jesus, de um
intermédio musical, de um baile mandado, do Passo do Barbeiro e de músicas e canções
de bailes populares interpretadas pelas marionetas. Mas segundo os autores, a divulgação
do material recolhido, promovida em 2000 pelo Ministério da Cultura, é apenas parcial:
«Esta edição (não esgota) ainda todo o material recolhido (...) junto dos títeres11 de Rio de
Moinhos e de numerosos testemunhos do passado e do presente da vida destes
extraordinários bonecos de pau» (Giacometti, o.c.).
No plano instrumental, além do tambor tocado para anunciar o início da representação,
do apito usado no levantar do pano e, no Passo do Barbeiro, da imitação cómica, pela voz
dos actores, do toque dos cornetins indicando a chegada da tropa, os espectáculos dos
Bonecos incluem a execução na «guitarra com cordas de arame» de toda a música
inserida em determinados momentos.
Segundo a leitura informada do musicólogo, a partitura instrumental dos Bonecos de
Santo Aleixo resulta de uma conjugação de música culta e de música popular, «tendendo
contudo a música culta a ceder progressivamente o passo à música popular, esta vindo por

11
O termo designa os membros da «família» de marionetistas do Mestre António Talhinhas que desde
1940 até essa data asseguravam os espectáculos.

56
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

fim, a limitar a sua contribuição a um muito reduzido número de trechos sem afinidade
essencial entre si» (o.c.). É o caso para o Baile dos Anjinhos, que segundo Giacometti
«oferece reminiscência da música violística e cravística clássica da Península» (o.c.), com
o coro que «consiste numa espécie de melopeia largamente escandida sobre uma sorte de
ostinato em acordes rasgueados da guitarra» (...) com «sistemáticos desencontros
harmónicos entre o instrumento e as vozes, e a queda falada destas no fim de certos
incisos» (o.c.).
Nesse teatro, a música vai de par com a dança presente na solenidade pausada do
Baile dos Anjinhos, no fandango do barbeiro, nas danças regionais das saiadas
(contradança; dança no balhinho), na dança frenética dos diabos no Inferno. Deverá
também ser estudado a constante marcação do compasso pelo som dos pés das marionetas
no tablado ou dos marionetistas montados em cima das caixas do estojo, em bastidores. O
canto, a uma voz ou em coro, é um aspecto essencial desta dramaturgia sonora. Surge nos
quadros dos Autos com assuntos religiosos, como o canto dos pastores na visita do
Presépio, o canto do anjo-mestre do Baile dos Anjinhos e a partitura do Auto da Paixão,
de difícil execução e raramente representado hoje.
Algumas didascálias reflectem a importância da categorização das passagens cantadas
ou ritmadas segundo normas preestabelecidas, cuja diversidade tipológica é bem visível
nas didascálias: coro, cantado ou falado sem acompanhamento; como melopeia recitada
ou meio recitada, meio cantada; recitado; cantarolando. Também aparecem formas
profanas do canto, de tradição popular: o fado corrido e a saiada.

2. 2.3. Os ruídos e os sons dos Bonecos

Além da voz e da música, a marioneta dos Bonecos de Santo Aleixo é geradora de um


vasto repertório de ruídos e de sons12, desde o apito que assinala o levantar do pano de
boca aos chocalhos das ovelhas no Auto do Nascimento do Menino, e no Sermão do
Padre Chancas. No Auto da Criação do Mundo é insistente a percepção sonora da
presença e do jogo ritmado dos próprios marionetistas em bastidores: com ruídos como
bater com o pé na caixa, ou com falas atiradas como apartes dos bastidores. Nas
passagens em que o padre Chancas, regressando à sua natureza de matéria inerte, é
manipulado como um verdadeiro objecto atirado de encontro às tábuas, ou a quem se bate
na cara ou na cabeça com a bordoa (sic), a pancada é o som dominante. Brunella Eruli
recorda que:

12
O repertório listado aqui foi recolhido a partir da transcrição dos textos publicados em Zurbach, Ferreira &
Seixas, 2007: 71-301.

57
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Dans le théâtre de marionnettes, on fait beaucoup de bruits : frottements de corps entre eux,
coups de bâton, têtes qui se cognent entre elles ou contre le bois du castelet, coups de talons
sur le plancher ou bruit des ferrailles en laiton qui se heurtent sur la scène (Eruli, 2004 :68).

O som do embate da enxada de Adão com a « terra dura » é ritmado com batimentos
surdos dos pés pelos marionetistas, acompanhado pelos suspiros da personagem,
concentrando-se assim no recurso a um adereço a poética da cena da sua punição após a
expulsão do Paraíso.
Deus também é fonte de sonoridades que o tornam reconhecível: uma chegada
estrondosa, seguida de um silêncio em que se ouvem os seus passos no tablado; o sopro
que dá vida a Adão e à Eva (bafeja-os). Esse último ruído entra na lista de sons
associados a manifestações corporais: flatulências, ruído da mastigação ou de quem está a
beber. Também aparecem arrotos, manifestações do vomitar, ou ainda o beijar ruidoso do
Menino pelo pastor. Alguns adereços – os objectos verdadeiros do teatro citados supra –
também eles incorporam manifestações sonoras que os integram na linguagem própria da
marioneta: o pez dos efeitos especiais que explode ou o estoiro do foguete ou de uma
bombinha.

Conclusão

Assinalou-se supra que o estudo deverá incluir os sons do espectáculo que envolvem a
assistência, como o testemunhou e descreveu Michel Giacometti: «gritos; palmas;
assobios; disputas; comentários ásperos ou azedos» (2000) e que derivam da situação de
comunicação proporcionada pelo tipo de teatro dos Bonecos enquanto forma de teatro
dito popular. De facto, a mudança do quadro de recepção que resulta do processo de
transmissão realizado nos anos 1980 (já evocado anteriormente), leva-nos
necessariamente a reflectir sobre esse ponto, em articulação com o objectivo principal do
projecto que, como foi dito, opta pela problemática da recepção contemporânea desta
forma antiga de teatro, em articulação com o importante debate actual em torno do
património. Nesse quadro, investigar a dramaturgia sonora do teatro de marionetas dos
Bonecos de Santo Aleixo, centrando a nossa abordagem crítica na forma como a sua
conservação se manifesta na sua recepção hoje, representará uma via promissora de
aprofundamento do conhecimento de um objecto que deixou de ser marginal no plano
cultural, e que merece o reconhecimento pela academia do seu inquestionável valor
investigativo.

58
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Bibliografia:
ABELHO, Azinhal (1973). Teatro Popular Português, vol VI. Braga: ed. Pax.
BELL, John (2015). «Playing with the Eternal Uncanny: The Persistent Life of Lifeless
Objects». In Posner, 43-52.
ERULI, Brunella (1997). Leitura crítica do teatro de marionetas (sobre o trabalho de
Stephen Mottram e Paolo Comentale). Adágio, 19, 37-46.
ERULI, Brunella (2012). «The use of puppetry and the theatre of objects in the
performing arts of today». In Frances, 141-144.
ERULI, Brunella (2004). «La marionnette: paroles, bruits, musique». Adágio, 38/39, 66-
70.
FERREIRA, José Alberto (2015). Da Vida das marionetas. Ensaios sobre os Bonecos de
Santo Aleixo. Lajes do Pico: Companhia das Ilhas.
FRANCIS, Penny (2012). Puppetry. A Reader in Theatre Practice. New York: Palgrave.
GIACOMETTI, Michel & Fernando Lopes Graça (2000). Bonecos de Santo Aleixo, vol.1.
s/l.: Strauss.
GIACOMETTI, Michel & Fernando Lopes Graça (2000). Bonecos de Santo Aleixo, vol.2.
s/l.: Strauss.
GIL, José (2013). Teatro Dom Roberto. O teatro tradicional itinerante português de
marionetas. O Saloio de Alcobaça e os novos Palheta. Lisboa: Museu da
Marioneta/EGEAC.
GUIDICELLI, Carole & Didier Plassard (2015). «Introduction». Artpress2, 38.
La Marionnette sur toutes les scènes.
LIBERT, Philippe (1997). Caminhos cruzados: voz, movimento, marionetas. Adágio,
19, 21.
MCCORMICK, John (1997). A voz da marioneta. Adágio, 19, 21.
PAVIS, Patrice (2003 [1996]. A Análise dos espectáculos. SP: Editora Perspectiva.
POSNER, Dassia (Orenstein C. & Belle, J.) (2015 [2014]. The Routledge Companion to
Puppetry and Material Performance. London and New York: Routledge.
PUCK (2014). Humain Non humain. nº 20. Charleville-Mézières/Lavérune: Editions
L’Entretemps/Editions de l’Institut Internacional de la Marionnette.
Théâtre/Public (2009). La Marionnette? Traditions, croisements, décloisonnements. Paris:
Éditions theâtrales.

59
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

ZURBACH, Christine (2017). Le répertoire du théâtre de marionnettes au Portugal. Le


cas des Bonecos de Santo Aleixo, in La máquina real y el teatro de títeres de
repertorio en Europa y América, F. Cornejo (ed.). p. 99-111.
ZURBACH, Christine. (2011). A Dramaturgia do teatro de marionetas hoje: modos de
fazer e modos de ver. Móin-Móin, 02, 111-124.
ZURBACH, Christine (com Ferreira, J. A. & Seixas, P.) (2007). Autos, Passos e
Bailinhos: os textos dos Bonecos de Santo Aleixo. Évora: Casa do Sul.

60
El paisaje sonoro de Sevilla durante la dictadura de Primo de Rivera (1923-1930).
Espacios, instituciones y redes musicales
Olimpia García López

Resumen:

La presente investigación se centra en la vida musical de la ciudad de Sevilla durante la


Dictadura de Miguel Primo de Rivera (1923-1930). El principal objetivo es ofrecer una
primera aproximación al mapa sonoro de la capital andaluza, profundizando en cuatro
tipologías de espacio con presencia musical: los teatros, los salones, los templos y la
calle. De esta forma, este texto presta atención no solo a los acontecimientos musicales
que se celebraron en la ciudad, sino también a las instituciones y personalidades que
contribuyeron a que estos tuvieran lugar. Por tanto, se hace necesario el estudio de estos
elementos tanto de forma aislada, como integrados en los complejos lazos y redes que
conforman el entramado musical de la urbe. Principalmente, este acercamiento se
realizará a través de la prensa local de carácter general. No obstante, la rica información
proporcionada por los periódicos sevillanos ha sido completada con datos procedentes de
otras fuentes archivísticas, tales como los programas de concierto o los epistolarios
conservados en el Archivo Manuel de Falla de Granada y el Archivo ERESBIL de
Rentería (Guipúzcoa).

Palavras claves: paisajes sonoros, mapa sonoro, música, Sevilla, Andalucía, Dictadura de
Primo de Rivera

Abstract:

This research focuses on the musical life of the city of Seville during the Dictatorship of
Miguel Primo de Rivera (1923-1930). The purpose of this study is to offer a first
approach to the sound map of the Andalusian capital, delving into four typologies of
musical spaces: theaters, salons, temples and the street. In this way, this paper projects
not only to expose the musical manifestation developed in these spaces, but also to


Universidad de Cádiz (España; Adjudicataria de una ayuda para contratos predoctorales de FPU-MECD
desde septiembre de 2015.
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

inquire into the institutions and personalities that contributed to these taking place.
Therefore, it is necessary to study these elements both in isolation, and integrated into the
complex networks that compose the musical framework of the city. Fundamentally, this
approach draws upon mostly daily newspapers published in Seville at the time. However,
the rich information provided by the press has been completed with data from other
archival sources, such as the concert programs or the collection of letters conserved in the
Manuel de Falla Archive (Granada) and the ERESBIL Archive (Rentería, Guipúzcoa).

Keywords: soundscapes, sound map, music, Seville, Andalusia, Dictatorship of Primo de


Rivera

1. Introducción
Desde que, a raíz de las investigaciones desarrolladas en la década de 1960, Raymond
Murray Schafer introdujera la noción de soundscape, este concepto se ha convertido en
un cruce de caminos en el que convergen distintas disciplinas interesadas en el hecho
musical. Por tanto, la utilización y las aplicaciones de este término han sido diversas en
función de los intereses de la investigación1. Algunos estudiosos, desde una óptica más
acústica que musical, se han centrado en el ruido y su función semiótica (GARRIOCH,
2002). Sin embargo, el presente estudio sigue la estela iniciada por Strohm (1990), quien,
en su monografía sobre la vida musical de la ciudad de Brujas, adaptó la idea de paisaje
sonoro a la musicología urbana.
En los últimos años, varios han sido los esfuerzos que la musicología ibérica viene
realizando por analizar el papel de la música en las ciudades desde una perspectiva
contextual amplia, entendiéndola como una actividad social, política y económica,
además de artística2. Sin embargo, hasta la fecha, los estudios sobre la música en Sevilla
durante el siglo XX han seguido planteamientos tradicionales, que toman un compositor,
una institución o un género como objeto de estudio3. Este tipo de enfoques ha impedido
ofrecer una descripción de la vida musical conectada con el ambiente urbano ya que, por

1
Sobre el concepto de soundscape, véase Schafer (1977) y para una discusión metodológica reciente sobre el
término y sus aplicaciones, cfr. Samuels et al. (2010).
2
Pueden destacarse las aportaciones de: Marín, 2002; Bombi, Carreras y Marín, 2005; Bejarano, 2015; y
Knighton y Mazuela-Anguita, 2018.
3
Existen estudios sobre: Joaquín Turina (Sánchez Pedrote, 1982; Pérez Gutiérrez, 1982; Colón, 1986; Morán,
1997), Manuel de Falla y su Orquesta Bética de Cámara (González Barba-Capote, 2015; 2017), Luis Leandro
Mariani (Ruíz Carbayo, 2009; 2012; 2013), Eduardo Torres (Elizondo, 2008), Norberto Almandoz (García
López, 2015; 2016), el Ateneo (Sánchez Gómez, 2004), la Sociedad Sevillana de Conciertos (Pérez
Zalduondo, 1996; 1997; 2001; Delgado, 2015; García López, en prensa), la Sociedad Económica de Amigos
del País (Cansino, 2011) y la música de cofradías (Otero, 1997; Carmona, 1993; Castroviejo, 2016).

62
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

un lado, estudian estos elementos sin hacerlos dialogar con su entorno, y, por otro, porque
ignoran a personas, entidades o manifestaciones musicales consideradas «menores» o sin
importancia. Por tanto, la presente investigación se centra en la ciudad en su conjunto,
prestando atención no solo a los acontecimientos musicales que tienen lugar en ella, sino
a las interacciones del tejido urbano con las estructuras sociales, políticas, económicas,
culturales y artísticas. De esta forma, la capital andaluza se convierte, como ya apuntara
Marín (2014, 15), en un actor «que configura y moldea la propia actividad musical»,
pasando «de ser un mero continente a ser parte del contenido».
Además de relacionarse con la historia y la musicología urbana, esta investigación
presenta puntos de conexión con distintas corrientes historiográficas desde las que se
puede abordar el hecho musical. Por un lado, entronca con la historia cultural y social,
puesto que se aproxima al fenómeno musical como cultura y estudia las manifestaciones
artísticas protagonizadas y presenciadas por las distintas capas sociales, interesándose no
solo por las élites, sino también por el pueblo, y dando a conocer tanto grandes eventos en
espacios aristocráticos y burgueses como las actividades musicales cotidianas. Por otro
lado, se vincula con la historia local y la microhistoria, dado que la escala de observación
se reduce a la ciudad hispalense, permitiendo el análisis de personajes y episodios que
hasta el momento habían sido marginados o habían pasado inadvertidos.
El principal objetivo de este estudio es elaborar un mapa de los espacios urbanos que
ocupaban las instituciones y los músicos en la capital andaluza durante la Dictadura de
Primo de Rivera a través de la herramienta My Maps de Google. Esta aplicación permite
analizar los focos de actividad musical existentes en la ciudad en aquellos años,
identificar sus proximidades y distancias, y conocer sus interacciones4.
Para conseguir cartografiar el mayor número posible de elementos implicados en el
hecho musical se han consultado distintas tipologías de fuentes. En primer lugar, la
prensa publicada en la capital andaluza entre 1923 y 1930, habiéndose manejado un total
de 9.560 noticias de interés musical procedentes de los diarios El Liberal, El Noticiero
Sevillano, La Unión y el ABC de Sevilla. La rica información proporcionada por estos
periódicos ha sido contrastrada con otros documentos −actas institucionales,
correspondencia privada, programas de concierto o partituras− conservados en archivos
municipales, eclesiásticos, musicales y de distintas instituciones locales5. Especialmente

4
El mapa sonoro de la ciudad de Sevilla durante la Dictadura de Primo de Rivera puede consultarse en:
https://drive.google.com/open?id=1xzfM4gyRO2spBA6nLYljLhlpfrI&usp=sharing.
5
Han sido especialmente útiles los fondos de la Catedral de Sevilla, el Ateneo de Sevilla, la Real Sociedad
Económica Sevillana de Amigos del País, la Universidad de Sevilla, el Archivo Municipal de Sevilla, el

63
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

útiles han sido también −tanto para conocer la cronología y localización de los espacios e
instituciones, como los estratos sociales de sus directivos, asistentes y/o asociados− las
guías que anualmente publicaba Vicente Gómez-Zarzuela, quien, además, por su
condición de profesor de historia de la música en la academia de la Sociedad Económica
de Amigos del País, suponemos que debió conceder gran importancia al hecho musical.
Dado el arsenal de información proporcionado por las fuentes hemerográficas
empleado para la elaboración del mapa sonoro de Sevilla, este trabajo entronca con las
indagaciones que, partiendo de las pioneras aportaciones de Torres (1991) y Sobrino
(1993), consideran la prensa como una fuente con rigor científico para la investigación
musical. Los documentos hemerográficos constituyen un material enormemente útil para
penetrar en la vida musical de cualquier época y lugar, ya que, como apuntara Vargas
(2013, 11), las publicaciones periódicas ofrecen vías para conocer la realidad musical:

tanto en sus aspectos centrales −la música y los músicos− como en otras cuestiones
«periféricas» pero esenciales al hecho musical, como la evolución del gusto y la recepción
del repertorio por parte del público, las ideas esteticas imperantes, [...] los espacios y
ambientes musicales urbanos o las polémicas musicales surgidas.

Esto ha llevado a esta investigadora (2013, 12) a reivindicar la necesidad de exhumar


los fondos hemerográficos, augurando que, tras este proceso, «el panorama de la música
española podría cambiar sustacialmente». De hecho, en la última década se ha venido
observando un mayor interés en los estudios sobre música en rotativos de ámbito local o
regional, centrados generalmente en la vida musical de diferentes núcleos españoles o en
el análisis de determinados periódicos, entre los que conviene subrayar el destacado lugar
que ocupan los dedicados a Andalucía6.

2. La ciudad de Sevilla durante la dictadura de Primo de Rivera

En la noche del 12 al 13 de septiembre de 1923, Miguel Primo de Rivera, capitán


general de Cataluña, encabezó un pronunciamiento militar en la Capitanía General de
Barcelona que dio lugar a la instauración de una Dictadura que duraría hasta el 28 de

Archivo Vasco de la Música ERESBIL (Rentería, Guipúzcoa), el Archivo Manuel de Falla (Granada) y la
Biblioteca Nacional de España (Madrid), el Archivo y Biblioteca Santuario de Loyola (Guipúzcoa), el
Archivo-Biblioteca del Real Colegio Seminario de Corpus Christi (Valencia), el Centro de Documentación y
el Archivo de la SGAE (Madrid) y la Fundación Juan March (Madrid).
6
Existen trabajos sobre vida musical en localidades o provincias de: Almería (Calvo, 2017), Córdoba (Ortiz,
2010), Granada (Vargas, 2013), Huelva (García Gallardo, 2010), Jaén (Sánchez López, 2014; Díaz Olaya,
2012) y Málaga (Ruíz Jurado, 2016). Por otra parte, se han confeccionado también estudios sobre periódicos
como El Álbum Granadino (Vargas, 2005), El Orfeo Andaluz (Méndez, 2015), El Defensor de Granada
(Laguna, 2012) y El Guadalquivirde Andújar (Pérez Colodrero, 2017).

64
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

enero de 1930. Atrás quedaba una de las etapas políticas más extensas de la historia de
España: la Restauración, y con ella se desvanecía también la alternancia pacífica entre
conservadores y liberales que había caracterizado políticamente este periodo.
En líneas generales, el golpe de Estado fue bien recibido por la prensa y la opinión
pública sevillanas, que vieron en el nuevo régimen una oportunidad para acabar con el
caciquismo, la corrupción y el desorden público. Una de las primeras medidas de Primo
de Rivera fue cesar a los gobernadores civiles de todas las provincias y sustituirlos por los
respectivos gobernadores militares. Siguiendo esta disposición, el gobernador civil de
Sevilla fue depuesto por el gobernador militar, Francisco Perales Vallejo, que hizo
públicas sus intenciones de implantar en la provincia el lema de «orden, moralidad y
justicia» (ÁLVAREZ, 1987, 68-71).
Como parte de su campaña de moralización de las costumbres, Perales ordenó algunas
medidas que afectaron directamente a la vida musical de la ciudad, como la finalización
de los espectáculos teatrales a la una de la madrugada y la clausura de todos los
establecimientos (cafés, cervecerías, bares, cabarets, etc.) una hora más tarde7. Mientras
que algunos periódicos aplaudieron entusiásticamente esta iniciativa, El Liberal advirtió
del gran perjuicio económico que provocaría a gran número de empresarios y
trabajadores, entre los cuales citaba a los músicos:

Los músicos. Las distintas orquestas, bandas y orquestinas que amenizan los bailes, suman
más de cincuenta hombres, acaso lleguen a cien, que combinan buenos sueldos cuando su
trabajo dura hasta las cinco, y que ahora baja o se reducen los músicos por no poder el
dueño del negocio subvenir a los gastos.
¿Tiene derecho a la vida todos esos hombres? Sin mojigaterías de los que luego son los
primeros en marcarse un chotis, ¿tienen razón a quejarse esas familias? [...] ¿Que
protestamos de la orden de cierre? No, señores. Lo que hacemos es recoger el clamor de
centenares de ciudadanos que se verán en la indigencia de seguir las cosas como van...
Sevilla no es Cuenca, ni Soria, ni Ávila, ni Guadalajara, ni Tarragona, ni Huesca. ¡Sevilla
es Sevilla! ¡Es mucha Sevilla! Y como en Madrid y otras grandes poblaciones parece que
no se rige esta medida, estimamos que Sevilla debiera gozar de igual privilegio, si esto
significa privilegio8.

Al igual que este diario, los administradores de varias salas de diversiones públicas
solicitaron por escrito a Primo de Rivera que cesaran dichas disposiciones o, al menos,
que se aplicaran en Sevilla los mismos criterios que en otras ciudades como Madrid o
Barcelona, petición que fue denegada (ÁLVAREZ, 1987, 70-71).

7
ANÓNIMO (19/09/1923) - Gobierno civil. El general habla poco pero muy claro. El Liberal, p. 1.
8
ANÓNIMO (21/09/1923) - Cierre a las dos. Un ramillete de quejas. El Liberal, p. 2.

65
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Siguiendo la orden de disolución de los Ayuntamientos promulgada por Primo de


Rivera, en octubre de 1923, se constituyó en Sevilla una nueva corporación, cuya alcaldía
fue ocupada por Agustín Vázquez Armero, conocido terrateniente que ya había ejercido
este cargo de 1917 a 1918. Esta desginación suponía, por tanto, una vuelta a la vieja
política que supuestamente la Dictadura pretendía erradicar. En 1924, tanto la
constitución de una nueva Diputación Provincial como la renovación del Ayuntamiento
fueron aprovechadas para permitir el acceso en estas instituciones de los elementos que
habían apoyado al régimen primorriverista, copándose estos organismos, en palabras de
El Noticiero Sevillano, de «políticos de ultraderechas». En abril de ese año, el gobernador
militar Perales fue sustituido por un civil: el antiguo inspector general de la Policía de
Madrid, Rafael Muñoz Lorente (ÁLVAREZ, 1987, 70-73 y 101-103).
En diciembre de 1925, después de que Primo de Rivera hubiera sustituido su
Directorio militar por uno civil, Muñoz Lorente fue reemplazado por José Cruz Conde,
figura plenamente identificada con la dictadura primorriverista, cuya influencia en la
política sevillana fue decisiva. Su decreto de marzo de 1926, declarando el carácter
nacional de la Exposición Iberoamericana, provocó la dimisión de miembros de la
comisión permanente de la Exposición Iberoamericana y del Ayuntamiento, incluida la
del alcalde, siendo este sustituido por Pedro Armero Manjón, Conde de Bustillo.
Aprovechando la coyuntura, el gobernador civil constituyó una nueva Corporación con
hombres dispuestos a seguir sus directrices y afines a la Unión Patriótica –el partido
político del régimen− (ÁLVAREZ, 1987, 133-143).
A mediados de 1927, se produjo un nuevo enfrentamiento que desembocó en la
dimisión del alcalde y más de veinte concejales, dando lugar a la ruptura definitiva entre
el maurismo y el catolicismo político sevillano y la Dictadura de Primo de Rivera. El
nuevo alcalde elegido por Cruz Conde fue Nicolás Díaz Molero, presidente de la Cámara
de Comercio, de forma que, progresivamente, los elementos industriales y mercantiles de
la ciudad pasaron a controlar los organismos político-administrativos hispalenses
(ÁLVAREZ, 1987, 181-196). Desde entonces, se configuró lo que algunos historiadores
han denominado «cruzcondismo», es decir, la constitución por parte del gobernador civil
de Sevilla de «un cacicato muy semejante al de los antiguos jefes políticos que dijo
suplantar», desde el que controló férreamente la vida política sevillana (TUSELL et. al.,
1977, 130).
En agosto de 1928, la mala situación en la que vivía la clase obrera sevillana motivó
una huelga en el sector de la construcción, que se mantuvo durante diez días. Aunque el

66
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

periodo de prosperidad económica conocido como «los felices años veinte» había tenido
su reflejo en la España de Primo de Rivera, a finales de esta década, la crisis mundial tuvo
enormes repercusiones tanto en la economía nacional como en la local (BRAOJOS et. al.,
1990, 52). En Sevilla, las obras de la Exposición Iberoamericana, las transformaciones
urbanísticas de la ciudad y el desarrollo creciente de la actividad económica habían
atraído una importante mano de obra y habían disipado provisionalmente los problemas
de desempleo de la etapa anterior a la Dictadura. Sin embargo, la urbe no estaba
preparada para recibirles, ya que, como señaló Álvarez (1987, 221), «los precios
astronómicos de los alquileres, el insuficiente abastecimiento de agua, la falta de higiene,
de escuelas y mil necesidades más» empujaron a los trabajadores «hacia el extrarradio,
hacinándose en condiciones infrahumanas», y donde, en palabras del historiador, «la
miseria era lo cotidiano».
En marzo de 1929, Cruz Conde dimitió como gobernador civil por un enfrentamiento
con la autoridad militar, siendo sustituido por Vicente Mora Arenas, aunque continuó en
el puesto de director de la Exposición Iberoamericana (ÁLVAREZ, 1987, 238). El 9 de
mayo se inauguró este certamen, calificado por algunos autores como «el mayor
acontecimiento de la vida española en los años de la Dictadura» (MENA, 1970, 228). Sin
embargo, como apuntó Álvarez (1987, 238), la iniciativa no pareció tener mucho éxito
entre los sevillanos.
Mientras tanto, el régimen de Primo de Rivera continuaba desquebrajándose ante la
creciente oposición. Al rechazo del proyecto de Constitución propuesto se unió el
agravamiento de la situación económica, como consecuencia de la crisis de 1929, y el
conflicto con los universitarios. Ante este panorama, el general consultó a los mandos
militares qué decisión tomar y, ante la falta de apoyos explícitos, presentó su dimisión el
28 de enero de 1930 y se exilió en París. Finalizaba así la Dictadura de Primo de Rivera,
siendo el militar jerezano sustituido por Dámaso Berenguer, al que el rey encargaría la
formación de un nuevo gobierno que, infructuosamente, tratará de salvar a la monarquía
del derrumbamiento de la Dictadura.

3. Espacios, instituciones y músicos

3.1. El mapa de Sevilla durante la dictadura de Primo de Rivera: el crecimiento urbano y


la conformación de hábitats sociales

En los años previos a la celebración de la Exposición Iberoamericana de 1929, Sevilla


se encontraba en plena efervescencia y crecimiento. De hecho, durante la Dictadura de
Primo de Rivera, las obras públicas vivieron su etapa dorada y la capital andaluza

67
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

consiguió superar sus tradicionales problemas de infraestructura, sanidad, inundaciones y


urbanismo. Con la idea de solucionar los problemas urbanísticos de la ciudad −que
incluían tanto su reforma interior como su expansión−, en un reducido intervalo de
tiempo se produjeron una serie de cambios que incluyeron la terminación de las vías de
ensanche, la inauguración de puentes para cruzar la vía férrea o el río y la construcción de
edificios como el Teatro y Gran Casino de la Exposición, el Hotel Alfonso XIII, y las
Plazas de América y España (BRAOJOS et al., 1990, 39-45).
Además, en estos años se llevó a cabo una política de construcción de nuevas
barriadas y viviendas. Las dos grandes tendencias urbanísticas que presidieron en la
época fueron las ciudades-jardín, que tuvieron como resultado la aparición del chalet, y
las barriadas obreras, que surgieron por iniciativa oficial o privada. Sin embargo, esta
política de edificaciones no consiguió paliar el problema del chabolismo y las
construcciones ilegales, erigidas para salvar las necesidades de los ciudadanos sin
recursos. De hecho, a finales de 1926, se estimaba que existían 1.250 chozas en las que
vivían un total de 5.707 personas (BRAOJOS et al., 1990, 39-49).
El proceso de transformación que sufrió la ciudad en estos años hizo que se
delimitaran los núcleos de población burguesa y los nuevos barrios obreros, acentuándose
la polarización social propia de todo desarrollo capitalista. Como consecuencia, los roles
sociales se definieron aún más, se fijaron las actuaciones de las distintas clases y se
aceptó la nueva estratificación social en función del supuesto progreso que esta llevaba
implícito (BRAOJOS et al., 1990, 61-62). Díaz Parra (2011, 45) partiendo de la
definición de la urbe capitalista como «una ciudad segregada socialmente», cuya división
«se produce y se reproduce en base a estrategias de clase implementadas en el desarrollo
urbano», configuró un mapa de hábitats sociales fuertemente diferenciados de Sevilla.
Sus aportacines pueden resultar de utilidad a la hora de comprender, en función de la
ubicación geográfica de las instituciones analizadas, el tipo de público que estas reunían,
y, por tanto, los ciudadanos a los que se destinaban las actividades musicales en ellas
organizadas.
En concreto, la polarización suroeste-nordeste cartografiada para la capital andaluza
de principios de siglo permite contraponer un nordeste de carácter humilde y obrero a un
suroeste burgués. Esto se debe a que, mientas que el sur de la ciudad acogió desde
antiguo los edificios nobles y de representación de los poderes político y religioso, en el
norte se establecieron desde finales del siglo XIX algunas pequeñas industrias y
comenzaron a hacinarse los inmigrantes procedentes del campo andaluz y extremeño.

68
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Además, los «ensanches burgueses» más ambiciosos, construidos a partir de los años
veinte, se dirigieron al sur, dando lugar a los principales sectores residenciales de la elite
social sevillana, caracterizados por viviendas unifamiliares de arquitectura regionalista
(DÍAZ PARRA, 2011, 47-51).

3.2. Los teatros y otros locales de diversión pública


Dentro de los teatros y locales de diversión pública pueden distinguirse tres categorías:
los teatros, las salas de espectáculos y las salas de baile.

Imagen 1 - Los teatros y otros locales de diversión pública

3.2.1. Los teatros


Los teatros se caracterizaban porque, en líneas generales, el espectador debía pagar
una entrada para asistir a la función. Tradicionalmente, se ha considerado que la trilogía
de los grandes teatros sevillanos estaba formada por: el San Fernando, el de la aristocracia
por autonomasia, que ofrecía ópera; el Cervantes, más frecuentado por las clases medias,
que ofrecía zarzuela grande; y el Duque, concurrido por la clase obrera, que ofrecía
género chico. Sin embargo, a través de las carteleras y críticas musicales publicadas en la

69
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

prensa, se ha podido comprobar que esta delimitación del repertorio no es tan clara, ya
que el Cervantes ofreció también ópera, en el San Fernando se puso en escena zarzuela y
género chico, y, a su vez, todos ellos ofrecieron conciertos, números de música ligera,
variedades y flamenco. El 30 de diciembre de 1927 fue clausurado el San Fernando, que
no volvió a abrir sus puertas hasta los años de la Segunda República. Además, a esta
nómina de coliseos se sumó, en 1929, el Teatro de la Exposición, construido con motivo
del certamen iberoamericano, que programó también todos estos géneros.
La distinción por capas sociales entre el público que asistía a estos espacios tampoco
es tan evidente como habitualmente se ha indicado. Sin duda, el más lujoso fue el San
Fernando, que durante el siglo XIX se convirtió en el espacio de sociabilidad por
excelencia de la alta sociedad sevillana, funcionando como punto de encuentro en el que
la aristocracia y la alta burguesía entablaban las relaciones necesarias para afianzar su
posición social. Es bien sabido que una parte esencial de la denominada «conciencia
burguesa» fue la creación y adopción de unos usos culturales muy determinados, en los
que el teatro desempeñó un papel fundamental por su eminente carácter social. Sin
embargo, conviene señalar que, desde la «Revolución Gloriosa» de 1868, este coliseo
acogió también a la burguesía media, e incuso baja, ya que las distintas tipologías de
localidades permitían la asistencia a las capas menos favorecidas (MORENO, 1998, 82-
83).
Por otra parte, el Teatro del Duque, situado por los historiadores en el extremo opuesto
del espectro social, aunque es cierto que en absoluto fue un coliseo lujoso, es importante
señalar que contaba con varias puertas de acceso, de forma que, en función de la localidad
que fuera a ocupar, cada espectador se adentraba en el edificio por un lugar distinto. Estas
entradas estaban situadas incluso en fachadas distintas, de forma que los mejor
posicionados económicamente accedían por la puerta principal, que conducía al ambigú y
al patio de butacas, mientras que las clases más bajas se dirigían, a través de una puerta
situada en otra fachada, a la segunda grada, que llegó a conocerse incluso con nombres
despectivos como «gallinero» o «villapiojos» (MARTÍNEZ, 2011, 59). Se observa, por
tanto, que el teatro estaba diseñado para permitir que distintas capas sociales acudieran al
mismo espectáculo, pero que no tuvieran que relacionarse entre ellas. De hecho, el propio
Primo de Rivera, en su visita a Sevilla en enero de 1927, asistió en este coliseo a la
representaciónde la revista ¿Lo ve?, con texto de Muñoz Seca y Pérez Fernández y
música del maestro Roig:

70
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

El Presidente es objeto de entusiásticas manifestaciones. Terminada la comida en el


Gobierno civil, el Presidente, general Primo de Rivera, con el gobiernador civil y otras
personalidades, marchó al Teatro del Duque para presenciar la representación de la revista
¿Lo ve?
Al aparecer el marqués de Estella en el palco, el público, que llenaba el teatro, en pie, hizo
objeto al Presidente de un entusiástico recibimiento, aplaudiendo y vitoreando largamente.
La representación quedó suspendida, y el actor cómico señor León dio vivas al Rey, a
España y al salvador de la Patria, que fueron unánimemente contestadas.
Durante el curso de la representación se cantó también un fandanguillo alusivo al
Presidente, que el público aplaudió mucho.
Al terminar la representación se retiró el Presidente, siendo despedido con las mismas
demostraciones de entusiasmo 9.

Otros teatros que se dedicaron sobre todo al género de variedades y al cine en estos
años fueron el Salón Imperial, el Teatro Llorens y el Pathé Cinema. Sin embargo, en los
dos últimos se celebraron también algunos conciertos, como los de la Sociedad Sevillana
de Conciertos y la presentación de la Orquesta Bética en el caso del primero, y otros
recitales benéficos en el caso del segundo10. Por último, habría que añadir además el
Teatro Portela, que, por su carácter de sala al aire libre, permaneció abierto únicamente
durante los meses estivales.
Imagen 2 - Los teatros

9
ANÓNIMO (15/01/1927) - La estancia en Sevilla del general Primo de Rivera. En el Teatro del Duque. El
Liberal, p. 4.
10
ANÓNIMO (13/06/1924) - Teatro Llorens. Orquesta Bética de Cámara. El Liberal, p. 1; y ANÓNIMO
(16/01/1927) - Un concierto benéfico. El Liberal, p. 4.

71
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

3.2.2. Las salas de espectáculos

Las salas de espectáculos son una mezcla entre los cafés cantantes y los cabarets, en
las que los asistentes estaban obligados a abonar una consumición mínima para presenciar
el espectáculo, que solía consistir en números de cuadros flamencos, cuadros
coreográficos y variedades. Los cafés cantantes, que tuvieron gran esplendor en Sevilla,
ocuparon un espacio destacado en la vida social y artística española desde la mitad del
siglo XIX hasta la década de 1920 (BLAS, 1987, 3)11. Sin embargo, desde principios del
siglo XX hasta la Guerra Civil, estos establecimientos entraron en decadencia, e incluso,
los que subsistieron en la capital andaluza, se fueron transformando progresivamente en
cabarets (BLAS, 1987, 68-72; RIOJA et al., 2006, 30). Dentro de esta tipología se
encuentra el Café El Tronío, que fue fundado a principios del siglo XIX como Cabeza del
Turno y en 1927 se transformó en una copia exacta de los antiguos cafés cantantes. Otra
sala de espectáculos destacada fue el Kursaal, una versión moderna del tradicional café
cantante, que en 1927 se convirtió en cabaret, incorporando una nueva pista de baile,
aunque seguía programando espectáculos a cargo de un cuadro flamenco.
Además de ofrecer funciones públicas, el Kursaal funcionó también como sala de
bailes. Lo mismo ocurrió con otros espacios como el Ideal Concert, el Concert Español y
los salones Variedades, Olimpia y Barrera. En estos establecimientos, los bailes
amenizados por orquestas y jazzbands se alternaron con las actuaciones de artistas de
variedades, cuadros flamencos y cuadros coreográficos de los maestros de baile Pericet,
Otero o Realito.
Dentro del público que asistía a estas salas, se observan grandes diferencias sociales,
pues, mientras que al Kursaal concurría lo más selecto de la ciudad, otros como el Barrera
eran de inferior categoría.

11
Pemartín (1966, 23) define el café cantante como un «establecimiento público en donde se servía café,
vinos, licores y en donde se daban recitales de cante y baile flamenco». Es precisamente en estos espacios
donde «el cante deja de ser un arte minoritario para alcanzar difusión y arraigo popular». Generalmente,
constaban de un salón con sillas, mesas y un tablado en el que actuaba el grupo flamenco. En los lados del
salón solían instalarse palcos para las personas adineradas y cuartos reservados para juergas o comidas
familiares.

72
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Imagen 3 - Las salas de espectáculos

3.2.3. Las salas de bailes

Las salas de baile eran establecimientos en donde las orquestinas y jazzbands


contratadas interpretaban música para que los asistentes bailaran. Esto ocurría también en
algunas salas de espectáculos, aunque, como se ha señalado, la diferencia es que en las
salas de baile no se programaba ningún tipo de espectáculo que el público pudiera
presenciar. Dentro de esta tipología se encuentran el Baile Los Ingleses y los salones Fox-
Trot, González, Rosales y Zapico.

Imagen 4 - Las salas de baile

73
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

3.3. Los salones


Dentro de los salones se han distinguido cuatro categorías: sociedades y centros de
enseñanza; establecimientos de restauración; salones particulares; y otros salones.

Imagen 5 - Los salones

3.3.1. Sociedades y centros de enseñanza


Con respecto a las sociedades y centros de enseñanza, se han contabilizado más de
cuarenta espacios que organizaron actos con presencia de música. Estos pueden a su vez
dividirse en cuatro grupos: las academias de baile; las sociedades musicales o aquellas
que contaban con academias o secciones independientes de música; los casinos y círculos
de recreo; y otras sociedades educativas, culturales o artísticas.

74
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Imagen 6 - Sociedades y centros de enseñanza

3.3.1.1. Academias de baile


Dentro de las academias de baile, pueden destacarse las de los maestros José Otero
Aranda, Manuel Real Montosa «Realito» o los hermanos Rafael y Ángel Pericet, que,
como ya se ha indicado, participaban con sus cuadros coreográficos en los salones de
espectáculos.

Imagen 7 - Academias de baile

75
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

3.3.1.2. Sociedades musicales o con secciones de música independientes


Dentro de este grupo se incluyen: las sociedades específicamente musicales, como la
Sociedad Sevillana de Conciertos, fundada en 1920; las que contaban con academias de
música, como la Real Sociedad Económica Sevillana de Amigos del País, que estableció
su centro de enseñanzas musicales en 1892; o las que contaban con secciones de música
independientes, como el Ateneo, que creó su Sección de Música en 190112. Estas
instituciones fueron las responsables de impulsar la vida concertística de la ciudad
durante los años veinte, organizando conciertos de músicos locales, nacionales e
internacionales, tanto profesionales como amateurs.

Imagen 8 - Sociedades musicales o con secciones de música independientes

3.3.1.3. Casinos y círculos de recreos


Dentro de los casinos y círculos de recreo se engloban desde espacios de sociabilidad
de las élites sevillanas, como el Real Círculo de Labradores, a otros dedicados a las clases
trabajadores. El Real Círculo de Labradores, fundado en 1859, organizó bailes
aristocráticos a los que asistieron los mandatarios sevillanos, los infantes Carlos, Luisa e
Isabel Alfonsa, Primo de Rivera y otras autoridades militares como José Sanjurjo y José
Millán-Astray13. Organizó también fiestas andaluzas, protagonizadas por el cuadro de
baile del maestro Otero, con motivo de la visita de extranjeros célebres, como el

12
Esta Sección de Música quedó suprimida entre el 27 de abril de 1911 y el 28 de enero de 1913
(Sánchez Gómez: 57-62).
13
FLIRT (29/12/1925) - Baile aristocrático. En el círculo de labradores. La Unión, p. 11.

76
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

embajador de EE.UU. o los miembros de la Liga Naval Italiana14. Además, para los
meses calurosos, esta institución contó con una caseta ubicada en el Prado de San
Sebastián, en la que actuaron bandas de música y agrupaciones como la Orquesta Castillo
y la Orquestina Ibérica de Manuel Carretero15. Por otra parte, el Casino de San Bernardo
ofreció actuaciones de cante flamenco y conciertos de guitarra clásica16.

Imagen 9 - Casinos y círculos de recreo

3.3.1.4. Otras sociedades educativas, culturales y artísticas


Gracias a la prensa se conocen un total de veinte asociaciones de carácter heterogéneo
(educativas, profesionales, culturales y artísticas) que promovieron actividades musicales,
de las cuales únicamente se han podido cartografiar trece. Una de las sociedades
educativas fue la Real Asociación de Maestros San Casiano, fundada en 1900 por el
Padre Tarín, en cuyas veladas y entregas de premios intervinieron algunos pianistas y las
bandas de música dirigidas por Manuel Tejera y por Moisés García Espinosa17. De hecho,

14
ANÓNIMO (15/06/1925) - La Residencia de América. Los actos de ayer tarde. En el Círculo de
Labradores. Banquete en honor del Embajador de los Estados Unidos. El Liberal, p. 4; y ANÓNIMO
(22/06/1926) - La estancia en Sevilla de los turistas italianos. El Liberal, p. 1.
15
ANÓNIMO (18/10/1924) - Banquete de gala. La Unión, p. 19; y ANÓNIMO (16/06/1928) - La Orquesta
Ibérica en el Real Círculo de Labradores. El Liberal, p. 4.
16
ANÓNIMO (02/12/1924) - Una fiesta típica en el Casino de San Bernardo. La Unión, p. 12.
17
ANÓNIMO (24/05/1924) - En honor del Padre Manjón. Real Asociación de San Casiano. El Liberal, p. 6;
y ANÓNIMO (05/12/1925) - Real Asociación de San Casiano. La Unión, p. 15.

77
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

esta institución, en su XXV Certamen científico, literario, artístico y pedagógico, que fue
organizado con la cooperación del infante Carlos de Borbón y de las autoridades
sevillanas, convocó un premio para un «Himno dedicado a cantar las grandezas de la raza
iberoamericana»18. Otra sociedad destacada en la dinamización de la vida musical de la
ciudad fue la Asociación de la Prensa Sevillana, fundada en 1909 por José García
Orejuela. Anualmente, organizó funciones benéficas en los teatros San Fernando o del
Duque, las cuales incluyeron representaciones de zarzuelasy concursos de cante jondo19.
Además, esta entidad organizó también sesiones de «bailes americanos modernos» en el
Teatro Llorens, a cargo de la orquestina dirigida por Andrés Palatín20. Por último, como
ejemplo de las asociaciones artísticas puede citarse la Sociedad Artística Cultura
Guerrero-Mendoza, que contaba con una rondalla, y cuyas conferencias y veladas
literarias estuvieron amenizadas por el dúo de violín y piano formado por José Mezquida
y Leiva y la pianista Concha Morón21.

Imagen 10 - Otras sociedades educativas, culturales y artísticas

18
ANÓNIMO (06/08/1925) - El XXV Certamen de la Asociación de San Casiano. El Liberal, p. 2.
19
ANÓNIMO (15/01/1925) - El día 23. La función de la Prensa. Un programa estupendo y unos regalos
excelentes. El Liberal, p. 4; y ANÓNIMO (01/12/1927) - De la función extraordinaria a beneficio de la
Asociación de la Prensa. Una escena del admirable sainete sevillano El manto de la virgen. El Liberal, p. 1.
20
ANÓNIMO (24/02/1924) - El baile de la prensa. Aumenta la animación y llueven los regalos. El Liberal, p.
2.
21
ANÓNIMO (31/10/1923) - Sociedad artística cultural Guerrero-Mendoza. El Liberal, p. 5; y ANÓNIMO
(15/01/1924) - Cultural Guerrero-Mendoza. El Liberal, p. 6.

78
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

3.3.2. Establecimientos de restauración


La música amenizaba muchas de las comidas celebradas en establecimientos de
restauración, ya que algunos bares, cafés, ventas y restaurantes contrataban de forma
habitual con agrupaciones musicales que ofrecían repertorios de música académica,
flamenco o jazz.
Además, estos centros de sociabilidad organizaron homenajes en honor de destacadas
figuras del mundo de la política, la sociedad o la cultura, entre las que se encuentraron
también empresarios teatrales, compositores y cantaores flamencos. Como ya señaló la
antropóloga González Turmo (1996, 70), este interés por el arte y la proliferación de
agasajos, que llevó al éxito a restaurantes como el Pasaje del Oriente, puede relacionarse
con el fortalecimiento de la clase media sevillana, es decir, de aquellos que, «estando
excluidos de los selectos círculos de las élites, debían procurarse gustos y modas que los
diferenciaran, a ojos de los demás, de sus inmediatos inferiores». Otros establecimientos
que gozaron de popularidad durante estos años fueron el Pasaje del Duque, la Venta de
Eritaña y la Real Venta de Antequera.
Como ejemplo de estos homenajes, puede citarse el celebrado en el Pasaje de Oriente
en honor a Emilio Ramírez, director de la Masa Coral Sevillana, agrupación que se creó a
raíz de las clases de solfeo gratuitas para obreros de la Real Sociedad Económica
Sevillana de Amigos del País22. Más ostentoso fue el dedicado a Manuel de Falla en
1926, por su nombramiento como hijo adoptivo de Sevilla. Entre los concurrentes,
figuraban miembros del Ateneo, la Sociedad Sevillana de Conciertos, la Real Sociedad
Económica Sevillana de Amigos del País, el Círculo de Labradores, la Catedral, la
Orquesta Bética y autoridades civiles, diplomáticas y del mundo de la música23. En este
mismo restaurante, el cantaor «Niño de Marchena» obsequiaría a sus íntimos con una
comida, improvisándose luego una fiesta flamenca, en la que intervendría el homenajeado
y otros artistas destacados24. En el homenaje que se les dio a los hermanos Álvarez
Quintero en la Venta Eritaña, se organizó otra fiesta flamenca. Esta venta organizaba
bailes en sus jardines y, además, disponía de una zona aparte destinada a cabaret, para el
que tenía contratado un cuadro de flamenco y otro de baile andaluz, cuya dirección
artística corría a cargo del ya citado maestro de bailes Ángel Pericet25.

22
ANÓNIMO (13/07/1926) - En honor de D. Emilio Ramírez, director de la Masa Coral Sevillana. El
Liberal, p. 1.
23
ANÓNIMO (23/12/1926) - En honor de Manuel de Falla. El Liberal, p. 6.
24
ANÓNIMO (13/08/1929) - Una comida y un rato de cante flamenco. El Liberal, p. 4.
25
ANÓNIMO (25/09/1929) - Eritaña. Nueva dirección. El Liberal, p. 3.

79
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Imagen 11 - Establecimientos de restauración

3.3.3. Salones particulares


Era frecuente que, generalmente con motivo de la celebración de bautizos y bodas, en
los salones particulares de las casas aristocráticas y burguesas se organizaran fiestas
privadas que incluían bailes amenizados por pianos, guitarras o bandurrias, y, como fin de
fiesta, actuaciones de artistas flamencos contratados para la ocasión. Además, en salones
palaciegos como el de Las Dueñas, de los Duques de Alba, se organizaron fiestas
andaluzas. Algunas de ellas, como la celebrada en abril de 1925, protagonizada por
artistas como «La Niña de los Peines», Antonio Chacón o «La Macarrona», contaron con
la presencia de los Reyes y de gran número de invitados nacionales y extranjeros, entre
los cuales la prensa sevillana cita a la princesa de Polignac –destacada mecenas musical−,
al pintor Josep María Sert y al pianista Arthur Rubinstein26. Otras casas particulares en las
que se organizaron actos con presencia de música fueron, por ejemplo, Villa Luisa,
residencia del compositor franco-argentino Hemann Bemberg, donde se celebraron
conciertos de música clásica y actuaciones del cuadro flamenco del maestro Otero27.
Según las memorias del poeta Rafael Alberti (1978), también en la vivienda del torero

26
ANÓNIMO (26/04/1925) - Una gran fiesta. En el Palacio de las Dueñas. El Liberal, p. 1.
27
FRITZ (22/03/1927) - Un concierto. El Liberal, p. 4.

80
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Sánchez Mejías, tras el famoso encuentro que dio nombre a la Generación del 27, estos
escritores pudieron escuchar a Manuel Torres, el «Niño de Jerez», acompañado por el
guitarrista Manuel Huelva.
Por último, sería importante destacar el papel de la radio, que llegó a Sevilla en junio
de 1924 y que amplió las posiblidades de escuchar música en los hogares28. Desde el
principio, ofreció programas en los que se combinaba la música ligera y el flamenco con
la música académica, siendo esta última interpretada por músicos locales, generalmente
miembros de la Orquesta Bética, o profesores y alumnos de las academias de música de la
ciudad.

3.3.4. Otros salones


Los salones de hoteles, edificios civiles (como el Ayuntamiento o el Alcázar),
hospicios y hospitales acogieron también actividades musicales. Los hoteles, que fueron
importantes espacios de sociabilidad de las élites sevillanas, ofrecieron música de
diversos estilos, ya que contaban con agrupaciones que amenizaban las comidas y los
bailes. Además, el Hotel Alfonso XIII contó con un patio flamenco en el que la Sociedad
de Fomento del Arte Andaluz organizó un Concurso de cante jondo29. En este
emplazamiento del lujoso hotel se organizaron también fiestas flamencas andaluzas, en
las que actuaron alumnas de las academias de baile sevillanas y destacados artistas
flamencos, ante la presencia de autoridades como Primo de Rivera y los Reyes de
España30. Por otra parte, también las bandas de música sevillanas actuaron ante la familia
real en el Alcázar, espacio en el que tuvieron lugar algunas funciones benéficas, como la
organizada por la Sociedad Sevillana de Caridad en 1926, en la que participaron la Masa
Coral Sevillana y la Orquesta Bética31.

28
En 1924 solo había contabilizados en la ciudad un centenar de receptores de radio, aunque probablemente
el número real era mayor (Reyero, 2006, 26).
29
ANÓNIMO (03/04/1925) - La fiesta del cante y baile andaluz. El Liberal, p. 4.
30
ANÓNIMO (03/05/1925) - En el Hotel Alfonso XIII. Se celebra con gran brillantez una fiesta andaluza.
Asisten los Reyes, los Infantes y el presidente del Directorio. El Liberal, p. 5.
31
ANÓNIMO (30/04/1925) - El Rey regresa. El Liberal, p. 4; y FRITZ (23/06/1926) - Festival artístico-
musical en el Alcázar. El Liberal, p. 4.

81
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Imagen 12 - Otros salones

3.4. Los templos


Aunque tradicionalmente las catedrales han sido los templos que mayor atención han
recibido por parte de la musicología española, en la prensa sevillana se han hallado
referencias musicales en noticias relacionadas con cuarenta y seis edificios religiosos. El
análisis de la actividad musical de cada uno de estos conventos, iglesias y parroquias
excede los límites del presente trabajo, por lo que únicamente se indicará que las
informaciones encontradas abarcan desde los Miserere interpretados en la Catedral
durante la Semana Santa, a gran orquesta y con solistas destacados, a otras solemnidades
en templos menores, como los cultos de determinadas hermandades, salves a las vírgenes,
y los Te Deum o misas cantados con motivo de alguna celebración o defunción. Además,
en estos eventos se concebía la colaboración simultánea de músicos procedentes de los
mundos académicos y flamencos. Esto ocurrió, por ejemplo, en 1924, cuando, con motivo
del septenario organizado por la Cofradía de Nuestro Padre Jesús del Silencio y María
Santísima de la Amargura, el tenor valenciano Vicente Martí interpretó en la Iglesia de
San Juan de la Palma las coplas dedicadas por el maestro de capilla catedralicio Eduardo
Torres a la Virgen de Nuestra Señora de la Amargura, mientras que el cantaor Manuel
Centeno se ofreció a cantar las coplas de Luis Leandro Mariani32.

32
ANÓNIMO (24/02/1924) - Notas religiosas. El Liberal, p. 4.

82
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Imagen 13 - Los templos

3.5. La calle
Los estudios de Bejarano (2011; 2015), centrados en Sevilla durante la Edad Moderna,
han puesto de manifiesto la contribución del paisaje sonoro y la música a la configuración
de la identidad de la ciudad, subrayando que es precisamente en las ocasiones especiales
donde se refleja el universo mental de una sociedad y afirmando que las fiestas son un
contexto en el que afloran infinidad de aspectos de una cultura. Por ello, y por no ignorar
un espacio que a menudo ha sido desdeñado por los estudiosos, se ha considerado la calle
como un espacio más, donde tuviegon lugar diversas manifestaciones musicales surgidas
a consecuencias de festividades religiosas y paganas. Si, como se ha señalado, la música
procesional que se pudo escuchar durante la Semana Santa cuenta con varios estudios, no
puede decirse lo mismo de otros festejos que tuvieron lugar al aire libre, tales como: las
veladas de los barrios, en las que actuaban diversas agrupaciones como el Real Orfeón
Sevillano, las bandas de música o los coros de campanilleros; las Cruces de Mayo,
organizadas por asociaciones, hermandades y otras instituciones en plazas, jardines y
patios de vecinos, en las cuales se solía cantar y bailar repertorio folklórico; o la Feria de
Abril, en cuyas casetas se interpretaba música de todo tipo, desde flamenco a jazz.
Además, fueron numerosos los conciertos al aire libre de las bandas de música, sobre
todo durante la Exposición Iberoamericana de 1929.

83
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

4. Los profesionales de la música y sus redes musicales

4.1. Los profesionales de la música

Carter (2005, 63) ya señaló la utilidad en el ámbito de la musicología urbana de las


aproximaciones de tipo «censo», centradas «en los músicos que crean esta armonía
urbana más que en las instituciones que las mantenían». Sin duda, conocer qué músicos
construyeron la vida musical de la ciudad es fundamental para reflexionar sobre su
formación, la creación de redes profesionales, la circulación por los espacios sonoros y
los repertorios interpretados. Sin embargo, el elevado número de músicos profesionales
que se encontraban en activo durante estos años, que supera la cifra de, como mínimo,
150 intérpretes anuales, impide profundizar en cada una de estas figuras.

Tabla 1 - Músicos profesionales en la ciudad de Sevilla según las Guías oficiales de la


provincia de Vicente Gómez Zarzuela

Asimismo, resultan también fundamentales a la hora de conocer el panorama musical


de la ciudad los negocios musicales, entre los que cuales destacan establecimientos como
la tienda de instrumentos y fábrica Piazza Hermanos, activa desde mediados del siglo
XIX, y varios afinadores de pianos.

84
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Imagen 14 - Los negocios musicales

4.2. Las redes musicales


A lo largo del anterior epígrafe se han dado a conocer los espacios sonoros,
instituciones y músicos activos en la ciudad durante la Dictadura de Primo de Rivera, así
como las algunas relaciones entre estos elementos. A continuación, se presentarán dos
mapas conceptuales −en los cuales se han empleado los mismos colores utilizados en el
mapa sonoro para cada una de las tipologías− que pretenden ayudar a vislumbrar estas
conexiones y a comprender las redes que configuraron el entramado musical de la ciudad
en esos años.
En primer lugar, si analizamos la actividad de algunos de los miembros de la Orquesta
Bética de Cámara, fundada en 1924 por Manuel de Falla, Eduardo Torres y Segismundo
Romero, puede observarse que desempeñaban múltiples funciones y estaban relacionados
con diversos espacios de los anteriormente analizados. Muchos de ellos formaban parte
de las orquestas de los distintos teatros, interviniendo en los intermedios de las funciones
teatrales o del cine, o interpretando la parte musical de las zarzuelas y revistas. Otros
trabajaron como profesores de música en el Hospicio provincial o en la Real Sociedad
Económica Sevillana de Amigos del País. Además, con frecuencia, eran contratados por
los diversos templos cuando estos programaban la interpretación de obras a gran orquesta.
Asimismo, actuaban en recitales organizados por diversas sociedades y en espacios como
el Alcázar, los pabellones de la Exposición Iberoamericana o los centros de restauración.

85
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Imagen 15 - Algunos miembros de la Orquesta Bética de Cámara y sus relaciones


con otros espacios e instituciones de la ciudad

En segundo lugar, se ha querido ofrecer un segundo ejemplo con artistas flamencos,


en concreto, de aquellos que participaron en el Concurso de cante jondo celebrado en el
Hotel Alfonso XIII en 1925. Puede observarse que estos intérpretes no actuaron
únicamente en salones de espectáculos formando parte de cuadros flamencos, sino que
también lo hicieron en los teatros más importantes de la ciudad, tanto en funciones de
ópera flamenca, como en zarzuelas o películas de cine mudo. Intervinieron también en
fiestas al aire libre, en las festividades de Semana Santa, en las Cruces de Mayo y en las
casetas de la Feria de Abril. Además, fueron contratados en casas aristocráticas (como el
Palacio de las Dueñas), en centros de restauración, en sociedades y en círculos de recreo.
Asimismo, fueron escuchados regularmente a través de la radio sevillana e incluso
grabaron discos para «La voz de su amo», los cuales fueron publicitados con mucha
frecuencia por el almacén de los Hermanos Piazza.

86
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Imagen 16 - Algunos intérpretes del Concurso de cante jondo celebrado en el Hotel


Alfonso XIII y sus relaciones con otros espacios e instituciones de la ciudad

5. Conclusiones
La presente investigación ha demostrado la utilidad de la prensa de carácter general
para configurar un mapa sonoro de la capital andaluza, pues aporta una ingente cantidad
de información sobre los elementos que configuran el entramado musical de la ciudad,
que abarcan desde espacios privados y semiprivados, como los teatros públicos, círculos
sociales y salones, a ambientes públicos, como las calles y los múltiples templos de la
ciudad. Sin embargo, siendo conscientes de que, como afirmó Vattimo (2000: 16) no
puede hablarse de «una única historia», sino de «imágenes del pasado propuestas desde
diversos puntos de vista», ha sido necesario, para ofrecer una visión poliédrica de la vida
musical de la ciudad, incluir distintas miradas, analizando la información de distintos
periódicos, la documentación de distintas instituciones y las correspondencias personales
de distintas figuras relacionadas con el hecho musical.
El análisis de los elementos integrados en los complejos lazos y redes que conforman
el entramado musical de la ciudad, en lugar de aislados de su entorno, ha permitido
comprender la conexiones que existían entre los distintos focos de actividad musical de la

87
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

ciudad, y ofrecer una obra de conjunto, paisajística, que aporta una visión global del
paisaje sonoro hispalense. Además, este enfoque facilita la confección de las biografías y
el trazo de los circuitos de una serie de músicos que, por lo general, no estuvieron ligados
a una única institución. Tratando de distanciarse de las visiones tradicionales centradas
únicamente en la música de los grupos y clases sociales dominantes, este estudio ha
conseguido dar con nuevos espacios acústicos (educativos, domésticos, callejeros) que
involucran a las distintas instituciones en el entramado sonoro de la urbe y permiten
delimitar los significados que determinadas experiencias sónicas pudieron tener en estos
años. Paralelamente, este planteamiento posibilita abrir nuevas líneas para el estudio de
otras cuestiones trasversales como el asociacionismo, la enseñanza, la sociabilidad y el
gusto en los distintos estratos sociales, los roles asignados a la mujer de la época, el papel
identitario de la música o la versatilidad y la situación social del músico. Además, este
estudio ha permitido comprender el impacto de la política en la vida musical, ya que la
campaña de moralización de las costumbres que trajo consigo la Dictadura de Primo de
Rivera impuso el cierre de los locales a las dos de la madrugada. Esta reducción del
horario de actividad –y por tanto del salario– de los músicos locales, sumada a otras
cuestiones como el éxito del cine o la irrupción de la radio y la música mecánica en las
salas de espectáculos, sumergió a los profesionales de la música en un periodo de
dificultades económicas.
En definitiva, la configuración de este mapa sonoro ha hallado aspectos desconocidos
o que siempre han sido dejados de lado por los historiadores, abriendo por tanto nuevas
vías de investigación que estudien, como viene haciendo la microhistoria, no solo la
música de las élites en magnos acontecimientos, sino también la de las minorías en las
realidades simples y cotidianas. De esta forma, pasan a primer plano una serie de
espacios, instituciones y personas relacionadas con el hecho musical que, por lo general,
han quedado prácticamente diluidos, inexplorados y obviados en los estudios
musicológicos.

Bibliografia:
ALBERTI, Rafael (1978) – La arboleda perdida. Sevilla: Diputación de Sevilla.
ÁLVAREZ REY, Leandro (1987) – Sevilla durante la Dictadura de Primo de Rivera. La
Unión Patriótica (1923-1930). Sevilla: Diputación de Sevilla.
BEJARANO PELLICER, Clara (2015) – Los sonidos de la ciudad: el paisaje sonoro de
Sevilla, siglos XVI al XVII. Sevilla: Ayuntamiento de Sevilla.

88
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

BEJARANO PELLICER, Clara (2011) – La música y los músicos en la Sevilla de los


Austrias. Sevilla: Universidad de Sevilla. Tesis doctoral.
BLAS VEGA, José (1987) – Los cafés cantantes de Sevilla. Madrid: Cinterco.
BOMBI, Andrea; CARRERAS LÓPEZ, José; y MARÍN LÓPEZ, Miguel Ángel (eds.)
(2005) – Música y cultura urbana en la Edad Moderna. Valencia: Universitat de
València.
BRAOJOS GARRIDO, Alfonso; PARIAS SAINZ DE ROZAS, María; y ÁLVAREZ
REY, Leandro (1990) – Sevilla en el Siglo XX. Tomo 1 (1868-1950). Sevilla: Editorial
Universidad.
CALVO GUTIÉRREZ, Inmaculada (2017) – La vida musical de Almería en el periodo
1876-1878 a través de la prensa diaria [En línea]. Andalucía: Universidad
Internacional de Andalucía. Trabajo fin de máster [Consultado el 18 de febrero
de 2018].
CANSINO GONZÁLEZ, José Ignacio (2011) – La Academia de Música de la Real
Sociedad Económica Sevillana de Amigos del País (1892-1933). Sevilla: Diputación
de Sevilla.
CARMONA RODRÍGUEZ, Manuel (1993) – Un siglo de música procesional en Sevilla
y Andalucía. Castilleja de la Cuesta: Autoedición.
CARTER, Tim (2005) – “El sonido del silencio: modelos para una musicología urbana”.
En Bombi, Andrea; Carreras López, José; y Marín López, Miguel Ángel (eds.) –
Música y cultura urbana en la Edad Moderna. Valencia: Universitat de València,
pp. 53-66.
CASTROVIEJO LÓPEZ, José Manuel (2016) – De bandas y repertorio. La música
procesional en Sevilla desde el siglo XIX. Sevilla: Samarcanda.
COLÓN PERALES, Carlos (1986) – Joaquín Turina. Sevilla: Diputación Provincial de
Sevilla.
DELGADO PEÑA, Luis Francisco (2015) – Fundación y desarrollo de la Sociedad
Sevillana de Conciertos [En línea]. Sevilla: Universidad de Sevilla. Tesis doctoral
[Consultado el 28 de enero de 2018].
DÍAZ OLAYA, Ana María (2012) – La música escénica linarense (1870-1912): un
acercamiento a través de la prensa local.Siete esquinas. Revista del Centro de Estudios
Linarenses. Linares (Jaén). N.º 4, pp. 13-22.

89
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

DÍAZ PARRA, Ibán (2011) – Crecimiento urbano y conformación de hábitats sociales.


Una síntesis del mapa social de la ciudad de Sevilla. Espacio y tiempo. Revista de
Ciencias Humanas. Sevilla. Nº 25, pp. 47-51.
ELIZONDO IRIARTE, Esteban (2008) – La obra para órgano de Eduardo Torres (1872-
1934). Revista de musicología. Madrid. Vol. 31, nº 1, pp. 151-169.
GARCÍA GALLARDO, Cristóbal (2010) – Recepción de la música teatral e instrumental
en Huelva a finales del siglo XIX. Aestuaria: revista de investigación. Huelva. Nº 11,
págs. 227-240.
GARCÍA LÓPEZ, Olimpia (2016) – El compositor Norberto Almandoz (1893-1970),
figura central de la vida musical sevillana. Archivo Hispalense. Revista Histórica,
Literaria y Artística. Sevilla. Vol. 99, nº 300-302, pp. 367-390.
GARCÍA LÓPEZ, Olimpia (2015) – Norberto Almandoz (1893-1970), de norte a sur.
Historia de un músico en Sevilla. Sevilla: Libargo.
GARCÍA LÓPEZ, Olimpia (2019) – “La Sociedad Sevillana de Conciertos, impulsora de
la vida musical de la ciudad durante la Dictadura de Primo de Rivera (1923-1930)”.
En Palacios Nieto María; y Quepo Gutiérrez, Carolina (eds.) – Asociacionismo
musical en España. Estudios de caso a través de la prensa. Logroño: Calanda
Ediciones Musicales, [en prensa].
GARRIOCH, David (2003) – Sounds of the city: the soundscape of early modern
European towns. Urban History. Cambridge. Vol. 31, Nº 1, pp. 5-25.
GONZÁLEZ TURMO, Isabel (1996) – Sevilla. Banquetes, tapas, cartas y menús, 1863-
1995: antropología de la alimentación. Sevilla: Ayuntamiento de Sevilla.
GONZÁLEZ-BARBA CAPOTE, Eduardo (2017) – La fundación de la Orquesta Bética
de Cámara (1922-1924): de los ideales a la vanguardia musical española. Quodlibet:
revista de especialización musical. Alcalá de Henares (Madrid). Nº 64, pp. 33-69.
GONZÁLEZ-BARBA CAPOTE, Eduardo (2015) – Manuel de Falla y la Orquesta
Bética de Cámara. Sevilla: Ayuntamiento de Sevilla.
KNIGHTON, Tess; y MAZUELA-ANGUITA, Ascensión (eds.) (2018) – Hearing the
City in Early Modern Europe. Turnhout: Brepols.
LAGUNA MARTÍNEZ, María de los Ángeles (2012) – La vida musical granadina a
través de El Defensor de Granada: enero a junio de 1885. Granada: Universidad de
Granada. Trabajo fin de máster.

90
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

MARÍN LÓPEZ, Miguel Ángel (2014) – Contar la Historia desde la periferia. Música y
ciudad desde la musicología urbana. Neuma: Revista de Música y Docencia Musical.
Chile. Vol. 7, nº 2, pp. 10-30.
MARÍN LÓPEZ, Miguel Ángel (2002) – Music on the margin. Urban musical life in
Eighteenth-century Jaca (Spain). Kassel, Reichenberger.
MARTÍNEZ VELASCO, Julio (2011) – Aquellos viejos teatros sevillanos. Memorias de
un crítico. Sevilla: Junta de Andalucía.
MENA CALVO, José María de (1984) – Historia del Conservatorio Superior de Música
y Escuela de Arte Dramático de Sevilla. Sevilla: Conservatorio Superior de Música de
Sevilla y Editorial Alpuerto.
MÉNDEZ MORENO, José Joaquín (2015) – La Sociedad Filarmónica Sevillana y el
Teatro de San Fernando a través de la revista “El Orfeo Andaluz” en su segunda
época (1847-48) [En línea]. Andalucía: Universidad Internacional de Andalucía.
Trabajo fin de máster [Consultado el 17 de febrero de 2018].
MORÁN ROJO, Alfredo (1997) – Joaquín Turina a través de sus escritos. Madrid:
Alianza Música.
MORENO MENGÍBAR, Andrés (1998) – La ópera en Sevilla en el siglo XIX. Sevilla:
Universidad.
ORTIZ JURADO, Auxiliadora (2010) – “La vida musical en Córdoba a través de la
prensa periódica (1841-1856)”. En Gómez Villamandos, José Carlos (ed.) – I
Congreso Científico de Investigadores en Formación. Córdoba: Universidad de
Córdoba, pp. 398-400.
OTERO NIETO, Ignacio (1997) – La música en las cofradías de Sevilla. Sevilla:
Guadalquivir ediciones.
PEMARTÍN, Julián (1966) – El cante flamenco. Guía alfabética. Madrid: Afrodisio
Aguado.
PÉREZ COLODRERO, Consuelo (2017) – Música, cultura y sociedad en el ámbito local:
el caso de Andújar a través del semanario El Guadalquivir (1907-1917). El futuro del
pasado: revista electrónica de historia. Salamanca. Nº 8, pp. 445-471.
PÉREZ GUTIÉRREZ, Mariano (1982) – Falla y Turina a través de su epistolario.
Sevilla: Editorial Alpuerto.
PÉREZ ZALDUONDO, Gemma (2001) – Las sociedades musicales en Almería, Granada
y Sevilla entre 1900 y 1936.Cuadernos de música iberoamericana. Madrid. Nº 8-9,
pp. 323-336.

91
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

PÉREZ ZALDUONDO, Gemma (1997) – El auge de la música en Sevilla durante los


años veinte. Revista de musicología. Madrid. Vol. 20, nº 1, pp. 655-668.
PÉREZ ZALDUONDO, Gemma (1996) – Apuntes para la evaluación de la actividad de
las Sociedades Musicales en España (1921-25). Anuario Musical. Barcelona, Nº 51,
pp. 203-216.
REYERO, Francisco (2006) – Historias de la radio. Una radiografía política, cultural y
sentimental del siglo pasado en Andalucía. Sevilla: Fundación José Manuel Larra.
RIOJA VÁZQUEZ, Eusebio y TORRES CORTÉS, Norberto (2006) – Niño Ricardo.
Vida y obra de Manuel Serrapí Sánchez. Sevilla: Signatura.
RUÍZ CARBAYO, Ángela (2013) – “Nuevas fuentes para el estudio de la música
sevillana: el archivo musical de Luis Leandro Mariani González (¿1858?-1925)”. En
Marín López, Javier; Gan Quesada, Germán; Torres Clemente, Elena; y Ramos López,
Pilar (eds.) – Musicología global, musicología local. Madrid, SEDEM, pp.1637-1652.
RUÍZ CARBAYO, Ángela (2012) – El compositor Luis Leandro Mariani González: ecos
de la Sevilla musical a caballo entre los siglos XIX y XX. Granada: Universidad de
Granada. Trabajo fin de máster.
RUÍZ CARBAYO, Ángela (2009) – Luis Leandro Mariani González (¿1858?-1925).
Época y obra. Sevilla: Conservatorio Superior de Música de Sevilla. Actividad
académica dirigida.
RUÍZ JURADO, Alicia (2016) – La música en la Málaga republicana a través del
periódico “El diario de Málaga”. Música oral del Sur: revista internacional. Granada.
Nº 13, pp. 155-192.
SAMUELS, David; MEINTJES, Louise; OCHOA, Ana María; y PORCELLO, Thomas
(2010) – Soundscapes: Toward a Sounded Anthropology. Annual Review of
Anthropology. California. Nº 39, pp. 329-45.
SÁNCHEZ GÓMEZ, Pedro José (2004) – La música y el Ateneo de Sevilla (1887-2003).
Sevilla: Ateneo de Sevilla.
SÁNCHEZ LÓPEZ, Virginia (2014) – Música, prensa y sociedad en la provincia de Jaén
durante el siglo XIX. Jaén: Instituto de Estudios Giennenses.
SÁNCHEZ LÓPEZ, Virginia (1982) – Turina y Sevilla. Sevilla: Servicio de
Publicaciones del Ayuntamiento de Sevilla.
SCHAFER, R. Murray (1977) –The Tuning of the World. New York: Knopf.

92
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

SOBRINO SÁNCHEZ, Ramón (1993) – Un estudio de la prensa musical española en el


siglo XIX: vaciado científico e índices de la prensa musical española. Revista de
musicología. Madrid. Vol. 16, nº 6, pp. 3510-3518.
STROHM, Reinhard (1990) – Music in late medieval Bruges. Oxford: Oxford University
Press.
TUSELL GÓMEZ, Javier; MONTERO GARCÍA, Feliciano; y MARÍN ARCE, José
María (eds.) (1977) – Las derechas en la España contemporánea. Barcelona:
Anthropos y UNED.
VATTIMO, Gianni (2000) – “Posmoderno. ¿Una sociedad transparente?”. En Benjamín
Arditi et al. (eds.) – El reverso de la diferencia. Identidad y política. Venezuela: Nueva
Sociedad, pp. 15-22.
VARGAS LIÑÁN, María Belén (2013) – La música en la prensa española (1833-1874):
fuentes y metodología. Estudio a través de las publicaciones periódicas de Granada
[En línea]. Granada: Universidad de Granada. Tesis doctoral [Consultado el 28 de
febrero de 2018]
VARGAS LIÑÁN, María Belén (2005) – La música en “El Álbum Granadino”: un
periódico intelectual de mediados del siglo XIX. Revista de musicología. Madrid. Vol.
28, nº 1, pp. 426-442.
TORRES MULAS, Jacinto (1991) – Las publicaciones periódicas musicales en España
(1812-1990). Estudio crítico-bibliográfico. Repertorio general. Madrid: Instituto de
Bibliografía Musical Española.

93
Os lugares e a música
Braga, uma cidade de província na segunda metade do século XIX e princípios do
século XX
Elisa Lessa

Resumo:
Braga detinha na segunda metade do século XIX e princípios do século XX uma intensa
actividade musical protagonizada em diferentes espaços: uma prática musical sacra, a
partir da Capela da Sé, mas também na maior parte de muitas das Igrejas e instituições
religiosas da cidade; os espectáculos nos teatros públicos; os concertos nos coretos dos
jardins da cidade onde actuavam as bandas de música, também ligadas às festas e
celebrações religiosas e cívicas que integravam manifestações artístico-musicais
colectivas associadas a actividades militares, políticas e religiosas; os saraus de arte
organizados pelas associações culturais e clubes musicais e os grupos de música que
regularmente se apresentavam nos cafés da cidade e as instituições de ensino que com
regularidade promoviam concertos. Na impossibilidade de elencar e caracterizar toda a
música que então se ouvia, desenham-se traços da paisagem sonora bracarense nos
séculos XIX e princípios do século XX, em torno de diferentes contextos e repertórios.

Palavras-chave: repertório musical, cidade, instituições, paisagem sonora

Abstract:

In the second half of the nineteenth and early twentieth century Braga held an intense
musical activity carried out in different spaces: a sacred music practice, from the chapel
of the cathedral, but also in most of many of the churches and religious institutions of the
city; the shows in the public theaters; the concerts in the gardens of the city where the
bands played, also linked to religious and civic celebrations that integrated collective
artistic and musical manifestations associated with military, political and religious
activities; the art soirees organized by the cultural associations and musical clubs, the
musical ensembles that regularly appeared in the cafes of the city and educational
institutions that regularly promoted concerts.


Universidade do Minho / CEHUM
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Unable to do a survey and characterization af all the music that was then heard, the study
presents traces of the soundscape in Braga around different contexts and repertoires in the
second half of the nineteenth and early twentieth centuries.

Keywords: music, city, institutions, soundscape

Introdução
A paisagem sonora de uma cidade é composta por um conjunto diversificado de fontes
sonoras. Feita pelo homem, a paisagem sonora é manifestação acústica de um lugar, em
que os sons são reflexo do “sentido desse lugar” dado pelos seus habitantes. Os
significados de um lugar e os seus sons são criados justamente graças a essa interacção
entre a paisagem sonora e as pessoas (WESTERKAMP, 1991). A paisagem sonora é
reveladora da identidade e cultura de um espaço territorial que assume conforme a época
do ano e até em diferentes momentos ao longo do dia múltiplas configurações.
A vida musical na maior parte das cidades de província na segunda metade do século
XIX e princípios do século XX caracterizava-se em torno de espaços públicos e privados,
de espaços sagrados e laicos. Nos teatros públicos, nas salas de concertos, nas casas
particulares, nas praças e jardins e nas catedrais, mosteiros e igrejas, as populações
tinham acesso à cultura musical. A música popular e a música erudita integravam de
algum modo a vida quotidiana das cidades de província, havendo todavia diferenças de
cidade para cidade relativamente à periodicidade e tipo de espectáculos realizados. De um
modo geral, as manifestações musicais realizavam-se essencialmente em torno das bandas
filarmónicas e dos movimentos orfeónicos, com a prática do canto coral que as cidades de
província viram nascer no início do século XIX. Os movimentos orfeónicos com seus
coros amadores apresentavam-se em público com regularidade, seguindo um modelo
inspirador importado da Europa. A prática musical amadora era uma presença forte nas
cidades de província, que contavam com mecenas que nas suas casas ou em espaços
públicos criavam as condições de realização de concertos ou outras manifestações
musicais. Presença marcante da vida musical das cidades eram também as celebrações
litúrgicas no âmbito da música sacra, as festas populares, com ligações entre o sagrado e
o profano. Nas cidades de maior dimensão, os concertos de música erudita sinfónica e de
câmara e os espectáculos de ópera realizavam-se de forma esporádica.

95
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

No caso de Braga, a cartografia dos eventos sonoros históricos nesta época está ainda
por realizar pelo que este estudo é unicamente um esboço de um itinerário temático com
alguns exemplos de cenários musicais históricos de diferentes paisagens e espaços 1.

A vida musical na cidade dos arcebispos


Alberto Feio na sua crónica do Diário do Minho, intitulada Coisas memoráveis de
Braga, escreveu:

Nos fins do século XIX, Braga, cultivava apaixonadamente a arte musical. Havia três boas
filarmónicas, a dos Paivas, a dos Esmerizes e a dos meninos Órfãos, afora a banda
regimental de infantaria 8. A capela da Sé, com seus instrumentistas e cantores, a dos
Paivas e dos Esmerizes, que disputavam as festas religiosas, sobretudo, os lausperenes
2
quaresmais

Embora Alberto Feio se refira à prática musical nos finais do século XIX certo é que a
cidade de Braga deteve ao longo de novecentos uma intensa atividade musical
protagonizada em diferentes espaços: Uma prática musical sacra a partir da Capela da Sé
e nas Igrejas e instituições religiosas da cidade, incluindo o santuário do Bom Jesus do
Monte; a música no Teatro S. Geraldo; a música no Jardim Público e nas festas da
cidade; a actividade regular de inúmeras associações culturais e clubes musicais; os
espectáculos musicais nos cafés e nos hotéis e casino do Bom Jesus do Monte e os
estabelecimentos de ensino que participavam activamente na vida cultural da cidade com
inúmeros espectáculos musicais. À volta da cidade, nas freguesias rurais do concelho, a
paisagem sonora musical era marcada pelas festividades religiosas dos seus Santos
Padroeiros, de um número impressionante de celebrações organizadas pelas muitas
Confrarias e pela música popular que fazia parte do quotidiano de trabalho e dos
momentos de lazer das populações. Num ambiente fortemente moldado pelo catolicismo
dando expressão musical às vivências religiosas da população, com práticas
socioculturais herdeiras de um processo de crescimento vindo do século anterior,
caracterizado por um modelo de encenação litúrgica de grande espectacularidade (NERY,
2005,18), a música secular, nas suas diversas manifestações ocupava também um lugar de
destaque na urbe bracarense.

1 Não se inclui neste estudo a prática musical nos conventos da cidade pelo facto desta temática ter sido já
abordada pela autora noutros trabalhos.
2 Carneiro,1959,16-17.

96
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Práticas musicais no espaço do sagrado

Nas cidades de província, as catedrais constituíam uma referência para as populações,


assistindo às cerimónias religiosas, de forte componente musical, com eloquentes Te Deum,
assumindo a música um papel preponderante. Braga, denominada ‘Cidade dos Arcebispos’
pelo facto dos detentores deste título eclesiástico terem sido senhores da cidade durante
quase sete séculos e também conhecida como a Roma Portuguesa detinha uma paisagem
sonora particularmente marcada pelo seu quotidiano de cariz religioso. A Capela da Sé
bracarense era constituída por cerca de 30 músicos entre cantores e instrumentistas. Mais
tarde tornou – se conhecida por Capela dos Esmerizes, uma família de várias gerações de
Músicos desde o início do século XIX aos primórdios do século XX. Esta capela de
músicos chamava a si os melhores cantores e instrumentistas da cidade, reforçando-a com
outros músicos convidados nas festividades mais imponentes da Sé e das principais Igrejas
da cidade (CARNEIRO, 1959,127 – 142).
A imprensa bracarense à época noticiava as cerimónias litúrgicas que se realizavam ao
longo de todo o ano e em frequência elevada, constituindo uma fonte preciosa de
informação, especialmente quando incluía na notícia o repertório executado. Os serviços
religiosos realizados nas principais Igrejas de Braga e no Santuário do Bom Jesus eram
particularmente ricos no que à música dizia respeito, com particular destaque para a
celebração das Vésperas e das festas de devoção dos padroeiros das Confrarias. Os músicos
eram contratados para cantar e tocar nas funções religiosas interpretando um repertório
musical constituído por Missas a 4 vozes e instrumental, Vésperas solenemente cantadas,
Ladainhas, Novenas e ainda os Ofícios da Semana Santa. O efectivo vocal e instrumental
era geralmente constituído por 4 a 5 cantores, instrumentistas de corda (violinos, violetas,
violoncelos e rabecões e instrumentistas de sopro (trompas, oboé, fagotes). A este efectivo
instrumental juntava-se o órgão, cabendo ao organista a realização do baixo contínuo.
As celebrações das festas religiosas contavam ainda nos adros das Igrejas, nos coretos e
procissões com a intervenção das principais bandas da cidade, nomeadamente a Banda dos
Artistas, a Philarmonica Bracarense, a Banda dos órfãos de S. Caetano, A Banda da
Oficina de S. José e a Banda do Regimento de Infantaria 8 ou das próprias freguesias como
a Banda de Cabreiros, fundada em 1843.
A 8 de Dezembro de 1877 realizou-se na Capela do Paço uma festividade dedicada à
Imaculada Conceição. Passados alguns dias O Commercio do Minho publicou a seguinte
notícia:

97
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Musica de Leal Moreira, música majestosa, propriamente Sacra sem nada de teatral (…) a
musica era da capela da Sé conjuntamente com os Seminaristas com acompanhamento de
órgão e baixos e composição de Leal Moreira (…)3

Em 1883, a Festa das Dores na Igreja dos Congregados, foi amplamente noticiada nos
jornais bracarenses:

Festa das Dores – Hoje à tarde cantar-se ão as Vésperas do maestro Jordani. Cantarão solos
os snr. Padre João de Deus, António Cardoso e a exma snra D. Adelaide Ramos. Amanhã
cantar-se á grande missa de Sá Noronha; aos distintos cantores que mencionamos acresce o
snr. Arroio, barítono excelente. De tarde cantar-se á o Stabat Mater de Rossini. A grande
4
orquestra executará hoje à tarde a amanhã várias e brilhantíssimas sinfonias…

A 20 e 21 de Março de 1902, na mesma festividade, um coro e orquestra dirigidos pelo


maestro e compositor Sousa Moraes interpretou na celebração das Vésperas «música coral
e instrumental de Lauro Rossi e Giovanni Quiricci e no concerto que se seguiu após o
sermão proferido pelo Rev. Conselheiro Moreira Freire, o Stabat Mater de Rossini e outras
obras de Sousa Moraes.»5 A orquestra, composta por músicos profissionais e amadores, era
constituída por 50 elementos e o coro apresentava 30 vozes. A 14 de Janeiro desse ano o
Comércio do Minho anunciou o início dos ensaios. A 2 e 3 de Abril de 1903 Sousa Morais
voltou a ser responsável pela Música na Festa de Nossa Senhora das Dores. O quadro
seguinte apresenta alguns exemplos do repertório que então se ouvia nas igrejas
bracarenses.

3 Biblioteca Pública de Braga, O Commercio do Minho, 11 de Dezembro de 1877. Cristina Fernandes


(2014: p.236) chama a atenção para o facto de diversas sinfonias da autoria de compositores
portugueses servirem de abertura a obras sacras. É o caso das sinfonias de António Leal Moreira
datadas de 1793, 1803 e 1805 que são Aberturas de Missas. (Idem, nota 13, p. 247)
4 Biblioteca Pública de Braga, O Commercio do Minho, 15 de Março de 1883.
5 Biblioteca Pública de Braga, O Commercio do Minho de 2 de abril de 1903 e 4 de abril de 1903.

98
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Catedral / Igreja – Celebração – Data Repertório - intérpretes


Fonte
Igreja da Torre Imaculada Virgem Brilhantes vésperas de João
O Bracarense, Santíssima, Senhora da Jordani
18 de Junho 1857 Torre – 1857 Magnifíco Te Deum do Sr.
Santos Pinto
Capela do Sr. Luís Baptista
Sé Catedral. Aniversário da Coroação do Te Deum de Marcos Portugal
Correio do Minho, Papa Leão XIII – 1903 Tantum Ergo de Freitas Gazul
3 de Março de 1903
Phylarmonica Bracarense
Capela dos Esmerizes
Coro dos alunos do curso de
Teologia
Missa Nova - 1912 Antes da Exposição do
Igreja da Senhora à Santíssimo
Branca Ouverture da ópera Jone de
Petrella
Correio do Minho, Depois da Exposição do
3 de Março de 1903 Santíssimo
Salutaris Hostia de Mozart
Kiries e Gloria de Rossini
Ao Sermão
Salve Regina de Bartolini
Santus e Agnis Dei de
Mazziotti
Final
Te Deum de Carlos Araújo
Tantum Ergo de Arroyo
Grande Symphonia da opera
Campassoni do Maestro Mazza
Igreja do Pópulo Festa da Immaculada Magnificat alternado pelo
Echos do Minho, Conceição clero e coro
19 de Dezembro de Te Deum de Santos Pinto
1912 Canto de Parce Domine pela
congregação (em português)

Orchestra Esmeriz

99
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

A notícia do jornal Echos do Minho sobre as celebrações na Igreja do Pópulo contra


os protestantes referiu-se às obras interpretadas pela orquestra dos Esmerizes:

A orchestra Esmeriz apresentou composições musicais que se não eram em tudo conforme
as prescrições do Motu próprio de SS Pio X acerca da Musica Sacra – approximavam-se e
6
não desdiziam do logar a que se destinavam (…)

A cidade era conhecida pelas suas igrejas e torres sineiras que constituíam traços
identitários de uma paisagem sonora marcada pelo pulsar dos sinos. Num tempo em que o
relógio era ainda um luxo, a vida das populações era pautada pelos seus toques que
obedeciam a um regulamento próprio assinado em 1888 pelo governador Civil Visconde
de Pindela. Com o advento da República a paisagem sonora das vozes de bronze alterou-
se significativamente, sendo apenas autorizados em 1911 toques de 3 minutos a partir das
5 da madrugada e de hora em hora.

Há dias foi multado o sineiro de Santa Cruz e repreendido o sineiro da Sé. O motivo foi o
julgar da autoridade que os ditos sineiros excederam no toque dos sinos, o respectivo edital
regulamentar. (Bibioteca Pública de Braga, Echos do Minho, 12 de Agosto de 1912)
Greve dos sineiros
(…) Muita gente tem deixado de almoçar e jantar por lhe faltarem os repiques costumados.
Anda tudo triste e taciturno (…) os badalos estão a enferrujar-se (…) será de enviar carta
7
para Lisboa pedindo-se providências urgentes.

A secular procissão Ecce Homo com o andor do Senhor no passo da flagelação e o


precioso relicário de Santo Lenho foram (e continuam a ser) momentos marcantes nas
celebrações da Semana Santa na cidade. A imprensa local não deixava de mencionar a
presença da música que, de forma peculiar, através da matraca ou ruge-ruge, da trombeta
e da banda filarmónica com suas marchas graves, ecoavam no silêncio da noite. Em 1859,
a banda do Regimento de Infantaria 8, regida por José Maria Pernau integrou a procissão.
Os Misereres que então se ouviram foram da responsabilidade da Capela dos Esmerizes.
A tradição de se cantar o Salmo Miserere consta no capítulo XXIII do Compromisso da

6 Biblioteca Pública de Braga, Echos do Minho, 19 de Dezembro de 1912.


7 Biblioteca Pública de Braga, Notícias do Norte, 31 de Agosto de 1913.

100
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Santa Casa da Misericórdia de Braga, datado de 1628, instituição responsável pela


realização da procissão de quinta feira santa.
Acompanharão por huma parte e outra o Ecce Homo, e crucifixo doze tochas, que irão
nas mãos de doze irmãos seis nobres e seis officiaes, cercando a todos sacerdotes e mais
Padres, cantando a coros em canto de órgão o psalmo de Miserere mei Deus, a que
responderão outros sacerdotes que também irão divididos em coros entre a irmandade.8
Em 1907, Antero de Figueiredo, descreveu a Procissão Ecce homo, referindo-se ao
estranho vozear da multidão que precedia a procissão em que se pronunciavam em voz
alta os crimes cometidos, uma espécie de carta anónima em pregão. Passada a algazarra, a
solene e silenciosa procissão percorria as ruas da cidade, com as luzes interiores da casa
apagadas, e onde apenas se ouviam os sons das matracas chamando à penitência e os
tambores que marcavam a cadência no andar dos soldados (FIGUEIRED0, 1907). A
implantação das ordens religiosas no espaço urbano constitui também uma importante
referência para a história das cidades. Os seus edifícios, constituídos pela igreja, edifício
conventual e cerca, originaram focos de desenvolvimento do espaço urbano e
proporcionaram no passado às populações vivências culturais e religiosas de forte
componente musical. Os espaços conventuais foram, na época em questão, espaços de
cultura e de ensino e prática musical. Segundo Gaspar (2002, 90) «a edificação de um
Convento, quer no interior do tecido urbano consolidado, quer na periferia, representava
sempre um elemento de qualificação do espaço em que se inseria.» Os processos de
renovação urbana e o desenvolvimento de novos bairros junto dos mosteiros permitiram
que as populações se aproximassem das casas conventuais assistindo às manifestações
litúrgico-musicais então realizadas.
A hegemonia do melodrama sobre a vida musical era evidente em Braga. Da prática
musical existente pode dizer-se que coexistia o estilo antigo puro de cantochão na liturgia
formal, o estilo antigo com acompanhamento do órgão designado de cantochão figurado e
o stile concertato, constituído por obras policorais com acompanhamento de órgão e
outros instrumentos, da autoria de compositores portugueses influenciados pelos
compositores italianos, dos próprios compositores italianos activos ou conhecidos em
Portugal e dos músicos cidade.

8 Arquivo Distrital de Braga, Fundo da Misericórdia, nº2, f.28v. Veja-se para este assunto Lessa, 2018, 85-
106.

101
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

A música nas freguesias rurais e as celebrações festivas das Confrarias religiosas

A festa religiosa alcançava uma dimensão sacro-profana de interacção social


extraordinária desde o cerimonial litúrgico provido de interpretações virtuosísticas de
cantores, organistas e outros instrumentistas. A Igreja e toda a freguesia profusamente
iluminada e enfeitada constituía atmosfera exuberante. Através da música vivia-se a
religiosidade em que os fiéis partilhavam experiências afectivas e de forte impacto
sensorial. Os serviços religiosos realizados nas Igrejas de cada freguesia eram
musicalmente ricos com particular destaque para a celebração Natal, (Autos de Natal)
Páscoa, (Vias Sacras) e festas de devoção dos padroeiros. Os músicos eram contratados
para cantar e tocar nas funções religiosas. A Confraria de Nossa Senhora da Consolação
da Freguesia de Nogueiró foi fundada em 1617. A sua Capela fica situada no Monte da
Consolação. O templo, construído depois século XVII, em substituição de um outro que
existiu no mesmo local, tem um retábulo no altar-mor em estilo ainda de gosto rococó,
datado de 1776 e «(…) tudo na forma de risco por Carlos Jose Ferreira da Cruz
Amarante9. O sino do campanário foi fundido em 1802 na firma bracarense de João
Ferreira Lima situada na freguesia de S. Lázaro, conforme se lê na inscrição:
«1802/Joannes Ferreira Lima/me fecit Bracara João Ferreira Lima me fez em Braga». O
toque manual, cada vez mais raro nas torres sineiras das Igrejas do concelho de Braga,
mantém-se, podendo ouvir-se o seu toque na Festa da Padroeira, que continua a realizar-
se na actualidade. No passado, o sino então denominado «Vaca da Consolação»
convidava o povo de Braga para lutar em defesa das tropas Miguelistas, que ali estiveram
em 1846. Em 1948, o Sineiro Vilaça recebeu dez escudos por tocar na Festa de Nossa
Senhora da Consolação10.
No arquivo desta confraria conserva-se uma cópia manuscrita do Hino Marcha de
Nossa Senhora da Consolação para Banda, composto em 1926 pelo Capitão Joaquim
António de Morais, chefe da Banda do Regimento de Infantaria nº 8 entre os anos de
1912 a 1920. Este músico exerceu uma notável actividade em Braga dirigindo esta
prestigiada banda nos famosos concertos de domingo no antigo jardim público da cidade.
Joaquim António de Morais foi também professor de piano e professor de música e
instrumentos no Colégio dos órfãos de S. Caetano (CARNEIRO, 1959, 185-187).

9 Termo da mesa de 6 de Dezembro de 1776. Oliveira,2010, Nogueiró. 135- 149 e 246.


10 Arquivo da Confraria de Nossa Senhora da Consolação. Diário – Receita e Despesa da Irmandade de
Nossa Senhora da Consolação [1932 – 1948].

102
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Certamente este Hino Marcha foi muitas vezes tocado no coreto pelas bandas que
animavam a festa ou, como era uso no couce da procissão.

Figura 1 - Arquivo da Confraria de Nossa Senhora da Consolação. Nogueiró,


Braga

A Música nos Teatros da cidade

A música em Lisboa e nas principais cidades portuguesas caracterizou-se desde o


reinado de D. João V e perdurando quase dois séculos pelo predomínio da tradição vocal
italiana quer no campo da música religiosa quer operática (Cymbron, 2012, 1). O gosto e
a moda da ópera na corte lisboeta rapidamente passou para a cidade do Porto. Tratando-se
de um espectáculo grandioso, atraía o público, que já se habituara ao esplendor das festas
religiosas. Nos finais do século XIX, princípios do século XX, com excepção das cidades
de Bragança e Castelo Branco as capitais de distrito tinham construído os seus teatros
públicos, a maioria segundo o modelo italiano, tal como o Teatro S. Carlos em Lisboa,
ainda que com dimensões mais pequenas e naturalmente mais modestos. A programação
musical dos teatros públicos era polissémica e irregular, sendo muito apreciadas as
operetas e zarzuelas trazidas de Espanha.
O Teatro S. Geraldo abriu as suas portas em 1860 e encerrou em 1929 e possuía uma
orquestra permanente dirigida ao longo de mais de vinte anos por Manuel João de Paiva e
depois por Luís Esmeriz.

103
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Figura 2 - Teatro S. Geraldo de Braga

Figura 3 - O Commercio do Minho, 4 de Novembro de 1902

Biblioteca Pública de Braga

As operetas e zarzuelas constituíam repertório muitíssimo apreciado, mas às vezes


criticado pelas temáticas demasiado ousadas para uma cidade tão religiosa como Braga.

11
A musica nas 3 récitas foi lindamente bem executada. Casta Suzana só tem a recomenda-
la a beleza e sentimento da muzica e o desempemho hábil dos interpretes. Sobre o todo

11 Opereta «A Casta Susana» de George Okoukowsky e música de Jean Gilbert.

104
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

moral da peça temos conversado. Deixa bem a desejar e até se pode dizer que é
12
inconvenientíssimo (…)

Os espectáculos de ópera sucediam-se no regime de compra de assinatura,


assegurando a viabilidade das récitas. No início do século a Companhia Lyrica do Real
Theatro de S. João apresentou-se várias vezes neste teatro, que acolhia também inúmeros
espectáculos de beneficiência organizados pelas instituições de caridade da sociedade
bracarense.
A inauguração do Theatro Circo ocorreu a 21 de Abril de 1915 com cinco espetáculos
de opereta13. La reginetta delle rose (Rainha das Rosas) do compositor italiano Ruggero
Leoncavallo (1857-1919), regida pelo Maestro Assis Pacheco foi a primeira obra a ser
levada à cena pela Companhia de Teatro Eden de Lisboa dirigida por Luís Galhardo e da
qual fazia parte a actriz Palmira Bastos. Nos dias seguintes à estreia foram representadas
também com grande êxito Zigeunerliebe (Amor de Zíngaro) de Franz Lehár (1870-1948)
Raínha do animatografo de Jean Gilbert (1879-1942)14, Maridos Alegres
15
(Das Luxusweibchen) do compositor alemão Max Gabriel (1861-1942) e a opereta
portuguesa O Burro do Sr. Alcaide do músico e empresário Ciríaco Cardoso (1846-
1900)16 . As representações de operetas ou de farsas musicais, bem próximas do teatro
musicado com diálogos falados e trechos cantados, e também as zarzuelas, composições
dramáticas e musicais típicas do teatro espanhol, tinham alcançado um público fiel desde
os finais do século XIX. Nos seus primeiros anos, o Theatro Circo apresenta em Braga as
principais Companhias de Lisboa e do Porto de teatro musicado como aconteceu em 1917
com a Companhia Ruas do Teatro Apolo, a Companhia Taveira do Teatro Trindade,
(1916 e 1918), a Companhia Portuguesa de Operetas do Teatro Avenida (1917 e 1918) e
a Companhia de Opereta do Teatro Carlos Alberto (1928). Os espetáculos, amplamente
divulgados, tinham à partida sucesso garantido com a presença de muito público. Em

12 Biblioteca Pública de Braga, Echos do Minho, 14 de Dezembro de 1913.


13 O musicógrafo bracarense Álvaro Carneiro (1909-1986) no seu livro Música em Braga elencou os
espetáculos de música realizados no Theatro Circo nos anos de 1915 a 1955. Sobre a programação musical
do Theatro Circo leia-se Lessa, 2016, 149-168.
14 A rainha do animatógrafo: opereta em 3 atos. Adaptação de Henriques da Silva; música de J. Gilbert. -
Lisboa: Impressão de Manuel Lucas Torres, 1914. Biblioteca da Universidade de Lisboa. [00507786]
CDU82-2.
15 Palmira Bastos apresenta-se pela primeira vez no Teatro Petrópolis no Rio de Janeiro a 23 de Abril de
1916 com a opereta Maridos Alegres, de Max Gabriel.
16 O burro do Sr. Alcaide é uma opereta em 3 atos da autoria de D. João da Câmara (1852-1908) e Gervásio
Lobato (1850-1895), com música do maestro Ciríaco Cardoso (1846-1900). Foi representada com grande
sucesso nos teatros Avenida, Trindade, Príncipe Real, D. Amélia e Rua dos Condes em Lisboa, no Teatro do
Príncipe Real no Porto e no Teatro Lucinda e Recreio Dramático no Rio de Janeiro.

105
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

1930, o Theatro Circo acolheu um espectáculo da Grande Companhia de Zarzuela e


Opereta Rafaela Haro y Enrique Povedano. O Teatro ao longo da sua história foi
acolhendo espectáculos produzidos pelos artistas e instituições bracarenses apresentando
várias operetas. Em Dezembro de 1926 e Janeiro de 1927 a Sociedade Bracarense de
Opereta apresentou a opereta sacra O Berço do Salvador (também intitulada O
nascimento de Cristo). Esta obra, cuja música original é de António Martinho Fernandes
Gomes dos Campos [1839-1888]17 foi representada em Braga durante vários anos no
Natal e Ano Novo sempre com diferentes designações (CARNERO, 1959, 121). A 27 de
Junho de 1915 o cinematógrafo do Theatro é inaugurado com a projeção do filme
Aventuras de Catalina. No ano seguinte O Commercio do Minho noticiava mais uma
sessão cinematográfica.

N’este elegante theatro efectua-se amanhã o espectáculo cinematographico do costume,


tomando parte no mesmo os dintinctos artistas musicais, Xisto Lopes, pianista e Perez,
violoncelista, que executarão admiráveis trechos de música clássica. 18

Figura 4 - Manifestação de apoio à participação de Portugal na Primeira Guerra


Mundial, junto à fachada do Theatro Circo, em 2 de Abril de 1916, onde vê um
cartaz anunciando a realização da ópera D. Mécia de Óscar da Silva

17 Nasceu em Braga. Foi organista, professor de música e compositor de música sacra. Na juventude era
conhecido como Boémio bracarense por cantar modinhas à viola. (Carneiro 1959:84-86).
18 Biblioteca Pública de Braga, O Commercio do Minho de 19 de fevereiro de 1916.

106
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Em 1916, o pianista de craveira internacional Raimundo de Macedo (1880-1931)19


dirige a novela lírica em dois actos, Dona Mécia composta em 1901 por Óscar da Silva
(1870 - 1958), baseada num argumento de Júlio Dantas.
Raimundo de Macedo havia fixado residência em Braga em 1924. Nos anos em que
permaneceu nesta cidade, exerceu intensa atividade artística colaborando sempre com o
Theatro Circo. Em 1926, fundou e dirigiu a Grande Orquestra Sinfónica Bracarense,
constituída por oitenta músicos. O concerto realizado a 18 de fevereiro desse ano obteve
enorme êxito ouvindo-se no início a Abertura da ópera Der Freichutz de Weber e
terminando com a Marcha e Coro da Ópera Tannhauser de R. Wagner com a participação
do Orfeão de Braga.20 No piano Bechstein, enviado de Lisboa em 1927 pela casa J.
Heliodoro d’Oliveira para ser usado no Sarau d’Arte do Orfeão de Braga 21, tocaram
pianistas extraordinários como Vianna da Mota, que a 6 de Abril de 1930 realizou um
concerto de música de câmara com Paulo Manso (violino) e Fernando Costa (violoncelo).

A Música no Jardim Público e nas festas da cidade

No dia 11 de Novembro de 1908 por ocasião da visita à cidade do Rei D. Manuel II


foi erguido um anfiteatro em frente ao extinto Banco do Minho (hoje CGD) onde se
realizou um concerto por uma banda de música e um orfeão composto por alunos dos
seminários e colégios de Braga com cerca de 600 vozes dirigidos por Sousa de Moraes22.

19 Pianista, diretor de orquestra e professor do Conservatório de Música do Porto. Fundou a


Orquestra Sinfónica Portuense (1910), a Sociedade de Concertos Sinfónicos e a Sociedade de
Música de Câmara. Em 1929 foi para o Brasil onde leccionou no Conservatório de S. Paulo, vindo
a falecer em 1931.Carneiro, 1959, 213-219.
20 Apesar do sucesso obtido a Orquestra Sinfónica Bracarense não contou com os apoios necessários à sua
continuação.
21 A cantora de carreira internacional Cacilda Ortigão e o pianista Raimundo de Macedo também
participaram neste concerto. Biblioteca Pública de Braga, Correio do Minho de 26 de maio de 1927.
22 Biblioteca Pública de Braga, O Commercio do Minho, 14 de Novembro de 1908.

107
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Figura 5 - Postal de Braga do princípio do século XIX

As bandas filarmónicas da cidade apresentavam-se todas as quintas e domingos no


coreto da Avenida. Segundo Álvaro Carneiro (1959, p.163) o público entusiasta ouvia
cheio de interesse as obras executadas. Os órfãos do Colégio de S. Caetano tinham por
hábito alugar as cadeiras para as senhoras se sentarem durante a actuação das bandas. A
Banda da Infantaria 8 participava regularmente nestes concertos que no fim das suas
actuações interpretava sempre a Portugueza (1890) de Alfredo Keil. O repertório que
então se ouvia era constituído por obras originais para banda e arranjos e transcrições de
aberturas de óperas, sinfonias, concertos etc. As zarzuelas eram também muito
apreciadas.
A 12 de Janeiro de 1913 ouviu-se na primeira parte «P. Dobrado de J. A. Moraes,
Guarany –Ouverture opera de Carlos Gomes, Foujoures Fidele – Suite de Valsas de Wald
Tenfel, Tanhauser – Wagner e na segunda La viejecita – Zarzuela de Caballero, As
Bailarinas Polka de saxofones de Sousa Moraes , Alma de Mefistofeles P. Cala J. A.
Moraes, Hino Nacional.»23

23 Biblioteca Pública de Braga, Echos do Minho, 12 de Janeiro de 1913.

108
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Figura 6 - Echos do Minho, 5 de Julho de 1914

Biblioteca Pública de Braga

Os concertos de música na Avenida nas Festas de S. João


A 24 de Junho de 1899, dia da Festa de S. João, Sousa Moraes [1863-1919]
apresentou a sua obra Quadros Bíblicos no Jardim Público dirigindo a banda do
Regimento de Infantaria 6 do Porto e um coro formado por vinte meninas. A obra com
texto de Manuel Inácio da Silva Braga voltou a ser ouvida nas Festas de S. João de 1901 e
1906. João Carlos de Sousa Morais (Valença do Minho, 1863- Porto, 1919), regente de
banda e compositor, escreveu várias obras profanas e religiosas, destacando-se o poema
Sinfónico Viagem do Gama que ele considerava a sua melhor obra. Dirigiu a Tuna do
Seminário Conciliar de Braga, as Bandas do Regimento de Infantaria nº 6 do Porto,
Banda da Póvoa do Lanhoso, Banda de S. João da Madeira e Orquestra do Círculo
Eborense. As suas obras, espalhadas pelos espólios das bandas que regeu, demonstram
grande mestria e criatividade, constituindo património musical português de relevo.
Quadros Bíblicos e Homenagem a Braga, entre outras obras dedicadas ao Minho e Alto
Minho, foram sempre ouvidas com entusiasmo e apreço pelo público bracarense
(CARNEIRO, 1959, 300-309). A ausência de meios nas bandas era por vezes
compensada com a enorme criatividade e espírito de entrega dos seus maestros, sendo
disso exemplo algumas obras de Sousa Morais que demonstram mestria na composição
de obras para banda sinfónica desta época24.

24 Matos, 2009, 67.

109
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Os Quadros Bíblicos
A graça cativante das virgens figurantes, a riqueza e colorido dos trajes, a movimentação
cénica por entre jorros de luz eléctrica, a harmonia dos coros sacros com música do
reputado maestro Sousa Morais, enlevarão como sempre, os milhares de espectadores dos
interessantes e formosos quadros bíblicos.25

A Comissão das Festas de S. João, corria o ano de 1927, convidou o violinista David
Dias de Paiva [1883- depois de 1959] para dirigir a obra Quadros Bíblicos de João de
Sousa Moraes. Procurando a partitura apenas encontrou a primeira e segunda parte nos
arquivos da Filarmónica Bracarense e da Banda dos Bombeiros Voluntários de Braga.
David Paiva pediu então a uma senhora que conhecia a obra para cantar a terceira e
última parte, reconstituindo a partitura. O concerto realizou-se na Avenida Central na
noite de 24 de junho desse ano, sendo a obra interpretada pela Banda de Monsul da Póvoa
de Lanhoso e um coro de 40 vozes femininas (CARNEIRO, 1959, 263)26 . Joaquim José
de Paiva [1832-1901] foi regente da Filarmónica Bracarense mais tarde conhecida como
«Bandas dos Paivas» durante mais de 30 anos. Segundo Álvaro Carneiro (1959, pp. 216-
219) havia um grande despique entre esta banda e a banda da Infantaria 8. A sua viúva
fez publicar um anúncio no jornal em 1902, para venda do espólio musical deixado por
este compositor, constituído por cerca de 400 obras.

Arquivo de Músicas
Joaquim José de Paiva (1832-1901)

Sinfonias e aberturas (30)


Fantasias, Cavatinas, árias e duetos de óperas (80)
Pot-pourris e rapsódias (50)
Variações para diversos instrumentos (20)
Marchas, hinos e ordinários diversos (70)
Valsas de muitos autores (60)
Mazurkas, polkas, scots, boleros, habaneras (100)
Música de capela como Missas, symphonias, vésperas,um grande número de
coros para Procissões, Te Deums e algumas músicas de dança.

Biblioteca Pública de Braga, O Commercio do Minho, 25 de Novembro de 1902

25 Biblioteca Pública de Braga, O Commercio do Minho de 12 de Junho de 1906.


26 Desconhece-se actualmente o paradeiro da partitura desta obra.

110
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

As associações culturais e prática musical amadora

O Clube Musical, que se havia unido ao Clube Musical Bracarense fundado em 1888,
organizava com regularidade recitais de música de câmara; os seus saraus de arte
contavam com músicos de relevo do Porto como Bernardo Moreira de Sá, Leonilda
Moreira de Sá e Luís Costa. Estas iniciativas incluíam, além da música, conferências
proferidas por intelectuais como os Doutores Martins d’Almeida e Gonçalo Sampaio.
Noutras associações como o Salão Recreativo Bracarense, fundado em 1924, assistia-
se a espetáculos de teatro musicado; as associações de música coral como o Orfeão de
Braga fundado em 1923, o Orfeão do Clube Musical, o Orfeão do Seminário ou o Orfeão
da Escola do Magistério Primário ou ainda a Tuna do Orfeão de Braga ou a Tuna da
Juventude Católica desenvolveram intensa actividade musical na cidade.
Fundido o Clube Musical com o Clube Bracarense, Lopes Gonçalves auxiliado por
vários rapazes da élite bracarense faz ressurgir o antigo orfeão e sob a sua regência se
apresentou várias vezes em público, ficando célebre a audição na festa das Dores dos
Congregados do Stabat Mater de Rossini, [em 1903] integralmente executado e cantado
por amadores. Ao lado do grupo orfeónico e com a mesma regência se mantinha um belo
grupo de câmara de que faziam parte o hábil cirurgião e violinista Henrique Teles,
António da Costa, Dr. Leal e os nossos velhos amigos e distintos amadores, coronel
Sebastião Mesquita Acácio Guimarães e Dr. Arnaldo Machado….27

Os espectáculos musicais nos cafés e nos hotéis e casino do Bom Jesus do Monte

O Café Vianna, inaugurado em 1871 e localizado no edifício da Arcada, bem no


centro da cidade, é um dos mais antigos cafés de Braga. Vários jornalistas, políticos e
escritores portugueses como Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco por ali passaram.
No café Viana actuavam regularmente grupos musicais da cidade como o Quinteto Torta,
cujo nome pertencia ao seu fundador, um contrabaixista italiano que trabalhou em Braga
entre os anos de 1916 a 1921. Deste grupo faziam parte Paulette Garot (violinista
francesa) Teresa Torta (2º violinista) e Adelina Torta (Violoncelista). No dia 15 de Julho
de 1928 foi inaugurado outro dos mais notáveis cafés de Braga: o Café e Restaurante
Astória. Situado ao lado do Café Vianna, no edifício da Arcada, este café encantou os
bracarenses pela qualidade e beleza das suas instalações. Para o jornal Diário do Minho
de 15 de Julho de 1928, o Astória apresentava-se como um estabelecimento chic. Nos

27 “A Educação Musical em Braga“ artigo publicado no Correio do Minho de 20 de Julho de 1929 escrito
pelo Dr. Jerónimo Louro, ao tempo Presidente do Orfeão de Braga. Ver também Carneiro, 1959:185-186.

111
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

principais cafés da cidade e clubes já mencionados, os seus frequentadores usufruíam de


momentos musicais protagonizados por um vasto número de músicos naturais ou
residentes em Braga, em que as senhoras instrumentistas tinham um papel de relevo. Bem
conhecida pelas suas actuações era a orquestra dirigida por D. Olimpia Baptista que se
fazia ouvir também no Palace Clube e o conjunto musical Torta. Em 1930 todavia, o
proprietário do Astória não permitiu que se realiza-se a festa de despedida do Trio
Sinfónico Russo por ser quinta-feira santa.28
Nos hotéis do Bom Jesus do Monte os concertos de música de câmara também
realizavam-se com alguma frequência. Os livros de despesa conservados na confraria do
Bom Jesus do Monte contêm o registo de despesas ao longo dos anos na compra de
pianos e realização de concertos na secção Música de Reclame e Propaganda.29 O
Commércio do Minho de 16 de Julho de 1886 anunciou a realização de um concerto no
Grande Hotel do Bom Jesus por Mademoiselle Gabrielle Neusser, violinista,
Mademoiselle Elise Weinlich, violoncelista, e pelo snr. Xisto Lopes, pianista. O
programa incluiu a interpretação de obras de Mendelssohn, Goltermann, Rubinstein,
Vieuxtemps, Haydn, Popper, Littolff, Raff e Sarasate. O jornal informou os seus leitores
que o preço da entrada era de 800 réis, e com americano e elevador, ida e volta, teriam
que ser desembolsados mais 1$000 réis e que bilhetes estavam à venda no escritório da
companhia dos americanos em Braga30 e no Grande Hotel do Bom Jesus. O público
presente neste concerto receberia como brinde álbuns de 5 a 7 músicas para piano.

Os concertos e outros eventos musicais nos estabelecimentos de ensino

No Colégio do Espírito Santo e noutros colégios da cidade realizavam -se inúmeras


récitas musicais pelos alunos e concertos em ocasiões especiais. No Salão do Ensino
Mútuo em Braga31 realizaram-se vários concertos. Francisco Sá Noronha (1820-1881),
natural de Viana do Castelo apresentou-se em Braga e Guimarães várias vezes, tendo
realizado um concerto no dia 16 de fevereiro de 1856. O jornal Farol do Minho referiu-se
ao grande sucesso deste concerto dois dias depois.

28 Biblioteca Pública de Braga, Diário do Minho de 19 de Abril de 1930.


29 Sobre a prática musical no Bom Jesus do Monte em Braga leia-se Lessa, 2018.
30 Designação dada em Portugal no século XIX de um meio de transporte ligeiro de passageiros, precursor do
carro eléctrico.
31 Segundo Rómulo de Carvalho provavelmente D. João VI, influenciado pelo general Beresford que, em
resposta a um pedido feito pelo governo português à velha aliada Inglaterra, foi encarregado de organizar o
nosso exército, corria o ano de 1809 cria as escolas regimentais (Portaria de 10 de Outubro de 1815)
coincidindo esta data com a estadia de Beresford no Brasil, em visita ao rei, ocorrida entre Agosto de 1815 e
Setembro de 1816. Carvalho, 2001, 527.

112
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Figura 7 - Pharol do Minho, 18 de Fevereiro de 1856

Biblioteca Pública de Braga

Em Abril do mesmo ano o Salão de Ensino Mútuo acolheu um concerto com cantores
vindo do Teatro S. João.

113
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Figura 8 - Pharol do Minho, 10 de Abril de 1856

Biblioteca Pública de Braga

A 21 de Abril de 1935 um grupo de senhoras da alta sociedade bracarense resolveu


comemorar o 20º aniversário da inauguração do Theatro Circo com uma Récita de Gala.
Nesse espectáculo ouviram-se cantares populares sob orientação do Prof. Dr. Gonçalo
Sampaio [1865- 1954] que, devido à sua idade avançada, contou com a colaboração do
Prof. Mota Leite. O sucesso obtido levou a que este grupo, que viria a dar origem ao
Grupo Folclórico Dr. Gonçalo Sampaio, fosse convidado a actuar no Casino do Bom-
Jesus, no dia 16 de Maio desse ano, perante um numeroso grupo de intelectuais
estrangeiros que participou no II Congresso Ibero – Americano. Dado o sucesso desta
iniciativa, o Prof. Dr. Gonçalo Sampaio lançou a ideia que há muito acalentava de formar
um grupo folclórico com carácter permanente. A ideia do Prof. Dr. Gonçalo Sampaio só
viria a vingar mais tarde. Gonçalo Sampaio realizou uma enorme recolha de danças,
cantares, trajos e outros motivos tradicionais de toda a Região do Baixo Minho com

114
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

interesse para a futura constituição do tão desejado grupo folclórico, que viriam a ser
publicados após a sua morte por um grupo de amigos no Cancioneiro Minhoto.32
No Seminário Diocesano a Sessão solene organizada pela Associação Católica por
ocasião do 23º aniversário da Coroação do Papa Leão XIII em 1901, a Orquestra do
seminário executou os hinos dedicados ao Arcebispo, excertos das óperas Dinorah de
Meyerbeer, I Lombardi Alla Prima Crociata de Verdi, Cavalaria Rusticana de Mascagni e
Canto à Virgem de Joaquim de Almeida.33 A extinção da Capela da Sé em 1911 e o
conjunto de medidas derivadas da portaria do arcebispo de 1916 com determinações
religiosas sobre a Música Sacra nomeadamente a proibição às mulheres de integrarem o
coro da capela, a obrigação do Canto Gregoriano, a formação musical adequada nos
seminários e ainda a existência de uma comissão de sacerdotes com funções de controlo
da prática musical nas igrejas teve algumas consequências na escolha do repertório. A
criação do Grupo Musical Pio X constituído por uma schola cantorum e uma orquestra de
25 músicos, com o objectivo de seguir o programa Motu Proprio Tra le Sollicitudini
(1903) deste Papa parece ter contribuído para se passarem a ouvir nas principais igrejas
da cidade obras dos compositores da polifonia da Escola Romana do século XVI e dos
compositores da época recomendados. Na Páscoa de 1930 o jornalista do Diário do
Minho referindo-se ao coro Schola Cantorum do Seminário de Teologia dirigido pelo
Padre Manuel de Carvalho Alaio (1888-1937) escreveu: «O Miserere de Amatucci foi
inexcedivelmente cantado podendo se dizer, sem favor, que empolgou a assistência pela
sua majestade.»34 Obras sacras de Marcos Portugal, Freitas Gazul e Santos Pinto
integravam também as celebrações litúrgicas das principais igrejas de Braga.

Notas finais

Cymbron afirma que Ópera, virtuosismo e música doméstica constituem os traços


marcantes da prática musical nas cidades de Lisboa e no Porto (CYMBRON, 2012). Com
uma população reduzida na época e uma situação geográfica periférica, a actividade dos
dois teatros de ópera italiana na cidade de Lisboa, a capital, e no Porto, a segunda cidade,
como então era designada, constituíram as duas principais instituições de actividade
referencial no campo operático. No entanto, uma diferença importante as distinguia: S.
Carlos, teatro da capital, era para todos os efeitos o teatro real, com apoios garantidos,
enquanto o Teatro S. João, identificado como modelo de teatro social, não dispunha de

32 Sampaio, Gonçalo (1940), Cancioneiro Minhoto. Porto: Livraria Educação Nacional.


33 Biblioteca Pública de Braga, O Commercio do Minho, 26 de Fevereiro de 1901.
34 Biblioteca Pública de Braga, Diário do Minho, 19 de Abril de 1930.

115
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

apoios regulares (CYMBRON, 2012). Segundo Rigaud (2011) Lisboa, a capital é o


modelo, porém, o Porto assume igual protagonismo ou talvez superior. O mesmo não
acontecia com as restantes cidades de província e em particular do interior, em que as
actividades musicais eram poucas, intermitentes ou mesmo raríssimas. No caso dos
espectáculos de Ópera, com excepção do Porto, tratava-se de um acontecimento que
marcava as cidades de província, por se tratar de uma oportunidade raramente possível.
Pelo contrário, a música nos serões das casas particulares e o ensino de piano às meninas
das famílias com posses, fazia parte do quotidiano das populações da maior parte das
cidades de província.
As manifestações festivas no domínio religioso eram todavia os momentos altos de
fruição cultural e musical. Na verdade, a Música instrumental, ocupava em Portugal um
lugar muito significativo no contexto da prática musical litúrgica desde o século XVIII
(NERY, 2006). A festa religiosa apresentava uma dimensão próxima do entretenimento e
o estilo musical praticado nas nossas igrejas reflectia essa suposta natureza «profana»
(NERY, 2014:20). Em Braga, como já se afirmou, o Natal, as celebrações na Semana
Santa, as procissões Corpus Christi, as festas populares e romarias próprias de cada
cidade de província contavam com a participação dos habitantes locais e visitantes vindos
de fora constituindo-se como manifestações de cultura num ambiente de devoção e
diversão das populações. A cidade não foi excepção, talvez apenas com a particularidade
de ter muitas igrejas e outras instituições religiosas e, por essa razão, um grande número
de celebrações festivas. No que concerne os aspectos estilísticos referentes à Música ao
longo do século XIX, o repertório que então se ouvia nesta cidade era uma espécie de
sinfonia dramática para orquestra e vozes com uma narrativa de temática religiosa.35 Na
verdade, os compositores não estabeleciam grandes diferenças entre composições para
ópera, igreja ou música dramática. Como afirmou Jorge Matta (2006, p.64) não se
vislumbram diferenças substanciais entre as sinfonias destinadas às Missas e ao hino Te
Deum e aquelas que eram escritas para as óperas. O século XIX contribuiu de forma
marcante para o afastamento de uma música puramente litúrgica produzindo obras de
carácter religioso que para alguns eram mais apropriadas para salas de concerto. Se nas
Igrejas de Braga a práxis musical era no século XIX e princípios do século XX
constituída por uma amplo repertório musical, na sua maioria circunstancial, com uma

35 Por vezes, o que se ouvia nas igrejas nada tinha que ver com temática religiosa. Dessa realidade nos deu
conta Camilo Castelo Branco (1884, p. 5): «Há pouco entrei no templo: o Sacerdote consagrava a hóstia, e o
órgão entoava a Traviata. Santo Deus! Quem quiser música de adormecer dores, e levantar a alma à sua
origem, há-de pedi-la à viração e à folhagem das árvores.»

116
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

circulação de partituras que davam resposta à prática musical quotidiana das Irmandades
e Confrarias e, se algumas obras eram de qualidade estética de menor valia, havia
também outras representativas da melhor produção musical do italianismo em Portugal.
É difícil imaginar o quotidiano da cidade sem as suas Novenas, Ladainhas, Vésperas,
Missas cantadas, Procissões e festas populares em que a Música era componente
fundamental. Lugares de memória e expressões de religiosidade, elementos essenciais de
identidade individual e colectiva, instrumentos para a compreensão da sociedade, revelam
uma paisagem sonora profundamente marcada por inúmeras celebrações religiosas. Pese
embora este facto, a cidade de Braga detinha na época em estudo, um expressivo
dinamismo cultural, social e económico, que deu lugar a diferentes espaços de lazer, onde
a rubrica sonora não se confinava à música sacra.

Fontes Documentais:
Biblioteca Pública de Braga - Periódicos consultados: A Illustração Popular, Archivo
Pittoresco, Aurora do Minho, Atalaia Catholica, A Sentinela, Echos do Minho, O
Bracarense, Commercio do Minho, Correio do Minho, Correspondência do Norte,
Diário do Minho, Gazeta de Braga, Noticias do Norte, Pharol do Minho.
Espólio da Confraria de Nossa Senhora da Consolação
Diário – Receita e Despesa da Irmandade de Nossa Senhora da Consolação [1932 –
1948]
Manuscritos Musicais: Hino marcha de Nossa Senhora da Consolação

Bibliografia:
CARNEIRO, Álvaro (1959) «A Música em Braga», Separata Theologica. Braga:
Oficinas de S. José.
CARVALHO, Rómulo (2001) História do Ensino em Portugal. Desde a Fundação da
Nacionalidade até ao fim do Regime de Salazar-Caetano. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, p.527.
CASTELO BRANCO, Camilo (1864) No Bom Jesus do Monte. Porto: Livraria
Chardron, 1906.
CYMBRON, Luísa (2012) Olhares sobre a Música em Portugal no século XIX. Ópera,
virtuosismo e música doméstica. CESEM. Lisboa: Edições Colibri.
FERNANDES, Cristina (2014) “Sinfonias “Al Divino”: Algumas Reflexões Sobre os
Usos da Música Orquestral nos Espaços Eclesiásticos da Monarquia”. In Vanda de Sá

117
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

e Cristina Fernandes, Coordenação. Música Instrumental no Final do Antigo Regime.


Lisboa: Edições Colibri,2014, pp. 231-250.
FIGUEIREDO, António (1907) “A procissão das Endoenças” Illustração Portuguesa",
II vol.,5 de Março.
LESSA, Elisa (2016) «Memórias Musicais do Theatro Circo», O Theatro e a Memória.
Braga: Caleidoscópio, pp. 149-168.
LESSA, Elisa (2018) Louvores ao Divino: “O Património Musical da Santa Casa da
Misericórdia de Braga”. Braga: Santa Casa da Misericórdia de Braga, pp. 85-106.
LESSA, Elisa (2018) O Património Musical do Bom Jesus do Monte. Braga: Confraria do
Bom Jesus do Monte.
MATTA, Jorge (2006) A Música Orquestral em Portugal no século XVIII. Diss. de
Doutoramento. Lisboa: Universidade Nova, Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas.
MATOS, Vitor (2009) A Sociedade Filarmónica Vimaranense e a Figura de Sousa
Morais (1863- 1919). Universidade do Minho. Dissertação de Mestrado.
NERY, Rui Vieira (2005) ”Piedade Barroca e Novas Práticas de Sociabilidade Urbana na
Música Sacro Luso-Brasileira do século XVIII” In Cristina Fernandes, Devoção e
Teatralidade. Lisboa: Edições Colibri, pp. 11-28.
NERY, Rui Vieira (2006) “Espaço Profano e Espaço Sagrado na Música Luso-Brasileira
do Século XVIII”, Revista Música, Universidade de S. Paulo, 11.
NERY, Rui Vieira (2014) “A Música Instrumental no Portugal do Antigo Regime:
Práticas de Sociabilidade e Estratégias de Distinção” In Vanda de Sá e Cristina
Fernandes (Coord.) (2014) Música Instrumental no Final do Antigo Regime. Lisboa:
Edições Colibri, pp. 17-36.
OLIVEIRA, Eduardo Pires de (2010) Nogueiró. Braga: Junta de Freguesia de Nogueiró.
RIBEIRO, Luís Cláudio (2015) As paisagens Sonoras e o seu Mapeamento. Uma
Cartografia do Sentido.
RIGAUD, João Heitor (2011) João Arroyo (1861-1930) – O Homem e a Obra. Dimensão
cívica e atividade musical. Poro: Universidade do Porto. Dissertação de
Doutoramento.
WESTERKAMP, Hildegard, (1991), The Soundscape Newsletter, nº1

118
A música na cidade de Évora. O papel do Boletim Municipal

Vanda de Sá

Resumo:

A partir de meados do século XX o município da cidade de Évora assumiu um importante


papel de valorização do património através da publicação, desde Dezembro de 1942, do
Boletim de Cultura A Cidade de Évora. A publicação, que teve como diretor António
Bartolomeu Gromicho e como editor Túlio Espanca, contou com edições regulares até
1993 num total de 76 números. Após a morte de Túlio Espanca iniciou-se a II série, em
1994, com 8 números publicados até 2009. A III série publicou o seu número I em 2016.
O periódico publicado como Boletim da Comissão Municipal de Turismo de Évora
dividiu-se em três vertentes (literária, burocrática e publicação de obras e documentos),
destacando-se uma vocação patrimonial evidente. Apesar de se privilegiar o património
edificado, com clara valência turística, abriu-se espaço para a apresentação de trabalho
pioneiro de levantamento e estudo dos fundos musicais da cidade, nomeadamente aqueles
associados à Sé Catedral. Com base nos artigos da I e II Séries do Boletim relacionados
com a vida musical e o património musical da cidade pretende-se analisar informação
relevante sobre o processo de arranque de valorização deste mesmo património bem
como sobre a atividade musical contemporânea na cidade, onde se encontram relatos de
grande valor documental.

Palavras-chave: Évora, música, Boletim Municipal, Sé de Évora

Abstract:
From the middle of the twentieth century the City Council of Évora assumed an important
role improving divulgation of the heritage by publishing, since December 1942 the
Boletim de Cultura A Cidade de Évora (The City of Évora).


O presente estudo insere-se no âmbito do projecto ALT20-03-0145-FEDER-028584 (PTDC/ART-
PER/28584/2017) – «PASEV: Patrimonialização da Paisagem Sonora em Évora (1540-1910)», financiado
por fundos nacionais através da FCT/MCTES e co-financiado pelo Fundo Europeu de desenvolvimento
Regional (FEDER) através do Compete 2020 – Programa Operacional Competividade e Internacionalização
(POCI).

CESEM NOVA FCSH / Universidade de Évora
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

António Bartolomeu Gromicho (director) and Túlio Espanca (editor) ensured that the
Boletim had regular editions until 1993 in a total of 76 numbers. After the death of Túlio
Espanca the II series began in 1994, with 8 numbers published until 2009.
In 2016 was published the number I of III series. The periodical was assumed as Bulletin
of the Municipal Commission of Tourism from Évora ans was divided into three parts
(literary, bureaucratic and publication of works and documents), highlighting an evident
patrimonial trend. Despite privileging the edified heritage, with a clear touristic value, it
was opened space for the presentation of pioneering work to survey and study the Évora’s
musical patrimony, namely the musical sources associated with the Cathedral. Based on
the articles of the ist and 2nd series, related to the musical life and musical heritage of the
city, we want to analyze relevant information about the process of evaluation of this
musical funds as well as about the musical activity in the city.

Keywords: Évora, music, Boletim Municipal, Évora’s Cathedral

A cidade de Évora constitui-se como um núcleo urbano de particular riqueza por se


articular com um património musical resultante da atividade de inúmeras instituições.
Embora Évora gozasse de algum prestígio económico e político anteriormente, foi no
século XVI que atingiu um período áureo:

o culminar desse período de riqueza e importância política, económica, cultural e artística.


Este facto, deve-se à escolha da cidade de Évora, durante este século, para estadas
prolongadas da corte, o que originou a construção do Paço Real (Palácio de D. Manuel),
bem como de inúmeros palácios e casas solarengas de residência de nobres,
conventos, igrejas, colégios e outros edifícios notáveis. (SIMPLÍCIO, 1997, 16)

A riqueza do património edificado que hoje se mantem num casco urbano de grande
valor histórico - aliás, reconhecido como Património Mundial da UNESCO em 1986 –
decorre do facto de Évora ser uma cidade que pouco se alterou desde o século XVII,
“tendo permanecido contida dentro do seu perímetro amuralhado até à primeira década do
século XX.” (RODRIGUES, 2008).
Devido a razões múltiplas que não são exclusivas à cidade de Évora a valorização do
património musical constituiu-se como um processo mais lento e ainda lacunar se
comparado com o património edificado. Mas como é amplamente reconhecido, Évora foi
um importante centro musical pelo menos desde o início do século XVI até às primeiras

120
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

décadas do século XIX. A paisagem sonora da cidade até ao final do Antigo Regime, c.
1820, foi dominada pela atividade musical de mais de duas dezenas de instituições
religiosas – seculares e monástico-conventuais – intramuros e extramuros. A sua
distribuição pela cidade compreendia um núcleo central circundando a Praça do Giraldo,
que englobava a Sé, com a Capela e o Colégio dos Moços do Coro. Envolvia também a
igreja colegiada de Santo Antão e igreja de S. Tiago, e ainda cinco conventos, para
além de outras instituições como o Colégio jesuíta do Espírito Santo. Na zona extramuros
encontrava-se o mosteiro de S. Bento de Cástris, do Espinheiro, da Cartuxa e de Santo
António da Piedade, entre outras1. Para além da atividade musical multifacetada que dava
resposta às exigências do quotidiano, relacionadas com o calendário e com as festas
sacras associadas às várias instituições, acresce um conjunto de compositores polifonistas
de qualidade superlativa em atividade entre os séculos XVI e XVII. Esta idade de ouro
musical que ficaria conhecida como Escola de Polifonia Sacra de Évora, é hoje
responsável por colocar a cidade no mapa internacional dos reportórios ao mais alto nível
e agrupa uma série de autores em torno da maestria do ensino de Manuel Mendes na
Claustra da Sé de Évora2.
Ao longo do século XX o processo de valorização do património da cidade, também
musical, viria a contar com contributos de várias instituições da cidade, nomeadamente da
Universidade que após o encerramento em 1759, voltou a ser aberta em 19733. Em 1963 a
criação da Fundação Eugénio de Almeida, por Vasco Maria Eugénio de Almeida, viria a
revelar-se também importante para a fixação e afirmação cultural da cidade. O município
foi contudo a instituição que assumiu desde cedo um papel de valorização do património
através da publicação, desde Dezembro de 1942, do Boletim de Cultura A Cidade de

1
Refira-se quatro comunidades vindas da medievalidade: mosteiro de S. Bento de Cástris, (cisterciense), e os
conventos de S. Francisco, de S. Domingos e de Santa Mónica, de agostinhas calçadas;
- cinco no século XV, a fundação de Santa Margarida (paulista), do Espinheiro (jerónimos) em 1452, de
Santa Clara (clarissas), em 1458, dos Lóios (S. João Evangelista), em 1485, da Graça (agostinhos descalços)
em 1495; cinco no século XVI, o Paraíso (dominicanas), em 1516, de Santa Catarina de Sena (dominicanas),
em 1547, do Calvário (primeira Regra de Santa Clara), em 1570, do Carmo (carmelitas descalços) e da
Cartuxa ( S. Bruno), em 1587;
- cinco no XVII: os conventos do Salvador (clarissas) e dos Remédios (de carmelitas calçados), ambos em
1606, das Mercês (agostinhos descalços), em 1669, de Santa Teresa – S. José ou Convento Novo (carmelitas
calçadas), em 1681;
- vários recolhimentos, de que salientaríamos os de Santa Marta e de S. Manços. (Cf. Conde 2009). Para
uma abordagem sobre a evolução da cidade e património edificado Cf. Simplício (2002 e 2006).
2
‘mestre de Duarte Lobo, e de toda a boa musica deste Reino’ (Carta de Tomé Alvares a Baltazar Moretus
(1610) Cf. Alegria (1984, 13) e Alvarenga (2015, 23).
3
No mesmo local da antiga Universidade foi criado o Instituto Universitário de Évora (IUE), por decreto do
então ministro da Educação, José Veiga Simão.

121
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Évora, tendo como diretor António Bartolomeu Gromicho e como editor Túlio Espanca.
A sua publicação regular até 1993 distribuiu-se por 76 números. Após a morte de Túlio
Espanca4 iniciou-se a II série, em 1994, com 8 números publicados até 2009. A III série
arrancou com um volumoso 1º número em 2016 assumindo uma ligação à Universidade
de Évora e aos preceitos das publicações académicas.
Durante o Estado Novo este tipo de imprensa institucional funcionou como um
importante veículo de valorização local dos municípios, não apenas da sua atividade, mas
também dos seus programas de investimento e valorização patrimonial. Pode referir-se,
a título de exemplo, a Revista Municipal de Lisboa lançada em 1939, com propósitos
semelhantes, uma vez que, para além de dar conta dos seus atos municipais, integrou uma
série de artigos focados na valorização histórica e patrimonial5. No quadro de um estudo
alargado de levantamento bibliográfico sobre periódicos em Portugal (SOUSA
e VELOSO, 1987, p.19) constata-se a “existência de jornais catalisadores de um
bairrismo no sentido positivo, fomentadores da defesa do património ideológico e cultural
da região e a presença de figuras, que, animadas pelo mesmo espírito, deram todo o seu
esforço à recolha e defesa desse mesmo património.” Apresenta-se como uma evidência
que em Évora estamos perante um envolvimento pessoal desta natureza. Pode ainda
relacionar-se a agenda cultural do Estado Novo e a sua máquina das comemorações de
1940, que provocaram um impulso de intensa produção historiográfica e valorização
patrimonial, com reflexos ao nível do poder local e respetiva valorização do património
edificado6.
Nos seus propósitos matriciais o Boletim da Cidade de Évora (nº1, I) assumiu-se
como uma publicação que integrasse “problemas relativos à sua qualidade de cidade
única no País em riquezas arquitetónicas, fonte inesgotável de uma bem orientada
propaganda turística.” A relevância turística da cidade de Évora vinha sendo
paulatinamente confirmada em várias instâncias, referindo-se a propósito a passagem por
Évora do IV Congresso Internacional de Turismo em 1911.

4
Túlio Espanca, historiador, Vila-Viçosa 8-05-1913 – Évora 2-05-1993.
5
Cf. Correia (2010, p. 23) onde se apresenta um quadro dos Conteúdos Temáticos no período 1939-43.
Verificamos que os artigos relativos à área temática História/Memória são 63, representando 33,87 %.
6
Refira-se que o Secretariado de Propaganda Nacional (1933) − investiu na inventariação e classificação do
património por todo o país e na sua promoção (Correia 2010, p.29).

122
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

O periódico dividiu-se em três vertentes (literária, burocrática e publicação de obras e


documentos), destacando-se uma vocação patrimonial evidente, desde o nº1 da I série,
publicado como Boletim da Comissão Municipal de Turismo de Évora (ver Figura 1)7.
Figura 1 - Boletim da Comissão Municipal de Turismo de Évora, nº 1

Pode compreender-se que ao património musical não fosse reconhecida uma valência
turística, mas a sólida formação histórica de Túlio Espanca e o interesse de António
Bartolomeu Gromicho (Presidente da Câmara entre outros cargos de destaque), abriram
espaço para a valorização dos fundos musicais da cidade.
De entre um total de 84 números da I e II Séries, que incluem um conjunto de 384 e
192 artigos respetivamente, verificamos a publicação de 14 artigos relacionados com
música e património musical associado a Évora. Refira-se, aliás, que não encontramos

7
“Por agora criam-se três secções, a saber:
a) Secção literária com vista à valorização da cidade monumental e à sua propaganda turística.
b) Secção burocrática, na qual serão incluídos os relatórios dos vários serviços municipais, estatísticos, planos
de obras, etc.
c) Secção de publicação de obras e documentos inéditos de interesse citadino” (nº1, I série).

123
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

artigos sobre conteúdo musical relacionados com qualquer outro contexto geográfico. Em
termos de categorias destacam-se (a) os artigos dedicados ao património musical,
nomeadamente com um total de 12 artigos dedicados à Sé de Évora e ao seu espólio.
Numa segunda categoria (b) temos um pequeno conjunto de artigos de atualidade musical
que se detém sobre formações em funcionamento na cidade e concertos realizados. Neste
último grupo o destaque é dado à Orquestra Sinfónica Eborense8 e trata-se de um
conjunto importante de fontes para o posterior estudo da vida musical da cidade. Temos
ainda um conjunto de 4 artigos de Silva Godinho9 (c) que, sob o título de Temas
Oitocentistas Eborenses, apresentam um manancial de informação da mais variada
natureza mas que para o caso da música são de valor central no que refere a instituições
(teatros), coletividades de amadores, bandas filarmónicas, agentes e eventos.

Relatos da atualidade musical em Évora

No relato de concertos assinala-se uma breve nota de Gromicho (nº 6, I Série) que dá
conta da realização de um concerto de música antiga no dia 18 de Fevereiro de 194410.
Este concerto promovido pelo Instituto de Cultura Alemã e pela Orquestra Sinfónica
Eborense teve lugar no Teatro Garcia de Resende. O Fiedel - Trio de Munique
apresentou-se com reprodução de instrumentos antigos, sendo valorizado pelo autor o
interesse histórico e musical do programa que aparece reproduzido11.
O artigo dedicado à Orquestra Sinfónica Eborense dá conta do arranque do projeto
aquando das comemorações do Centenário do Liceu Nacional de André Gouveia em 1941
por iniciativa do Maestro Tenente Manuel João Alves, diretor da Tuna Académica deste
Liceu. O projeto concretizou-se no ano seguinte em 4 Abril de 1942, acrescentado com
um Grupo Coral. Verificamos que constituídas as Comissões de Honra, Administrativa e
de Propaganda, se identifica a presença de António Bartolomeu Gromicho, o director do
Boletim da Cidade de Évora, na Comissão Administrativa. No artigo são narradas as
vicissitudes de orçamento e os esforços levados a cabo para o regular funcionamento da
orquestra, constituída em grande medida por amadores, que se apresenta em estreia no dia
22 de Novembro de 1942 pelas 21h no Teatro Garcia de Resende, apresentando-se ainda
no mesmo espaço para o seu segundo concerto no dia 6 de Junho de 1943, pelas 22h; em

8
Ver Gusmão (1943) e Marrecas (1944).
9
Godinho (1980, 1982, 1984, 1986)
10
Gromicho (1944)
11
Intérpretes do Fiedeln Trio que tocaram em instrumentos das oficinas da Firma Siebenhüner,
Planegg/Baviera: Franz Siedersbeck, Beatrice Dohme, Erich Wilke e Ernst Conrad Hease (barítono).

124
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

nota é referido que a Orquestra deu ainda um concerto em Beja no dia 11 Fevereiro de
1943, o qual terá tido impacte na cidade.
O provável autor do artigo que se apresenta como Dr. A.G. deve ser Armando Nobre
Gusmão que integrou a segunda Comissão de Propaganda e investe na valorização do
projeto, enfatizando com detalhe a importância de uma orquestra na cidade e de seus
concertos. No final deste mesmo artigo o autor chega a nomear os elementos que
constituem a orquestra e o coro, com os respetivos resultados estatísticos em relação às
profissões representadas e seus instrumentos. Este levantamento pelo seu detalhe reveste-
se de grande interesse para uma eventual caracterização da vida musical da cidade. Só no
Coro é que nos aparece a referência a músicos profissionais militares e músicos
reformados, pois a orquestra é integralmente constituída por músicos amadores, com as
mais variadas profissões entre barbeiros, canalizadores, costureiras a empregados de
escritório, entre tantas outras identificadas. Assinala-se nomeadamente a sua presença
estatística no 1º e no 2º concerto em Évora respetivamente. Para além de obras de
Beethoven, Boccherini, Berlioz e Mendelssohn, assinala-se a presença de autores
portugueses como Rui Coelho (Melodia de Amor), Armando Leça e Manuel João Alves
(Modas Regionais e Hino ao Alentejo).
Um outro artigo pode enquadrar-se nesta categoria, embora trate de um passado
recente. João Rosa que pretende falar de música e músicos em Évora em finais do século
XIX12 aborda a Sociedade dos Noctívagos, reconhecendo-lhe relevância para
a caracterização musical da cidade13. Entre as várias informações relativas a músicos ou à
qualidade do ensino musical na Casa Pia, o autor enumera uma série de apresentações na
Praça do Geraldo dos músicos da formação Sol-e-Dó pertencente à Sociedade em datas e
efemérides como p.e. em 1880, pelo centenário de Camões. Refere ainda concertos
noutros espaços como Jardim do Templo de Diana, Largo de S. Domingos, Largo da
Porta Nova (pelo Arraial da Senhora de Aires). Refere que o Sol-e-Dó chegou a ter um
coreto próprio na cidade, que faziam “serenatas” pelas ruas de Évora e pelo Carnaval
acrescentavam o atrativo de um “travesti” descrevendo alguns dos trajes (p. 292).
A constituição integrava “arcos, (…) cordas e algumas madeiras, triângulo (ferrinhos) e
bombinho, agregando-se as vozes necessárias para cantatas como os Hinos, Estudantina e
A esmola, em admirável conjunto.” (p.295). O artigo enumera o conjunto de composições

12
ROSA (1948).
13
“Trata-se, implicitamente, de Música e de músicos, e, para isso, recolhi e utilizo preciosos elementos, que
um dia poderão servir, sem dúvida, para estudo de maior monta, acerca do cultivo dessa divina Arte em
Évora, repito, nos últimos anos do século passado.” (Rosa, 1948, 289)

125
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

presentes no arquivo e ainda uma série de nomes de músicos, cuja identificação merece
posterior trabalho de identificação. As composições enumeradas dão conta de um espólio
constituído sobretudo por ritmos de danças em voga como polcas, valsas, tangos ou
marchas da autoria de músicos locais como Joaquim Jerónimo Rosa, José Velasco,
Joaquim Sebastião Limpo Esquível (também maestro da Orquestra Eborense), Teodósio
Augusto Ferreira, Conceição Soalhal, G. A. Xisto, Vargas Júnior, entre outros.
Também neste artigo se encontra referência detalhada das Festas religiosas
abrilhantadas pela Orquestra Eborense noa anos de 1882-83, aludindo aos honorários
pagos que eram significativamente superiores aqueles da Sociedade dos Noctívagos. Para
além de uma série de Conventos em que as Festas importantes contavam com música
excelente das Capelas das próprias freiras, (p.299) o autor enuncia uma série de
instituições e festas onde se fez ouvir a orquestra e composições de Teodósio Augusto
Ferreira (p. 298)14. A extensa lista de instituições e festividades cuja música conta com a
intervenção da orquestra, por sinal com elevadas remunerações (segundo a avaliação do
autor do artigo), oferece uma ideia um pouco diversa da vida musical durante o século
XIX, após extinção das ordens e processo de declínio das instituições musicais envolvidas
nas celebrações. Deparamos com uma frequência e investimento assinalável na
solenização musical das festas sacras mais relevantes no calendário, a qual deve ser
enquadrada em diferentes moldes institucionais no que se refere aos conventos
masculinos que haviam já sido encerrados a partir de 1834.
O artigo encerra prestando homenagem a músicos da família do autor apresentados
como ilustres amadores de talento Joaquim Jerónimo Rosa, Francisco José da Rosa, Padre
João Rosa.
Os artigos de Silva Godinho são particularmente valiosos para o estudo nos domínios
da musicologia urbana e paisagem sonora associados a Évora, uma vez que o autor
apresenta uma particular sensibilidade para captar e valorizar informação normalmente
secundarizada sobre eventos em espaços da cidade. Fica o exemplo sobre a Praça das
Mercês a propósito do declínio registado após 1882:

14
Na lista apresentada encontramos referência a Mercês, Hospital, Santa Clara, Calvário, Salvador, Casa Pia,
Carmo, Santo Antão, São Francisco, Santa Catarina, Capela da Srª da Cabeça, Misericórdia, Paraíso,
S. Tiago, Convento Novo, Catedral e S. Sebastião. O autor refere ainda a existência de obras de Teodósio
Augusto Ferreira na Biblioteca Nacional (Rosa, 1948, 298-99). Devemos ter em conta que os conventos
masculinos foram extintos em 1834 (Mercês, S. Francisco, Carmo), os femininos apenas quando ocorreu a
morte da última religiosa (Paraíso, Convento Novo, Salvador, Santa Clara, Calvário, Santa Catarina); não é
assim estranha, nestes últimos, a presença de atividade musical, sendo de mais difícil explicação nos
masculinos. Deve considerar-se por isso a instalação de outros serviços ou instituições que não conventos que
celebrassem as referidas festas.

126
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Abandonada e silenciosa, a Praça das Mercês passou a ser um espectro a evocar tardes
soalheiras de grita e música como são as da festa brava, euforia que durante anos quebrou a
pasmaceira do “Buraco do Raimundo”, ao tornar-se ruidoso e fadista com as esperas de
touros fora de portas, enquanto as locandas circunvizinhas se animavam com patuscadas e
guitarradas boémias”. (Godinho 1984, 56)

Nos artigos de Godinho destacamos informação detalhada sobre arraiais e festejos


populares; os Amadores de música da cidade e suas atividades; a Tuna Académica
Eborense ou sobre a Procissão dos Caldeirões (1982); valiosa informação também sobre
os teatros (em particular o Teatro das Casas Pintadas e o Teatro Gracia de resenda);
as Filarmónicas Eborenses: história e constituição, instalações e regentes (1984-85).

1. Estudo e divulgação de Património

No conjunto dos artigos consagrados ao património a relevância é dada à valorização


de figuras maiores da História da Música em Évora, nomeadamente polifonistas. José
Augusto Alegria figura pioneira no trabalho de elaboração de catálogos e estudos sobre os
fundos musicais de Évora15 restringe a sua colaboração a dois artigos em 1944, cujo
âmbito genérico propõe-se contextualizar a atividade musical sacra em Évora no século
XVI16. No segundo destes artigos Alegria introduz exemplos musicais transcritos e ainda
a edição do motete Pueri Hebraeorum, para além de transcrever o testamento de Manuel
Mendes17.
O compositor Manuel Mendes (c.1547-1605) foi um dos nomes maiores da Sé de
Évora estando associado à formação de polifonistas como Duarte Lobo (1565-
1646), Manuel Cardoso (1566-1650) ou Filipe de Magalhães (1571-1652). É também
aquele que merece estudos de maior detalhe, na medida em que para lá do contexto
biográfico (Ribeiro 1950)18 aborda-se noutros artigos a obra musical, nomeadamente, a
Missa Pro Defunctis, com a transcrição do texto musical por Manuel Joaquim em dois
artigos de 195119. Este mesmo autor publicara aliás, no Porto, já um outro trabalho sobre

15
Entre a bibliografia de José Augusto Alegria relacionada com o património musical de Évora encontra-se
uma série de títulos de referência que dão conta da continuidade da investigação publicada no Boletim da
Cidade mas agora apoiada por instituições como a Fundação Calouste Gulbenkian ou o Instituto de Cultura e
Língua Portuguesa,: Alegria (1977, 1983, 1984, 1985, 1997).
16
AlegriaA (1944 e 1944a).
17
Documento cuja descoberta Alegria atribui, com agradecimento, a Manuel Joaquim.
18
Ribeiro (1950)
19
Joaquim (1951 e 1951a). Sobre as fontes musicais de Évora Cf. Alvarenga (2015).

127
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

a Missa de Féria de Manuel Mendes (Joaquim 1942)20. Para além da transcrição Manuel
Joaquim inclui um texto de contextualização e aparato relacionado com os problemas de
edição musical. O seu texto termina elogiando a inteligência editorial e o apoio do
Boletim A Cidade de Évora por proporcionar a edição de texto musical numa época em
que as oportunidades seriam remotas21.
A abordagem de contextualização volta a aparecer em dois outros artigos, mas agora
associado ao levantamento de músicos, na capela da Sé de Évora (RAPOSO 2002)22.
Referência ainda para um estudo anterior, de 1959 (CAPITÃO) que colige uma série de
informação sobre o ensino e seus intervenientes na universidade de Évora. Encontramos
nomeadamente informação sobre Estêvão de Brito que completou a sua formação na
Universidade de Évora em 1596.

2. Música tradicional

Finalmente importa assinalar artigos que abordam o património musical relacionado


com a música instrumental, e a construção de instrumentos, nomeadamente os violeiros
(ESPANCA 1949)23. Ainda no quadro da música tradicional um artigo mais recente que
aborda a viola campaniça, assinalando o processo de reabilitação do instrumento em
curso desde finais do século XX (RUSSO 2007)24. O património relativo aos chocalhos é
abordado (ROSA 1960)25 e constitui-se este artigo como uma chamada de atenção
relevante, quer em termos de perceção de paisagem sonora, quer da valorização
patrimonial recentemente reconhecida (UNESCO 2015)26.
Apesar da desproporção de interesse revelado pelos editores do Boletim a Cidade de
Évora em relação ao património edificado e ao espólio musical, a verdade é que este
reflete sobretudo o estado incipiente dos estudos musicológicos contemporâneos. Em boa
medida, as linhas e os pioneiros da investigação sobre o património musical de Évora até
à década de 1980, aparecem delineados nesta publicação entre 1944 e 1951. O Boletim
aparece implicado nos primeiros passos de valorização patrimonial do espólio de música

20
Joaquim (1942). Sobre as fontes musicais Cf. Alvarenga (2015)
21
Neste elogio Manuel Joaquim (1951a, 274) destaca “Honra ao ilustre Director da Cidade de Évora, Sr.
Joaquim Augusto Câmara Manuel e o seu devotado Director Tíluo Alberto Rocha Espanca pelo acto de
inteligência que jamais pode deixar de ser sentido no mais elevado apreço pelos músicos amantes
das curiosidades intelectuais”.
22
Raposo (2002).
23
Espanca (1949).
24
Russo (2007).
25
Rosa (1960).
26
Com a classificação de Património Cultural Imaterial com Necessidade de Salvaguarda Urgente

128
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

polifónica de Évora, nomeadamente publicando a produção musicológica de uma


primeira geração que inclui Sampaio Ribeiro (1898-1966), Manuel Joaquim (1894-1986)
e José Augusto Alegria (1917-2004).
Retira-se ainda informação relevante sobre a atividade musical em Évora relacionada
com instituições locais, apresentando-se um quadro mais diverso e vasto no que refere à
prática amadorística da música e a sua distribuição pela cidade em finais do século XIX e
meados do século XX. O levantamento continuado de testemunhos documentais dos
séculos XIX e inícios do século XX, poderão revelar uma vida musical da cidade com um
dinamismo contrário à ideia de estagnação e decadência, que tradicionalmente se
replicam em relatos sem fundamento documental.
No quadro das publicações sobre música do mesmo período importa sublinhar que o
Boletim Municipal cumpriu uma missão singular numa altura em que as publicações
periódicas sobre música se concentravam na Arte Musical publicada em Lisboa sob a
direção de Luís de Freitas Branco entre 1929-4927. A esta singularidade não é estranha a
inteligência e cultura de Túlio Espanca enquanto editor.

Bibliografia:

ALEGRIA, José Augusto (1944) - A Música em Évora no século XVI. A Cidade


de Évora: Boletim de Cultura da Câmara Municipal. 1ª Série, nº 6, p.25-43.
ALEGRIA, José Augusto (1944a) - A Música em Évora no século XVI. A Cidade
de Évora: Boletim de Cultura da Câmara Municipal. 1ª Série, nº 7, p.118-152.
ALEGRIA, José Augusto (1973) - História da escola de música da Sé de Évora.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
ALEGRIA, José Augusto (1977) - Biblioteca Pública de Évora - catálogo dos
fundos musicais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
ALEGRIA, José Augusto (1983) - Frei Manuel Cardoso, compositor português:
1566-1650. Lisboa: ICALP.
ALEGRIA, José Augusto (1984) - Polifonistas portugueses: Duarte Lobo, Filipe
de Magalhães, Francisco Martins. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua
Portuguesa.

27
Refira-se a propósito dos estudos pioneiros consagrados ao património musical de Évora que Luís de
Freitas Branco em 1921 participou no Congresso de História da Arte em Paris, apresentando uma
comunicação subordinada ao tema: “Os contrapontistas da escola de Évora.”

129
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

ALEGRIA, José Augusto (1985) - O ensino e prática da música nas Sés de


Portugal : da reconquista aos fins do século XVI Lisboa: ICALP, 1985.
ALEGRIA, José Augusto (1997) - O colégio dos moços do coro da Sé de Évora.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
ALEGRIA, José Augusto (2004) - Da Fundação aos Mestres Polifonistas e
Legado. Escola de Música da Sé de Évora . Évora: Ed. Casa do Sul.
ALVARENGA, João Pedro, (2004) - Para uma Compreensão da polifonia
portuguesa pós-tridentina. Escola de Música da Sé de Évora , Évora: Ed. Casa
do Sul.
ALEGRIA, José Augusto (2015) - Polyphonic Church Music and Sources from
Late Sixteenth-Century Évora Cathedral. Revista Portuguesa de Musicologia
Vol.2, nº1, p. 19-40.
CAPITÃO, Maria Amélia R. da Mota (1959) - Do Ensino das Artes na
Universidade de Évora. A Cidade de Évora: Boletim de Cultura da Câmara
Municipal (1ª Série), nº 41, p. 213 – 398.
CONDE, Antónia Fialho (2009) - Cister a Sul do Tejo. O Mosteiro de São Bento
de Cástris e a Congregação Autónoma de Alcobaça (1567-1776). Lisboa:
Colibri.
CORREIA, Rita Mourão Soares (2010) – Estado Novo e Imprensa Institucional:
O Caso da Revista Municipal de Lisboa (1939-1959). Mestrado. Universidade
Clássica de Lisboa, Faculdade de Letras.
ESPANCA, Túlio (1949) – Artes e Artistas de Évora: o desaparecido ofício de
violeiro nos séculos XVI – XVII. A Cidade de Évora: Boletim de Cultura da
Câmara Municipal (1ª Série), nº17, p. 555-563.
FERREIRA, Manuel Pedro (1995) - Da música na história de Portugal. Revista
Portuguesa de Musicologia. Lisboa. nº4-5, p.167-216.
GODINHO, Silva, "Temas oitocentistas eborenses ", A Cidade de Évora: Boletim
de Cultura da Câmara Municipal (1ª Série), nº 63-64, 1980, pp. 97 - 121
GODINHO, Silva, "Temas oitocentistas eborenses – 2ª série", A Cidade de Évora:
Boletim de Cultura da Câmara Municipal (1ª Série), nº 65, 1982, pp. 165-188.

130
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

GODINHO, Silva, "Temas oitocentistas eborenses – 3ª série", A Cidade de Évora:


Boletim de Cultura da Câmara Municipal (1ª Série), nº 67, 1984, pp.39-67.
GODINHO, Silva, "Temas oitocentistas eborenses – 4ª série", A Cidade de Évora:
Boletim de Cultura da Câmara Municipal (1ª Série), nº 69, 1986, pp.63-76.
GROMICHO, António Bartolomeu (1944) - Música da Idade Média e da
Renascença. A Cidade de Évora: Boletim de Cultura da Câmara Municipal
(1ª Série), nº 6, p. 89 – 90.
[G., Dr. A.] GUSMÃO, Armando Nobre (1943) - Orquestra Sinfónica Eborense.
A Cidade de Évora: Boletim de Cultura da Câmara Municipal (1ª Série) nº3,
p. 85-106.
JOAQUIM, Manuel (1942). - A Missa de Féria do Padre Manuel Mendes.
Revista dos alunos do Conservatório de Música do Porto. Separata de Música,
Porto, p. 249-54.
JOAQUIM, Manuel (1951) - Missa "Pro Defunctis" (do Padre Manuel Mendes -
1547 - 1605). A Cidade de Évora: Boletim de Cultura da Câmara Municipal
(1ª Série), nº 23, p. 95 – 108.
JOAQUIM, Manuel (1951a) - Missa "Pro Defunctis" (do Padre Manuel Mendes -
1547 - 1605). A Cidade de Évora: Boletim de Cultura da Câmara Municipal
(1ª Série), nº 25,p. 251 – 288.
MARRECAS, Cândido (1944) - A Orquestra Sinfónica Eborense em Beja.
A Cidade de Évora: Boletim de Cultura da Câmara Municipal (1ª Série), nº 6,
p. 91 – 94.
RAPOSO, Jorge Rebotim (2002) – Subsídios para a história dos músicos da
Capela da Sé de Évora. A Cidade de Évora: Boletim de Cultura da Câmara
Municipal (2ª Série), nº 6, p. 383 – 413.
RIBEIRO, Mário de Sampaio (1950) - Manuel Mendes e o Mestrado de Capela da
Sé de Évora. A Cidade de Évora: Boletim de Cultura da Câmara Municipal
(1ª Série), nº21, p.35-42.
RODRIGUES, Paulo Alexandre Rodrigues Simões (2008) - A apologia da cidade
antiga: a formação da identidade de Évora (Sécs. XVI-XIX). Évora:
Universidade de Évora. Tese de Doutoramento.

131
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

ROSA, João (1948) - Música e músicos em Évora, no último quartel do século


XIX. A Cidade de Évora: Boletim de Cultura da Câmara Municipal (1ª Série),
nº 15, p. 289 – 303.
ROSA, João (1960) - Alcáçovas, terra de chocalhos. A Cidade de Évora: Boletim
de Cultura da Câmara Municipal (1ª Série), nº 43, p. 29 – 33.
RUSSO, Susana Bilou (2007) - A revitalização do património: estudo da Viola
Campaniça. A Cidade de Évora: Boletim de Cultura da Câmara Municipal
(2ª Série), nº 7, p. 501-524.
SIMPLÍCIO, Maria Domingas V. M. (2002) - Évora: Algumas Etapas
Fundamentais na Evolução da Cidade até ao Século XVI. A Cidade de Évora:
Boletim de Cultura da Câmara Municipal (2ª Série), nº 6, p. 97-112.
SIMPLÍCIO, Maria Domingas V. M. (2006) - Évora: Origem e Evolução de uma
Cidade Medieval. Revista da Faculdade de Letras. Vol.XIX. Porto: Faculdade
de Letras da Universidade do Porto, p.365-372.
SOUSA, José Manuel Motta de e VELOSO, Lúcia Maria Mariano, (1987) -
História da imprensa periódica portuguesa: subsídios para uma bibliografia,
Catálogos e Bibliografias, 4. Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.
TENGARRINHA, José, (1989) - História da Imprensa Periódica Portuguesa,
Editorial Caminho.

132
A paisagem sonora de Vila Viçosa no século XIX
David Crammer

Resumo:
As Memórias do P.e Joaquim José da Rocha Espanca (1839-96) diferem das memórias
habituais no sentido em que o autor fala pouco de si próprio, fornecendo, pelo contrário,
um registo sobre tudo o que testemunhou ou soube sobre a sua terra: o concelho de Vila
Viçosa. De uma forma extremamente organizada e com uma abordagem, ao mesmo
tempo, abrangente e minuciosa, conta a história desta comunidade num texto manuscrito
de vários milhares de páginas. Escreve sobre tudo o que se passava: as secas
e inundações, as colheitas, as epidemias, os crimes, as invasões, a turbulência política, a
nova legislação e as suas consequências locais, e os eventos anuais e únicos, quer nas
igrejas e conventos, quer nas ruas. Os sons fazem sempre parte destes eventos: os coros,
os órgãos, as bandas filarmónicas, os sinos e os foguetes – no seu todo, uma paisagem
sonora de enorme riqueza.

Palavras-chave: Vila Viçosa, Joaquim José da Rocha Espanca, música sacra, bandas
filarmónicas, sinos, foguetes

Abstract:

The Memórias of Fr. Joaquim José da Rocha Espanca (1839-96) differ from the usual
kind of memoirs in that the author says little of himself, recording instead all that he
witnessed or learnt about his birthplace: Vila Viçosa and surrounding villages. In an
extremely organised fashion and with an approach simultaneously wide-ranging and
minute in detail, he tells the story of this community in a manuscript text of several
thousand pages. He writes about all that went on: the droughts and floods, the harvests,
the epidemics, the crimes, the invasions, the political turbulence, the new legislation and
its local consequences, and the annual and unique events, both in the churches and
convents, and in the streets. Sounds always form part of these events: the choirs, the
organs, the philharmonic bands, the bells and rockets – taken as a whole, an enormously
rich soundscape.

Keywords: Vila Viçosa, Joaquim José da Rocha Espanca, sacred music, philharmonic
bands, bells, rockets


Departamento de Ciências Musicais/CESEM, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_________________________________________________________________________

«Eu, minha família, minha geração, nascemos num mundo de silêncio.»


Laurie Lee, Cider with Rosie – Last days.

Introdução

Figura 1 - O Paço Ducal e Terreiro do Paço, Vila Viçosa

Postal, ca. 1900, coleção do autor

Dia 1 de dezembro de 1873 – uma visita a Vila Viçosa da parte de D. Luís e de


D. Maria Pia:

Aos vivas na sala dos Tudescos responderam no Terreiro do Paço com o hino de El-Rei as
nossas duas filarmónicas reunidas, contando cerca de cinquenta instrumentistas.
Estoiravam girândolas de foguetes. Repicaram os sinos das Igrejas e da Câmara e à noite
iluminaram-se os Paços Municipais e muitas casas particulares tocando as filarmónicas
pelas ruas. (ESPANCA, 1983-86, f. 19, 18)

Nesta passagem, assinalámos em negrito as referências diretas a sons ou objetos /


instituições que produziam sons.
Antes de mais, contudo, convém lembrar o mundo de silêncio que servia de pano de
fundo ao século XIX e séculos anteriores, antes do advento do motor de combustão

134
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_________________________________________________________________________

interna, dos ruídos dos eletrodomésticos e aparelhos de comunicação, da música de fundo


dos espaços comerciais – a tranquilidade absoluta implícita na imagem do Paço Ducal e
do Terreiro do Paço, em cima. Este silêncio, que, entretanto, perdemos, vem a salientar a
enorme riqueza dos sons de regozijo da descrição citada.
De modo a entender melhor o leque e variedade da paisagem sonora nesses tempos em
Vila Viçosa, basta escrutinar mais uma imagem da época e imaginar os sons que daí
emanavam – do largo que hoje em dia se designa por «Praça da República», mas que no
século XIX tivera outras designações – simplesmente «Praça», ou, nas últimas décadas da
Monarquia, «Praça da Princesa D. Amélia».

Figura. 2 - A praça de Vila Viçosa, vista da Igreja do Colégio.

Postal, ca. 1900, coleção do autor

A fotografia reproduzida no postal, Figura 2, foi tirada do campanário da Igreja do


Colégio – antiga igreja dos Jesuítas e desde 1865 sede da paróquia de S. Bartolomeu.
Havia sinos não só nesta igreja, mas também nas duas igrejas que se veem na imagem –
na Igreja Matriz (Santuário de N. S. da Conceição), dentro das muralhas, e, do lado
direito da imagem, na Igreja do Espírito Santo (Igreja da Misericórdia, e sede da Paróquia
de S. Bartolomeu antes da sua transferência para a Igreja do Colégio). Dentro das igrejas
podia-se ouvir música sacra – canto gregoriano e, conforme o caso e a ocasião, um coro
polifónico e/ou órgão. Existiam sinos ainda na Torre (lado esquerdo da imagem) e na
Capela de N. S. dos Remédios (centro, junto à muralha), ambas entretanto derrubadas, tal
como todo o quarteirão entre a Praça e a muralha. As procissões anuais e ocasionais
passavam pelas ruas e praças da vila, com os seus cantores e bandas filarmónicas, que

135
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_________________________________________________________________________

também atuavam num coreto que veio a ser construído, na viragem do século XX,
no meio da praça, já há muito demolido. Em ocasiões de grande júbilo ouvia-se ainda
o estalido dos foguetes e os estrondos da artilharia provindos sobretudo das muralhas e
fortificações do castelo.
Porém, os postais e fotografias, em si, são mudos, e a nossa imaginação respeitante
aos sons ouvidos flutua entre limitações e fantasias. No que diz respeito a Vila Viçosa é a
nossa sorte termos um informador excecional na figura do P.e Joaquim José da Rocha
Espanca (1839-96), que nos permite perceber com alguma exatidão como era a sua
paisagem sonora no século XIX.

O P.e Joaquim Espanca

Nascido na Paróquia de S. Bartolomeu, recebeu uma sólida formação musical (voz,


piano/órgão e composição) graças sobretudo a Francisco Franco (cantor da Real Capela e
compositor). Em 1856 iniciou estudos no Seminário Episcopal de Évora, tendo sido
ordenado diácono, e ainda presbítero, em 1863. A sua carreira como padre foi exercida
sempre no Concelho de Vila Viçosa. Inicialmente aceitou o cargo de Capelão da
Irmandade das Almas, Bencatel, onde o seu irmão, António Joaquim, era Prior da Igreja
de Sant’Ana. Em 1877 foi nomeado Prior de Santa Catarina de Pardais e em 1887 Prior
da paróquia de São Bartolomeu, voltando mesmo às raízes. Faleceu inesperadamente de
um enfarte, na sequência de uma pneumonia, em finais de 1896.
Para além do seu trabalho exigente como padre, interessava-se por tudo. Os frutos das
suas leituras e investigações resultaram em artigos publicados em revistas especializadas
nacionais (nomeadamente sobre aspetos da arqueologia de Vila Viçosa e dos seus
arredores) e sobretudo nas Memórias de Vila Viçosa – vários milhares de páginas, fruto
de uma recolha de dados realizada entre 1862 e 1886, que só chegaram a ser publicadas
um século depois, em 36 fascículos. Ainda durante a sua vida, em 1892, com os custos de
impressão suportados pelo próprio, saiu o Compêndio de notícias de Vila Viçosa, um
resumo atualizado das Memórias, já em si de 449 páginas, editado no Redondo pela
Typographia Francisco de Paula Oliveira de Carvalho. É nas Memórias e, em menor grau,
no Compêndio, que o presente texto se fundamenta. As citações usadas são meramente
exemplificativas – uma pequena seleção das imensas referências à paisagem sonora que o
P.e Espanca descreve de forma minuciosa, como aliás descreve tudo. Tomando como
enquadramento teórico de base a divisão dos sons em três categorias: musical, brônzea

136
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_________________________________________________________________________

(os sinos) e bélica (as explosões, associadas sobretudo à atividade militar)1, começaremos
com a música sacra e os órgãos, passando para as bandas e os sinos, e, por último, os
foguetes, bombas e artilharia.

As igrejas e conventos – a música sacra

No início do século XIX, o espaço mais destacado para a música sacra era a Capela
Real, anexo ao Palácio, cujos cantores se formavam no Real Seminário dos Santos Reis
Magos. Devido a obras na Capela, que o Príncipe Regente (futuro D. João VI) mandou
fazer em 1806, as atividades do corpo de clérigos, acólitos e músicos (a Real Capela)
transferiu as suas atividades para a Igreja do Colégio, onde, sobretudo por inércia,
continuou a funcionar durante mais de meio século. Das duas paróquias, N. S. da
Conceição e S. Bartolomeu, apenas na igreja da primeira, a Igreja Matriz, houve alguma
atividade musical significativa. Por outro lado, também se cantava e/ou tocava órgão, nos
seis conventos: três masculinos – dos Agostinhos (Ordem de S. Agostinho – Igreja de
N. S. da Graça), de N. S. do Amparo ou de S. Paulo (Congregação da Serra d’Ossa) e dos
Capuchos (Ordem de S. Francisco – Igreja de N. S. da Piedade); e três femininos – de
Santa Cruz (Ordem de S. Agostinho), da Esperança e das Chagas de Cristo (ambos
da Ordem de S. Clara).
O P.e Espanca conta todos os pormenores do annus terribilis de 1834. Para além da
extinção das ordens religiosas – a expulsão imediata dos religiosos dos conventos
masculinos e a morte lenta das comunidades femininas – Vila Viçosa sofreu
dramaticamente com o encerramento da Real Capela e Seminário, por simples falta de
verbas. A Real Capela continuou a funcionar nos eventos principais do ano depois desta
data, em regime de voluntariado, perdendo membros aos poucos, à medida que a idade
avançada e o falecimento os tiravam. As Memórias às vezes fornecem detalhes sobre as
obras executadas:

1
Agradeço a Rodrigo Teodoro de Paula por me ter chamado a atenção para estas categorias sonoras básicas
no âmbito das exéquias da rainha D. Maria I, as quais servem igualmente bem como paradigma no presente
contexto.

137
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_________________________________________________________________________

Tabela 1 - Exemplos de obras de música sacra identificadas pelo P .e Espanca como tendo sido
executadas em Vila Viçosa no século XIX

Ano Compositor Obra


Todos [Fr. Manuel Cardoso] Motetes dos Passos
1853, 1861?, 1878 David Perez Ofício dos defuntos
1853 David Perez Requiem
1855, 1865 Simão Portugal Matinas
1855 António José Soares Salmos
Marcos Portugal
Eleutério Franco Leal
1855 João José Baldi Missa
1878 Francisco Peres Subvenite
1878 Francisco Franco Absolvições
1878 António José Soares Te Deum
1878 Mathias Osternold Te Deum

No que diz respeito aos motetes dos Passos, o P.e Espanca diz apenas que recordavam
«os tempos de Palestrina e outros maestros do século XVI a cuja época remonta esta
composição singela, mas harmoniosa, suave e devota» (ESPANCA, 1983-86, f. 26, 47).
Contudo, foi possível atribuir estes motetes a Fr. Manuel Cardoso, através de manuscritos
em Vila Viçosa e na Biblioteca Nacional de Portugal (CRANMER, 2017, 275).
Graças às Memórias ficamos informados igualmente sobre os órgãos que existiam na
vila no século XIX e o que lhes aconteceu na sequência da extinção das ordens religiosas.
Os maiores eram da Igreja da Graça (Panteão dos Duques de Bragança/Convento dos
Agostinhos), que tinha três foles, e da Igreja do Convento de S. Paulo, de dois foles,
ambos perdidos, embora a caixa do primeiro ainda se encontre no coro alto da igreja. O
P.e Espanca considerava que o órgão da Igreja do Convento de S. Paulo tinha sido o
melhor na vila (Espanca, 1983-86, f. 22, 76). Existiam órgãos também na Capela Real e
na Igreja Matriz, que ainda funcionam – o segundo graças a um restauro recente. O órgão
do Convento da Esperança foi transferido para a Igreja do Espírito Santo (Misericórdia)
quando o Convento se encerrou. Quer a Igreja do Convento de Sta. Cruz, quer o
Seminário dos Santos Reis Magos possuíam um realejo (órgão pequeno que soa uma
oitava acima). O primeiro faz parte do espólio do Museu de Arte Sacra, no seu espaço
primitivo, enquanto o outro chegou a ser usado pontualmente no resto do século XIX,
principalmente na Igreja do Colégio, tendo-se perdido entretanto.

138
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_________________________________________________________________________

Bandas, sinos e foguetes


A certo momento na sua descrição das celebrações da declaração do dogma da
Imaculada Conceição, a 30 de junho/1 de julho de 1855, o P.e Espanca observa:

Ao sair a procissão da Matriz no meio de repiques de sinos, girândolas de foguetes e


festivais hinos da filarmónica, ouvia-se nova salva Real de artilharia na Estrela e outra de
morteiro que José de Freitas disparava na torre do Caracena. (ESPANCA 1983-86,
f. 18, 32).

Tal como na citação com que arrancou este texto, aqui há referências a mais três
aspetos da paisagem sonora: os sinos, os foguetes/artilheria/morteiro e a banda
filarmónica.
Começando com este último, a primeira banda filarmónica – da Sociedade
Filarmónica Calipolense – fundou-se em 1850, por inspiração da banda filarmónica do
Alandroal, que tocara em Vila Viçosa nesse ano. Foi dirigida inicialmente por Francisco
Peres Ailon de Lara, outrora professor de música do Colégio dos Santos Reis Magos e 2.º
organista da Real Capela. Pouco tempo durou, contudo. Como o P.e Espanca refere, mais
uma vez, respeitante às celebrações do Dogma, em 1855:

E [Francisco Peres] convidou a filarmónica do Regimento de Infantaria nº 17, estacionado


em Elvas, para tocar ao arraial no adro e atrás da procissão, visto achar-se raquítica e quase
dissolvida a Filarmónica Calipolense. (Espanca, 1983-86, f. 18, 12)

No entanto, a banda teve novo impulso em 1857 sob a direção de Eugénio Joaquim
Tarana. O P.e Espanca refere, por exemplo, nesta fase, a sua atuação na transferência da
Confraria de S. Crispim, da Igreja de S. Paulo para a Igreja de Sto. António, em 1864:

[…] À hora do sol posto reuniram-se os irmãos sapateiros com alguns devotos, havendo
antecipadamente convidado a filarmónica da terra para os acompanhar e assim fizeram o
seu saimento de cruz alçada e lanternas acesas, presidindo a esse acto o Pároco de S.
Bartolomeu acompanhado pelo seu sacristão. Este facto, que estava mostrando aos olhos de
todos a visível decadência da terra, produziu imensa tristeza em todo o povo e foram muitas
as pessoas que verteram lágrimas de dor. (Espanca, 1983-86, f. 18, 75)

Uma disputa interna, em 1870, resultou na criação de uma banda rival, da Sociedade
Filarmónica Esperança. A eclosão da Guerra Franco-Prussiana (1870-71) resultou com
que a primeira banda fosse alcunhada “Os Franceses” e a segunda “Os Prussianos”.
Houve uma politização desta diferença, tendo sido os Franceses associados aos

139
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_________________________________________________________________________

Progressistas e os Prussianos aos Regeneradores. Quer nas Memórias, quer no


Compêndio encontram-se referências frequentes ao estado de colaboração/guerra aberta
entre as duas bandas.
Passando para os sinos, nas celebrações do Dogma, em 1855, encontramos outras
referências, por exemplo no arranque, no dia 30 de junho:

Findo o sinal das trindades, principiou a baloiçar o sino maior da Matriz para dobre e
aventar os seus sons, girando em torno do seu eixo, segundado pelas harmonias galhofeiras
dos outros dois consócios. É assim que se anunciam nesta vila as festas de primeira classe
chamando a este estilo repiques à Romana. (Espanca, 1983-86, f. 18, 22)

O uso de sinos não era limitado aos eventos de regozijo. Assinalavam


sistematicamente também os falecimentos dos residentes. Destaca-se, contudo, o uso dos
sinos, em 1838, nos preparativos do fuzilamento de um assassino, enquanto andava em
procissão pela vila:

Logo que o préstito fúnebre se pôs em movimento, começou a campana da Misericórdia a


dobrar a finados, acompanhando-a também a torre da Freguesia de S. Bartolomeu. Outro
tanto fizeram os sinos do Colégio da Companhia quando o cortejo subia pela Praça Nova e
assim mesmo os campanários de Santa Luzia e S. João Baptista e a torre de Nossa Senhora
da Lapa, conforme o padecente se aproximava destas Igrejas, cujas portas estavam abertas.
Às do Colégio, Santa Luzia e S. João parou ele, enquanto os dois sacerdotes rezavam as
antífonas dos Oragos respetivos, implorando o divino auxílio para a sua eterna salvação e
de joelhos todos entoavam: Oh! Senhor Deus, misericórdia! (Espanca, 1983-86, f. 16, 59-
60)

Nesta passagem, como em tantos outros, os sons dos vários tipos misturam-se – por
um lado, sinos, por outro, as orações dos sacerdotes e a entoação de toda a assistência.
Os foguetes, bombas e artilharia vêm sempre acompanhados pelos sinos, ou em
simultâneo, ou em sequência. Mais uma vez nas celebrações do Dogma, a 30 de junho de
1855, o P.e Espanca testemunha a barulheira desta combinação em simultâneo:

Procedia-se de igual modo nas outras torres e o ruidoso concerto dos bronzes ia
aumentando progressivamente. Os sinos do relógio e da Câmara ressoavam como usam nas
festas civis e nacionais. Do adro do Matriz surgiram rapidamente girândolas de foguetes e
estrondearam lá nas alturas do firmamento perdendo-se quase de vista. Pelas ruas e largos
da povoação disparavam-se tiros de pólvora seca ou bombas fabricadas adrede para

140
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_________________________________________________________________________

exprimir o alvoroço de alegria de um povo alucinado perante as glórias e louvores


condignos que sua Mãe celestial ia receber nesta ocasião. […] (Espanca, 1983-86, f.18, 22)

Pelo contrário, a visita do Arcebispo de Évora, no fim de abril de 1877, fornece um


exemplo da sequência:

Quando o Prelado se aproximou do Marco divisório dos dois concelhos, subiu ao ar uma
girândola de foguetes que foi o sinal para começar a repicar o carrilhão da Capela Real e
após ele todos os sinos das Igrejas e Conventos. (Espanca, 1983-86, f.19, 63)

Conclusão

Neste texto não fizemos mais do que exemplificar os tipos de paisagem sonora
existentes em Vila Viçosa no século XIX. As Memórias do P.e Espanca deixam bem
claro que o mundo em que vivia era um mundo de grande riqueza sonora. No entanto,
diferente de hoje em dia, o ponto de partida não era o ruído de fundo a que tivemos de
nos habituar, mas antes o silêncio.
Uma descrição final, de dezembro de 1851, das preces e procissões de penitência após
uma seca severa:

[…] Alguns dias depois sobreveio a chuva em quantidade suficiente para nascerem as
searas e por conseguinte cantou-se um solene Te Deum na Matriz com a antífona Tota
pulchra em comemoração da Virgem Imaculada e a Oculus Dei em comemoração do
Patriarca dos Menores, saindo então este para a sua Capela no Convento da Esperança em
procissão de gala. O clero com a Ordem Terceira entoava pelo trânsito salmos gratulatórios;
entre eles soava a charanga de Cavalaria 3 tocando marchas festivas; da Estacada passou-se
à Praça Nova pela rua de santa Cruz. Caiu então alguma chuva, mas ninguém se cobriu.
Pela rua de Cambaia desceu-se ao Rossio de S. Paulo repicando os sinos das igrejas
próximas e assim chegámos à Igreja da Esperança com muita alegria. (Espanca, 1983-86,
f. 17, 68)

Bibliografia:

CRANMER, David (2017) – Peças de um mosaico. Lisboa: Colibri/CESEM.


ESPANCA, Joaquim José da Rocha (1983-86) – Memórias de Vila Viçosa, ou Ensaio da
História desta vila transtagana, corte da sereníssima Casa de Estado de Bragança,
desde os tempos mais remotos atá ao presente, segundo o que pode coligir seu autor
(1862-1886), 36 fascículos. Vila Viçosa, Câmara Municipal de Vila Viçosa.

141
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_________________________________________________________________________

ESPANCA, Joaquim José da Rocha (1892) – Compendio de noticias de Vila Viçosa,


Concelho da Provincia do Alemtejo e Reino de Portugal. Redondo: Typographia de
Francisco de Paula Oliveira de Carvalho, 1892.

142
La procesión de traslado de la custodia al Colegio Seminario de Corpus Christi de
València, 1604

Mireya Royo Conesa

Resumen:

El Real Colegio-Seminario de Corpus Christi, fue erigido por el arzobispo de València


Juan de Ribera (Sevilla, 1632-València, 1611), en cumplimiento del mandato tridentino, y
jugaría un papel esencial como espacio simbólico para la configuración sociopolítica de
València entre los siglos XVI y XVII. Por ello, coincidiendo con la convocatoria de
Cortes del Reino entre enero y febrero de 1604, Juan de Ribera aprovechó la presencia
del rey Felipe III y su séquito de nobles para realizar con lujosa pompa el traslado del
Santísimo Sacramento desde la catedral de València hasta la inacabada capilla del Real
Colegio-Seminario.
La documentación completa e inédita conservada en su archivo permitirá incorporar a la
historiografía musical este acontecimiento sónico, novedoso por su carácter religioso a la
par que cortesano que involucró a todos los estamentos políticos, las órdenes religiosas,
los gremios y los habitantes de la ciudad. Con la crónica del monje Jerónimo Pradas y la
ayuda del mapa de València del matemático Vicente Tosca (1651-1723), se podrá
visualizar el trayecto realizado a través de la ciudad: el mapa, pese a ser cien años
posterior (1704), refleja de manera casi exacta el recorrido de la procesión de 1604.

Palavras-claves: Colegio-Seminario de Corpus Christi, procesión, danzas, máscaras,


siglo XVII, sociopolítica

Abstract:

The Royal College-Seminary of Corpus Christi, was founded by the Archbishop of


València Juan de Ribera (Seville, 1532-Valencia, 1611). Designed to comply with the
Tridentine mandate, it would also play a key role as a symbolic space for the socio-
political configuration of the city between the 16th and the 17th centuries. This is the
reason why Ribera decided to perform, with luxurious pomp, the move of the Blessed
Sacrament from the Cathedral to the Royal Seminary in the presence of King Philip III
and his retinue of nobles, during the celebration of the Court of the Kingdom of Aragon
meeting, between January and February 1604. The complete unpublished documentation
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

preserved in its archive will allow this sonic event to be incorporated into the musical
historiography, novel because of its religious as well as courtly nature that involved all
the political entities, the religious orders, the guilds and the inhabitants of the city. With
the monk Jerónimo Pradas’s chronicle and the València map made by the mathematician
Vicente Tosca (1651-1723), the itinerary can be visualized: although made a hundred
years later (1704), the map reflects in an almost exact way the route of the 1604
procession.

Keywords: College-Seminary of Corpus Christi, procession, dances, masquerades, 17th


century, sociopolitics

Juan de Ribera nació en Sevilla en 1532 y falleció en Valencia en 1611. Era hijo
ilegítimo de Pere Enríquez y Afán de Ribera y Portocarrero conde de los Molares, duque
de Alcalá de los Gazules y marqués de Tarifa. Perafán de Ribera -como se le conocía-,
fue virrey de Cataluña (1554-58) y Nápoles (1558-71), y procuró a su hijo una
esmeradísima educación en la Universidad de Salamanca.
En 1562 fue llamado por Felipe II al obispado de Badajoz, pasando al de València en
1568, donde llegó el 20 de marzo de 1569; además, fue nombrado también Patriarca de
Alejandría. Los virreinatos de su padre muestran una proximidad a la monarquía, que las
estructuras de poder harían fácilmente extensible al futuro santo; de hecho, hasta el final
de su vida fue persona de confianza en la Corte Real, aplicándose con talante decidido
a la defensa de los intereses de la misma en tierras valencianas.
A su llegada a Valencia, la sede episcopal sufría problemas acuciantes con un clero
regular empobrecido y sumido en el desgobierno mientras las élites del reino mostraban
interés por las doctrinas de Erasmo y otras prácticas heterodoxas de culto interior tales
como el iluminismo. Juan de Ribera puso en ejecución los mandatos tridentinos y la
renovación del clero a través de la convocatoria de siete sínodos durante su arzobispado.
En lo referente a la figura política, fue nombrado virrey de Valencia por Felipe III en
1602, provocando un conflicto importante entre los estamentos forales y la Corona.
El brazo militar objetó lógica y persistentemente a que Ribera como virrey estuviera
presente en el brazo eclesiástico, impidiendo la resolución de los constantes conflictos
entre ambas jurisdicciones. Por esta razón fue relevado en su cargo de virrey durante la
celebración de Cortes del Reino con la presencia de Felipe III, en 1604.
Cumpliendo el mandato del Concilio de Trento, el Patriarca -como también se le
conocía-, había fundado a iniciativa propia el Colegio-Seminario de Corpus Christi, con

143
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

el cuantioso legado de su padre. La construcción del edificio -iglesia, capilla del


Monumento, claustro, seminario y aposentos-, se inició en 1586, tras recibir bula del Papa
Gregorio XIII en 1584, y finalizó en 1611, año de fallecimiento del Patriarca. El coste de
la edificación fue de 262.539 libras1 sin incluir la vestimenta, policromía, mobiliario,
relicario, órganos y libros del coro. Esta Fundación ha ostentado a lo largo de los siglos
un lugar prominente en la ciudad de València.
Era un proyecto diseñado minuciosamente por él mismo, con la colaboración de un
pequeño grupo de capellanes muy cercanos, procedentes de la catedral de València.
El vínculo familiar con la familia real se pone también de manifiesto en las
Constituciones del Colegio, en cuyo capítulo II nombra patrono a Felipe III: “(…)
dexamos por Protector, y Patrón deste nuestro Colegio, y Seminario, à la Magestad del
Rey Don Phelippe III nuestro Señor, y à los Sucessores de su Magestad Cathólica
en estos Reynos de Aragón (…)”.2
Otra cuestión política que evidencia el vínculo de Juan de Ribera con la Corona, es la
de los moriscos valencianos: expulsados entre octubre de 1609 y enero de 1610,
la decisión fue forzada por el Consejo de Estado tras más de veinte años de pugna entre
la Corona y las élites valencianas, que dependían de la mano de obra morisca para
trabajar sus tierras. Si bien el Patriarca abogaba por lograr su plena evangelización,
a partir de 1601 escribe al rey Felipe III manifestando un cambio de parecer que
enturbiaría sus relaciones con la nobleza valenciana y los estamentos forales: «(…) han
quedado con nueva y mayor obstinación; porque ninguno de ellos ha querido usar del
edicto de gracia ni mostrado un punto de afición a la doctrina del Evangelio (…)».3 Este
cambio de posición podría estar en el origen de su nombramiento como virrey el 3
de diciembre de 1602, al defenderla junto al Consejo de Estado.
A partir de 1601 los innumerables gastos y deudas heredados de Felipe II, obligaron
a la casa real a pedir un donativo al reino de València, razón por la cual se iniciaron
negociaciones para convocar cortes. El valido de Felipe III, Francisco Gómez de
Sandoval-Rojas y Borja (1553-1626), duque de Lerma, quinto marqués de Denia y virrey
de València entre 1595 y 1597, trató de que se celebraran en sus dominios de Denia; sin
embargo, el tiempo inclemente de aquel invierno sirvió a los estamentos forales para
persuadir al rey de que se celebraran en la ciudad de València, escogiéndose para su
celebración el actual Convento de Santo Domingo, antiguo Convento de Predicadores.

1
Robres Lluch, 1960, 263.
2
de Ribera, 1610-1732, 2.
3
Boronat y Barrachina, 1901, 35.

144
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

En 1604 los trabajos de la iglesia no estaban aún finalizados: órganos, facistoles,


asientos para los capellanes, libros de canto y otros elementos, indispensables para iniciar
la actividad de la capilla, se encontraban todavía en proceso de ejecución. A pesar de ello,
el Patriarca aprovechó la celebración de Cortes para realizar el traslado del Santísimo
Sacramento al Real Colegio-Seminario desde la catedral con una procesión a semejanza
de la del Corpus, invitando a las autoridades, los gremios y la totalidad de los conventos y
parroquias valencianas, así como a las de los alrededores a cuatro leguas de la ciudad.
Según se desprende del Bando hecho público por Pere Pi, trompeta de la Ciudad, fue el
propio rey quien eligió como fecha el segundo domingo de febrero, día 8 de aquel 1604, y
sería el Patriarca quien costearía todos los gastos de la procesión:

Ara hojats queus fan asaber com desijant posar en execució lo insigne collegi fundat y
ynstituchi en esta present ciutad de València sots la ynvocació del Santíssim Cos preciós de
nostre señor Deu Jesuchrist se ha determinat que aquell tinga principi posant lo Santíssim
Sacrament portant-lo ab solemne professó de la seu de València al dit collegi. Per ço Jaume
Christòfol Ferrer notari sindich que és del dit collegi, representant dites coses a tot hom en
general y a cada hu en particular y per que la dita professó se fasa segons la mente y
deliberació de la Magestad del Rey nostre señor lo segon dumenge de febrer que contarem
a huyt del mes de febrer primer vinent la qual exirà de la Seu per la porta dels Apòstols y
per davant de les cases de la ciutat y de la diputació fins a la casa del duch de Villa hermosa
y girarà a ma [e]squerre a la plaça de Calatrava fins a la casa que solia ser de Christòfol
Pérez de Almaçàn y abaxarà per la Freneria tot dret y a la Corregeria fins a Senta Tecla y
girarà deves la plaça de Senta Catherina Màrtir dret a Sant Martí fins al cantó del campanar
de la dita yglesia y de allí anirà a la plaça de Vilarrasa dret al dit collegi y es just y a raó
conforme que a més de la presència de la Magestad del Rey nostro señor que tant se deu
stimar y considerar y se solemnize la dita festa y prosessó ab demostracions humanes,
aquelles que considerada la ocurrència y brevetat del temps se po[d]ran còmodament fer.
Perçó lo dit Jaume Christòfol Ferrer en nom del dit collegi promet y senyala los premis y
joyes seguen[t]s a les perçones que festejaran y solemnizaran la dita prosessó.
Primerament senyala y promet a la Parroquia, o, monastir que en dita prosessó portarà
ornato de creu ço és al primer y més avantajat deu lliures y al altre inferior que serà segon
en orde huyt lliures y al tercer sis lliures y al quart quatre lliures.
No res menys promet y senyala a les Parròquies,o, monestir que en la dita professó
portaran tabernacles, o, custodia ornats ço esal primer y més avantajat vint lliures y al altre
inferior que serà segon en orde quinze lliures y al tercer deu lliures y al quart cinc lliures.
E així mateix a les persones que faran altars, o, altres qualsevol ynvencions ab altars en
los carrers, o, places per hon anirà aquella ço es al primer y més avantajat trenta lliures y al

145
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

altre ynferior que serà segon en orde vint lliures y al quart quinze lliures y al quint deu
lliures.
E així mateix a la persona que millor empaliada, o ornatos posarà en les parets per hon
pasarà la dita prosessó ço és a la primera y més avantatjada dotze lliures y a l’altra inferior
que será la segona en ordre huyt lliures y a la tercera sis lliures yala quarta quatre lliures.
També promet y senyala als officis que portaran millor ynvencions, o, dances en la dita
prosessó ço es al primer y més avantajat en invenció, o, dança quaranta lliures y al altre
inferior que serà segon en orde trenta lliures y al tercer vint lliures y al quart deu lliures.
Advertint que los dits premis y joyes se donaran y pagaran per lo dit Jaume Christòfol
Ferrer de diners del dit collegi per lo modo y forma que serà declarat per les persones
nomenadores per aquell per a que donen y graduen los dits premis y joyes los quals se
donaran y lliuraran en continent. Advertint que en les dites invencions y coses tocans a la
solemnitat de la dita prosessó no y ha de haver piules coets arcabuços masclets ni altra
invenció alguna de pólvora no foch e perquè a tots sien notòries les dites coses se publica la
present pública crida, Jaume Christòfol Ferrer, notari-síndic del Col.legi.4

La escenografía urbana y procesional, se correspondió con la tradición del Corpus


Christi, fiesta grande valenciana hasta el siglo XIX: las calles son cubiertas con ramas de
mirto, y sus fachadas decoradas con todo tipo de objetos y vestidas con ricos paños
contribuyendo a la elevación y honra de la custodia.
Desde el punto de vista sonoro, las campanas de incontables parroquias repicando,
constituían un paisaje sonoro protector contra los espíritus malignos, atrayendo a la vez
“...el oído de Dios y la atención de los fieles.”5 Las voces de la gente, la música
instrumental y vocal y las danzas, así como el ruido de los múltiples elementos móviles,
transcurrieron por las calles amplificados en su alegría y boato por la presencia del rey.
Es de señalar la prohibición expresa del uso de cohetes y petardos o cualquier artificio
de fuego y pólvora en las invenciones, altares u ornamentos que se hicieren, que
probablemente a pesar del Patriarca, se lanzarían al paso de la procesión: la pugna entre la
celebración religiosa y la popular fue constante en la festividad del Corpus valenciano,
y en el caso que nos ocupa, por su similitud, no debió ser diferente; de hecho se pagó al
relojero Vicente Inza, «…por haver detenido el reloj de la Iglesia Mayor el día de la
Processión…»,6 para evitar así cualquier sonido no deseado al inicio de la procesión.7
Andrea Bombi [Bombi, 2018, 184], analiza la dicotomía ruido-silencio:

4
E-VAcp Sacristía, Bando «Premios que se devían dar en la Processión (…)» leg. 1-6-2-13, 1604. Original en
valenciano, Anexo 1.
5
Schafer, 1994, 174 y Strohm, 2018, 285.
6
E-VAcp Sacristía, recibo 17-2-1604, leg. 1-6-2-13.

146
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Dos elementos descriptivos son especialmente importantes: primero, el ‘ruido festivo’; el


segundo, en el otro extremo, ‘momentos de quietud o solemnidad’. Ambos crean, de
manera antitética, una imagen de la unión de la comunidad (cristiana) más allá de los
diferentes cuerpos y estamentos sociales. El ruido, primer elemento descriptivo, es sobre
todo relevante en las procesiones o entretenimientos durante la tarde, momentos en que
este encuentro de la comunidad es simbolizado por un heterogéneo y rauco paisaje sonoro
resultante de la colocación de instrumentos potentes en diferentes emplazamientos, el
bullicio de la muchedumbre (a veces con danza), el estruendo de los fuegos de
artificio (...).8

Para nuestra procesión se señalaron premios y joyas9 enumerados con prolijo detalle
en el bando para las tres mejores cruces; cuatro para los mejores tabernáculos o custodias;
cinco para los altares «(…) o, altres qualsevol ynvencions ab altars en los carrers (…)»10;
cuatro para las empaliadas u ornatos en las fachadas del recorrido; y finalmente, cuatro
para las mejores invenciones o danzas.
Hay que resaltar que los altares se convierten desde los primero años del siglo XVII,
en elementos decorativos de primera importancia. Adoptan formas complejas con
volumetrías insospechadas e incorporan decoración pictórica, escultórica y orfebre.
Además, reciben iluminación e incluso tienen figuras y personajes móviles, lo que se
corresponde bien con la expresión utilizada en el Bando invenciones cualesquiera con
altares (qualsevol ynvencions ab altars).
Obsérvese que el llamamiento especificaba que se premiaría a los oficios, es decir a
los gremios, por invenciones o danzas, con premios entre diez y cuarenta libras. Se trata
de las cantidades más elevadas asignadas por el Patriarca a cada premio o joya: ello no
resulta sorprendente, dado que Felipe III, además de tocar la viola de arco era un
consumado bailarín, pues en la Corte se enseñó danza al heredero como entretenimiento

7
Schafer, 1994, 182 y Strohm, 2018, 282.
8
«Two descriptive elements are especially important: first, the ‘festive noise’; and the second, at the other
extreme, ‘moments of stillness or solemnity’. Both create, in an antithetical way, an image of the uniting of
the (Christian) community beyond the various social bodies and estates. The first descriptive element, noise,
is mostly relevant to processions or evening entertainments, moments when this coming together of the
community is symbolized by a heterogeneous and raucous soundscape resulting from the placing of loud
instruments in various sites, the bustle of the crowd (including a times dancing), the din of the fireworks
(...).» Traducción al castellano de Mireya Royo.
9
«Joya se dize al premio que se da en los certámenes, y por esta causa puede sinificar la victoria».
Covarrubias Orozco, 1611, fol. 67r.
10
Ver Bando (página antecedente).

147
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

«(…) y también como medio de cultivo del espíritu para contrarrestar los ejercicios
bélicos».11
Por otra parte, ya desde niño, el rey aprendió a tocar la viola, practicando con
constancia junto a su maestro Jehan L’Heremite «(…) acompañado por un conjunto de
cuatro violas de arco».12 El pensamiento de tradición aristotélica había proscrito los
instrumentos de viento como vehículo de expresión musical entre la realeza:

La ‘voz desafinada’ del rey, una metáfora para el tan humano y ordinario sentimiento de
ira, perturba el temperamento del soberano y altera su semblante: en la iconografía política
del siglo XVII se comparaba con la música del aulós de Atenea, instrumento de viento de
su propia invención del que se deshizo cuando se percató de que soplar en él distendía su
boca y provocaba la hinchazón de sus mejillas. Este episodio de la mitología griega fue
citado en La Política de Aristóteles; en él, el filósofo desdeñaba los instrumentos de viento
porque estos no permiten el uso de la voz mientras son tañidos, por lo que adolecen de
valor alguno en la educación. Esta es la razón por la cual es la diosa de la sabiduría quien
los rechaza.13

Ya en el siglo XVI, las invenciones eran indispensables en la escenografía; podían


consistir en arquitecturas efímeras, maquinarias aéreas, y efectos móviles, sonoros y/o
luminosos. En nuestra procesión formarían parte de un pequeño cuadro general o
dramatización dedicada al patrón del gremio o a cualquier otra escena bíblica, que
podrían o no, ser acompañadas por danzas.
Teresa Ferrer (Ferrer Valls, 1993, 35) explica que durante el siglo XVII el término
invención se utiliza en las representaciones cortesanas y aporta descripciones de la época:
«…esto que estrañara el pueblo por comedia y se llama en palacio invención, no se mide
a los preceptos comunes de las farsas, que es una fábula unida, ésta se fabrica de variedad
desatada, en que la vista lleva mejor parte que el oído, y la ostentación consiste más en lo
que se ve que en lo que se oye».14

11
Sanhuesa Fonseca, 2004, 71.
12
Sanhuesa Fonseca, 2004, 84.
13
González, 2013, 18-19. «The King’s ‘out of tune voice’, a metaphor for the very human and pedestrian
feeling of anger, upset’s the sovereign’s temperament and alters his countenance: in seventeenth-century
political iconography it was compared with the music of Athena’s aulós, a wind instrument of her own
invention that she disposed of when she realized that blowing into it distended her mouth and caused cheeks
to swell. This episode of Greek mythology was quoted by Aristotle in Politics; there the philosopher scorned
wind instruments because they do not allow the use of voice while they are being played, so they lack any
value in education. This is the reason why it is the goddess of wisdom who rejects them». Traducción al
castellano de Mireya Royo.
14
Hurtado de Mendoza, 1623, 13.

148
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Entre la documentación de archivo del Colegio, un Memorial firmado por los juezes
dela taçación de las joyas indica que la única danza que recibió premio de diez libras fue
la del gremio de trajineros, barbarismo que se corresponde con la voz arrieros o
carreteros en lengua castellana. Los tres primeros premios se concedieron a invenciones,
como se observa en los n.18-19-20 del Anexo 2.
La invención nº 18, agraciada con la joya o primer premio de 40 libras, fue realizada
por el gremio de sastres. Representaba el sacrificio de Abraham, conocido también como
El sacrificio de Isaac: en el Libro del Génesis 22,1-14, se relata que Yahvé, para probar a
Abraham, le solicitó que sacrificara a su hijo primogénito, Isaac, en el monte Moria.
Aunque destrozado por la pena, Abraham accedió al mandato, pero un ángel lo detuvo,
ordenándole que sacrificara un carnero en su lugar.
Esta invención debía ser bastante compleja, con varios personajes y con movimiento;
representaría bien el sacrificio del cordero ante el ángel, bien la llegada del ángel con
Isaac en el altar. No consta si dicha acción era acompañada por música, ni si los
personajes hablaban, pero con certeza se trataba de una dramatización, por sencilla que
esta fuere.
Una vez otorgados los premios, el gremio de sastres se apresuró a cobrar la joya de 40
libras. Sin embargo, el sastre que había realizado la invención la reclamó como propia. El
Vicario General del Arzobispado aceptó la queja el 13 de febrero, reconociendo mala fe
por parte del clavario y el mayoral del gremio; seguidamente ordenaba el pago al autor de
la invención, Francesc Melendes:

Petrus Genesius Casanova Presbitero Preposito sedis Valencie officialis et vicarius


generalis valentinus Presente instante et requirente Francisco Melendes sartore civitatis
Valencie habita et Attento que ha constado y consta que el dicho Francesc Melendes
admitido por él mismo y con su maestría y trabajo hizo la invención del sacrificio de
Abraham que el día de la procesión de la reserva del Santíssimo Sacramento del Colegio
del Señor Patriarca y arzobispo de Valencia llevó el oficio de sastres y que por consiguiente
la libranza de las cuarenta libras dela joya que se ha dado y librado a Juan Garí, clavario del
dicho oficio, por razón de dicha invención es propia y se ha de dar y librar al dicho
requiriente y no al dicho oficio por la razón arriba dicha, admitida contumacia contra los
dichos clavario y mayoral por eso proveemos que sea mandado a los dichos clavario y
mayoral que para hoy todo el día den y libre al dicho requiriente la dicha libranza de dichas
quarenta libras de dicha joya que en su poder tienen para que el dicho requiriente en virtud
de aquélla cobre las dichas cuarenta libras y convierta aquéllas en sus usos propios por

149
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

suyos propios y tocar y guardarse a cobrarlos a él por haber hecho como dice de su propio
dinero dicha invención y los gastos y trabajos… etc. 15

Melendes cobró la joya el 22 de febrero siguiente: «A Francisco Melendes por la joya


de la invención del officio de sastres, 40L. Firma Frances Melendes».16 Hemos visto
arriba que el cuarto premio fue para una danza realizada por José Manzanera y Jaime
Gomis, del gremio de los arrieros o carreteros: «Item en quarto lugar la dança de los
broqueretes que yva arrimada al officio de los trajineros, 10L»17. La voz valenciana
trajineros, corresponde al castellano arrieros o carreteros, que constituyeron gremios en
los territorios de la corona de Aragón desde la Edad Media. Se dedicaban al transporte de
mercancías y personas, además de hacer llegar a los lugares más apartados informaciones
y noticias variadas.18
En cuanto a la de broquerete, utilizada en el memorial, procede del valenciano
broquer, en castellano broquel. Cabe la posibilidad de que los trajineros realizaran esta
danza por el simbolismo del broquel, similar a una rueda.19 La Danza de los Broqueles
era propia del gremio de los cossiers, artesanos que fabricaban cossis,20 barreños de
grandes dimensiones que se usaban para lavar la ropa:

Los bailes de los barreñeros son las danzas más típicas que se conservan en Mallorca:
Seguramente corresponden al baile de los barreños, del cual encontramos noticia en
documentos del siglo XVII: no sabemos si en realidad la palabra fundamental es barreño-
cossi, o si hay que aceptar la creencia corriente de Menorca, según la cual el ball des còssil
(como se dice allá) es una desviación por etimología popular, del baile de Escocia […] La
única cosa cierta es que es antiquísimo, como demuestra principalmente el ballet llamado
els Broquers, en que los danzantes van armados de escudos (broquers) y espadas (cetres) y
ejecutan, por tanto, una auténtica danza guerrera con armas de marcado primitivismo.21

15
E-VAcp Sacristía, 1604, «Reclamación del sastre Francisco Melendes», leg. 1-6-2-13. Está firmado por
Pedro Casanova, Oficial y Vicario General del Arzobispado de Valencia. Orginal en valenciano en Anexo 3.
16
E-VAcp Sacristía, recibo 22-2-1604, leg. 1-6-2-13.
17
E-VAcp Sacristía, 1604, «Memorial firmado por los juezes (…)» nº 21, leg. 1-6-2-13.
18
Diccionari català-valencia-balear, voz: traginer
19
Diccionari català-valencia-balear, voz: broquer [Consult. Enero 2018].
20
Diccionari català-valencia-balear, voz: cossi [Consult. Enero 2018].
21
En catalán en el original: «Els balls dels cossiers són de les danses més típiques que es conserven a
Mallorca. Segurament corresponen al ball de cossis, del qual trobem notícia a documents del segle XVII. No
sabem si en realitat el mot fonamental és cossi, o si cal acceptar la creença corrent de Menorca, segons Ia qual
el ball des còssil (com es diu allà) és una desviació, per etimologia popular, per ball d'Escòcia… L'única cosa
certa és que és antiquíssim, com ho demostra principalment el ballet anomenat els Broquers, en què els
dansants van armats d'escuts (broquers) i espases (cetres) i executen, per tant, una autèntica dansa guerrera
amb armes de marcat primitivisme». Diccionari català-valencià-balear.

150
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Además de los premios, y dada la presencia del rey y su séquito en la procesión, el


Patriarca encargó otras tres danzas, dos de las cuales son mencionadas como máscaras.
Estos encargos, contrariamente a lo afirmado por Piedra y Climent (Piedra et al. 1977,
51)22 quedaron fuera de concurso y supusieron un gasto mayor al de cualquiera de los
primeros premios o joyas; por esta razón no se incluyen en el «Memorial (...)»,
presentado en el anexo 2.
Los encargos fueron realizados a dos músicos bien conocidos en la ciudad, Honorato
Juan Aguilar y Nofre Perpiñán, y a un capellán músico de la catedral, Miguel Tarín,
pagándose por ellas cantidades superiores a las joyas ya mencionadas:

Recibos de la procesión del traslado


«26-2-1604: A Nofre Perpiñán por sus trabajos y gasto de una dança pagadas con orden del
Patriarca mi Señor».
Dice Perpiñán: «50 lliures per los gastos y treballs de la màsquera que fiu per la prosesió
del Santíssim Sacrament ques porta al Colegi del señor Patriarca, fet de ma mia […] 50L».
«26-2-1604: A Honorat Joan Aguilar por su trabajo y gastos de una dança a más de los
vestidos librados con orden del Patriarca mi señor».
Dice Aguilar: «Sysents reals castellans son per lo gasto de una màsquera que fiu en la
prosessó del santísim sacramet del colegi del eselentísim Patriarca, fet de ma mà […] 57L
10S».
«26-2-1604: A mosén Tarín por tantas que le mandó dar el Patriarca mi señor por el gasto
de una dança».
Dice Tarín: «Cinquenta y cinco escudos por la dança que hize a petición del Patriarcha mi
señor y por ser verdad hize el presente […] 55L ».23

El hecho de que en los recibos de Perpiñán y Aguilar informen de la realización de


una ‘màsquera’ y no una simple danza, como sí dice Tarín, el único religioso del grupo,
nos acerca al ámbito cortesano, desde el que se desarrolló el teatro barroco. Dice Teresa
Ferrer Valls:

Las interferencias entre fasto y teatro cortesano se ponen así mismo de relieve al
estudiar otro espectáculo teatral, heredero de los antiguos momos y que alcanzó un probado
éxito en el XVI y en el XVII. Me refiero a las máscaras o mascaradas, basadas en el disfraz,

22
«Hubo un concurso de danzas y participaron en él cuatro destacados músicos de la catedral. A mosén
Miguel Tarin le correspondieron 55 libras; a Honorato Juan Aguilar se le entregaron, por su obra y por los
vestidos de los danzantes, 57 libras; a Onofre Perpiñán le correspondieron 50 libras y a José Manzanera 10.»
23
E-VAcp Sacristía, recibo 26-2-1604, leg. 1-6-2-13.

151
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

y, como la palabra indica, en la máscara. A veces, consistían en simples bailes o desfiles.


Otras se acompañaban de suntuosa escenografía. 24

Las máscaras formaban parte de las aficiones del rey, y para él fueron preparadas;
podían ser disfrutadas tanto al aire libre como en los aposentos de palacio; algunas
llegaron a revestir gran complejidad escenográfica, representándose en tablados, con
luminaria directa e indirecta, así como artilugios móviles y telones.
Por lo que respecta a los músicos que realizaron estas danzas, Miguel Tarín era
beneficiado de la catedral de Valencia, y uno de los capellanes de confianza del Patriarca.
Nofre Perpiñán era ministril y danzador, y formaba parte del grupo de ministriles de la
ciudad de Honorato Juan Aguilar. Este último fue ministril mayor de la Ciudad y de la
catedral,25 permaneciendo en activo al menos durante el primer tercio del siglo XVII.
En cuanto a los instrumentistas que participaron en la procesión, el trompeta mayor de
la Ciudad, Pere Pi, fue encargado además de pregonar el bando junto a su conjunto: «11-
feb-1604: A Pedro Pin y demás trompetas por pregonar la prossessión del santíssimo
sacramento que se hizo al Colegio. Firma Pere Pi, 9L 11S 8D.»26
Desde la Edad Media, los conjuntos de trompetas formaban parten del paisaje sonoro
de la ciudad, tanto para anunciar diferentes acontecimientos, como para señalar el inicio
de festividades y la llegada de personajes principales a un lugar señalado. A pesar de ello,
no conocemos el lenguaje preciso utilizado por ellos, y si « (...) podrían tocar señales
individualmente reconocibles, fanfarrias o incluso melodías, que pudieron haber sido
descifradas como símbolos heráldicos.»27
Juan Jeroni [Joan Hyerónimo-Joan Jeroni-Juan Gerónimo] de Huesa y otros
ministriles de la catedral, entre los que se encontraba Honorato Juan Aguilar, participaron
en la procesión y acompañaron las máscaras y danzas:

Anverso: «3-2-1604: En 3 de Ebrero 1604 a Gerónimo Guesa y demás menestriles por


entrevenir en la processión del santissimo sacramento seyzo al Colegio».
Reverso: «Al señor Joan Hierónimo de Guesa Menestril […] por el salario de los

24
Ferrer Valls, 1991, 35.
25
E-VAc, Salarios 1605-1810, fol.108v.
26
E-VAcp Sacristía, recibo leg. 1-6-2-13, 11-2-1604.
27
Strohm, 2018, 287. « (... ) could play individually recognizable signals, fanfares or even melodies, which
might have been deciphered just like heraldic symbols.»

152
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

menestriles que han hecho el pregón de la processión del collegio… Firma Juan Jeroni de
Guesa, 7l 13S 4D».28

Francisco Villanueva (Villanueva, 2018) aporta información sobre la presencia


instrumental en diversas festividades celebradas durante los primeros años del siglo XVII,
que permite imaginar la algarabía de timbres instrumentales desplegados a lo largo de la
procesión: conjuntos de músicos acompañando a las voces junto a las cruces y
tabernáculos de las órdenes religiosas, a las invenciones de los gremios y a las danzas:
chirimías, flautas, cornetas, sacabuches y bajones, violines, vihuelas de arco y cantores
con guitarras, bien desfilando, bien trasladados sobre carros o rocas, « (...) oyendo tan
regaladas i divinas vozes, si no les estorbara el solenísimo repique de campanas i les
llamara el nuevo regozijo de luzes, fuegos, incendios i otros entretenimientos (…).»29
Felipe III tuvo la cortesía de enviar a varios soldados de su guardia a vigilar el entorno
y el propio recinto del Colegio, donde se habían expuesto sus numerosas reliquias en
altares hechos para la ocasión: «A los de la guardia del rey española y tudesca que
asistieron dos días en el Colegio del Patriarca mi señor. Firman Jaques […], Francisco
Anbrabo y Guillermo de Malinas, 19L 3S 4D».30
La plaza dels estudis, donde culminaba la procesión, quedó cerrada por un arco
triunfal encargado para la ocasión a una cuadrilla de carpinteros:

«7-2-1604: (…) mandará pagar a mosén Martin Domínguez carpintero…por veintinueve


jornales que han trabajado siete días de esta semana en el Colegio del Patriarca mi Señor en
hacer y acabar la portalada lo Arco Triunfante que ha hecho en la Plaza del Estudyo
General el qual ha trabajado con tres hoficiales y un aprendiz los hoficiales ganan quatro
reales por jornal que montan los veynte y dos jornales a dicho prezio hochenta y hocho
reales castellanos, 8L 8S 8D (…) Más, a su criado (…) por haver trabajado en dicha
hacienda siete días de esta semana y gana cinco sueldos por jornal, 1L 15S». Suman y firma
Pedro Roiz, 10L 3S 8D.31
«1-3-1604: A Martín Domínguez por sus trabajos e industria de hazer el arco triunfal para
la prossessión del Santíssimo Sacramento, 20L». 32

28
E-VAcp Sacristía, recibo leg. 1-6-2-13, 3-2-1604. Tomamos el nombre tal y como el propio músico
firmaba, dejando entre claudator otras acepciones escritas en los diferentes documentos.
29
Villanueva, 2018, 101.
30
E-VAcp Sacristía, recibo leg. 1-6-2-13, 12-2-1604.
31
E-VAcp Sacristía, recibo leg. 1-6-2-13, 7-2-1604.
32
E-VAcp Sacristía, Libro de Fábrica fol.415r, 1-3-1606.

153
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Un pintor y su ayudante realizaron los acabados finales; el trabajo fue intenso,


alargándose durante la noche o en horas ya muy altas de la tarde:

«6-2-1604: A Baltasar Serrador… por quatro días que ha molido colores esta semana en el
Colegio del Patriarca mi Señor, para pintar el Arco Triunfante que se hace en la plaza del
Estudio General y gana de jornal con las veladas nueve reales que montan los sobredichos
quatro jornales…3L 9S». Firma Pedro Roiz33.
«7-2-1604: A Tomás Hernández de jornales echos en pintar el arco triunfal que se hizo
junto al colegio para la prossessión del Santíssimo Sacramento, 18L 4S 2D».34

La decoración, también en madera y detalles pictóricos con alusiones al Colegio,


incluía el escudo del Patriarca:

«7-2-1604: Señor mosén Agorreta vuestra merced mandará pagar a Francés


Serramicha […] por precio de seis vasos y seis chapiteles para el Arco Triunfante y
docena y media de fulletas para añadir el montecillo dela casa del Cristo del Colegio
del Patriarca mi Señor, los doce vasos y chapiteles questan quatro reales cada uno,
4L 12S. La doçena y media de fulletas questan nueve reales, 11S 3D. Suman las dos
partidas lo contenido en la presente cédula, 5L 9S 3D». Firma Pedro Roiz.35

Los arcos triunfales, elementos arquitectónicos efímeros que eran utilizados en las
entradas reales, simbolizaban el dominio del lugar por parte del monarca:

Ninguna otra celebración cívica requiere una transformación tan profunda del aspecto real
de la ciudad como aquéllas en las que el rey participa. La ciudad se convierte en un espacio
teatral en donde todas las actuaciones de los personajes comparsa giran alrededor de la
actuación del protagonista: el monarca. Los arcos triunfales en estas ocasiones se
convierten en el decorado adecuado a través del cual el monarca, a la manera de los
emperadores romanos, va avanzando por la ciudad, ratificando simbólicamente su toma de
posesión de la misma.36

Además de la guardia real, acudieron los vergueros de la Ciudad y catorce personas


que limpiaron las calles:

33
E-VAcp Sacristía, recibo sin catalogar, 6-2-1604.
34
E-VAcp Sacristía, Libro de Fábrica fol.323r, 7-2-1604.
35
E-VAcp Sacristía, recibo sin catalogar, 7-2-1604.
E-VAcp Sacristía, Libro de Fábrica fol.323v, 7-2-1604.
36
Ferrer Valls, 2003, 31.

154
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Recibo 21-2-1604: «Mandará pagar a Pere Navarro hobrero de la ciudad y a un verguero de


los jurados y ha mastre Alonso Horts y ha catorze maestros y hoficiales y peones que
trabajaron el sávado en la noche y el domingo asta medyo dya en limpiar las calles por
donde havía de pasar la procesión que trajeron el Santíssimo Sacramento al Colegio del
Patriarca mi señor, y poaron agua para la fuente del Colegio. Pere Navarro y el verguero
ganaron veinte y cinco reales castellanos cada uno y maestre Alonso veinte reales, y los
catorze hombres a diez sueldos que montan todos a dicho precio lo contenido en la
presente cédula, 13L 14S 3D». Firma Pedro Roiz37.

Se conservan todos los recibos de las joyas y premios otorgados. Fueron agraciados el
convento de santa Tecla, la parroquia de san Martín, san Esteban, san Lorenzo, san
Nicolás, santa Cruz y san Juan del Mercado (actualmente Santos Juanes). También
recibieron premio los artificios realizados en la Universidad, la casa del señor de Bétera,
así como los gremios de carpinteros, carniceros y el de sastres como ya hemos visto:

«11-2-1604: A Joan Mora y Jordi Muñoz por el premio de un altar junto a Santa, 25L
Tecla». Firma Jordi Muñoz, por no saber escribir Joan Mora.
«11-2-1604: A Vicente del Campo carpintero por la empaliada de la puerta de San Martín,
8L». Firma Pere Ferrer por no saber escribir Vicente del Campo.
«11-2-1604: A Cristóbal Domínguez por la joya de un altar en la puerta de las almas de San
Martin, 30L». Firma él mismo.
«11-2-1604: A Francisco Amargós por la joya de una empaliada en la pared de San Martín
que va a la plaça de Villarrasa, 4L». Firma él mismo.
«11-2-1604: A Lorenço Prats por la joya del altar dela plaça de Villarrasa, 15L». Firma él
mismo.
«11-2-1604: A Diego Castellón por la invención que hyzo en la plaçuela del señor de
Bétera, 6L».
«11-2-1604: A Francisco García por la joya de su empaliada al estudio general, 12L».
«11-2-1604: A Gerónimo Cortés por la joya del altar que hyzo junto al Colegio, 10L».
«11-2-1604: Al clavario del officio de carpinteros por joya de invención, 30L». Firma
Agostí Comalada, «clavari del hofici de fusters».
«11-2-1604: A Domingo Morata escolán por la joya de una cruz de San Estevan, 4L».
«11-2-1604: A Miguel García por la joya dela invención delos carniceros, 20L». Firma él
mismo.
«11-2-1604: A Bartholomé Ortiz por el ornato dela cruz de San Lorenço, 10L».

37
E-VAcp Sacristía, recibo 21-2-1604, leg. 1-6-2-13.

155
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

«11-2-1604: A Vicente Pons por la joya del ornato de la cruz de San Nicholás». Firma
Christófol Domínguez. 8L.
«11-2-1604: A Bautista Gavarda por la joya del tabernáculo de San Martín, 5L». Firma él
mismo.
«12-2-1604: A Gaspar Carnoy por la joya de una cruz de Santa Cruz, 6L».
«12-2-1604: Al mismo por joya del tabernáculo de Santa Cruz, 10L». Firma él mismo.
«15-2-1604: A Aloy Tous bordador por el premio de un altar enla esquina de la calle de
Santo Thomás, 20L». Firma él mismo.
«15-2-1604: «A Mateo Çudanell por la joya del tabernáculo de San Estevan, 15L.» Firma él
mismo.
«16-2-1604: «A Estevan Martínez por el premio del tabernáculo de la parrochia de San
Joan, 20L».38

Jerónimo Pradas aporta en su dietario un itinerario detallado, describiendo a la


comitiva y la decoración urbana. Las lluvias torrenciales sufridas durante aquellos días
obligaron a desmontar algunos de los altares e invenciones, pero a pesar de ello aún
quedaron algunos bastante llamativos:

La processión para poner el Sacramento en el Collegio: domingo á 8 de Febrero 1604 por


orden del Señor Patriarcha Don Juan de Ribera y Arçobispo de València se ordenó que se
hiziesse una processión general que fuesse nombrada para poner, y asentar el Santíssimo
Sacramento en la Yglesia de su Collegio y fuesse principio del asiento, que se ha de tener
en dicho Colegio, que el á sus costas ha labrado, y se hiziesse en todo, y por todo á
imitación del día del Corpus, y en algo más. Y para esto mandó, que de todos los lugares
comarcanos de quatro leguas alrededor de Valencia viniessen para este día el Rector o
Vicario, y clérigos que en los pueblos huviesse con capas de las que en los pueblos
huviesse.
Premios para la processión: para fiesta y processión se señalaron buenos premios para las
danzas y invenciones y Cruzes bien adornadas y tabernáculos de buena traza, y altares bien
hechos, y con haverse seguido la desgracia del golpe del agua que cayó del cielo al tiempo,
que ivan en processión los oficios con sus vanderas, y invenciones, no por esso dexó la
processión de passar á delante con los lodos que havía causado el agua que avía caído del
Cielo.
El Rey miró la processión desde la Diputación: el Rey nuestro Señor con sus sobrinos, y
Grandes estuvieron en las ventanas, y balcones de la Diputación mirando la processión que
salió de la Yglesia Mayor por la puerta de los Apóstoles. Primero los officios con sus
invenciones, y galanías, y diferencias de músicas, pasando por la casa dela Ciudad y

38
E-VAcp Sacristía: recibos 11,12,15,16-2-1604, leg. 1-6-2-13.

156
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Diputación, y de la calle Cavalleros hasta el primero horno que buelven á mano hizquierda
a la plaza de Calatrava en la que havían hecho un buen altar, y el agua fue causa que se
deshiziesse antes de hora y pasando a delante hasta la Calle de la Estaminería bolvieron á
mano hizquierda por toda la Calle dela Silleria, Frenería, Corregería, Puñalería, y allá
enfrente, en la hizquierda de la calle que buelve á la Corregería vieja, también avía hecho
un altar, y también por el agua lo deshizieron, y passada toda esa calle hasta la esquina de
las Monjas de Santa Tecla39 á donde también avían hecho un muy buen altar, y por el
agua también le quitaron. Bolviendo á mano derecha a la plaza de Santa Catalina Mártyr40
y pasando á delante hasta San Martín41, y a la hizquierda y en la puerta de la Yglesia avian
hecho un lindo altar el qual se conservò hasta que la processión se acavò.
Buelta de la processión: abajando á la plaza de Villarrasa en la pared enfrente de la puerta y
Casa de Don Giner de Perellós42, avían hecho un lindo altar con linda colgadura de ricos
paños de brocado para cubrir la fealdad de la pared, que estava muy maltratada la qual
quedó en pie por todo el tiempo que duró la processión. El altar y piezas de plata del todo
se quitaron, y bajando allá enfrente de la esquina de la Casa del Señor de Bétera43 avían
hecho un altar el qual permaneció, y una noria con un pollino, que con cierto artificio
sacava agua, y más arriva en la Calle en la pared enfrente avían hecho un polido altar , y a
los lados avían puesto unos lindos retratos como eran los de nuestro Rey Phelipe 3 y de la
Reyna muy bien sacados al vivo, y al entrar en la plaza del estudio avían hecho un arco
triunfante el qual también permaneció, y toda la plaza muy lindamente entoldada, como
todas las paredes, y ventanas de toda la buelta de la processión lo estaba.
El número de los Religiosos en la processión pasava de 900: passados los oficios con sus
vanderas, y invenciones luego se siguieron los Gigantes, e inmediatamente las Religiones
en grande número, que passavan de nueve cientos y cada Convento llevava su Capa de
brocado con Diácono, y Subdiácono, y Acólitos con las imágenes o, Reliquiarios que
acostumbran sacar el día del Sacramento los Religiosos de la nuestra Orden de Santo
Domingo pasavan de ciento, y sesenta.

39
Este convento, derribado hoy en día, estaba situado en un gran solar entre la calle del Mar y la actual calle
de la Paz, que entonces aún no existía. A sus espaldas a la derecha se encuentra la catedral y delante a su
derecha la iglesia de santa Catalina mártir.
40
Esta iglesia se encuentra en la plaza de su nombre a no más de cien metros del desaparecido convento de
santa Tecla.
41
Se encuentra después de santa Catalina, muy cerca del actual palacio del Marqués de Dos Aguas y es
parroquia vecina del Patriarca.
42
Se trata del palacio del Marqués de Perellós, unido a los Rabassa, riquísima familia de mercaderes que
recibió el nombre de Rabassa Perellós. Propietarios de la baronía de Dos Aguas desde el siglo XV, esta fue
elevada a marquesado por el rey Carlos II en 1699. El actual palacio —del Marqués de Dos Aguas —,
conocidísimo por su estilo rococó, fue proyectado por Ignacio Vergara como reforma de la antigua casa
gótica y alberga el también importante Museo de Cerámica González Martí.
43
Se trata del edificio donde actualmente se encuentra la Bolsa de València, conocido como Palacio de los
Boil d´Arenós, calle Libreros 2 y 4. El edificio actual es del siglo XVIII.

157
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Llevaron velas: todos los Religiosos dio el Señor Patriarcha velas blancas de media libra
antes de salir de la Yglesia Mayor.
Las cruzes: luego tras de nosotros venían las Cruzes de los pueblos que eran convocados,
que entre todas dezían que eran más de 60.
Las capas: después se seguían los Clérigos, que no llevaban Capas sino sus sobrepellices
con sus muzetas. Después se seguía la Clerecía con lindas Capas que contaron, que entre
todos eran 400. Y los tabernáculos por medio de la processión bien aderezada con [...] y
música delante del Santíssimo Sacramento, que le llevaban en las andas conforme se suele
hazer el día del Corpus baxo de un lindo palio, cuyos palos llevaban solo titulados, y
jurados.
Acompañó el Rey al Sacramento: en allegando el Santíssimo Sacramento a la Diputación44
el Rey Nuestro Señor debajo de la ventana y salió de donde estava con sus tres sobrinos, y
grandes y se pusieron detrás del Patriarcha que iba vestido de Pontifical con unas velas
blancas en sus manos y desbonetados, y desta suerte fueron todos la buelta de la processión.
Remate de la processión: en llegando al Collegio á nadie dexaron entrar sino fue á aquellos
que iban cerca del Santíssimo Sacramento, y eran necessarios para concluyr, y dar remate á
la processión los demás se iban á sus casas. Las cosas particulares, y invenciones, que se
hizieron en nuestra jornada, las podía poner por su orden, y concierto, el que emprendiese
de hazer imprimir estas fiestas de la processión y cosas que se hizieron en el Collegio del
Señor Patriarcha y Arçobispo de Valencia, que yo no lo escribo sino para memoria, como
otras cosas, que emprendí de dexarlas escritas para los venideros45.

Como conclusión, la procesión desde la catedral al Colegio-Seminario de Corpus


Christi, supuso la verificación del proceso de transformación cultural de la ciudad de
València iniciado tras el Concilio de Trento, certificando la primacía del proyecto político
imperial frente al marco foral del Reino de València. Juan de Ribera servía al primero
presentándose junto a Felipe III, al pueblo, la iglesia y los estamentos, con una
celebración que transformaría la ciudad en un espacio de plenitud sonora y visual, no
como una mera representación para ser contemplada, sino como parte de un espectáculo
total en el que actores y participantes se fundían en una acción compartida. Los recursos
musicales y plásticos, así como los contenidos simbólicos de los mismos, se
correspondieron con las prácticas generalizadas en aquel momento, como se desprende de
los diversos trabajos mencionados en este artículo.

44
Era el nombre que en aquella época recibía el ayuntamiento.
45
Pradas, Libro de Memorias, 1604.

158
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Anexo 1
Ara hojats queus fan asaber com desijant posar en execució lo insigne collegi fundat y
ynstituchi en esta present ciutad de València sots la ynvocació del Santíssim Cos preciós
de nostre señor Deu Jesuchrist se ha determinat que aquell tinga principi posant lo
Santíssim Sacrament portant-lo ab solemne professó de la seu de València al dit collegi.
Per ço Jaume Christòfol Ferrer notari sindich que és del dit collegi, representant dites
coses a tot hom en general y a cada hu en particular y per que la dita professó se fasa
segons la mente y deliberació de la Magestad del Rey nostre señor lo segon dumenge de
febrer que contarem a huyt del mes de febrer primer vinent la qual exirà de la Seu per la
porta dels Apòstols y per davant de les cases de la ciutat y de la diputació fins a la casa
del duch de Villa hermosa y girarà a ma [e]squerre a la plaça de Calatrava fins a la casa
que solia ser de Christòfol Pérez de Almaçàn y abaxarà per la Freneria tot dret y a la
Corregeria fins a Senta Tecla y girarà deves la plaça de Senta Catherina Màrtir dret a
Sant Martí fins al cantó del campanar de la dita yglesia y de allí anirà a la plaça de
Vilarrasa dret al dit collegi y es just y a raó conforme que a més de la presència de la
Magestad del Rey nostro señor que tant se deu stimar y considerar y se solemnize la dita
festa y prosessó ab demostracions humanes, aquelles que considerada la ocurrència y
brevetat del temps se po[d]ran còmodament fer. Perçó lo dit Jaume Christòfol Ferrer en
nom del dit collegi promet y senyala los premis y joyes seguen[t]s a les perçones que
festejaran y solemnizaran la dita prosessó.
Primerament senyala y promet a la Parroquia, o, monastir que en dita prosessó portarà
ornato de creu ço és al primer y més avantajat deu lliures y al altre inferior que serà segon
en orde huyt lliures y al tercer sis lliures y al quart quatre lliures.
No res menys promet y senyala a les Parròquies,o, monestir que en la dita professó
portaran tabernacles, o, custodia ornats ço esal primer y més avantajat vint lliures y al
altre inferior que serà segon en orde quinze lliures y al tercer deu lliures y al quart cinc
lliures.
E així mateix a les persones que faran altars, o, altres qualsevol ynvencions ab altars en
los carrers, o, places per hon anirà aquella ço es al primer y més avantajat trenta lliures y
al altre ynferior que serà segon en orde vint lliures y al quart quinze lliures y al quint deu
lliures.
E així mateix a la persona que millor empaliada, o ornatos posarà en les parets per hon
pasarà la dita prosessó ço és a la primera y més avantatjada dotze lliures y a l’altra

159
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

inferior que será la segona en ordre huyt lliures y a la tercera sis lliures yala quarta quatre
lliures.
També promet y senyala als officis que portaran millor ynvencions, o, dances en la dita
prosessó ço es al primer y més avantajat en invenció, o, dança quaranta lliures y al altre
inferior que serà segon en orde trenta lliures y al tercer vint lliures y al quart deu lliures.
Advertint que los dits premis y joyes se donaran y pagaran per lo dit Jaume Christòfol
Ferrer de diners del dit collegi per lo modo y forma que serà declarat per les persones
nomenadores per aquell per a que donen y graduen los dits premis y joyes los quals se
donaran y lliuraran en continent. Advertint que en les dites invencions y coses tocans a la
solemnitat de la dita prosessó no y ha de haver piules coets arcabuços masclets ni altra
invenció alguna de pólvora no foch e perquè a tots sien notòries les dites coses se publica
la present pública crida, Jaume Christòfol Ferrer, notari-síndic del Col.legi.46

Anexo 2
«Memorial de lo que declaran los señores juezes acerca de las joyas de la processión que
se ha hecho al collegio del señor Patriarca»
1. Bartholomé Ortiz. Primo a la parroquia que ha traydo el mejor ornato en la cruz es la
parroquia de Sant Lorenço, 10L
2. Vicente Pons. Ítem la segunda San Nicolás, 8L
3. Gaspar Cornoy. Ítem la tercera Sta.Cruz, 6L
4. Domingo Morata scolar de St.Ferran. Ítem la quarta la parroquia que traía la cruz
enramada de ramilletes en oro, St.Ferran, 4L Las Parroquias que han traydo
tabernáculo
5. Mossen Benet Martínez. Primero a St.Joan, 20L
6. Mateu Çudanell. Ítem en segundo lugar St.Stevan, 15L
7. Gaspar Cornoy. Ítem la tercera Sta.Cruz, 10L
8. Bautista Gavarda. Ítem la quarta St.Martín, 5L
Los que han hecho altares y otras invenciones
9. Christóval Dominguez. Primero en primer lugar al que está a la puerta de las almas de
St.Martín que es mestre Christóval, 30L
10. Joan Mora y Jordi Muñoz. Ítem en segundo lugar el de Sta. Tecla que es un librero,
25L

46
E-VAcp Sacristía, Bando «Premios que se devían dar en la Processión (…)» leg. 1-6-2-13, 1604.

160
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

11. Aloys Tous. Ítem el tercero el del brodador que está a la esquina de St.Thomás
frontero de la Frenería, 20L
12. Lorens Prats. Ítem el quarto el de la plaça de Vilarrasa que ha hecho Prats el
studiante, 15L
13. Gerónimo Cortés. Ítem el quinto Cortés maestro de escuela, 10L
Los de la empaliada
14. García. Primero la del studio general que ha hecho García, 12L
15. Vicente del Campo. Ítem el carpintero que ha hecho la empaliada a la puerta del
cavallo de St.Martín, que se dice Vicente del Campo, 8L
16. [No indica autor ni cofradía o parroquia] Ítem la tercera, 6L
17. Amargós. Ítem la quarta al escolán de St.Martín que empalió asta casa Stevan Ros, 4L
Los officios de mayor invención, o, dança
18. Primero en primer lugar los sastres, 40L
19. Agostin Comalada. Ítem en segundo lugar los carpinteros, 30L
20. Miguel García. Ítem en tercero lugar los carniceros, 20L
21. José Mançanera y Jayme Gomis. Ítem en quarto lugar la dança de los broqueretes
que yva arrimada al officio de los trajineros [arrieros o carreteros], 10L»
«Firman el Deán Frigola, el Colegial Torres y Mathías Gil presbítero».

Anexo 3
«Petrus Genesius Casanova Presbitero Preposito sedis Valencie officialis et vicarius
generalis valentinus Presente instante et requirente Francisco Melendes sartore civitatis
Valencie habita, et Attento que ha constat y consta que lo dit Frances Melendes de sos
admés propi y ab sa maestria y treball feu la invenció del sacrifici de Abraam que lo dia
de la professó de la reservació del Sanctíssim Sagrament del Collegi del Señor Patriarca y
arcabisbe de València portà lo offici dels sastres y que per consegüent la lliurança de les
quaranta lliures de la joya que se ha donat y lliurat a Juan Garí, clavari deldit offici, per
raó de dita invenció és pròpia y se ha de donar y lliurar al dit requirent y no al dit offici
per la rahó dessus dita, admessa contumacia contrals dits clavari y majoral perçó etats
proveir que sía manat als dits clavari y maioral, que per a huy tot dia donen y lliuren al dit
requirent la dita lliurança de dites quaranta lliures de dita joya que en son poder tenen, per
a que lo dit requirent en virtut de aquella cobre les dites quaranta lliures y convertixca
aquelles en sos usos propis per ser seus propis y tocar y esguardarse a cobrarlos a ell, per

161
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

haver fet com dites de sos diners propis dita invenció y los gastos y treballs se an offerit
en aquella als. etts. Firmado por Pedro Casanova, Oficial y Vicario General del
Arzobispado de Valencia». 47

Documentación de Archivo
Abreviaturas:
E-VAc: Archivo de la Catedral, València, España.
E-VAcp: Archivo del Colegio Seminario de Corpus Christi, València, España.
Criterios de transcripción de las fuentes documentales:
Modernización de la puntuación, mayúsculas y tildes.
Se han separado las palabras según la ortografía actual.
Se ha respetado el uso de la h.
Se han respetado las alternancias y/i y b/v.
Las variantes que producen variaciones fonéticas han sido respetadas. Por ejemplo, la
alternancia z/ç y j/x.

Archivo Histórico Municipal – Manuals de Consells – [Manuscrito] Accesible en el


Archivo Histórico Municipal, Ayuntamiento de València, España. Sign. A-110, 1586.
E-VAc - Salarios 1605-1810 - [Manuscrito] Accesible en el Archivo de la Catedral,
València, España. Sign. 1631, fol.108v.
E-VAcp SACRISTÍA - Fiestas de la dedicación del Colegio - 1604. [Legajo de diferentes
manuscritos] Accesible en el Archivo de Corpus Christi, València, España. Leg. 1-6-
2-13. En este legajo se encuentran los siguientes documentos:
1. E-VAcp SACRISTÍA - Bando «Premios que se devían dar en la Processión de la
trasladación del Santíssimo Sacramento de la Cathedral à este Real Colegio, hecha
con assistencia del Rey Nuestro Señor. Domingo à 8 de Febrero 1604» -
[Manuscrito]. En Fiestas de la dedicación del Colegio - 1604. Accesible en el
Archivo de Corpus Christi, València, España. Leg. 1-6-2-13.
2. E-VAcp SACRISTÍA - «Memorial firmado por los juezes de la taçación de las
joyas». [Manuscrito]. En Fiestas de la dedicación del Colegio - 1604. Accesible en
el Archivo de Corpus Christi, València, España. Leg. 1-6-2-13.

47
E-VAcp Sacristía, 1604, «Reclamación del sastre Francisco Melendes», leg. 1-6-2-13. Está firmado por
Pedro Casanova, Oficial y Vicario General del Arzobispado de Valencia. Orginal en valenciano en Anexo 3.

162
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

3. E-VAcp SACRISTÍA - «Reclamación del sastre Francisco Melendes».


[Manuscrito]. En Fiestas de la dedicación del Colegio - 1604. Accesible en el
Archivo de Corpus Christi, València, España. Leg. 1-6-2-13.
4. E-VAcp SACRISTÍA - Recibos de los premios y joyas – [Manuscritos] En Fiestas
de la Dedicación del Colegio - 1604. Accesible en el Archivo de Corpus Christi,
València, España. Leg. 1-6-2-13.
Documentación sin catalogar:
E-VAcp SACRISTÍA - Libros de cuentas, recibos, órdenes de pago, memoriales, edictos
y gasto menudo. 1606 a 1620. [Manuscritos]. Accesible en el Archivo de Corpus
Christi, València, España.
E-VAcp SACRISTÍA - Libro de gastos que se hacen en el Seminario que començó el
Ilustríssimo Señor Patriarcha Arçobispo de València A 6 días del mes de Octubre,
año 1586. [Conocido como Libro de Fábrica] - [Manuscrito]. 1586 a 1610. Accesible
en el Archivo de Corpus Christi, València, España. Sign. 264 ACC-SF-183.
PRADAS, Jerónimo - Libro de Memorias de algunas cosas pertenecientes al convento de
predicadores que han sucedido desde el año 1603 hasta el de 1628 – [Manuscrito].
1603 a 1628. Accesible en la Biblioteca General e Histórica de la Universidad de
València. Manuscrito 529. Rollo microfilmado nº 360.

Documentacion en linea:
ALCOVER, A.M.; MOLL, F.de B. (2000) - Diccionari català-valencià-balear.
Barcelona: Editorial Moll. [Consult. 18 de enero 2018].
COVARRUBIAS OROZCO, Sebastián (1611) - Tesoro de la lengua castellana,
o española. Madrid: Impresor real Luis Sánchez. [Consult. 18 enero 2018]. Letra I –
Voz Ioya.
HURTADO DE MENDOZA, Antonio (1623) - Fiesta que se hizo en Aranjuez a los años
del Rey Nuestro Señor D. Felipe IIII escrita por D. Antonio de Mendoza. Madrid:
Impresor Juan de la Cuesta. [Consult. 20 de enero 2018].
RIBERA, Juan de (1610) - Constituciones del Colegio-Seminario de Corpus Christi.
València: Imprenta de Antonio Bordázar 1732. [Consult. 18 de enero 2018].

163
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Bibliografia:

BOMBI, Andrea (2018) – «Cantaron a no más, or Musical Changes in Eighteenth-Century


Spain as constructed through Valencian relaciones de fiestas». En Hearing the City in
early modern Europe. Tess Knighton & Ascensión Mazuela-Anguita edit. CERS,
Tours: Brepols Publishers.
BORONAT Y BARRACHINA, Pascual (1901) - Los moriscos españoles y su expulsión.
Estudio histórico crítico. Vols. 1-2. València: Imprenta de Francisco Vives y Mora.
FERRER VALLS, Teresa (1991) - La práctica escénica cortesana: de la época del
emperador a la de Felipe III. London: Tamesis Books Limited en colaboración con la
Institució valenciana d´estudis i investigació.
FERRER VALLS, Teresa (1993) - Nobleza y espectáculo teatral (1535-1622). Estudio
y documentos. València: UNED, USE, UV.
FERRER VALLS, Teresa (2003) - «La fiesta en el Siglo de Oro: en los márgenes de la
ilusión teatral». En Teatro y fiesta del Siglo de Oro en tierras europeas de los
Austrias. Madrid: SEACEX.
GONZÁLEZ, Sara (2013) - The Musical Iconography of Power in Seventeenth Century
Spain and Her Territories. London: Pickering & Chatto.
PIEDRA MIRALLES, Joaquín; CLIMENT BARBER, José (1977) - Juan Bautista Comes y su
tiempo. Estudio biográfico. Madrid: Ministerio de Educación y Ciencia, Comisaría
Nacional de la Música.
ROBRES LLUCH, Ramón (1960) - San Juan de Ribera: patriarca de Antioquía, arzobispo
y virrey de València: 1532-1611: un obispo según el ideal de Trento. Barcelona: Juan
Flors.
SANHUESA FONSECA, María (2004) - «El vicio templado de Felipe el Piadoso. Música y
educación para Felipe III». En Políticas y prácticas musicales en el mundo de
Felipe II. Madrid: Colección Música Hispana Textos.
SCHAFER, R Murray (1994) – Our Sonic Environment and The Soundscape, the Tuning of
the World. Rochester: Destiny Books.
STROHM, Reinhard (2018) - «On the Soundscape of Fifteenth-Century Vienna. En
Hearing the City in early modern Europe. Tess Knighton & Ascensión Mazuela-
Anguita edit. CERS, Tours: Brepols Publishers.
VILLANUEVA, Francisco (2018) - «Con licencia de la devoción y privilegio del regozijo:
las siestas en las celebraciones religiosas extraordinarias de la València seiscientista.»
En Cuadernos de investigación musical, nº extraordinario, pp.89-114.

164
Um trajeto musical pelas sonoridades das procissões em Castelo Branco

Luísa Correia Castilho

Resumo:
O presente artigo é resultado parcial de uma pesquisa ainda em curso no sentido de entender a ou
as paisagens sonoras das procissões, ao longo dos tempos, em Castelo Branco. Através de um
levantamento de informações, utilizando os periódicos e documentos vários pertencentes ao acervo
da Biblioteca Municipal, Sé Catedral, Arquivo Municipal e Câmara Municipal, propõe-se
descrever o percurso, itinerário ou trajeto das procissões e as suas conexões com a atividade
musical da cidade, desde o século XVIII ao princípio do século XX. A leitura destes documentos
possibilitou o registo e posterior análise de informações sobre diversos eventos musicais, assim
como os agentes que estiveram na origem do desenvolvimento desta atividade. Assim propõe-se
contribuir para o resgate histórico da música em Castelo Branco.

Palavras-chave: procissões, Castelo Branco, sonoridade, trajeto, paisagem sonora

Abstract:

The present article is a partial result of an ongoing research into the understanding of the
sound landscape, or the various sound landscapes, of the processions, over the years, in
Castelo Branco. Through a survey of information, using journals and various documents
belonging to the collection of the Municipal library, the cathedral, the municipal archives
and the City Hall, the present text aims to outline the processions´ journey and its
implications on the musical life of the city, from the 18th century until the early years of
the 20th century. The study of these documents enabled the record and subsequent
analysis of information on various musical events and on the main agents at the origin of
the development of this activity. Thus, the purpose of the present article is to contribute to
the historical rescue of music in Castelo Branco.

Keywords: processions, Castelo Branco sound, musical journey, sound landscape


Instituto Politécnico de castelo Branco / CESEM
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

1. Introdução

Desde que Raymond Murray Schafer, em 1970, criou a expressão paisagem sonora
(soundscape), a partir do conceito clássico de paisagem (landscape), dentro de seu World
Soundscape Project, que esta percorreu um longo caminho. Neste artigo recuperamos esta
necessidade de “arquivar os sons do mundo”, recrutando, por um lado, a recolha de sons
e, por outro, que sejam apreendidos dentro da dimensão da preservação da memória e do
património (Schafer, 1991). Isto é, visto o ambiente sonoro como uma dimensão
ecológica de “um sistema dinâmico de relações entre os homens e seu ambiente por meio
dos sons e todas as dimensões vividas” (GEISLER, 2013, como citado em
MENEGUELLO, 2017). Tomando este aspeto percorre-se os vários documentos no
sentido de traçar o trajeto musical e sonoro das procissões, assim como os agentes que
estivaram ligados a esta atividade e que vão desde músicos, maestros, orquestras, bandas
e instrumentistas.

2. As procissões nas constituições do Bispado de Castelo Branco

Castelo Branco foi sede de bispado entre 1771 e 1881. Por alvará de 20 de Março,
publicado a 14 de Abril de 1771, D. José concede à vila de Castelo Branco o título e foro
de cidade, com o fim de legitimar a criação da Diocese Albicastrense, o que veio a fazer-
se por Breve Apostólico de 17 de Junho do mesmo ano. Por esta altura, a cidade tinha
duas freguesias, Santa Maria do Castelo e S. Miguel, sendo esta última elevada a Sé
(MARTINS, 1979; SILVA,1853).
O bispado de Castelo Branco durou pouco mais de um século, pois foi suprimido por
letras Apostólicas de Leão XIII, de 30 de Outubro de 1881, e manteve-se durante muitos
anos na situação de sede vacante. A sua criação justificou-se pela demasiada extensão da
diocese da Guarda, que, então, abrangia os arcediagados de Celorico, Guarda, Covilhã,
Penamacor, Monsanto, Castelo Branco e Abrantes. Tão vasto território tornava
impossível uma eficaz pastorização, como aliás reconheciam os próprios Bispos da
Guarda (MATOS, 1972; OLIVEIRA, 1940; SANTOS, 1958).
É costume na igreja católica fazerem-se procissões por ocasião de algumas festas, nas
quais os fiéis cristãos, juntos em oração, louvam a Deus, lhe dão graças e fazem preces
para que os ajude em suas necessidades (CASTILHO, 1992). No entanto elas podem ser
tanto para uma ocasião festiva quanto para um ato de penitência. Podendo ainda ser tanto
uma demonstração ritual de poder político quanto uma afirmação de hierarquia social.

166
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Nas constituições do bispado de Castelo Branco estavam prescritas quais as procissões


que era hábito realizarem-se:
1 - Fazer em cada um ano a procissão de corpus christi
2 - A do Patrocinio de nossa senhora na terceira dominga de Novembro por Nosso Real
Fidelissimo Rey Dom Jose primeiro nosso senhor, que no presenta reina 1.
3- Procissão da visitação da virgem Nossa Senhora e Santa Isabel e a de Domingo do Anjo
Custodio, e a de Sam Sebastião nos lugares em que se costumam fazer com
acompanhamento das camaras. Nestas procissões irão nesta cidade o nosso cabido e os
parochos...
4 - Procissão todas as sextas feiras de quaresma na sé cathedral e nas igrejas conventuais do
nosso Bispado. Procissão dia da Purificação da virgem nossa Senhora, e no Domingo de
Ramos. Em cada semana se fará a procissão dos defuntos.
5 - Nas igrejas em que na semana Santa estiverem encerrado o Santíssimo Sacramento até
ao Domingo da Ressurreição a procissão faz-se neste dia em redor da igreja.
6 - Faça-se em cada hum ano a procissão da Ladainha maior em dia de Sam Maria, e das
Ladainhas menores nos trez dias antes da Ascenção de nosso senhor. /
12 - Pode fazer o cabido mais procissões que foram costume; poderá fazer-se a procissão
das confrarias tendo a nossa aprovação. / Fora deste não se podem fazer procissões. Quando
se pedir procissão por causas temporais (agua, sol) a poderão conceder os Arciprestes, e por
ela se não levará dinheiro. Em todas as procissões e as mais se guardarão inteiramente as
cerimonias e dirão as preces e orações que no ritual se contêm no titulo do das procissões e
acomodando-se a cada huma em particular. (COD 6989, BN, 2ª parte, título 3, const. 1).
Como podemos constatar eram muitas as procissões que estavam prescritas nas
constituições do bispado, tinham que respeitar uma certa ordem de precedência: iam
primeiro as irmandades e confrarias dos leigos, em seguida os religiosos, após os quais os
clérigos e párocos, por último o cabido. Entre os leigos e os clérigos, como entre os
homens e as mulheres havia, por força das circunstâncias, que marcar uma distância
(SANTOS, 1958). Portanto estamos perante uma ocasião em que os diversos corpos
sociais desfilavam sob uma ordem hierárquica e naturalmente organizada.
As procissões solenes eram antecedidas de uma missa e os sinos repicavam antes e
depois de elas saírem da igreja. O passo da procissão era mais ou menos repousado,
consoante esta fosse rezada ou cantada. Nalguns casos eram permitidas danças ou
representações, que iam no princípio; mas não eram permitidas representações da paixão
(SILVA, 1958).

1 Esta era realizada por decreto do Rei D. José

167
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

3. A procissão do Corpo de Deus


Algumas destas procissões foram ao longo dos tempos acabando; outras tornando-se
mais populares. A que tinha mais peso era a do Corpus Christi2. Todos os clérigos da
cidade e arredores eram obrigados, pelo bispo constituído, a participar, mesmo que
tivessem outras obrigações a cumprir. Era tradição que vinha de longa data. O brilho das
festas que se realizavam nesse dia vem claramente expresso num curioso programa
elaborado pela Câmara Municipal3:
«Rol dos juízes de ofício que hão-de dar danças e insígnias, e tudo o mais necessário para a
procissão do Corpo de Deus, ano de 1680:
«Francisco Esteves, juiz dos pastores, dará uma dança de paus de seis homens que é a da
Lousa. Os cabreiros darão outra dança.
«Manuel Francisco, juiz dos hortelões, um carro armado de flores e frutas.
«Simão Fernandes, juiz dos alfaiates, a Serpe4 bem vestida com quatro homens de guarda
com suas chuças5 e sairá na véspera do dia e correrá a vila.
«Francisco Marques, juiz dos cardadores6 e tosadores7 dará S. Gens em sua charola8
acompanhado de duas tochas adiante e uma dança.
«António Pires, juiz dos sombreiros, dará uma dança mourisca com sua insígnia adiante que
levará um sombreireiro.
«Tomás Rodrigues, juiz dos ferreiros, dará quatro diabos e sua insígnia.
«Paulo Rodrigues, juiz dos tecelões e das tecedeiras dará Santo Estevão em sua charola e
uma dança adiante com seu folião e a dança será de seis moças.
«Carlos Ribeiro, juiz dos carpinteiros, dará S. José em sua charola e duas tochas e uma
dança.
«Manoel Gomes, genro de João Bonito, juiz dos sapateiros, dará S. Chrispim em sua
charola com duas tochas e uma dança adiante e três moças com violas e castanhetas.
«André Francisco, juiz dos moleiros desta Vila e termo, dará Santo António em sua charola
e duas tochas e uma dança de seis homens ou moças com seu folião.
«Matheus Travassos, juiz dos almocreves9, dará Santo Amaro em sua charola com quatro
tochas e seu guião10 e uma dança.

2 A Procissão do Corpo de Deus é celebrada no 60.º dia após a Páscoa, ou mais exatamente na quinta-feira
que se segue ao domingo da Santíssima Trindade, que, por sua vez, é o primeiro domingo a seguir à oitava do
Pentecostes (PEREZ, 2010).
3 Todas as atualizações ou definições dos ofícios foram consultadas em BLUTEAU, Raphael (1712-1728).
Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico.Coimbra: Collegio das Artes da
Companhia de Jesu. 8 v.
4 Serpente, réptil alado semelhante a um dragão
5 Objeto artesanal pontiagudo
6 Pessoa que carda, penteia, prepara as matérias têxteis para a fiação
7 Tosquiador
8 Andor

168
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

«Domingos Fernandes Grilo, juiz dos barbeiros, dará o Rei David com ceptro 11 e coroa
muito bem vestido e dois pajens que o acompanhem.
«António Martins Calrão, juiz dos cadeireiros12, dará um guião com descantes de três violas
de bons tangedores.
«Lucas Fernandes, juiz dos ferradores, dará S. Jorge em seu cavalo com dois estribeiros de
cada lado vestidos á turquesca.
«Francisco Travassos, juiz dos estalajadeiros, dará oito homens de alabardas 13 em corpo
com couras14, ou vestidos de armas brancas com um tambor adiante de S. Jorge e um
pífano.
«Bartolomeu Rodrigues, juiz dos espingardeiros, e serralheiros, dará um homem com
insígnia de alferes, com sua banda, que irá a Cavalo adiante dos soldados de S. Jorge, por
pagem da lança.
«Marques Fernandes, juiz dos oleiros, dará um rei mouro com coroa e ceptro, com quatro
mouros a seu lado com seus alfanges15, que irão atrás de S. Jorge.
«Manuel Sanches, juiz dos pedreiros, dará hum estandarte ou bandeira de guerra e um
tambor que irá diante dos soldados de S. Jorge.
«Gaspar da Fonseca, juiz dos cereeiros16, dará oito tochas para acompanharem o
Santíssimo.
«Os mercadores, cada um dará sua tocha que eles levarão ou mandarão ter na procissão.
«Catarina Martins Ferreira, juíza das padeiras, dará duas pelas e uma dança de seis
mulheres com pandeiros e castanhetas com seu folião.
«Os boticários, cada um levará sua tocha entre os mercadores.
17
«Manoel Martins Galeguinhos, juiz dos maquilões , dará uma dança pastoril.
«O alferes de S. Marcos irá com seu guião.
«Baltasar Gonçalves, juiz dos mulateiros e burriqueiros, dará uma dança mourisca de oito
homens.
«Os obrigados e magarefes18 dos açougues19 levarão, uma hora antes da procissão sair, um
touro amarrado à corda, pelas ruas por onde for a procissão, com homens que levem suas

_______________________________________________________________
9 Pessoa que conduz bestas de carga
10 Pequena bandeira que vai à frente na procissão, estandarte.
11 Bastão curto encimado por um ornato que os soberanos trazem na mão direita em certas cerimônias
12 Fabricante ou vendedor de cadeiras
13 Arma antiga composta por uma longa haste
14 Veste de couro para soldados de pé; couraça.
15 Sabre de folha larga e curva
16 Cultivador de searas
17 Homens que transportavam os cereais para os moinhos e a farinha para casa dos clientes dos moleiros.
18 Abatedor de gado; homem que, nos matadouros, mata e esfola as reses
19 Talhos

169
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

aguilhadas20 para tangerem o touro e, na corda a que for amarrado, irão pegando nas pontas
uns a traz e outros adiante do boi» (SANTOS, 1958, 31-33; ROXO, 1890, 197-198).

Esta procissão do Corpo de Deus era, segundo José Vasco Mendes de Matos
(1972, 82), a principal solenidade onde, anualmente, compareciam as confrarias dos
artífices e onde cada uma era obrigada a contribuir especificando minuciosamente, o teor
dessas contribuições. Estão representadas 25 corporações profissionais e no respeitante à
sonoridade: 12 destas corporações têm referencias a danças e 6 a música. Algumas das
danças nomeiam a que danças se referem:
a) Dança de paus de seis homens que é a da Lousa. Pode-se supor, embora com as
devidas reversas, que possa se referir à «Dança dos Homens, das Genebres ou da
“Farrombana”», que ainda hoje subsiste. Esta dança atualmente é composta por
9 dançarinos (6 homens e 3 crianças) e realiza-se em meados de maio, em honra da
Senhora dos Altos Céus. Um dos elementos preside à dança tocando simultaneamente
um instrumento único no nosso país de nome genebres; um idiofone de raspagem, que
consiste numa espécie de xilofone, com uma série de paus redondos maciços, de
tamanhos crescentes de cima para baixo, enfiados numa tira de couro formando um
colar, pendurado ao pescoço. Os restantes intervenientes tocam e participam
na coreografia, simultaneamente sublinhando os ritmos que a dança requer através das
suas violas beiroas e trinchos. As violas são constituídas por 5 ordens de cordas
de arame e ainda um outro cravelhal com duas cordas simples agudas e curtas,
as requintas, também elas de arame e que ao serem tocadas não podem ser pisadas; os
trinchos são pandeiretas sem pele, com soalhas metálicas percutidos na mão, pernas
ou ar (OLIVEIRA, 2000; FRANCISCO, 2012).
b) Dança mourisca
c) Dança dramática, por vezes ritual, muitas vezes processional, de carácter exótico, e em
parte com elementos guerreiros21.
d) Dança de seis moças
e) Dança de seis homens ou moças com seu folião
f) Dança de seis mulheres com pandeiros e castanhetas com seu folião
g) Dança pastoril
h) Dança mourisca de oito homens

20 Aferroadas
21 Em Portugal, as danças mouriscas são sempre ligadas a festas religiosas.

170
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Algumas das danças nomeiam, além dos referidos anteriormente, a utilização de


instrumentos (violas, pífano, tambor, pandeiros, castanhetas) e até uma banda.
a. […] dança adiante e três moças com violas22 e castanhetas23
b. […] um guião com descantes de três violas de bons tangedores
c. […] com um tambor adiante de S. Jorge e um pífano24.
d. […] com sua banda, que irá a Cavalo
e. […] um tambor25
f. […] uma dança de seis mulheres com pandeiros e castanhetas
Presumivelmente a referência ao pandeiro se refere ao adufe, nome porque
é conhecido na Beira Baixa, sendo um bimembranofone de forma quadrangular de
percussão direta de aro muito baixo, cujas peles são fixas, cosidas umas às outras sobre o
aro, ou pregadas a este (OLIVEIRA, 2000).
Como esclarece Manuel Tavares dos Santos (1958, 33) a «festa principiava na
véspera, em que os juízes de ofício tinham de ir à Câmara mostrar as suas danças e folias,
sendo multado ou preso aquele que não cumprisse. Nesse dia eram permitidas todas as
folganças e truanices, sendo os diabos - pobres aprendizes de ferreiro pintados de
vermelho e preto - apedrejados pelos gaiatos entre chufas e risotas. No dia da procissão,
porém, não eram tolerados os motejos da véspera e o cortejo efetuava-se com
circunspeção das autoridades e a compostura de todos os figurantes, sob a vigilância dos
meirinhos26 e beleguins27».
Esta festa foi-se realizando ao longo dos tempos, naturalmente, com outras
características. No séc. XIX, tomava parte, na procissão, uma grande imagem de S. Jorge,
montada num cavalo, luxuosamente ajaezado, levado por dois ferradores e acompanhado
por uma escolta de cavalaria 8, com a sua charanga. Seguiam-se cavalos cobertos de ricos
adornos pertencentes aos titulares da terra. Além do elemento religioso, iam os mais
categorizados funcionários civis e militares, as forças da guarnição (todo o efetivo do
regimento de cavalaria 8), a câmara municipal com o seu estandarte e os vereadores;
seguiam-se os representantes de artes e ofícios: carpinteiros, sapateiros, alfaiates,

22 É provável que se refira à viola beiroa, descrita anteriormente


23 Refere-se a castanholas sem indicação de forma, mas normalmente feitas de duas conchas de madeira,
ligadas por cima uma à outra por um cordão (Oliveira, 2000).
24 Segundo Oliveira (2000) o pífaro é uma flauta de bisel
25 Os tambores são bimembranofones de caixa-de-ressonância cilíndrica, de percussão indireta, pela
percussão de uma ou duas maçanetas (Oliveira, 2000).
26 Oficial de justiça
27 Funcionário de repartição pública que atuava geralmente em fórum e que por sentir-se protegido agia por
vezes com insolência e abuso.

171
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

ferreiros, etc. Fechava o cortejo grande número de pessoas de todas as classes sociais.
A procissão saía da Sé com a imagem de S. Jorge, trazido da respetiva capela, percorria
as principais ruas da cidade e regressava à Sé, voltando depois a imagem para a sua
capela (Noticias da Beira, 4 de outubro de 1924)28.

Figura 1 – Itinerário da Procissão do Corpus Christi. Elaborado a partir das


descrições do Jornal Notícias da Beira de 4 de outubro de 1924 e mapa a partir de
Salvado (1998)

João Sénior no jornal A Era Nova de 3 de abril de 1930 relata a impressão profunda
que esta procissão lhe tinha causado quando há cerca de cinquenta anos (por volta dos
anos 80 do século XIX) a tinha visto pela primeira vez:

A procissão saiu da sé. Dum lado e doutro e até certa distancia para a frente, muitas dezenas
de archotes. Atrás, a banda do Regimento de Cavalaria nº 8, regida pelo maestro Escoto,
tocando uma marcha fúnebre que me ficou de ouvido e ainda agora sou capaz de trautear
[…]» (ERA NOVA, 3 de abril de 1930).

28 Segundo artigo intitulado Castelo Branco há 40 anos, no jornal Noticias da Beira, de 4 de outubro de
1924.

172
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

4. Os personagens das sonoridades


As sonoridades que caraterizam as procissões, isto é, aquelas que dão a conhecer
os sons e que transmitem conhecimento relacionando-se com os costumes, as tradições
e as festas (Ribeiro, 2013), são feitas por personalidades individuais ou coletivas, as quais
foram se passam a descrever.
Não se conseguiu apurar como era composta esta banda do Regimento de Cavalaria
nº 8. O que se pode averiguar era que o seu Maestro Jesus Urbano Escoto foi uma figura
importante na música do séc. XIX em Castelo Branco. Filho do antigo regente da Banda
do Regimento de Cavalaria 8, veio a substituir o seu cargo, em finais de 1878, o qual
desempenhou essas funções até à extinção destes organismos musicais na sequência da
reforma do Exército em julho de 1892. Eram múltiplas as suas atividades. Além de deter
a regência da charanga, ensinava música e cantochão no curso de teologia, regia a banda
Euterpe, a Tuna do Liceu e a orquestra de concertos, ao mesmo tempo que, dava lições
particulares nesta cidade, em Alcains, em Tinalhas, etc. A competência de Maestro
Escoto tornou-se axiomática para os albicastrenses do final do último século, mais
precisamente entre 1879 a 1900. Não tinha mãos a medir, naquela época em que a música
assumia papel relevante na educação geral das futuras damas da melhor sociedade
(ESTUDOS DE CASTELO BRANCO, 1966).
Só nos anos vinte do século XX, segundo a Era Nova de 1927, é que com outra
guarnição, a Banda de Caçadores 11, sob regência de João Pereira dos Santos, temos
notícia do efetivo da banda que acompanhava esta e outras procissões, compondo-se de
6 Clarinetes, 1 Requinta, 1 Flautim, 4 Saxofones, 3 Trompetes, 2 Contrabaixos,
2 Barítonos, 3 Trombones, 2 Saxe-Trompas, 2 Tarolas, Bombo e Prato (Era Nova, 13 de
Março de 1927).

5. Outras procissões
Além desta procissão do Corpo de Deus, outras havia que se realizavam em Castelo
Branco ao longo do ano litúrgico. Impunham-se em geral, pelo esplendor de que se
revestiam, as que se efetuavam na Quaresma, no Domingo do Bom Pastor (Senhora de
Mércules) e no dia da Festa de S. Sebastião (20 de Janeiro).
As três procissões que constituíam o primeiro grupo (da Quaresma) - Procissão dos
Passos29, Procissão das Lanternas, Procissão do Enterro do Senhor30 - tinham por fim

29 A Procissão dos Passos, em termos de dramatização ritual, é um cortejo público de fiéis, que revivem as
etapas da Paixão de Cristo, distribuídas na forma de sete passos que correspondem a alguns dos episódios do
caminho doloroso de Cristo entre o Pretório e o Calvário (PEREZ, 2019).

173
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

principal, como o seu nome indica, a vivência da Paixão. Tal como em outras terras da
Beira Baixa, era o tempo da recordação do sofrimento e da dor da Paixão do Filho de
Deus feito Homem, era também tempo da lembrança das dores e das angústias que
marcavam a existência humana. Ao som de matracas, num cantochão ecoando pelas ruas,
encostas e descampados, fazia-se a “Encomendação das Almas”. Em Castelo Branco a
Procissão dos Passos efetuava-se no 3º Domingo da Quaresma, a Procissão dos
“Fogaréos” ou das Lanternas, na quinta-feira Santa, e a Procissão do Enterro do Senhor
na Sexta-feira Santa (SALVADO, 1998).
A imagem do Senhor dos Passos era levada da igreja da Graça para a Sé, à luz de
lanternas, e à igreja anterior regressava no dia seguinte, também em procissão,
percorrendo os "passos do Senhor" e cantado o Miserere (ERA NOVA, 2 de maio de
1930).

Figura 2 – Itinerário Procissão dos Paços e Enterro do Senhor. Elaborado a partir


das descrições do ERA NOVA, 2 de maio de 1924, e mapa a partir de Salvado (1998)

António Roxo (1890) deixou-nos um relato da Procissão das Lanternas, tal como se
fazia em 1890:

Todas as crianças anceiam pela procissão das lanternas a que hão-de assistir com a sua
lanterna, que não trocarião por um thesouro por mais deslumbrante que fosse.
No sabbado à hora da sahida da procissão vê-se desde a igreja da Graça, pelo largo de S.

_______________________________________________________________
30 Consumada a Paixão e Morte de Jesus, o Cortejo processional recorda a sepultura do Senhor (PEREZ,
2019).

174
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

João, Olarias e largo da Sé (pontos do trajeto da procissão) um sem numero de lanternas de


varias côres, ornamentadas com vários desenhos (quase sempre alusivos à paixão de
Christo), de variadíssimos feitios, arvoradas em cannas, e de que são portadoras as crianças
de ambos os sexos e de todas as classes sociaes.
O conjuncto do maravilhoso espectaculo produzido pela agglomeração de tantas e tão
variadas lanternas é admirável, e causa sempre surpreza a quem pela primeira vez o goza.
Vistas as lanternas a distancia è indescriptivel o efeito óptico.
A contínua movimentação das lanternas iluminadas, a variedade das fórmas, a diversidade
das côres vivas, o capricho das agrupamentos casuaes, tudo isto traz à lembrança um
enorme Kaleidoscopo, que nos apresenta um numero infinito de imagens brilhantes, que se
formam, baralham e confundem incessantemente, e que nos deslumbram e ofuscam.
(ROXO, 1890, 34-35).

A procissão do Enterro do Senhor tinha lugar na sexta-feira santa, em que a imagem


do Senhor dos passos retornava da Sé para o Convento da Graça, ao som de cânticos do
Miserere e orações recordando os angustiantes “passos” da sua Paixão.
Um Miserere que ficou célebre foi o composto pelo próprio Jesus Urbano Escoto,
como é referenciado na imprensa e no arquivo da Sé: «era sobretudo durante a Semana
Santa que a orquestra e a banda actuava, executando os responsórios de Casimiro e o
Miserere da autoria do próprio Mestre Escoto» (ARQUIVO DA SÉ, pasta 39; A ERA
NOVA, 2 de Maio de 1930; ERA NOVA, 4 de abril de 1931 e ERA NOVA, 20 de Abril
de 1935).
Outra procissão importante é a que tinha por fim celebrar a imagem de Nossa Senhora
de Mércules, instalada na Ermida do mesmo nome e envolvia e ainda hoje envolve toda a
cidade. Esta teve origem num voto que a Câmara de Castelo Branco fez em 2 de julho de
1601, em agradecimento à Nossa senhora de Mércoles por ter livrado os habitantes da
peste que, naqueles anos, grassara no país (SILVA, 1853).

6. Confrarias
As várias Confrarias e Irmandades, como as do Santíssimo Sacramento, de Nossa
Senhora da Conceição, de Nossa Senhora da Graça e de Nossa Senhora do Rosário, que
estavam inseridas na Sé de Castelo Branco imprimiam um grande incremento e brilho às
festividades religiosas em geral e às procissões em particular, em que por norma
participavam, em obediência ao Compromisso por que se regiam. A testemunhá-lo estão
os Livros de Receita e Despesa destas confrarias, que revelam que a música
desempenhava um papel de relevo através da contratação de bandas (civis e militares),
de grupos formados para a ocasião, ou de músicos recrutados para o efeito, em

175
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

cerimónias várias, mas sobretudo na Semana Santa, os quais se passa a nomear alguns
exemplos:
Nos registos da Confraria do SS. Sacramento, encontram-se pagamentos feitos em
anos distintos às Bandas Euterpe e de Cavalaria 8 (ARQUIVO DA SÉ, PASTA 39).
Nos Registos da Confraria de Nossa Senhora da Conceição, vem lançado o pagamento
nominal a músicos, entre os quais figuram os Irmãos de apelido Patrício (última década
do séc. XIX) e António dos Prazeres Frederico. Este era o regente da orquestra e da banda
que atuava nos finais do séc. XIX, princípio do século XX. Já os irmãos de apelido
Patrício é António Rodrigues Cardoso, um senhor já avançado na idade, que no jornal
A Era Nova assina uma crónica intitulada «Do Canhedo de um velho» quem presta aqui
os necessários esclarecimentos:

Os Patrícios eram um grupo de irmãos, artístas, músicos por instínto, que tocavam um
grande número de instrumentos. O único ensinamento em música, que haviam recebido,
fora-lhes transmitido pelo pai, que era músico de profissão.
Não havia festa em Castelo Branco em que não figurassem. Eram contratados
habitualmente para as cerimónias religiosas (incluindo as procissões) e eles mesmos se
encarregavam da música vocal e instrumental.
Eram também normalmente convidados para serões musicais em casas particulares bem
como pelas várias associações, para concertos ou bailes. Tocavam todo o género de música
que lhes era pedido, como Polcas, Mazurcas, Valsas, etc.
Não se sabe ao certo quantos eram. António Rodrigues Cardoso refere pelo menos seis
(António, Joaquim, Carlos, Tomás, José e João), além de uma irmã que ensinava música "a
meninas". Tocavam os mais diversos instrumentos - corda, sopro, piano e orgão. Alguns
deles, eram conhecidos como cantores. Sabe-se que Tomás era também músico regimental
e mais tarde mestre da filarmónica de Oleiros. (ERA NOVA, 7 de fevereiro de 1931).

Os pagamentos aos agrupamentos ou a músicos isolados podiam ser sob uma pequena
quantia em dinheiro ou um copo d’agua, que serviam a seguir à sua atuação. É, ainda Cardoso
que o diz: «os executantes, que trabalhavam por amor da arte, que não recebiam para si nem um
vintem, sentiam-se satisfeitos, cheios de um certo orgulho de artistas amadores, vendo-se
admirados por tanta gente, da melhor que havia na terra» (ERA NOVA, 7 de fevereiro de 1931).
Em síntese, através do relato das procissões podemos conhecer o lado visível e invisível
destas, criando novas narrativas. Em todas as procissões além dos sons próprios, da sua
sonoridade a música era um elemento essencial para o brio, devoção esplendor e contribuía para
a paisagem sonora da cidade. Normalmente eram acompanhadas de músicos contratados ou de
uma banda de música. Este som e esta música transporta conhecimento, cruzando o passado
176
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

com o presente, o qual gera e recalca memórias. A sua sonoridade tem uma importância e um
papel social, que ajuda a revelar os traços identitários de Castelo Branco e dos Albicastrenses.

Periódicos
Estudos de Castelo Branco (1966) Revista de História e Cultura
A Era Nova, 13 de março de 1927, 3 de abril de 1930, 2 de maio de 1930, 3 de abril de
1931, 7 de fevereiro de 1931, 20 de abril de 1935
Notícias da Beira, 4 de outubro de 1924

Fontes manuscritas:
Arquivo da sé: pasta 39.
COD 6989 da Biblioteca Nacional

Bibliografia:
CASTILHO, Maria Luísa Faria de Sousa Cerqueira Correia Castilho (1992) - A música
na Sé de Castelo Branco: Apontamento Histórico e catálogo dos Fundos Musicais.
Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Dissertação de Mestrado.
FRANCISCO, Helena Maria de Matos Gregório Vicente (2012) – A Festa a Nossa
Senhora dos Altos Céus e as Danças Tradicionais da Lousa. O valor da Cultura de
um povo, a força da sua identidade, coesão social e economia da cultura durante a
era da globalização. Lisboa: Universidade Aberta. Dissertação de Mestrado.
MENEGUELLO, Cristina (2017) – Das ruas para os museus: as paisagens sonoras como
memórias, registro e invenção. Métis, História & Cultura. Revista de História da
Universidade de Caxias do Sul [Em linha]. V. 16: nº.32, p. 22-44.
[Consult. 26 de março 2019].
MARTINS, Anacleto Pires da Silva (1979) - Esboço Histórico da Cidade de Castelo
Branco. Castelo Branco: Câmara Municipal.
MATOS, José Vasco Mendes de (1972) - Esquema para uma Biografia da Cidade de
Castelo Branco. Castelo Branco: Edição do Autor.
OLIVEIRA, Carlos de (1940) - Apontamentos para a monografia da Guarda. Guarda:
Tipografia Veritas.
OLIVEIRA, Ernesto Veiga de (2000) – Instrumentos Musicais Populares Portugueses.
Lisboa: Fundação Caloute Gulbenkien / Museu Nacional de Etnologia.
PEREZ, Léa Freitas (2010) – Passos de uma pesquisa nos passos das procissões lisboetas.
Lisboa: Centro de Investigação e Estudos de Sociologia.

177
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

RIBEIRO, Ana Catarina Freitas (2013) - Sonoridades urbanas: a cidade da audição


construção de um arquivo sonoro de Coimbra. Coimbra: Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra. Dissertação de Mestrado.
ROXO, António (1890) - Monographia de Castelo Branco. Elvas: Typographia
Progresso.
SALVADO, Maria Adelaide Neto (1998), Confraria de Nossa Senhora do Rosário de
Castelo Branco. Espelho de Quereres e Sentires. Coimbra: A Mar Arte.
SANTOS, Manuel Tavares dos (1958) - Castelo Branco na História e na Arte. Castelo
Branco. Edição do Autor.
SCHAFFER, Murray R (1991). O ouvido pensante. São Paulo: Ed. da Unesp.
SILVA, H. Castro e (1958) - A Misericórdia de Castelo Branco (Apontamentos
Históricos). 2ª ed. Castelo Branco.
SILVA, J. A. Porfírio da (1853) - Memorial Chronologico e Descriptivo da Cidade de
Castelo Branco. Lisboa: Typografia Universal.

178
Manifestaciones musicales en las procesiones valencianas de Semana Santa y de San
Vicente Ferrer a finales del siglo XVI

Francesc Villanueva Serrano

Resumen:

Las fuentes históricas han privilegiado a las celebraciones urbanas extraordinarias frente a
las ordinarias. Precisamente, en el presente trabajo se examinarán como estudios de caso
desde el punto de vista sonoro algunas de las procesiones que tenían lugar dentro del ciclo
anual en la ciudad de Valencia a través de las descripciones del ciudadano Felip de Gauna
correspondientes al año 1599. Concretamente, se trata de las procesiones de disciplinantes
del Jueves Santo y el Viernes Santo, así como la procesión general de San Vicente Ferrer.
De un lado, los elementos musicales dispuestos a lo largo de los desfiles se analizan
individualmente para obtener información esencialmente técnica. Por otra parte, las
diversas fuentes sonoras se observan dentro del conjunto de la procesión. Esta perspectiva
revela intereses de representación simbólica y estrategias organizativas tendentes a
conseguir los efectos emocionales deseados entre el público o a mostrar y reforzar
jerarquías religiosas y sociales.

Palavras-clave: Valencia, procesiones de Semana Santa, procesión de San Vicente Ferrer,


música religiosa, paisaje sonoro, Felip de Gauna

Abstract:

Historical sources have singularly privileged extraordinary city celebrations over ordinary
ones. Precisely, some annual processions of the city of Valencia will be examined in the
present article as case studies from a sound perspective through the accounts that the
citizen Felip de Gauna wrote in 1599. Specifically, these ones deal with the flagellant
processions of Holy Thursday and Good Friday, as well as with the general procession of
Saint Vincent Ferrer. On the one hand, the musical elements arranged along the
processions are analyzed individually to obtain essentially technical information. On the
other hand, the different sound sources are observed within the whole procession.
This perspective reveals interests of symbolic representation and organizational strategies


Doctor en música
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

aimed at achieving the desired emotional effects among the public or at showing and
reinforcing religious and social hierarchies.

Keywords: Valencia, processions of Holy Week, procession of Saint Vincent Ferrer,


religious music, soundscape, Felip de Gauna

Introducción

Durante el siglo XVI, la Reforma protestante incluyó a los rituales católicos entre los
objetivos principales de su crítica. Dentro de este conjunto de prácticas se encontraban los
sacramentos no evangélicos, las misas por los difuntos y también las procesiones. Ante
esta circunstancia, el movimiento contrarreformista de la Iglesia Católica surgido del
Concilio de Trento (1545-1563) respondió con la reafirmación de sus ritos,
intensificándolos y engrandeciéndolos. En un tiempo en que las ideas reformistas se
extendían por el continente, las procesiones se emplearon estratégicamente por esta gran
institución para mostrar pública y colectivamente la cohesión y la defensa de la fe
católica de la comunidad ciudadana, reforzando al tiempo la identidad religiosa de sus
miembros1. De este modo, las procesiones pasaron a ocupar un lugar más relevante en la
actividad pública colectiva de las sociedades del mundo católico a partir de la segunda
mitad del siglo XVI.
Para abordar el estudio de las procesiones urbanas en los reinos hispánicos durante la
Edad Moderna se ha recurrido con bastante frecuencia a los archivos administrativos,
fundamentalmente municipales, catedralicios y de cofradías. Desafortunadamente, estas
fuentes archivísticas, principalmente de índole económica, no suelen suministrar
información suficientemente sistemática y exhaustiva que permita alcanzar de manera
óptima el objetivo de su reconstrucción. Para un mejor acercamiento a este propósito,
generalmente son informadoras más satisfactorias la iconografía y la literatura
memorialística, cuando se dispone de ellas. Las representaciones artísticas de procesiones
son, por desventura, muy poco frecuentes mientras que la más abundante literatura de
memorias -fundamentalmente el subgénero de las relaciones de fiestas-, presenta la
limitación general de focalizarse en eventos extraordinarios, generalmente relacionados
con beatificaciones y canonizaciones de santos, nacimientos o exequias de miembros
de la casa real, traslaciones de imágenes o llegada de reliquias2. Por ello, ciertamente se

1 Muir, 2001, 260-261.


2 Un catálogo de este tipo de literatura en el ámbito hispánico puede encontrarse en Alenda y Myra, 1903.
Para el caso valenciano del presente estudio, véanse: Carreres Zacarés, 1925; Almarche Vázquez, 1919.
Algunos trabajos recientes sobre procesiones extraordinarias en la península ibérica en la Edad Moderna bajo

180
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

dispone de escasa información pormenorizada sobre las mucho más numerosas


procesiones del ciclo religioso anual a excepción de la del Corpus Christi3 - a pesar de
su interés especial por formar parte integrante e indisoluble de la vida religiosa y social de
las comunidades urbanas.
Paradójicamente, el relato de unas fiestas extraordinarias, escrito por el ciudadano
Felip de Gauna en ocasión de las celebraciones por la ratificación de las doble bodas de
Felipe III con Margarita de Austria y de la infanta Isabel - hermana del rey - con el
archiduque Alberto, acontecidas en Valencia en 1599, nos ofrece la infrecuente
oportunidad de acercarnos al conocimiento de algunas procesiones ordinarias en esta
ciudad4. De hecho, estos actos religiosos fueron retratados con notable minuciosidad por
haber tenido lugar durante la estancia del monarca, que se extendió desde el 19 de febrero
al 4 de mayo de 15995. Concretamente, Gauna da cuenta de las procesiones particulares
de disciplinantes en Semana Santa, organizadas por cada una de las cofradías
penitenciales valencianas, así como la procesión general de San Vicente Ferrer.
La presencia real alteró levemente sus recorridos y, posiblemente, las engrandeció en
cierta medida. Sin embargo, ello no es un impedimento para considerar que su fisonomía
respondió en esencia a lo que se esperaba en la época de ellas. En el presente trabajo se
abordarán estas manifestaciones externas religiosas como estudios de caso. En concreto,
se dirigirá el foco de atención hacia las características, funciones y significados de las
______________________________________________________________
una perspectiva musical o sonora basados principalmente en literatura de memorias son: Bejarano Pellicer,
2013a; Mazuela-Anguita, 2015; Escrivà-Llorca, 2018.
3 Sobre la música en procesiones de esta festividad en la península ibérica durante los siglos XV a XVII
véase fundamentalmente: Pérez García-Oliver, 1990; Kreitner, 1990, 291-333; Brooks, 1992; Kreitner, 1995;
Ramos López, 2005; Flórez Asensio, 2009; Bejarano Pellicer, 2016.
4 Ambos matrimonios se habían celebrado previamente por poderes en Ferrara el 15 de noviembre de 1598
ante el papa Clemente VIII.
5 El escrito de Gauna, cuyo título completo es Libro copiosso i muy verdadero del cassamiento y bodas de
las magestades del Rey de España don Phelippe tercero con doña Margarita de Austria en su ciudad de
Valencia de Aragón y de las solemnes entradas que se les hizieron en ella con las grandes fiestas nupciales
que se selebraron en estas bodas, con las de sus Altessas de la Ynfanta de España doña Ysabel de Austria con
el archiduque Alberto de Austria y de la descripción de los desposorios de Sus Magestades y Altessas que se
selebraron en la ciudad de Ferrara por el Sumo Pontifice Clemente octavo en el añyo 1598, se conserva en
un manuscrito de 758 folios de la Biblioteca Histórica de la Universitat de València. El erudito valenciano
Salvador Carreres Zacarés (*1882; 1963), autor de diversos trabajos sobre historia de Valencia durante la
Edad Media y Moderna, publicó una edición integral de la obra en dos gruesos volúmenes [Gauna, 1926-
1927]. Las citas textuales tomadas de esta relación se reproducirán literalmente en este trabajo. Esta obra ha
sido empleada de modo monográfico en los estudios Galdoulphe, 2008, 75-99; Martínez Bonanad, 2016, 739-
753. Además de las ratificaciones matrimoniales y del preceptivo juramento de los fueros valencianos, los
actos descritos por Gauna en que la familia real participó o, al menos, presenció durante su estancia en
Valencia fueron numerosos: entradas reales del rey y la reina, saraos privados en casas de nobles y en el
palacio del Real, invenciones de máscaras, entretenimientos caballerescos ―justas, torneos, una encamisada,
un juego de alcancías y un juego de cañas―, toros, jornadas de caza, oficios religiosos en la catedral y en
algunos conventos, procesiones, visitas a instituciones y un gran sarao en la Lonja de los Mercaderes que
culminó los actos ofrecidos por el municipio.

181
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

expresiones sonoras, fundamentalmente musicales, en ellas integradas, teniendo en cuenta


que el sonido es un elemento indisoluble del rito procesional.

Procesiones de disciplinantes

Las procesiones penitenciales de Semana Santa celebradas en territorio hispánico


durante los siglos XVI y XVII han sido muy poco tratadas desde el punto de vista sonoro.
Posiblemente, el estudio más amplio en este campo es el realizado por Clara Bejarano
para la ciudad de Sevilla en los siglos XVI y XVII, recogiendo también algunos datos de
otras ciudades andaluzas como Córdoba o Écija6. Su perspectiva es la que ofrecen
fundamentalmente las fuentes administrativas y estatutarias de algunas cofradías, así
como las notariales, las cuales permiten disponer de información sobre algunos de los
músicos asistentes a ciertas procesiones, su régimen retributivo y las prácticas
contractuales de estas organizaciones, aunque con las limitaciones que impone la
dispersión temporal e institucional. Ciertamente, estos aspectos no son atendidos en la
descripción de Gauna de las procesiones valencianas en la Semana Santa de 1599 pero, a
cambio, esta nos proporciona acceso a otra perspectiva mucho más visual, exhaustiva y
concentrada en eventos concretos. Ello posibilita una observación privilegiada e integral
de los focos musicales de cada una de las procesiones, ubicados en su propio lugar y en
relación al resto de elementos del desfile, así como de otros aspectos contextuales.
El cronista nos revela la celebración independiente de cinco procesiones de
disciplinantes, cada una de las cuales fue organizada por una cofradía penitencial
diferente de la ciudad7. El Jueves Santo salieron la de Nuestra Señora de la Soledad y San
Vicente Ferrer así como la de la Santísima Trinidad8. De otro lado, el Viernes Santo fue
el turno de las cofradías de las Penas, de la Sangre de Cristo y de la Agonía9. El recorrido
de cada una de estas procesiones seguía un esquema idéntico: partían de su sede10, se
dirigían a la catedral para pasar ante el monumento allí erigido y posteriormente hacían
las estaciones por las parroquias urbanas antes de su regreso al punto inicial. Debido a la

6 Bejarano Pellicer, 2010, 239-243; Bejarano Pellicer, 2013b, 483-489.


7 Entre las cofradías penitenciales valencianas de la época, únicamente la de la Sangre de Cristo cuenta con
estudios. Algo de información puede encontrarse en Salvador y Monserrat, 1876, 436-439; Gómez-Ferrer et
al., 2012. El estudio más completo, junto al de otras cofradías homónimas del reino valenciano, puede
encontrarse en la tesis doctoral Moros Claramunt, 2013. Sobre este trabajo inédito el autor ha publicado
algunos avances: Moros Claramunt, 2014; Moros Claramunt, 2016.
8 Gauna, 1926-1927, vol. 1, 346-355.
9 Gauna, 1926-1927, vol. 1, 365-374.
10 La cofradía de Nuestra Señora de la Soledad y de San Vicente Ferrer tenía su sede en el convento de
Predicadores; la de la Santísima Trinidad, en el convento de Nuestra Señora del Remedio; la de las Penas, en
la iglesia de San Juan del Hospital; la de la Sangre de Cristo, en el convento de San Francisco; la de la
Agonía, en la iglesia del Hospital General.

182
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

presencia del soberano en la ciudad, el camino a la catedral de todas ellas se hizo pasar en
esa ocasión ante los balcones del palacio del Real, donde Felipe III, su hermana Isabel y
la corte real presenciaban el paso de las diversas procesiones. El largo trayecto a recorrer
obligaba a las cofradías a salir en pleno día, a las dos horas de la tarde, pese a lo cual gran
parte de todas ellas transcurría de noche. En el apéndice 1 se sintetiza la estructura de
cada una de las cinco procesiones con especial atención a la descripción de sus elementos
musicales.
Todas estas procesiones presentan análogo principio organizativo. Comenzaban con
un encabezamiento que tenía como elementos fijos a dos «trompetillas» con las cabezas y
rostros cubiertos -con capirotes, caperuzas y corozas- e, inmediatamente tras ellos, los dos
estandartes de la cofradía que siempre cerraban esta sección inicial. La expresión
«trompetilla» es frecuentemente utilizada por Gauna en su obra para referirse a una
trompeta de pequeño tamaño, posiblemente un instrumento similar o igual al clarín, del
mismo modo que también define a las dos que solían cabalgar delante de las guardias
reales que acompañaban al soberano tañendo a son de marcha11. Pero, seguramente, las
trompetillas que precedían sistemáticamente a los estandartes de las cofradías
penitenciales no ejecutaban toques militares, puesto que ello sería difícilmente compatible
con el relato de Gauna, quien las califica como «destempladas», emitiendo un triste y
doloroso son. De hecho, estas expresiones recuerdan más bien a las trompetas que
desfilaban en las procesiones exequiales de personajes poderosos de la época, las cuales
frecuentemente se describen por los autores contemporáneos como «roncas» y tañidas
con sordinas12. La presencia de las trompetas en las procesiones de la Semana Santa se ha
interpretado tradicionalmente bien como una representación de aquellas que
acompañaban a los soldados romanos que llevaron a Cristo en su pasión o bien como
forma de recordar los ecos lastimeros de su sufrimiento13. De un modo u otro, ciertamente
estos eran los únicos instrumentos que participaban en las procesiones valencianas de
Semana Santa en la época. Al menos unas décadas después no sucedía lo mismo en
Sevilla, donde también actuaban trompetas, pero además en 1632 consta la intervención
de cajas, pífanos e incluso ministriles en la procesión de la cofradía del Santo Entierro, o
en Córdoba, donde en 1659-1660 desfilaban tambores en la de la hermandad de la
Soledad14. Probablemente, en Valencia ni siquiera podían escucharse los sonidos de la

11 Gauna, 1926-1927, vol. 1, 133.


12 Bejarano Pellicer, 2013a, 257, 276, 278.
13 Bejarano Pellicer, 2013b, 483.
14 Bejarano Pellicer, 2013b, 484-488.

183
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

campanilla que acompañaba habitualmente al estandarte de las cofradías sevillanas, de las


que Gauna no se hace eco a pesar de su minucioso relato15.
Delante de las trompetillas de las procesiones valencianas, podían ubicarse otros
elementos, no presentes en todas ellas aunque, cuando lo estaban, se situaban en posición
semejante en el cortejo: el crucifijo -que abría la procesión- y los colectivos
desfavorecidos -los niños huérfanos y abandonados del hospital de San Vicente Ferrer;
pobres peregrinos, cautivos cristianos y ermitaños; encarcelados y locos del Hospital
General- que eran protegidos por cada cofradía. Estos eran ubicados delante de las
trompetillas, las cuales, por tanto, también servían para anunciar y honrar la llegada de los
cofrades, así como para establecer una separación o distinción social de estos frente a los
desamparados.
Tras este encabezamiento, cada desfile procesional se dividía en una serie de secciones
delimitadas por la presencia de un elemento simbólico, entre dos y tres en cada procesión,
que eran bien grandes crucifijos o bien andas que sostenían imágenes o escenas de bulto
relacionadas con la advocación de la cofradía, portadas por un número variable de
oficiales de esta, entre ocho y dieciséis. Entre estos elementos desfilaban, de dos en dos,
numerosos disciplinantes con vestas de lienzo blanco sacudiéndose con violencia en las
espaldas desnudas o, en el caso de la cofradía de las Penas, penitentes con la cabeza y
rostro tapados con corozas portando grandes cruces de madera a los hombros al tiempo
que oraban con el rosario en las manos. El dolor, como ofrenda y modo de acercamiento a
Dios a través de sensaciones físicas intensas, ejemplificaba la divergencia primordial
entre los fundamentos rituales católicos y protestantes, para quienes la imitación de Cristo
tenía mayor carácter intelectual que físico. De otro lado, estas escenas de violencia
autoinfringida podían provocar un estado emocional de miedo, o incluso, de terror a los
asistentes durante estas procesiones16.
Justamente delante de cada crucifijo o andas desfilaban los cofrades, también de dos
en dos, con vestas de bocací negras o coloradas -cada cofradía adoptaba solo uno de estos
colores- y con la cabeza y el rostro descubiertos. El cronista recalca repetidamente que su
función era la de iluminar el crucifijo o andas que inmediatamente les seguían, para lo
cual cada uno de ellos portaba una hacha, una antorcha o un gran cirio. El realce de la
llegada del correspondiente elemento simbólico no solo se valía de la luz y de los aromas
de las flores y arbustos aromáticos que lo aderezaban sino también de la música, puesto
que entre estos cofrades se ubicaban sistemáticamente grupos de cantores que rompían

15 Bejarano Pellicer, 2013a, 267.


16 Muir, 2001, 262-264.

184
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

con un ambiente silencioso solo perturbado por los quejidos de los disciplinantes y el
murmullo de los orantes17. Ciertamente, los asistentes debían de percibir un contraste
emocional entre la percepción del dolor puramente humano en el ambiente tenebroso de
los disciplinantes y las iluminadas imágenes divinas de Jesucristo, a las que la música
acompañaba y exaltaba. Gauna también precisa que todos los grupos de cantores de las
cinco procesiones de Jueves y Viernes Santo interpretaban únicamente el salmo
penitencial Miserere mei Deus, que repetían continuamente, a diferencia de lo que
sucedía en las procesiones sevillanas donde, al parecer, podían escucharse una mayor
variedad de cantos litúrgicos propios del Triduo Sacro18.
Solo en la procesión valenciana de la cofradía de Nuestra Señora de la Soledad y San
Vicente Ferrer había, además, otra fuente sonora de canto, a cargo del maestro y los niños
del hospital de San Vicente Ferrer que marchaban delante de los estandartes, con un
repertorio diferente puesto que interpretaban letanías de los santos y santas, seguramente
a canto llano. Las letanías también están documentadas en las procesiones de Écija, junto
al Miserere19. Aunque las palabras del cronista son algo confusas, es posible que todos los
Miserere se interpretasen a canto de órgano alternado con canto llano. Al menos, para tres
de las procesiones Gauna señala explícitamente esta práctica, siempre para los cantores
que desfilaban en último lugar, por lo que tampoco se puede descartar que únicamente el
postrer Miserere fuese realzado especialmente con la polifonía. El mismo salmo era
cantado de idéntico modo en el rito de la absolución del auto de fe celebrado en
Valladolid cuatro décadas antes, en semejante contexto de penitencia y en un momento de
extrema emotividad que inducía el llanto de los espectadores20. Análogos sentimientos
parece que se pretendiese infundir al pueblo valenciano que presenciaba estas procesiones
ya que los cantores, con los rostros y cabezas cubiertas, interpretaban el Miserere con
«bajas», «delicadas» y «dolorosas» voces, según Gauna revela en algunos casos. En
general, el dominio casi absoluto de las voces en el ambiente sonoro de las procesiones
valencianas, tanto por lo que respecta a la música como a los sonidos que emitían los
disciplinantes, penitentes y orantes, parecía simbolizar el lado más humano de Dios Hijo,
llevado a su máxima expresión precisamente en su pasión y muerte.

17 Sobre el silencio asociado a la muerte, como manifestación del luto, véase Bejarano Pellicer, 2013a, 253-
258. Un detenido estudio sobre el impacto emocional de la música en los asistentes a los autos de fe hispanos
de esta época puede encontrarse en Mazuela-Anguita, 2017, 192-199.
18 Bejarano Pellicer, 2013b, 485, 487.
19 Bejarano Pellicer, 2013b, 487.
20 Mazuela-Anguita, Ascensión, 2017, 181.

185
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Procesión de San Vicente Ferrer21

El azar quiso que al día siguiente de la confirmación de los desposorios reales, el


19 de abril, se celebrara en la capital valenciana la fiesta del santo local San Vicente
Ferrer22. Su tradicional y vistosa procesión general en que tomaban parte todos los
estamentos sociales y muchas de las instituciones religiosas de la ciudad, encabezadas por
la catedral, fue aprovechada por los dirigentes municipales para su integración en el
programa de festejos nupciales. A tal efecto consta que se modificó el trayecto habitual
para que, tras pasar por los obligatorios lugares vicentinos de la casa natalicia y la celda
del santo valenciano en el convento de Santo Domingo, la procesión atravesase
excepcionalmente los muros de la ciudad y discurriese ante el Palacio del Real, en cuyos
balcones los recién casados y los más distinguidos miembros de sus casas contemplaron
el desfile (véase Figura 1)23.

21 La procesión de San Vicente Ferrer se encuentra descrita en Gauna, 1926-1927, vol. 2, 529-581.
22 Vicente Ferrer (*1350; †1419) fue un fraile dominico valenciano. Durante sus primeras décadas de
actividad se supo labrar un notable prestigio y consiguió la confianza personal del rey de Aragón y su familia.
En 1399, dejó todos sus honores y se convirtió en misionero y predicador itinerante evangelizador de masas,
viajando a pie por gran parte de Europa Occidental. Tuvo un papel destacado en el Compromiso de Caspe
(1412) apoyando la entronización de la casa real castellana de Trastámara en la Corona de Aragón. Fue
canonizado en 1455. La devoción especial a este santo en los territorios del antiguo reino ha llegado hasta la
actualidad, siendo el patrón de la Comunidad Valenciana.
23 El recorrido tradicional no salía del espacio intramuros y, además, posteriormente también pasaba por la
parroquia de San Esteban, donde entraba por encontrarse allí la pila bautismal del santo valenciano. Puede
comprobarse con exactitud este trazado habitual en: E-VAa, x.x-2.2, ff. 591r-591v.

186
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Figura 1 - Recorrido de la procesión de San Vicente Ferrer (19 de abril de 1599)24

Debido al carácter religioso de la celebración, el protagonismo en la procesión estaba


reservado al clero, que ocupaba las preeminentes posiciones antecedentes al núcleo o
centro del desfile, el palio, que cubría al arzobispo Juan de Ribera y a sus asistentes,
portadores de reliquias del Lignum crucis y del hábito dominico del santo. El pueblo y sus
autoridades también tomaban parte en esta manifestación pública mostrando
simbólicamente su íntima unión con la Iglesia al tiempo que reforzando la identidad de la
ciudad representada integralmente en la procesión. Atendiendo a su inferior jerarquía
social, el pueblo llano, representado por las organizaciones profesionales de los gremios,
fue ubicado al principio de la procesión, delante del clero, mientras que los dirigentes
ciudadanos y las oligarquías urbanas se situaron justamente tras el palio cerrando la
marcha. De este modo, la clerecía aparecía arropada por toda la sociedad. A lo largo del

24 Elaboración propia sobre el plano base de la ciudad de Valencia diseñado por el italiano Antonio Mancellí
en 1608 [reproducción digital en LLOPIS et al., 2005] Más información sobre el plano de Mancelli en Benito
Doménech, 1992, 29-37.

187
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

trayecto procesional se dispusieron diversos altares alumbrados por velas en candelabros


de plata que servían de soporte fundamentalmente a imágenes de bulto y ricas telas, sin
que el cronista señale la existencia de música vinculada a ellos.
Como era habitual en las grandes procesiones generales, el desfile de los gremios
actuaba como entretenida y variopinta introducción, y de algún modo contrapunto festivo,
a la posterior y más severa procesión, propiamente dicha, del clero y las autoridades; y en
este carácter vistoso, junto a las diferentes banderas y estandartes gremiales, era elemento
fundamental la música interpretada por el conjunto, contratado expresamente para la
ocasión, que cada uno de los numerosos oficios lucía marchando delante de sus miembros
elegantemente vestidos. Aunque el pregón anunciador del evento no instó a estas
asociaciones profesionales a realizar mayores demostraciones de lo acostumbrado por la
presencia de los monarcas, lo cierto es que Gauna indica que bajo esta coyuntura especial
se celebró «con mucho mas horden y concierto, ansi de musica e invenciones de banderas
y estandartes que trayan delante della los Officios».
La representación gremial fue antecedida por la compañía de negros de la ciudad,
tanto esclavos como libertos, cuya inferior consideración social se reflejaba en su
posición abriendo el desfile, incluso delante de los tres atabaleros municipales que,
marchando a pie y con sus seis instrumentos portados ingeniosamente por dos hombres en
los huecos de una escalera de madera, anunciaban la llegada de las corporaciones
artesanales y las revestían de una cierta cobertura institucional. El cronista da cuenta
pormenorizada de los gremios participantes, que desfilaban en hileras de tres a cinco
hombres, y, afortunadamente, también incluye valiosa información sobre los conjuntos
musicales que acompañaban a una gran parte de ellos (véase apéndice 2).
El bando municipal instaba a estas corporaciones a acudir a la procesión con
«diversitat de mussica»; a la vista de la descripción de Gauna, atendieron
convenientemente a la variedad musical requerida. Es apreciable, en general, la voluntad
de los gremios de alejarse de los géneros y grupos de música más propias de las
instituciones civiles y de las élites sociales -como los conjuntos de trompetas, atabales y
ministriles- eligiendo en su lugar otros que frecuentemente permitían acompañar
expresiones de canto y de danza de carácter popular; de este modo, el género de música
asociado a estas corporaciones se correspondía con la condición plebeya que sus
miembros representaban en la sociedad.
El grupo más común, que acompañaba a cinco de los gremios, fue el compuesto por
músicos que tañían vihuelas de arco y rabeles al tiempo que cantaban letrillas. Aunque en
solo una ocasión sea especificado por el cronista, los instrumentos usados y la práctica

188
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

simultánea del canto sugieren que, al menos en parte, se trataba de conjuntos o coplas de
ciegos oracioneros, colectivo organizado en Valencia en la cofradía denominada de la
Vera Cruz. Asimismo, dos de los gremios desfilaban tras un conjunto de tres guitarras
uno de los cuales, además, con un pandero, que también cantaban. El repertorio, tanto
de los primeros como de los segundos, era muy similar: canciones en castellano,
mayoritariamente cantadas a los tonos de la zarabanda (2) o la chacona (2). Ambos
términos designaban en el territorio hispánico de la época a manifestaciones de poesía,
canto y baile que tenían en común su posible origen en el continente americano, el
carácter licencioso de los textos y, especialmente, los movimientos lascivos de los
danzantes, que motivaron el ataque de los moralistas e, incluso, su ocasional prohibición
por parte de la Corona, aunque ciertamente sin demasiado éxito25. A pesar de ello,
seguramente para su mejor incardinación en la procesión religiosa, en este caso no solo se
prescindió de la danza sino que los textos populares fueron bien vertidos a lo divino o
bien compuestos a propósito sobre el asunto de la llegada de la reina al tiempo que, en
algunos casos, los propios músicos se disfrazaron de ángeles26. Cuando Gauna describe
los festejos nupciales de Felipe III, la zarabanda ya gozaba de varias décadas de práctica
en la península ibérica mientras que la chacona estaba desembarcando precisamente en
aquel tiempo, circunstancias que también recoge diáfanamente el cronista al calificar
como «tono antiguo» el primero y como «tono nuevo» el segundo. El paralelismo de la
zarabanda y la chacona se prolongará en los siglos siguientes con su estilización e
incorporación, ya muy transformadas, al grupo de danzas más empleadas por los
compositores europeos, especialmente del siglo XVIII. Por otra parte, cabe reseñar la
similaridad del estribillo de la chacona que se cantaba por los músicos contratados por los
tejedores de lino con el de la pieza Sarao de la chacona del aragonés Juan Arañés,
publicada en Roma en 162427.
Otro grupo recurrente en el acompañamiento gremial fue el de pífanos y cajas, o
atambores, asociado a la marcialidad, que el cronista remarca al indicar que sonaban «al
son de guerra» o «al son de marchar». Estas agrupaciones musicales estaban fuertemente
vinculadas con la faceta castrense de los gremios, que contaban con ellos -posiblemente,
incluso sus propios miembros tañían los instrumentos- en las compañías que formaban

25 Síntesis sobre la historia temprana de la zarabanda y la chacona entre los siglos XVI y XVII pueden
encontrarse en ESSES, 1992, 612-623, 735-750; Cañedo Estrada, 1999; Ezquerdo Esteban, 2002.
26 La práctica de los contrafacta a lo divino de zarabandas y chaconas está documentada en otros contextos
en la península ibérica [Esses, 1992, 617-618, 741-742].
27 Los músicos de los tejedores cantaban «Vita bona, vita bona / Vita, vamonos a chacona» mientras que el
texto de la pieza de Arañés dice «A la vida, vidita bona / Vida, vámonos a chacona». La edición más actual de
esta obra se puede encontrar en Cerveró Martínez, 2017, sin paginar.

189
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

para combatir en los conflictos bélicos28. También tenían vínculos con el ámbito militar
las trompetas agudas sin atabales, identificadas por el cronista en tres de las asociaciones
profesionales tanto con el nombre de «trompetillas» como de «clarines»; en un par de
casos anunciaban la llegada de sendos carros triunfales, los únicos de la procesión, sobre
uno de los cuales incluso se representó una breve acción teatral.
De otro lado, dos de las corporaciones profesionales iban acompañadas de lo que
Gauna califica como «música catalana», una expresión cuyo significado exacto es oscuro
en este contexto. Según el cronista, se trataba de música sin danza tañida, al menos en
uno de los conjuntos, «a son de menestriles» por «diversos instrumentos» que «parescian
geremias», según se especifica en el otro. Por tanto, se trataba de instrumentos semejantes
a las chirimías de los músicos ministriles, aunque diferían lo suficiente para que un
ciudadano como Gauna pudiese apreciar esta disparidad. Ello parece sugerir que ya en el
siglo XVI se había iniciado el desarrollo organológico a partir de la chirimía de, al menos,
una parte de los instrumentos de doble lengüeta todavía actualmente empleados en
contextos populares exclusivamente en Cataluña -especialmente la gralla, el grall, la
tarota y sus transformaciones en el tible y la tenora-, manteniendo entonces todavía el
repertorio característico de los ministriles29.
También continúa actualmente bien vivo en la música tradicional valenciana el
conjunto de dulzaina y tambor (dolsaina i tabal) que Gauna nos presenta en esta época
acompañado sistemáticamente por dos trompetillas cuya función musical precisa
desconocemos, si bien la expresión de que estas «concordaban» con los otros dos
instrumentos parece indicar que tocaban los cuatro músicos simultáneamente.
La danza tuvo una presencia muy limitada entre las corporaciones ya que se redujo al
exótico baile de los negros mancebos al tono de la Guinea, que abría la procesión, y
al que protagonizaron unas máscaras vestidas a lo pastoril acompañando a los juboneros,
del que se desconocen más detalles.
En contraposición, una pareja de enanos y cuatro de gigantes de diferentes naciones -
españoles, gitanos, turcos y negros- desfilaban danzando tras las organizaciones
gremiales (véase apéndice 3). Los enanos o cabezudos, ya formaban parte de la procesión

28 Como prueba de ello, el 8 de agosto de 1521, Joan de la Casa, síndico y mayoral del gremio de carpinteros
de Valencia se comprometía a cumplir las órdenes del emperador Carlos V, entre las cuales figuraba el
«encerrar las armas comunes e insignias de guerra, esto es, la bandera, atambores y pífanos y otras cosas en
las casas cofradías de dichos oficios» («tanquar les armes comunes e insígnies de guerra, ço és bandera,
atambors e pífanos e altres coses en les cases confraries dels dits oficis») [E-VAar, protocolos, 231, 8 de
agosto de 1521].
29 La historia de estos instrumentos anterior al siglo XVIII, en que se datan las tarotas conservadas más
antiguas, es todavía oscura Ferré i Puig [Ferré i Puig, 1984; Ayats i Abeyà, 2001, 103-105].

190
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

valenciana del Corpus Christi en 1589, mientras que existe la certeza de que los gigantes
eran innovaciones relativamente recientes en la ciudad, puesto que fueron incorporados
por primera vez en la misma procesión después de 1588 a imitación de los que ya existían
en Madrid, Toledo y otras partes de Castilla30. Posteriormente se añadieron dos parejas de
cabezudos más mientras que los gigantes se han mantenido en número y naciones hasta la
recientísima incorporación de otra pareja de valencianos. No obstante, las variadas danzas
que ejecutaban en 1599 distan mucho de las actuales31. Aquel año los enanos bailaban al
son de la zarabanda y la chacona al tiempo que cada pareja de gigantes ejecutaba una
danza diferente propia de su nación: alta y baja los españoles; a la gitanesca los gitanos; a
la morisca los turcos; la zarabanda y la chacona los negros32. Ante la incertidumbre del
origen de estas últimas danzas, merece la pena observar que, al menos para los
valencianos de la época, eran originarias o, al menos, propias de comunidades negras33.
La música que bailaban los enanos y los gigantes corría a cargo del popular grupo de
dulzaina y atambor con sus dos inseparables trompetillas, al menos en los únicos
dos casos que el cronista detalla.
Tras el alegre desfile de los gremios, rematado por las danzas de los enanos y
gigantes, discurrió la sobria procesión del clero. Siguiendo la regla general de jerarquía
creciente en los desfiles de la época, en la posición delantera marchaban los frailes de una
parte de los conventos masculinos de la ciudad y posteriormente el clero secular, primero
el de las parroquias y finalmente el catedralicio, que precedía el palio de su arzobispo
(véase apéndice 4).
Toda la clerecía desfilaba cantando repertorio himnódico planificadamente
seleccionado y distribuido entre las distintas comunidades; mientras a los miembros del
clero regular, dividido en tres grupos de conventos, se les asignaron, respectivamente, los
tres himnos del oficio común de los santos confesores categoría a la que pertenecía San

30 Ruiz de Lihori, 1903, 121-129.


31 Una transcripción de la música que danzan actualmente los gigantes y los cabezudos puede encontrarse en
Seguí, 1980, 514, 540-541. Esta versión presenta variantes frente a la publicada en 1903 en Ruiz de Lihori,
1903, 123, 129.
32 Actualmente todos los gigantes bailan simultáneamente una danza de carácter popular.
33 El origen de ambas danzas es todavía hoy oscuro y no existe una teoría que cuente con la aprobación
unánime de la comunidad investigadora. En el caso de la chacona, las hipótesis apuntan a Hispanoamérica,
Italia, España y África [Cañedo Estrada, 1999, 526]. A la zarabanda se han atribuido orígenes orientales
(persas, árabes), americanos y españoles [Ezquerro Esteban, 2002, 1121-1123]. Sobre la chacona, la
zarabanda y el posible papel de las personas de raza negra en la transmisión de estas danzas, véase Bejarano
Pellicer, 2014-2015, 224-227.

191
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Vicente Ferrer34, las parroquias, también agrupadas, y la catedral se hicieron cargo de


los tres himnos del oficio propio de la festividad35.
Los conventuales cantaban austeramente en canto llano al «tono fraylesco»,
posiblemente el de sus correspondientes órdenes, respondiendo a dos capiscoles de cada
comunidad que marchaban entre sus miembros. Análogamente, el clero parroquial
interpretaba los dos primeros himnos del propio en canto llano siguiendo a capiscoles que
pertenecían a la catedral. En cambio, pese a que las palabras del cronista son algo más
confusas, parece que el canto llano del clero catedralicio, que respondía a dos canónigos
que ejercían de capiscoles, se alternaba con la polifonía de su capilla musical y sus
ministriles al interpretar el tercer himno Sidus extremae. El uso de la música polifónica en
este último, cuya interpretación antecedía la llegada del palio, no solo se puede explicar
por la pertenencia de los cantores a la catedral, sino también en razón de la amplificación
emocional de la que se pretendía revestir este momento álgido de la procesión en las
almas del pueblo espectador que, según el cronista, recibía a los cantores y ministriles con
«gran contento» tras el largo y sobrio desfile de los cantollanistas. Entre la clerecía de la
catedral también marchaban los trompetas y ministriles municipales quienes «se
correspondían» con el clero y músicos catedralicios. No obstante, teniendo en cuenta que
estas trompetas no disponían de capacidad técnica para la música polifónica, cabe
interpretar que no participaban en el mismo himno, sino que tañían entre las diversas
repeticiones de este.
No ha sido posible identificar versión alguna en canto de órgano del himno Sidus
extremae anterior a 1599 vinculado a la capital valenciana aunque, ciertamente, pudo
haberse cantado en contrapunto improvisado. No obstante, se conserva un motete a San
Vicente Ferrer del maestro de capilla de la catedral Ambrosio Cotes que bien podría
haber sido compuesto para la misa o algún oficio de este día. Se trata de Vidi angelum a 7
voces, que se conserva en un juego de ocho cuadernos de origen valenciano, donados en
1641 al Real Colegio de Corpus Christi de la capital por el noble local don Diego Vich36.
El mismo juego incluye, asimismo, otros dos motetes del mismo autor, también a gran
número de voces: Mortuus est Philippus Rex a 7, compuesto en 1598 para las exequias de
Felipe II en la catedral de Valencia, y O lux et decus Hispanie a 6, en honor a Santiago

34 Iste Confessor corresponde a vísperas y maitines del oficio de confesor obispo y no obispo; Jesu,
redemptor omnium, a laudes del oficio de confesor obispo; Jesu Corona celsior, a laudes del oficio de
confesor no obispo. Los cantos correspondientes a la variante textual empleada en este caso pueden
encontrarse, por ejemplo, en el himnario cartujo, datado en 1595, F-Pn, RES-1583-1584, ff. 80v-86v.
35 Alme Vincenti corresponde a vísperas; Luce doctrinae a maitines; Sidus extremae a laudes. Pueden
encontrarse estos himnos, por ejemplo, en Arévalo, 1786.
36 E-VAcp, LA XX, p.116. Edición de este motete en Soler García, 1979, 263-271.

192
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Apóstol37. El origen del manuscrito, el año de composición de Mortuus est Philippus Rex
(1598) y la condición de patrón de la ciudad de San Vicente Ferrer sugieren con fuerza
que Vidi angelum fue también compuesto para la catedral valenciana. Cotes estuvo al
frente de esta institución musical en un máximo de cuatro celebraciones de la festividad
de San Vicente Ferrer (1596-1599)38; entre ellas, sin duda, la última fue la más relevante
por la presencia en la capital valenciana de los reyes y su corte y, por tanto, una ocasión
merecedora de una nueva composición.
Tras el palio, culminación de la procesión del clero, marchaban los dirigentes
municipales -los seis jurados con sus maceros, el racional, los síndicos y los escribanos de
la sala dorada- y un gran número de caballeros y ciudadanos antiguos de la ciudad. Esta
representación de las oligarquías urbanas desfilaba completamente desprovista de música
-los trompetas y ministriles municipales habían sido cedidos al clero catedralicio-, lo cual
remarcaba el carácter de su presencia como mero y humilde acompañamiento
al estamento eclesiástico que realmente protagonizaba la procesión.

37 El vínculo del manuscrito con la ciudad de Valencia, o al menos con su reino, no solo se basa en el
donante y la institución receptora, sino en el repertorio, puesto a que junto a piezas de diversos autores con
obra de amplia difusión -Guerrero, Lasso, Palestrina, Vecchi, Clemens non Papa, Ruffo, Phinot o Rogier-, el
manuscrito contiene numerosas obras de músicos valencianos o que ejercieron en la ciudad: Josep Gay, Ginés
Pérez, Ambrosio Cotes, Francesc Company, Bernardino de Ribera, Nicasio Zorita, Joan Baptista Comes
[Climent Barber, 1984, 38-42].
38 Cotes fue nombrado maestro de capilla de este templo el 16 de marzo de 1596, aunque no se conoce con
certeza cuándo se instaló definitivamente en Valencia; el primer pago conocido de la catedral al músico está
datado en 16 de junio en concepto de ayuda al traslado desde Granada pero su nombre aún figura el 26 de
noviembre del mismo año en la Capilla Real de esta ciudad, de donde procedía. Ejerció el magisterio en la
seo valenciana hasta el 7 de marzo de 1600, cuando el cabildo declaraba vacante su cargo y le eran
concedidas 445 libras para su presunta jubilación [Climent Barber, 1971, 17-18; Soler García, 1979, 54-56].
Teniendo en cuenta que la festividad de San Vicente Ferrer en 1600 tuvo lugar el 10 de abril, hay que
concluir que entonces Cotes ya no era maestro de capilla.

193
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Apéndice 1
Estructura de las procesiones de las cofradías penitenciales valencianas (1599)

COFRADÍA DE NUESTRA SEÑORA DE LA SOLEDAD Y SAN VICENTE FERRER

Crucifijo grande portado por un muchacho del hospital de San Vicente Ferrer
Muchachos (>50) del hospital de San Vicente Ferrer rezando el rosario
Maestro de los muchachos «cantando la letanía de los sanctos y sanctas, respondiéndole los
mochachos ora pro nobis»
«Dos hombres, a la par, revestidos con vestas de tela negra y las cabessas y caras
cubiertas con capirotes largos de l[o] mesmo y estos pasaron tañiendo cendas trompetillas
destempladas que hazían dolorosso son y muy triste»
Dos estandartes portados por sendos caballeros principales de la cofradía
Disciplinantes (>80) con vestas de lienzo blanco sacudiéndose en la espalda
«Una capilla de cantores canta[n]do a dolorossas bozes el psalmo Miserere mei etc., y
estos cantores tambien yvan vestidos de vestas negras con los rostros y cabesas cubiertas con
las corossas de lo mesmo»
Caballeros y ciudadanos (>40), de dos en dos, con hachas de cera blanca
Crucifijo grande portado por el mayordomo de la cofradía
Caballeros disciplinantes (>20), de dos en dos
«Otros muchos disciplinantes»
Caballeros y ciudadanos (>20) con antorchas de cera blanca
Custodia con cuatro candeleros de plata con la imagen de san Vicente Ferrer portada por
caballeros barones (4) de la cofradía y sus ayudantes
«Algunos caballeros» disciplinantes
Disciplinantes (>200)
Caballeros y ciudadanos honrados (>50),con antorchas de cera blanca. En medio «venian
cantando unos cantores, con delicadas vosses, el psalmo Miserere mei etc.»
Custodia con candeleros de plata con la imagen de la Virgen de la Soledad portada por
caballeros principales (4) de la cofradía y sus ayudantes (4)
Caballeros titulados y barones del reino (12), portando antorchas blancas
Disciplinantes (>200)
Fuente: GAUNA, 1926-1927, vol. 1, 346-351.

194
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

COFRADÍA DE LA SANTÍSIMA TRINIDAD

Crucifijo portado por un ermitaño viejo y honrado


Pobres peregrinos, cautivos cristianos y ermitaños (100), de dos en dos, rezando el rosario
«Dos hombres con vestas coloradas, con las caperusas o corossas de lo mesmo cubiertas
sus cabessas y caras, los quales yvan tañiendo cendas trompetillas destempradas con su
doloroso son muy triste y doloroso»
Dos estandartes portados por sendos oficiales de la cofradía.
Cofrades (>80), de dos en dos, portando cirios grandes colorados y salterios colgando de la
mano. Por en medio, muchachos (10) con cabelleras y guirnaldas portando banderolas altas y
cuadradas de tela pintadas con los misterios de la pasión
Disciplinantes (>200)
Cofrades (>30), de dos en dos, con antorchas de cera blanca
Crucifijo grande portado por el mayordomo con otros compañeros
Cofrades (>25) con hachas blancas, de dos en dos. En medio, «yvan unos cantores cantando
el psalmo del Miserere mei, vestidos con vestas coloradas y los rostros cubiertos»
Litera con la Santa Cena de bulto portada por hombres (6) oficiales de la cofradía y sus
ayudantes (6)
«Muchos disciplinantes»
Cofrades (>30), de dos en dos, con hachas blancas. En medio, iban «cantando el psalmo del
Miserere mei etc., a canto dorgano, correspondiendo otros al otro verso a canto llano, como
yvan en las demás custodias ya nombradas»
Litera o custodia con sus lumbres con la Santísima Trinidad bajo dosel portada por oficiales (8)
de la cofradía con sus ayudantes
Disciplinantes (>400), de dos en dos
Fuente: GAUNA, 1926-1927, vol. 1, 351-355.

COFRADÍA DE LAS PENAS

Alguaciles (12) que traían encadenados, de dos en dos, a pobres (24) de la cárcel
«Dos hombres tañiendo çendas trompetillas destempladas a muy dolorosso son»
Dos estandartes de la cofradía portados por sendos oficiales
Cofrades (>60), de dos en dos, llevando cada uno una cruz de madera al hombro y un rosario
en las manos, rezando
Cofrades (20) con hachas blancas. En medio, «yvan hunos cantores cantando el psalmo
Miserere mei con sus bosses baxas y dolorossas»
Litera grande con 4 linternas y una imagen de Jesucristo con la cruz portada por clavarios (4)
de la cofradía y sus ayudantes (4)
Disciplinantes (>100), de dos en dos
Cofrades (>30), de dos en dos, con antorchas. En medio «yvan unos cantores cantando el
psalmo del Miserere mei etc., vestidos también con vestas negras, con los rostros cubiertos»
Crucifijo grande portado por el mayordomo y sus ayudantes
«Muchos mas disciplinantes»
«Muchos penitentes», de dos en dos, con grandes cruces de madera cargadas a los hombros, la
mayoría descalzos, con rosarios en las manos
Fuente: GAUNA, 1926-1927, vol. 1, 367-369.

195
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

COFRADÍA DE LA SANGRE DE CRISTO

«Dos trompeteros, vestidos con vestas coloradas, con sus trompetillas destempladas,
tañiéndolas a muy dolorosso son»
Dos estandartes de la cofradía portados por sendos oficiales
Disciplinantes (>100), de dos en dos
Cofrades (>30), de dos en dos, con hachas de cera colorada. En medio, «yvan cantores
cantando el psalmo Miserere mei etc.»
Litera con una imagen de Jesucristo atado a una columna y dos sayones que le azotaban,
portada por oficiales (4) de la cofradía con sus ayudantes
Disciplinantes (>80).
Cofrades (60) con antorchas coloradas. En medio, «otros cantores cantando el psalmo
Miserere mei etc.»
Litera o custodia con lumbres con la imagen de Jesucristo desnudo con el cuerpo llagado de
azotes y coronado de espinas, con dos sayones y Poncio Pilato
«Muchos disciplinantes»
Cofrades (>60), de dos en dos con hachas blancas. En medio, «yvan cantores cantando el
Miserere mei etc., a canto de horgano y otros respondían al otro verso en canto llano a baxa
voçe, como los demas cantores sobredichos.»
Crucifijo con la figura de Jesucristo crucificado que portaba el mayordomo y otros oficiales
«Últimos disciplinantes»
Fuente: GAUNA, 1926-1927, vol. 1, 369-371.

COFRADÍA DE LA AGONÍA

Crucifijo portado por un loco manso


Locos mansos (>30) del Hospital General, de dos en dos, asidos de las manos, mirando al
público y riéndose
«Dos hombres a la par, vestidos con vestas negras, tañiendo cendas trompetillas
destempladas a muy dolorosso son»
Dos estandartes de la cofradía portados por sendos oficiales
Disciplinantes (100)
Cofrades (>30), de dos en dos, con hachas de cera blanca. En medio «yvan unos cantores, con
vestas negras y las caras atapadas, cantando el Miserere mei, etc.»
Crucifijo grande portado por el mayordomo con sus ayudantes
Disciplinantes (>100)
Cofrades (20), de dos en dos,con hachas blancas. En medio «yvan cantando unos cantores el
psalmo de Miserere mei, etc.»
Litera con un rico sepulcro y dentro una imagen de Jesucristo muerto, portada por clavarios (4)
y sus ayudantes (4)
«Otros muchos disciplinantes»
Cofrades (40), de dos en dos, con hachas blancas. En medio «yva tambien otra capilla de
canto cantando el Miserere mei a canto de horgano hun verso y otro a canto llano, como los
demas»
Litera muy grande con el huerto de Getsemaní con una imagen de Jesucristo arrodillado y tres
apóstoles durmiendo, que portaban oficiales (4) con sus ayudantes
Disciplinantes (>100)
Fuente: GAUNA, 1926-1927, vol. 1, 371-374.

196
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Apéndice 2
Los gremios y su música acompañante en la procesión de San Vicente (1599)

Grupo procesional Descripción musical


«Compañía de todos los «llevando delante dellos huna copla de atambor,
negros de la ciudad, ansí libres dolsayna y dos trompetillas que concordavan muy bien, y
como esclavos» a este son algunos de los negros mansebos que yvan en
cuerpo baylavan a su tono de la Guinea»
«Atabales de la Ciudad» «yendo delante dellos [de los gremios] dos hombres con
una escalera de madera con sus quatro pies y cubierta con un
paño colorado, con la guarnicion de paño amarillo con los
escudos y armas de la ciudad, y ensima desta escalera yvan
asentados seys atabales de arambre, medio hovados, a los
quales tañian otros tres hombres con mucho concierto de
musica destos atabales, y estos yvan vestidos con unas ropas
largas coloradas, guarnescidas de terciopelo carmesi»
«Dos vergueros de los
Jurados»
«Bastaxos o tragineros del «en hylera de tres en tres hombres, llevando delante
Mercado» dellos diferente mussica»
«Corredores o Pregoneros» «con diferente musica que los demas»
«Pelleros o Ropa vexeros» «con lindo horden y diferente mussica»
«Matalaferos o colchoneros «con la musica diferente»
y vanoveros»
«Caldereros» «con música delante dellos, de pifanos y atambores
tañendo al son de guerra, que parescieron muy bien»
«Esparteros, Espargateros y «llevando delante dellos su musica de viguelas de arco y
sogueros de cañamo» rabeles»
«Chapineros» «la mussica que trayan diferente que los otros, que fue
tres guitarras y hun pandero que los trayan unos buenos
musicos disfrasados de mascara, en abitos de villano,
mirando a Sus Magestades y Altessas les cantaron con
buenas bozes estas coplas al son de la chacona, tono nuevo
para entonses (…): ‘Vida bona, vida bona, / Vida, vamonos
a chacona (…)’»
«Sapateros» «música diferente de los demas»
«Calseteros» «con su diferente musica»
«Xuboneros» «trayendo muy buena mussica, al son de la qual
baylaron una dansa que trayan de mascara vestidos a lo
pastoril»
«Sastres» «con suave mussica deferente»
«Pellizeros” y «musica que trayan»
“Sombrereros»
«Carniseros» «llevando delante dellos mussica de copla de tambor y
dolsa[y]na con sus trompetillas que concordavan con el
son»
«Cabreros y Pastores de «musica que trayan»
hovejas»
«Boteros o Cuberos» «diferente mussica que trayan»
«Blanqueros y Aluderos» «de tres en tres”; “mussica diferente»

197
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

«Texedores de lana» «trayan delante de su rica bandera una suave musica de


viguelas de arco y rabeles, y los quatro musicos que los
tañian venian disfrasados a modo de serafines, de blanco y
colorado, con sus cabelleras rojas y guirlandas de flores y
rossas, y desque llegaron a vista de Sus Magestades y
Altessas se repararon allí todos saludandoles con el devido
acatamiento, y despues con muy buenas bozes de los dichos
angeles les cantaron a lo antigo tono, por ser bueno, estas
coplillas de hermana Marica, etc… bueltas a lo espiritual,
que dezian: ‘sagrada Maria / Mañana ques fiesta’»
«Flaqueros, Horneros o «con otra musica diferente que los demas, como fueron
Panaderos» viguelas de arco y rabeles, que concordavan muy bien el
son, y desque llegaron delante de Sus Magestades y Altessas
se repararon un poco, donde cantaron al tono de la
sarabanda estas coplas a lo divino: ‘Dexadnos agora
cuydados / Mostraos ya regocixados’»
«Asahonadores o «con diferente mussica que los otros»
Surradores»
«Tundidores» «llebando delante dellos la mussica de una copla de
atambor y dulza[i]na con dos trompetillas que se tañian
muy bien»
«Mañanes o Serraxeros» «con su diferente mussica»
«Barreteros, Veleros y «con la diversidad de musica que trayan»
Listeros, con los Cordoneros o
Pasamaneros»
«Corregeros y «con su diferente musica»
Sombrereros”
«Guanteros, Tirateros y «con su diferente mussica catalana, que parescian
Cordoneros» geremias»
«Tintoreros de çeda con los «con buena mussica de viguelas de arco y rabe[le]s que
de lana y lino» los tañian unos buenos musicos ciegos, que los guiavan,
los quales llegando a vista de Sus Magestades y altessas se
rrepararon todos, y los ciegos cantaron y tañeron muy
suavemente al tono antigo de la sarabanda unas buenas
coplas, vertidas a lo devino, aplicadas a la sacratissima
muerte y pascion de Nuestro Señor Jesuchristo, que dezian
desta manera: ‘Ya que la hora hes llegada / De Christo tan
deseada (…)’»
«Carpinteros y Cadireros» «la suave mussica que trayan de unas trompetillas y
clarines»; «hum hermosso carro triunfal (…) y ensima del
estava fabricada una yglescia y dentro della asentado un
pulpito (…) y dentro del havia un bonito muchacho, de edad
de diez añyos no mas, vestido con abito de frayle dominico
(…) con la corona de frayle (…) representava la figura
propia del gloriosso sanct Vincente Ferrer (…) al qual carro
tiravan quatro ferosses salvajes, vestidos de pelexos de
gamello»
«Texedores de lino» «con huna buena mussica que trayan de vigüelas de arco
y rabeles cantaron estos musicos al tono de la chacona
esta letra que desia: ‘Vita bona, vita bona / Vita, vamonos a
chacona (…)’»
«Pescadores» «llevando delante de toda la compañía una mussica muy

198
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

suave de unas trompetillas y clarines, y en particular, cabo


la bandera, trayan otra mussica diferente de guitarras, las
quales tañian tres personaxes en abitos de angeles, muy
bien puestos, con sus cabelleras rossas y guirlandas blancas
de flores en las cabessas, y quando llegaron delante y avista
de Sus Magestades y Altessas, saludandoles los maiorales
con las banderas, se repararon todos, y las sobredichas
figuras de angeles, al son de sus tres estrumentos, cantaron
muy suavemente, que se podian hoyr, estas dos redondillas
glosadas a lo espiritual, que dezia la glossa, ‘Donde vos
teneys los pies’: ‘Ynmenso Padre eternal, / Que con tan altos
motivos (…)’»
«Hobreros de villa o «llevando delante dellos su diversidad de mussica de
albañiles con los Canteros o clarines y detrás de sus banderas trayan por invencion hun
Pedrapiqueros» hermosso carro triumphal con sus quatro ruedas»;
“representaron delante de Sus Magestades y Altessas este
misterio milagrosso que acontecio a Sanct Vicente Ferrer en
la sobre dicha ciudad de Vannes»
«Armeros» «con mucho estruendo de mussica, que trayan, de caxas,
atambores y pifanos, tañendolos al son de marchar»
«Molineros» «llevavan delante della el estruendo de mussica de caxas
y pifanos»
«Ballesteros, con los «diferente mussica que trayan»
Texedores de rassos, damascos
y tafetanes»
«Plateros» «una copla de mussica catalana, que trayan delante
dellos, que yvan tañiendo a son de menestriles con
diferentes estrumentos, y despues con los mismos
estrumentos de mussica repararon delante de Sus
Magestades y Altessas, y con esta mussica, a tono de
sara[ba]nda antiga, cantaron unas mascaras con sus
buenas bosses estas coplas a lo devino y aplicadas a la
resurrection de Nuestro Señor Jessuchristo, que dezian:
‘Quantas ancias y agonias / La Virgen tuvo estos dias (…)’»
«Pelayres» «llevando delante de las banderas la suave mussica de
menestriles y cornetas, tañiendoles a muy buen son
regosixado y de mucha autoridad»
Fuente: GAUNA, 1926-1927, vol. 2, 535-555.

199
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Apéndice 3
La música de enanos y gigantes en la procesión de San Vicente (1599)

«Un enano y huna enana» «baylando al son de la mussica y copla que trayan de
«tocada a la villanesca» atabal y dolsayna con dos trompetillas que concordavan
muy bien el son»; “trayendo el enano unas sonaxas en las
manos, tañiendolas al son de lo que baylavan,
correspondiendole la enana, su compañera, con las
castañetas que traya, siguiendole y baylando al mismo son
de la sarabanda y chacona»
«Gigante» «vestido a la «dansaron los dos juntos a la par una Alta y Baxa al
española» y «giganta son que les tañian para dansar, asiendolo muy bien como a
española» buenos dansantes, y dando fin a la dansa se fueron bailando
al son de la dolsayna y tamborin con sus trompitillas»
«Otro gigante» «de nascion «con la buena mussica que trayan, baylaron a la
gitano»; «una giganta» gitanesca maravillossamente de bien con sus meneos y
«vestida al propio traxe de mudansas diferentes que los demas»
gitana»
«Otro gigante» «de hun «danzaron juntos los dos delante de Sus Magestades y
ferossicimo turco»; «otra Altessas al son que les hazian la dansa de la moresca»
giganta turquesca»
«Gigante negro»; «giganta «baylaron los dos juntos la sonada de la sarabanda y
negra» despues el de la chacona»
Fuente: GAUNA, 1926-1927, vol. 2, 555-559.

200
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Apéndice 4
El clero y su música en la procesión de San Vicente (1599)
Grupo procesional Descripción musical
Clero regular
«crus de la parroquia de
Sanct Pedro [catedral]»
«frayles capuchinos y
descalsos de la horden de sanct
Fransisco y del convento de la
Sangre de Christo Redemptor
Nuestro»
«frayles de la yglescia y
«por medio de la prosecion destas hordenes referidas
convento de sanct Phelippe, de
yvan dos frayles de cada una dellas hordenando la prosecion
la horden Carmelita [de]
entre ellos, los quales yvan entonando y cantando a su tono
descalsos»
fraylesco, correspondiendoles a[l] mismo tono sus
«frayles de la horden de los
frayles, con mucha devocion, a este himno de los
Minimos de Sanct Fransisco de
confessores, por ser prosecion de san Vicente Ferrer y
Padua (sic)»
confessor apostolico de la Sancta Yglescia, que dezia: ‘Iste
«frayles de la yglescia y
Confessor Domini sacratus (…)’»
convento de Nuestra Señora y
Madre de Dios de la Merced»
«frayles de la Sanctissima
Trinidad del convento y
monasterio de Nuestra Señora
del Remedio»
«frayles de la yglescia y «Por medio delas sobredichas dos hordenes yvan otros
convento de Nuestra Señora y dos frayles de cada huna dellas, hordenando la prosecion y
Madre de Dios del Carmen» entonando y cantando a su tono otro himno del comun de
«frayles de la yglescia y los sanctos confessores de la Yglescia, correspondiendoles
convento de la horden del al mismo tono los dichos frayles con mucha devocion,
Doctor sanct Agostin» diziendo: ‘Jesu, Redemptor omnium (…)’»
«frayles de la yglescia y
«Por medio destas dos hordenes de frayles franciscos y
horden del seraphico padre
dominicos yvan otros dos frayles de cada horden sobre dicha
sanct Francisco»
consertando su prosecion de frayles, los quales venian
«los del hultimo convento y
cantando a su tono fraylesco este hymno del offiscio de
horden de sancto Domingo de
los confessores (…) que dexia: ‘Jesu, corona celsior (…)’ »
la yglescia de Predicadores»
Clero secular
«hun verguero o massero de
la corte del official
ecclesiastico»
«clerigos de la parroquia de «Por medio desta prosecio[n] de clerescia, ansi de los
sanct Valero» que havian passado como los questavan por passar, yvan
«clerigos de la parroquia de seys sacerdotes cabiscoles y domeros del coro de la Seo
sanct Miguel» de Valencia, (…) y estos sacerdotes llevavan unos bordones
«yglescia y parroquia de largos de plata fina, en sus manos, con los quales yvan
sancta Crus» hordenando la prosecion y entonando y cantando los
«parroquia yglescia de himnos que suele traher el officio propio de sanct
sanct Lorenzo martir» Vicente Ferrer, a los quales cabiscoles correspondian
cantando al mismo tono los demas clerigos desta
prosecion, y de los primeros yvan cantando este himno que

201
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

dezia: ‘Alme Vincenti, veneranda cujus (…)’»


«clerigos de la parroquia de
sanct Salvador»
«yglescia parroquial de
sanct Bartolome»
«clerigos de la parroquia
yglescia del apostol sanct
Andres»
«clerigos de la parroquia y
eglecia del apostol sancto
Tomas»
«clerigos de la yglescia del
«(...) todos los sobredichos clerigos yvan cantando a dos
gloriosso protomartir sanct
coros este himno propio de la festividad y officio del
Estevan»
gloriosso sanct Vicente Ferrer, correspondiendo a los
«clerigos de la yglescia
sobredichos domeros que yvan revestidos con sus capas y
parroquial de sancta Catharina
bordones: ‘Luce doctrinae, rutilans serenae (…)’»
virgen y martir»
«clerigos y rector de la
yglescia parroquial de sanct
Nicolas y sanct Pedro martir»
«clerigos con su rector de la
yglescia y principal parroquia
de los gloriossos sanct Juan
Baptista y sanct Juan
Evangelista»
«parroquial yglescia de
sanct Martin obispo»
«frays o clerigos con su
prihor de la (…) yglescia de
sant Juan del Ospital»
«perteguer o massero del
Cabildo de la Yglescia y Seo
de Valencia»
«confadria de Nuestra
Señora y Madre de Dios de la
Seo de Valencia»
«todos los clerigos «Por medio de la dicha clerescia de la Seo yvan
benificiados de la Yglescia areglando y hordenando esta prosecion estos dos canonigos
Catedral de la Seo» de la Yglescia Mayor (…) por el cargo que tenian por
ento[n]sses de cabiscoles de la prosecion de sanct Vicente,
y por la misma razon yvan entonando estos dos canonigos
los himnos del officio propio de dicho Sancto,
correspondiendoles con lindo horden y tono toda la
sobredicha clerescia y cantoria de la capilla del coro de
la Yglescia Mayor, y en particular a su tiempo y punto
respondian la mussica de los menestriles y cornetas de la
misma capilla que se concordavan muy bien con los
cantores della, que por cierto hera gran contento de hoyrlos,
«las dignidades de pavordes y de los hultimos himnos que cantaron en esta prosecion fue
del coro de la Seo» este que dezia: ‘Sidus extremae venetensis orae (…)’»;
«Acabado de cantar dicho himno, le correspondía la música
de las trompetas y menestriles de la Ciudad, los quales

202
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

yvan despues de todas las parroquias y en medio de toda la


clerescia de la seo, y estos hombres, que tañian la dicha
musica, yvan vestidos con ropas largas coloradas y en ellas
los escudos quadrados de las armas de la ciudad de
Valencia, como officiales de aquella, que cierto parescieron
muy bien de como se correspondian con ellos los cantores
y clerescia a su punto y compas como a platicos en tales
exercicios»
«canonigos y dignidades de
la Yglescia Catredal de la Seo
de Valencia»
«palio de tres altos de la
Seo Yglescia Mayor de
Valencia (…) dentro del qual
venia (…) Monseñor don Juan
de Ribera, patriarcha de
Antiochia y por la gracia de
Dios arzobispo desta ciudad de
Valencia»
Fuente: GAUNA, 1926-1927, vol. 2, 563-576.

203
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

Bibliografia:
ALENDA Y MIRA, Jenaro (1903) – Relaciones de solemnidades y fiestas públicas de
España. 2 vols. Madrid: Sucesores de Rivadeneyra.
ARÉVALO, Faustino (1786) – Hymnodia Hispanica. Roma: Typographia Salomoniana.
ALMARCHE VÁZQUEZ, Francisco (1919) – Historiografía valenciana: catálogo
bibliográfico de Dietarios, Libros de Memorias, Diarios, Relaciones, Autobiografías,
etc., inéditas y referentes a la historia del antiguo Reino de Valencia. Valencia: La Voz
Valenciana.
AYATS I ABEYÀ, Jaume (2001) – “El sorgiment de la cançó popular”. En Aviñoa, Xosé
(ed.). Història de la Música Catalana, Valenciana i Balear. Barcelona: Edicions 62.
Vol. VI, pp. 45-113.
BEJARANO PELLICER, Clara (2010) – La música en los gremios y las cofradías de la
Sevilla del Antiguo Régimen. Archivo hispalense. Sevilla. Vol. 93, nº 282-284, pp. 223-
245.
BEJARANO PELLICER, Clara (2013a) – El paisaje sonoro fúnebre en España en la Edad
Moderna: el caso de Sevilla. Obradoiro de Historia Moderna. Santiago de Compostela.
Vol. 22, pp. 249-282.
BEJARANO PELLICER, Clara (2013b) – El mercado de la música en la Sevilla del Siglo de
Oro. Sevilla: Universidad de Sevilla, Fundación Focus-Abengoa.
BEJARANO PELLICER, Clara (2014-2015) – Las danzas en la representación cultural
española de América y África: mestizaje musical en Sevilla en los siglos XVI y XVII.
Baetica. Estudios de Arte, Geografía e Historia. Málaga. Vol. 36, pp. 205-234.
BEJARANO PELLICER, Clara (2016) – Los músicos en la festividad del Corpus de Sevilla
entre la Baja Edad Media y el Renacimiento. Anuario de Estudios Medievales. Barcelona.
Vol. 46, nº 2, pp. 651-687.
BENITO DOMÉNECH, Fernando (1992) – Un plano axonómetrico de Valencia diseñado
por Manceli en 1608. Ars longa: cuadernos de arte. Valencia. Vol. 3, pp. 29-37.
BROOKS, Lynn Matluck (1992) – The dances of the processions of Sevilla in Spain’s
Golden Age. Kassel: Reichenberger.
CAÑEDO ESTRADA, María Cristina (1999) – “Chacona”. En Casares Rodicio, Emilio
(ed.). Diccionario de la Música Española e Hispanoamericana. Madrid: Sociedad
Española de Autores y Editores. Vol. 3, pp. 524-530.
CARRERES ZACARÉS, Salvador (1925) – Ensayo de una bibliografía de libros de fiestas
celebradas en Valencia y su antiguo reino. Valencia: Imprenta Hijo de F. Vives Mora,
2 vols.

204
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

CERVERÓ MARTÍNEZ, Francisco Javier (2017) – Juan Arañés y su libro segundo de tonos
y Villancicos… con la cifra de la guitarra española a la usanza romana (Roma, Juan
Bautista Robletti, 1624), tesis doctoral. Valencia: Universitat Politècnica de València.
CLIMENT BARBER, José (1971) – Ambrosio Cotes (1550?-1603): Su paso por la catedral
valentina. Tesoro Sacro Musical. Madrid. Vol. 54, nº 615, pp. 16-20.
CLIMENT BARBER, José (1984) – Fondos musicales de la Región Valenciana. II. Real
Colegio de Corpus Christi Patriarca. Valencia: Institución Alfonso el Magnánimo,
Diputación Provincial de Valencia.
ESCRIVÀ-LLORCA, Ferran (2018) – “The Procession of the Relics of São Roque (Lisbon,
1588): A Royal Entry?”. En Knighton, Tess; Mazuela-Anguita, Ascensión (eds.).
Hearing the city in Early Modern Europe. Turnhout: Brepols, pp. 229-239.
ESSES, Maurice (1992) – Dance and instrumental diferencias in Spain during the 17th and
early 18th centuries. Hillsdale, Nueva York: Pendragon Press, vol. 1.
EZQUERRO ESTEBAN, Antonio (2002) – “Zarabanda”. En Casares Rodicio, Emilio (ed.).
Diccionario de la Música Española e Hispanoamericana. Madrid: Sociedad Española de
Autores y Editores. Vol. 10, pp. 1121-1128.
FERRÉ I PUIG, Gabriel (1984) – La tarota, una xeremia d’ús popular a Catalunya. Recerca
musicològica. Barcelona. Vol. 4, pp. 81-125.
FLÓREZ ASENSIO, María Asunción (2009) – Memoria de las danzas que podrán salir en la
procesión del Santísimo deste presente año (Danzas y bailes en el Corpus madrileño
durante los siglos XVI al XVIII). Revista de Musicología. Madrid. Vol. 32, nº 2, pp. 463-
480.
GAUNA, Felipe de (1926-1927) – Relación de las fiestas celebradas en Valencia con motivo
del casamiento de Felipe III. Carreres Zacarés, Salvador (ed.). Valencia: Acción
Bibliográfica Valenciana, 2 vols.
GALDOULPHE, Pascal (2008) – Le royaume en fête: les mariages royaux de Philippe III et
de l’infante Isabel Clara Eugenia à Valencia (1599). Cahiers d’Etudes Romanes, Vol. 18,
pp. 75-99.
GÓMEZ-FERRER, Mercedes; CORBALÁN DE CELIS, Juan (2012) – Un contrato inédito
de Juan de Juanes. El retablo de la cofradía de la Sangre de Cristo de Valencia (1539).
Archivo Español de Arte. Madrid. Vol. 85, nº 337, pp. 1-16.
KREITNER, Kenneth (1990) – Music and civic ceremony in late fifteenth century
Barcelona, tesis doctoral. Durham: Duke University.
KREITNER, Kenneth (1995) – Music in the Corpus Christi Procession of Fifteenth Century
Barcelona. Early Music History. Cambridge. Vol. 14, pp. 153-204.

205
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
______________________________________________________________________________

LLOPIS, Amando, PERDIGÓN, Luis, TABERNER, Francisco (2005) – Cartografía


histórica de la ciudad de valencia (1608-1929). Valencia: Faximil Edicions Digitals.
MARTÍNEZ BONANAD, David (2016) – Arte, indumentaria y lujo textil de una boda real
en Valencia a finales del Quinientos. En Almarcha Núñez-Herrador, María Esther (ed.).
El Greco en su IV Centenario: Patrimonio Hispánico y diálogo intercultural. Cuenca:
Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, pp. 739-753.
MAZUELA-ANGUITA, Ascensión (2015) – The soundscape of the ceremonies held for the
beatification of St Teresa of Ávila in the Crown of Aragon, 1614. Scripta, Revista
internacional de literatura i cultura medieval i moderna. Valencia, Vol. 6, pp. 225-250.
MAZUELA-ANGUITA, Ascensión (2017) – ‘Música para los reconciliados’: music,
emotion, and inquisitorial ‘Autos de fe’ in early modern Hispanic cities. Music & Letters.
Oxford. Vol. 98, nº 2, pp. 175-203.
MOROS CLARAMUNT, Baltasar (2013) – Las Cofradías de la Sangre en el Reino de
Valencia, tesis doctoral. Pamplona: Universidad de Navarra.
MOROS CLARAMUNT, Baltasar (2014) – Las Cofradías de la Sangre en el Reino de
Valencia. Anuario de Historia de la Iglesia. Pamplona. Vol. 23, pp. 533-539.
MOROS CLARAMUNT, Baltasar (2016) – Las Cofradías de la Sangre en el Reino de
Valencia. Cuadernos doctorales de la Facultad de Teología. Pamplona. Vol. 64, pp. 231-
291.
MUIR, Edward (2001) – Fiesta y rito en la Europa Moderna. Madrid: Editorial Complutense.
PÉREZ GARCÍA-OLIVER, Lucía (1990) – Juglares y ministriles en la procesión del Corpus
de Daroca en los siglos XV y XVI. Nassarre: revista aragonesa de Musicología.
Zaragoza. Vol. 6, nº 1, pp. 85-177.
RAMOS LÓPEZ, Pilar (2005) – “Música y autorrepresentación en las procesiones del
Corpus de la España moderna”. En Bombi, Andrea; Carreras, Juan José; Marín, Miguel
Ángel (eds.). Música y cultura urbana en la edad moderna. Valencia: Universitat de
València, pp. 243-254.
RUIZ DE LIHORY, José (1903) – La música en Valencia. Diccionario biográfico y crítico.
Valencia: Establecimiento tipográfico.
SALVADOR Y MONSERRAT, Vicente (1876) – Guía antigua de Valencia: antigua y
moderna. Valencia: Imprenta de José Rius, vol. 1.
SEGUÍ, Salvador (1980) – Cancionero musical de la provincia de Valencia. Valencia:
Institución Alfonso el Magnánimo.
SOLER GARCÍA, José María (1979) – El polifonista villenense Ambrosio Cotes. Valencia:
Instituto de Estudios Alicantinos, Diputación Provincial de Alicante.

206
Do tanger e do cantar no mosteiro cisterciense de S. Bento de Cástris no período
moderno

Antónia Fialho Conde

Resumo:
O século XVI ficou marcado por intensas reformas na Igreja Católica, que, após o
Concílio Ecuménico de Trento (1545-1563) se refletiram também nas comunidades
religiosas femininas. A vida quotidiana destas comunidades ficou marcada, também ao
nível da prática musical (instrumental e vocal), pela intervenção de prelados locais ou de
religiosos oriundos dos cenóbios masculinos. Apesar da tentativa de uniformização da
vida religiosa pelo Concílio também no domínio da música, as comunidades acabam por
demonstrar práticas identitárias que podem ser melhor entendidas a partir do seu acervo
documental, como é o caso particular do mosteiro cisterciense de S. Bento de Cástris.

Palavras-chave: Évora, Concílio de Trento, Ordem de Cister, mosteiro de S. Bento


de Cástris, práxis musical

Abstract:
The sixteenth century was marked by intense reforms in the Catholic Church which, after
the Ecumenical Council of Trent (1545-1563), were also reflected in women's religious
communities. The daily life of these communities was marked, also at the level of
musical practice (instrumental and vocal), by the intervention of local prelates or religious
from the male monasteries. Despite the attempt of the Council to standardize religious life
also in the field of music, the communities end up demonstrating identity practices that
can be better understood from their documentary collection, as is the case of the
Cistercian monastery of S. Bento de Cástris.

Keywords: Évora, Council of Trent, Cistercian Order, monastery of S. Bento de Cástris,


musical praxis.


O presente estudo insere-se no âmbito do projecto ALT20-03-0145-FEDER-028584 (PTDC/ART-
PER/28584/2017) – «PASEV: Patrimonialização da Paisagem Sonora em Évora (1540-1910)», financiado
por fundos nacionais através da FCT/MCTES e co-financiado pelo Fundo Europeu de desenvolvimento
Regional (FEDER) através do Compete 2020 – Programa Operacional Competividade e Internacionalização
(POCI).

Universidade de Évora - Departamento de História, CIDEHUS-UÉ, CEHR/UCP
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Introdução

Apesar das observações críticas de S. Bernardo nos campos litúrgico e artístico e da


nova concepção monástica criada pelos monges de Cister em 1098, os cistercienses não
deixaram de seguir a Regra de S. Bento. Com o Concílio de Trento veio um tempo de
renovação litúrgica e, no caso de Cister, sendo abade Cláudio Vaussin, vieram à luz
novos livros para uso da Ordem no século XVI, especialmente o Ritual Cisterciense, que
regulou o cerimonial do rito da Ordem.
Em 1567 foi constituída a Congregação Autónoma de Alcobaça, dando autonomia
formal aos cistercienses portugueses, regulando-se a vida das comunidades pelas
determinações dos Capítulos e Juntas realizados na abadia alcobacense; o Geral da
Congregação e seus representantes, através de Visitas aos mosteiros, verificavam da sua
observância. Por outro lado, já em 1550, em contexto contra-reformista, surgira o Livro
Ordinário do Ofício Divino segundo a Ordem de Cister, novamente correcto e emendado
por hum Religioso da Ordem, Estudante na Universidade de Coimbra, do Collegio
de Sam Bernardo, e, em 1593, as Diffiniçoens da Ordem de Cister: e Congregaçam de
Nossa Senhora de Alcobaça, sendo que, no século XVII, surgiu ainda o Pequeno
cerimonial para uso dos cistercienses.
No que respeita às instituições monástico-conventuais femininas, a clausura, no
contexto pós-tridentino 1 , é condição para a própria renovação da vida monástica:
as ordens estabelecidas ganham, através da vida conventual, novo florescimento2, sendo
os relatos de vidas com opinião de santidade de grande importância nas populações.
Desenvolvem-se Tratados de clausura, surgindo o modelo da perfeita religiosa. Neste
contexto, o Padre Manuel Bernardes faz a apologia da boa freira, traçando-lhe um perfil
ideal, apontando nomeadamente para a observância da Regra, para o cumprimento dos

1
Conde, Antónia Fialho; Lalanda, Margarida Sá Nogueira. A ação disciplinadora de Trento no quotidiano
monástico feminino do mosteiro de S. Bento de Cástris. João Luís Fontes, Maria Filomena Andrade e Tiago
Pires Marques (coord.) Género e interioridade na vida religiosa: conceitos, contextos e práticas. Lisboa:
CEHR-UCP, 2017, p. 121-138. ISBN: 978-972-8361-77-8.
2
“(...) Los grandes monasterios femeninos, tras las vicisitudes espirituales del siglo XVI, lentamente
comienzan una reforma y reciben un nuevo impulso; el Concilio de Trento marca un hiato en la historia
conventual femenina. Los decretos conciliares constituyeran la base teórica esencial sobre la que se
sustentaron las fundaciones. El movimiento contrarreformista tuvo como objetivo primordial velar por la
honestidad dentro del convento y en consecuencia se evitó a las monjas toda comunicación con el exterior,
aplicando la prevención acordada por San Pío V en 1566, en la que se abolía cualquier regla, costumbre o
privilegio que infringiera el aislamiento de las religiosas. Movido por este afán, Trento decretó la maldición
eterna para todo aquel que violase la clausura, además de imputarle una condena por doble pecado mortal al
que tras haber hecho juramento de este voto incumpliera dicho precepto. (...)”. Ríos Izquierdo, Pilar. Mujer y
Sociedad en el siglo XVII…., p. 53.

208
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

votos monásticos, para as boas leituras3. A decisão acerca das leituras a serem feitas era
de extrema importância, particularmente para as noviças, a cargo da Mestra de Noviças,
podendo distinguir-se entre os livros que procuravam a sua instrução em termos de vida
cristã, e os que se propunham instruí-las na vida religiosa (como as Meditações de Santa
Teresa).
O contexto da Contra-Reforma católica vem ainda retomar e reforçar as questões da
música e do canto enquanto essenciais para a inteligibilidade da palavra divina 4 .
A preocupação com a compreensão dos textos é determinante na altura, sendo a polifonia
posta em questão por alguns (dado desdobrar texto e melodia), tendo porém defensores
que nela apostarão. São estes últimos os responsáveis pelo surgir de uma corrente estética
ao nível musical com características tridentinas e pós-tridentinas em que se procura
estimular a devoção dos fiéis através da polifonia, entendendo-se porém que não se deve
escrever apenas para o prazer de ouvir, mas preservar a inteligibilidade das palavras.
Neste sentido, autoriza-se a tradução de alguns salmos e o canto dos cânticos espirituais.
A nível local, sínodos provinciais e a hierarquia religiosa são chamados a decidir sobre
a gestão do canto, da sua pronunciação, da salmodia. Desta forma, a música sacra pós-
Trento é variada, acompanha identidades nacionais e locais, respeitando a questão da
inteligibilidade, reforçando cerimónias, sendo o som um aliado do espectáculo e
da ostentação, apelando a outros sentidos que não apenas o ouvido.

A palavra rezada na Congregação Autónoma de Alcobaça

Em Portugal, e no caso da Ordem de Cister, as Juntas e Capítulos legislavam sobre a


presença da música e do canto nos ofícios litúrgicos, bem como sobre a forma de tocar,

3
“ (...) Os livros que convem à boa Religiosa (ou a qualquer pessoa timorata) são vidas de Santos, Chronicas
das Religioens, Granada, Eusebio, Estella, Avila, Palfox, Kempis, Puente, Alonso Rodriguez, & outros
semelhantes. Porque em fim o ler he conversar: & quaes são as pessoas com quem tratamos, taes os costumes
que aprendemos. (...)” P. Manuel Bernardes, Armas da Castidade. Tratado Espiritual em que por modo
pratico se ensinão os meyos, & diligencias convenientes para adquirir, conservar & defender esta Angelica
Virtude.Offerecido e dedicado à Soberana Virgem das Virgens, Maria, Santíssima Senhora Nossa, Oficina de
Miguel Deslandes, Impressor de Sua Magestade, Lisboa, 1669, p. 250.Cf. Conde, Antónia Fialho. “O modelo
da Perfeita Religiosa e o Monaquismo cisterciense feminino no contexto pós-tridentino em Portugal”. José
Albuquerque Carreiras (dir.). Actas do Congresso Internacional Mosteiros Cistercienses - História, Arte,
Espiritualidade e Património. Alcobaça: Jordis, 2013, Tomo II, pp. 397- 412.
4
A questão da inteligibilidade da palavra foi uma preocupação cisterciense desde o século XII, tanto no que
respeita à forma de o proclamar quer no que respeita à sua compatibilização com a prática polifónica. Araújo,
Mara Fortu de; Ferreira, Manuel Pedro. “Recitação do texto sacro: Claraval e Alcobaça”. José Albuquerque
Carreiras (dir.). Actas do Congresso Internacional Mosteiros Cistercienses: História, Arte, Espiritualidade e
Património. Alcobaça: Jorlis, 2013, Tomo II, pp. 195-203; Ferreira, Manuel Pedro. “O hino polifónico de
Arouca no contexto cisterciense”. Aspectos da Música Medieval no Ocidente Peninsular. Música eclesiástica,
Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda / Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, vol. 2, pp. 212-54.

209
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

cantar e rezar. A verificação do cumprimento destas determinações nos mosteiros pode


ser feita a partir dos Livros de Visitas, sendo que particularizamos no presente texto o
caso do mosteiro eborense de S. Bento de Cástris.
A Junta de 5 de Abril de 1728, sendo abade D. Frei Bento de Melo5, determina que
nos mosteiros de religiosas se deveria observar o Capítulo 27 das Definições
da Congregação no que se referia à oração mental, regulando-se pelo relógio da Arca, e
sempre acompanhada de lição espiritual para a meditação. Em Carta Pastoral desse
mesmo ano, em 3 de Fevereiro de 1728, Frei Bento de Melo reconhecia que, nas leis das
Visitas, a mais importante era a que se referia à oração mental conventual: meia hora de
manhã e meia hora à tarde, intervaladas cada uma com uma leitura espiritual, para
motivar a oração. Esta questão foi, aliás, retomada nas várias Juntas e Capítulos da
Congregação. A Junta de1732 vem determinar os dias em que essa oração duraria apenas
um quarto de hora na parte da manhã: nos dias de Quaresma, excepto Domingos, de
Sermão, de procissão e de salmos penitenciais; tal não acontecia para a meia hora do fim
da completa (que apenas tinha a tolerância de se contar na mesma meia hora que a da
Ladainha de Nossa Senhora). A questão da duração da oração mental é de novo abordada
na Junta de 1748, indicando que a meia hora deveria ser regulada por relógio de areia.
Também se estipulou em 1728 que não se poderiam rezar mistérios sem constarem nos
Breviários, particularmente ao Senhor da Coluna (pois neles não constava) devendo ser
vigilantes em relação a este cumprimento particularmente as madres abadessas e as
cantoras-mores. Fica clara também a norma que respeitava às cortinas nos coros, devendo
ser corridas depois de terminada a missa do dia, e só se abrindo novamente nas vésperas e
completas solenes, bem como nas ladainhas de Nossa Senhora, mas com a porta da igreja
fechada. Os visitadores do mosteiro de S. Bento de Cástris em 1723 lembram à abadessa,
prioresa e subprioresa que se reze no Coro como consta no Breviário, “(…) sem que
recorrão aos comuns quando se reza de santo ou santa que no nosso Breviário tem lições,
antífonas ou reza própria. (…)” 6 , recomendação renovada em 1763 7 . Houve sempre,
aliás, da parte da Congregação uma grande preocupação em relação à uniformização do
culto. A Junta de Janeiro de 1733 8 lembrava que estava a ser impresso um Missal,
apurado e corrigido segundo os Usos Cistercienses, para depois ser distribuído. Essa

5
Biblioteca Pública de Évora [B.P.E.], Cód. CXXXI/2-7 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro
de S. Bento de Cástris extra muros da cidade de Évora.
6
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-23, fl. 116.
7
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-22, fl. 2.
8
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-7 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, fl. 48v.

210
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

mesma Junta procurou ainda que nos mosteiros as invocações coincidissem, procurando
sanar dúvidas. Como exemplo, temos que a Junta cita que segundo o Breviário, 20 de
Novembro era o aniversário pelos parentes e irmãos defuntos; como esse dia passara a ser
dedicado a S. Felix de Valois, o citado aniversário passaria para 14 de Novembro.
O Capítulo Geral de 1740 volta a citar o Breviário e a aprovação de festas novas,
devendo ser usado particularmente no Coro; enquanto não estivesse impresso, deveria
recorrer-se à solfa e hinos antigos. A Junta de 1742, em Abril9, faz saber que os Missais já
estavam impressos: eram 1000 volumes, e foram distribuídos pelos diversos mosteiros e
Colégios cistercienses (apenas masculinos, que depois os redistribuiriam: Alcobaça
recebeu 412 exemplares). Em 1750, a Junta recomenda o uso nos coros dos lecionários
e cânticos novos, que se iriam imprimir e distribuir pelos mosteiros, mandando-os
encadernar nos Saltérios; também os cadernos das missas novas deveriam ser
encadernados nos Missais existentes 10 . Procurou-se também uniformizar os tempos
e horas dos Ofícios e respectivas solenidades, acertar as invocações sendo que na Junta de
10 de Outubro de 1755 o Cantor-mor de Alcobaça informou que andava a elaborar novo
Cerimonial, que em breve circularia. Mas em Maio de 1757 a Junta anunciava já a feitura
de um Suplemento ao novo Breviário, pois não constavam todos os santos, visando a
uniformidade da reza, cerimónias e missa11.
Em 1760 foi determinado que nenhuma noviça entrasse nos mosteiros sem Breviário
novo da última impressão da Congregação, mas, ao mesmo tempo, a Junta dava-se conta
ainda da falta de uniformidade nas cerimónias de reza e missa, mandando vir de França
um Breviário cisterciense para servir de modelo. Recomendava, porém, que o Cantor-mor
de Alcobaça não deveria alterar nenhuma das cerimónias antigas 12 . Em 1768, em
Capítulo, foi anunciada nova edição do Breviário e do Ritual13. Em 1777, em Capítulo
Geral, que dava conta do deplorável estado da Ordem de Cister em Portugal, e em que foi
eleito Frei António Caldeira como Geral da Congregação 14 , estabelece-se que as

9
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-7 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, fls 66 A a 66 H.
10
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-6 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, peça 8.
11
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-6 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, peça 8, fl. 19.
12
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-6 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, peça 11.
13
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-6 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, peça 17.
14
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-6 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, peça 10, fl. 22.

211
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

cerimónias da missa deveriam decorrer segundo o rito cisterciense. Ao mesmo tempo,


reconhece a existência de missas públicas (a conventual e a matutinal de Prima) e
privadas (quotidianas, aniversários dos meses e temporárias). Estabelece ainda que as
religiosas devem rezar cinco Saltérios anuais pelos religiosos que morressem, bem como
o Salmo Miserere Mei Deus.

A Palavra cantada: da prática da música instrumental e do canto em S. Bento de


Cástris

Para uma abordagem à prática musical do mosteiro as Constituições da Ordem em


1593 são determinantes, bem como as indicações para a prática do Ofício Divino, ou
ainda documentação referente à prática musical com origem em Alcobaça, num período
posterior à Congregação15. Efetivamente, o mosteiro de S. Bento de Cástris não dependia
do Ordinário local, sendo que a Música era presença constante nas práticas de devoção
quotidiana (Missa e Ofício Divino), nas cerimónias litúrgicas das festividades e ainda nos
momentos de lazer, sendo que o Concílio exigira um maior controlo sobre um
cumprimento mais estrito de regras da vida conventual feminina 16 . Assim, embora a
prática de visitar as casas religiosas seja anterior ao Concílio, é certo que durante
o mesmo se recomendou aos bispos e superiores das Ordens a necessidade de visitar as
instituições religiosas numa tentativa de se disciplinar o comportamento da população
religiosa.
Por outro lado, a presença da música no quotidiano claustral é marcada pelas
orientações das distintas Regras em termos de Missa e Ofício Divino, sendo que o rito
cisterciense supõe um conjunto de regras próprio e que vigorou até ao Concílio Vaticano
II, pelo menos para a missa, altura em que os religiosos da Ordem aderiram oficialmente
ao rito romano e aos seus livros litúrgicos, à excepção do Ofício Divino. Neste domínio,
continuou sendo praticada a Liturgia das Horas conforme o Breviário cisterciense, fiel
à Regra de São Bento. Até ao século XVII, o rito de Cister era diverso do romano. Como
exemplo, temos que na Missa não era usado o salmo Judica me, mas cantava-se ou
rezava-se o Veni Creator, numa invocação ao Espírito Santo. O rito cisterciense também

15
Biblioteca Nacional de Portugal - Alc. 299, 300 e 301. Fls. 165-168, Fr. Bento de S. Bernardo[1675-1700],
monge de Salzedas, (compilados por), Documentos de varias tipologias, de caracter histórico canónico e
litúrgico, em prosa e verso, relativos à Ordem de Cister em Portugal. 3 tomos. Nos fólios indicados há
referências ao modo como se canta em Alcobaça (1695).
16
Conde, Antónia Fialho. “Ambiência monástica e prática litúrgico-musical pós-tridentinas no mosteiro de S.
Bento de Cástris”. Do Espírito do Lugar - Música, Estética, Silêncio, Espaço, Luz: I e II Residências
Cistercienses de São Bento de Cástris (2013, 2014) [online]. Évora: Publicações do Cidehus (generated 17
October 2016). ISBN: 9782821875029. DOI: 10.4000/books.cidehus.1985.

212
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

não previa genuflexões, mas sim inclinações profundas, indicadas nomeadamente para o
Coro durante o Ofício Divino; em S. Bento de Cástris, há indicações no acervo musical
do mosteiro (Arquivo Distrital de Évora, Ms. Musical 1, fl. 213v.) Cantoras fiquem de
joelhos te ao fim.
O mosteiro, pertencendo à Congregação Autónoma de Alcobaça, surgida em 1567,
reflecte as preocupações dessa mesma Congregação: na sua origem, a necessidade de uma
urgente renovação espiritual, fundamentada nas normas de Trento. As directivas
emanadas dos Capítulos Gerais e Juntas da Congregação são decisivas para a vida das
comunidades cistercienses, e devem ser entendidas no contexto espiritual do período
moderno, da cultura do barroco e do espírito da contra-reforma, distinto do primacial da
Ordem de Cister, mas que se reflectiu tanto na arquitectura dos espaços como na liturgia
ou na prática musical. Os livros de Coro e os manuscritos musicais provenientes de
Cástris acabam por denunciar uma característica específica: a música era interpretada por
vozes iguais, sendo compostas especificamente para vozes femininas. Por outro lado,
nota-se, no conjunto que vem sendo a ser estudado, a predominância de algumas
temáticas como as obras dedicadas ao Santíssimo Sacramento, as natalícias e os santos da
Ordem. Celebrava-se com grande solenidade o Corpo de Deus, celebração que se viu
reforçada na devoção eucarística pós-tridentina (dada tratar-se de uma comemoração
tardo-medieval, ganhando aparato em manifestações públicas em Portugal desde, pelo
menos, o século XV).
Em Abril de 1728, a Junta determinava, para todos os mosteiros da Congregação de
Alcobaça que:

[…] Item por nos ter mostrado a experiência que a música figurada de canto de órgão tem
degenerado notavelmente da gravidade e devoção religiosa com que se deve tratar tudo o
que diz ordem, e respeito ao culto Divino, e que claramente se opoem a doutrina dos Santos
Padres, e muito principalmente N. Meliflo Pay S. Bernardo na sua elegantíssima Epístola
312 escrita ao venerável Guido Abade Arromance, na qual lhe aconselha a que no seu
mosteiro não consinta canto que tenha leveza, e sirva só de deleite e agrado aos sentidos, e
sem a gravidade que edifique e faça levantar o espírito puramente a Deus o que se não acha
na Musica figurada de que de presente se uza, e outrossy pellos grandes inconvenientes,
assim temporais como espirituais que se acharão na conservação de tal música ordenarão e
mandarão que nas Igrejas, e Coros, assim de Religiosos como de Freiras da nossa
Congregação se não use o tal canto figurado, nem ainda nas maiores festas, e solenidades,
ou procissões do ano, como já se pratica no nosso Mosteiro de Alcobaça, e nas mesmas
Igreja e Coros se não poderá usar de instrumento algum músico, excepto órgão, ao qual

213
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

cantarão somente o canto grave sem os requebros e passos de garganta de que usa o canto
figurado, o que os Padres Dons Abades e Madres Donas Abadessas observarão, sob pena de
suspensão de seus cargos por seis meses, de que os nossos Reverendíssimos Padres
Visitadores se informarão com especial cuidado nas suas visitas. […] 17.

A mesma Junta de 1728 deu ainda indicações sobre um dos locais privilegiados para
contacto com o mundo exterior, as grades e o locutório, e a prática musical. De facto, as
abadessas não deviam consentir que:

[…] por nenhum pretexto que se cante ou tanja nas grades e locutórios, ainda que neles
assistão pessoas nobres, nem ainda sendo de primeira qualidade (…) as Madres Donas
Abadessas tenhão especial cuidado, e as Mestras dos Noviciados de fazerem aprender o
canto chão às Noviças e as Religiosas mudernas que tiverem só quatro anos de hábito,
deputando-lhe Mestras que as ensinem, e hora em que todos os dias se ocupem em aprender
enquanto não souberem bem; e terão muito cuidado de aplicar as que tiverem habilidade
para aprender a tocar órgão determinando-lhe Mestra que as ensine pessoa recolhida no
mosteiro ou religiosa dele, e sendo necessário aprenderem canto figurado para melhor
perícia do órgão, o aprendam com pessoas do Mosteiro e não poderá ser admitido Mestre de
fora sem licença in scriptis do Nosso Reverendíssimo. […]18.

Lembremos, porém, que a Visita de 1680 a S. Bento de Cástris se autorizara que as


grades pequenas fossem usadas para as mães e preladas para ensino de canto de órgão,
como era costume em todos os mosteiros da Congregação19. Há, desta forma, não apenas
a preocupação de manter a música e o canto afastados das grades e locutórios, locais onde
eram recebidos os familiares das religiosas, como também se frisa a necessidade do
ensino do cantochão às noviças e às religiosas de profissão mais recente. Note-se que
deveria ser uma tarefa diária, de uma hora, com mestras internas. Refira-se, ao mesmo
tempo, o protagonismo do órgão, não só no especial cuidado que se deveria ter no ensino
da noviça que tivesse habilidade para o tocar, como permitindo ainda (em contradição em

17
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-7 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, fls. 20v., 21.
18
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-7 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, fl. 21. A proibição da prática da música figurada irá ser confirmada em várias
Juntas e Capítulos. Já Frei Bento de Mello, em Março de 1728, em Carta Pastoral para o mosteiro de S. Bento
de Cástris, lembrava as leis capitulares anteriores quanto à proibição nos coros e igrejas de canto de órgão
figurado. Sublinhava a Pastoral que a experiência mostrava que a música de canto de órgão induzia a notáveis
relaxações nos mosteiros de religiosas, devendo pois suspender-se e recorrer-se apenas ao cantochão grave e
devoto. Cf. [B.P.E.], Cód. CXXXI/2-7 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de
Cástris extra muros da cidade de Évora, fl.34v.
19
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-23, fl. 36.

214
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

relação à normativa da mesma Junta quanto à aprendizagem apenas do canto grave) que
se fosse necessário aprender o canto figurado para o tocar com mais perícia.
No mosteiro de S. Bento de Cástris desde cedo esta questão é citada nas Visitas. Logo
em 1667 é recomendada a aprendizagem do cantochão20, bem como a assistência ao Coro,
obrigando-se as conversas, em 1671, a assistir ao Coro para servir no que lhes
mandassem, nomeadamente levantar foles e tanger sinos, para as religiosas poderem
assistir ao Ofício Divino. Para estes serviços, e para as funções do coro, devia a Cantora-
mor fazer tábua com as obrigações semanais (no caso das religiosas, ter invitatório, dizer
lições, especialmente de matinas, e versos, levantar antífonas, entre outras)21; no Coro, as
religiosas deveriam também respeitar os seus graus. Essa tábua ou rol deveria ser feita por
antecipação para a semana seguinte, repartindo também as lições do Refeitório por cada
dia em que uma das religiosas era responsável; não deveria incluir as que fossem músicas
de canto de órgão, devendo as religiosas obedecer-lhe. Em 1766 é mesmo frisado que a
abadessa as deve castigar se replicarem, “[…] e o mesmo se praticará quando a Madre
Cantora-Mor as mandar passar de um Coro para o outro para mayor perfeição da Resa, e
ficarem iguais os Coros. […]”22. Fica patente, nesta afirmação, o uso simultâneo dos dois
coros no mosteiro de Cátris.
Ainda em 1766 os visitadores reforçam a importância da devota assistência aos ofícios
do Coro, dado que “[…] a Igreja nossa adorável May lhes tem cometido anunciar no coro
aos Povos os Mysterios do seu triunfo. [...]”23
Em 1716 e 1719 a documentação refere que devido ao facto de muitas religiosas
serem pobres, não queriam assumir os ofícios de Cantora-mor. Ordenavam assim os
Visitadores que nem na ocasião do Ó nem em nenhuma outra dessem à abadessa mimo ou
brinco (presente), no máximo um ramalhete que custasse até 480 réis, e também não
deveriam dar mimo às religiosas na Semana Santa; da mesma forma, a abadessa poderia
dar no máximo à Cantora-mor um mimo de 12 tostões. Esta questão é várias vezes citada
nas visitas a Cástris, recomendando-se á Cantora-mor que apenas se deveria preocupar
com o seu ministério, fazendo com que houvesse boa pausa quando se canta e reza.
Em 1700, determinava-se ainda neste mosteiro que todas as religiosas com menos de
trinta anos de hábito deveriam ir à estante do Coro24. Em 1719, além de se chamar a
atenção para a pontualidade no Coro, não devendo nenhuma religiosa faltar ao Salve

20
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-23.
21
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-23, fl. 14.
22
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-22, fl. 7.
23
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-22, fl. 6v.
24
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-23.

215
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

(lembrando que já S. Bernardo cantara a Nª. Sr.ª a sua Antífona de Salve, tendo especiais
favores), é confirmada a determinação de que deveriam ser cantadas as vésperas nos dias
do Senhor Exposto, devendo também ser cantado o Ofício de Trevas na Semana Santa25.
Na Visita de 1679 explicita-se que deveria cantar quem tivesse voz para tal, não
devendo as religiosas ser incitadas para que não o fizessem, mesmo que tocassem
instrumento, devendo obedecer à Mestra de Capela26; estabelece-se ainda que, na missa
cantada, a Cantora-mor daria o Intróito e, alguns anos depois (1716), que deveria cantar o
Credo no Coro todos os Domingos feriais e dia de Apóstolos. Ainda para Cástris, a Visita
de 1691 estabeleceu que as noviças só poderiam professar após exame de cantochão, reza
e cerimónias.
Em inícios do século XVIII ficava bem clara documentalmente27 a função da Mestra
de Capela, a responsável pela música. A abadessa devia sempre nomear para este ofício
uma religiosa a que todas as religiosas músicas obedecessem, porque, normalmente, eram
remissas em acudir ao canto de órgão. Em 1728 a Junta dava indicações para que:

[…] as Madres Donas Abadessas tenhão especial cuidado, e as Mestras dos Noviciados, de
fazerem aprender o canto chão às Noviças e as Religiosas mudernas que tiverem só quatro
anos de hábito, deputando-lhe Mestras que as ensinem, e hora em que todos os dias se
ocupem em aprender enquanto não souberem bem; e terão muito cuidado de aplicar as que
tiverem habilidade para apender a tocar órgão determinando-lhe Mestra que as ensine
pessoa recolhida no mosteiro ou religiosa dele, e sendo necessário aprenderem canto
figurado para melhor perícia do órgão, o aprendam com pessoas do Mosteiro e não poderá
ser admitido Mestre de fora sem licença in scriptis do Nosso Reverendíssimo. […] 28.

Noutros mosteiros da mesma Ordem, por exemplo em Santa Ana, de Ávila, eram
normalmente seis as religiosas que formavam a chamada capela de música do mosteiro,
mais ligadas portanto à prática instrumental29. Na documentação de Cástris são citadas
tangedoras de harpa, viola d’arco, baixão e órgão, além das cantoras, sendo que se
verifica uma primazia da presença dos órgãos no mosteiro no século XVIII, a exemplo do
que acontecia noutras comunidades.

25
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-23, fl. 112 v.
26
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-23, fl. 28.
27
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-23, Fl.110. Esta determinação ocorreu na visita de D. frei António de Quental,
Abade Geral, em 7 de Dezembro de 1716, na sequência, aliás, de outras de cariz muito semelhante ocorridas
poucos anos antes.
28
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-7 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, fl. 21.
29
Delgado, Alfonso de Vicente. La Musica en el monasterio de Santa Ana de Avila (siglos XVI-XVIII).
Catálogo.,Sociedad Española de Musicologia, Madrid, 1989.

216
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Por outro lado, e no que respeita ao canto, os órgãos da Congregação, certamente por
queixas recebidas, vão determinar, na Junta de 1760 que (para evitar a prática nos
mosteiros femininos em que se obrigavam as mais novas a fazer os Invitatórios, peça que
iniciava o ofício de matinas), embora começando na mais nova, deveria ir até à religiosa
número 30 em Odivelas, 20 em Lorvão e Arouca e 15 nos demais, implicando que essa
obrigação circulasse entre todas as religiosas.
Em 1777, ano de reforma na Ordem após um período particularmente lastimoso, tenta-
se a uniformização do canto: nos Samos e Hinos e no que se cantava com órgão
alternadamente com o Coro, dois cantores diriam em voz alta o verso a que toca o órgão e
o Coro cala; nos Salmos, o Cantor-mor devia levantar inteiramente todo o verso, para dar
na segunda parte o tom ou sequência do coro que a deve dizer uniforme. Estas indicações
seriam comuns a toda a Congregação.
Para afastamento dos perigos do mundo, a Junta de 1748 reforça a ideia de que não
devia haver nos mosteiros de religiosas

[…] Comedias, Operas, Bayles ou Actos [Autos] chamados Sacramentais, ainda que estes
se fação com o próprio hábito de Religiosas e as muito reverendas Madres Abadessas não
consintão que as Educandas, moças ou Recolhidas se atrevão a fazer semelhantes festejos.
[…] 30.

Já em Novembro de 1668 em visita ao mosteiro se S. Bento de Cástris se ordenava que


nenhum secular poderia entrar no mosteiro para ver comédias, e, se as religiosas as
fizessem, apenas poderiam ser vistas pelos religiosos da Ordem31. Essa prática, porém,
continuava em inícios do século XVIII32, ao verificar-se que nas grades se representavam
bailes e entremeses e se lançavam loas, não só de criadas como também de religiosas e
educandas. Evocando a obediência, é ordenado que nenhuma religiosa entrasse nas grades
vestida de secular, nem as moças e recolhidas aí poderiam apresentar bailes e entremeses,
sob pena de penitência e cárcere.
Embora se subentendam apenas os mosteiros masculinos, a Junta de 1748 ordenou que
nenhum religioso poderia, no mosteiro ou nas quintas de recreação, tocar viola ou rabeca,
exceptuando-se o cravo, o manicórdio, a harpa e a flauta. Na Junta do ano seguinte, e
ainda no que se refere ao uso de instrumentos musicais, o Abade, Frei Manuel Soares,

30
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-7 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, fl. 95v.
31
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-23, fl. 12.
32
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-23, fl, 107.

217
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

ordena que se restrinja o uso da flauta: não pode ser tocada fora da clausura (excepto nas
quintas) e na clausura só depois das vésperas até completa, mas nunca nos lugares onde
deveria haver silêncio. Deveria ser tocada, tal como os outros instrumentos permitidos,
em som honesto (senão seria aplicada disciplina regular)33. A questão da relação entre a
música e a festa, e o carácter profano que esta dualidade podia assumir, prolongaram-se
efectivamente na história da Congregação: na Junta de 1814 34 , o Abade Geral, Frei
Veríssimo Barreto ordenava ainda que não se fizessem bailes ou festejos semelhantes nas
grades abaciais, à excepção dos três dias de eleição de uma nova Prelada ou de um novo
Prelado maior da Congregação.
Esta Junta (1748) foi ainda determinante no que respeita à educação dos noviços e
noviças, apelando ao cumprimento da Bula de Clemente VIII de 19 de Março de 1703.
Além de se determinar o perfil das Mestras das noviças – religiosas graves, exemplares e
experimentadas na vida espiritual -, instruindo as discípulas no caminho da perfeição,
com palavras e exercícios da vida devota, explicita o conteúdo dessa formação, obrigando
à existência de uma casa de noviciado separada:

[…] o exercício da oração mental; Lição dos Livros espirituais e muito principalmente da
nossa Santa Regra, dos exames de consciência, e clareza dela, de jaculatórias, etc. E outrossy
as apliquem a aprender com cuidado o canto chão, ceremonias da Ordem e mais obrigações
do estado religioso […] 35.

A este propósito, o Capítulo Geral de Maio de 1741, em que foi eleito Geral Frei
António Brandão, ordenava que, além de serem impressas apenas depois de revistas e
aprovadas, não devendo incluir mais santos que os aprovados nas Juntas e Capítulos, as
Folhinhas “[…] se fação em lingoa vulgar ou Idioma Portugues por se evitarem os
inconvenientes que do contrario se seguem a respeito das Religiosas da nossa
Ordem […]”36.
Tendo por base esta informação, e atendendo ao apreciável número de religiosas que
ingressaram no mosteiro de S. Bento de Cástris (e que podemos identificar, graças aos
contratos de dote, como tendo tocado viola d’arco, harpa, baixão, órgão, cantoras) não

33
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-7 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, fl. 102.
34
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-6 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, peça 31.
35
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-7 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, fl. 22.
36
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-7 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra
muros da cidade de Évora, fl.64.

218
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

nos surpreende que num dos períodos de maior fulgor do mosteiro (económica e
socialmente, com reflexos a nível cultural e artístico), a 6 de Junho de 1625, a abadessa
recém-eleita, D. Paula de Almeida, além dos ofícios habituais no mosteiro para que
nomeou religiosas (deputadas, prioresa, subprioresa, mestra de noviças, sacristã, cantora-
mor, porteiras, gradeiras, tulheiras, enfermeira) tenha nomeado algumas para ofícios mais
raros, como os de bolseiras do dinheiro da Ordem, celareira, mestra do forno, feitoreira,
hospedeira, bolseira das caridades religiosas e ainda a Mestra de Cantochão, Maria de
Villalobos 37 . O estudo dos livros de Coro deste mosteiro tem vindo a permitir, por
exemplo, além da identificação do reportório das monjas de acordo com as determinações
da Congregação e com as festas particulares do mosteiro, observar as inúmeras
correcções, re-encadernações38 e adaptações em termos textuais e melódicos no período
pós-Trento.

Considerações finais
O carácter vago dos ditamos tridentinos, a que se juntavam directrizes da Igreja local
também elas muito genéricas mas numa cidade plena de tradição musical, os prelados
cabeça da Congregação tentaram vigiar e manter uniforme a prática musical nos
mosteiros de Cister em Portugal; porém, tantas admoestações e avisos que perpassam nos
Livros de Visitas deste mosteiro levam-nos a concluir da importância da música no seu
quotidiano e, mais ainda, de a comunidade a entender como meio de cumprir um ideal
contra-reformista supremo: o contacto com o Divino Esposo.
A investigação realizada no âmbito do recente Projecto FCT ORFEUS, EXPL/EPH-
PAT/2253/2013 - A Reforma tridentina e a música no silêncio claustral: o mosteiro de
S. Bento de Cástris 39 por uma equipa interdisciplinar permitiu conhecer de forma
aprofundada a prática musical no mosteiro de S. Bento de Cástris, enquadrada na História
monástica feminina portuguesa. Foram identificadas obras musicais (Livros de Coro e
Manuscritos musicais) dos séculos XVI a XIX como pertencentes ao mosteiro de Cástris.
Do estudo realizado e respectivo contexto de prática musical, enquadrado por toda uma
massa documental ligada à história da instituição, sublinhamos:
A. Num primeiro momento de análise, imediatamente posterior ao Concílio de Trento
e à formação da Congregação Autónoma de Alcobaça, a preocupação pela organização

37
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-21.
38
Conde, Antónia Fialho; Silva, Isabel Maria Botelho de Gusmão Dias Sarreira Cid da. “Os Livros de Coro
do mosteiro cisterciense de S. Bento de Cástris: análise codicológica de um Antifonário”. Mirabilia Ars 2 - El
poder de la Imagen. Ideas y funciones de las representaciones artisticas (Org.: Salvador González, José
Maria). 2015. pp. 58-83. ISSN 1676-5818.
39
Com distintas bases de dados disponíveis em www.orfeus.pt

219
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

litúrgica e musical, de afirmação de normas, marcadas por uma intensa atividade


musical, claramente identificadas com o período Pós- Trento;
B. Um segundo tempo entre os finais do século XVIII e o século XIX, com grandes
alterações internas na Ordem de Cister (e que acabaria por conduzir, em termos gerais,
à extinção das Casas religiosas) propiciando claras influências musicais externas, de
cariz regional ou mais amplo, como testemunha a presença da obra de músicos
italianos nos espaços conventuais femininos, nomeadamente no mosteiro de S. Bento
de Cástris. Entre estes períodos medeia, no caso de Cástris, um quotidiano monástico
activo, mas que a Congregação de Alcobaça procurava controlar, em termos de prática
musical (vocal e instrumental), como comprovam os dados documentais.

Fontes
Biblioteca Pública de Évora [B.P.E.], Cód. CXXXI/2-6 – Livro das Leis de Capítulos e
Juntas do Mosteiro de S. Bento de Cástris extra muros da cidade de Évora, peças 8,
10, 11, 17.
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-7 – Livro das Leis de Capítulos e Juntas do Mosteiro de
S. Bento de Cástris extra muros da cidade de Évora.
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-21.
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-22.
[B.P.E.], Cód. CXXXI/2-23.
Biblioteca Nacional de Portugal - Alc. 299, 300 e 301: Fr. Bento de S. Bernardo [1675-
1700], monge de Salzedas, (compilados por), Documentos de varias tipologias, de
caracter histórico canónico e litúrgico, em prosa e verso, relativos à Ordem de Cister
em Portugal. 3 tomos.
P. Manuel Bernardes. Armas da Castidade. Tratado Espiritual em que por modo pratico
se ensinão os meyos, & diligencias convenientes para adquirir, conservar & defender
esta Angelica Virtude.Offerecido e dedicado à Soberana Virgem das Virgens, Maria,
Santíssima Senhora Nossa, Oficina de Miguel Deslandes, Impressor de Sua
Magestade. Lisboa, 1669.

Estudos
ARAÚJO, Mara Fortu de; FERREIRA, Manuel Pedro. “Recitação do texto sacro:
Claraval e Alcobaça”. José Albuquerque Carreiras (dir.). Actas do Congresso
Internacional Mosteiros Cistercienses: História, Arte, Espiritualidade e Património.
Alcobaça: Jorlis, 2013, Tomo II, pp. 195-203.

220
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

CONDE, Antónia Fialho. “Ambiência monástica e prática litúrgico-musical pós-


tridentinas no mosteiro de S. Bento de Cástris”. Antónia Fialho Conde e António
Camões Gouveia (dirs.), Do Espírito do Lugar - Música, Estética, Silêncio, Espaço,
Luz: I e II Residências Cistercienses de São Bento de Cástris (2013, 2014) [online].
Évora: Publicações do CIDEHUS (generated 17 October 2016). Available on the
Internet: <http://books.openedition.org/cidehus/1985>. ISBN: 9782821875029.
DOI: 10.4000/books.cidehus.1985.
CONDE, Antónia Fialho. “O modelo da Perfeita Religiosa e o Monaquismo cisterciense
feminino no contexto pós-tridentino em Portugal”. Actas do Congresso Internacional
Mosteiros Cistercienses - História, Arte, Espiritualidade e Património. Alcobaça,
2013, Tomo II, pp. 397- 412.
CONDE, Antónia Fialho; LALANDA, Margarida Sá Nogueira. “A ação disciplinadora de
Trento no quotidiano monástico feminino do mosteiro de S. Bento de Cástris”. João
Luís Fontes, Maria Filomena Andrade e Tiago Pires Marques (coord.) Género e
interioridade na vida religiosa: conceitos, contextos e práticas. Lisboa: CEHR-UCP,
2017, p. 121-138. ISBN: 978-972-8361-77-8.
CONDE, Antónia Fialho; SILVA, Isabel Maria Botelho de Gusmão Dias Sarreira Cid da.
“Os Livros de Coro do mosteiro cisterciense de S. Bento de Cástris: análise
codicológica de um Antifonário”. Mirabilia Ars 2 - El poder de la Imagen. Ideas y
funciones de las representaciones artisticas (Org.:Salvador González, José Maria).
2015. pp. 58-83. ISSN 1676-5818.
CONDE, Antónia Fialho; LALANDA, Margarida Sá Nogueira. “The monastery of St.
Benedict of Cástris as a space of assertion and power: from the mystic marriage to
musical praxis”. European Scientific Journal, 2015, pp. 401 – 408. ISSN: 1857 –
7881 (em papel), e 1857 – 7431 (em linha). Disponível em:
CONDE, Antónia Fialho; LESSA, Elisa. “A prática musical nos mosteiros femininos na
segunda metade do século XVIII e princípios do XIX: obras de compositores
portugueses e italianos no mosteiro de S. Bento de Cástris (Évora) e no convento da
Avé - Maria (Porto)”. Matria XXI, Revista do Centro de Investigação Prof. Doutor
Joaquim Veríssimo Serrão, Nº 4, 2015, p. 61-88, ISSN: 2183-1467.
FERREIRA, Manuel Pedro. “O hino polifónico de Arouca no contexto cisterciense”.
Aspectos da Música Medieval no Ocidente Peninsular. Música eclesiástica, Lisboa:
Imprensa Nacional- Casa da Moeda / Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, vol. 2,
pp. 212-54.

221
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

HARNESS, Kelley. “Echoes of Women's Voices: Music, Art, and Female Patronage in
Early Modern Florence”. Renaissance Studies, 22, 2008, p. 271-272.
HENRIQUES, Luís. “O canto do ofício na Quaresma e Semana Santa no Mosteiro de S.
Bento de Cástris: O manuscrito P-EVad Ms 29 e a sua organização”. Antónia Fialho
Conde e António Camões Gouveia (dirs.), Do Espírito do Lugar – Estética, Silêncio,
Espaço, Luz. Évora: Publicações do CIDEHUS, 2016, p. 47-59.
MONSON, Craig A. Disembodied Voices: Music and Culture in an Early Modern Italian
Convent. Berkeley: University of California Press, 1995.
IDEM, "Another Look at Musical Reform at the Council of Trent". Palestrina e l'Europa:
Atti del III Convegno Internazionale di Studi, ed. Giancarlo Rostirolla, Stefania
Soldati, & Elena Zomparelli. Palestrina: Fondazione G. Pierluigi da Palestrina, 2006,
p. 13-43.
OLIVEIRA, Filipe Mesquita de. “A questão interpretativa no contexto de Cister no
testemunho do Manuscrito Musical 32 do Arquivo Distrital de Évora”. Antónia Fialho
Conde e António Camões Gouveia (dirs.), Do Espírito do Lugar - Música, Estética,
Silêncio, Espaço, Luz: I e II Residências Cistercienses de São Bento de Cástris (2013,
2014) [online]. Évora: Publicações do Cidehus, 2016 (generated 17 October 2016).
RÍOS IZQUIERDO, Pilar. Mujer y Sociedad en el siglo XVII: a través de los Avisos de
Barrionuevo. Horas y Horas, 1995.
SÁ, Vanda de. “The Transformation of Musical Practices in Lisbon at the end of the
Ancien Régime: New Commercial Dynamics, Cosmopolitan Models and Keyboard
Repertoire”. Ad Parnassum a Journal of Eighteenth – and Nineteenth – Century
Instrumental Music, 2015, Vol.13, 26.
VICENTE DELGADO, Alfonso de. La Musica en el monasterio de Santa Ana de Avila
(siglos XVI-XVIII). Catálogo.,Sociedad Española de Musicologia, Madrid, 1989.

222
A prática musical franciscana no Convento e Igreja de São Francisco de Évora, à luz
do Ceremonial serafico e romano para toda a Ordem Franciscana (1730), de Frei
Manuel da Conceição (OFM)

Cristina Cota

Resumo:

Frei Manuel da Conceição (1680-1745) professou na Ordem Franciscana em 1703 no


Convento de S. Francisco em Évora, exercendo também o cargo de Guardião. Mais tarde
o religioso veio para o Convento de Xabregas (Lisboa) onde desempenhou o cargo de
Vigário do Coro. Frei Manuel da Conceição foi um reputado liturgista, sendo considerado
capaz de grande erudição, pelo sapientíssimo arcebispo de Évora, Frei Manuel do
Cenáculo. Foi um estudioso dos rituais litúrgicos no Coro e Altar seráficos, cujas
reflexões e conclusões reuniu no seu Ceremonial serafico, e romano para toda a Ordem
Franciscana, publicado em Lisboa em 1730. Foi provavelmente em Évora que esta obra
terá tido concepção, ajudando-nos a espelhar as práticas musicais deste centro franciscano
eborense, quer quotidianamente, quer nas suas festas tradicionais.

Palavras-chave: Ordem dos Frades Menores, Frei Manuel da Conceição, cerimoniais


litúrgicos, Convento de São Francisco de Évora, prática musical franciscana, musicologia
histórica

Introdução
Em qualquer ordem religiosa, para além do seu corpus normativo ou constitucional,
existem os Manuais de Cerimónias, ou Cerimoniais, que contêm o regulamento específico
do ritual e cerimonial litúrgico seguido quotidianamente e ao longo da roda do ano. São
imprescindíveis fontes documentais para as Ciências Musicais, uma vez que destas se
extraem referências sobre os momentos de cantochão e de canto de órgão na Missa, nas
Horas Canónicas e nas festas do calendário litúrgico, o uso do órgão e de outros
instrumentos musicais no Coro, incluindo ainda, as funções e deveres dos religiosos ou
oficiais encarregados da prática musical.


CESEM / NOVA FCSH
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

A Ordem dos Frades Menores teve em Frei Manuel da Conceição um dos estudiosos
mais rigorosos da temática de âmbito cerimonial e litúrgico-musical no Coro e Altar
seráficos, cujas reflexões e conclusões reuniu no seu Ceremonial serafico, e romano para
toda a Ordem Franciscana em especial para a Província dos Algarves publicado em
Lisboa em 1730.1
Muito embora o presente artigo não tenha o intuito de apresentar uma comparação e
confrontação entre o regulamento litúrgico-musical que Ceremonial serafico, e romano
(1730) definia para as casas da Ordem e os procedimentos que nestas se adoptavam, isto
é, se obedeciam ao regulamento do cerimonial, deixo aqui expresso o interesse do tema
pois permitir-nos-á uma melhor e mais completa caracterização da prática litúrgico-
musical do quotidiano e festas solenes nas comunidades franciscanas no século XVIII,
neste caso, no Convento e igreja de São Francisco de Évora, casa de elevada dignidade
musical. Desde a sua fundação no ano de 1224, foi o centro religioso da cidade e estância
da família real portuguesa, onde aconteceram os casamentos reais de D. Pedro I e
D. Constança Manuel, da Infanta D. Maria com D. Fernando de Aragão, e de D. Afonso
de Portugal com D. Isabel de Castela, registando o maior número de obrigações litúrgicas
diárias desde meados do século XVI (BILOU, 2014, 33).

1 Há notícia de uma contenda sobre Liturgia entre Frei Manuel da Conceição, Frei Veríssimo dos Mártires
(1699-1767), religioso da Ordem Terceira da Penitência de São Francisco e Frei Bento de Loulé, Mestre de
Capela da igreja de São Francisco da vila com o mesmo nome. Frei Veríssimo dos Mártires foi Mestre de
Cerimónias no Convento de Nossa Senhora de Jesus em Lisboa e considerado «muito insigne» na arte da
música e do cerimonial eclesiástico (BARBOSA MACHADO, 1751, vol. III, 211). Foi autor, entre outras
obras teóricas, do perdido Ceremonial Romano-Serafico da Santa Provincia da Terceira Ordem de N. S. P. S.
Francisco nos Reinos de Portugal, e Algarves para perfeição do Culto Divino no Altar, Coro, Procissoens, e
mais actos religiosos (Ms in 4.º). No jornal O Panorama dá-se notícia da contenda entre estes três religiosos
na rúbrica As letras na Ordem Terceira de S. Francisco em Portugal, Fragmento de um livro inédito: «Em
fr. Verissimo dos Martyres, digno mestre de ceremonias, só faltava melhor digestão no que estampou; mas
fez admiráveis estudos, que o formaram prompto sempre a discorrer sabiamente da sua profissão. A contenda
entre elle e o vigario do côro, Fr. Manuel da Conceição, e o mestre da capella, Fr. Bento de Loulé, produziu
diversos (...) escriptos, nos quaes, salvas as estocadas da emolução, disseram todos muitas especies, que o
vulgo religioso não sabia, e mostraram trabalho de estudo sobre suas profissões» (O PANORAMA, 1844,
Tomo 8, Vol. 3, Série 2.ª, 144). Também Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas (1724-1814), o sapientíssimo
arcebispo de Évora e bispo de Beja, religioso da Ordem Terceira da Penitência (TOR), se refere-se a esta
disputa no seu Elogio de Frei Joaquim José Pimenta ou Estudos do padre doutor Fr. Joaquim José Pimenta,
igualmente da Ordem Terceira de S. Francisco. «N.B. Entre os trabalhos sobre Historia Litteraria de Cenaculo
devemos mencionar uma obra ined. e orig. da Bibl. Publ. eborense, da qual forão publicados alguns extractos
no Panor. de 1843, pag. 261, 266 e 267, e tem por titulo: = O Arcebispo Cenaculo no Elogio, ou Estudos do
Padre doutor Fr. Joaquim José Pimenta, da Ordem Terceira de S. Francisco, e Litteratura e seus dias».
In D'uma Resenha da Litteratura Portugueza por José Silvestre Ribeiro, Tomo I, Lisboa, Imprensa Nacional,
1853, p. 29.

224
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Quem foi Frei Manuel da Conceição (Frei Manoel da Conceição)?

Frei Manuel da Conceição nasceu em Lisboa, cerca de 1680, filho de Gaspar Dias e
Maria Gonçalves (no original, Gonzales). Professou na Ordem dos Frades Menores no
Convento de S. Francisco de Évora a 17 de Março de 1703, sendo aceite «por parte de
organista», quer isto dizer que sabia tocar órgão.2
Segundo Barbosa Machado, «aplicou-se com [tão] particular disvelo ao estudo
das Ceremonias Ecclesiasticas» (Barbosa Machado,1752, Vol. III, 228) que
renunciou ao cargo de Guardião do Convento de Torrão e ao Confessionário das
Religiosas do Convento de Nossa Senhora da Quietação de Lisboa (Idem,
ibidem). Em Lisboa, no Convento de S. Francisco de Xabregas, casa mãe da
Província Franciscana dos Algarves, 3 foi Vigário do Coro e eleito Guardião a
23 de Abril de 1735 (BELEM, Fr., 1750, Vol. 1, Introdução, CCLXII). Por mérito
do seu trabalho foi-lhe atribuído o título de Vigário Jubilado do Coro, como o
próprio se intitula na folha de rosto do seu Ceremonial serafico, e romano (1730).
Faleceu a 18 de Março de 1745, em Xabregas, em consequência de um achaque
de pedra, mal que o atormentava há alguns anos (Idem, ibidem).
Das várias obras teóricas de carácter litúrgico da sua lavra, destaca-se o seu
Ceremonial serafico, e romano para toda a Ordem Franciscana, e em especial para a
observancia da provincia dos Algarves (oferecido a Nossa Senhora Imaculada Conceição,
padroeira da Ordem Franciscana), editado em 1730 e objecto do estudo presente, 4
complementado em 1744 pelo Supplemento ao Ceremonial Serafico, e Romano da
Provincia dos Algarves, em que se trata de algumas ceremonias, que se achao diminutas
no mesmo Ceremonial, e se corrigem outras, pela Officina de Miguel Manescal da Costa,

2 Quando os religiosos tinham especial aptidão para a música, sabendo tocar algum instrumento, ou cantar,
era comum que o seu ingresso na Ordem ou no convento ficasse registado com esta designação: entrou para a
religião por parte de, ou pela prenda de tocar, ou ainda, pela prenda de músico, pela prenda de cantor, etc.
3 Segundo determinação do Capítulo Geral de 1532-33, é criada, a pedido de D. João III, a Província dos
Algarves da Regular Observância, com sede no Convento de São Francisco de Xabregas em Lisboa, ficando a
seu cargo, com o tempo, cerca de trinta casas distribuídas a Sul do Tejo, e na Estremadura. Segundo Frei
Nicolau de Oliveira, no seu Livro das Grandezas de Lisboa, viviam no mosteiro de São Francisco, chamado
de Xabregas, em 1620, 90 religiosos. O convento, tal como Frei Manuel da Conceição o conheceu, foi
totalmente destruído pelo terramoto de 1755. Foi ordenada a sua reconstrução, cuja fachada ainda se
conserva. Após a extinção das ordens religiosas em 1834, este antigo espaço conventual viu-se ocupado pelo
Regimento de Infantaria n.º 1, foi arrendado em 1838 à Companhia de Fiação e Tecidos de Algodão
Lisbonense, até 1844, ano em que deflagrou novo incêndio. Sujeito a nova reconstrução em 1845, ali
funcionaria a Fábrica de Tabacos Lisbonense e Companhia Portuguesa de Tabacos durante a maior parte do
século XX. Actualmente, instala a Mediateca de Formação Profissional e o Teatro Ibérico de Lisboa.
4 Para facilitar a leitura, doravante se reduzirá o título do Ceremonial serafico, e romano para toda a Ordem
Franciscana, e em especial para a observancia da provincia dos Algarves de Frei Manuel da Conceição,
apenas para, Ceremonial serafico, e romano (1730).

225
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

em Lisboa.5 Por breve do Núncio de Lisboa, de 11 de Julho de 1744, e por aviso régio de
16 de Agosto do mesmo ano, a Província foi obrigada à observância do Supplemento
(FELIX, 1997, Vol. 2, p. 69; ANTT, MS da Livraria, ms n.º 64, fl. 30v).
Em 1732, a Officina de Muzica, em Lisboa, publicou igualmente o Manuale
Seraphicum ad Altare, & Chorum cum Officio defunctorum, variis Orationibus,
Exorcismis &c. Pars prima, & secunda, com reedição em 1746, corrigida e acrescentada
por um religioso da Província, 6 com o título Manuale Romano-Seraphicum ad usum
Fratrum Minorum Provinciae Algarbiorum Ordinis Sancti Francisci. Pars prima (Typis
Bernardi Fernandes Gayo, Ulisipone). Pars secunda, (Officina de Miguel Manescal da
Costa, Lisboa).
A estrutura do índice do Manuale de 1746 é praticamente análoga ao Manuale de
1732, sendo que as duas fontes se cruzam em remissivas que as interligam e
complementam obrigatoriamente entre si. Estes Manuais e o Ceremonial serafico, e
romano de 1730, incluem, no local próprio, os textos completos impressos das antífonas,
hinos, salmos, versículos e orações, que deviam acompanhar a Missa e o Ofício, as
bênçãos e orações para as profissões dos religiosos, a imposição do hábito, etc.
De registar igualmente a presença de incipits musicais — em menor número no Manuale
de 1746 — escritos no estilo característico de missal, ou pontifical, que nos indicam as
fórmulas musicais que estavam em uso entre os franciscanos, identificando igualmente o
momento em que deviam ser executadas. Terão sido incluídos nesta edição de 1746,
cânticos e hinos da autoria de Frei Manuel Conceição.7

O Ceremonial serafico, e romano para toda a ordem franciscana (1730)

Se bem que se tenha notícia de que outros religiosos franciscanos deram ao prelo
Manuais de Cerimónias para uso nas várias Províncias Franciscanas, sendo que alguns se
destinavam às Clarissas, 8 o Ceremonial serafico, e romano (1730) de Frei Manuel da

5 Frei Manuel da Conceição foi igualmente autor da Norma directiva de cerimonias para as Senhoras
Abadessas da esclarecida Ordem Serafica; em que se trata dos ritos particulares que devem observar nos
actos mais solemnes da Religião com o uso do Bago. Tambem se mostra o poder, e jurisdição, que tem nos
seus Mosteiros segundo o sentir de vários Authores, com outras singularidades, e preminencias pertencentes
ao supremo lugar da Prelazia, Madrid,1733. Publicou também a Laconica e funebre noticia das Exequias,
que os Religiosos de S. Francisco do Convento de Xabregas fizeraõ a seu Irmão o Illustrissimo Dr. Jozé de
Santa Maria de Jesus, Bispo de Cabo Verde, Officina de Pedro Ferreyra, em 1731.
6 Na folha de rosto regista-se, «Editio secunda correctior, & aucta Per quemdam Religiosum ejusdem
Coenobii, & Provinciae».
7 Esta é a opinião de Valença (1997, 26). Uma vez que Frei Manuel da Conceição era organista, devia saber
improvisar e compor.
8 É o caso do Manuale Chori Secundum usum fratrum Minorum & Monialium S. Clarae, etc, publicado em
Lisboa, em 1626, da autoria de Frei João de Pádua, Vigário do Coro do Convento de São Francisco da
Cidade. Cerca de 100 anos mais tarde (1737), Frei João de S. Agostinho, Mestre de Cerimónias no mesmo

226
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Conceição representa uma novidade no género ao destinar-se a «toda» a Ordem


Franciscana, ainda que privilegie a Província dos Algarves. Constitui, assim, uma
tentativa de «padronização» dos usos e costumes litúrgico-musicais praticados nos
Conventos da Ordem Franciscana que seriam, à época, diversos de casa para casa e sem
regulamento único. De facto, Frei Manuel da Conceição refere no seu Prólogo ao leitor
da Província que:
(...) te ouvi suspirar (e ainda a outros muitos Religiosos fora da Província), por um
Cerimonial Seráfico de Coro, e Altar, que fosse feito neste Reino, pois de uma cousa, e
outra te queixavas, que se governavam os Coros por Cerimoniais estranhos, e já
antiquíssimos, de que resultava tanta variedade nas cerimónias, que absolutamente cada
hum a seu arbítrio executava o que lhe parecia (…) já não podes dizer, que a Província não
tem Cerimonial; nem que achas em cada Convento diferentes cerimónias à vontade dos
Prelados; (...) com a brevidade possível te oferecerei um Manual Franciscano, onde de todo
acharás concluídos os Divinos louvores, pela correspondência das Orações, e cantochão da
Igreja, com outras muitas particularidades necessárias, e pertencentes à Ordem Seráfica; de
que darás ao poderoso Deus infinitas graças, como Autor de toda a bondade, e perfeição; e
também a Maria Santissima, pois só nas suas excelsas plantas podias chegar a ver o quanto
desejavas. Vale. (CONCEIÇÃO, 1730, Prólogo ao leitor da Província).

Para além disso, o Ceremonial serafico, e romano (1730) é a melhor fonte para
conhecer as práticas musicais franciscanas quotidianas e das suas festas tradicionais, tanto
em Évora como nos demais conventos franciscanos, pois como bem observou o sacerdote
e musicólogo franciscano Manuel Valença, as Crónicas das várias Províncias
Franciscanas, «quase nada dizem, a respeito da música cultivada pelos seus religiosos»
(VALENÇA,1997, 9).
Por fim, sendo os franciscanos mais voltados para a evangelização e contemplação, o
Ceremonial serafico, e romano (1730) confirma que a prática vocal e instrumental em
________________________________________________________________
convento, publica em Lisboa, o volume intitulado Cerimonial menorita e romano. Para as décadas finais do
século XVIII, mais concretamente em 1780, Frei António de S. Luiz escreveu o volume Mestre de
Cerimónias. Cf. (Valença, 1997, 24-25). Cito ainda alguns exemplos de outros cerimoniais, destinados a
outras províncias, à guarda da Biblioteca Nacional de Lisboa: Ceremonial da Provincia da Arrabida. Em o
qual se trata do modo com que se hão de celebrar os Officios divinos no Choro, & Altar, e de outros actos de
communidade, exercicios da Religião, & custumes da Provincia, de Fr. André da Natividade, na Officina de
Henrique Valente de Oliveira, Lisboa, 1659. O Ceremonial da Provincia de S. Antonio dos Capuchos do
Reyno de Portugal. Em o qual com toda a clareza se trata do modo, & Ceremonias, com que se haõ de
celebrar os Officios divinos, assim no Coro, como no Altar. E os maìs actos da Communidade, exercicios da
Religiaõ, & custumes da Provincia conforme os Ritos da S. Igreja Romana, Decretos Apostolicos, &
Ceremoniaes reformados, impressão de Bernardo da Costa de Carvalho, 1696, da autoria de Fr. Luis de Santa
Maria. O Ceremonial da província da Soledad: da mais estreita, e regular observância de N. S. P. S.
Francisco do Instituto dos Descalços, neste Reyno de Portugal, por Fr. Francisco de Santiago, da Oficcina de
Luís Seco Ferreira, no ano de 1755. Para finalizar, o Ceremonial Romano-Serafico para uzo do Seminario de
Varatojo, publicado no início do século XIX.

227
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

uso na vida comunitária dos Franciscanos seguia o Estatuto Geral da Ordem, tirado do
Breviário e Missal Romano, ou seja, da Cúria Romana, seguindo por conseguinte as
determinações dos Mestres de Cerimónias do Papa:

tudo quanto (...) offereço neste Ceremonial, he copiado dos Expositores mais classicos, e
modernos; são determinações da Igreja, e dos seus Concílios; e quantidade de Decretos da
Sagrada Congregação, com outras muitas authoridades, e razoens genuinas dos Mestres
ceremonias do Papa, sem cousa propria, mais que o trabalho de o escrever, do mesmo
modo, que o ordena o Estatuto geral da Ordem, tirado do Breviario, e Missal Romano (...)
(CONCEIÇÃO, 1730, Prólogo ao leitor da Província).

Não se sabe quando e onde Frei Manuel da Conceição terá dado início à
redacção desta obra. Parece plausível que as questões relativas à Liturgia e aos
cerimoniais eclesiásticos na sua Ordem tenham começado a interessar este
religioso em Évora, (onde professou em 1703 e exerceu as funções de organista),
desenvolvendo especialização e os estudos neste domínio, pois segundo
a Chronica Serafica da Santa Provincia dos Algarves:

tem mais esta casa Estudo, que he a melhor cousa, que tem neste Reyno; e estão aqui
sempre os principaes Mestres em Theologia. Tem apozentamentos dos Padres Mestres, e
Estudantes. Tem livraria, onde se achão todas as obras cumpridamente; Testamento Velho,
e Novo, e todos com suas cadêas. Esta Casa chamase Convento de Ouro (BELEM, 1750,
Vol. I, liv. II, Cap. III, Lisboa, 32-33).

Lamentavelmente as fontes compulsadas até ao momento são silenciosas a respeito do


ano da sua vinda para Lisboa, contudo, fazendo fé em Barbosa Machado, Frei Manuel da
Conceição não terá permanecido muito tempo em Évora — talvez o tempo de se graduar
em Teologia e Liturgia — pois foi Vigário do Coro em Lisboa durante muitos anos. Se
bem que possa ter sido pensado em Évora, terá sido no Convento de Xabregas que se terá
firmado em Frei Manuel da Conceição o propósito de concretizar um Cerimonial para a
Ordem Franciscana. Perante as datas dos Imprimatur do seu Ceremoniale serafico, e
romano (1730), se retira que esta obra terá sido concluída em 1728 mas dada ao prelo
apenas em 1730.

Estrutura e conteúdo do Ceremonial serafico, e romano (1730)

O Ceremonial serafico, e romano (1730) é uma obra extensa, com um total de cerca
de setecentas páginas. Está dividido em duas partes, com dez Tratados de «Coro e Altar»
cada, com as normas a cumprir sobre a música vocal e funções dos religiosos músicos.

228
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

A primeira parte foca as várias cerimónias e rituais litúrgicos no Altar (colhendo aqui
a expressão do seu autor). Apresenta-nos a forma e as várias responsabilidades a cumprir
pelos elementos da comunidade religiosa (o sacristão, os acólitos, os sacerdotes), bem
como os deveres dos principais oficiais encarregados da Música, em primeiro lugar o
Vigário do Coro, seguindo-se-lhe os Cantores maior e menor, o organista, não
esquecendo o Mestre de Cerimónias que com estes colaborava. Regista o horário litúrgico
e aponta detalhes sobre o ritual e cerimónias que se devem cumprir na Missa conventual,
Missas solenes e Missas de defuntos, bem como das festas solenes na Quaresma, Semana
Santa e Páscoa.
As referências à prática litúrgico-musical ao longo desta primeira parte tornaram-se
pontos esclarecedores da descrição muito pormenorizada contidas na segunda parte do
Ceremonial serafico, e romano (1730), sobre a prática litúrgico-musical no Coro durante
o Ofício Divino e as Missas, nas festas solenes (por exemplo, dia de São Francisco, dia
da Porciúncula), as festas maiores do ano (Ascensão do Senhor, Natividade e Corpo de
Deus), e de outras cerimónias solenes da Ordem: a profissão dos religiosos regulares ou
seculares terceiros, recebimento dos Prelados superiores da ordem, recebimento de
Bispos, ou até, visitas da Casa Real Portuguesa.

Deveres e obrigações dos oficiais da Música - o Vigário do Coro

O Vigário do Coro devia zelar pelo Coro em tudo o que lhe dissesse respeito,
preparando igualmente todo o cerimonial litúrgico-musical em colaboração com o Mestre
de Cerimónias. Devia ser perito em Liturgia e Música, principalmente no cantochão,
ensinando e determinando como se devia cantar:

o Religioso para Vigayro do Coro, o qual ha ser perfeytissimo na vida, e na extremada


prenda do bom exemplo, como tambem modesto, pacifico, considerado, e sciente no canto
Gregoriano (…). (CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte, Tratado I, Cap. II, item 11, 9)
Deve tambem ser perito nas ceremonias, e (…) em tudo o mais, que toca ao culto
Divino (…). (CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte, Tratado I, Cap. II, item 11, 10)
O principal cuidado, e vigilância no Ministro deste Officio, se ha de mostrar no rezar, e
cantar com tal pauza, intelligencia, e devoção (...) o qual tambem vendo que os Córos estão
mal ajustados, ou faltos de vozes de alguma das partes, deve mandar passar alguns
Religiosos para onde for necessario, compondo e repartindo o Coro com tal igualdade, que
se não conheça falta, ou diminuição alguma nas vozes; (…) (CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte,
Tratado I, Cap. II, item 12, 10).

229
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

E o autor prossegue recomendando que o Vigário do Coro devia:

tambem solicitar muito que se preveja tudo quanto se houver de ler, e cantar no Officio,
ou culto Divino, não consentindo extremos nas vozes desconcertadas para cima, ou para
baixo, regendo o canto uniforme, e bem afinado, sem alteração; fazendo nos meios, ou
mediações dos versos pausa solta, ou cortada, e todos os mais ao mesmo tempo com
perfeyta igualdade (…) (CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte, Tratado I, Cap. II, item 12, 10-11).
Em todas as mais cousas, que tocão ao Culto, e Officio Divino, tanto no Coro como na
Igreja, e Sacristia, e em todos os lugares do Convento, tem jurisdição (sem dependência de
Religioso algum) o Vigayro do Coro; (…) tem obrigação também de fazer a taboa dos
Officios do Córo, e Altar, a qual se ha de ler nos Sabados (…) (CONCEIÇÃO, 1730,
1.ª parte, Tratado I, Cap. II, item 12, 11).

Estava igualmente a seu cargo «levantar», isto é, começar as antífonas, estabelecendo


o seu tom, após o que todo o Coro o secundava em cantochão: «(...) principiarà o Vigairo
do Coro o Hymno com o Capitulante, e Cantores até o primeiro Verso somente, que dahi
para diante, ha de entrar o Coro todo a cantar (…)» (CONCEIÇÃO, 1730, 2.ª parte,
Tratado III, Cap. IV, 184, p. 116) e no final das missas devia principiar «(...) o hino
Te Deum alternativamente com o Orgão (que depois de dito o Ite Missa est sempre se
estarà tocando) mandando hum Cantor a entoar os versos (…)» (CONCEIÇÃO, 1730,
1.ª parte, Tratado IV, Cap. V, 197, p. 190).
O texto acrescenta ainda que o Vigário do Coro saía da sua cadeira, em lugar
determinado segundo «o costume de toda a Ordem Serafica, que ficava debayxo da
Hebdomada, contrária à do Presidente do Convento» (CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte,
Tratado I, Cap. II, item 13, p. 12) para ir «cantar à Estante; e em tal fórma que se
cheguem [os religiosos cantores] junto a elle, ou da Estante, para que se cante»
(CONCEIÇÃO, 1730, 2.ª parte, Tratado III, Cap. III, item 163, 96).
Como se pode constatar, o Vigário do Coro tinha claramente total responsabilidade em
orientar e dirigir o Coro. As suas funções podem ser identificadas com as do Cantor-mor,
responsável pelo Coro de cantochão, embora se depreenda pelo Ceremonial serafico, e
romano (1730), que a Ordem Franciscana preferia não o designar enquanto tal
(concluiremos mais adiante porquê).
Frei Manuel da Conceição não menciona a existência do Mestre de Capela
(responsável pelo Coro polifónico, ou Capela), embora possamos apercebermo-nos da sua
presença «com lugar determinado entre os mais do Coro, e ao Mestre dele»
(CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte, Tratado I, Cap. II). Na realidade, a referência a este
mestre do Coro diz respeito não a um Mestre de Capela, mas sim ao cargo de Mestre de

230
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

coristas,9 que devia registar tudo quanto se devia cantar ou rezar, devendo sobretudo ter
uma função orientadora do cerimonial, comportamento e postura que estes frades deviam
observar na comunidade, quer fora, quer dentro do Coro.

O Coro franciscano

Todas as semanas o Vigário do Coro designava um religioso para a função de


hebdomadário, tendo este a responsabilidade de:

(...) tudo quanto houver de cantar, ou rezar no Coro, e Altar; e não sabendo solfa, hirá à
cella do Vigayro do Coro, para que lhe ensine a cantar os Prefacios, e Pater Noster, com
todas as mais cousas, que tocão à sua obrigação, ou Officio (…) (CONCEIÇÃO, 1730,
1.ª parte, Tratado I, Cap. I, Item 8, 7).

Todo o Coro lia, ou cantava à estante, ficando sempre o hebdomadário no meio, atrás
de todos. À estante deviam permanecer dois cantores, o Cantor maior e o Cantor menor,
para entoarem, ou cantarem o que lhes competia nessa semana durante o Oficio Divino:
«(…) só os dous principaes hão de encommendar as Antifonas aos Religiosos
alternadamente, cada hum do seu Coro, e da mesma sorte as devem tambem entoar ao
Orgão (…)» (CONCEIÇÃO, 1730, 2.ª parte, Tratado III, Cap. III, Item 150, 93).
E, pormenorizando a presença destes dois cantores no Coro a Completas, temos
indicação da forma como estas se costumavam cantar:

e logo da mesma maneira levantarão ambos o Psalmo Cum invocarem, alternadamente


com o Orgão, na fórma que se usa na Provincia, ficando o Cantor mayor no meyo do Coro
entoando os Versos, e tendo-se dito o Gloria Patri, chegará o Cantor menor a tomar a
cantoria ao mayor, e este se irá assentar na sua cadeira (…) (CONCEIÇÃO, 1730, 2.ª parte,
Tratado IV, Cap. I, Item 211, 148).

O Coro à estante podia ser composto por quatro a seis cantores, ou dois, consoante a
solenidade das festas:10

Os Cantores nas festas da primeira Classe infallivelmente hão de ser seis (…), na
segunda quatro, nos Dobres mayores, e menores dous, e nos semidobres tambem dous,

9 Os coristas não são apenas os religiosos que cantavam no Coro, mas sim os religiosos que ainda eram
estudantes, noviços e sujeitos ao Mestre, sem poderem dizer Missa mas que iam sempre ao Coro.
10 As festas assinaladas pelo calendário litúrgico são classificadas em várias categorias, ou modos: solenes,
dobres ou duplex, semidobres ou semiduplex, e simples, respectivamente festas solenes, festas de primeira,
segunda e terceira classe. A cada uma destas categorias correspondem melodias próprias, com base no cântico
gregoriano.

231
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

porèm dividindo cada hum a cantoria para o seu Coro. Nas férias, e Santos simpleces não
ha mais que hum Cantor (...) (CONCEIÇÃO, 1730,1.ª parte, Tratado I, Cap. I, Item 9, 8).

O órgão na liturgia franciscana

O órgão era o instrumento litúrgico, por excelência, de apoio ao cantochão,


sendo tocado diariamente no serviço religioso:

Todos os dias se pòde tanger o Orgão, exceptuando nas Ferias, e Vigilias de jejum, e
nas Domingas, que se celebrão com Planetas [casula que se veste sobre a alva e a
estola] (...) (CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte, Tratado I, Cap. II, Item 16, 15).

São muitas as normas prescritas no regulamento para o órgão o que dá conta da


grande importância que este instrumento musical tinha na Ordem Franciscana.
Tanto até, que não são referidos outros instrumentos musicais para
acompanhamento musical no Coro, o que empresta ao órgão presença exclusiva
na prática musical franciscana. O Ceremonial serafico, e romano (1730), chega
mesmo a recomendar que os sacerdotes religiosos se deviam dedicar à prática
deste instrumento, considerando igualmente que o cargo de organista:

(...) não he de menos estimação no agrado de Deos, que os mais antecedentes [Vigário
do Coro, cantores maior e menor], que temos declarado, e todo o Religioso Sacerdote se
deve prestar muito de tão excellente prenda, pois sem a sua assistencia no Coro he sem
duvida que ficão com diminuições os louvores Divinos, por lhes faltar o fundamento, e
segurança das vozes organizadas (CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte, Tratado I, Cap. II,
Item 17, 15).

O organista devia tocar segundo as minuciosas exigências e disposições contidas no


Cerimonial e Rito Romano:

Deve o perfeito organista cuidar em ser perito no seu prestimo, ou arte, estudando
musica sonora, e bem ordenada, sem que nela intermeta sons profanos, ou outras quaes quer
cousas, que possão motivar riso, tendo tambem cuydado de affinar o Orgão para as festas
solennes, e de o ter sempre cuberto com aceyo, e limpeza, accomodando-se em tudo às
Ceremonias, e ordem do Coro; tangendo com aquelle mesmo ar, e compasso, com que se
vay cantando o Cantochão (...) (CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte, Tratado I, Cap. II, Item 17,
15).
Finalmente deve cuidar o Religioso Organista em tanger de tal modo que se não corte
pelas Ceremonias da Igreja (...), pelo que será preciso ajustarse com o Vigayro do Coro, e

232
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Mestre das Ceremonias, fazendo todos grande escrupulo de obrar o contrario


(CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte, Tratado I, Cap. II, Item 17, 16).

Podem ler-se no Ceremonial serafico, e romano (1730) detalhes de ordem técnica e


artística a que o organista devia ater-se, para atingir a perfeição na execução musical
durante a Missa, Adoração ao Santíssimo, ou durante uma recepção à Família Real:

(...) mas sempre se tangerá o Orgão flautado com muita suavidade sobre o mesmo
cantochão do Tantum Ergo (…) em cujo tempo [Adoração ao Santíssimo Sacramento] o
Orgão abrindo o flautado com o cheyo todo tocará alegre, e festivalmente (…)
(CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte, Tratado IV, Cap. VI, Item 206, 202).
(...) e na Missa, depois de se ter cantado Sanctus, se ha de tanger flautado com suave
consonancia em tal forma que provoque a ternura, e devoção; e o mesmo se executará
quando se der a Communhão, como tambem todas as vezes, que na Igreja se quizer cantar o
Hymno Pange Lingua, ou estiver o Divinissimo Sacramento manifesto, &c. Em todas as
ocasiões, que as Magestades visitaren as nossas Igrejas, se lhes ha de tanger o Orgão alegre,
e festivalmente, tanto à entrada como à despedida (CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte,
Tratado I, Cap. II, Item 17, 15-16).

No que diz respeito à interacção do órgão com o Coro, considerem-se os dois


exemplos seguintes, sobre a forma como devia dar o tom, como devia acompanhar os
hinos, ou as antífonas, e sustentar as vozes:

(…) e o [cantor] que ficar mais perto do Vigairo do Coro, irá entoar os Versos da
Magnificat na cadeira do Cantor mayor ao tom do Orgão, que neste Cantico se ha de dilatar
mais do costumado, variando os registros, e flautados nos Versos com bastante tempo, e
medição, de tal sorte, que no Altar, e no Incenso do Coro, se faça huma cousa e outra com
perfeição, sem pressas (…) (CONCEIÇÃO, 1730, 2.ª parte, Tratado III, Cap. IV,
Item 84, 117).
E, devia ter cuidado em tanger:

(…) com aquele mesmo ar, e compasso, com que se vay cantando o Cantochão; de tal
sorte, que nos versos Kyrios, e tudo o mais, que o Coro diz alternatim com o Orgão, gaste
aquelle mesmo tempo, que gastou o Coro em cantar, sem que meta mais compassos, nem
cousa alguma se não somente fazendo as Clausulas finaes demoradas, e graves para se
conhecerem, e entrar o Coro a cantar (…) (CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte, Tratado I,
Cap. II, Item 17, 15).

233
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

O quotidiano litúrgico-musical franciscano

O ritmo diário e semanal dos religiosos regulava-se pelo horário das Horas Canónicas
e celebração das Missas diárias. O ano litúrgico no Ceremonial serafico, e romano (1730)
foi dividido em duas estações: da Páscoa até ao dia da Exaltação da Cruz, a 14 de
Setembro; e de 14 de Setembro até à Páscoa. Cada um destes períodos de tempo imprimia
um horário para as Horas Canónicas, adiantando ou atrasando a hora do seu início. O
horário de algumas das Horas também podia ser ajustado segundo o tempo litúrgico que
se vivia.
Dizia-se o Ofício de Nossa Senhora em todos os dias feriais, mas entoado em tom
baixo. O Ofício da Imaculada Conceição era rezado todos os sábados e a Missa
correspondente a este Ofício era cantada.11
O serviço religioso nos conventos principais da Ordem completava-se com a
celebração de três Missas diárias: a primeira, pela Hora de Prima. Seguia-se a Missa
conventual, depois de Terça. Rezava-se mais tarde a terceira Missa para consolação das
pessoas que não podiam ir à hora da Missa conventual. Duas das Missas eram cantadas, a
«do Santo depois da hora de Terça, e a outra acabada a hora de Noa» (CONCEIÇÃO,
1730, 1.ª parte, Tratado V, Cap. II, Item 216-217, 212). Nos Conventos menores da
Ordem podiam ser rezadas na condição da falta de religiosos (CONCEIÇÃO, 1730,
1.ª parte, Tratado IV, Cap. II, Item 175, 167).
O esquema das Horas cantadas é complexo, variando com o tempo litúrgico; no
entanto, para todas as festas de primeira classe as Vésperas deviam ser cantadas em
fabordão — polifonia elementar, nota contra nota, de estrutura simples, silábica, que não
se tornasse monótona - devendo o mesmo fazer-se a Completas, Matinas, Prima, Terça,
na Missa com as segundas vésperas, «cantando-se todas estas horas com muita
solenidade», exceptuando a Hora de Sexta que devia ser cantada «mais ligeiramente,
como é costume» (CONCEIÇÃO, 1730, Idem, 2.ª parte, Tratado III, Cap. VI,
Item 207,142).
Para as festas de segunda classe devia verificar-se a mesma condição, «se bem com
alguma diferença», segundo recomenda Frei Manuel da Conceição, mas nada mais
acrescenta, a não ser que serão sempre cantadas nos conventos principais, e, «nos
restantes, se fará o possível» (CONCEIÇÃO, 1730, Idem, 2.ª parte, Tratado III, Cap. VI,
Item 207,143).

11 Confirma-se neste Ceremonial seráfico, e romano (1730), o cursus secular da Ordem Franciscana, ou seja,
o esquema do ofício canónico de nove lições e três nocturnos a Matinas (em vez das 12 lições observadas no
ofício monástico), excepto nas festas da Quaresma, Advento, Vigílias, e quatro Têmporas.

234
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Na realidade, nos conventos maiores da Ordem as Vésperas, Matinas e Prima eram


cantadas todos os dias, «com mais, ou menos, solenidade», tal como as Completas «sem
limitação alguma, salvo nos conventos menores». Frei Manuel da Conceição chega a ser
muito preciso e técnico na descrição do cerimonial e da prática vocal (fabordão) usada em
Completas:

Finalizado o cântico [Nunc Dimitis] a versos com o Orgão, tornarão os Cantores a


repetir a Antifona no meyo do Coro, e prosseguindo o mais até ao fim, dirá o
Hebdomadairo (…) Dominus Vobiscum (…), e a oração tudo em tom ferial direito, fazendo
os pontos nos fins de fa a re, o que sempre se observará em todo o ano, exceptuando-se as
ocasiões de fabordão, que então huma cousa, e outra se cantará solemnemente, e o
Benedicamus Domino se dirá em todo o tempo da mesma sorte sem differença alguma,
ligando se a voz para baixo nos dous penultimos pontos como fa mi re, e do mesmo modo
responderà o Coro sempre, salvo a festa da primeira classe, que se dará a resposta de
fabordão, como he uso nas Horas menores» (...) «Depois de dito o Benedicamus Domino,
baixando a voz quatro pontos como de fa a ut [dó], dirá o hebdomadário, benedicat &
custodiat nos (...), e tendo respondido Amen, baixarão todos ao plano a cantar Salve, ou
Antífona, a qual principiarão os Cantores no meyo do Coro (…). Esta antífona de Nossa
Senhora se ha de dizer sempre em todo o ano solemnemente (…), e sendo a Salve, se ha de
cantar alternadamente com o Orgão (…) (CONCEIÇÃO, 1730, 2.ª parte, Tratado IV,
Cap. I, Item 211, 149).

Cantochão / Fabordão versus Canto de Orgão

A escolha entre o cantochão e o fabordão, bem como o equilíbrio entre estas duas
práticas vocais distintas, são um indicativo de maior ou menor solenidade dos dias
festivos. Em todo o Ceremonial serafico, e romano (1730) nota-se, porém, uma
preferência vincada pelo cantochão e fabordão, evitando-se a prática de canto de órgão.
Esta chega a ser considerada «imprópria e indigna da devoção e dos religiosos, mesmo
que estes sejam bons músicos», segundo expressão de Frei Manuel da Conceição.
Reforçando esta escolha, o próprio organista devia tanger o órgão, durante a Missa:

(...) com suave consonância de tal sorte, que incite os corações à devoção, e ternura, e
não com sarabandas, ou sons profanos, inquietando as Almas Religiosas, e o povo; como
ordinariamente sucede nestas (CONCEIÇÃO, 1730, 1.ª parte, Tratado IV, Cap. VI,
Item 202, 196).

Não se encontraram, por conseguinte, referências à prática musical polifónica, senão


uma, a que se segue, e em tom de crítica, sobre o cantar da Calenda, apesar de que esta

235
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

deveria ser sempre solenemente cantada na Província (CONCEIÇÃO, 1730, 2.ª parte,
Tratado IV, Cap. III, 223, p. 158-159).

Finalmente quem não haverà, que diga que é cousa indecentissima porse hum Leitor a
cantar a Kalenda ao tom, ou acompanhamento de instrumento com as sagradas investiduras,
e muitas vezes com papeis de canto de Orgão nas mãos, cousa tão irreverente, como
escandalosa à Igreja, pois a qualquer Ministro estando revestido nos paramentos
Sacerdotais não lhe é permitido, nem licito, mais que sómente o Canto chão, apontado pela
mesma Igreja, ainda que seja um grande Musico; e com instrumento de nenhuma maneira
se deve consentir; porque tudo são abusos, e não devoçoens, nem solemnidade (…)»
(CONCEIÇÃO, 1730, 2.ª parte, Tratado IV, Cap. III, item 222, 160).

O ano litúrgico franciscano: a festa da Natividade do Senhor

Para além das festas clássicas do Calendário Litúrgico - Natal, Reis, Semana Santa,
Páscoa, Pentecostes, Santíssima Trindade, Corpo de Deus, Ascensão do Senhor, dos
Apóstolos e dos Santos, e todas as festas de Nossa Senhora, a Ordem Franciscana tinha
igualmente o seu Santoral, comemorando-se o dia das Chagas de Pai São Francisco,
Santo António, Santa Clara, o dia da Porciúncula, S. Domingos, etc. A maioria destas
festas era acompanhada de procissões. Mais uma vez se confirma a preferência pela
prática conjunta de cantochão e fabordão, para a Missa e Ofícios da liturgia própria
desses dias, cuja organização musical recaía mais uma vez no Vigário do Coro.
Estando a presenta abordagem limitada a este artigo, torna-se impossível falar da
forma como se deviam cumprir musicalmente todas estas festas na Ordem Franciscana.
Seleccionei, por conseguinte, dentre o seu conjunto, a Natividade do Senhor, por incluir,
em relação às demais, pormenores de natureza musical relacionados com aspectos
cerimoniais tradicionais particulares da Ordem com especial devoção ao Presépio, que
teve com o Pai Seráfico, São Francisco, o seu primeiro momento de existência. Além
disso descreve como sempre se comemorou o Natal no Convento de Xabregas, segundo o
autor do Ceremonial serafico, e romano (1730), festejado à semelhança dos principais
Conventos da Ordem, como Madrid, Valença, Saragoça, e Sevilha (CONCEIÇÃO, 1730,
2.ª parte, Tratado V, Cap. III, Item 259, 191), o que nos oferece, por sua vez, uma
interessante perspectiva ibérica das cerimónias solenes desta festa entre os frades
menores.
A partir de 17 de Dezembro, até à antevéspera do Natal, cantavam-se as antífonas do
Ó, depois de cantadas as Vésperas. Eram cantadas com toda a solenidade, respondendo o
Coro em fabordão (CONCEIÇÃO, 1730, 2.ª parte, Tratado V, Cap. I, Item 245, 179).

236
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

A Calenda do Natal era igualmente cantada «(…) com toda a gravidade, e devoção (…)
cantando pausadamente, observando todos os pontos, e mudanças, que se prescrevem no
Manual da Provincia» (CONCEIÇÃO, 1730, 2.ª parte, Tratado V, Cap. II, Item 254, 186).
Os religiosos franciscanos eram acordados para as Matinas solenes do Nascimento de
uma maneira muito curiosa. Pelas nove horas o sacristão começava a despertar a
comunidade, e imediatamente saíam «(…) os Religiosos moços, ou estudantes [a]
despertar os Dormitorios, festivalmente com instrumentos musicos, como sempre foi
estilo na Provincia» (CONCEIÇÃO, 1730, Cap. III, Item 257, 189).
Adverte-nos o Ceremonial serafico, e romano (1730) que estes instrumentos não
seriam permitidos no Ofício:

(…) por nenhuma causa, nem costume de algum Convento se hão de consentir os ditos
instrumentos, nem musica de qualquer casta que seja, no Officio Divino, por ser tudo
indecentissimo, e irreverente à Divina Magestade; e hoje mais do que nunca prohibido em
todas as igrejas por muitas causas, e só o que se prescreve no Breviario para esta santissima
festa se pode cantar nos coros sem mais cousa alguma (IDEM, ibidem).

Não nos identifica estes instrumentos músicos, no entanto, deixam-se adivinhar que
seriam instrumentos de corda dedilhada, tangida, ou de sopro. Esta advertência confirma-
nos uma vez mais que o órgão era o instrumento musical preferido e apropriado para
todas as cerimónias franciscanas, não sendo permitida, de todo, música dita profana.
Assim despertada, a comunidade religiosa descia à sacristia e seguiam para a igreja do
convento. Entre os frades vinham o Prelado, seis cantores e os acólitos, em procissão.
Assim que todos se reunissem na Capela-mor, começavam o Invitatorio, Christus natus
est nobis, (CONCEIÇÃO, 1730, Cap. III, Item 258, 190) após o qual os cantores se
dirigiam em procissão para o Coro, dois a dois, seguidos pelo Mestre de Cerimónias
(CONCEIÇÃO, 1730, Cap. III, Item 258, 189).
As Matinas do Natal (bem como as Laudes e Prima), eram cantadas solenemente,
«(…) ao tom do órgão (…) dizendo-se os salmos de fabordão com a pausa e a melodia
que sempre foram uso na Provincia» (CONCEIÇÃO, 1730, Tratado V, Cap. II, Item 252,
184). O Te Deum laudamus era levantado «(…) ao tom fixo do órgão, cantando os Coros
seráficos com a maior solenidade e melodia nas vozes», alternando com o órgão, que
devia tanger de forma flautada e com muita suavidade (CONCEIÇÃO, 1730, Cap. III,
Item 261, 194).
O órgão tocava festivamente até à Missa solene da meia-noite, que era cantada de
forma soleníssima em cantochão e fabordão, «beneficiada a cantoria com seis cantores»

237
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

(CONCEIÇÃO, 1730, Cap. IV, Item 264, 197) e que, ao Gloria, se fazia acompanhar do
repique de todos os sinos e campainhas do Convento (CONCEIÇÃO, 1730, Cap. IV,
Item 263, 195).
Pelas seis da manhã, cantava-se Prima, até se preparar a segunda missa, a Missa de
Alva, onde se cantava solenemente com todas as cerimónias costumadas ( CONCEIÇÃO,
1730, Cap. IV, Item 264, 197).Depois de rezadas a Terça e a Sexta, cantava-se a Noa à
sua hora, após a qual se seguiria a terceira missa conventual do dia (CONCEIÇÃO, 1730,
Cap. II, Item 256, 188).

Considerações finais

O Ceremonial serafico, e romano (1730) de Frei Manuel da Conceição encerra em si


um mérito primeiro de investigação, pois que é a primeira vez que se apresenta, num
único volume, o cerimonial para «toda» a Ordem Franciscana, e não apenas para uma das
suas Províncias (neste caso a do Algarve), numa tentativa de «padronização» dos
cerimoniais litúrgicos.12 É fonte igualmente muito importante para a história da prática
musical na Ordem Franciscana, na medida em que contém inúmeras indicações sobre os
registos do órgão e prática do fabordão, além de documentar a resistência ideológica ao
enriquecimento sonoro da liturgia para além do órgão e da polifonia simples. Ainda
assim, apesar desta nítida objecção à prática polifónica e instrumental durante o serviço
religioso nos conventos franciscanos, é crível pensar que, em Xabregas e nas demais
casas da Província dos Algarves, a que este Cerimonial muitas vezes se refere, a prática
musical não se afastaria da realidade musical vivida na época noutras ordens religiosas.
Incluiria certamente, para além do cantochão tradicional, peças polifónicas e peças vocais
com acompanhamento instrumental durante as cerimónias das suas festas solenes. Como
exemplo do que acaba de se afirmar, podemos citar o caso de Frei Clemente da Cruz,
nascido em Lisboa em 1685 e que professou no Convento de Xabregas. Segundo Valença
(1997, 39) tocava órgão com destreza e dominava a teoria e a prática do cantochão e
canto de órgão, deixando em manuscrito o Prontuário de cerimónias e ofícios diversos de
toda a semana santa, com solfa de tudo quanto se canta nestes dias. É também o caso de
Fr. Jerónimo de Belém, refere este autor, que para além da sua Crónica Seráfica, se lhe
atribui a autoria da música da novena a Santa Ana, constando de três volumes de
cinquenta páginas cada um, em cantochão e em polifonia para soprano, contralto e baixo,

12 Veja-se nota de rodapé 8, sobre os vários cerimoniais existentes para as várias Províncias Franciscanas. O
estudo do Cerimonial serafico, e romano (1730), de Frei Manuel da Conceição, será especialmente útil para
estudar o Ceremonial dos religiosos capuchos da província de Santo António do Brasil, de Frei Cosme do
Espírito Santo e Frei Lourenço da Ressurreição, impresso em 1708, pela Oficina de Manoel e Joseph Lopes
Ferreyra, em Lisboa.

238
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

a que se juntaria um baixo cifrado instrumental, ao estilo de Palestrina. Há ainda notícia


de que nos conventos de Faro e de Tavira no séc. XVIII, havia Mestre de Capela, Vigário
de Coro, frades cantores e meninos do coro, os quais executavam não só o cantochão,
como também polifonia vocal com acompanhamento instrumental.

Fontes impressas coevas

BARBOSA MACHADO, Diogo, Bibliotheca Lusitana historica, Officina de Ignacio


Rodrigues, Vol. III, 1752.
BELEM, Fr. Jeronymo (OFM) (1750) — Chronica serafica da Santa Provincia dos
Algarves da regular observancia do nosso serafico padre S. Francisco, em que se
trata da sua origem, progressos, e fundações de seus conventos, Lisboa, Officina de
Ignacio Rodrigues, Vol.1.
CONCEIÇÃO, Fr. Manoel (OFM) (1730) — Ceremonial serafico, e romano para toda a
Ordem Franciscana, e em especial para a observancia da provincia dos Algarves,
Lisboa, Officina da Musica.
CONCEIÇÃO, Fr. Manoel (OFM) (1732) — Manuale Seraphicum, et Romanum,
prima et secunda pars, Ulyssipone Occidental, Typographia Musicae.
CONCEIÇÃO, Fr. Manoel (OFM) (1746) — Manuale Romano-Seraphicum, pars I et II,
Ulyssipone, Imp. Bernardi Fernandes Gayo.
CONCEIÇÃO, Fr. Manoel (OFM) (1746) —, Manuale Romano-Seraphicum, pars
secunda, Ulyssipone, Michaelis Manescal da Costa.
O Panorama, Jornal litterario e instructivo da Sociedade Propagadora dos
Conhecimentos Uteis (Jan-Dez, 1844), Typographia da Sociedade, Lisboa, Tomo 8,
Vol. 3, Série 2.ª.

Bibliografia geral

BILOU, Francisco (2014) — A igreja de São Francisco e o Paço Real de Évora, A obra e
os protagonistas 500 anos depois, Lisboa, Edições Colibri.
DODERER, Gerhard, «A presença do órgão na liturgia portuguesa entre o Concílio
Tridentino e a Secularização», in Música e História: estudos em homenagem a
Manuel Carlos de Brito, Manuel Pedro Ferreira e Teresa Cascudo, Edições Colibri,
2017
FÉLIX, Fernando Lopes (OFM) (1997) — Colectânea de Estudos de História e
Literatura, 3 Vol., Lisboa, Academia Portuguesa de História.

239
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

VALENÇA, Manuel (1997) — A arte musical e os franciscanos no espaço português


(1463-1910), Braga, Editorial Franciscana.
VIEIRA, Ernesto (2007) — Diccionario biographico de musicos portuguezes: historia e
bibliographia da musica em Portugal - edição fac-similada da 1.ª edição em 1900,
Vol. 1, Lisboa, Arquimedes Livros.

240
Os hinos Ut queant laxis e Fortem virili pectore do fundo musical da Sé de Évora no
contexto da produção musical de Inácio António Ferreira de Lima

Filipe Oliveira

Resumo:
O objectivo do estudo assenta na abordagem de alguns aspectos patentes no hino,
enquanto género sacro, no contexto do fundo musical da Sé de Évora, cuja especificidade
do conteúdo neste domínio, é marcada por um rol de existências de autoria desconhecida
ou atribuída a compositores locais. O autor dos dois hinos em questão, Inácio António
Ferreira de Lima, foi um dos derradeiros Mestres de Capela da Claustra da Sé de Évora,
em inícios do século XIX. Através de uma panorâmica da sua produção musical e da
análise dos hinos Ut queant laxis e Fortem virili pectore o leitor é confrontado com uma
espiritualidade extravasando a sua dimensão sacra e inscrevendo-se simbolicamente no
plano dos afectos mundanos, num dos casos, representados pelo drama de D. Pedro e
D. Inês, como sucede em Fortem virili pectore. Os dois hinos focados, evidenciando
grande simplicidade de discurso musical, num estilo declamatório assente numa paleta
harmónica básica e numa orquestração elementar, constituem um testemunho da
transformação dos padrões musicais que, nos alvores de oitocentos, se fazia sentir nos
círculos catedralícios em Portugal, contribuindo assim para a construção da narrativa
histórica local em torno da música sacra durante este período.

Palavras-chave: hino, Sé de Évora, Inácio Ferreira de Lima, século XIX

Abstract:

The main issue of the present paper is the study of certain aspects of the hymn, as a
sacred genre, in the context of the Évora Cathedral Music Archive, whose specific
content regarding the hymn, includes a series of works of unknown authorship and
attributed to local composers. The author of the two hymns focused, Inácio António
Ferreira de Lima, was one of the last Chapel Masters in the Évora Cathedral at the


O presente estudo insere-se no âmbito do projecto ALT20-03-0145-FEDER-028584 (PTDC/ART-
PER/28584/2017) – «PASEV: Patrimonialização da Paisagem Sonora em Évora (1540-1910)», financiado
por fundos nacionais através da FCT/MCTES e co-financiado pelo Fundo Europeu de desenvolvimento
Regional (FEDER) através do Compete 2020 – Programa Operacional Competividade e Internacionalização
(POCI).

Universidade de Évora/CESEM-Pólo Évora
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

beginning of the Nineteenth Century. Through the overview of its music production and
the analysis of the hymns Ut queant laxis & Fortem virili pectore the reader is put in
contact with the new spirituality of this period, which has gone beyond its sacred
boundaries, testifying new poetic and dramatic affections, such as happens in the hymn
Fortem virili pectore, precisely based in D. Pedro and D. Inês drama. Through the great
simplicity of its music, with a declamatory style supported by a basic harmonic structure
and an elementary orchestration, both hymns testify, in local music cathedral circles, the
transformations occurred in music language and expression in Portugal at the beginnings
of the Nineteenth Century.

Keywords: hymn; Évora cathedral; Inácio Ferreira de Lima; nineteenth Century

O objectivo do presente estudo assenta na abordagem de alguns aspectos patentes no


hino, enquanto género sacro, no contexto do fundo musical da Sé de Évora. Tendo em
conta trabalhos anteriores que publicámos, nomeadamente, em torno do compositor
Inácio António Ferreira de Lima, um dos derradeiros Mestres de Capela da Claustra da Sé
de Évora, em inícios do século XIX, orientámos este novo estudo para o conjunto de
hinos da sua autoria e a si atribuídos, que constam no respectivo fundo musical.
Relembramos que o interesse global no estudo da produção musical de Ferreira de Lima
neste espólio, resulta, antes de mais, de um dado de ordem quantitativa, isto é, trata-se do
compositor com maior número de obras aí constante. Para além deste, há também outros
factores que justificam o interesse no estudo musicológico da sua obra, como, entre
outros, o facto da muitas partituras se encontrarem datadas, o que constitui a excepção no
conjunto da globalidade dos manuscritos, e, para este caso em particular, nos ajudará a
compreender toda a problemática do balizamento cronológico das suas obras. Importa
ainda referir, como ficou patente em estudo anterior que publicámos1, que a produção de
Ferreira de Lima neste contexto constitui um testemunho da utilização da orquestra no
âmbito coral sacro, permitindo que tomemos contacto com as características da sua
orquestração, com a utilização de um determinado conjunto instrumental alargado e das
diferenças de texto musical existentes entre partituras e partes cavas e partituras de uma
mesma obra com datas diferentes. Finalmente, chamamos a atenção para a necessidade do
estudo da questão da autoria de todas as obras que José Augusto Alegria atribuiu a

1
Oliveira, 2014, 251-278

242
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Ferreira de Lima2, uma vez que, se bem que há aquelas que não deixam dúvidas porque
vêm identificadas com o nome do compositor, outras há que possuem uma mera
atribuição resultante de contexto dos manuscritos musicais do fundo e portanto merecem
uma confirmação futura. Tal não é, todavia, o propósito do presente trabalho.
Antes de focarmos as obras do compositor que são objecto deste estudo, importa
mencionar alguns dados gerais referentes aos hinos no contexto do fundo da Sé. Em
primeiro lugar, o estudo da circulação deste repertório, em particular a sua disseminação e
as influências sofridas, que iremos abordar em estudos futuros. Para já, concentramo-nos
nas existências e do que delas podemos alvitrar. Em segundo lugar, a constatação de que,
em termos quantitativos, o fundo contem menos hinos quando comparados com, por
exemplo, os Salmos ou os Te Deum. Mesmo assim, o conjunto de hinos é apreciável
quantitativamente, permitindo-nos ficar com uma ideia do seu tratamento pelos
sucessivos compositores. Estes são, na sua maioria, compositores locais, dos séculos
XVIII e XIX, em conjunto com figuras de maior relevo como, a título de exemplo, Diogo
Dias Melgás (Sequentia Defunctorum a 4 a 8 vozes e órgão), David Perez e ainda uma
cópia de uma Sequentia Defunctorum a 4 e órgão de Niccolò Jommelli.3 Grande parte
destes compositores não foi identificada, nem por Joaquim de Vasconcellos4, nem por
Ernesto Vieira5
Quadro 1 - Compositores de hinos no fundo musical da Sé de Évora e sua
identificação no dicionário Os Musicos Portuguezes de Joaquim de Vasconcellos e no
Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes de Ernesto Vieira

Identificação - Identificação -
Compositores Observações
Vasconcellos Vieira

Frei João
N* N
Alexandrino

Miguel Anjo de
N N
Amaral
Vasconcellos e Vieira
identificam-no com o
apelido Morato (João
Vaz Barradas Muito-Pão
João Vaz Barradas S ** S
e Morato), compositor
nascido em Finais do
século XVII em
Portalegre

2
Alegria, 1973.
3
Alegria, 1973, 63-67.
4
Vasconcellos, 1870.
5
Vieira, 1900.

243
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Padre Ângelo Pio


N N
Agostinho Fazenda

Padre José Coelho


N S
da Silva Geraz

Padre Ignácio
António Ferreira de N S
Lima

André Rodrigues
N N
Lopo

Loureiro (?) N N

Padre Diogo Dias


S S
Melgás
Vasconcellos cita um
pianista de apelido
Mesquita (?)
Mesquita oriundo do
Seminário de Lisboa

Padre Carlos
N S
Francisco de Assis
Moreira
Vieira cita o Padre
Francisco Manuel
Moreira, Mestre de
Capela da Sé de Évora.
Padre Francisco José Augusto Alegria
N S
Ignácio Moreira identifica-o como sendo
o Padre Francisco
Ignácio Moreira, Mestre
de Capela da Sé, entre
1812 e 1816

José António
N N
Moreira

Frei Francisco de
São João N N
Nepomuceno

António Machado
N N
Neves

Padre Francisco
N S
José Perdigão
Pela sua origem
napolitana, Vasconcellos
David Perez S S remete para comentário
sobre a História da Ópera
Italiana.

244
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

José António
N S
Gomes Pincetti

Padre José António


N N
Dias dos Reys

José Joaquim dos Vieira cita Joaquim José


S S
Santos dos Santos

Frei Ignácio
Agostinho de S. N N
Jerónimo

João Cordeiro da
S S
Silva

Elias António
N N
Silveiro

Padre Julião
N N
Rosado Tavares

Padre Joaquim José


N N
Ruivo de Viana

Fortunato
N N
Wenceslau

* N – Não; ** S – Sim

De resto, surgem ainda algumas dezenas de hinos cuja autoria, por sua vez, não foi
identificada. Em matéria textual, os hinos compostos constituem outro dos aspectos a ter
em conta na análise do fundo. No quadro seguinte (ver Quadro 2) podemos ver os textos
mais solicitados, com destaque para o Pange Lingua, que é o texto com mais existências,
20 ao todo, seguido do Veni Creator Spiritus e Tantum Ergo, ambos com 10 existências
cada. Interessante também o facto de haver um hino do Padre Francisco Manuel Ignácio
Moreira, que foi Mestre de Capela em Évora nos finais do século XVIII e princípios do
XIX, entre 1812 e 1816, e que pode ser considerado, neste contexto, um compositor local.
O hino intitula-se Quid Lusitania deferens, e, segundo Alegria6, servia para as Trezenas
de S. António. A música foi adaptada de um terceto de Giovanni Paisiello para dois
sopranos e tenor, cujo estudo futuro nos permitirá tomar contacto, porventura, com as
influências exercidas pela música teatral dramática italiana no repertório sacro local.

6
Alegria, 1973, 64.

245
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Quadro 2 - Hinos mais comuns no Fundo Musical da Sé de Évora

Título Número

Pange lingua 20

Tantum ergo 10

Veni creator spiritus 10

Numa definição aproximativa um hino sacro é um poema lírico concebido de uma


forma reverencial para ser cantado, exprimindo a devoção do sujeito perante os
propósitos divinos na vida terrena. Musicalmente, de um modo transversal em termos
históricos, possui uma métrica simples, num discurso muito expressivo, quer do ponto de
vista musical, quer poético, com o objectivo de estabelecer a cumplicidade devocional
entre a congregação que o canta. Mas mais importante talvez é o facto dos hinos, dada a
sua natureza lírica, serem particularmente destinados ao louvor divino. Mais do que
qualquer outro género sacro, marcam, em cada hora canónica, a especificidade da
celebração, movendo e animando as almas para a celebração piedosa. Esta eficácia é
acrescida com frequência pela beleza literária. Os hinos são assim, no contexto do Ofício,
o elemento poético mais importante de criação eclesiástica.7 Tal constatação é tanto mais
relevante quanto o estudo dos hinos do fundo da Sé a que procedemos testemunha
precisamente essas qualidades poético-literárias e sobretudo a preocupação, por parte do
compositor, em servir-se do hino para alcançar uma nova projecção deste género musical,
de acordo com a nova ambiência literária e dramática que emergia em Portugal nos
alvores de oitocentos. É precisamente essa nova feição espiritual do hino e o seu
aggiornamento expressivo que iremos focar no presente estudo, através da apresentação e
análise de dois hinos, um deles da autoria de Ferreira de Lima, o outro com autoria a si
atribuída por Alegria.8 Trata-se apenas de dois hinos extraídos do conjunto dos que se
associam ao seu nome, como se pode observar no Quadro nº 3 (ver Quadro 3). Pertencem
ao grupo dos que têm acompanhamento de um conjunto instrumental, na prática uma

7
Pimont, 1874.
8
Alegria, 1973, 64.

246
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

pequena orquestra. São quatro ao todo, contrastando com os dez hinos acompanhados
apenas por órgão.

Quadro 3 - Hinos de Inácio António Ferreira de Lima no fundo musical da Sé


de Évora

Hino Ofício/Hora Conjunto vocal e com órgão


canónica -Celebração instrumental
Veni Creator Terças e Vésperas de a 4 vozes com trompas,
Spiritus Pentecostes violinos, viola,
violoncelo, baixo
Ofício de defuntos
Sequentia a 4 e órgão
defunctorum

Ofício de defuntos
Libera me a 4 e órgão

Hino para as Vésperas de S.


Vésperas de S. Francisco a 4 e órgão
Francisco
Ut queant laxis Ofício Divino – 24 de a 4 vozes com oboés,
Junho Festa de S. João trompas, violinos e baixo
Baptista

Invitatório e Matinas de S. a 4 e órgão


Hino das Francisco
Matinas de S.
Francisco

Fortem virili Vésperas e Laudes do a 4 vozes com oboés,


pectore Commune non trompas, violinos e baixo
Virginum
Pange lingua Festa do Corpus a 4 e órgão
Christi

Placare Christe Vésperas de Todos os a 4 e órgão


servulis Santos
Veni Creator Terças e Vésperas de
Spiritus Pentecostes a 4 e órgão

Jesu Corona Commune Virginum a 4 vozes com oboés,


Virginum trompas, violinos e órgão

Custodes
hominum Vésperas a 4 e órgão

Hi sunt não identificada a 4 e órgão


Veni Creator a 4 e órgão
Spiritus Terças e Vésperas de
Pentecostes

247
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

O primeiro que iremos focar é o hino Ut queant laxis, que ficou sobretudo conhecido
na história como o trecho vocal sacro que, pela mão de Guido d´Arezzo na sua produção
teórico-didáctica, deu o nome que conhecemos às notas musicais, ut, ré, mi, fá, sol, lá, si,
através de um processo de memorização da primeira sílaba de cada um dos seus versos
iniciais. Na verdade, o Hino Ut queant laxis é cantado no dia da celebração de S. João
Baptista, que é o dia 24 de Junho. O hino tem três partes, sendo a sua primeira parte a
mais conhecida e constituída por cinco estrofes. As segunda e terceira partes são
cantadas, respectivamente, no Ofício de Matinas (Antra deserti) e no Ofício de Laudes
(O nimis, felix). No Quadro 4 podemos ver o texto das cinco estrofes que constituem a
sua primeira parte (ver Quadro 4).

Quadro 4 - Hino Ut queant laxis

1.Ut queant laxis resonáre fibris


Mira gestórum fámuli tuórum,
Solve pollúti lábii reátum, Sancte Joánnes.
2.Núntius celso véniens Olýmpo
Te patri magnum fore nascitúrum,
Nomen, et vitae sériem geréndae
Ordinae promit.
3.Ille promíssi dúbius supérni,
Pérdidit promptae módulos loquélae:
Sed reformásti genitus perémptae
Organa vocis.
4.Ventris obstrúso récubans cubíli
Sénseras Regem thálamo manéntem:
Hinc parens nati méritis utérque Abdita pandit.
5.Sit decus Patri, genitaéque Proli
et tibi, compare utriúsque virtus,
Spíritus semper, Deus unus, omni
Témporis aevo.
Amen.

Através da análise do hino, verificamos que apenas são musicadas as estrofes 1 e 3,


cujo conteúdo semântico do respectivo texto alude à música e ao canto. Por razões da
prática de canto em alternatim, a estrofe 5 seria também cantada, embora o texto não

248
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

venha escrito na partitura, apenas sim a menção «ao princípio» (ver Figura 1), no canto
inferior direito do respectivo fólio, o que pressupõe a execução repetida da primeira parte
do hino com a doxologia, que é a quinta estrofe.9

Figura 1 - Canto inferior direito da partitura manuscrita do hino Ut queant laxis,


atribuído a Inácio António Ferreira de Lima, com a inscrição «ao princípio»

Por sua vez, as duas estrofes pares 2 e 4 seriam cantadas em cantochão ou apenas, por
hipótese, tocadas num verso para órgão. Todavia, o fundo não regista existências
específicas a esse propósito. Na primeira estrofe temos uma alusão clara às vozes
que cantam, as quais, através do seu sopro divino, ajudarão a redimir a culpa. Por sua vez,
na terceira estrofe temos, na sua sentença final, a alusão à «organa vocis», isto é, à voz
essencial que regressa e que se extingue. Nas restantes estrofes 2, 4 e 5 não há alusões
directas, nem indirectas, à voz humana enquanto instrumento musical.
Quanto às características da linguagem musical, o estilo coral é essencialmente
declamado, com um carácter homorítmico notório, como se constata no único fólio em
partitura desta peça (ver Figura 2).

9
Willi Apel expõe sobre a estrutura formal do hino e a sua prática interpretativa na sua obra Gregorian
Chant. – Cf. Apel, 1958, 426 e seguintes.

249
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Figura 2 - Partitura manuscrita do hino Ut queant laxis, atribuído a Inácio António


Ferreira de Lima

O maço que inclui este hino, cotado com o nº 21, na secção «Hinos» do Fundo
Musical da Sé, inclui a partitura, num fólio único, as partes de Soprano, Alto, Tenor e
Baixo e as partes cavas de Violino 1, Violino 2, Oboés 1 & 2, Trompas 1 & 2 e Fagote.
Partitura e partes parecem, para já, ser copiadas por uma única mão, embora o
espaçamento gráfico difira entre todas as partes, sobretudo entre as partes separadas e a
partitura, o que resulta numa imagem gráfica com diferenças notórias (ver Figura 3).

250
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Figura 3 - Partes cavas manuscritas de Violino I e Basso do hino Ut queant


laxis, atribuído a António Inácio Ferreira de Lima

251
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

A reforçar este facto, salientamos que a partitura possui muitos borrões de tinta e
correcções feitas pelo próprio copista, sobretudo nas partes de Violino 2 e Tenor (ver
Figura 2). De qualquer modo, o estudo da génese e realização destes fólios manuscritos e
a sua inclusão num maço que inclui ainda outros hinos de Ferreira de Lima, ou
supostamente a si atribuídos, ficará para trabalhos posteriores, na medida em que só o
estudo integrado da totalidade dos fólios que constituem o referido maço nos poderá
desvendar novos dados a esse propósito.
Em termos de estrutura formal, o hino possui duas partes A e B, respectivamente com
as estrofes 1 e 5 na parte A, e 3 na parte B (ver Quadro 5).

Quadro 5 - Hino Ut queant laxis: estrutura formal

Ut queant laxis
Parte A B
Estrofe 1&5 3
Tonalidade Fá menor Fá menor
Compasso C cortado (2/2) 3/4
Coro a quatro
vozes (SATB);
Orquestra: Cor. I Coro (SATB)
Voz/instrumentos
& II, Ob. I & II, Vln. e Acompanhamento
I & II, Fg., e
Acompanhamento

A parte A, com coro a quatro partes, é instrumentada com orquestra, cuja distribuição
conta, como atrás referido, com Trompas 1 & 2, Oboés 1 & 2, Fagote, Violinos 1 & 2 e
acompanhamento, sendo este último ainda cifrado e pressupondo, segundo a prática
interpretativa comum, os violoncelos, contrabaixos, as violetas à oitava superior e,
porventura, ainda um instrumento de tecla. Curiosamente, o maço não inclui nenhuma
parte separada de «Acompanhamento», podendo esta ter-se perdido. No que respeita aos
instrumentos de sopro, as trompas são em Fá, uma vez que o trecho se encontra na
tonalidade de Fá menor, e o fagote, não sendo um instrumento transpositor, encontra-se
todavia afinado meio-tom abaixo, pelo que a armação de clave é a de Fá sustenido menor.
No que se refere à estrutura do discurso musical, as frases musicais são curtas e incisivas
em ambas as partes A e B (ver Figura 2), sendo que o tratamento harmónico é muito

252
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

básico, sempre em Fá menor, sem modulações. Por sua vez, a paleta orquestral é também
muito simples, com alguma articulação dos violinos 1 & 2 em semínimas, as trompas e
oboés em notas pedais de suporte harmónico, em valores rítmicos de mínima, e o fagote a
dobrar o baixo instrumental. A partitura indica ainda, no canto inferior direito, «ao
princípio», ou seja uma indicação de repetição, que, como atrás foi referido, pressupõe a
repetição da parte A com a quinta estrofe. Por sua vez, a parte B, com a terceira estrofe,
não é orquestrada, possuindo apenas acompanhamento do baixo instrumental (ver
Figura 2), não estando este cifrado, como sucede na parte A.
Finalmente, importa referir que, quer a partitura, quer as partes cavas, não notam
qualquer nome de compositor. Julgamos pois que Alegria atribuiu a sua autoria a Ferreira
de Lima por uma questão de contexto de fontes, ou seja, esta peça pertence ao maço nº 21
dos hinos do fundo musical da Sé, sendo portanto necessário, para já, proceder-se ao
estudo da formação do próprio fundo, da sua proveniência e da respectiva circulação.
Mais uma vez, tal não é o propósito deste estudo, ficando para já o repto lançado para o
futuro. Para já, assumimos assim apenas a atribuição a Ferreira de Lima, conforme
Alegria ditou, a confirmar posteriormente.
A segunda peça que iremos focar é o hino Fortem virili pectore, dos dois o que suscita
maior interesse no âmbito do presente estudo. Este hino, da autoria do Cardeal Silvio
Antoniano, destinado à liturgia de Nossa Senhora, foi incluído no Breviário Romano
(Veneza, 1603, f. 37b)10 pelo Papa Clemente VIII. É cantado no primeiro e segundo
Ofícios de Vésperas e no Ofício de Laudes do Commune non Virginum. De resto, tornou-
se muito popular durante o século XIX e nas primeiras décadas do século XX, surgindo
em várias edições de hinos que então foram publicadas entre os anos de 1840 e 1925.
O seu autor, o Cardeal Silvio Antoniano, nasceu em Roma, tendo vivido entre os anos de
1540 e 1603. Fez parte da Comissão, nomeada pelo Papa Clemente VIII, para proceder à
revisão do Breviário.
A estrutura formal deste hino conta com cinco estrofes, sendo habitualmente cantadas
as estrofes 1, 3 e 5, atendendo à prática litúrgica de alternatim, sendo as estrofes ímpares
musicadas e as estrofes pares cantadas em cantochão ou substituídas por secções
instrumentais como, por hipótese, versos para órgão (ver Quadro 6).

10
Breviarium Romanum ex decreto sacrosancti Concilij Tridentini restitutum et Clementis VIII auctoritate
recognitum, Venetia, MDCIII

253
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Quadro 6 - Hino Fortem virili pectore

1.Fortem virili pectore


Laudemus omnes feminam,
Quae sanctitatis gloria
Ubique fulget inclita.
2.Haec Christi amore saucia,
Dum mundi amorem noxium
Horrescit, ad caelestia
Iter peregit arduum.
3.Carnem domans ieiuniis,
Dulcique mentem pabulo
Orationis nutriens,
Caeli potitur gaudiis.
4.Rex Christe virtus fortium,
Qui magna solus efficis,
Huius precatu, quaesumus,
Audi benignus supplices.
5.Deo Patri sit gloria,
Eiusque soli Filio,
Cum Spiritu Paraclito,
Et nunc, et in perpetuum. Amen.

Sendo em louvor do elemento feminino no sentido bíblico, levantamos a hipótese de


haver, na composição de Ferreira de Lima, uma parábola em torno do drama de D. Pedro
e de D. Inês de Castro, servindo esses propósitos o conteúdo poético do seu texto.
Adiante veremos com mais detalhe essa questão. Para já, importa referir que, obedecendo
à sua estrutura comum, o compositor apenas põe em música as estrofes 1, 3 e 5,
atendendo de novo à prática de alternatim, que incluiria as estrofes pares 2 e 4 em
cantochão ou em versos para órgão. Analisemos então a semântica poética. Na primeira
estrofe, é louvada essa mulher forte de coração generoso, cuja glória e santidade a tornará
ilustre em todas as partes. Na terceira estrofe é narrado que as doces preces espirituais,

254
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

num corpo deprimido e abstinente, lhe permitem saborear noutros mundos as alegrias que
neste deixou. Finalmente, a quinta estrofe, a estrofe final, a doxologia que corresponde à
glorificação do Senhor, do Filho e do Espírito Santo.
Como referido, levantamos a hipótese da peça se reportar ao drama de D. Pedro e de
D. Inês, surgindo este hino como a sua metáfora poética. Na verdade, tal hipótese é
sustentável, uma vez que nas duas partes vocais, surgem os nome de D. Agnes (D. Inês) e
D. Pietro (D. Pedro). Ora, tratando-se de um hino, por inerência com um texto espiritual
de celebração, não é vulgar surgir a necessidade de uma dramatização, «personificando»
as duas partes vocais de tenor e de baixo, precisamente com duas personagens. Para além
do mais, os nomes surgem em italiano, não sendo em Latim, a língua oficial do
Catolicismo Apostólico Romano. Ora a italianização dos dois nomes D. Pedro e D. Inês,
os quais, como já de seguida veremos, têm uma simbologia particular na tradição literária
e teatral portuguesa desde o tempo de Fernão Lopes, sugere a tradição vocal dramática de
feição italianizante que imperava em Portugal desde a ascensão ao trono de D. João V e
que, em inícios de oitocentos, ainda se fazia sentir. Dito isto, parece-nos evidente a
associação imediata deste hino ao drama literário de Pedro e Inês se atendermos ainda aos
aspectos semânticos do seu texto. José Augusto Alegria não viria, todavia, a identificar
esta questão.11 Na parte superior do primeiro fólio da partitura surge um verso, iniciado
pelas palavras «Feixes de merecimento…», que, infelizmente, ainda não conseguimos
nem decifrar, nem identificar. Porventura será retirado de um dos tantos dramas que se
escreveram sobre este tema. Por agora, importa sim salientar que a história de Pedro e
Inês ocupou a criação literária portuguesa, desde os tempos de Fernão Lopes,
precisamente na sua Crónica de D. Pedro12, na qual o drama é narrado de forma
impressionante. Ficam também, como monumentos literários as Trovas à morte de
D. Inês de Garcia de Resende13 e, também durante o Renascimento, as muitas páginas
sobre o mesmo tema da autoria de Rui de Pina, Cristóvão Acenheiro e Anrique da Mota.
Na época e posteriormente consagrado no tempo surge o drama A Castro de António
Ferreira, levado à estampa em 1587.14

11
Alegria, 1973, 64.
12
Consultámos o impresso de 1735, já muito posterior ao manuscrito quinhentista - Chronica del rey
D.Pedro I deste nome […] que a escreveo Fernão Lopes […] LISBOA OCCIDENTAL na Officina de Manoel
Fernandes da Costa […] Anno de MDCCXXXV
13
Cancioneiro geral: cum preuilegio / [Foy ordenado e eme[n]dado por garcia de Reesende fidalguo da
casa del Rey nosso senhor e escriuam da fazenda do principe]. – Aleyrym e acabou-se na muyto nobre e
sempre leall cidade cidade de Lixboa: per Hermã de Cãmpos, 28 Sete[m]bro 1516.
14
Ferreira, 1587.

255
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Posteriormente, já no século passado, é digno de menção o estudo de Carolina


Michaelis de Vasconcellos sobre o drama de D. Inês, publicado na revista Lusitânia em
192515, e intitulado Pedro, Inês e a fonte dos amores, e que sucede, enquanto tese
literária, a uma tendência observada em oitocentos para a celebração recorrente do drama
de Pedro e Inês sob os mais diversos fundos literários. Outra estudiosa, Ester de Lemos,
viria a sintetizar esta dramaturgia do seguinte modo:

O Romantismo aproximava-se: por toda a parte o tema de Inês triunfava, vulgarizava-se,


era arremedado em paródias, idealizado em ballets, cantado em óperas. O conteúdo
humano, a grandeza artística do tema sofriam com esta vulgarização. E a tendência
ambiente para o sentimental familiar e aburguesado, para o frouxo, o piegas, o romanesco,
fizeram de Inês, mais do que uma grande amorosa, uma digna e infeliz mãe de família,
esposa legítima (porque o pormenor do casamento secreto está em todas as obras do século
XVIII aceite como verdade irrefutável), rodeada de crianças indefesas, vítima, muitas
vezes, do ciúme duma rival ou do despeito de um amante repelido; a sua tragédia
simples e terrível perde em grandeza; o sentido mítico do amor fatal, o valor lendário
especificamente português parecem esquecidos… 16

Fica portanto a constatação de que este hino de Ferreira de Lima se inscreveria nessa
tradição cultural, até porque estamos nos alvores do Romantismo como se constata pela
data de 1812 que surge na frente do primeiro fólio da partitura (ver Figura 4) e que,
decerto, se refere à data da apresentação da obra.

Figura 4 - Pormenor do frontispício da partitura manuscrita do hino Fortem


virili pectore de Inácio António Ferreira de Lima com a inscrição da data

15
Vasconcellos, 1925, 159- 182.
16
Lemos, 1978.

256
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

No que respeita a questões de ordem musical, focamos em primeiro lugar a sua


estrutura formal. O hino possui assim duas partes A e B (ver Quadro 7).
Quadro 7 - Hino Fortem virili pectore: estrutura formal

Fortem virili pectore


Parte A B
Estrofe 1&5 3
Tonalidade Mi bemol maior Dó menor
Compasso C cortado (2/2) 3/4
Duas vozes solistas: D.
Agnes (Tenor); D. Pietro
(Baixo); Coro (SATB)
Voz/instrumentos
Orquestra: Cor I & II., Vln. a capella
I & II e Ob. I & II, Vla., Fg., e
Basso

A parte A é destinada apenas a duas vozes solistas, concretamente, D. Agnes


(D. Inês), Tenor, e D. Pietro (D. Pedro), Baixo (ver Quadro 7). Apenas é orquestrada a
parte A da seguinte forma: duas trompas; violinos 1º e 2º; oboés 1º e 2º (o 2º deveria ter
sido anteriormente um clarinete mas depois foi riscado); violetas (notadas em clave c1);
fagotes (notados em clave c3); Basso; De referir que houve um engano por parte do
copista na identificação dos instrumentos no início da partitura, tendo trocado a posição
dos violinos 1º & 2º com os oboés 1º & 2º (ver Figura 5).

Figura 5 - Fólio inicial da partitura manuscrita do hino Fortem virili pectore,


de Inácio António Ferreira de Lima

257
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Ainda na partitura, as trompas (Corni) vêm notadas em clave de Fá (F4). Porém, na


parte cava em clave de Sol (g2), sem armação de clave, lêem-se como se fosse em clave
F4, pressupondo portanto a utilização de trompas em Mi b. Quanto à parte B, ela é
destinada apenas a coro, a capella, a quatro partes (S, A, T, B), em franco contraste com a
parte anterior ao nível dos meios musicais.
Na estrutura litúrgica do Hino Fortem virile pectore cantam-se habitualmente as
estrofes 1, 3 e 5, conforme atrás exposto. Assim, no contexto da articulação formal deste
hino em particular, na primeira parte A, cantam-se as estrofes 1 e 5, sobre o mesmo
trecho musical que assim é repetido duas vezes. A segunda parte B, é cantada apenas uma
vez com a estrofe 3 (ver Quadro 7). Finalmente, com uma métrica em compasso 2/2 – C
cortado, a parte A encontra-se em Mi bemol maior e a parte B, em compasso 3 / 4, na sua
relativa menor, isto é, Dó menor. Em termos harmónicos, o discurso é bastante simples,
com uma pequena incursão a Dó menor na primeira parte A, que todavia regressa à tónica
no seu final, e sem modulações na parte B, mantendo-se esta assim sempre na tonalidade
de Dó menor. Quanto à configuração estilística do discurso musical, estamos perante uma
homoritmia declamatória, com as duas vozes solistas com o mesmo tipo de identidade
musical dos sopros e dos baixos. Nesse sentido, o discurso surpreende, na medida em que
as duas vozes não têm propriamente um carácter solístico (ver Figura 5). Seriam como
linhas vocais integradas no discurso orquestral, afastadas de qualquer tipo de teatralidade
e portanto mantendo as qualidades de celebração espiritual que caracterizam o hino
enquanto tal. O único contraste estilístico do discurso musical surge nos violinos 1 & 2,
cuja figuração consiste em arpejos e escalas em semínimas, portanto num balanço rítmico
mais rápido que as restantes vozes (ver Figura 5).
Em conclusão sublinhamos então que, pelo que ficou exposto, a questão do tratamento
textual em ambos os hinos reveste-se de uma dimensão interpretativa de pendor
semântico, que confere um novo alento à espiritualidade sacra da música. Se em
Ut queant laxis o compositor se fica apenas pelas referências textuais à voz enquanto
sopro divino em louvor de S. João Baptista, já em Fortem virili pectore a espiritualidade
extravasa a sua dimensão sacra, inscrevendo-se simbolicamente no plano dos afectos
mundanos, representados pelo drama de D. Pedro e D. Inês. Se nos dois hinos a música
mantém características de grande simplicidade de discurso, com um estilo declamatório
assente numa paleta harmónica básica e uma utilização da orquestra nas partes iniciais
que não revela qualquer tipo de inventividade de orquestração, não podemos ignorar que,
pelo contrário, o tratamento textual se inscreve no espírito da época. Nesse sentido, mais

258
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

do que a música e os juízos qualitativos que sobre ela se possam tecer, o simbolismo do
drama de D. Pedro e D. Inês, veiculado por um hino no contexto da actividade litúrgica,
levanta uma série de hipóteses interessantes no que respeita ao seu enquadramento.
Na verdade, como atrás foi referido na breve síntese do contexto literário deste drama no
âmbito da literatura portuguesa, o Romantismo viria, como que, a «vulgarizar» o tema
que «era arremedado em paródias, idealizado em ballets, cantado em óperas»17. Ora, no
caso do hino Fortem virili pectore, sublinhamos o facto de ser notório o afastamento
relativo a propósitos espirituais, resultante da utilização do simbolismo da dramaturgia
inesiana. Por conseguinte, deve levantar-se a hipótese, a confirmar em futuros estudos, de
haver uma vontade explícita, por parte do compositor, em ultrapassar os objectivos
funcionais de um texto sacro. Para além desta, ainda outras hipóteses poderiam ser
levantadas, sobretudo as que são directamente relativas às circunstâncias do contexto da
composição deste hino por parte de Ferreira de Lima. Todavia, tais propósitos estão, por
agora, para lá deste trabalho, sendo necessário proceder, de futuro, ao levantamento de
todo o tipo de dados possíveis sobre o compositor e a obra em questão. Assim, sugerimos,
desde já, a continuidade do estudo desta temática que, pelo seu relevo, irá decerto
contribuir para a construção da narrativa histórica em torno da actividade musical sacra
em Portugal durante as primeiras décadas do século XIX.

Bibliografia:
ALEGRIA, José Augusto (1973). Arquivo das Músicas da Sé de Évora: Catálogo,
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
APEL, Willi (1958), Gregorian Chant, Bloomington & Indianapolis: Indiana University
Press.
Breviarium Romanum ex decreto sacrosancti Concilij Tridentini restitutum et Clementis
VIII auctoritate recognitum, Venetia, MDCIII
Cancioneiro geral: cum preuilegio / [Foy ordenado e eme[n]dado por garcia de
Reesende fidalguo da casa del Rey nosso senhor e escriuam da fazenda do principe].
– Aleyrym e acabou-se na muyto nobre e sempre leall cidade cidade de Lixboa: per
Hermã de Cãmpos, 28 Sete[m]bro 1516
Chronica del rey D.Pedro I deste nome […] que a escreveo Fernão Lopes […] LISBOA
OCCIDENTAL na Officina de Manoel Fernandes da Costa […] Anno de
MDCCXXXV

17
Cf. nota 16

259
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

FERREIRA, António (1587). Tragédia mui sentida eelegante de Dona Inês de Castro,
Manuel da Lira.
LEMOS, Ester de (1978). «Inês de Castro» In Dicionário de Literatura, 2º Vol.,
Figueirinhas: Porto.
OLIVEIRA, Filipe Mesquita de (2014). «A formação orquestral durante o período final
do Antigo Regime no contexto dos fundos musicais da Sé de Évora – o testemunho da
obra de Ignácio António Ferreira de Lima († 1818)» In SILVA, Vanda de Sá;
FERNANDES, Cristina (eds.). In Música Instrumental no Final do Antigo Regime -
Contextos, Circulação e Repertórios, Lisboa: Edições Colibri, ISBN 978-989-689-
343-9, pp. 251-278.
PIMONT, L´Abbé S.- G. (1874). Les Hymnes du Bréviaire Romain – Études critiques,
littéraires et mystiques, Paris: Librairie Poussielgue Fréres.
VASCONCELLOS, Carolina Micahellis (1925) - Pedro, Inês e a fonte dos amores.
Lusitânia. Lisboa. Vol. V e VI, p. 159- 182.
VASCONCELLOS, Joaquim de (1870). Os Musicos Portuguezes, Biographia –
Bibliographia, 2 vols., Porto: Imprensa Portugueza.
VIEIRA, Ernesto (1900). Diccionario Biographico de musicos portuguezes: História e
Bibliographia da Musica em Portugal, 2 vols., Lisboa: Lambertini.

260
A antífona Recordare, Virgo Mater. Prática musical mariana na Sé de Évora no final
do século XVII e século XVIII

Luís Henriques

Resumo:
Évora tem sido um importante centro de culto mariano desde a Idade Média, com a
dedicação do altar-mor da Catedral a Nossa Senhora da Assunção como ponto central.
Foi também um importante centro musical e a antífona Recordare, Virgo Mater é uma das
obras musicais associada à festa mariana conhecida como o Milagre da Cera. Um dos
mestres de capela da Catedral no século XVII, Diogo Dias Melgaz, escreveu um motete
policoral utilizando o texto, a primeira obra sobre o mesmo, seguida por outras obras
escritas no século XVIII sobre este texto. O presente estudo examina as obras com o texto
Recordare, Virgo Mater e os seus possíveis contextos litúrgico-musicais. Alguns deles
apontam para o offertorium da Missa de Nossa Senhora das Dores e outros para a
celebração de Vésperas e da Litania. A associação das obras musicais com as festas
litúrgicas parece firmemente estabelecida, surgindo assim uma forte relação de identidade
entre a música produzida na Catedral de Évora e as celebrações particulares da cidade.

Palavras-chave: Sé de Évora, Diogo Dias Melgaz, polifonia, música mariana

Abstract:

Évora has been an important centre of Marian cult since the Middle Ages, with the
dedication of the Cathedral’s main altar to Our Lady of Assumption as a central point.
It was also an important musical centre and the antiphon Recordare, Virgo Mater is one
of the musical works associated with a Marian feast known as the Miracle of the Wax.
One of the Cathedral chapel masters of the seventeenth century, Diogo Dias Melgaz,
wrote a polychoral motet using this text the first known work to set it to music, followed
by other works written in the eighteenth century with this text. The present study


Este trabalho enquadra-se no âmbito do projeto de Doutoramento financiado pela FCT - Fundação para a
Ciência e Tecnologia «Polifonia portuguesa tardia: A problemática da continuidade na obra sacra de Diogo
Dias Melgaz e Pedro Vaz Rego» (FCT SFRH/BD/131505/2017) e no âmbito do projecto ALT20-03-0145-
FEDER-028584 (PTDC/ART-PER/28584/2017) – «PASEV: Patrimonialização da Paisagem Sonora em
Évora (1540-1910)», financiado por fundos nacionais através da FCT/MCTES e co-financiado pelo Fundo
Europeu de desenvolvimento Regional (FEDER) através do Compete 2020 – Programa Operacional
Competividade e Internacionalização (POCI).

CESEM NOVA FCSH / Universidade de Évora
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

examines the works with the text Recordare, Virgo Mater and their possible liturgical-
musical contexts. Some of them point towards the offertorium of the Mass for Our Lady
of Sorrows and others toward the celebration of Vespers and Litany. The association of
the musical works with the liturgical feasts seems apparent and as such establishes a
strong identity relation between the music produced in Évora Cathedral and the particular
celebrations of the city.
Keywords: Évora Cathedral, Diogo Dias Melgaz, polyphony, marian music

Em 1308, o bispo de Évora D. Fernando (III) Martins (1297-1313) consagrava o altar-


mor da sua Catedral à Virgem Maria, sob a invocação de Nossa Senhora da Assunção,
constituindo-se este templo em épocas futuras como um local central no culto mariano da
cidade, não só pelo lugar de relevo do seu altar-mor, mas também pelas outras capelas
aí existentes dedicadas à Virgem Maria. Em alguns casos, estes altares assumiram
características marcadamente populares, como é o caso do altar de Nossa Senhora do Ó,
localizado a meio da nave central da Catedral e que, apesar da reforma tridentina
(assumindo o nome de Nossa Senhora do Anjo), ainda hoje permanece como local de
devoção mariana local. Évora encontra-se ela própria cercada de pequenas ermidas
de invocação mariana localizadas nas antigas portas da cidade na cerca nova como é caso
de Nossa Senhora do Ó na porta de Avis, e Nossa Senhora da Ajuda por cima da antiga
porta de Alconchel ou nos arredores, como a Graça do Divor, Nossa Senhora da Tourega,
de Machede, de Guadalupe ou da Boa-fé (FONSECA, 1728, 212). O cronista jesuíta
eborense Francisco da Fonseca referia, numa seção da sua Évora gloriosa, intitulada
«Devoção singular de Évora com a Virgem Maria», que os eborenses se haviam a ela
consagrado por via dos muitos milagres obtidos tendo para isso erigido conventos,
paróquias e ermidas, fundando confrarias e mordomias dedicadas ao seu culto
(FONSECA, 1728, 212-213).
A Catedral de Évora estabeleceu-se simultaneamente como um importante centro de
atividade musical ao longo dos séculos XVI e XVII, formando também inúmeros músicos
no Colégio dos Moços do Coro não só para o serviço próprio, mas também para serviço
de outras instituições religiosas da cidade, do país, assim como do estrangeiro.
A combinação de importantes festas marianas na Catedral com uma atividade musical
(e composicional) dinâmica surge como um contexto litúrgico-musical a que os
compositores do século XVII não serão estranhos. Embora se conheça muito pouco sobre
a produção musical dos mestres de capela da Catedral de Évora ao longo do século XVII,
nomeadamente Manuel Rebelo e António Rodrigues Vilalva, as poucas obras de temática

262
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

mariana de Diogo Dias Melgaz (último mestre de seiscentos), que apesar de sobreviverem
em fontes setecentistas, oferecem uma perspetiva sobre as obras musicais dos mestres do
século XVIII. Aqui ocupa um lugar central o motete policoral de Melgaz Recordare,
Virgo Mater, cujo mesmo texto será posto em música por vários compositores
setecentistas.
Este texto surge associado a uma festividade intimamente ligada à Catedral de Évora.
Para além dos cultos, por assim dizer, fixos e materiais, no sentido em que possuíam altar
próprio na Catedral, encontra-se uma festividade mariana com uma forte expressão no
calendário litúrgico da cidade, conhecido popularmente como o Milagre da Cera, cuja
festa era celebrada no dia 24 de maio.1 De acordo com o Agiológio Lusitano de Jorge
Cardoso (baseando-se o autor nos textos das lições do ofício de Matinas para esta festa
presentes no Breviário Eborense) o Milagre da Cera remonta a 1372, em cujo mês de
maio as chuvas incessantes ameaçavam destruir as colheitas da região. O povo de Évora
acorreu então à Catedral pedindo o auxílio da Virgem Maria, sendo ordenada uma
procissão de preces pelo então Bispo de Évora D. Martinho Gil de Basto (1368-1382).
Com este fim juntaram-se o povo e o clero na Catedral acendendo-se doze círios em
memória dos doze Apóstolos no altar-mor, para arderem diante da imagem de Nossa
Senhora da Assunção. Celebrou-se missa, dita pelo cónego João Domingues, com
pregação pelo religioso carmelita Fr. Afonso Abelho. Durante a missa, finalizado o
ofertório Recordare, Virgo Mater, cessou a chuva serenando-se também os ares. Vendo
esta mudança súbita do tempo, «renderão a Deus graças, entoando em altas vozes, com
grande prazer, hymnos e canticos de louvor à Rainha dos Anjos», saindo de seguida a
procissão, que se recolheu ainda com sol. Posteriormente, para comprovação do milagre,
acharam-se os círios ainda ardendo no altar-mor com o dobro do peso que tinham, daí
intitular-se este o milagre da cera (CARDOSO, 1666, III, 702-703).
O Bispo D. Martinho instituiu a realização de festa e respetiva procissão nessa data,
por considerar ter sido este caso de milagre mariano. Estabeleceu-se ofício litúrgico-
musical próprio no Terceiro Domingo após Pentecostes, embora o milagre tenha
acontecido no dia 24 de maio (SANTA MARIA, 1718, VI, 8). Algures durante o bispado
de D. Pedro de Noronha (1419-1423) a festa do Milagre da Cera foi associada à festa de
Nossa Senhora das Dores, «por isso se canta nella o Evangelho: Stabat juxta crucem»,
havendo concedido também quarenta dias de indulgência a quem assistisse ao ofício de

1
A data apontada por Jorge Cardoso no ano em que escreve o terceiro tomo Agiológio Lusitano (1666) é 16
de Junho. Esta festa surge como apêndice ao Breviarium Eborense, impresso em Lisboa por Ludovicum
Rotorigium em 1548, col. 1772-1777. São apenas indicadas as nove lições para o ofício de Matinas, sendo os
restantes ofícios retirados do comum das festas da Virgem Maria.

263
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Primeiras Vésperas. Jorge Cardoso refere que esta festa constava no Quaderno dos
officios proprios desta S. Igreja [de Évora], mandado imprimir em 1630 pelo Arcebispo
D. José de Melo (CARDOSO, 1666, III, 708).
O Rito Romano reformado pelo Concílio de Trento foi introduzido na Catedral de
Évora na véspera de Natal de 1570 (ALEGRIA, 1973, 12). Esta reforma litúrgica
implicou mudanças substanciais no ciclo do Santoral mantendo-se, porém, o culto de
alguns santos locais, assim como festas de caráter mariano. É isto o que acontece no
período de D. Teotónio de Bragança como Arcebispo de Évora (1578-1602), em que são
reavivados alguns cultos de santos locais e locais onde eram venerados, incluindo
também alguns templos de culto mariano. Estes locais são, em certa forma, reativados
através de profundas campanhas de recuperação e aumento dos espaços religiosos e a
renovação de obras de arte sacra nos mesmos, como é o caso dos templos dedicados a São
Manços, São Vicente e as irmãs, São Brissos, assim como a igreja de Nossa Senhora da
Graça do Divor (SERRÃO, 2015, 243). Durante o período de D. Teotónio parece ter
ganho alguma importância ainda o culto a Nossa Senhora do Rosário, nomeadamente as
imagens tidas como milagrosas. Foram publicadas várias edições destes milagres
impressas na cidade de Évora por editores como André de Burgos ou Manuel de Lira.
Trata-se do Livro do Rosario de Nossa Senhora, do dominicano Nicolau Dias em 1576,
da Historia dos milagres do Rosario da Virgem Nossa Senhora do jesuíta padre João
Rebelo que contou com várias edições sendo largamente difundido ao longo do século
XVII (SERRÃO, 2015, 252). Estas publicações, assim como a circulação de largo
número gravuras, terão fomentado a devoção a esta invocação mariana ao longo do
século XVII.
Ainda sobre o culto mariano na Catedral de Évora é importante a referência à festa de
Nossa Senhora do Anjo no Santuário Mariano de Fr. Agostinho de Santa Maria.
De acordo com este autor a imagem de Nossa Senhora do Ó era muito venerada pelos
cónegos da Catedral e, em resultado desta devoção, cantavam todos os sábados o ofício
da Salve junto ao seu altar (SANTA MARIA, 1718, VI, 10). Relativamente a este altar,
prossegue o autor, resolveu-se nele celebrar a festa do Milagre da Cera que era celebrada
no altar-mor. Para tal, durante o sínodo celebrado pelo Arcebispo D. Fr. Luís de Sousa foi
deliberado que se verificasse se ainda existiam os doze círios debaixo do altar-mor da
Catedral. O mesmo foi resolvido para o altar de Nossa Senhora do Anjo, interrompendo-
se, porém, a ação por se ter encontrado a inscrição numa pedra que servia de peanha
à imagem do incipit textual da antífona Recordare, Virgo Mater. Todavia, e apesar de
subsistirem dúvidas de qual seria o altar de celebração da missa da festa do Milagre da

264
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Cera, ficou assentado que a sua celebração continuaria no altar-mor (SANTA MARIA,
1718, VI, 10-11).
A presença da antífona Recordare, Virgo Mater associada ao altar principal da
Catedral, assim como a um importante altar de devoção popular, parece firmemente
estabelecida. Este terá sido o contexto para a inclusão desta rubrica na liturgia musical da
Catedral de Évora, associada aos vários cultos marianos celebrados neste templo.
A antífona surge ainda referenciada pelo padre Francisco da Fonseca estando associada
a um local de devoção popular. Trata-se da igreja de Nossa Senhora da Boa-fé, nos
arredores de Évora, onde a população acorreu por altura da peste que assolou a cidade em
1569. Aqui cantou-se a antífona Recordare, Virgo Mater tendo a epidemia cessado pouco
tempo depois o que, novamente foi atribuído a milagre da Virgem (FONSECA,
1728, 211).
Os acontecimentos políticos decorrentes das Alterações de Évora e consequente
Restauração da monarquia portuguesa com a subida ao trono do de D. João IV dividiram
o século XVII em dois períodos bastante distintos. No que diz respeito à música e,
sobretudo, a sua atividade nas instituições religiosas de Évora, o período que medeia entre
a Restauração e o final das campanhas militares no Alentejo constituiu um momento de
instabilidade política, social e também artística. É o que sugerem as fontes documentais,
em concreto as instituições que regulavam a música na Catedral, especialmente aquelas
decorrentes dos acordos capitulares durante essas três décadas. Para a capital do reino é
pintado um quadro musical aparentemente pacífico após os movimentos revolucionários
da década de 1640. D. João, já rei, continuava a apoiar a música realizada nas instituições
musicais lisboetas, apoiando também a sua impressão, nomeadamente da monumental
edição de salmos de João Lourenço Rebelo, impressa em Roma no ano de 1657 (NERY
et al., 1991, 63-64).
Porém, no que diz respeito ao contexto musical local, o Colégio como a capela e
restante corpo eclesiástico da Catedral de Évora era ordenado por decisão capitular, em
sede vacante, a participar nas obras de fortificação da cidade junto à sua muralha e
baluartes exteriores «levando enxadas, cabanejos, pás e mais petrechos» (ALEGRIA,
1997, 125). A cidade havia perdido o seu Arcebispo, D. João Coutinho, falecido em Elvas
a 10 de setembro de 1643 no regresso de Madrid (onde estivera retido deste as Alterações
de 1637) e só em 1671 houve novo arcebispo, na pessoa de D. Diogo de Sousa. Em 6 de
dezembro de 1644 eram enviados seis colegiais para os trabalhos nas muralhas e, no dia
seguinte, músicos da catedral assim como os colegiais que o chantre ordenasse
(ALEGRIA, 1997, 127).

265
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

A 14 de maio de 1663 estavam as tropas espanholas comandadas por D. Juan de


Áustria às portas de Évora desenvolvendo-se uma série de confrontos com as tropas
portuguesas sitiadas, nomeadamente no convento de carmelitas calçados de Nossa
Senhora do Carmo, à Porta da Lagoa, que acabou destruído. D. Juan de Áustria
estabeleceu o seu quartel-general no convento hieronimita de Nossa Senhora do
Espinheiro, ocupando também o convento cartuxo de Nossa Senhora Scala Coeli, o
convento capucho de Santo António e ainda o convento de carmelitas descalços de Nossa
Senhora dos Remédios (HENRIQUES, 2017, 357-358). As tropas espanholas entraram na
cidade a 22 de maio, após violento combate com as forças portuguesas sitiadas
desenvolvendo-se os embates mais violentos entre as portas de Alconchel e da Lagoa,
espaço também delimitado pelos conventos de Nossa Senhora dos Remédios (à porta de
Alconchel) e de Nossa Senhora do Carmo (à porta da Lagoa) (MENEZES, 1698, II, 518).
A este respeito diz Francisco da Fonseca que no bombardeamento da cidade foi atingida a
ermida de Nossa Senhora da Ajuda que estava situada por cima da porta de Alconchel,
onde «cahiram nella muytas balas, e bombas, e todas deixaram illezos os devotos»
(FONSECA, 1728, 212). A cidade caiu novamente em poder das forças portuguesas a
26 de junho, praticamente um mês após ter sido tomada por D. Juan de Áustria
(MENEZES, 1698, II, 570).
O ano de 1663 é apontado como data de morte do padre Bento Nunes Pegado, que
ocupava o cargo de mestre da Claustra desde cerca de 1642 (ALEGRIA, 1973, 70). Não
se sabe se o falecimento deste mestre terá ou não estado diretamente relacionado com as
campanhas militares na cidade, uma vez que por esta altura devia já ser de idade
avançada. Certo é, que o desaparecimento de Pegado, por morte ou aposentação,
proporcionou a entrada em cena de um novo mestre da Claustra – Diogo Dias Melgaz –
figura importante na atividade musical da Catedral nas duas últimas décadas de seiscentos
uma vez que dele sobreviveu largo número de composições musicais hoje existentes no
seu arquivo musical. Melgaz irá permanecer neste cargo muito possivelmente até ao ano
de 1697, altura em que Pedro Vaz Rego começou a substituí-lo na direção da capela da
Catedral, tendo muito provavelmente também assumido funções de ensino na Claustra.
Para além do cargo de mestre da Claustra, Melgaz passou a acumular o cargo de mestre
de capela possivelmente a partir de 1678, ano em que terá falecido o então mestre de
capela António Rodrigues Vilalva (ALEGRIA, 1973, 75). Melgaz assumiu também o
cargo de reitor do Colégio dos Moços do Coro a 14 de março de 1662 (ALEGRIA,
1997, 135).

266
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

As datas em que Melgaz começou a ocupar os três cargos de maior importância na


esfera musical da Catedral de Évora (1662, 1663 e 1678) permitem uma localização de
possíveis períodos de composição onde se insere o repertório mariano. O período mais
provável para a escrita de repertório mariano e, em geral, da sua produção musical terá
sido certamente o tempo em que ocupou o cargo de mestre de capela da Catedral, posição
que exigia a composição regular de música. Terá este período mediado entre 1678 e 1697,
ano em que começou a ser substituído nestas funções por Pedro Vaz Rego. Todavia, ao
tempo de Diogo Dias Melgaz, a Catedral possuía um corpus de repertório musical de
temática mariana que remontava ao final do século XVI compreendendo obras de
compositores portugueses e espanhóis, em manuscrito ou impresso. Algum repertório ter-
se-á perdido, uma vez que é referenciada a existência de manuscritos e impressos na casa
de Melgaz na Rua do Espírito Santo sem, porém, se conhecer mais detalhes acerca destas
obras (BARATA, 1909, 45).
No que diz respeito ao repertório musical polifónico de temática mariana associado à
Catedral de Évora, as obras mais antigas que estão atualmente conservadas no arquivo
musical dessa instituição datam do final do século XVI. Uma das primeiras fontes é um
caderno composto 15 fólios que terá pertencido a um livro de coro utilizado no serviço
litúrgico-musical da Catedral.2 Este caderno inclui duas composições de temática mariana
que subsistem sem autoria: uma versão polifónica em alternatim da antífona Salve Regina
para sete vozes e uma missa para cinco vozes sobre a antífona Ave Maria
(ALVARENGA, 2015, 28-29). O primeiro compositor conhecido com produção musical
de temática mariana atribuída é Manuel Rebelo, mestre de capela e da claustra da
Catedral durante as primeiras três décadas de seiscentos. As composições musicais de
Rebelo que sobreviveram até à atualidade conservam-se num livro de coro que, entre
outras obras, inclui um Magnificat do primeiro tom para quatro vozes, assim como
a antífona Regina caeli também para quatro vozes.3
A partir de Rebelo, até ao período de Diogo Dias Melgaz existe um hiato em termos
de fontes musicais manuscritas que tenham sobrevivido respeitantes à produção musical
dos compositores com atividade na Catedral. Grande parte do que se conhece atualmente
sobre os compositores eborenses de meados do século XVII resume-se a títulos
mencionados na edição da primeira parte do catálogo da biblioteca musical de D.

2
P-EVc (Portugal-Évora, Catedral) Códice n.º 12. Este códice contém o hino Procul recedant, o responsório
breve In manus tuas, o salmo Beati omnes, a antífona Salve Regina e a Missa [Ave Maria]. Inventário
detalhado em ALVARENGA, 2015, p. 39. Disponível em http://pemdatabase.eu/source/10194/
3
P-EVc Códice n.º 3. Incluí, para além do Magnificat e Regina Caeli, uma Missa para cinco vozes, a antífona
Pueri Hebraeorum, o motete Domine Jesu Christe e uma Ladainha para todos os santos.

267
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

João IV, publicado em 1649, e das referências avançadas por Diogo Barbosa Machado na
sua Bibliotheca Lusitana, mais concretamente, sobre o mestre de capela da Catedral entre
1647 e1678 António Rodrigues Vilalva (BARBOSA MACHADO, 1746, 377).
Ao tempo em que desempenhou o cargo de mestre de capela, Melgaz tinha ainda ao
seu dispor um corpus de repertório polifónico impresso ao longo da primeira metade de
seiscentos dos principais antigos alunos do Colégio dos Moços do Coro, como os livros
impressos por Manuel Cardoso, Duarte Lobo e Filipe de Magalhães a ocupar um lugar
central, e também de autores espanhóis como Juan Navarro e Sebastián Aguilera de
Heredia. Destes últimos compositores existem no arquivo musical da Catedral duas
coleções: uma de Magnificat de Heredia e outra de salmos, hinos e Magnificat para o Ano
Litúrgico de Navarro.4
Dos três compositores portugueses referidos anteriormente, destaca-se Duarte Lobo,
autor do maior número de rubricas musicais de temática mariana, nomeadamente missas.
No seu primeiro primeiro livro, de 1621, encontram-se duas missas para quatro vozes – a
Missa de Beata Virgine e Sancta Maria – ambas de caráter litúrgico universal para as
festas da Virgem.5 No caso da Missa Sancta Maria, trata-se de uma missa paródia que
toma como modelo o motete Sancta Maria succurre miseris de Francisco Guerrero, obra
que conheceu várias impressões. Encontra-se ainda no segundo livro de missas de 1639 a
Missa Dum Aurora, que toma como modelo o motete de Giovanni Pierluigi da Palestrina
para a festa de Santa Cecília.6 De Filipe Magalhães encontra-se no seu livro de missas de
1636 a Missa de Beata Virgine e as missas Si ignoras te e Dilectus meus, cujos incipit
tem proveniência no Cântico dos Cânticos.7
Porém, não foi encontrada qualquer fonte seiscentista contendo a antífona Recordare,
Virgo Mater em polifonia anterior à versão de Diogo Dias Melgaz, ou seja, ao final do
século XVII. Por outro lado, relativamente ao século XVIII encontram-se no arquivo
musical seis obras com este texto em polifonia de estilo antigo ou em estilo concertado,
quatro delas com autoria e duas sem autor conhecido. Encontra-se assim a versão de
Diogo Dias Melgaz8, Fr. Vicente de Santa Bárbara9 e Fr. Ignácio Agostinho de São

4
P-EVc Livro Impresso de Polifonia n.º 6, Canticvm Beatissimae Virginis Deiparae Mariae octo Modis de
Sebastián Aguilera de Heredia, impresso em 1618; P-EVc Livro Impresso de Polifonia n.º 7, Psalmi, Hymni,
ac Magnificat totius annis… necnon Beatae semperque Virginis… temporum Antiphonae in fine horarum
dicendae, de Juan Navarro impresso em 1590.
5
P-EVc Livro Impresso de Polifonia n.º 5. Missarum IV. V. VI. et VIII vocibus, impresso em Antuérpia no
ano de 1621.
6
P-EVc Livro Impresso de Polifonia n.º 4. Liber II. Missarum, impresso em Antuérpia no ano de 1639.
7
P-EVc Livro Impresso de Polifonia n.º 3. Missarum liber cvm antiphonis dominiclibus in principio, et
motetto pro defunctis in fine, impresso em 1636.
8
P-EVc Música Mariana n.º 53.

268
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Jerónimo10 como autores conhecidos. Embora, destes compositores apenas Melgaz tenha
ocupado cargo de mestre de capela na Catedral, no final do século XVIII um mestre
de capela, o padre Francisco José Perdigão, realizava uma cópia da obra de Fr. Vicente de
Santa Bárbara, certamente para uso da respetiva capela. Estas obras variam entre oito
vozes, dispostas em dois coros, com acompanhamento de baixo instrumental, no caso de
Melgaz, e quatro vozes em estilo concertado com acompanhamento de violinos e baixo
instrumental, no caso da obra de São Jerónimo. Embora não se conheçam obras anteriores
a Melgaz com o texto Recordare, Virgo Mater, as obras posteriores poderão oferecer uma
visão retrospetiva do enquadramento litúrgico-musical da obra deste último.
Não se conseguiram encontrar obras polifónicas com o texto Recordare, Virgo Mater
associadas ao contexto litúrgico-musical português, em parte, por uma grande parte dos
arquivos musicais não possuírem ainda uma indexação, assim como catálogos que
estejam facilmente acessíveis. Partindo dos arquivos portugueses presentes na base
de dados RISM não foi encontrado qualquer registo de uma obra com o texto Recordare,
Virgo Mater. Aqui, uma vez mais, a quantidade de arquivos presentes não permite uma
pesquisa abrangente de composições musicais. A única obra que surge com este texto tem
como autor Giovanni Giorgi, compositor de origem italiana ativo em Lisboa durante
a primeira metade do século XVIII. Esta obra de Giorgi aparece como offertorium para
a festa de Nossa Senhora do Carmo11. Porém, esta obra é transmitida através de uma fonte
existente num arquivo italiano (contrariamente à maioria da sua obra, transmitida através
de fontes existentes no arquivo da Patriarcal) o que sugere tratar-se de uma obra anterior à
vinda do compositor para Portugal. Encontra-se ainda referência a uma obra
do compositor espanhol Gabriel Díaz Bessón, também ela indicada como offertorium, no
catálogo da biblioteca musical de D. João IV. É referido que a obra era para oito vozes
(possivelmente distribuídas de forma policoral) e destinava-se à festa de Nossa Senhora
da Assunção (RIBEIRO, 1967, 355). Esta obra integra uma coleção de rubricas musicais
para as festas de Nossa Senhora onde, a título de exemplo, encontra-se representada a
festa de Nossa Senhora do Ó com a antífona O Virgo Virginum para oito vozes. Nesta
coleção encontram-se ainda seis versões da antífona Salve Regina, oscilando entre três e
doze vozes. Embora não tenha constituído uma pesquisa exaustiva, verificou-se não ser
a antífona (ou offertorium) Recordare, Virgo Mater um texto posto em música com a

9
P-EVc Música Mariana n.º 15. Uma das versões sem autoria é uma cópia da obra de Fr. Vicente de Santa
Bárbara P-EVc Música Mariana n.º 127.
10
P-EVc Música Mariana n.º 94-101.
11
Trata-se dos manuscritos I-Rsm 65/63 e 66/62, onde se encontra a obra com a indicação de ser destinada à
festa de Nossa Senhora do Carmo.

269
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

mesma ocorrência que outras antífonas de temática mariana como é o caso de Salve
Regina ou Regina caeli. Deste modo, torna-se difícil enquadrar esta obra musical no
contexto mais abrangente em termos do seu contexto português ou até mesmo peninsular.
Todavia, é importante referir a presença de rubricas com este texto em várias fontes
monódicas portuguesas. Infelizmente, tal como em fontes tardias, o seu elevado número
não permite uma recolha exaustiva para o presente estudo. No entanto, partindo dos livros
já inventariados na Portuguese Early Music Database, encontram-se, pelo menos, quatro
ocorrências divididas em duas fontes medievais. No primeiro caso trata-se do gradual
Iluminado 84 da Biblioteca National de Portugal12, que contém o proprium de tempore,
proprium sanctorum, commune santorum e kyriale. O livro terá sido copiado no final do
século XIII, com possível origem na arquidiocese de Sens. Nesta fonte, o texto surge
como ofertório para a missa de vigília na festa da Assunção da Virgem. Porém, no caso
do texto desta fonte, existem algumas diferenças relativamente aos textos seiscentistas e
setecentistas, nomeadamente a ausência de “dum steteris” e o seu final (no Iluminado 84
“ut avertat indignationem suam”, por oposição a “et avertas indignationem ejus a nobis”).
O texto desta fonte é idêntico a um dos offertoria presentes na segunda fonte identificada
Trata-se do gradual Ms. 34 do arquivo da Sé de Braga13, um manuscrito copiado
provavelmente entre 1510 e 1515 e cujo Uso próprio partilha muitas afinidades com o
Uso de Évora pré-tridentino. No caso do offertorium 1, o texto é idêntico ao do Iluminado
84, estando na fonte de Braga indicado como o proprium missae da festa das Sete Dores
da Virgem Maria (Nossa Senhora das Dores), celebrada na sexta-feira da Paixão. No caso
dos dois offertoria 2, o primeiro está indicado para a festa de Nossa Senhora da
Conceição e o segundo está associado ao comum para as festas da Virgem Maria. O texto
destes dois últimos offertoria, apesar de conterem um tropo (ab hac familia…), é aquele
mais próximo das fontes tardias de Évora.
O texto Recordare, Virgo Mater surge no Graduale Romanum seiscentista associado
ao offertorium do proprium missae para a festa das Sete Dores da Virgem Maria14.
Praticamente todas as rubricas musicais do proprium missae desta missa advêm do texto
da sequência Stabat mater dolorosa, cujo caráter rogativo está também claramente
presente no texto do seu offertorium. Assim, o presente texto surge associado, pelo
menos, às festas de Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Carmo, Sete Dores e

12
P-Ln Iluminado 84, f. 196r. Disponível em http://pemdatabase.eu/source/11083/.
13
P-BRs Ms. 34. Passando a ser designados no presente estudo como offertorium 1 (f. 418), 2a (f. 201) e 2b
(f.197). O livro de coro encontra-se disponível em http://pemdatabase.eu/source/2350/.
14
Veja-se, como exemplo, a respetiva festa no Graduale Romanum impresso no ano de 1663 em Antuérpia,
na Officina Plantiniana.

270
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Assunção da Virgem. É também importante referir a sua associação como offertorium


para o proprium missae das festas comuns marianas. Em termos textuais, nas obras
identificadas no arquivo musical da Catedral de Évora encontram-se duas versões que,
por um lado, apontam para o offertorium e, por outro, remetem para momentos musicais
do Ofício Divino.

Figura 1 - Recordare, Virgo Mater (Graduale Romanum, Antuérpia, Ex Officina


Plantiniana, 1663)

No caso das versões do arquivo da Sé de Évora, em termos textuais, cinco delas


seguem a forma do offertorium, à exceção da obra de Diogo Dias Melgaz. No caso desta
última, Melgaz utilizou o texto-base do offertorium «Recordare, Virgo Mater dum steteris
in conspectu Dei ut loquaris pro nobis bona et avertas indignationem ejus a nobis»,
adicionando-lhe uma segunda parte rogativa «O Maria Virgo clementissima, intercede
pro nobis ad Dominum Jesum Christum». O texto da segunda parte está muito próximo
de alguns versos da Litania para as festas da Virgem Maria, assim como de uma parte do
texto da antífona Tota pulchra es, Maria15. A antífona surge associada a grande número
de festividades marianas, sendo um deles a festa de Nossa Senhora da Conceição, mais
concretamente, uma das antífonas do ofício de Vésperas. Assim, poderão ser
consideradas pelo menos duas hipóteses quanto ao seu enquadramento nas festividades
marianas da Catedral. Ambas as possibilidades apontam para a utilização da obra de
Melgaz, não só como offertorium da missa, mas ainda como uma rubrica destinada ao
Ofício Divino.

15
A este respeito veja-se, por exemplo, as inúmeras edições impressas de litanias (nomeadamente a de Beata
Virgine) onde surgem invocações como «Virgo clementíssima» ou «Virgo prudentissima». No caso da
antífona Tota pulchra es, Maria, esta passagem textual reproduz praticamente todo o texto da segunda metade
da mesma: «O Maria, O Maria, Virgo prudentissima, Mater clementissima, ora pro nobis, intercede pro nobis,
ad Dominum Jesum Christum».

271
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

A primeira hipótese centra-se na sua inclusão com offertorium da missa mariana,


composição já desprovida de qualquer paráfrase ao texto musical monódico, constituindo-
se como uma obra escrita longe dos modelos quinhentistas. À primeira seção, que contém
o texto da antífona, Melgaz juntou-lhe uma segunda parte, também de temática mariana e
dentro do caráter rogativo da seção inicial.
Como segunda hipótese sugere-se que a composição estivesse destinada a algum
momento musical enquadrado na celebração de litanias (marianas) na Catedral de Évora.
O seu forte caráter rogativo aponta para esse momento por comparação com o conteúdo
do manuscrito Música Mariana nº 94-101. A fonte, que contém obras de Ignácio de São
Jerónimo, inclui o motete Sancta Maria succurre miseris, para a festa do Patrocínio da
Virgem, a oito vozes. O motete encontra-se com as antífonas Regina caeli, a quatro vozes
e contínuo, e Recordare, Virgo Mater, a quatro vozes com violinos e contínuo, junto com
uma litania, a quatro vozes com violinos e contínuo, e um Magnificat a 4 concertado. Esta
última obra ostenta a indicação de que se destinava às festas comuns da Virgem Maria.
A antífona Recordare, Virgo Mater surge, assim, entre um grupo de obras que tem
a litania mariana como obra central. Entre elas, o motete Sancta Maria, succurre miseris
assemelha-se à antífona em estudo, pelo seu caráter rogativo. Esta poderia destinar-se a
ser cantada após a Litania para a festa do Milagre da Cera. Contribui para a formulação
desta hipótese a sua identificação como antífona no respetivo manuscrito, não
constituindo, porém, argumento de distinção uma vez que a festividade não está indicada,
como acontece no caso de Díaz Bessón. Em qualquer dos casos, parece ser evidente que
esta antífona de Melgaz destinar-se-ia ou à festa das Dores ou à festa do Milagre da Cera.

Figura 2 - Diogo Dias Melgaz, Recordare, Virgo Mater, cc.1-5

272
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

No caso de Melgaz, como anteriormente mencionado, o compositor dividiu a antífona


em duas partes claramente identificáveis através da sua divisão com uma pausa de
mínima. O compositor utilizou uma textura de oito vozes dispostas de forma policoral,
com um baixo instrumental que segue as respetivas partes vocais. O texto musical
encontra-se disposto segundo um estilo de escrita policoral típico do século XVII, com
trocas antifonais entre o primeiro e segundo coro, juntando-se os dois coros nos
momentos cadenciais ou de final de segmento. Todavia, nesta obra já não ocorre a
incorporação da melodia de cantochão do offertorium na obra polifónica como paráfrase.
Existe, porém, algum contraponto envolvendo vozes distintas de ambos os coros o que
sugere não ter sido a antífona concebida para tirar proveito da espacialidade da catedral
eborense, permanecendo os dois coros muito perto um do outro, como é visível na
passagem textual «dum steteris in conspectu Dei».

Figura 3 - Diogo Dias Melgaz, Recordare, Virgo Mater, cc. 6-10

Ainda no respeitante à colocação desta antífona junto com a litania, será importante
ver a organização de outros dois manuscritos posteriores onde está presente a antífona
Recordare Virgo Mater. Trata-se do manuscrito Música Mariana n.º 118 e Música
Mariana nº 127. No primeiro caso, a antífona surge com a indicação «para o Milagre da
cera, 1372», associando-a diretamente a esta festividade. O manuscrito inclui ainda duas
composições de temática mariana, In honorem Beatissimae Virginis Maria e Conceptio

273
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

tua, e ainda uma litania lauretana para três vozes e contínuo. Aqui é importante referir
Conceptio tua, motete destinado à festa de Nossa Senhora da Conceição. Partindo do
restante conteúdo do manuscrito, é possível que as composições estivessem destinadas à
celebração de litanias ou preces, estando relacionadas com festa da Conceição ou do
Milagre da Cera. Nesse caso, Recordare, Virgo Mater surge, não como offertorium, mas
como uma obra destinada ao Ofício ou a um momento devocional.
O segundo manuscrito é composto pela antífona Recordare, Virgo Mater, o motete
Salve tremendum cunctis potestatibus, ambas as obras para quatro vozes e contínuo, junto
com uma litania para três vozes. A versão da antífona vem acompanhada pela jaculatória
«Mae de Deos, misericordia». Esta pequena seção remete para uma outra prática
devocional presente nestas festas que consistia na celebração de novenas e setenários.
A celebração destes momentos devocionais era frequente ao longo do ano litúrgico,
estando geralmente associada às festas mais importantes de determinada igreja, cidade ou
diocese. No que respeita às novenas, as celebrações incluíam uma série de unidades
funcionais que eram tratadas musicalmente: um invitatorium seguido por um hino (Veni
Sancte Spiritus, na verdade, uma sequência), jaculatória, litania, antífona alusiva à festa,
Tantum ergo, terminando com três jaculatórias. Finalizadas estas rubricas, era usual
cantar-se o Te Deum laudamus. No referente ao setenário de Nossa Senhora das Dores,
para além das unidades funcionais, era também cantada a sequência Stabat Mater
(FERNANDES, 2014, 219). Desta forma, a presença de jaculatórias junto com a antífona
Recordare, Virgo Mater sugere que estas composições – especialmente os manuscritos
Música Mariana nº 127 e Diversos nº 227 – poderá também apontar para a sua presença
como a antífona cantada após a litania e antes do Tantum ergo. Em termos da sua
ocorrência, é de salientar a festa de Nossa Senhora da Conceição, que geralmente tinha
novenário cantado, ou a festa de Nossa Senhora das Dores e respetivo setenário.
O já referido manuscrito Música Mariana nº 94-101 não se trata de uma obra em estilo
concertado, todavia, as vozes vão entrando sequencialmente de nove em nove compassos.
Após a introdução instrumental (de nove compassos, com dois violinos e contínuo) entra
o soprano, seguido pelo alto, tenor e basso. A obra utiliza a variante textual «Recordare,
Virgo Mater, in conspectu Dei ut loquaris pro nobis bona et ut avertas indignationem
suam a nobis». Esta versão textual é também encontrada na obra de Fr. Vicente de Santa
Bárbara (Música Mariana nº 15 e 127), assim como nas obras anónimas (Música Mariana
nº 118 e Diversos nº 227). Em ambos os manuscritos, a rubrica surge junto com uma
Litania. Sabe-se a partir das crónicas marianas enunciadas anteriormente que no culto
litúrgico-musical da Catedral de Évora, a festa do Milagre da Cera estava associada

274
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

à festa de Nossa Senhora das Dores. As mesmas crónicas referem a celebração do ofício
da Salve ao sábado junto do altar de Nossa Senhora do Anjo que, por sua vez, estava
associado à festa do Milagre da Cera (ESPANCA, 1964, 102). Esta interligação de festas
e espaços de culto mariano na Catedral irá refletir-se também na produção musical de
temática mariana de Diogo Dias Melgaz. É também uma imagem de Nossa Senhora das
Dores que coroa a grande estante do coro-alto da Catedral, o que pode sugerir também
alguma atenção musical para com a respetiva festa.
Como já se viu, existem nas duas versões sem autoria anotações nos respetivos
manuscritos que associam as rubricas diretamente à festa do Milagre da Cera. São estas a
Música Mariana nº 118 e Diversos nº 227. No caso do nº 118 o texto encontra-se de
acordo com a estrutura textual do offertorium. No caso das versões de Fr. Vicente de
Santa Bárbara (Música Mariana nº 15) e o Anónimo nº 227 pode ser encontrado um tipo
de organização textual diferente daquela presente na obra de Melgaz. O texto de
Recordare, Virgo Mater corresponde ao texto do offertorium, sendo-lhe adicionada uma
segunda parte rogativa com o texto «Pater de Caelis, Deus, miserere nobis», uma vez
mais, uma secção textual proveniente dos primeiros versos da Litania. Tal como no
exemplo anterior, a colocação de um texto rogativo como segunda parte da obra sugere
mais uma associação ao ofício que propriamente à missa mas, seguindo a indicação de
que se destinava à festa do Milagre da Cera, é possível que pudesse constituir o
offertorium da missa, neste caso, um motete em duas partes.

Figura 4 - Anónimo, Recordare, Virgo Mater, cc. 1-5 (P-EVc Diversos nº 227)

Destas versões diferentes de Recordare, Virgo Mater existentes no arquivo da


Catedral, há ainda a destacar o manuscrito Diversos nº 227. Trata-se de um manuscrito
composto por cinco partes soltas, para as quatro vozes (SATB) com acompanhamento de

275
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

baixo instrumental. A parte do baixo identifica-o como contendo dois motetes de capela:
de um lado do fólio encontra-se a obra com o texto Recordare, Virgo Mater e, no verso, a
segunda obra Pater de caelis. Apesar de identificados como duas obras distintas, estas
aparentam ser a primeira e segunda parte da mesma obra. Para além do mesmo
andamento e tonalidade, em Pater de caelis, continuam a ser utilizados os mesmos
motivos musicais de Recordare, Virgo Mater (fig. 4 e 5).

Figura 5 - Anónimo, Pater de Caelis, cc. 4-9 (P-EVc Diversos nº 227)

Nesta obra anónima encontramos ainda um tipo de recurso expressivo, criado através
a inserção de pausas (neste caso de semínima) entre as sílabas de uma determinada
palavra de forma a destacá-la.

Figura 6 - Anónimo, Recordare, Virgo Mater, cc. 45-50 (P-EVc Diversos nº 227)

276
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

É o que acontece com a palavra «avertas», simbolizando o pedido de afastamento dos


pecados. Este recurso encontra-se também numa obra de Diogo Dias Melgaz, no motete
Salve Regina, onde a palavra «suspiramus» é posta em evidência através do uso de pausas
num sentido ascendente. Não será, pois, de estranhar o uso de recursos deste tipo em
obras posteriores dada a influência de Melgaz nos compositores setecentistas e até mesmo
do início do século XIX, como é o caso de Francisco José Perdigão.

Figura 7 - Diogo Dias Melgaz, Salve Regina, cc. 42-47

Há ainda a considerar que, tanto a versão de Diogo Dias Melgaz como a versão
Anónima nº 227 de Recordare, Virgo Mater, poderiam ser utilizadas como offertorium
para a missa da festa do Milagre da Cera, com a adição de uma segunda parte textual
para-litúrgica, o que não seria prática invulgar para a época, tanto mais tratando-se de
uma celebração litúrgica de caráter local, com características marcadamente populares,
como é o caso desta festividade. A influência popular revela-se através das várias
jaculatórias, como é o caso da já referida presença na versão Anónima nº 227 do texto
«Mae de Deos, misericordia», posto em música no final de Recordare Virgo Mater,
ocorrendo em outros manuscritos do arquivo, uma vez mais junto da Litania da Virgem.
A segunda obra de temática mariana de Melgaz, a antífona Salve Regina, surge neste
contexto litúrgico-musical como uma obra destinada ao ofício de Vésperas celebrado no
sábado. Como já foi referido, o serviço da Salve era celebrado todos os sábados no altar
de Nossa Senhora do Ó pelos cónegos da Catedral (ESPANCA, 1964, 102-103),
entendendo-se aqui que também houvesse participação de outros clérigos, nomeadamente
dos bacharéis, assim como da capela musical, dirigida por Melgaz. A rubrica musical
deste serviço, como o título sugere, era a antífona Salve Regina. Desta forma não é de
estranhar que Melgaz tenha incorporado uma larga percentagem dos mecanismos

277
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

expressivos da escrita polifónica que haviam atingindo o auge no final do século XVII. É
neste contexto que recursos expressivos como o que foi mencionado anteriormente
surgem de forma a criar impacto musical no momento de celebração. Tal terá também
sido conseguido através de uma versão policoral da antífona Recordare, Virgo Mater.
Em suma, a associação do texto Recordare, Virgo Mater à festa do Milagre da Cera
parece evidente face às referências documentais e musicais. Verifica-se que as versões,
quer polifónicas, quer em estilo concertado, surgem no arquivo musical da Sé de Évora
pelo menos a partir do último quartel do século XVII, período de atividade de Diogo Dias
Melgaz como mestre de capela da catedral. Porém, não se poderá excluir a existência de
composições anteriores a Melgaz, assim como a prática musical das mesmas no âmbito
da atividade da capela, dado o peso que a festa do Milagre da Cera tinha no calendário
litúrgico da Catedral. Embora em alguns casos a associação inicial destas obras à festa do
Milagre da Cera seja evidente, subsistem dúvidas sobre quais as ocasiões litúrgicas em
que seriam, de facto, cantadas. O momento litúrgico para as obras parece ser o
offertorium da missa, não sendo, porém, de excluir outros momentos do Ofício como
Vésperas, a celebração de novenas e setenários ou o canto da Litania da Virgem no dia
antecedendo a respetiva festa. A ausência de indicações litúrgicas nos manuscritos, para
além da referência à festa do Milagre da Cera, não nos permitem localizar rigorosamente
estas obras no calendário litúrgico da Catedral. Porém, a associação direta à Virgem e a
importância que as festas marianas tinham no calendário litúrgico anual da Catedral de
Évora, pressupõe-se que fossem cantadas não só na festa indicada, como também em
outras das inúmeras festividades marianas do calendário da catedral eborense.

Bibliografia:
ALEGRIA, José A. (ed.) (1978) – Diogo Dias Melgás (1638-1700): Opera Omnia.
Portugaliae Musica vol. XXXII, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
ALEGRIA, José A. (1973) – História da Escola de Música da Sé de Évora. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
ALEGRIA, José A. (1997) – O Colégio dos Moços do Coro da Sé de Évora. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
ALVARENGA, João P. d’ (2015) – Polyphonic Church Music and the Sources from Late
Sixteenth-Century Évora Cathedral. Revista Portuguesa da Musicologia Vol. 2, nº 1,
pp. 19-40.
BARATA, António F. (1909) – Évora Antiga. Évora: Minerva Commercial.

278
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

BARBOSA MACHADO, Diogo (1741) – Bibliotheca Lusitana. Tomo I. Lisboa: Na


Officina de Antonio Isidoro da Fonseca.
CARDOSO, Jorge (1666) – Agiologio Lusitano. Tomo III. Lisboa: Na Officina de
Antonio Craesbeeck de Mello.
ESPANCA, Túlio (1964) – Curiosidades de Évora (2.ª série). A Cidade de Évora nº 47,
pp. 43-162.
FERNANDES, Cristina (2014) – As Práticas Devocionais Luso-brasileira no Final do
Antigo Regime: o Repertório Musical das Novenas, Trezenas e Setenários na Capela
Real e Patriarcal de Lisboa. Revista Música Hodie Vol. 14, nº 2, pp. 213-231.
FONSECA, Francisco da (1728) – Evora gloriosa. Epilogo Dos quatro Tomos da Euora
Illustrada. Roma: Na Officina Komarekiana.
HENRIQUES, Luís (2017) – A paisagem sonora de Évora no século XVII: Perspectivas a
partir da actividade das instituições religiosas da cidade. In Book of Proceedings II
International Congress Interdisciplinarity in Social and Human Sciences. Faro:
Research Centre for Spatial and Organizational Dynamics, pp. 355-359.
MENEZES, Luís de (1698) – Historia de Portugal Restaurado. Tomo II. Lisboa: Na
Officina de Miguel Deslandes.
NERY, Rui V.; CASTRO, Paulo F. de (1991) – História da Música (Sínteses de Cultura
Portuguesa). Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda.
RIBEIRO, Mário de S. (1967) – Primeira parte do index da livraria de música de el rei
D. João IV. Reprodução fac-similada da edição de 1649. Explicação prévia por
Damião Peres. Lisboa: Academia Portuguesa da História.
SANTA MARIA, Fr. Agostinho de (1718) – Santuario Mariano, E Historia das Imagens
Milagrosas de N. Senhora, E as milagrosamente aparecidas, que se veneraõ em o
Arcebispado de Evora. Tomo Sexto, Lisboa Occidental: Na Officina de Antonio
Pedrozo Galram.
SERRÃO, Vítor (2015) – Arte, religião e imagens em Évora no tempo do Arcebispo
D. Teotónio de Bragança, 1578-1602. Vila Viçosa: Fundação Casa de Bragança.

279
Os salmos concertados do Arquivo da Sé de Évora entre a segunda metade do século
XVIII e início do século XIX

Rita Faleiro

Resumo:
No fundo musical do Arquivo da Sé de Évora, entre meados do século XVIII e inícios do
XIX, existe um amplo corpo de obras sacras por estudar. Dentro delas, José Augusto
Alegria identifica 220 salmos que são compostos tanto por nomes internacionalmente
conhecidos como por compositores portugueses que obtiveram a sua formação no Real
Seminário de Música da Patriarcal e ainda compositores locais. Partindo então desta obra
de referência, pretende este artigo lançar um primeiro olhar sobre estas obras (tendo em
conta as principais características do stile concertato) e o que elas podem indicar sobre o
quadro musical da Sé no período cronológico referido. Propõe-se igualmente perceber
qual o principal enquadramento litúrgico destas obras e retirar algumas conclusões
preliminares sobre as escolhas feitas pelos compositores para a realização das mesmas
(por exemplo em termos de instrumentação).
Palavras-chave: música sacra, Sé de Évora, século XVIII, salmos concertados

Abstract:

A large collection of sacred music, dated from mid-18th century to early 19th century that
is still waiting to be studied can be found in the musical fund of Évora’s Cathedral
Archive. Among these works, José Augusto Alegria identifies 220 psalms and their
composers, ranging from internationally renown to portuguese composers with
educational background from the Real Seminário de Música da Patriarcal, as well as local
composers. Taking the references of Alegria as a starting point, this article intends to be
an initial glance upon these works (bearing in mind the main characteristics of the stile


Este trabalho enquadra-se no âmbito do projecto de Doutoramento financiado pela FCT - Fundação para a
Ciência e Tecnologia: «Os salmos no fundo musical da Sé de Évora (de meados do século XVIII a inícios do
século XIX): edição e estudo de uma selecção representativa.» (SFRH/BD/137427/2018) e no âmbito do
projecto ALT20-03-0145-FEDER-028584 (PTDC/ART-PER/28584/2017) – «PASEV: Patrimonialização da
Paisagem Sonora em Évora (1540-1910)», financiado por fundos nacionais através da FCT/MCTES e co-
financiado pelo Fundo Europeu de desenvolvimento Regional (FEDER) através do Compete 2020 –
Programa Operacional Competividade e Internacionalização (POCI).

CESEM/Universidade de Évora
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

concertato), aiming to draw conclusions about the musical background of the Cathedral in
the referred chronological period. It is also intended to understand the main liturgical
framing of these works and to establish some preliminary findings about the choices
made by the composers regarding their instrumentation, for example.

Keywords: sacred music, Évora’s Cathedral, 18th century, concertati psalms

1. O enquadramento contextual dos salmos concertados da Sé de Évora

1.1. Stile concertato: uma abordagem prévia ao seu significado

«The concertato style is most characteristic of Italian and German church music in the
first half of the 17th century» (CARVER, 2001). Esta é uma citação que encontra eco em
variados autores; recordemos as palavras de Julie Anne Sadie, que refere «One of the
most important principles of Baroque music is that of concertato style, in which vocal and
instrumental forces are combined and contrasted» (SADIE, 2002, 391). Ou recordemos
ainda a definição de Shrock, «Concertato – a style of composition during the Baroque era
that employed contrasts of smaller and larger performing forces, usually soloist and a few
instruments for the smaller forces (generally called concertino), and chorus and full
orchestration for the larger forces (called concerto grosso).» (SHROCK, 2009, 764)
Surgido em Itália a partir de composições multivocais típicas da escola veneziana1, é
caracterizado sobretudo por uma constante alternância e contrastes, ainda que de início
não contemplasse uma diferenciação estilística entre a escrita vocal e a escrita
instrumental. De acordo com Bukofzer (1947), dentro da estrutura deste estilo, surgido
tão cedo quanto a época de Gabrieli (opinião corroborada por Sandra Mangsen 2 ), é
possível encontrar uma disposição que sugere uma forma rondó3; efectivamente, para este
autor, este estilo é dotado de grande variedade formal, podendo enquadrar-se em três

1
Para usar o termo de Bukofzer, que defende que este é um estilo que se desenvolve nos locais específicos
onde era necessária uma ajuda instrumental: «It is symptomatic, however, that the cconcertato style
developed first in the many-voiced compositions of the Venetian school where the aid of instruments was
needed first.» (BUKOFZER, 1947, 21)
2
«The origins of the concertato style are in the polychoral motets of Andrea and Giovanni Gabrieli and in the
development of the basso continuo in the works of composers such as Viadana around the beginning of the
17th century» (cit. SADIE, 2002, 391)
3
«(...) as early as Gabrieli we find inserted ritornelli and repeated tripla sections that strongly suggest a free
rondo form.» (BUKOFZER, 1947, 355).

281
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

grandes categorias que não se excluem mutuamente 4 . Defende ainda que dentro da
música barroca, e no que concerne ao aspecto performativo, o estilo usado no barroco
torna a palavra no elemento dominante sobre a harmonia5, fazendo ainda uma síntese
importante de alguns elementos de ornamentação característicos da época. Assim, típicos
do Barroco6 inicial italiano, apresenta-nos cinco grupos de ornamentos: a) passagens em
escalas; b) accenti 7 ; c) esclamatione 8 ; d) groppo 9 , e, finalmente e), trillo, ou trémolo
numa nota apenas 10 . Acrescenta-se ainda a estes cinco grupos fundamentais de
características ornamentais o chamado «ritmo Lombard». Esta tendência de uso
ornamental com fins expressivos em motetes concertados italianos é de igual forma
apontada por Cheetham, autor que nos mostra como as características italianas atingem
obras de compositores ingleses (CHEETHAM, 2014, 96); destacam-se contrastes entre
secções imitativas e escrita homofónica, secções contrapontísticas que são intercaladas
com motivos rítmicos curtos, utilização de fórmulas harmónicas e uma orientação vertical
formada por acordes, contrastes métricos e finalmente utilização de uma parte de baixo
contínuo.
Também Franco Piperno é autor de um importante estudo para a compreensão do
estilo concertado, afirmando que tem como base a variedade e o contraste, a colaboração
e interacção entre os vários elementos que constituem a peça musical. De acordo com este
autor, o estilo concertado pode ser dividido em três grandes grupos de contrastes:
contrastes tímbricos (entre vozes, instrumentos ou ainda ambos), contrastes de peso
sonoro/densidade textural (entre solos e tutti), ou ainda contrastes relativamente a

4
Sendo a primeira composta continuamente («through-composed»), a segunda consistindo num conjunto de
secções arranjados segundo A-B-C-D-X-[ SECÇÃO CENTRAL DE MAIOR RELEVO] -B’-A’ e, finalmente
a terceira segundo uma forma rondó livre (BUKOFZER 1947, 355-356)
5
«According to Berardi and his teacher Scacchi, the essential difference between first and second practice lay
in the changed relations between music and word. In renaissance music, «harmony is the master of the word»;
in baroque music «the word is the master of harmony» (BUKOFZER, 1947, 4).
6
Cabe fazer aqui uma pequena nota; sendo certo que tradicionalmente as barreiras cronológicas do barroco
musical o apresentam a terminarem 1750, com a morte de Johann Sebastian Bach, não nos podemos esquecer
que o que se pretende recordar aqui é não apenas qual o principal conjunto de características que caracterizam
o estilo concertado como também tentar entender de que maneira estas características originárias de um estilo
italiano poderão ser encontradas nas obras pertencentes ao fundo musical da Sé de Évora no período em
questão. Aliás, isto vai ao encontro do que defende James Webster: «If we wish to construe the eighteenth
century as a music-historical period, we must abandon the traditional notion that it was bifurcated in the
middle.» (WEBSTER, 2004, 47).
7
Conseguidos através de portamentos que tradicionalmente poderiam começar uma terceira abaixo da nota
escrita.
8
Utilização de nuances dinâmicas numa nota suspensa.
9
Que corresponde ao nosso trilo actual.
10
Não deverá ser confundido com o que actualmente é considerado um trilo.

282
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

concepções estilísticas (a cappella, monodia, homofonia, recitativos, etc.)


(PIPERNO, 1991).
Da mesma maneira que as características específicas da música concertada são
sintetizadas por estes autores, existem algumas características específicas do estilo
barroco e que Bukofzer sintetiza de forma eficiente, contrastando-as com a corrente
renascentista anterior. Destas, destacamos a existência de representação afectiva das
palavras (retórica musical), absolutismo textual, polaridade das vozes extremas, âmbito
alargado da melodia diatónica e cromática, contraponto tonal, acordes como entidades
independentes e autónomas, progressões corais regidas pela tonalidade, ritmos extremos e
escrita idiomática vocal e instrumental. Torna-se ainda necessário, relativamente à
questão da instrumentação, perceber que no barroco musical (de acordo com Agazzari,
referido por Bukofzer) os instrumentos podem ser divididos, de acordo com a sua
importância dentro da peça, entre «fundamentais e ornamentais»: os fundamentais eram
representados sobretudo por instrumentos de tecla, e os ornamentais sobretudo por
instrumentos melódicos (cordas ou sopros). Isto é um paralelo à questão do dualismo
entre o acompanhamento do baixo e da melodia. No decorrer da música barroca, baixo e
soprano constituem o esqueleto da composição. O restante poderia ser preenchido
recorrendo-se à improvisação, uma vez que o contorno estrutural estava assegurado pela
polaridade das vozes extremas.
No decorrer do período barroco, podemos encontrar música escrita quer em stile
antico quer em stile moderno, sendo possível ao compositor escolher de que forma quer
veicular a sua música. Efectivamente, o estilo antigo foi moldado a partir do estilo
palestiniano e mantém-se no período barroco como uma segunda linguagem. Quanto à
música sacra em Portugal (e Espanha), diz-nos Paulo Castagna que apesar de em Itália
estar mais em voga o estilo moderno11, em território nacional houve uma predilecção pelo
estilo antigo 12 até pelo menos inícios do século XVIII. À medida que se avança, no
entanto, os dois estilos acabam por ser usados de forma cada vez mais equilibrada,
coexistindo inclusivamente até ao século XIX (CASTAGNA, s.d., 5). É no entanto
necessário ressalvar que embora este autor refira que o estilo antigo seja maioritariamente
usado em rubricas como Vésperas solenes, ao se confrontar esta afirmação com a

11
Estilo que, segundo o próprio compositor, «recebia partes instrumentais, frequentemente cordas e contínuo
mas, a partir da segunda metade do século XVIII, também sopros (entre eles as trompas) e, mais raramente,
tímpanos.» (CASTAGNA, s.d, 2)
12
Escrito «no máximo com o emprego do baixo contínuo» e baseado em «normas composicionais derivadas
da música romana contra-reformista, especialmente aquelas compostas por Giovanni Pierluigi da Palestrina
(...)». (CASTAGNA, s.d, 2)

283
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

realidade portuguesa podemos aperceber-nos que os salmos constituintes de Vésperas


presentes na Sé de Évora utilizam um estilo moderno (se for tida em conta a definição de
estilo moderno dada por Castagna e que está relacionada com questões de
instrumentação). No contexto português, podemos encontrar em determinadas obras esta
tendência de conjugar os dois estilos com o propósito de melhor expressar e transmitir o
texto religioso – de acordo com Bernardes (2016, 41), as Missas são um território por
excelência para esta realidade, através do «hibridismo» utilizado entre diversas técnicas
de composição musical, entre as quais o stile antico (que o autor caracteriza como uma
prática historicista associada ao trabalho de Palestrina, tentando replicar o efeito
polifónico do século XVI (BERNARDES, 2016, 42).
Também em Bukofzer encontramos veiculada a ideia de que no que diz respeito à
música sacra dependia da vontade do compositor o uso do estilo antigo ou moderno:
«Mastery of the stile antico became the indispensable equipment in the composer’s
education. He was now at liberty to choose in which style he wanted to write, whether in
the moderno, the vehicle of his spontaneous expression, or in the strict antico which he
acquired by academic training.» (BUKOFZER, 1947, 3)
Na verdade, características concertadas e características barrocas não podem ser
separadas umas das outras neste contexto, tornando-se quase sinónimas visto que o estilo
concertado é o estilo por excelência do barroco, como já foi referido; e todas elas podem
ser encontradas em obras pertencentes ao fundo musical da Sé de Évora,
independentemente da nacionalidade ou origem do compositor, criando assim caminhos
para a italianização musical que foi vivida em Portugal. Aliás, o quadro contextual
português é caracterizado na segunda metade do século XVIII (havendo no entanto
excepções) precisamente por uma concepção harmónica baseada em acordes (tonal e
verticalmente) com a existência de um baixo contínuo cifrado (BERNARDES, 2016, 43)
– e quando nos deparamos com os manuscritos presentes no arquivo da Sé de Évora é
precisamente essa a realidade que nos é retratada: este estilo harmónico e tonal, com
utilização recorrente de movimentos cadenciais V-I, e com a integração no mesmo de
linhas melódicas de características marcadamente operísticas e virtuosas, tecnicamente
elaboradas, especialmente nos momentos solistas; esta presença de solos vocais e de
maior dinâmica entre as vozes corresponde à visão defendida por Bernardes (2016, 47),
além de retratar na perfeição esta convivência entre um stile antico fiel às regras
polifónicas renascentistas com uma música em stile moderno, receptora das modificações

284
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

e inovações provenientes do estilo operístico e da música instrumental de carácter


profano (CASTAGNA, 2000, 311).

1.2. Os músicos na Sé Catedral de Évora: a visão de José Augusto Alegria

Os trabalhos de José Augusto Alegria são ponto de partida para se poder efectuar um
estudo sobre a constituição do seu efectivo musical. No decorrer dos capítulos
respeitantes ao século XVIII e XIX da sua História da Escola de Música da Sé de Évora,
várias são as referências que podemos encontrar a músicos, sejam eles instrumentistas ou
cantores. Os dados que aqui nos aparecem foram reunidos pelo autor tendo como base as
pesquisas na Biblioteca Pública de Évora e no Arquivo Capitular da Catedral. Porém,
como o próprio autor refere, «Tudo se fez para que o trabalho resultasse o menos
imperfeito possível, o que nem sempre se conseguiu» (ALEGRIA, 1973b: 6). De facto,
não só nesta História da Música como também no Catálogo das Músicas do Arquivo da
Sé encontramos dados incompletos e por vezes mesmo inexistentes, ou incoerentes com
os dados apresentados noutras fontes. Estas incoerências ou falhas relacionam-se com
diversos aspectos: identificação de compositores, inexistência de listagens completas e
claras de músicos afectos ao serviço da Catedral ou ainda associação e identificação de
obras musicais.
No entanto, malgrado estas questões, quando se pretende obter uma primeira imagem
do quadro de músicos e repertório nesta instituição, estas obras adquirem uma
importância vital enquanto base de trabalho por nos fornecerem uma listagem inicial dos
músicos e instrumentos associados à catedral. A tabela seguinte faz um pequeno resumo
desta evolução, sendo baseada na História da Escola de Música da Sé de Évora, de José
Augusto Alegria.

285
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Tabela 1 – Evolução musical da capela da Sé segundo José Augusto Alegria

Transição
para 1703-04 Ca. 1740 1765 1785 1790 1796 1812-13 1830-31 1831 1833 1834
século
XVIII
Cinco Orgão 2 6 2 1 Orgão 2 3 1 baixo 3
cantores organistas cantores organistas rabequista organistas contraltos contraltos
Dois Harpa 1 harpa 2 3 rabecas Notícias 2 baixões 3 tenores 1 2 tenores
baixões e organistas de cravo contralto
charamelas e rabecão
Um harpa Baixão 1 viola 5 rabecas 2 baixos 4 1 baixo 2 tenores 2 fagotes Capela
contraltos Extinta
Um baixão Fagote 5 rabecas 1 baixão 3 baixões 4 tenores 2 1 2
organistas organista organistas
Músicos
Um fagote Charamela 1 baixão 3 3 baixos
Estrangeiros
e charamela contraltos
Um corneta Corneta 4 tenores
Um Sacabuxa
sacabuxa
Cravo
Viola
Rabecão

286
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

No decorrer dos dois capítulos relativos aos séculos XVIII e XIX, podemos encontrar
na leitura de Alegria uma tendência progressiva para o reduzir dos profissionais afectos
ao trabalho na capela musical da Sé, tanto em termos de instrumentistas como em termos
de cantores. Sendo certo que para o enquadramento dos salmos concertados deste
trabalho os dados relevantes se reportam unicamente aos acontecimentos pós-meados do
século, é importante perceber que na leitura deste autor é já nesta altura que se começa a
sentir um declínio em termos de meios efectivos para a realização musical.
Efectivamente, se na transição para o século XVIII encontramos uma capela constituída
por pelo menos 12 profissionais (dos quais cinco cantores), e nos anos iniciais (1703-
1704) percebemos uma composição orquestral baseada em dez instrumentos 13 , na
transição para o século XIX encontramos apenas referência à existência de três
instrumentos (órgão, cravo e rabecão), sendo que em 1790 apenas nos refere a existência
de um rabequista. Ao longo da segunda metade do século XVIII a tendência da capela da
Sé de Évora foi basear-se num efectivo instrumental baseado sobretudo nas cordas e no
órgão (veja-se o caso de 1740, em que não se encontra qualquer registo de instrumento de
sopro, ao contrário do que acontecia menos de quatro décadas antes), aos quais se
associam as vozes.
No que diz respeito já ao século XIX, Alegria traça-nos uma primeira imagem até ao
ano de 1834, mostrando-nos como o efectivo de músicos foi diminuindo. Começando nos
anos de 1812-1813, em que encontramos quinze músicos14, encontramos uma evolução
tendencialmente negativa, partindo de uma constituição maioritariamente vocal nos ano
de 1830 e 183115, passando por uma situação de bastante equilíbrio entre recursos vocais
e instrumentais no ano de 183316, para terminar em 1834 com a afirmação da extinção da
Capela da Sé, com a subsequente necessidade de contratação de músicos estrangeiros
para assegurar os serviços que se tornassem necessários: «Quando, em Junho de 1834, se
festejou a aclamação de D. Maria II com um Te-Deum, já nada existia da capela dos
músicos da Sé, a não ser o nome e os músicos dispersos. Houve necessidade de pagar a

13
Com grande incidência na questão dos sopros, com fagotes, charamelas, cornetas e sacabuxas.
14
Em nota de fim de capítulo relativo à situação do século XIX, diz-nos Alegria que «A constituição da
capela dos músicos neste ano de 1812-1813 é a seguinte: dois organistas, dois baixões, quatro contraltos,
quatro tenores e três baixos» (ALEGRIA, 1973a, 124). Este é o período em que, após um hiato temporal que
começou em 1800 pelas condicionantes históricas conhecidas, voltamos a encontrar existência de folhas de
pagamentos a músicos.
15
Três contraltos e três tenores, um baixo e dois organistas em 1830, um baixo, um contralto, dois tenores e
um organista em 1831.
16
Cinco vozes, distribuídas entre três contraltos e dois tenores, acompanham uma base instrumental de quatro
músicos: dois fagotes e dois organistas.

287
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

onze músicos e cantores «que vierão tocar e cantar no Te Deum...» (ALEGRIA, 1973a,
121). Encontramos ainda a referência à prática da música na Sé, que «(...) passou a ser
confiada a músicos e cantores que eram convidados para cada caso, dependendo o seu
número da maior ou menor solenidade das festas litúrgicas.» (ALEGRIA, 1973a, 122).
No decorrer destes dois capítulos, Alegria lista alguns dos nomes 17 associados à
capela, especificando a sua função em termos profissionais: organistas, cantores,
cravistas, violetistas, rabecões, violinistas/rabequistas, harpistas, oboístas, baixões e
inclusivamente músicos indiscriminados, isto é, que nos aparecem como profissionais
sem que seja possível saber a que instrumento estavam afectos. Podemos perceber que há
uma clara predominância de cantores, havendo 20 referências18 ao longo do período entre
inícios do século XVIII e 1834, de organistas, num total de seis referências, e de
violinistas/rabequistas, que apresentam oito referências. Os instrumentos para os quais
encontramos menos referências de identidade são o cravo (só aparece uma referência da
época da transição para o século XVIII, não obstante haver ainda referências ao uso deste
instrumento à data de 1796), a viola, oboé e harpa, com duas referências cada um, e
finalmente o rabecão e o baixão, que nos apresentam três nomes.
Algumas das leituras que podemos retirar daqui prendem-se não apenas à questão de
versatilidade destes músicos como também à questão de circulação geográfica dos
mesmos – a este respeito, recordem-se as palavras de Dulce de Brito, que afirma que a
partir de meados do século XVIII o decair do sistema de patrocínio origina uma maior
precariedade profissional, que por sua vez vai alimentar o crescimento de uma rede
musical itinerante (BRITO, 1991, 76-77).
A nível da versatilidade, vejamos o caso de P. Francisco Inácio Moreira, não apenas
organista como também rabequista, ou, alguns anos antes, em 1764, o caso de Paulo José
da Costa: cantor, rabequista e baixão. Aliás, Alegria especifica mesmo esta questão da
versatilidade apresentada pelos profissionais da capela, dizendo que era graças à
qualidade e excelência do ensino feito no colégio dos moços de coro que estes músicos
adquiriam tais capacidades e versatilidades musicais, sendo capazes de executar
instrumentos tecnicamente tão distintos (ALEGRIA, 1973a, 104). Igualmente importante
é o facto de, à medida que nos apresenta estes nomes, Alegria nos mostrar a realidade da
circulação de músicos profissionais; encontramos, a título de exemplo, referências a

17
Confrontar com anexo 1.
18
Na verdade, Alegria aponta-nos 21 nomes, embora um deles seja, quase indubitavelmente, o mesmo: na
constituição de 1779 Alegria refere Miguel Anjo do Amaral e em 1812 fala-nos dos «contraltos Miguel
Anjo (...)» (ALEGRIA, 1973a, 124)

288
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

músicos castelhanos ou franceses (P. Frei Manuel Trexo, António Bequer Guzman ou
Caetano e Vicente Nicolau), bem como notícias de substituição de instrumentistas (em
1718 encontramos a substituição de Alberto da Silva Burgos por Hilário de Oliveira,
ambos organistas e em 1779 o cantor José António Coutinho vem substituir Julião
Rosado Tavares).
Fazendo então um breve apanhado dos nomes registados por Alegria, começamos por
encontrar logo no início do século XVIII (quando Vaz Rego toma posse como director da
capela dos músicos) os organistas Francisco da Cunha e Francisco Guerra, sendo que o
segundo assumia igualmente a obrigação e responsabilidade de consertar os órgãos da sé,
bem como a responsabilidade de mestre dos moços de coro. Existiam cinco cantores19 –
um contralto – e seis instrumentistas20. É Vaz Rego que terá renovado e acrescentado
novos elementos à capela, sendo que agora entram ao serviço desta instituição novos
instrumentos como o cravo21, a viola22 e o rabecão23; estes instrumentos vieram juntar-se
ao efectivo anterior, constituído por órgão, baixão, fagote, charamela, corneta e sacabuxa.
Existindo harpa na Sé desde o século XVII24, é dos inícios do século XVIII a existência
de dois harpistas, dos quais Alegria não nos apresenta nome.
Próximo da segunda metade do século (1740), encontramos dois organistas, uma
harpa, uma viola, cinco rabecas e um baixão, sendo que no ano seguinte Alegria encontra
registo da compra de um rabecão. Já em 1765, a composição dos músicos apresenta
ligeiras diferenças: encontramos agora seis cantores, dois organistas, cinco rabecas e um
baixão. Em 1790, segundo este autor, a capela dos músicos contava já apenas com um
rabequista e em 1796 as folhas de pagamento não mencionam nenhum instrumento sem
ser órgão, embora ainda se usassem o cravo e o rabecão. Relativamente a instrumentistas,
apresenta-nos os nomes de P. Innocencio Freyre, José Pinheiro, P. Frei Francisco X,
Simião de Brito, Felipe Gomes na 1ª rabeca, José António e finalmente António Gomes.
Desta lista de nomes constam alguns mais que, sabendo-se que são músicos, não está
especificado o seu papel.

19
Um dos cantores terá sido P. João de Sousa Sandoval, que preenche momentaneamente o cargo de reitor
dos moços de coro, até D. Simão da Gama, arcebispo, prover Vaz Rego em 1704.
20
Destacando-se as charamelas, baixões, harpa, corneta, fagote e sacabuxa.
21
Frei Pedro de S. Bernardino deveria ensinar o cravo aos moços de coro que o desejassem aprender.
22
Frei Jacinto do Monte, também ele cornetista, deveria ensinar a viola no colégio.
23
Simão de Brito
24
«Presumo que o primeiro harpista da catedral tenha sido um tal André Lopes, que enviuvou em 25 de
Fevereiro de 1624.» (ALEGRIA, 1973a, 91)

289
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Encontramos ainda outras referências. Veja-se por exemplo a contratação de Joaquim


José de Castro, provido como baixo em 1761 e considerado um notável cantor, a
existência do tenor José Dias Coelho, ou ainda a existência de Paulo José Costa (activo,
segundo Alegria, cerca de 1765), que seria, consoante a necessidade, tenor ou soprano,
recebendo anualmente a quantia de 60 mil réis. É também através de Alegria que sabemos
que é em 1755 que entra ao serviço da Sé André Rodrigues Lopo, tenor, e que foi
contratado o organista P. Frei Manuel Trexo. Pertencentes ao corpo de músicos da Sé
encontramos igualmente Frei Manoel dos Archanjos, tenor; Padre Manoel de Olanda,
contralto; Francisco Xavier, contralto; Frei José Xavier, segundo tenor e José António
Henriques como organista substituto. Em 1785 é primeiro baixo da capela o padre
Joaquim José de Castro, que é igualmente mestre de capela, e na mesma altura cita-se
Miguel Anjo (Angelo) do Amaral, segundo contralto, e José António Moreira, tenor. Em
1783, Alegria dá-nos conta de Elias António Silveiro, segundo baixão, e em 1785 refere a
contratação de Francisco Inácio Moreira, organista. Quanto a Francisco José Perdigão,
mestre da capela, da claustra e reitor do colégio no ano de 1785, assegura a partir de 1799
a voz de baixo, substituindo então Joaquim de Santa Ana.
Estes dados iniciais não podem, no entanto, ser considerados como completos ou
sequer finais, uma vez que apesar de terem origem no mesmo autor, não foram ainda
confrontados com dados que possam advir de outras obras ou fontes. É o caso, como já se
viu, da referência feita a Amaral; pela leitura desta obra de Alegria, poder-se-ia tomar
como realidade que a única referência existente a este músico seria o seu papel como
segundo tenor. Porém, na realidade, outras fontes acrescentam dados fundamentais para a
compreensão da sua música – como o facto de ser violinista, e de ser em 1815 o
responsável por ensinar rabeca aos moços de coro da Sé 25 , ou ser o responsável
(procurador) por receber o ordenado de mestre de capela aposentado de Francisco
Perdigão26

2. Repertório: os compositores, possíveis enquadramentos litúrgicos e questões de


instrumentação

Quando nos propomos falar de compositores presentes no fundo musical da Sé de


Évora, torna-se importante ter em mente que neste acervo coexistem vários tipos de
obras: compostas por compositores eborenses, compostas por compositores extra-
eborenses mas nacionais e compostas por estrangeiros. O facto de existirem estas obras
25
PT/ASE/CSE/FSE/D/C/001/Lv106, f.30
26
PT/ASE/CSE/FSE/D/C/001/Lv106, f.23

290
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

extra-eborenses no fundo musical não é garantia que as mesmas fossem executadas.


Tendo em conta o fenómeno de circulação de músicos e obras, elas poderiam estar
presentes como elemento comparativo, ou de consulta, para simples conhecimento. No
entanto, o que é facto é que estes salmos – e por conseguinte os seus compositores –
fazem parte do acervo e do catálogo de José Augusto Alegria, e como tal deverão ser
referidos neste ponto do trabalho. Urge no entanto referir que para efeitos de execução
deste trabalho efectuou-se um constante confronto dos dados fornecidos por este autor
com outras fontes como o RISM 27 e mesmo com as informações presentes nos
manuscritos até agora digitalizados.
Partindo das identificações feitas por este autor no Catálogo do Arquivo das Músicas
da Sé de Évora, para a categoria de «salmos» encontramos 62 nomes; no entanto, tendo
em conta o período cronológico pretendido, este número desce para 37.
A tabela abaixo presente representa então os compositores preferenciais para este
estudo, após se complementarem as informações dadas por José Augusto Alegria e pelo
RISM.

Tabela 2 - Compositores de salmos presentes na Sé de Évora na segunda metade do


século XVIII e primeiras décadas do século XIX

Compositor Datas Origem/Local de Presença em Itália


actividade ?

André Roiz Lopo m. 1785 -

António José Pereira a. 1794 Portugal -


Bomsucesso

António Leal Moreira 1758-1819 Portugal -

Carlos Francisco a. 1750-179928 Évora


d'Assis Moreira

27
Répertoire International des Sources Musicales. No entanto, é também importante referir que o RISM não
poderá constituir base única de trabalho, uma vez que para compositores locais por vezes não apresenta
informações – veja-se o caso de Ferreira de Lima, músico proeminente em Évora e que não apresenta
qualquer registo neste repositório. Não obstante, é do confronto dos dados de Alegria com os dados do RISM
que se torna possível obter algumas informações que se complementam, já que este repositório internacional
nos apresenta mais dados sobre as peças (como por exemplo tonalidades, dedicatórias, e por vezes
inclusivamente o início das peças).
28
Não havendo praticamente datas relativas a este compositor, as datas apresentadas foram retiradas das
indicações fornecidas pelo RISM, relativamente ao manuscrito de Carlos Francisco d'Assis Moreira neste
repositório.

291
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Carlos Francisco de a. 1805 Portugal -


Assis

D. António de Sá m. 1770 Itália Sim


Tedeschi

David Perez 1711-1778 Nápoles Sim

Eleutério Franco Leal 1758-1849 Lisboa -

Elias António Silveiro a. 1786 Évora -

Eusébio Tavares dos a. 1760 Lisboa -


Reis29

Francisco Ignácio m. 1816 Évora -


Moreira
a. 1785
Francisco José m. 1833 Portugal/Évora -
Perdigão

Frei José Marques da 1782-1837 Portugal -


Silva

Gaetani Bruneti 1744-1798 Espanha Sim

Giovanni Giordani 1793-1860 Lisboa -

Giovanni Giorgi m. 1762 Itália Sim

Giuseppe de Porcaris 1698-1772 Nápoles Sim

Ignácio António m. 1818 Portugal -


Ferreira de Lima

Ignácio António m. 1765 Portugal -


Celestino

Jerónimo Francisco de 1743-1822 Portugal Sim


Lima
João Cordeiro da Silva
a. 175630 Portugal Sim

João de Sousa 1745-1799 Portugal Sim


Carvalho

João José Baldi 1770-1816 Portugal -

João Nunes Sereno a. 1782 Portugal -


Máximo

29
Também conhecido como Eusébio Tavares Leroy.
30
Data de entrada para a Irmandade de Santa Cecília

292
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

José António dos Reys a. 1768 Portugal -

José António a. 1784 Portugal -


Figueiredo

José do Espírito Santo 1755-181931 Portugal -


Oliveira

José Joaquim dos 1746/7-1801 Portugal/Óbidos -


Santos

José Maria Beckner 1776-1832 Portugal ? -


Franchi

José Maurício 1752-1815 Coimbra -

Julião Rosado Tavares m. 1779 Portugal -

Marcos António 1762-1830 Portugal Sim


Portugal

Miguel Anjo do a. 1802 Portugal/ Évora -


Amaral

Nicola Jommeli 1714-1774 Itália Sim

P. Frei Inácio de S. a. 1760 Portugal -


Jerónimo32

Pedro António 1714-1782 Portugal/Lisboa -


Avondano
Simão Vitorino a. 1793 Portugal -
Portugal

Legenda: a. – activo em; ap. – aproximadamente; m. – data da morte

Existem sem dúvida alguns problemas e desafios colocados por esta tabela. Podem
destacar-se em primeiro lugar as questões de dificuldade na associação ou correcta
identificação de compositores: veja-se o caso de Eusébio Tavares dos Reis, que aparece
igualmente identificado como Eusébio Tavares Leroy33, ou de Frei Inácio de S. Jerónimo,
também conhecido como Ignácio Agostinho de São Jerónimo, Frei Ignácio de São
Hyeronimo. Segundo Alegria, Frei Ignácio de São Jerónimo é Ignácio António Ferreira
de Lima, sendo o nome pelo qual era anteriormente conhecido enquanto monge jerónimo

31
https://musopen.org/music/composer/jose-do-espirito-santo-e-oliveira/
32
Outros nomes possíveis: Ignácio Agostino de São Jerónimo ou Frei Ignácio de São Hyeronimo
33
Tratando-se efectivamente da mesma pessoa, aparece o conjunto das obras atribuídas a cada uma das
entradas no mesmo local.

293
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

no mosteiro de Belém34. Desafiante também é o caso de Carlos Francisco de Assis e de


Carlos Francisco de Assis Moreira: até que ponto será possível tratar-se de Carlos
Francisco de Assis Moreira, irmão de Francisco Ignácio Moreira († 1816) (e cujas datas
de actividade apresentadas (1750-1799) foram obtidas através do RISM35)?
As informações biográficas sobre estes compositores são também escassas, sendo
necessária a recolha de dados dispersos por diversas fontes. A título de exemplo é
possível referir o caso de António José Pereira Bomsucesso. Pouco se sabe sobre ele, não
existindo qualquer referência nos dicionários biográficos de Mazza ou Vasconcelos. Já
em Vieira, no seu Dicionário Biográfico de Músicos Portugueses, aparece a seguinte
entrada: «Mediocre compositor de musica religiosa, que viveu nos fins do século XVIII.
Existem varias pequenas partituras d’este auctor nos cartórios das cathedraes de Lisboa e
Evora, bem como na biblioteca da Ajuda. N’esta há a partitura de uma missa a quatro
vozes com a data de 1796» (VIEIRA, 1900, 108). Existe uma pequena disparidade
cronológica relativamente à data de actividade de Bomsucesso: existe uma missa na
Biblioteca da Ajuda datada de 1794, dado que nos é reportado por Alegria – o que
representa uma diferença de dois anos relativamente às palavras de Vieira. Não obstante,
é através da datação desta missa que Bomsucesso entra no rol dos compositores da
segunda metade do século XVIII com representação na Sé de Évora.
No fundo musical da Sé de Évora, coexistem compositores de várias origens, que
concorrem para a influência italiana sentida. Destaque-se, por exemplo, Marcos Portugal,
internacionalmente conhecido; fale-se de Jerónimo Francisco de Lima e de João de Sousa
Carvalho, bolseiros da Corte em Itália e futuros detentores de cargos do Seminário da
Patriarcal36. Aparece também João Cordeiro da Silva, compositor que terá sido também
bolseiro em Itália: segundo Vieira, «Balbi no Essai Statistique menciona, entre os
musicos que foram estudar a Napoles, um «Cordeiro»; este não podia ser senão João
Cordeiro da Silva, porque não há memória de outro na mesma época.» (VIEIRA,
1900, 931).

34
«Passados quatro anos, talvez por sintomas de velhice notados no mestre da capela, Francisco Inácio
Moreira, o Arcebispo D. Frei Joaquim de Santa Clara resolveu nomear novo mestre na pessoa dum frade
jerónimo.» (ALEGRIA, 1973a, 113).
35
É importante referir que o salmo Miserere composto por este compositor não consta do RISM; porém, ele
está representado neste repositório através de três obras, também elas do fundo musical da Sé: um Te Deum,
um hino Jesu Redemptor omnium e uma Missa.
36
Sousa Carvalho torna-se Primeiro Mestre de Capela e também professor dos Infantes e compositor da Real
Câmara, e Francisco de Lima organista e maestro do Seminário da Patriarcal, bem como, a partir de 1798,
Mestre de Capela, sucedendo o seu antigo colega João de Sousa Carvalho.

294
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

A presença italiana, ou a influência italiana, é conseguida pela presença no fundo


musical de obras de compositores como Jommelli, que apesar de não ter registo da sua
presença em território nacional, apresenta uma obra neste fundo musical37. No entanto,
para esta influência concorre também a existência no fundo musical de obras de
compositores convidados a integrar a realidade musical portuguesa, como Giovanni
Giorgi, D. António Tedeschi38, ou ainda o caso de David Perez, que foi convidado a
mudar-se para Portugal para ocupar o cargo de Compositor da Real Câmara, Mestre de
Suas Altezas Reais e ainda Mestre de Capela do Seminário da Patriarcal, à semelhança do
que acontecera com Porcaris. Perez foi ainda responsável por vários alunos que se
tornaram reconhecidos a nível musical: João de Sousa Carvalho, Luciano Xavier dos
Santos, João Cordeiro da Silva ou ainda José Joaquim dos Santos.
A influência italiana neste fundo musical pode ainda ser conseguida indirectamente,
através de compositores com ascendência italiana mas que não saíram do nosso país,
como seja o caso de José Maria Beckner Franchi39 ou de Pedro António Avondano40.
Todas estas influências vão naturalmente ser absorvidas pelos compositores nacionais.
Tal é o caso, por exemplo, de José Maurício. Apesar deste natural de Coimbra ter estado
algum tempo em Salamanca, a maior parte da sua actividade profissional deu-se em
Portugal: Coimbra, Guarda, Lisboa. Segundo Vieira (1900, 675), «As suas composições
são escriptas em bom estylo religioso, similhante ao de Jommelli e de outros mestres da
antiga escola napolitana; a expressão musical é muitas vezes procurada com cuidado para
reproduzir o sentido da letra, e a prosódia respeitada com todo o escrúpulo.».
No que diz então respeito às obras, os seus possíveis enquadramentos litúrgicos e
questões de instrumentação, é possível desde já adiantar determinadas questões. Os
salmos que estes compositores nos apresentam são 3241, num total de 220 obras. Existe
uma clara predilecção pela musicação de determinados salmos: Confitebor Tibi Domine e
Dixit Dominus (27 ocorrências ambos), Miserere (25), Laudate Pueri Dominum (22),

37
P-EVc Salmos 68: Miserere, orquestrado com flautas transversais, violetas, violoncelo e basso.
38
Compositor italiano contratado para a Capela Real na primeira metade do século XVIII.
39
Cantor, organista e compositor da capela, e filho do cantor italiano Loreto Franchi.
40
Membro da Orquestra da Real Câmara e filho de Pietro Avondano, contratado para o serviço de D. João V
no âmbito da tentativa de instaurar em Portugal a estética italiana.
41
Ad dominum cum tribularer, Beati Omnes, Beatus Vir, Benedictus Dominus Deus Israel, Bonitatem,
Clamavi, Confitebor, Credidi, De Profundis, Deus in adjutorium, Dixit Dominus, Dilexi quoniam exaudiet,
Domine ad adjuvandum, Exaltabo te Deus, In Convertendum, In exitu Israel de Egipto, Laetatus Sum, Lauda
Jerusalem, Laudate Dominum Omnes Gentes, Laudate Dominum Quoniam Bonus, Laudate Pueri Dominum,
Legem Pone, Levavi Oculos Meos, Magnificat, Memendo Domine David, Memor Esto, Mirabilia, Nisi
Dominus, Principes Persecuto Sunt e Salmos de Nona do Ofício da Ascenção.

295
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Lauda Jerusalem (19), Beatus Vir (18 ocorrências), Laudate Dominum Omnes Gentes
(15) e finalmente Laetatus Sum e Nisi Dominus (12 cada um).
Após se efectuar um trabalho de distribuição quantitativa de obras por compositores,
foi possível perceber que os compositores mais activos na Sé de Évora não são
necessariamente os compositores de origem italiana: veja-se a disparidade em termos
numéricos entre os salmos compostos por Ignácio António Ferreira de Lima, que conta
com 53 obras, e os salmos compostos por David Perez, que em Évora apresenta apenas
10 obras. Já João José Baldi apresenta 23 salmos ao serviço da Sé, enquanto Marcos
Portugal, compositor de renome internacional, ainda que nascido em Portugal, conta
apenas com dois salmos neste Arquivo; quanto a João de Sousa Carvalho, apresenta
apenas um salmo no fundo musical da Sé de Évora. A composição é dispersa, havendo
cinco compositores que aparentam ter mais protagonismo dentro do fundo musical: Baldi,
Lima, Perdigão, Perez e Silveiro. Esta listagem não pode ser considerada definitiva no
que concerne ao número de salmos para cada compositor. Efectivamente, há
a possibilidade de muitos deles serem rearranjados ou reorquestrados, tal como acontece
com os Laudate Pueri Dominum de Miguel Anjo do Amaral42. Isto acontece igualmente
com outros compositores e obras, como o Miserere a 3 coros de 1774, de José António
dos Reys, e que Alegria confirma ter sido reformulado em 1792, ou com o Lauda
Jerusalem de Avondano, do qual são referidas mais «quatro colecções do mesmo salmo
com diferentes arranjos instrumentais» (ALEGRIA, 1973b, 29).
Tradicionalmente a Sé privilegiou compositores nacionais; esta é uma tendência que
Alegria já documenta na sua História da Escola de Música da Sé de Évora, referindo
ainda que o facto de se ter contratado Ferreira de Lima43 parece ser uma atitude contrária
à tradição existente de se recorrer a músicos locais. Para este facto poderão ter concorrido
factores de ordem económica; as despesas para com o sustento dos moços de coro,
internato da Sé, e demais pessoas ligadas ao serviço da Sé seriam, segundo Alegria,
avultadas, pelo que é uma hipótese pensar-se que este recurso a compositores e músicos
locais e nacionais tenha sido originado por motivos de economia de despesas.

42
Identificados por Alegria como P-EVc Salmos 2, P-EVc Salmos 3 e P-EVc Salmos 6, são na realidade a
mesma obra com diferentes arranjos orquestrais.
43
Este compositor nacional é, aliás, o compositor com mais salmos, sendo responsável pela composição de
quase 1/4 da produção musical desta tipologia musical, comprovando-se assim que os compositores locais
conheciam e veiculavam a corrente italiana, não sendo necessária a execução de repertório composto por
compositores desta origem.

296
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Grande parte dos salmos presentes neste arquivo encontram a sua finalidade na
celebração do Ofício de Vésperas44. Alguns dos salmos poderão fazer parte de algumas
das Vésperas de Nossa Senhora, de Domingos, ou ainda Alternadas (é o caso dos
Confitebor, Lauda Jerusalem ou ainda In Exitu Israel). Outros, como Mirabilia, Clamavi,
Principes persecuto sunt, não sendo parte constituinte das Vésperas referidas, podem ter
uma utilização litúrgica distinta e ter sido musicados de forma independente. A hipótese
de existirem salmos liturgicamente desenquadrados de um contexto é bastante viável; não
obstante a constituição litúrgica do ofício de Vésperas, encontramos apenas quatro
Magnificat (cântico final), um Deus in adjutorium (versículo inicial) ou um Domine ad
adjuvandum (versículo de resposta ao anterior). Torna-se possível que para a celebração
de cada ofício fossem utilizados salmos que, sendo parte das Vésperas, tivessem autorias
diferentes e que apenas fossem musicados novos salmos por razões funcionais ou
utilitárias.
A par de salmos constituintes do ofício de Vésperas, encontramos também salmos
45
considerados penitenciais . Dos salmos existentes em Évora, dois podem ser
enquadrados nesta rubrica: Miserere e De profundis. No entanto, e à semelhança do que
acontece com a diferença numérica relativamente aos salmos de Vésperas, os dois salmos
penitenciais que se encontram no fundo musical apresentam uma quantidade diferente:
para 25 Miserere, encontramos apenas sete De Profundis, compostos apenas por
compositores pertencentes à Sé de Évora (Ignácio António Celestino46 e Ignácio António

44
Estruturalmente, as Vésperas (penúltima celebração do dia, antes das completas) aproximam-se da
configuração das Laudes. Iniciando-se com o versículo introdutório Deus in Adjutorium, ao qual se segue a
resposta Domine ad Adjuvandum, contam com 5 salmos precedidos e seguidos por uma antífona. Estes
salmos são escolhidos recitados durante toda a semana e escolhidos entre o 109 (Dixit Dominus, iniciando-se
então o esquema de recitação no Domingo) e o 147 (Lauda Jerusalem, que conclui as Vésperas de Sábado). o
conjunto-tipo de salmos utilizados para Vésperas de Domingo é constituído pelos salmos Dixit Dominus,
Confitebor, Beatus Vir, Laudate Pueri Dominum, In Exitu Israel e Magnificat ou que as Vésperas de Nossa
Senhora são tradicionalmente compostas por Dixit Dominus, Laudate Pueri, Laetatus Sum, Nisi Dominus,
Lauda Jerusalem e Magnificat, ou ainda que existem Vésperas Alternadas dos Santos e Nossa Senhora,
como por exemplo as compostas por Francisco Paula e Azevedo em 1829 e das quais consta a sequência
Domine Adjuvandum, Dixit Dominus, Confitebor, Beatus Vir, Laudate Pueri, Laudate Dominum, Magnificat,
Laetatus Sim, Nisi Dominus e Lauda Jerusalem.
45
Os chamados Salmos Penitenciais, expressão de lamentação pelos pecados cometidos, são os salmos 6
(Domine ne in furore), 31 (Beati quorum remissae sunt iniquitates), 37 (Domine ne in furore), 50 (Miserere),
101 (Domine exaudi orationem meam), 129 (De profundis) e 142 (Domine exaudi orationem meam). Já S.
Agostinho de Hippo reconhecia quatro deles como penitenciais no século V e foram, ao longo do tempo,
colocados em música por compositores como Orlando de Lassus (Psalmi Davidis poenitentiales),
Andrea Gabrieli, Giovanni Croce ou Byrd.
46
Mestre de capela e da claustra desde respectivamente 1736 e 1729 até 1765.

297
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Ferreira de Lima47). A origem desta disparidade pode estar radicada no facto de estes
salmos, os Miserere, serem liturgicamente mais versáteis. Não apenas é o salmo
penitencial mais conhecido como também faz parte da celebração da 4ª feira de Cinzas e
é parte integrante das Laudes no ofício diário de sexta-feira, bem como do Ofício de
Defuntos, pelo que se percebe que teria uma maior frequência de execução que o De
Profundis48.
Podem ainda acrescentar-se algumas leituras. Falemos do exemplo de Memento
Domine David: este salmo poderia fazer parte das Vésperas de Quinta Feira mas também
das Vésperas da Festa da Natividade do Senhor. Verifica-se que João José Baldi é
responsável por trabalhar tanto um De Profundis como um Memento Domine David: há
então a possibilidade de estarmos na presença de uma parte do conjunto de salmos das
segundas Vésperas da Natividade do Senhor ou, tendo em conta que De Profundis e
Dilexi, quoniam exaudiet também se encontram juntos num conjunto tipo para o Ofício
de Defuntos, há a possibilidade de ser esta a função/o destino destes dois salmos
(lembremos que Ignácio António Ferreira de Lima compôs um exemplar de cada um
destes salmos, sendo possível que exista um conjunto incompleto para o Ofício de
Defuntos).
Veja-se agora o caso de Credidi. Este é um salmo que pode ser usado pelo menos em
duas situações: segundas Vésperas do Commune Apostolorum (tal como é o caso de In
Convertendum) e nas Vésperas do segundo domingo após a Epifania, na Festa do
Gloriosíssimo Nome de Jesus. Já Exaltabo te Deus está atribuído às Vésperas de Sábado e
Memendo Domine David está associado tanto às Vésperas de Quinta Feira como às
Segundas Vésperas da Natividade do Senhor. Finalmente Legem Pone e Mirabilia são
salmos tradicionalmente associados à Semana Santa, sendo o Legem Pone um salmo da
Hora Terceira dos vários domingos de quaresma e o Mirabilia um salmo da Hora Nona.
Falando agora de questões de instrumentação49, alguns dados podem ser retirados.

47
Ocupou os mesmos cargos que Celestino entre 1816 e 1818.
48
No entanto, o De Profundis teria também outras utilizações, sendo apropriado também para o Ofício de
Defuntos e para as segundas vésperas da Natividade do Senhor.
49
É necessário ter em conta que por vezes existem não só discrepâncias como também
informações dúbias entre as duas fontes principais deste estudo, o que torna a definitiva listagem
de instrumentos, bem como a sua distribuição pelas categorias de salmos já referidas, mais
complicada de se obter. Tal como no que diz respeito aos dados numéricos sobre a quantidade de
salmos, estes dados específicos sobre instrumentação apenas poderão ser confirmados ou
corrigidos após confronto com os manuscritos.

298
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Tabela 3 – Dados preliminares da instrumentação dos salmos em Évora

Compositor Instrumentação utilizada

André Roiz Lopo Violinos e basso

António José Pereira Bomsucesso Orgão

António Leal Moreira Violinos, trompas, basso, órgão, violoncelo

Carlos Francisco d'Assis Moreira Violoncelos, fagotes, trompas, orgão

Carlos Francisco de Assis Oboés, corni, violinos, violoncelo

D. António Sá Tedeschi Orgão

David Perez Orgão, violoncelo, violino, trompas, baixo

Eleutério Franco Leal Orgão, violoncelo

Elias António Silveiro Orgão, fagotes

Eusébio Tavares dos Reis Orgão

Francisco Ignácio Moreira Orgão

Francisco José Perdigão Violinos, trompas, violoncelo, orgão

Frei José Marques da Silva Orgão

Gaetani Bruneti Orgão

Giovanni Giordani Violinos, viola, flauta, clarinete, fagotes,


trompas, violoncelo, contrabaixo

Giovanni Giorgi Orgão

Giuseppe de Porcaris Orgão

Ignácio António Ferreira de Lima Violino, oboés, trompas, bassos, fagote,


violoncelo

Ignácio António Celestino Violinos, trompas, orgão

Jerónimo Francisco de Lima Orgão

João Cordeiro da Silva Orgão, violoncelo, violinos, trompas, basso,


trombe

João de Sousa Carvalho Orgão

João José Baldi Violinos, oboés, corni, violoncelo, órgão,


trompas

299
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

João Nunes Sereno Máximo Orgão

José António dos Reyes Orgão

José António Figueiredo Orgão, violinos, trompas, basso

José do Espírito Santo Oliveira Orgão e violoncelo

José Joaquim dos Santos Orgão

José Maria Beckner Franchi Orgão

José Maurício Flautas, clarinetes, violinos, trompas,


violoncelos, cornetins, orgão

Julião Rosado Tavares Orgão

Marcos António Portugal Orgão, oboés, trompas, bassi50

Miguel Anjo do Amaral Violinos, trompa, clarins, oboés, basso,


violoncelo, orgão

Nicola Jommeli Flautas51, violetas, violoncelo e bassi

P. Frei Inácio de S. Jerónimo Orgãos, violinos, trompas

Pedro António Avondano Violinos, basso, trompas, orgão52

Simão Vitorino Portugal Orgão, fagotes, violoncelo

Uma das principais leituras que se podem retirar desta tabela é que a
nacionalidade/origem do compositor não é relacionável com maior ou menor
instrumentação. António Leal Moreira, aluno de João de Sousa Carvalho (bolseiro em
Itália) utiliza seis instrumentos para um total de apenas seis salmos (violinos, trompas,
oboés, basso, órgão e violoncelo) – já Sousa Carvalho apresenta-nos apenas uma obra
acompanhada apenas com órgão.
É também relevante o caso de Ferreira de Lima, compositor exclusivamente nacional,
cuja biografia (baseada em Vieira e Alegria) não adianta dados sobre a sua formação
musical. No entanto, apresenta acompanhamentos instrumentais bastante variados,

50
À semelhança do que acontece com as obras de Avondano, Alegria dá-nos conta de que existem mais duas
colecções do salmo Confitebor de Marcos António Portugal, com outros arranjos instrumentais, mas não
indica quais as diferenças.
51
Transversais (Alegria refere serem «travesieri»)
52
Alegria (1973: 29) refere que «há mais quatro colecções do mesmo salmo com diferentes arranjos
instrumentais» mas não especifica os instrumentos.

300
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

contando com violinos, oboés, trompas, baixos, fagote, violoncelo, trompas. Esta
variedade instrumental acompanha de certo modo a tendência que Lima apresenta em
termos de salmos; na verdade, é um compositor que não só se mostra versátil na tipologia
e quantidade de salmos que musica, como também na quantidade e variedade de
instrumentos que utiliza.

Tabela 4 – Instrumentação em Ferreira de lima: distribuição de instrumentos


por salmos

Violino Trompa Oboé Basso Violoncelo Orgão Fagote


Ad Dominum 1
cum tribularer
Beati omnes 2
(2)
Beatus Vir (4) 3 3 3 3 1 2
Benedictus 1 2
Dominus
Deus Israel
(2)
Bonitatem 1
Clamavi 1
Confitebor 1 1 1 1 1 3
tibi Domine
(5)
Credidi (3) 2
De profundis 1
Dilexi 1
quoniam
exaudiet
Dixit 1 1 1 1 1 1
Dominus (4)
In exitu Israel 1
Laetatus Sum 2 2 2 2 1 1
(3)
Lauda 1 1 1 1 1
Jerusalem (3)
Laudate 2 2 2 2
Dominum (3)
Laudate Pueri 3 3 3 3 1 1
Dominum (4)
Legem pone 1
Levavi oculos 1
Memor esto 1
Mirabilia 1
Miserere (6) 2 2 6 2
Nisi Dominus 2 2 2 2 1 1
(3)
Principes 1
persecuto sunt
Total 15 15 15 17 8 33 3

301
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

À semelhança do que acontece no quadro geral da Sé, Lima usa como primeira
escolha o órgão, presente em 33 dos seus salmos, com uma especial ocorrência no salmo
Miserere. No entanto, é possível que este número seja efectivamente maior, já que o
basso poderá indicar também órgão. Usa também com grande frequência violinos,
trompas e oboés; estes parecem ser, com efeito, os instrumentos mais escolhidos pela
instituição. Lima apenas se destaca, a nível de utilização instrumental, do quadro geral da
Sé no que diz respeito aos violoncelos (que comparativamente são menos usados por ele)
e aos oboés, que utiliza mais frequentemente. Não é apenas este facto que demonstra a
importância de Lima no quadro musical eborense; efectivamente, dos 14 salmos que se
apresentam apenas uma vez no conjunto total, mais de metade (nove53) são da autoria de
Lima (o que também concorre, sem dúvida, para a grande variedade de salmos presentes
no fundo musical), e a pouca frequência com que aparecem é conjugada com um
acompanhamento instrumental efectuado apenas pelo órgão.
A questão da utilização do órgão enquanto instrumento preferencial dentro da Sé de
Évora não é de estranhar. Efectivamente, este é um dos instrumentos – se não o
instrumento – melhor aceite pela Igreja para se associar à prática da música sacra.
Ao longo dos séculos, houve uma preocupação constante em regular a utilização do
órgão na música realizada em contexto sacro. No século XVI, altura em que a presença
instrumental no culto estava predominantemente ligada à dobragem de vozes, esta
questão do acompanhamento instrumental foi bastante debatida, culminando no abandono
pós-Trento da exigência efectuada relativamente à prática puramente vocal de todas as
rubricas da liturgia (LESSA, 2017,160). No entanto, apesar de existir esta concessão feita
no Concílio de Trento à utilização do órgão, situações existiram em que este instrumento
não deveria ser utilizado. É o caso de certas cerimónias do Advento e Quaresma, situação
originada no Caeremoniale Episcoporum (1600), no qual apenas se permite a música com
canto e órgão nos domingos e festas durante o ano litúrgico. Tirando o Gaudete in
Domino (terceiro Domingo do Advento) e o Laetare Jerusalem (quarto Domingo da
Quaresma), durante estes períodos litúrgicos não deveria soar o órgão. (CASTAGNA,
2000b, 6). A realidade em Évora reflecte este contexto, seja num ambiente mais aberto à
comunidade seja num ambiente mais restrito e de clausura; vejam-se, a título de exemplo,

53
Ad dominum cum tribularer, Bonitatem, Clamavi, Dilexi quoniam exaudiet, Legem Pone, Levavi Oculos,
Memor Esto, Mirabilia e finalmente Principes persecuto sunt.

302
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

as regulações feitas ao Mosteiro de São Bento de Cástris, em que apenas o órgão é


permitido54 (CONDE, 2009, 414).
Este papel privilegiado do órgão em Évora é ainda visível no surgimento de nomes de
referência de organistas, tais como António Carreira, Frei Heliodoro de Paiva, Francisco
Araújo, ou ainda Manuel Rodrigues Coelho (OLIVEIRA, 2016, 6); porém, e de acordo
com Alegria (1973a, 7), no contexto do arquivo musical da Sé não se encontra nenhuma
peça para este instrumento na sua vertente solista – apenas de acompanhamento.
À semelhança da relação quantidade-nacionalidade, não existe qualquer correlação
entre quantidade de salmos que cada compositor trabalha e a sua instrumentação, em
termos quantitativos. Dentro do âmbito dos compositores, há instrumentos que são mais
representados do que outros, devido a condicionantes externas (questões de
disponibilidade de recursos, por exemplo, ou necessidade de contratação de músicos
externos à instituição): fale-se por exemplo do órgão, utilizado por 37 compositores, ou
os violoncelos e os violinos/trompas, utilizados respectivamente por 19 e 17
compositores.
A título informativo, é possível chegar aos seguintes dados sobre a relação entre
instrumentos, quantidade de salmos e quantidade de compositores, compilados na tabela
aqui representada:
Tabela 5 – Relação entre instrumentos, salmos e compositores

Instrumento Salmos Compositores


Violinos 58 17
Trompas 47 17
Clarins 2 2
Oboés 26 9
Basso 30 9
Violoncelo 43 19
Orgão 147 33
Flautas 3 3
Violetas 1 1
Viola 1 1
Contrabaixo 5 1
Fagote 16 9
Trompete 2 2
Clarinete 2 2
Cornetins 1 1

54
«(...) e nas mesmas Igrejas, e Coros, se não poderá usar de instromento algum musico, excepto órgão». Isto
não significa que no espólio musical deste mosteiro não se encontrem registos da utilização desejada de
outros instrumentos; vejam-se por exemplo as referências que Alegria (1977, 58) faz da existência em Cástris
de Missas para Órgão e Instrumental, da autoria do Padre Joaquim José da Rocha Espanca.

303
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

No entanto, após uma análise mais focalizada ao universo dos salmos, conseguimos
perceber qual a real distribuição dos instrumentos por cada compositor, visto que cada um
deles tem a liberdade de, dentro do seu conjunto de obras, combinar de forma diferente os
instrumentos a ele associados. Refira-se, a título de exemplo, o caso de Miguel Anjo do
Amaral: se a este compositor estão associados os violinos, trompas, clarins, oboés, órgão
e violoncelo, bem como o baixo/acompanhamento, a verdade é que não se encontra a
totalidade destes instrumentos em todos os salmos por ele compostos. São criadas
diferentes associações instrumentais de acordo com o que o compositor pretende, ou de
acordo com os recursos disponíveis ou ainda de acordo com a finalidade a que se destina
a celebração/execução das obras. O caso mais marcante do que acaba de ser dito é o do
compositor Ferreira de Lima. Dos seus 53 salmos, 25 são instrumentados apenas com
órgão; nos restantes, é possível verificar-se a existência de quatro conjuntos susceptíveis
de serem considerados como colecções de salmos destinados a uma função específica
dentro da liturgia. Esta conclusão é fácil de se obter tendo em linha de conta não apenas a
questão do agrupamento instrumental mas também as datas que nos são referidas. Assim,
e ainda sem se falar na questão do enquadramento litúrgico possível para estes salmos,
podemos encontrar uma colecção entre P-EVc Salmos 88-93, composta em 1806 e
instrumentada com violinos, trompas, oboés e baixo; entre P-EVc Salmos 101-105
encontramos um novo conjunto orquestrado com violinos, trompas, oboés, baixo,
violoncelo e órgão. Porém, neste âmbito de cotas, e tendo em conta a data de composição
fornecida por Alegria (1809), é lícito concluir-se que apesar de a orquestração ter uma
breve variação (por não apresentar órgão), o salmo com a cota P-EVc Salmos 100
pertence efectivamente a esta colecção. Encontramos ainda entre P-EVc Salmos 127-129
uma possível colecção, considerada assim por ser orquestrada com o mesmo conjunto
(violinos, trompas, oboés e baixo) e, finalmente, entre P-EVc Salmos 131-140, um
possível conjunto constituído por salmos de estante com indicação de pertencerem ao
primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo e nono tons. Tendo em
conta os dados anteriormente referidos relativamente à possibilidade de enquadramento
litúrgico dos salmos, fica então por perceber se existe alguma possibilidade de estes
salmos avulsos de Ferreira de Lima, instrumentados apenas com órgão, poderem
constituir algum conjunto específico para uma determinada celebração litúrgica, ou se
poderiam fazer parte de algum conjunto litúrgico não musicado na totalidade.

304
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

3. Conclusões preliminares e futuro da investigação

Como foi possível verificar ao longo do estudo preliminar que foi feito à realidade
musical e instrumental presente na Sé de Évora relativamente aos seus salmos
concertados, existe um grande leque de questões que ficam ainda por responder e que são
mote para investigações futuras.
Torna-se premente, em primeiro lugar, efectuar uma comparação entre fontes
(Catálogo de Alegria, RISM e, acima de tudo, os próprios manuscritos) que permita
delimitar de forma mais efectiva a quantidade exacta de salmos existentes (eliminando-se
discrepâncias entre instrumentação, cotas, e associação/identificação de salmos, como no
caso do(s) Laudate Pueri Dominum de Amaral).
No entanto, este trabalho de contacto com os manuscritos torna-se também
fundamental para que se possam tecer considerações sobre a origem efectiva dos
mesmos; dentro da categoria dos Salmos, muitas das obras estão agrupadas sob partes
cavas e não completas e, por diversas situações, não se encontram datadas. Para além de
questões problemáticas que este facto nos traz, relativamente a questões de originalidade
do texto musical no que diz respeito à ideia do compositor, existem outras questões que
apenas o contacto directo com os manuscritos poderão resolver, como seja a questão dos
copistas envolvidos. A questão da análise da caligrafia musical torna-se fundamental para
reconhecimento de marcas e padrões de escrita que nos permitam identificar o percurso
destas mesmas obras.
Numa perspectiva de conseguir enquadrar e contextualizar de uma forma mais ampla e
geral a realidade sonora vivida e disseminada pela Sé Catedral, é desejável um confronto
entre os dados veiculados pelos manuscritos e pelas demais fontes, musicais e extra-
musicais. Assim, pretende-se perceber quais os contextos específicos em que estas obras
foram executadas, quais as festas de santos ou celebrações litúrgicas próprias de Évora
que tenham originado a necessidade de os mestres e compositores locais se dedicarem à
composição destas obras.
Sendo certo que a Sé de Évora conta, no seu fundo musical, com obras escritas em
estilo concertado, neste momento ainda pouco se conhecem as obras ao pormenor, pelo
que importará analisá-las de acordo com as características gerais deste estilo, apontadas
nas secções iniciais deste trabalho: tipos de contraste (métrico, instrumental, textural),
padrões rítmicos, escrita instrumental idiomática, progressões harmónicas, estrutura
formal tripartida (lembrando a forma rondó como defende Bukofzer), e questões de
retórica e de relações entre texto e música (um excelente exemplo será o salmo Nisi

305
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Dominus de Amaral, já que para realçar o carácter de sofrimento da palavra doloris o


compositor opta por uma harmonia menor). Do resultado obtido através da análise
consistente destes pontos enunciados, será possível obterem-se dois resultados
fundamentais: não apenas permitirá compreender até que ponto as obras musicais
pertencentes ao fundo musical do Arquivo da Sé se encontram na transição para um estilo
mais galante (podendo no fundo afirmar-se que apesar de estes compositores serem
receptores de uma herança barroca, nada os prende unicamente a esse molde
composicional, sendo possível adaptar a forma a um conteúdo estilístico mais moderno),
como permitirá igualmente começar a perceber se existem determinadas características
musicais ou estilísticas que possam tornar-se como elementos identificadores de um estilo
musical próprio de Évora, ou que se possam constituir como uma linguagem musical
específica que seja associada indubitavelmente a um determinado compositor. É o caso,
por exemplo, de Miguel Anjo do Amaral, em cujos salmos se encontra o uso recorrente
da cadência interrompida enquanto mecanismo de suspensão não só harmónica mas
também estrutural. De facto, Amaral opta por utilizar este recurso consistentemente antes
da mudança estrutural para o início da doxologia; a excepção ocorre no salmo Laudate
Pueri Dominum (P-EVc Salmos 2, P-EVc Salmos 3 e P-EVc Salmos 6), em que este
recurso é utilizado duas vezes (nas palavras «in terra» e «laetantem»).
A prioridade para prosseguimento da investigação deverá então colocar a sua tónica
no contacto directo com os manuscritos, efectuando um trabalho de análise, transcrição e
edição crítica que permita por um lado tomar consciência dos factores e características já
enunciados, mas também dotar este património musical de um carácter de perpetuação no
tempo, transcrevendo-os para um suporte físico e digital que permita o seu registo e evite
igualmente o seu desaparecimento. Esta análise crítica torna-se vital para que se possa
transitar do formato de partes cavas para uma partitura mais completa que permita esta
análise mais tradicional.
O fundo musical da Sé de Évora, dentro do período cronológico entre meados do
século XVIII e inícios do XIX, apresenta um universo quase infindável de possibilidades
de estudo e de conclusões a ser retiradas, bem como de dados que deverão ser
actualizados, tendo este artigo como objectivo começar a apresentar alguns dados
e leituras iniciais que deverão agora ser prosseguidas.

306
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Anexo 1 - Listagem dos nomes referidos por José Augusto Alegria e sua função na capela

Data Organistas Cantores Cravo Viola Rabecão Violino/Rabeca Harpista Oboé Baixão Indiscriminado
s.d Francisco da P. João de Sousa Frei Pedro Frei Simão de André Lopes
Cunha Sandoval de São Jacinto Brito (séc. XVII)
Bernardino do
Monte
Francisco
Guerra
1718 Alberto da
Silva Burgos
Hilário de
Oliveira
1723 Francisco Xavier
Belingue
1727 Frei Gregório de
S. Boaventura
1729 António Bequer
Guzman
(castelhano)
1731 Caetano
Nicolau
(francês)
1732 Vicente
Nicolau
1740 Frei Manoel dos José Fr. Felipe Gomes P. António Gomes Sebastiam Ribeiro
Archanjos Pinheiro Francisco Innocencio
X. Freyre
P. Manoel de Simão de Francisco X. José de Faria
Olanda Brito
Francisco José António
Xavier
Fr. Jose Xavier
1755 André
Rodrigues Lobo

307
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

P. Frei Manuel
Trexo (m. 1758)
1761 Joaquim José de
Castro
1764 José Dias
Coelho
1765 Paulo José da Paulo José da Paulo José da
Costa Costa Costa
1779 José António P. Francisco
Coutinho Inácio Moreira
P. Joaquim José
de Castro
Miguel Anjo do
Amaral
José António
Moreira
1783 Elias António
Silveiro
1785 P. Francisco P. Francisco
Inácio Moreira Inácio Moreira
1791 P. Joaquim de
Santa Ana
1799 P. Francisco
José perdigão
1812/13 José António Miguel Anjo
Henriques
Inácio José da
Rocha
P. Frei
Francisco José
de Santa Ana
Clarinho
1833/34 Joaquim
António Pereira

308
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Bibliografia:

ALEGRIA, José Augusto (1973a) - História da Escola de Música da Sé de Évora.


Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
ALEGRIA, José Augusto (1973b) - Arquivo das Músicas da Sé de Évora Catálogo.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
ALEGRIA, José Augusto (1977) - Biblioteca Pública de Évora – Catálogo dos fundos
musicais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
BERNARDES, Ricardo (2016) - Estudo das características estilístico-musicais das
missas de António Leal Moreira (1758-1819): a missa para a aclamação de
D. Maria I (1777). Lisboa: FCSH. Tese de Doutoramento
BRITO, Dulce (1991) - Os estrangeiros e a música no quotidiano lisboeta em finais do
século XVIII. Revista Portuguesa de Musicologia. Lisboa. Vol. 1, p. 75-80.
BUKOFZER, Manfred F. (1947) – Music in the baroque era: from Monteverdi to Bach.
New York: W.W Norton  Company Inc.
CARVER, Anthony (2001). Concertato. Grove Music Online. [Consult. 27 de
Janeiro 2018]
CASTAGNA, Paulo (2000a) - O estilo antigo na prática musical religiosa paulista e
mineira dos séculos XVIII e XIX. São Paulo: Universidade de São Paulo. Tese de
doutoramento.
CASTAGNA, Paulo (2000b) - Prescripciones tridentinas para la utilización del Estilo
antiguo y del Estilo moderno en la música religiosa católica (1570-1903). In 1
Congreso Internacional de Musicología (Buenos Aires, Instituto Nacional de
Musicología Carlos Vega.
CASTAGNA, Paulo (2001) – Estilo antigo e estilo moderno na música antiga latino-
americana. Arte e cultura: estudos interdisciplinares, 69-84.
CHEETHAM, Andrew (2014) – Progressive Sacred Music in England 1625-1648: The
Italianate Works of Dering and Jeffreys. In Wainwright J.; Knowles J.; Cheetham A.
(eds.) - Reappraising the Seicento: Composition, Dissemination, Assimilation.
Cambridge Scholars Publishing, pp.91-150
CONDE, Antónia Fialho (2009) - Cister a Sul do Tejo. O mosteiro de S. Bento de Cástris
e a Congregação Autónoma de Alcobaça (1567-1776). Lisboa: Colibri.
LESSA, Elisa (2017) - Cantochão ou Polifonia? Música e Devoção nos Mosteiros
Femininos Portugueses no Período Moderno. In Fontes, João Luís; Andrade, Maria
Filomena e Marques, Tiago Pires (coords.) – Género e interioridade na vida religiosa:

309
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

conceitos, contextos e práticas, Lisboa: CEHR-UCP, pp. 159-168. [Consult. 13 de


Janeiro 2019]
MAZZA, José (1945) - Dicionário biográfico de músicos portugueses: prefácio e notas.
Império.
OLIVEIRA, Filipe (2016) - O Património musical das catedrais - o órgão e o fundo
musical da Sé de Évora. Invenire – Os tempos das catedrais. Lisboa, Secretariado
Nacional para os Bens Culturais da Igreja, vol. 3, ISSN 1647-8487.
PIPERNO, Franco (1991) - ´Concerto´ e ´concertato´ nella musica strumentale italiana
del secolo decimo settimo. Recercare, Vol. 3, p. 169-202.
SADIE, Julie Anne (1998) (ed.). Companion to Baroque music. OUP Oxford.
SHROCK, Dennis (2009). Choral repertoire. Oxford: University Press.
VASCONCELLOS, Joaquim de (1870). Os Musicos Portuguezes: Biographia -
Bibliographia (Vols. I, II). Porto: Imprensa Portugueza.
VIEIRA, Ernesto (1900) - Diccionario Biographico de Músicos Portuguezes (Vols. I, II).
Lisboa: Typographia Mattos Moreira & Pinheiro.
WEBSTER, J. (2004). The eighteenth century as a music-historical period?. Eighteenth
Century Music, 1(1), 47-60. doi:10.1017/S147857060400003X. [Consult. 10 de
Agosto 2017].

310
Recebimento Real, 1518: eventos festivos & música

Isabel Monteiro

Resumo:
Nos finais de 1518 o rei D. Manuel, viúvo pela segunda vez, casa-se com a irmã do futuro
Imperador Carlos V, Leonor, flamenga de origem mas residente então em Espanha. Após
o casamento por procuração em Saragoça, a nova rainha de Portugal fará uma longa
viagem de mais de setecentos quilómetros por terra até ao Alentejo, encontrando
finalmente o monarca no Crato, um mês e meio mais tarde. O casal instala-se
posteriormente em Évora, onde nasce o seu primeiro filho, fazendo a entrada solene em
Lisboa apenas em 1521. Este acontecimento, relatado parcialmente em várias fontes que
se complementam, revela uma série de eventos festivos adequados a tais ocasiões, em que
o ambiente sonoro é por vezes bem caracterizado. Procurando contextualizar as
ocorrências sonoras em função da cultura de corte quinhentista, assinala-se a participação
dos vários grupos sociais envolvidos, situando-os nos devidos espaços – interiores/
exteriores, públicos/ privados, em terra/no mar – destacando em particular a função dos
instrumentos musicais.
Palavras-chave: casamento real, festa áulica, instrumentos musicais, cortejo fluvial,
entrada real

Abstract:

By the end of the year 1518 the Portuguese king Manuel I get married, for the third time,
with Charles V’s sister Leonor. The new queen will then travel from Saragossa (Spain) to
her new country where she meets the king for the first time after a six weeks journey.
Great festivals and pageantry take place in the next few days, but the royal entry in the
capital has to be postponed until 1521 due to the plague in Lisbon. A series of
commemorations and courtly events are thus associated with this royal wedding, its
musical moments and instruments being sometimes mentioned in the sources, which this
paper focus on, as well as on other similar festivities occurred in Portugal during the
sixteenth century.

Keywords: royal wedding, pageantry, musical instruments, river parade, royal entry


Il Dolcimelo
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

Aos colegas e amigos músicos do DOLCIMELO

Introdução

Nos finais de 1518 o rei D. Manuel, viúvo pela segunda vez, casa-se com a irmã do
futuro imperador Carlos V, Leonor, nascida na Flandres mas residindo então em Espanha.
Após as complexas negociações dos contratos nupciais1 tem finalmente lugar
o casamento, o qual decorre em várias etapas rigorosamente estabelecidas pelo protocolo
em vigor nas cortes ibéricas, assinaladas pelos cronistas.
Note-se que o termo ‘recebimento’ se aplica a diversas situações, nomeadamente
[1] o prévio casamento da noiva por procuração, com um embaixador representante do
esposo; [2] a recepção protocolar feita à rainha na fronteira do seu novo reino;
[3] o casamento religioso, ministrado por um prelado, com a presença dos dois cônjuges;
[4] as festas de homenagem organizadas pelas cidades e vilas onde a rainha entra pela
primeira vez e onde é solenemente recebida. Recebimento ocorre também com o sentido
global do conjunto de actos protocolares e cerimónias festivas associados ao casamento
real.
Em alguns destes passos as fontes assinalam a presença da música, em particular
instrumental, quer como expressão áulica inerente ao estatuto social dos intervenientes –
os monarcas e os grandes senhores de título – quer como elemento festivo nas
manifestações de júbilo popular pelos lugares por onde passam as pessoas reais, ou ainda
como indispensável nos serões e outros entretenimentos de corte que se sucedem durante
vários dias.
A informação relativa a este evento provém particularmente de fontes que lhe dizem
respeito directa ou indirectamente – nomeadamente as crónicas de Damião de Góis e de
Gaspar Correia, e o Livro de Festas da Câmara de Lisboa – mas também das que
documentam mais de uma dezena de outros casamentos no seio da corte portuguesa, entre
1490 e a perda da independência (1580), permitindo aferir incidências e eventualmente
complementar os dados documentais.

1 Góis, 1926, 73-74. Rêgo, 1967, 660-667. Correia, 1992, 125.

312
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

1. Casamento, jornada e entrega de D. Leonor, 1518

Sobre a longa jornada da rainha D. Leonor desde Saragoça – onde teve lugar o
protocolar casamento por palavras de presente2 – até à raia, pouco se sabe, mas Damião
de Góis não deixa de referir que «por causa do qual casamento se fizeram por espaço de
quinze dias muitas festas, & jogos em Saragoça, onde então elRei dom Carlos estava»3.
Segundo o investigador e biógrafo desta rainha, Michel Combet, a comitiva terá deixado
a corte a 5 de Outubro,4 afirmando Góis que chegou à fronteira portuguesa cerca de um
mês e meio depois, a 23 de Novembro, situada pelo cronista «a par do ribeiro de Sever,
que demarca estes dois reinos».5 O cronista assinala que a comitiva da rainha se
encontrava então numa das margens do rio «e os Portugueses da outra, sem se moverem»
nem uns nem outros. Dando uma panorâmica do ambiente sonoro que então se vivia,
Góis relata que «Estando ali todos, sem haver outra mais fala que muito estrondo de
trombetas, atabales e charamelas, de uma e de outra parte, o Conde de Vila Nova passou
o ribeiro e foi beijar a mão à Rainha...», dando início aos procedimentos de entrega6.
Caetano de Sousa, que na sua História Genealógica segue Damião de Góis, acrescenta
porém que o Duque de Bragança – em representação do rei, chefiando a delegação
portuguesa de recepção na raia – levava entre os seus servidores, «treze trombetas […],
onze charamelas […] e seis atabaleiros», números que podem não parecer relevantes
numa comitiva que contava com trezentos homens de cavalo para além de cem
alabardeiros, mais de sessenta moços da câmara e estribeira, grande número de oficiais
heráldicos e outros, fora as quarenta azémolas com a sua bagagem pessoal e «outras
muitas pertencentes à família e serviço da casa»7. No entanto Góis calcula que «a outra
gente de cavalo, com a que levavam os Bispos, Condes, fidalgos e cavaleiros, passava de
dous mil», e Gaspar Correia, fazendo uma conta mais avantajada, afirma que «no

2 Combet, 2008, 90 e Combet, 2012, 234, indica o dia 10 de Julho, sem no entanto indicar a fonte para a
datação. Nenhuma das crónicas portuguesas aqui seguidas indica a data precisa.
3 Góis, 1926, 74.
4 Combet, 2008, 90 e Combet, 2012, 234, indica o dia sem referir a fonte. Poderá inferir-se esta data a partir
de Vandenesse, 1874, 23, o qual indica, no Itinerário de Carlos V em Espanha, em 1518, que esteve em
Saragoça até 4 de Outubro, passando nos dias seguintes por Muéla (dias 5-6) e Almunia (dias 7-8), voltando a
9 para Muéla, onde uma nota indica que «Le 9 octobre, à Almunia, le Roi prit congé de madame Éléonore,
qui partait pour le Portugal», supondo-se que terão deixado Saragoça juntos e que este seria o trajeto seguido
por D. Leonor para Portugal.
5 Sobre as entregas de rainhas e princesas quinhentistas na raia, v. Lourenço, 2012, 25-39.
6 Góis, 1926, 76.
7 Caetano de Sousa, 1738, 535-537.

313
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

recybymento averya bem cymqo myll de caualo», pelo que se deve multiplicar o número
dos instrumentistas assinalados.8

Instrumentos nas entregas na raia


Comparando estes dados com os de cerimónias idênticas ocorridas em anos próximos,
encontramos na raia, no recebimento à rainha D. Catarina, em 1525, «seis atabaleiros e
dez trombetas» do Conde de Tentúgal, «oito trombetas e quatro atabale[iro]s» do Conde
de Vimioso e «seis trombetas e quatro atabaleiros» do futuro Conde do Prado, D. Pedro
de Sousa; a própria rainha faz-se acompanhar de seis trombetas, quatro atabaleiros e
quatro charamelas.9 Do outro lado da fronteira são assinalados, em 1526, no recebimento
feito à irmã do monarca português, recém-casada com o imperador Carlos V, oito
trombetas e cinco charamelas do Duque de Béjar, e doze trombetas, seis charamelas e três
«mulas de atabales» do Arcebispo de Toledo.10

Quadro 1 – Quadro das trombetas, atabales [ou atambores] e charamelas


assinalados em recebimentos na raia e no séquito de D. Beatriz, duquesa de sabóia,
entre 1518 e 1526.

TBT ATB CHR total


D. Jaime de Bragança, 1518 31 6 11 30
Infanta D. Beatriz, 1521 8 [6] 6 20
Conde de Tentúgal, 1525 10 6 - 16
Conde de Vimioso, 1525 8 4 - 12
D. Pedro de Sousa, 1525 6 4 - 10
Rainha D. Catarina, 1525 6 4 4 14
Duque de Béjar, 1526 8 - 5 13
Arcebispo de Toledo, 1526 12 3 6 21

Recuando a 1498, quando D. Manuel entra em Espanha com a rainha D. Isabel, sua
primeira consorte – onde viriam a ser jurados herdeiros de Castela e Aragão – o Duque de
Medina Sidónia recebe-os com dezasseis trombetas e oito tambores, «tudo de prata»,
segundo Garcia de Resende, indicando o cronista que D. Manuel levava também os seus

8 Góis, 1926, 77. Correia, 1992, 125.


9 Buescu, 2010, 131-132.
10 Sousa, 1951, 270-271.

314
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

instrumentistas, todavia sem desvendar quantos seriam.11 Conhecemos no entanto


os nomes de quatro trombetas ao serviço do rei português em 149612 – três dos quais
herdados do seu antecessor, D. João II13 – mas no dia 6 de Dezembro de 1515 D. Manuel
revela ter já um elenco significativo destes instrumentistas ao seu serviço, quando ordena
o pagamento de vestiaria a doze trombetas seus.14 Um pouco mais preciso no caso da
infanta duquesa D. Beatriz, Resende revela que a mesma levava, na magnificente
comitiva que a acompanhava a Sabóia aquando do seu casamento, em 1521, «seis
charamelas […], oito trombetas e seis atambores», entre outros instrumentos.15 Nesta
pequena amostragem em que as fontes generosamente revelam o número de
instrumentistas, verifica-se facilmente que nenhum grupo ultrapassa, nem sequer iguala,
os efectivos de D. Jaime de Bragança em 1518.

2. Casamento no Crato e périplo até Almeirim

As fontes parecem unânimes quanto ao trajecto seguido pela rainha D. Leonor em


Portugal, afirmando Góis que pernoitou em «Castelo de Vide, onde esteve um dia e ao
seguinte se foi ao Crato».16 Correia acrescenta que «no Crato foi reçebyda delrrey que
ahy foy a ve la e teue dela a primeira noyte», confirmando que foi aqui que os dois
cônjuges se conheceram, assinalando Góis que também aqui teve lugar a cerimónia
religiosa do casamento, seguida de serão, plausivelmente com dança e, necessariamente,
com música.17
Correia afirma, de forma um pouco generalista, que estiveram oito dias «em gramdes
festas e alegres canas e touros», tendo-se depois dirigido a Almeirim «com gramdes
bamquetes e reçebymentos», elencando assim algumas das principais manifestações
áulicas próprias destas circunstâncias. Góis é mais preciso quanto à duração da estadia no
Crato, afirmando que os monarcas aí permaneceram dois dias «em que houve muitas
festas, jogos e danças, […] e elRei com a Rainha vieram dormir a Ponte de Sor e ao outro

11 Resende, 1973, 299-300.


12 V. Anexo, Quadro A.
13 João de Évora é assinalado por Viterbo, 1932, 192-193 numa carta régia datada de 1496, como tendo sido
trombeta apenas de D. João II «Joham deuora trombeta que foy delRey meu senhor que Deus aja», mas
encontra-se documentado ao serviço de D. Manuel em documentos posteriores. V. Anexo, Quadro A.
14 V. Quadros em Anexo. Para o ano de 1515 encontram-se identificados, ao serviço de D. Manuel, 12
trombetas, 5 charamelas, 4 atabaleiros e 2 tamboris, para além de, no âmbito dos músicos da câmara, Diogo,
Francisco e Gonçalo de Baena, tangedores de viola de arco, bem como Luis de Santa Maria, tangedor-mor,
possivelmente organista.
15 Resende, 1973, 324.
16 Góis, 1926, 77.
17 Correia, 1992, 125. Góis, 1926, 77.

315
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

dia a Chamusca».18 Efectivamente encontra-se na Torre do Tombo uma breve nota


referente a Ponte de Sor com ordens do almotacé-mor, D. Nuno Manuel, para que se
fizessem os preparativos necessários «para a espera que El Rei faz a raynha».19
Daí partiria o casal real para o Paço de Almeirim, onde os infantes aguardavam, 20
sendo majestosamente recebido pelos três varões mais velhos (de 12, 11 e 9 anos)
acompanhados por um notável séquito de grandes senhores e prelados, a uma légua da
vila, onde decorreu nova cerimónia de beija-mão. Findo o acto protocolar, «deste lugar
abalaram com trombetas, atabales e charamelas sem cessarem até Almeirim, onde as
Infantes D. Isabel e D. Beatriz […] estavam esperando a Rainha».21
É ainda Góis quem assinala que no mesmo dia, por ser véspera de Santo André,
«houve vésperas e depois da ceia, serão», acrescentando ainda, em jeito de conclusão, que
o rei permaneceu em Almeirim com a Corte «em grandes festas, de touros, canas, serões,
e outros passatempos até o começo do verão [1519], em que se foi pera Évora».22

3. Évora, Lavradio: preparativos para o recebimento em Lisboa

As duas crónicas que relatam este importante acontecimento, aqui divergem. Note-se
que a crónica de Góis é uma encomenda régia, oficial, redigida umas décadas após as
ocorrências, enquanto a de Correia não terá sido terminada, consistindo em apontamentos
manuscritos – uma compilação de fontes, nas palavras do editor Pereira da Costa – cujo
eventual desenvolvimento teria sido ultrapassado pelo empreendimento das Lendas da
Índia.23
Apesar de Gaspar Correia afirmar que, após o casamento, o rei esteve em Almeirim
«alguns dias aguardando que Lisboa se fizesse prestes com seu solene recebimento», e de
Góis situar essa entrada apenas três anos mais tarde, em 1521, não é evidente que
a primeira afirmação seja falsa.24 Na verdade sabemos que a cidade continuava assolada
pela peste, o que terá impedido que a entrada triunfal se concretizasse logo após

18 Góis, 1926, 77.


19 IANTT, Corpo Cronológico, Parte II, mç. 78, n.º 101: «Mandado de D. Nuno Manuel, almotacé-mor, para
o juiz do Sardoal por promptas todas as cousas por ele recomendadas para a espera que El Rei faz a raynha
em Ponte de Sor (1518-11-23)». [7-Abr.-2018]. Agradeço a Ana Isabel Silva, do Arquivo Histórico
Municipal de Ponte-de-Sor, ter-me assinalado a existência deste documento.
20 Note-se que o príncipe tinha acompanhado D. Manuel ao Crato, onde beijara então a mão à rainha (Góis,
1926, 77).
21 Góis, 1926, 77-78.
22 Góis, 1926, 78-79.
23 Correia, 1992, XXVIII.
24 Correia, 1992, 125. Góis, 1926, 158-159.

316
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

o casamento, acabando por ficar adiada por alguns anos.25 Entretanto a rainha teria
engravidado, dando à luz o infante D. Carlos em Évora, em Fevereiro de 1520, o que
pode eventualmente ter contribuído para continuar a protelar a entrada na capital.26
O Livro de Festas do Arquivo Municipal de Lisboa confirma que, efectivamente, em
1518 tinha havido planos para a realização desse evento festivo, registando algumas
despesas com os preparativos, entre as quais a aquisição de damasco preto e «tefetaa
bramco pera as bamdeiras das trombetas».27
É ainda Correia quem afirma que o rei foi de Almeirim para o Lavradio [Barreiro],
de onde faria a sua entrada com um sumptuoso cortejo pelo Tejo.28 Mas não só no Livro
de Festas como no Corpo Cronológico – onde existe um número significativo de alvarás
assinados por D. Manuel em Évora, desde Maio de 1519 em diante – se encontra
evidência da presença do monarca no Alentejo até finais do ano seguinte.29 Na realidade,
só a partir de Novembro de 1520 (estando D. Leonor no início de uma nova gravidez), se
encontra expresso na correspondência entre o monarca e a Câmara de Lisboa que estão
em curso os preparativos para «a nosa entrada que em hora avemos de entrar na dita
çidade com a rainha minha sobre todos muito amada e prezada molher», dando mesmo
a conhecer, umas semanas mais tarde, a sua intenção de passar o Natal no Lavradio, de
onde faria então a entrada na capital.30 Efectivamente assim viria a ocorrer em Janeiro de
1521, sendo a última carta régia do Livro de Festas datada de 18 desse mês, justamente
do Lavradio.31

4. Cortejo fluvial, janeiro 1521

A crónica de Correia é a única fonte conhecida para este evento sumptuoso, dando
uma panorâmica viva e algo detalhada de como os monarcas fizeram a travessia do Tejo
com um riquíssimo cortejo – segundo o autor, de mais de seiscentas velas – que incluía
embarcações de entidades públicas e privadas, entre barcas e batéis, caravelas, fustas e a
galé real.

25 Livro de Festas, fl. 36. Em carta do monarca à cidade (04-07-1520) paira ainda o receio da peste.
26 Góis, 1926, 158.
27 Livro de Festas, fl. 76. Ver também fl.74ss «Conta que se tomou a Vasco Periz thesoureiro das remdas da
cidade de Lisboa do anno de Vc XVIIIº do que gastou nas festas da entrada d’el rey e rainha…», referindo-se
a «quando [houve] de ser aa primeira entrada».
28 Correia, 1992, 126.
29 Livro de Festas, fls. 39ss. ANTT, Corpo Cronológico, Pt. I, mç. 24-26 (vários).
30 Livro de Festas, fls. 39, 45.
31 Livro de Festas, fl. 50.

317
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

Esta última é apresentada como um navio de recurso para o caso de necessidade, uma
vez que os monarcas viajavam a bordo de uma fusta, a qual estava «toda da vante a ré
cuberta somente de uma ramada de cravos e rosas e mangeronas e outras fermosas
froles», com estrados «pera as pessoas reais» e ricos brocados, sem remadores nem vela,
uma vez que era levada «por outra fusta à toa per uma grossa cadeia dourada». Por seu
turno a galé «tinha vela de damascos brancos e carmesins» – as cores heráldicas de
D. Manuel – estava «toda embandeirada de bandeiras dos mesmos damascos, dourados
e franjados de ouro», tinha toldo de brocado, enxárcias e remos pintados de ouro e azul, e
levava a bordo «todolos instrumentos altos e baixos». 32 Quais os instrumentos baixos
e que função teriam no seio dos mais sonoros, é uma questão difícil de esclarecer.
Sendo esta a única referência explícita (ou implícita) a música neste cortejo áulico,
pode no entanto intuir-se a presença de muitos instrumentos a bordo das embarcações
participantes, tal como ocorrerá na idêntica travessia de 1552, do Barreiro a Lisboa,
quando D. João III acompanha a recém-chegada princesa D. Juana, sua nora, onde
é reiteradamente assinalada a presença de trombetas, charamelas, tangeres e músicas «de
muitas maneiras» na maioria dos batéis participantes.33
De novo recorrendo à documentação municipal para a entrada da rainha, encontramos
despesas com vestuário festivo para seis trombetas [=trompetistas] e pagamento a sete
charamelas do rei [charameleiros], bem como o valor despendido com mantimentos
(vinho, pão e fruta) para oitenta e oito «arremadores da galle e trombetas e charamellas
e outros que foram na dita galle», não sendo porém claro quem eram os ‘outros’
personagens a bordo.34 Esta informação singular revela no entanto que a cidade tem pelo
menos seis trombetas ao seu serviço – facto que se confirma na documentação referente à
entrada de D. João III com a rainha D. Catarina em 1527 – e os charamelas são,
inequivocamente, músicos ao serviço da casa do rei.35
O cronista, talvez pouco sensível à música, é bastante parco no assunto, apesar de tudo
assinalando a presença de seis barcas do Ribatejo «com suas frolias e homens mancebos

32 Correia, 1992, 126-127.


33 Cf. Alves, 1986, 76-84: Lembrança das festas que se fizeram em Lisboa ao recebimento do Príncipe
D. João, filho de el Rei D. João o 3º que casou com a Princesa D. Joana, filha do Imperador Carlos V. Esta
princesa será mãe do rei D. Sebastião.
34 Livro de Festas, fls. 66, 70v.
35 Livro de Festas, fl. 90 – carta de D. João III à Câmara de Lisboa (Alcochete, 12-01-1527), ordenando «que
os tronbetas desa cydade que hão de servir na minha emtrada ajam os vestydos asy e da maneira que ho
ouverão os tronbetas quando el rey meu senhor e padre que samta glorya aja emtrou a deradeira vez nesa
cydade».

318
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

e moças louçãs pera bailar e cantar e froliar».36 O Livro de Festas corrobora esta presença
registando despesas em vestuário, calçado e estadia de trinta foliães e vinte e quatro
folioas «que vieram d´Abramtes e da Castanheira».37
Destaca-se no cortejo um outro navio que parece produzir um ambiente sonoro muito
particular. Era uma caravela a cargo de um grupo de estudantes, «cheia de diabos mui
disformes e a caravela mal aparelhada e velas esfarrapadas e pintadas de más pinturas» –
só a descrição já dá uma ideia do efeito cómico que teria no seio de tão nobre companhia
– «de onde saíam grandes fumaças e fogos artificiais e muitos trões», aludindo
certamente aos tiros de artilharia disparados sem pelouros que atroavam os ares.38
Efectivamente o uso da artilharia em cerimónias oficiais era uma prática corrente no
século XVI, pelo que não é de estranhar a sua presença neste contexto. O cronista refere a
propósito que, chegando o rei à cidade, «as naus todas logo deram fogo a sua artilharia
que foi sem conto»,39 aparentemente seguindo as normas inscritas no Regimento
manuelino para os Recebimentos dos Reis, de 1502, onde se estabelecia que «todalas
naus e navios que no porto i houverem, em sinal de prazer e alegria, lhe será mandado
que […] desparem dos tiros de pólvora que tiverem na hora da entrada» del-rei.40

Iconografia

As nuvens de fumo provocadas por disparos de artilharia a bordo encontram-se


retratadas numa sugestiva miniatura iluminada, na moldura (sul) de um dos monumentais
frontispícios da Leitura Nova onde, num pequeno medalhão de cerca de oito a dez
centímetros de diâmetro, o pintor inscreve uma cena marítima com três navios de alto
bordo representando naus ou galeões, dois ou três navios de remo e vela configurando
fustas ou galés, e ainda um conjunto de embarcações mais pequenas, possivelmente batéis
e barcas, dos quais seis à vela e pelo menos três com remos e sem mastros.41
Apesar de esta imagem correr frequentemente como ilustração da partida de D. Beatriz
para Sabóia, uns meses mais tarde,42 parece mais aceitável que represente antes uma
chegada festiva do que uma largada, sendo nela identificáveis diversos pormenores

36 Correia, 1992, 127.


37 Livro de Festas, fls. 62, 64v, 65v.
38 Correia, 1992, 127. Sobre a utilização de trons a bordo dos navios, ver por exemplo Valdez dos Santos,
1999, 41ss.
39 Correia, 1992, 128.
40 Regimentos de D. Manuel, fl. 19v.
41 IANTT, Leitura Nova, Liv. IV de Além-Douro. Sobre a caracterização dos navios do século XVI,
v. Domingues, [2019].
42 Correia, 1992, XXXVII-XXXVIII: no seu estudo introdutório, Pereira da Costa afirma encontrar aqui
«elementos que nos parecem seguros» de estar representada a armada que levava D. Beatriz para Sabóia, sem
no entanto desvendar essas evidências.

319
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

relatados por Correia. Não obstante, há que ter em conta que grande parte dos elementos
áulicos presentes nestas festas eram comuns a muitas outras ocorridas na época,
nomeadamente o aparato visual – símbolos heráldicos, têxteis preciosos, decorações ricas
em que sobressai o carmesim e o ouro – associados ao indispensável estrondo da
artilharia de mistura com a chamada música alta, produzida geralmente por trombetas,
atabales e charamelas. Lamentavelmente não é possível identificar nenhum instrumento
na imagem, ou por não estar efectivamente representado ou por ter uma escala tão
diminuta que, passados quinhentos anos, já não é perceptível.
Uma outra pintura, estudada e reiteradamente referida nos trabalhos de José Manuel
Garcia – o frontispício de um dos exemplares manuscritos e iluminados da Crónica de
D. Afonso Henriques, de Duarte Galvão (c.1520)43 – apresenta uma vista da cidade de
Lisboa em fundo, encontrando-se em primeiro plano o porto repleto de navios de vela
e remos.44 O investigador chama a atenção para o facto de figurarem as armas da casa de
Áustria no toldo da popa de uma fusta ou galé, pelo que provavelmente aludiria também à
entrada de D. Leonor nesta cidade.45 No entanto, o cotejo desta imagem com os
elementos visuais descritos na crónica de Correia, não apresentando uma correspondência
directa, sugere que possa a mesma configurar uma representação áulica convencional,
artística, sem o objetivo de retratar um acontecimento específico de forma documental.

5. Entrada triunfal em Lisboa

As entradas reais em Lisboa estavam regulamentadas, desde 1502, com uma série de
obrigações estipuladas tanto para as autoridades como para os moradores e os
representantes dos ofícios. Entre outras coisas era exigida a presença de «todos ministres
e tangedores, que nela [cidade] e no termo houver, e trombetas, todos postos nos lugares
pertencentes, e todos outros Joguos, Representações que se poderem fazer».46
A cerimónia contava obrigatoriamente com alguns elementos de forte simbolismo,
como a arenga ou discurso de boas vindas à personalidade homenageada, a entrega das
chaves da cidade – simbolizando a lealdade dos súbditos – e o trajecto debaixo de um
pálio rico até à Sé, para um momento de recolhimento e oração. Seguidamente a comitiva
percorria certas ruas decoradas com ricos têxteis e atapetadas de ervas cheirosas, ao longo
das quais se sucediam as exibições de grupos de cariz popular, mas também as eruditas

43 Códice manuscrito da Chronica do Muito Alto e Muito Esclarecido Príncipe D. Afonso Henriques,
Primeiro Rey de Portugal, de Duarte Galvão. Museu dos Condes de Castro Guimarães, Cascais. [10-III-2019]
44 Garcia, 1996, 36, 38; Garcia, 2005, 48-49.
45 Garcia, 2016, 42.
46 Regimentos de D. Manuel, fl. 19.

320
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

representações promovidas e apresentadas pelas corporações profissionais e instituições,


em palcos montados para o efeito.47
A entrada de 1521 inscreve-se de forma evidente neste modelo, sendo assinalados por
Correia mais de uma dúzia de cadafalssos com cenografias espectaculares
e representações alegóricas em honra da rainha, onde é hoje indiscutivelmente aceite que
Gil Vicente participou, tanto na concepção como provavelmente também na produção
dramatúrgica.48 O cronista refere efectivamente a arenga, a entrega das chaves e a ida da
rainha debaixo de pálio rico de oito varas douradas, aspectos que se encontram reiterados
na documentação camarária.49 Mas para além disso dá informação bastante detalhada
sobre conteúdos e ambiente sonoro de algumas das representações, sendo esta a única
descrição conhecida deste grandioso evento áulico que durou largas horas, fazendo com
que os monarcas regressassem «aos Paços já qasi noite».
Encontramos no meio da multidão de participantes os oficiais heráldicos – porteiros
«de maças de prata» e reis de armas «com suas ricas cotas vestidas» – diante do pálio de
brocado onde seguiam os monarcas a cavalo, juntamente com os indispensáveis
charamelas, trombetas e atabales, diante dos quais ia «todo género de festas e folias e
damças e amtremeses».50 Logo no primeiro palco encontrava-se uma representação de um
tema bíblico onde figurava, «em um céu, Deus Padre com a corte angélica com muitos
instrumentos e músicas» eventualmente pintados ou esculpidos no cenário com bastante
realismo, segundo se depreende, mas não sendo de descartar que houvesse efectivamente
participação musical.51
O palco seguinte, do outro lado da rua, representava a ilha da Madeira, onde se
encontrava um grupo de fadas acompanhadas por «quatro sereias cantando suavemente»
e que terminava justamente com os «doces cantares das sereias, que mui bem pareceu». 52
Mais à frente encontrava-se um palco a cargo dos tanoeiros, onde figurava «uma dama
encantada com o cantar de um grande dragão» e outro representando «uma grande brenha
de arvoredo mui viçoso de muitas froles e aves mui fremosas e muitos passarinhos que
nele cantavam».53

47 Cf. Alves, 1986 e Regimentos de D. Manuel, 17v.-19v.


48 Cf. Camões et al., 2010, 97. Livro de Festas, fls. 44, 47, 63.
49 Correia, 1992, 129. Livro de Festas, fls. 50, 59; fl. 70v; fls. 61-62, respectivamente para arenga, entrega de
chaves e pálio rico.
50 Correia, 1992, 129.
51 Correia, 1992, 129.
52 Correia, 1992, 129.
53 Correia, 1992, 130.

321
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

A representação dos oficiais da Casa da Índia merece ao cronista uma descrição


particularmente detalhada, a qual terminava com «muitas gentes com grandes festas
e prazeres […] e muitos tangeres», revelando assim a presença de música instrumental,
lamentavelmente não especificada.54 Uma das últimas representações contava uma vez
mais com «um céu artificial de grandes músicas e cantares», subsistindo a dúvida se seria
apenas cenário ou som real, parecendo provável que aludisse realmente a instrumentistas
e cantores actuando no local.55
Elementos biográficos de D. Leonor apontam para as suas invulgares competências
musicais, adquiridas na Flandres durante a infância, sendo-lhe atribuídos, por volta de
1518, notáveis dotes como executante de diversos instrumentos – nomeadamente o alaúde
e o manicórdio – além de proficiência no canto polifónico e na dança.56 É pois plausível
que as grandiosas festas organizadas em sua honra em Lisboa contemplassem esta
particularidade, tendo ainda em conta a enorme importância dada por D. Manuel à
música, como tem sido amplamente reconhecido a partir das palavras do seu cronista
Damião de Góis.57

Considerações finais

Os vários episódios festivos relacionados com este casamento espelham certamente


ambientes sonoros idênticos aos que a rainha teria vivenciado em entradas solenes ao lado
de Carlos, quer enquanto arquiduque da Áustria, na Flandres, quer como príncipe
herdeiro de Espanha, já na Península. Elementos simbólicos destes eventos políticos,
baseados numa matriz classicizante comum à generalidade das cortes europeias – ainda
que eventualmente com particularidades ibéricas, em alguns casos58 – parecem manter-se
em vigor décadas mais tarde, em diversas outras entradas cerimoniais presenciadas por
D. Leonor, nos anos de 1530 como rainha de França,59 e em 1549-1550, viúva de novo,
acompanhando a sua irmã Maria de Hungria, então governadora dos Países Baixos, nos

54 Correia, 1992, 131.


55 Correia, 1992, 132.
56 Combet, 2008, 46-47; Combet, 2012, 218. Fernández Álvarez, 2006, 56, assinala a compra de um
clavicórdio para Leonor e o seu irmão Carlos, ainda crianças, em Malines, sob os cuidados da sua tia e tutora
Margarida de Áustria, governadora dos Países Baixos.
57 Góis, 1926, principalmente IV Parte, Capítulo 84.
58 Strong, 1993, 42, 44. Para entradas na Península Ibérica, Alves, 1986.
59 D. Leonor fará múltiplas entradas solenes em diversas cidades francesas, a partir de 1530, após o seu
casamento com Francisco I de França. Cf. Combet, 2008, 136ss; Combet, 2012, 268. Les entrées de Eléonore
d’Autriche; Cazaux, 2002, especialmente 188-196.

322
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

sucessivos festejos e recebimentos em honra do sobrinho de ambas, o príncipe Filipe de


Espanha, no seu périplo pelo Império.60
Para além do atroar da artilharia em certos momentos específicos – e eventualmente
do repique dos sinos das igrejas e conventos, não referidos nas fontes aqui seguidas –
bem como das já mencionadas bandas de cariz áulico associadas aos oficiais heráldicos,
encontramos instrumentos a bordo, no desfile náutico, músicos incorporados nos diversos
palcos com representações durante a entrada real e grupos de foliões nas ruas, bem como
divertimentos privados de corte, indissociáveis da música, sobretudo instrumental.
Do ponto de vista musicológico é de lamentar que apenas nos tenham chegado breves
sinais da presença musical nestes (e em muitíssimos outros) grandiosos eventos áulicos.
De entre as principais dúvidas que subsistem releva a questão do repertório executado,
de que não há notícia: seria música polifónica? Composta por quem? Fanfarras, melodias
populares e outras com que o público estaria familiarizado? Impossível determinar com
exatidão, até ao momento.
Outras perguntas ficam igualmente sem resposta por ora. Para além dos trombetas
da Câmara de Lisboa e dos charamelas do rei, quem eram os músicos participantes?
Profissionais contratados individualmente, amadores, grupos organizados previamente
existentes? Fica ainda por resolver a questão da propriedade dos instrumentos, que não
conseguimos determinar se eram das instituições ou dos próprios músicos, sendo ambas
as hipóteses plausíveis.
Se não é ainda possível responder a todas estas questões, em contrapartida sabemos
hoje que nos serões principais em que havia dança, acompanhavam os instrumentistas
de sopro de madeira e sacabuxas (ministres ou menestréis), sendo provável que
ocasionalmente também os músicos da câmara do rei – tocando alaúde, cravo, harpa ou
viola de arco – desempenhassem algum papel neste contexto, bem como os cantores da
Capela Real, participando nomeadamente nos autos teatrais e nas músicas da câmara.
Temos ainda notícia da presença de instrumentos em torneios e touradas –
frequentemente trombetas mas também pífaros e atambores – actividades
invariavelmente incluídas na programação festiva deste tipo de comemorações.
Sobre o destacado papel das bandas de charamelas, trombetas e atabales – os
instrumentos de mais forte sonoridade e de maior significado heráldico, que ostentavam
as armas do seu senhor nas bandeiras de seda das trombetas, na paramentaria dos atabales

60 Cf. Juan Christóval Calvete de Estrella (2001) – El felicíssimo viaje del muy alto y muy poderoso Príncipe
don Phelippe. [Madrid]: Sociedad Estatal para la conmemoración de los centenários de Felipe II e Carlos V /
Turner Libros.

323
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

e em medalhões de prata lavrada que os instrumentistas levavam ao peito – é evidente o


seu protagonismo na generalidade das cerimónias áulicas. Se por um lado caracterizam o
ambiente sonoro em momentos de grande importância política, todavia não deixarão de
ser suprimidos «por respeitos da Rainha viúva» após a morte de D. Manuel, nos finais de
1521, por ocasião das cerimónias de juramento de D. João III como rei de Portugal.61
De facto o novo monarca, respeitando o luto de D. Leonor durante as celebrações da
sua subida ao trono, ordena o silêncio tanto à saída do cortejo como no regresso ao paço
real. O seu cronista salienta que, terminado o longo acto solene na igreja de S. Domingos,
o jovem rei, acompanhado de um magnífico séquito, «chegou até à porta da ribeira,
fazendo em todo este caminho seu ofício os estrumentos, porém dali até o Paço mandou
que cessassem, também polo mesmo respeito da Rainha veúva», 62 lembrando assim que,
no xadrez da paisagem sonora, tem igualmente lugar de destaque o silêncio.63

Instrumentistas ao serviço do rei D. Manuel (1495-1521)64

Quadro A - trombetas identificados, dos quais 4 em 1496 e 12 em 1515

TROMBETAS DE D. MANUEL

1496 Gonçalo Fernandes trombeta CDM, L. 33, ff. 66 e 73v;


Subsídios, 211
1496 João Vaz trombeta; tb. de D. João II CDM, L. 40, f. 102;
Subsídios, 562-63
1496 Pero Afonso trombeta CDM, L. 32, f. 99v
1496 João de Évora trombeta; tb. de D. João II CDM, L. 32, f. 132;
1502 Subsídios, 192
1514 CDM, L. 4, f. 16
1515 CC, Parte II, mç. 45, n.º 72
CC, Parte II, mç. 62, n.º 87
1506 Álvaro [Fernandes] Esteves trombeta CDM, L. 44, f. 16v;
1514 Subsídios, 198
CC, Parte II, mç. 45, n.º 74
1506 João de Final trombeta CDM, L.44, ff. 14 e 17v;
1515 Subsídios, 223
CC, Parte II, mç. 62, n.º 83

61 Andrade, 1613, fl. 7. O autor refere o cortejo entre os Paços da Ribeira e a igreja de S. Domingos, em
Lisboa.
62 Andrade, 1613, fls. 8-8v.
63 Os meus sinceros agradecimentos aos investigadores que gentilmente me facultaram informações,
documentos ou imagens que contribuíram para a elaboração deste trabalho: Ana Isabel Buescu (Universidade
Nova de Lisboa), Edite Alberto (Câmara Municipal de Lisboa), Ana Isabel Silva (Arquivo Histórico de Ponte
de Sor), João Magusto (Câmara Municipal de Castelo de Vide) e José Manuel Garcia (Gabinete de Estudos
Olissiponenses), respectivamente.
64
Alguns destes instrumentistas continuam ao serviço da corte no reinado de D. João III, fora do âmbito deste
trabalho.

324
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

1513 Luis Martins (m. 1517) trombeta CDM, L. 42, ff. 84 e 89;
1515 Subsídios, 365-6
1517 CC, Parte II, mç. 62, n.º 85
CDM, L. 10, f. 37v
1513 Jorge Fernandes trombeta CC, Parte II, mç. 48,
1514 n.º 111; Subsídios, 213
1515 CC, Parte II, mç. 51, n.º 97
1516 CC, Parte II, mç. 62, n.º 88
CC, Parte II, mç. 63, n.º 20
1514 Álvaro Esteves trombeta CC, Parte II, mç. 45, n.º 74
1514 Diogo Prestes, trombeta CC, Parte II, mç. 52, n.º 174
1515 f. de Pero Prestes CC, Parte II, mç. 62, n.º 80
1514 Pe[d]ro Prestes trombeta CDM, L. 36, f. 126v;
Subsídios, 463-64
1514 Francisco Fernandes trombeta CC, Parte II, mç. 50,n.º 160
1515 CC, Parte II, mç. 62, n.º 90
1514 Diogo Fernandes trombeta CC, Parte II, mç. 50, n.º 9
1517 CDM, L.10, f.48v;
Subsídios, 201-2
1515 Pedro Corvo/ Corno trombeta; tb. de D. João II CC, Parte II, mç. 62,
n.º 79; Subsídios, 140
1515 João de Seixas trombeta CC, Parte II, mç. 62, n.º 81
1515 Pedro de Fustamante trombeta CC, Parte II, mç. 62, n.º 84
1515 Henrique Esteves trombeta CC, Parte II, mç. 62, n.º 86
1515 Vicente Barroso trombeta CC, Parte II, mç. 62, n.º 89
1515 Jorge Anes trombeta CC, Parte II, mç. 62, n.º 78
1516 CDM, L. 25, f. 108;
Subsídios, 51
1521 Diogo de Évora trombeta CDM, L. 18, f. 104;
Subsídios, 189-190

CC – Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo, Corpo Cronológico.


CDM – Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo, Chancelaria de D. Manuel I.
Charamelas – VITERBO, Sousa (1912) – O Rei dos Charamelas e os Charamelas-móres. Lisboa:
Typ. J. F. Pinheiro.
CML – Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa: Livros de Reis, vol.
IV (1959). Lisboa. Câmara Municipal.
Subsídios – VITERBO, Sousa (1932) – Subsídios para a História da Música em Portugal.
Coimbra: Imprensa da Universidade. Edição facsimilada de Arquimedes Livros, Lisboa, 2008

325
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

Quadro B - charamelas e sacabuxas identificados, dos quais 5 em 1515

MENESTRÉIS DE D. MANUEL

1501 Francisco Camelo charamela CML, IV-78


1507 Jaques (já falecido em charamela CDM, L. 38, ff. 74 e 75; CC,
1529) Parte II, mç. 12, n.º 137;
1515 Subsídios, 286-90
1521 CC, Parte I, mç. 17, n.º 127;
Charamelas, 2 e 4
CDM, L. 18, f. 112v;
1515 Alberto de Arsia charamela CC, Parte II, mç. 57, n.º 104
1516 CC, Parte II, mç. 64, n.º 58
1515 Adrião de Marcha charamela CC, Parte II, mç. 57, n.º 105
1516 CC, Parte II, mç. 64, n.º 66
1515 Cor[o]neles, de Malynes charamela CC, Parte II, mç. 57, n.º 106
1516 Charamelas, 4
1515 Luís de Flandes charamela CC, Parte II, mç. 57, n.º 111
1516 Gerarte/ Geraldo, de sacabuxa CC, Parte II, mç. 64, n.º 7;
Lovem Charamelas, 4; Subsídios, 245
1516 Gyles/Giles, de Belduque charamela Charamelas, 4; Subsídios, 250-
251
1516 Pytre, morador em sacabuxa Charamelas, 4; Subsídios, 457
brucelas
1516 Jaques doçaina instrumentista de CC, Parte II, mç. 64, n.º 125
sopro
1520 Jaques Fansyt [= Jaques?] charamela CDM, L.35, f.129v; Subsídios,
193

CC – Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo, Corpo Cronológico.


CDM – Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo, Chancelaria de D. Manuel I.
Charamelas – VITERBO, Sousa (1912) – O Rei dos Charamelas e os Charamelas-móres. Lisboa:
Typ. J. F. Pinheiro.
CML – Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa: Livros de Reis, vol.
IV (1959). Lisboa. Câmara Municipal.
Subsídios – VITERBO, Sousa (1932) – Subsídios para a História da Música em Portugal.
Coimbra: Imprensa da Universidade. Edição facsimilada de Arquimedes Livros, Lisboa, 2008

326
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

Quadro C - percussionistas identificados, dos quais 2 tamboris e 4 atabaleiros em


1515

PERCUSSIONISTAS DE D. MANUEL

1498 Arnão tamboril CDM, L. 31, f. 22v;


Subsídios, 60
1502 Jaques de Ogales/ Ogueles tamboril CDM, L. 6, f.100v;
1515 Jaques tamboril/ tambory Subsídios, 419
1516 CC, Parte II, mç. 58, n.º 7
CC, Parte II, mç. 64, n.º 121
1505 Pero Favela atabaleiro- CDM, L. 20, f. 17v;
mor Subsídios, 195-6
1515 Mestre Pedro tamboril CC, Parte II, mç. 54, n.º 64
1515 Gonlçalo Pichaleiro atabaleiro- CC, Parte II, mç. 60, n.º 200
mor CC, Parte II, mç. 61, n.º 30

1515 Afonso de Aguilar atabaleiro CC, Parte II, mç. 60, n.º 200
1515 Francisco de Aguilar atabaleiro CC, Parte II, mç. 60, n.º 200
1515 Fernão de Carião/ Caria atabaleiro CC, Parte II, mç. 61, n.º 28
c.1521 filho de G. Pichaleiro Subsídios, 104-105

CC – Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo, Corpo Cronológico.


CDM – Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo, Chancelaria de D. Manuel I.
Charamelas – VITERBO, Sousa (1912) – O Rei dos Charamelas e os Charamelas-móres. Lisboa:
Typ. J. F. Pinheiro.
CML – Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa: Livros de Reis, vol.
IV (1959). Lisboa. Câmara Municipal.
Subsídios – VITERBO, Sousa (1932) – Subsídios para a História da Música em Portugal.
Coimbra: Imprensa da Universidade. Edição fac-similada de Arquimedes Livros, Lisboa, 2008.

Fontes manuscritas

Arquivo Municipal de Lisboa AML-AH, Chancelaria Régia – Livro de Festas, CHR 78


[exemplar policopiado].
Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo – Corpo Cronológico, Parte. I,
mç. 24-26 (vários).
Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo – Corpo Cronológico, Parte II,
mç. 78, n.º 101.

Fontes impressas

ANDRADE, Francisco de (1613) – Cronica do muyto alto e muito poderoso Rey destes
reynos de Portugal Dom João o III. deste nome. Lisboa: Jorge Rodriguez.

327
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

CAETANO DE SOUSA, António (1738) – História Genealógica da Casa Real


Portugueza, Tomo V. Lisboa: Officina Sylviana da Academia Real.
CORREIA, Gaspar (1992) – Crónicas de D. Manuel e de D. João III (até 1533), leitura,
introdução, notas e índice por José Pereira da Costa. Lisboa: Academia das Ciências.
Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa: Livros de Reis,
Vol. IV (1959). Lisboa. Câmara Municipal.
GÓIS, Damião de (1926) – Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, Pt. IV. Coimbra:
Imprensa da Universidade.
Les entrées de Eléonore d’Autriche, reine de France et du Dauphin, fils de François Ier
(Éd. 1866). S.L.: Hachette Livre/ Bibliothèque Nationale de France. [Edição fac-
similada].
Regimentos de D. Manuel para os vereadores e oficiais da Câmara de Lisboa - 3 de
agosto de 1503 [Livro Carmesim], (2014). Cadernos do Arquivo Municipal. Lisboa.
2ª Série Nº 2, p.273-298. [3-III-2019].
RÊGO, António da Silva (1967) – As Gavetas da Torre do Tombo, VI (Gav. XVI-XVII,
Maços 1-3), Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos.
RESENDE, Garcia de (1973) – Crónica de D. João II e Miscelânea. Lisboa: Imprensa
Nacional - Casa da Moeda.
SOUSA, Frei Luis de (1951) – Anais de D. João III, Vol. I, Prefácio e Notas de
M. Rodrigues Lapa. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora.
VANDENESSE, Jean de (1874) – Collection des Voyages des Souverains des Pays-Bas,
publiée par M. Gachard, Tome Deuxième, Itinéraire de Charles-Quint de 1506 a 1531.
Journal des Voyages de Charles-Quint, de 1514 a 1551. Bruxelas: F. Hayez.

Estudos
ALVES, Ana Maria (1986) – As Entradas Régias Portuguesas. Lisboa: Livros Horizonte.
BUESCU, Ana Isabel (2010) – Na Corte dos Reis de Portugal. Lisboa: Colibri.
CAMÕES, José; MACHADO, João Nuno Sales (2010) – Who’s in a name?
In A Custódia de Belém 500 anos. Lisboa: Instituto dos Museus e Conservação/
Museu Nacional de Arte Antiga. P. 89-103.
CAZAUX, Christelle (2002) – La Musique à la Cour de François Ier. Paris: École
Nationale des Chartes.
COMBET, Michel (2008) – Éléonore d’Autriche. Paris: Pygmalion.
COMBET, Michel (2012) – Leonor de Áustria. In Isabel dos Guimarães Sá e Michel
Combet, Rainhas consortes de D. Manuel I. Lisboa: Círculo de Leitores.

328
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
___________________________________________________________________________

DOMINGUES, Francisco Contente [2019] – Caravelas, Naus e Galeões, séculos XV


e XVI. Casal de Cambra: Caleidoscópio.
FERNÁNDEZ ÁLVAREZ, Manuel (2006) – Carlos V, el César y el Hombre. Madrid:
Espasa Calpe.
GARCIA, José Manuel (1996) – Poder, História e Exotismo na Iluminura Portuguesa
Quinhentista. Oceanos. Lisboa. Nº 26, 25-48.
GARCIA, José Manuel (2005) – As iluminuras de 1502 do Livro Carmesim e a
iconologia manuelina. Cadernos do Arquivo Municipal. Lisboa. Nº 8, 38-55. [3-III-
2019].
GARCIA, José Manuel (2016) – Lisboa: a cidade dos Descobrimentos. Rossio: estudos
de Lisboa [em linha]. N.º 7, p.21-43. [10-IV-2018].
LOURENÇO, Maria Paula Marçal (2012) – Rainhas no Portugal Moderno: Casa, Corte
e Património. Lisboa: Colibri.
STRONG, Roy (1993) – Art and Power. Suffolk: The Boydell Press.
VALDEZ DOS SANTOS, N. (1999) – Armamento Naval Português (1100-1500).
Lisboa: Edições Culturais da Marinha.
VITERBO, Sousa (1912) – O Rei dos Charamelas e os Charamelas-móres. Lisboa:
Typ. J. F. Pinheiro.
VITERBO, Sousa (1932) – Subsídios para a História da Música em Portugal. Coimbra:
Imprensa da Universidade. Edição fac-similada de Arquimedes Livros, Lisboa, 2008.

329
O som solene da morte: A «sonoridade bélica» dos funerais reais portugueses (1750-
1816)

Rodrigo T. de Paula

Resumo:

Os protocolos rituais associados ao funeral régio exigiam, no amplo espaço geográfico de


domínio português, a interacção de três categorias sonoras básicas: o som «brônzeo»
(sinos) – como ordenador do tempo e o principal instrumento de comunicação colectiva -,
o som «bélico» – exaltação do poder militar da coroa pela coerção sonora -, e a prática
musical. Em Portugal, a regulamentação dos protocolos militares condizentes às honras
fúnebres deu-se, faseadamente, a partir das primeiras décadas do século XVIII, sendo
o rimeiro texto contendo informações dedicadas especificamente ao falecimento de
pessoas Reais, apresentado no manual Milicia Pratica, e manejo da Infantaria - de autoria
do capitão Bento Gomes Coelho - impresso somente no ano de 1740. Entre os modelos
sonoros que também contribuíram para essa regulamentação destacamos os protocolos
para o funeral de D. Nuno Álvares Pereira de Melo, Duque de Cadaval (1638-1727) que
exigiu um considerável aparato militar, sendo seu corpo trasladado de Lisboa para
a cidade de Évora, onde viria a ser sepultado na Igreja de São João Evangelista.
Pretendemos a partir desses e outros exemplos reconstituir a sonoridade bélica dos
funerais régios portugueses, desde D. João V (1750) a D. Maria I (1816), assim como
verificar a sua articulação com as outras categorias supracitadas e, sobretudo, a sua
relevância para os estudos sobre o som e o ritual, na musicologia portuguesa.

Palavras-chave: sonoridade ritual, salvas militares, honras fúnebres, exéquias reais

Abstract:
The ceremonial protocols related to the royal funerals in the Portuguese world demanded
the interaction of three basic sound categories: the tan sound (the bells) – main instrument
for collective communication and responsible for organizing the time –, the military
sound – the exaltation of the kings military power -, and musical practice. In Portugal, the
regulation of military protocols concerning funeral honors started progressively at
the 18th century. The first text with information dedicated specifically to the decease of


CESEM / Universidade Nova de Lisboa
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

royalty members was published in 1740 in the manual entitled Milicia Pratica, e manejo
da Infantaria, written by Captain Bento Gomes Coelho. Amongst the sound models which
also contributed to this regulation one highlights the protocols for the funeral of D. Nuno
Alvares Pereira de Melo, Duke of Cadaval (1638-1727) which demanded a considerable
military display: his body was transferred from Lisbon to Évora where it was buried at the
church of São João Evangelista. The above mentioned examples will serve as a starting
point to restore the military sound of the royal funerals in Portugal from D. João V (1750)
to D. Maria I (1816), establishing its articulation with the other sound categories
mentioned and pointing out its relevance to the research of sound and rituals in
Portuguese Musicology.
Keywords: ritual sounds, artillery shots, funeral honors, Royal funerals

A presença militar em actos públicos relacionados com o calendário festivo régio,


incluindo-se aí as honras fúnebres, marcava-se por acções coreografadas das tropas ao
som das caixas, tambores, instrumentos de sopro e também pelo aparato sonoro bélico.
Esse era constituído por salvas de fuzilaria e artilharia dadas pelos regimentos, pelos
castelos e fortalezas e pelas embarcações que utilizavam, nas operações navais, esses sons
como meio de comunicação e como forma de saudar hierarquicamente as autoridades1.
Nas festas, a sonoridade bélica compunha o cerimonial, ordenando-o, dando-lhe maior
solenidade e actuando como demonstração do poderio militar da coroa impondo, através
da coacção sonora aos seus súbditos, a autoridade dos monarcas2.

1
«Salvar, ou saudar, he huma cortezia e huma honra, que se fas no mar nam somente entre os Navios de
differentes naçoens, mas ainda entre os de huma mesma naçam, quando elles se distinguem pellos postos dos
Oficciaes que os mandam, ou que os montam». In Castelo Branco, 1719, 45-46. Segundo nos informa o
nobre militar Antonio Lopes da Costa Almeida (1787-1859), a hierarquia das salvas de Artilharia são assim
classificadas: Imperador: 101 tiros; Imperatriz, Família Imperial, Rei, Rainha, Família Real, Arcebisbos e
Bispos nas suas Dioceses: 21 tiros; Governadores Geraes: 21 tiros (na sua Provincia) e 19 tiros (fora de sua
Província), Conselheiros de Estado, Ministros de Estado, Conselheiros de Guerra, Exército e Armada:
19 tiros; Marechais e Almirantes: 17 tiros; Tenentes Generais e Vice-Almirantes: 15 tiros; Marechais de
Campo e Chefes de Esquadra: 13 tiros; Brigadeiros e Chefes de Divisão: 11 tiros; Coroneis e Capitães de Mar
e Guerra: 9 tiros; Tenentes Coronéis e Capitães de Fragata: 7 tiros. Cf. Almeida, 1856, 585-586.
2
Conforme Ramón Andrés, ao descrever a etimologia da palavra «pânico», derivada do grego panikós
(associada ao semideus Pan) e utilizada para descrever as situações de medo ou terror extremo a partir do
sentido da audição - uma vez que era costume fazer referências a um medo instigado pelo ruído e por sons
potentes e estranhos, sobretudo nocturnos – apresenta, o autor, o uso militar desses sons: «En el Resos,
atribuido comúnmente a Eurípides (c. 485-406 antes de Cristo), es donde aparece por primeira vez, cuando se
describen los torvos e inquietantes ruidos que, en noche cerrada, llegan a oídos de los soldados quienes caen
en la zozobra. Es, por lo dicho, remarcable la importancia que tuvo el trueno entre los antíguos, o el fuerte
resonar de las láminas de bronce». In Andrés, 2012, 1199-1200.

331
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Segundo nos informa o militar Raimundo José da Cunha Mattos (1776-1839), deve-se
aos venezianos, no século XIV, a invenção e a introdução militar das salvas, tendo esta
prática, nos séculos seguintes, expandindo-se para outros reinos da Europa:

Os Venezianos forão inventores, ou introductores das salvas de Artilharia no século 14, e


o seo costume teve aceitação nos outros Povos da Europa. As salvas são de Artilharia, ou
de Fuzilaria. As primeiras constão de hum numero de tiros correspondente á graduação,
ou cathegoria da pessoa a quem se salva: as segundas sempre consistem em tres descargas
de fogo rolante da direita para a esquerda da linha, quando a salva he de alegria, ou de tres
descargas cerradas quando o fogo he em funeral 3.

Em Portugal, a regulamentação das salvas militares dá-se, faseadamente, entre


os séculos XVII e XIX, com vários decretos emitidos durante esse período,
acompanhando o desenvolvimento da prática naval 4 . Entretanto, no que diz respeito
ao cerimonial fúnebre real, o Regimento do Senado da Câmara de Lisboa, de 30 de
Agosto de 1502, no capítulo sobre o funeral (dó) e aclamação (levantamento) do Rei,
já menciona que durante essas cerimónias «todos las naoos e navios que ouver amte
O porto seram apemdoadas E despararan seus tiros a tenpo devido E asy todos loos
spingardeiros que ouver na çidade quamdo se der a Voz do levantamento acabadaa de se
dar despararam seus tiros como dito he»5.
A partir da organização do exército, por D. João V, em 17076, que terá no modelo
francês a sua principal referência, regula-se as salvas com base no decreto emitido por
ordem de Luís XIV, em 1689, assunto que será tratado por Antonio do Couto de Castelo
Branco (1669-1742), militar e fidalgo da Casa Real, num capítulo do seu livro Memorias
militares pertencentes ao serviço da guerra, assim terrestre como marítima (1719) 7 .
É com esse autor que se verifica, em Portugal, as primeiras iniciativas setecentistas de
normatização das honras fúnebres militares. Castelo Branco contempla essa temática

3
Mattos, 1842, 86.
4
Idem, 90-91.
5
LIVRO do Regimento dos Vereadores…, s/d, f. 21v.
6
Alvará de 15 de Novembro de 1707. Antes deste ano, em 1643, durante a Guerra da Restauração, deu-se a
primeira organização do Exército permanente em Portugal, dividido em três escalões: o Exército de Linha, as
Tropas auxiliares e as Ordenanças. Cf. Sousa, 2008, p. 15. Durante o reinado joanino, definiu-se a divisão do
exército em Regimentos (em vez de Terços) e constitui-se a Artilharia – até então não organizada
militarmente –, que passou, assim como a Infantaria e a Cavalaria, a ter doze companhias. Sobre o
armamento, eram utilizados pela da Infantaria, fuzis de mecha ou pederneira para as companhias de fuzileiros
e as granadas de mão para as companhias de granadeiros. Nas cavalarias, os soldados iam armados de sabre,
pistola e clavina (carabina). Na Artilharia, para além dos canhões de artilharia de campanha e de sítio,
portavam os soldados pistola. Cf. Selvagem, 1991, pp. 464 e 466. Carlos Selvagem é o pseudónimo do
capitão de Cavalaria Carlos Tavares de Andrade Afonso dos Santos (1890-1973).
7
Castelo Branco, Op. Cit., 239-247.

332
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

no susodito livro mas sem mencionar, especificamente, os protocolos relacionados aos


funerais reais. Entretanto, indica o autor alguns procedimentos análogos aos que serão
administrados aquando a morte de monarcas portugueses, durante os séculos XVIII
e XIX8.
Utilizando como exemplo o funeral do Marquês de Marialva, D. António Luís
de Menezes 9 (1603-1675), falecido em Lisboa, Castelo Branco descreve as acções
ritualísticas realizadas para um nobre de alta patente militar, como o acompanhamento
do corpo pela «Cavallaria, e Infantaria arrastando as Armas, com Caxas destemperadas,
e de luto, e Trombetas de sordina». Para além de identificarmos a presença de um
agrupamento musical, comum em cortejos fúnebres militares, a sonoridade bélica
é retratada pelo autor ao mencionar a chegada do cortejo ao Campo de Santa Clara, onde
se deram as descargas pela artilharia e mosquetaria (de Infantaria e Cavalaria) e, durante
a noite, do Castelo de São Jorge, «com entrevallos humas, a outras». A partir das
orientações para os funerais da alta hierarquia militar, Castelo Branco indica ainda,
seguindo os protocolos franceses, mais alguns procedimentos contemplando,
inclusivamente, o cerimonial marítimo. No caso de morte dos Governadores de Praças,
Torres e Castelo dava-se, em intervalos de meia hora, um tiro de peça até o momento do
enterro. Ao sair do local onde se encontrava o corpo, dava-se uma descarga com toda a
Artilharia e outra quando o mesmo chegasse à igreja, momento em que o destacamento
que acompanhava o cortejo deveria dar três descargas de fuzilaria10. Para os Oficiais que
faleciam em alto mar, hasteava-se a bandeira dos navios a meio-pau e dava-se um tiro de
canhão a cada uma hora11.
Sobre as cerimónias fúnebres por D. Pedro II, falecido em 9 de Dezembro de 1706,
nenhum dos textos consultados indicam ser esse evento um modelo, no que diz respeito
ao protocolo militar, a ser reproduzido em outros funerais régios. Essa situação indica um
procedimento sustentado pela tradição mas que, nos anos seguintes, irá lentamente, por
via escrita, sendo legislada e registada como parte da memória do evento. Por outro lado,
a descrição pormenorizada dos protocolos militares e a relevância dos sons bélicos no

8
Idem, 45-46
9
D. António Luís de Menezes foi, político e militarmente, um nome relevante durante os reinados de D.
João IV (1604-1656), D. Luísa de Gusmão (1613-1666), D. Afonso VI (1643-1683) e D. Pedro II (1648-
1706). Exerceu as funções de Conselheiro de Estado e da Guerra, Vedor da Fazenda Real, Ministro do
Despacho, Governador das Armas de Lisboa, Setúbal, Cascais e Estremadura, Capitão-general da província
do Alentejo, Procurador das Cortes de Lisboa e teve destacada atuação no processo de Restauração da
independência de Portugal e na consolidação da Dinastia Brigantina.
10
Castelo Branco, Op. Cit., 53.
11
Idem, 63.

333
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

cerimonial fúnebre real nem sempre são explicitadas nas relações impressas dessas
cerimónias que, para além de noticiar os eventos, eram uma forma de reforçar os laços de
vassalagem. Na relação publicada por ordem dos Oficiais da Casa Real, em 1707, com a
descrição do que se praticou em Lisboa, por exemplo, não são descritos os procedimentos
militares, tampouco a sonoridade bélica das mesmas12. Já para as cerimónias realizadas na
Baía, registadas e publicadas pelo fidalgo Sebastião da Rocha Pitta (1660-1738), coronel
do Regimento da Ordenação desta cidade, são mencionados apenas – para além do
acompanhamento militar com armas rendidas e sem adornos, e bandeiras a rasto –, o
«som rouco» dos tambores e os ecos dos tiros, desde às Fortalezas. Esses sons, segundo
Rocha Pitta, sobrepunham-se a outra categoria sonora relacionada com a prática religiosa:
os constantes toques dos sinos que ouviam-se desde todos os templos da cidade13.
Entretanto, a relação pormenorizada do funeral do primeiro Duque de Cadaval,
D. Nunes Alvares Pereira de Melo (1638-1727), escrita pelo seu filho, D. Jaime Alvares
Pereira de Melo (1684-1749), publicadas em 1730, apresentam as acções correspondentes
às honras fúnebres militares de acordo com os protocolos indicados por Castelo Branco,
inclusivamente, os procedimentos já utilizados no funeral de D. António Luís de
Menezes14. A descrição de D. Jaime configura-se, então, como um importante contributo
para uma identificação mais precisa das formas de articulação entre o programa sonoro
bélico e os protocolos dos funerais solenes. Logo após o falecimento de D. Nunes, em
Lisboa, D. Diogo de Noronha (1698-1759) – então 3.º Marquês de Marialva e Sargento-
mor de D. João V – ordenou que se armassem três canhões de artilharia: um no Castelo
da cidade e outros dois que deveriam ir junto às tropas (vide fig. 1). Enviou ainda, o
Marquês, avisos para as torres e fortes da Marinha para darem as três descargas de
artilharia, a partir do Cais dos Mouros, de onde o corpo seria embarcado com destino
a Évora, para ser sepultado no convento de São João Evangelista. Esta acção deveria
ocorrer na sequência das descargas que seriam dadas pela Cavalaria e a Infantaria
devidamente posicionadas no mesmo Cais15. D. Diogo ainda emitiu as seguintes ordens:
que três Oficiais desses Regimentos sinalizassem o luto com fumos – o primeiro no
chapéu, o segundo no braço esquerdo e o terceiro no espadim –, que as caixas e timbales

12
Noticias da doença, morte, & funeral..., 1707.
13
Breve Compendio e Narraçam do Funebre Espectaculo...,1709, 2-3.
14
Ultimas acçoens do Duque D. Nuno Alvares Pereira de Mello..., 1730, 50.
15
D. Diogo de Noronha também escreveu ao Juiz de Fora do Montijo (Aldeia Galega) para que fossem
enviados seis barcos para conduzirem um Esquadrão de sessenta cavalos, destinados ao acompanhamento do
corpo do Duque até a cidade de Évora. Idem, 51.

334
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

estivessem destemperadas e enlutadas, as trombetas tocassem à surdina e que dos


estandartes pendessem fumos16.
Assim que o corpo do Duque saiu da sua residência, localizada na antiga rua do
Príncipe (hoje estação do Rossio), foi dada a primeira descarga e começaram os disparos,
não mais com intervalo de trinta minutos mas «de meyo quarto de hora de tiro a tiro», a
partir do Castelo de São Jorge, acção que durou até às nove horas da manhã do dia
seguinte. Durante o cortejo, os Oficiais da Infantaria levaram os espontões de rastos, os
Alferes as bandeiras enroladas também de rastos (pegando-lhes pelas choupas) e
os soldados as armas abatidas. Em frente ao Palácio da Inquisição (Palácio do Cardeal
Cunha), também no Rossio, foi dada a segunda descarga. Assim que embarcaram o corpo,
no Cais dos Mouros, o Marquez de Marialva ordenou a toda a Cavalaria e Infantaria que
ali se encontrava, para que dessem a terceira descarga, o que foi seguido por disparos
de canhões desde o Baluarte da Vedoria, da Torre Velha (Forte de São Sebastião da
Caparica), da Torre de Belém, dos Fortes de São Pedro de Paço D’Arcos, São Julião
da Barra até ao de São Lourenço do Bugio (Cabeça Seca). Todas essas acções ocorreram
sob os constantes dobres dos sinos, que foram dados por toda a comunidade religiosa, até
à noite17.

16
Ibidem, 53.
17
Ultimas acçoens..., 55.

335
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Figura 1 - Cortejo fúnebre do Duque de Cadaval – 1727

Em destaque, na parte superior direita, vê-se o timbaleiro da cavalaria com os tímbales enlutados
e, no centro, as duas peças de artilharia (canhões)18.

Chegado o corpo com o militar acompanhamento em Évora, foram realizadas as


cerimónias religiosas – com Ofício, Missa e Absolvições, no convento de São João
Evangelista, mas, no que diz respeito à sonoridade bélica, o autor da relação faz apenas
referência às três descargas dadas, ao final da função, pelo destacamento presente.
Entretanto, algumas informações sobre a prática musical e a sonoridade «brônzea»,
correspondentes às cerimónias religiosas realizadas entre Lisboa e Évora, põe em
evidência a importância e a interacção dessas categorias sonoras, associadas à sonoridade
bélica, nos rituais. No Palácio do Duque, em Lisboa, os cónegos da Congegração de
S. João Evangelista e os religiosos Arrábidos cantaram a Encomendação e o Ofício de
Defuntos sob os toques dos sinos de todos os mosteiros que dobraram durante dois dias.
Embarcado o corpo, durante o trajecto, fizeram paradas: no Montijo (Aldeia Galega) –

18
Idem, estampa inserida entre a páginas 54 e 55.

336
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

onde, na Igreja matriz da Vila, realizaram outra Encomendação; em Vendas Novas –


«onde em huma Capellinha se lhe cantou hum Responso» ; Montemor e, já próximo à
cidade do sepultamento, na Igreja de S. Mathias, na Ermida de S. Sebastião e no
Convento de Nossa Senhora dos Remédios. Em Évora, no Convento de São João
Evangelista, local do enterro, realizaram o Ofício «para o qual concorreo o Cabido,
mandando os Cantores da sua Sé, que unidos com os outros fizerão quatro córos de
Musica», cantando também os cinco responsórios das Absolvições e a encomendação
final diante da sepultura19.
No dia 30 de Março de 1737, outra regulamentação portuguesa sobre as honras
fúnebres militares são registadas na Ordem expedida pelo Governador das Armas e
Conde de Atalaia, D. João Manuel de Noronha (1679-1761). Porém, assim como Castelo
Branco, o nobre militar não faz referências sobre as salvas e outros procedimentos para o
luto destinados ao cerimonial fúnebre dos monarcas. O conteúdo da Ordem trata dos
protocolos para o enterro dos oficiais, entre os quais destacamos, mais uma vez, a
cerimónia para os Governadores das Armas. As informações, em relação aos protocolos
já citados, variam apenas no número de descargas. Logo após constatar a morte do oficial,
dava-se «hum tiro de artilharia seguindo outros de meio quarto, em meio quarto de hora,
durante as vinte e quatro, ou athe ao tempo em q. for enterrado»20. O acompanhamento
deveria ser feito pela Infantaria e Cavalaria, formados em duas alas, dando-se cinco
descargas (e não três) de mosquetaria e artilharia, após a chegada do corpo à sepultura. Se
o oficial morresse em uma Praça de Guerra, todas as tropas deveriam preceder o
acompanhamento, com as armas abatidas, as bandeiras e estandartes levando fumo, as
caixas dos tambores e timbales destemperadas, cobertas de baeta negra, e as trombetas
com surdinas21. Esses procedimentos vão ao encontro do que se praticou no funeral do
Duque de Cadaval, evento que certamente serviu como referência para os protocolos
administrados nos funerais mais solenes que sucederam.
Com a publicação, em 1740, do tratado Milicia pratica e manejo da Infantaria, escrito
pelo capitão Bento Gomes Coelho (1687-17??), oficializa-se, através do meio impresso,
os protocolos mais importantes (sem novidades ao que já foi apresentado) que deveriam
ser seguidos pelos militares, aquando do falecimento do Rei ou Rainha22. O funeral régio
compreendia uma série de ritos administrados após a constatação e o recebimento da

19
Idem, 54-61.
20
Honras funeraes…, 1737.
21
Idem.
22
Coelho, 1740, 398-399.

337
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

notícia do falecimento do monarca, como o anúncio público da morte pelos sinos de todos
os templos, a saída dos Bandos a publicar, com força de lei, a «infausta notícia», a
obrigatoriedade e os procedimentos para o luto; a cerimónia municipal da Quebra dos
23
Escudos ; o cortejo fúnebre até o local do sepultamento; as Exéquias (Vésperas,
Matinas, Laudes, Missa de Requiem, Sermão e Absolvição) e o sepultamento.
Após o recebimento da notícia da morte pelos Governadores e, através destes, pelas
instituições militares do reino, deveriam ser dados, a partir dos sítios fortificados,
disparos com intervalos de um quarto de hora, por tempo de três dias. Os soldados que
montassem guarda, durante esse período, deveriam manter as suas armas abatidas. Os
procedimentos para o porte das mesmas e para a sinalização do luto – inclusivamente nas
caixas e tambores – são assim definidos:

Os Oficiais com os Espontoens arrastro pegando-lhe pela chopa do ferro, os Sargentos com
as alabardas com o ferro para bayxo; as Bandeiras se enlutão pondo-se-lhes fumos atados
ao pé da Lança no remate da haste; as caixas se cobrem de preto por tempo dos dittos tres
dias, os Sargentos traraõ por luto bocaes, e cazas pretas nas cazacas; os Cabos de
Esquadras, Soldados, e tambores trarão cravatas de tafetá preto, e as caixas
destemperadas24.

Sobre o cortejo, Bento Coelho indica ainda o acompanhamento pelos Regimentos de


Infantaria e Cavalaria que deveriam seguir o real corpo com as armas abatidas, em duas
alas, desde o Palácio até a igreja onde ocorreria o sepultamento25.

23
Essa cerimónia consistia em um cortejo cívico-militar hierarquizado, acompanhado (assim como os
bandos) por tambores e instrumentos de sopros que seguiam em direcção a três pontos de representação
político-religioso das vilas e cidades, onde desenvolvia-se uma sequência formal de gestos simbólicos em
torno da fracção de três escudos, por oficiais da Câmara do Senado. Sobre a cerimónia da Quebra dos
Escudos consultar: Curto, 2011, 191-192.
24
Idem, 399.
25
Uma comparação pode ser feita entre o cerimonial português e o espanhol, identificando-se semelhanças
nos protocolos militares. Através das Ordenanzas, publicadas em 1768, por ordem de D. Carlos III, fica
determinado que: «Immediatamente que los Capitanes Generales, y Comandantes Generales de mis Exercitos,
y Provincias tuvieren formal aviso de haver fallecido alguna de nuestras Reales Personas de Rey, Reyna,
Principe, ò Princesa de Asturias, anunciarán à mis Tropas, y Vasallos la funesta noticia, haciendo tirar cinco
cañonazos consecutivos, y despues de esta primera señal, se continuará tirando un Cañonazo de quarto en
quarto por el espacio de veinte y quatro horas, à excepcion de las de la noche; y lo mismo se executará por
orden de los Governadores en todas las Plazas de mis Dominios, luego que el Capitan General se lo avise. (...)
El dia que se celebráren las Reales Exequias, toda la Guarnicion se pondrá sobre las Armas, y llevandolas à la
funeral con las Caxas, ò Trompetas à la sordina, marcharán los Regimientos de Infantaria à guarnecer la
Muralla, y los de Cavalleria las Plazas en que huviere cabimiento: el Regimiento mas antiguo de Infanteria
formará en la Plaza de la Iglesia, donde se hiciere la funcion, à la que asistirá el Capitan, ò Comandante
General, acompañado de los Generales, y Oficiales, que no estuvieren empleados con la Tropa. Por la que
estuviere en la Plaza de la Iglesia se empezará la descarga, à que seguirá la Artilleria, y à esta la de la tropa
que guarnezca la Muralha. La primeira descarga se hará al empezar la Misa, la segunda à la elevacion, y la

338
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Entre as cerimónias fúnebres da casa real portuguesa, é a partir do falecimento de


D. João V, em 1750, que se tornou possível constatar a presença e a funcionalidade dos
sons bélicos, e a reprodutibilidade desse modelo sonoro por todo o reino e seus domínios,
através das várias relações sobre as cerimónias realizadas pela morte do «Fidelíssimo
Rei»26.
Na relação das cerimónias pela morte de D. João V, publicada pela Gazeta de Lisboa,
o periódico indica que, enquanto duraram todos os ritos, escutou-se os sons bélicos e dos
sinos, silenciados apenas finalizada a função, momento em que conduziram o Real caixão
para o panteão dos Braganças, em São Vicente de Fora:

Cessáram ao mesmo tempo as descargas, que davam os Regimentos, que estavam no


terreiro de S. Vicente, e os sentidos tiros da artilharia, que o Castelo, Forte da Védoria, e
naus surtas no Tejo atiravam de minuto a minuto, e o ruîdo dos sinos de todas as Igrejas, e
Conventos, que com os seus lúgubres écos expressavam o sentimento, que tinha instruído
nos coraçoens dos Vassalos esta grande perda27.

Inácio Barbosa Machado (1686-1872), autor de outra relação das exéquias, publicada
no ano de 1750 sob o acrónimo D.I.B.M.D.P.A.A.R28, foi mais específico ao indicar a
simultaneidade dos actos religiosos com as manifestações sonoras bélicas, sineiras e as
marchas executadas pelos agrupamentos musicais militares que, juntos, deveriam
impactar sensorialmente os súbditos portugueses, despertando-lhes um sentimento de
perda:

(...) concorreraõ todas as Communidades Religiozas Monachaes, e Mendicantes, e de


Clerigos Regulares de Lisboa, ainda as mais privilegiadas, e com devoçaõ, e harmonia
cantaraõ os Responsos costumados. (...) O Cabido da Basilica de Santa Maria com a sua
Communidade se portou nesta função taõ gravemente, que enterneceo, e edificou aos
circunstantes, cantando solemne Responso pelo seu Augusto Benfeitor. Nesse mesmo
tempo se repetiaõ de quarto a quarto os tiros de Canhaõ, que se disparavaõ no Castello, e
Baluarte da Vedoria, cujo estrondo, unindo-se ao que faziaõ todos os sinos da Cidade, e ao
toque das trombetas á surdina dos regimentos da Cavallaria, e caixas destemperadas

_________________________________________________________________
tercera al ultimo Responso: despues de lo qual se retirarán los Regimientos à sus Quarteles en buen orden con
Armas al hombro». Ordenanzas..., tomo I, 1768, 357-361.
26
Consultar: Smith, Op. Cit.,145-154; Tedim, 1997, 71-77.
27
GZL, N.º 32, 11 de Agosto de 1750, 632.
28
Supõe-se que o acrónimo D.I.B.M.D.P.A.A.R signifique: «Doutor Ignacio Barbosa Machado.
Desembargador do Porto, Académico da Academia Real». Cf. Diccionario Bibliographico..., Tomo III, 1859,
204.

339
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

cubertas de luto, da Infantaria, rompendo os ares, penetravaõ os coraçoens com taõ sensivel
dor, que Lisboa nunca vio em muitos annos dia mais triste, e lamentavel 29.

Centrando-nos nos sons bélicos, são mencionados, nos relatos supracitados, os


disparos pelos canhões a partir do Castelo de São Jorge, do Baluarte da Vedoria e dos
navios ancorados no Tejo. Entretanto, é curioso a ausência, nas Relações, de salvas
a partir das outras fortalezas – como determina o Milícia Prática –, o que certamente
deverá ter ocorrido.

Figura 2 - Principais fortificações para a defesa da entrada de Lisboa (sécs. XVIII e XIX)

1 – Castelo de São Jorge; 2 – Baluarte da Vedoria (destruído no terremoto de 1755); 3 – Torre de


Belém; 4 – Torre Velha; 5 – Forte de São Pedro de Paço d’Arcos; 6 – Forte de São Lourenço do
Bugio (Cabeça Seca); 7 – Fortaleza de São Julião.
Plan de Lisbonne, son port, ses rades & ses environs: avec une petite carte routière du Portugal / dressés par
le Ch[evali]er Calmet-Beauvoisin, auteur du Grand atlas en 63 feuilles – 1833. BNF - Ge DL 1833-766 –
(detalhe) acedido em 21 de Novembro de 2016

Sendo Lisboa e posteriormente o Rio de Janeiro espaços de residência da corte e os


principais núcleos políticos do reino, estas cidades, devido à sua importância, localização
geográfica e à conexão marítima, dependiam de edifícios fortificados, estrategicamente

29
Relação da Enfermidade..., 1750, 37-38. A Relação das exéquias realizadas na cidade do Porto, por
D. João V, também indica, ainda que em poucas palavras, a correspondência entre os sons brônzeos e bélicos.
Recebida a «infausta notícia», no dia 10 de Agosto do mesmo ano, o Prelado da cidade avisou toda a
comunidade religiosa para que dobrassem os sinos – principiando os da Catedral –, o que foi correspondido
pelas fortalezas da Marinha «com tiros de peça de artilharia de quarto em quarto de hora, e com as bandeiras
arreadas». Relação das Exequias…, BNP. H.G. 22614 – N.º 15, 1-2.

340
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

posicionados – assim como em outros portos de domínio português – para garantir


o controlo da entrada e saída de todo os tipos de navios e, principalmente, a defesa
militar 30 . Para isso era essencial o conhecimento prévio dos protocolos sonoros
(associados às bandeiras hasteadas) utilizados, através dos regulamentos das salvas, para
a comunicação a longa distância entre as próprias embarcações e, entre estas e as
fortalezas31 . Nesse sentido, os diários de viagem de oficiais estrangeiros contribuíram
para a circulação de informações, não somente acerca das cidades visitadas mas, também,
dos procedimentos vigentes nos portos portugueses no que diz respeito à relevância dos
sinais sonoros. Um erro na administração das salvas poderia ocasionar em pequenos
conflitos diplomáticos ou, em caso extremo, em um ataque ao navio. Na chegada da
fragata Bondeuse à baía do Rio de Janeiro, a 21 de Junho de 1767, por exemplo, o oficial
francês Louis Antonie de Bougainville (1729-1811) ordenou que a bandeira portuguesa

30
Aquando da sua chegada a Lisboa, no ano de 1754, o romancista inglês Henry Fielding (1707-1754)
descreve o aviso sonoro e os procedimentos para controlo da entrada de embarcações estrangeiras no Tejo:
«(...) depois de passarmos por vários velhos castelos e outros edifícios que pareciam estar em adiantada fase
de ruína, chegámos à Torre de Belém, altura em que já podíamos avistar plenamente a cidade de Lisboa, pois
que esta não distava mais de três milhas. Fomos então saudados por uma peça de artilharia como sinal de que
não devíamos prosseguir sem ter comparticipado em certas cerimónias que as leis do país requerem de todos
os navios que chegam a este porto. Tivemos, pois, de lançar âncora e esperar a chegada dos funcionários da
alfândega, sem cuja licença nenhum barco pode avançar para além do ponto em que nos encontrávamos».
Fielding, 1992, p. 113.
31
Constatados os desentendimentos na comunicação por salvas, entre os navios e as fortalezas, determina
D. José I, através do Decreto de 2 de Abril de 1762: «Sendo-me presente a confusaõ, e falta de ordens, que ha
nas Fortalezas das Barras destes Reinos, respectivas ás Salvas, que devem receber, e com que devem
corresponder as Náos da minha Armada Real, para cessar por huma vez todo o embaraço, que poderia
acontecer a este respeito: Sou servido estabelecer o seguinte. Que quando passar pelas ditas Fortalezas Náo,
que leve a insígnia de que nella vai Capitaõ General da Armada, se lhe faça a Salva com quinze tiros de
canhaõ, antes da mesma Náo salvar, a qual deve receber a Salva com outro igual número de tiros. Que todas
as mais Náos devem salvar primeiro as Fortalezas: com declaraçaõ, que as que tiverem Bandeira quadrada no
tópe do Mastro de Proa, ou da Mezena, se lhe deve receber a Salva com numero de peças igual ás com que as
mesmas Náos salvarem. Que as que tiverem Cornetas, se lhe receberá a Salva com dois tiros menos, aos com
que salvarem. E que todas as que levarem Galhardetes, seraõ recebidas as Salvas com quatro tiros menos,
como presentemente se pratica». Decreto sobre a formalidade das Salvas, que devem receber, e com que
devem corresponder as Náos da Armada Real. In Systema, ou Collecçaõ dos Regimentos Reaes..., Tomo V,
1789, 257. Cunha Mattos ainda observa que, «não se marca o numero de tiros, excepto á respeito do Navio
que leva Insignia quadrada no Mastro grande. (conforme Av. De 3 de Março de 1757). No Regimento que se
dava aos Capitães de Mar e Guerra dos Navios da Corôa que vinha de Portugal ao Brasil estava determinado
no Cap. 5 que salvassem com 7 tiros ás Fortalezas de Belém, S. Julião, e outras por onde passassem. No
Cap. 6º ordenava-se que não se salvasse a pessoa alguma que fosse a bordo, excepto no caso de lhe pertencer
continencia de bandeira tendida. No Cap. 7 proibia-se que se salvasse aos Navios Inglezes. No Cap. 8
determinava-se que salvasse-se á Capitania de França com 7 tiros. A´Almirante commandando Esquadra com
outros tantos; á Fiscal ou Chefe que tivesse Corneta com 5 tiros, e que aos Navios de Flamula não se salvasse,
e que se algum Navio Francez o quizesse obrigar a salvar, lhe responderia com huma banda de Artilharia e
Mosquetaria, por se ter por certo que o Cabo Francez depois de pertender salva, se não accommodará com
razaõ alguma sem pelejar. Este Regimento não tem data, mas he posterior ao anno de 1736». Reportorio da
Legislação Militar...,Op. Cit., 88.

341
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

fosse hasteada e que fosse dado um tiro de canhão. Estando a embarcação em frente
a Fortaleza de Santa Cruz, receberam um oficial português que, conforme determinado,
exigiu saber o objectivo da viagem. O desenrolar da história é assim contado por
Bougainville:

J´envoyai avec lui le chevalier de Bournand pour en informer le comte d´Acunha, viceroi
du Bresil, & traiter du salut. (...) Le chevalier de Bournand revint bientôt après, & me dit
qu´au sujet du salut, le comte d´Acunha lui avoit répondu que lorsque quelqu´un, en
rencontrant un autre dans la rue, lui ôtoit son chapeau, il´ne s´informoit pas auparavant si
cette politesse seroit rendue ou non; que si nous saluions la place, il verroit ce qu´il auroit à
faire. Comme cette réponse n´en étoit pas une, je ne saluai point. (...) Le 22, nous allames
en corps faire une visite au viceroi; il nous la rendit à bord le 25, & lorsqu´il en sortit, je le
fis saluer de dixneuf coups de canon, que la terre rendit 32.

Durante o reinado de D. José I, uma nova organização do exército é realizada, sob


o regime despótico do Marquês de Pombal que, por influência inglesa, vê, no modelo
prussiano, a sua principal referência. Tomou o primeiro-ministro iniciativas a esse
respeito com a organização de um regimento de artilharia da corte, com o aumento da
força das companhias de artilharia, com a criação de mais três Regimentos de Infantaria,
dois de dragões e dois de cavalaria ligeira. Convocou, também, em 1762, para assumir
a função de marechal-general do exército português, o conde Guilherme de Schaumburg-
Lippe, discípulo dilecto de Frederico II33. Deve-se a Schaumburg-Lippe, ao encontrar um
território que dispunha de «fracos efectivos humanos e de limitada formação militar»34,
algumas reformas, principalmente nos protocolos relacionados à instrução, disciplina e
sistema defensivo das fronteiras. Essas reformas promoveram impactos em vários níveis
estruturais e cerimoniais do exército, inclusivamente na prática musical dos regimentos35.
Porém, durante esse período, não encontramos nova regulamentação para as honras
fúnebres reais. Para o funeral de D. José I (1777), a escassez de relações impressas ou
manuscritas, assim como de outras fontes documentais, não permite uma descrição
detalhada dos protocolos militares reproduzidos nas cerimónias de corpo presente e
ausente mas, certamente, foram reproduzidas as acções mencionadas anteriormente. Das
poucas fontes a que tivemos acesso, através das Vereações da Câmara do Porto,
transcritas pelo padre Luís de Sousa Couto, identificámos a finalização das exéquias de

32
Bouganville, 1772, 97 e 99.
33
Selvagem, Op. Cit., 475.
34
Vicente, 1993, 4.
35
Sousa, Op. Cit.,18 e 19.

342
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

D. José I, ocorridas nessa cidade, sinalizada pelos disparos do regimento que encontrava-
se posicionado em frente à Sé, e disparos de hora em hora desde o castelo da Foz, durante
três dias, como forma de reforçar socialmente a memória do monarca e o dever em
cumprir o luto:

Por ordem do Govêrno das Armas esteve o Regimento postado, na manhã do dia das
Exéquias, defronte da Porta da Sé, e deu três descargas no fim do último Responso. O
Governador do Castelo da Foz fez que por três dias successivos se atirasse uma peça de
hora a hora, e no último mandou dar três descargas de toda a artelharia do Castelo36.

Após a ascensão de D. Maria I ao trono, novas reformas militares são realizadas


devido ao estado de degradação em que se encontrava o Exército e a Marinha portuguesa,
consequência da falta, por parte da administração anterior, de investimentos em infra-
estruturas e de uma continuidade na política implementada pelo Conde Lippe (como ficou
conhecido), após a sua retirada de Lisboa, em 1764 37 . Entretanto, a nomeação de
Martinho de Melo e Castro (1716-1795) como Secretário de Estado favoreceu a reversão
desse quadro. Medidas foram tomadas pelo substituto do Marquês de Pombal ao efectivar
uma reorganização das instituições de defesa do reino, principalmente da Marinha. Essas
medidas serão reforçadas pela instituição, por D. Maria I, da Academia Real da Marinha
(1779), da Companhia de Guardas Marinhas (1782) e da Academia Real de Fortificação,
Artilharia e Desenho Militar (1790)38. Em 1798, é publicado, por ordem da Rainha, um
novo decreto sobre as honras fúnebres que se deviam praticar a bordo dos navios, na
morte de oficiais da Real Armada. Porém, nada é especificado para os funerais régios39.
Durante a ausência da família real, é nomeado, em 1809, como Marechal e
Comandante do exército português, em Lisboa, o Major-general inglês Guilherme Carr
Beresford (1768-1854), que esteve à frente das tropas aliadas anglo-lusas a combater o
exército francês, durante as invasões napoleónicas. Beresford teve, a partir desse ano, um
papel fulcral para a reorganização dos regimentos, publicando instruções destinadas aos
mesmos entre as quais destacamos os procedimentos que a Infantaria deveria tomar nos
acompanhamentos de funerais. Porém, essas instruções destinavam-se apenas ao

36
Couto, 1936, 69.
37
Caetano Beirão menciona a falta de fardamentos e recrutas, atrasos e pagamento de baixos soldos aos
Oficiais estrangeiros e nacionais, falta de comando em muitos Regimentos, deserções em massa e a falta de
disciplina. A marinha, em 1765, possuía apenas dezoito navios de guerra mal providos de tripulações. Este
número encontrava-se reduzido para doze, no ano de 1772. Cf. Beirão, 1944, 20-21.
38
Selvagem, Op. Cit., 483-484.
39
Decreto de 14 de Janeiro de 1798.

343
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

posicionamento genérico das armas, no apresentar e descansar das mesmas, durante as


cerimónias fúnebres40. Não são apresentados por Beresford outros protocolos destinados
especificamente aos funerais régios.
A inexistência de uma legislação portuguesa que regulamentasse criteriosamente os
protocolos militares no caso de morte dos monarcas, até o falecimento de D. Maria I, em
1816, levou Cunha Mattos a registar as acções executadas no Rio de Janeiro, em honra à
Rainha, «persuadido de que essas Honras são as que se praticarão com os Monarchas
Seus Antepassados»41.
No dia 20 de Março, segundo nos informa o erudito militar, após às onze horas e um
quarto, os sinos da cidade anunciaram a morte de D. Maria I. Pouco depois do meio-dia
deu-se início aos procedimentos militares, com o posicionamento das bandeiras a meio-
mastro, primeiramente pela Fortaleza da Ilha das Cobras que, pela hierarquia, precedia a
todas as outras fortificações e navios. Desde a mesma Ilha foi dada uma salva de 21 tiros,
seguida por tiros periódicos de dez minutos (e não mais de quinze), o que foi seguido
pelas outras fortalezas até a uma hora da manhã, momento em que se arrearam todas as
bandeiras42.

40
Instrucções para o exercicio dos Regimentos..., 1810, 43-145.
41
Mattos, Op. Cit., 4.
42
Conforme a relação das mesmas cerimónias, por Luís Gonçalves dos Santos, o Padre Perereca, os tiros
foram interrompidos à meia-noite e não à uma da manhã. Cf. Santos, Tomo 2, 1825, 41.

344
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

Figura 3 - Principais fortificações da baía do Rio de Janeiro (activas ainda no século XIX), a
partir do desenho cartográfico de M. Leveux (1757)

1 – Fortaleza de São João da Barra; 2 – Forte da Lage ; 3 – Forte da Misericórdia; 4 – Forte de São
Sebastião; 5 – Forte da Conceição; 6 – Fortaleza da Ilha das Cobras; 7 – Forte de Villegaignon; 8 –
Forte de São Domingos do Gragoatá; 9 – Forte da Boa Viagem; 10 – Fortaleza de Santa Cruz.
Plan de la baye de Rio-Janeiro et de ses défenses en 1757 tel qu´il a été donné par M. eveux., BNF -
F44262918. (detalhe) - acedido em 21 de Novembro de 2016.

Também seguiram com os tiros as esquadras nacionais e estrangeiras que se


encontravam ancoradas no porto, porém somente até o pôr-do-sol. Esse procedimento
levou o Comandante da Esquadra Portuguesa a advertir os navios nacionais para regular o
tempo do «fogo» e do hastear e arriar das bandeiras, com o que se praticava nas
fortalezas, mantendo-se os navios estrangeiros os tiros somente até o final da tarde.
No dia 21, a partir das seis horas da manhã as bandeiras foram içadas a meio-mastro e
novamente as fortificações e navios deram início aos tiros periódicos, como no dia
anterior, o que foi reproduzido no dia seguinte 43 . Sobre o acompanhamento, Cunha
Mattos descreve a formação das tropas que se posicionaram em alas, pelas ruas da cidade,

43
Mattos, Op. Cit., Vol. 2, 4-6.

345
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

desde o Palácio até o Convento da Ajuda, onde à porta, se encontrava uma Brigada de
Infantaria e um Parque de Artilharia. Quanto a saída do corpo, não há menção pelo autor
às salvas, somente após a chegada do cortejo à porta da Igreja do Convento, às dez e um
quarto da noite, momento em que todos os navios deram uma salva de 21 tiros de peça,
e os destacamentos a bordo dos mesmos deram três descargas de fuzilaria44. A Bateria de
Artilharia e a Brigada de Infantaria, que se encontravam postadas à frente da Igreja,
também deram as salvas e as descargas correspondentes, assim como as Fortalezas e os
navios estrangeiros. Entretanto, não fica claro na descrição de Cunha Mattos, se essas
últimas salvas correspondiam à finalização de toda a cerimónia, como era de praxe.
Durante todos os quatro dias, todos os soldados que fizeram guarda (e nos quartéis)
estiveram com as armas em funeral. Após esse período, somente os oficiais e as bandeiras
conservarão o luto de um ano determinado pela Secretaria de Estado45.
A percepção da sonoridade bélica das Exéquias de D. Maria I, por viajantes
estrangeiros, revela-nos o impacto desses sons na sensibilidade desses viajantes, assim
como a reacção dos mesmos ao presenciar esse momento histórico46. Com a chegada ao
Rio de Janeiro do navio inglês Alceste, no dia 21 de Março de 1816, encontrava-se, entre
os seus tripulantes, o diplomata Henry Ellis (1788-1855) que observa, no seu diário,
o aspecto ruidoso e a iluminação melancólica do porto e arredores da cidade, devido a
morte da Rainha, ocorrida no dia anterior 47 . Também faziam parte da tripulação os
médicos John Macleod (1777-1820) e Abel Clark (1780-1826) que foram mais detalhistas
nas suas impressões. O relato de Macleod corresponde à descrição de Cunha Mattos,
porém diverge quanto ao tempo das salvas que, segundo aquele (e também Henry Ellis),
foram em intervalos de cinco em cinco minutos (e não em dez):

The death of the queen, which happened the day previous to our arrival, at the good old age
of eight-two, had rather cast a gloom over the city of St. Sebastian. The batteries and ships
fired five-minute guns during the whole day and night; the Alceste, Indefatigable, (Capt.
Fyffe) and a Spanish frigate, following this example: displaying also the usual exterior
marks of grief, by hoisting the colours half-staff high, and topping the yards. Our officers
like-wise wore crape; and, from a positive order being issued to all the inhabitants to go

44
Segundo o Padre Perereca, o início dessa acção foi sinalizado por um «foguete de lágrimas». Santos,
Op Cit., vol. 2, 55.
45
Cunha Mattos ainda observa que os mesmos procedimentos foram realizados nas exéquias de outras pessoas
Reais adultas, que faleceram no Rio de Janeiro. Mattos, Op. Cit., vol. 2, 6.
46
Sobre o relato de viajantes estrangeiros no Brasil, consultar: França,1999; França, 2000 e França, 2013.
47
«The death of the Queen of Portugal, which occurred yesterday, has communicated a character of noisy and
luminous melancholy to the harbour and environs of the town. Guns are fired every five minutes from the
ships and bateries, and the convents and churches are illuminated». Ellis, 1817, 3.

346
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

into mourning, (which none dared, under the severest penalties, disobey), the prices of all
black articles felt a sudden and enormous increase 48.

Também no relato de Clark são mencionados os disparos de artilharia de cinco


em cinco minutos, o que pode relacionar-se ao desconhecimento, pelos tripulantes
britânicos, das normas militares portuguesas, e à dificuldade de precisão no controlo
temporal dos tiros. Contudo, é interessante observar a reacção do médico viajante ao
escutar os sons da artilharia – a comunicar a morte e a honrar a falecida Rainha –, assim
como a importância da sinalização do luto por indivíduos de qualquer estrato social e
nacionalidade:

Long before the Alceste reached her Anchorage, the firing of cannon at a regular intervals
announced the occurrence of some great public event, and as soon as we communicated
with other ships in the harbor, we were informed of the death of the Queen of Portugal.
Vessels of all nations that were at this time lying off St. Sebastian, showed their respect to
the King of Portugal by crossing their yards, hoisting flags half-mast high, and firing guns
every five minutes. The Alceste followed their example; and as a farther mark of respect,
the British Ambassador determined to appear on shore with some outward badge of
mourning, and requested the gentlemen of his suite to do the same 49.

Já em terra, imagens das cerimónias fúnebres por D. Maria I são formadas no


imaginário de Clarke ao ouvir, à distância, o repicar dos sinos e os disparos dos canhões.
Como uma pintura, formam-se cenas na mente do viajante, com as igrejas iluminadas e
ricamente decoradas, a audiência solene e a cantoria no interior das mesmas, o brilho das
tochas, a procissão com os religiosos e a nobreza tendo, no seu entorno, os Regimentos
militares e outros espectadores. O relato de Clarke é um exemplo perfeito da actuação do
som na construção da memória de um evento – associado a outras memórias – mesmo
que o espectador o «presencie» somente através da percepção da sua sonoridade50.
Concluindo, a partir da análise das fontes apresentadas tornou-se possível identificar,
no cerimonial fúnebre dedicado aos monarcas portugueses, o estabelecimento de um
modelo sonoro bélico correspondente às cerimónias de corpo presente e às de corpo
ausente, reproduzidas obrigatoriamente no amplo espaço geográfico do reino, adaptado à
realidade militar de cada cidade ou vila. No local de residência da Corte e nas principais
cidades portuárias, verificou-se ainda que, para além dos regimentos em terra, a

48
Macleod, 1817, 6.
49
Abel, 1818, 10.
50
Idem, p. 22.

347
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

solenidade exigida para tal acto contava com um aparato sonoro reforçado pelas salvas
dadas a partir das fortificações e navios, sempre sob os dobres incessantes dos sinos e das
marchas militares, tudo integrado à política de representação do poder real e à
perpetuação da memória do monarca. Identificamos também o processo de normatização
das honras fúnebres pela legislação militar portuguesa – assim como o impacto da
sonoridade bélica correspondente a essas honras a interromper o quotidiano sonoro das
cidades - como em Lisboa e no Rio de Janeiro - e a sua percepção por parte dos viajantes
estrangeiros. Assim, para além da abordagem tradicional da musicologia histórica, que
tende a reduzir uma prática musical multifacetada a apenas um de seus componentes – a
música evocada a partir da partitura - não podemos nos furtar a considerar, na análise
sonora dos ritos, a sobreposição de outros sons que conformam numa sonoridade ritual
intrínseca e extrinsicamente integrada a uma práxis dificilmente perceptivel a ouvidos
contemporâneos.

Fontes impressas e estudos

ABEL, Clarke (1818) - Narrative of a Journey in the Interior of China: and of a Voyage
to and from that Country, in the Years 1816 and 1817. London: Longman, Hurst,
Rees, Orme, and Brown.
ALMEIDA, Antonio Lopes da Costa (1856) – Repertorio Remissivo da Legislação da
Marinha e do Ultramar comprehendida nos annos 1317 até 1856. Lisboa: Imprensa
Nacional.
ANDRÉS, Ramón (2012) - Diccionario de música, mitología, magia y religión.
Barcelona: Acantilado Quaderns Crema.
BOUGANVILLE, Louis Antonie (1772) - Voyage autour du monde, par la frégate du Roi
La Boudeuse, et la Flute L´Étoile, en 1766, 1767, 1768 & 1769. Neuchatel: Société
Typographique, Premiere Partie.
BREVE Compendio e Narraçam do Funebre Espectaculo, que na insigne Cidade da
Bahia, cabeça da America Portugueza, se vio na morte de ElRey D. Pedro II, de
gloriosa memoria, S. N. Offerecido Á Magestade Serenissima Senhor Dom Joam V.
Rey de Portugal, composto por Sebastiam da Rocha Pitta, Fidalgo da Casa de Sua
Magestade, Cavalleiro professo da Ordem de Christo, & Coronel do Regimento da
Ordenançã da Cidade da Bahia (1709) - Lisboa: Officina de Valentim da Costa
Deslandes.

348
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

CASTELO BRANCO, Antonio do Couto (1719) - Memorias militares pertencentes ao


Serviço da Guerra assim terrestre, como maritima; em que sucintamente se contem as
obrigaçoens dos Officiaes de Infantaria, Cavallaria, Artelharia, Enginheiros, e Mar...
Amsterdam: en Caza de Miguel Diaz.
COELHO, Bento Gomes (1740) - Milicia pratica e manejo da Infantaria offerecido a
ElRey N. Senhor D. João V por Bento Gomes Coelho, Cavalleiro Professo da Ordem
de Christo, Ex Governador das Ilhas de Cabo Verde, e Terra firme de Guiné. Lisboa
Occidental: Officina de Antonio de Sousa da Sylva, tomo II.
COUTO, Luís de Sousa (1936) - Origem das Procissões da Cidade do Pôrto. Porto:
Publicações da Câmara Municipal do Porto.
CURTO, Diogo Ramada (2011) – A cultura Política no Tempo dos Filipes. Lisboa:
Edições 70.
DICCIONARIO Bibliographico Portuguez - Estudos de Innocencio Francisco da Silva
applicaveis a Portugal e ao Brasil. Lisboa: Imprensa Nacional, Tomo III, 1859.
ELLIS, Henry (1817) - Journal of the proceedings of the late embassy to China;
comprising a correct narrative of the public transactions of the embassy, of the voyage
to and from China, and of the journey from the mouth of the Pei-ho to the return to
Canton. Interspersed with observations upon the face of the country, the polity, moral
character, and manners of the Chinese nation. London: Printed for John Murray.
FIELDING, Henry (1992) - Diário de uma viagem a Lisboa – Tradução, introdução e
notas de João Manuel de Sousa Nunes. Lisboa: Edições Ática.
FRANÇA, Jean Marcel Carvalho (1999) - Visões do Rio de Janeiro colonial: antologia de
textos (1531-1800). Rio de Janeiro: EdERJ, 1999.
FRANÇA, Jean Marcel Carvalho (2000) - Outras Visões do Rio de Janeiro colonial:
antologia de textos (1582-1808). Rio de Janeiro: Editora José Olympio.
FRANÇA, Jean Marcel Carvalho (2013) - Viajantes estrangeiros no Rio de Janeiro
Joanino: antologia de textos (1809-1818). Rio de Janeiro: Editora José Olympio.
HONRAS funeraes. Ordem de 30 de Março de 1737. Copiador de Ordens e Instrucções
Militares. Colecção particular. s.c.
INSTRUCÇÕES para o exercicio dos Regimentos de Infanteria por ordem do
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Guilherme Carr Beresford, Marechal e
Commandante em Chefe dos Exercitos com aprovação de Sua Alteza Real o Principe
Regente de Portugal (1810) - Lisboa: Impressão Regia, 2.ª edição.

349
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

LIVRO do Regimento dos Vereadores (Livro Carmesim), s/d. Acessível no Arquivo


Municipal de Lisboa – Arquivo Histórico, Chancelaria Régia, N. 37.
MACLEOD, John (1817) - Narrative Of A Voyage In His Majesty S Late Ship Alceste
To The Yellow Sea Along The Coast Of Corea To The Island Of Lewchew; With an
Account of her Shipwreck in the Straits of Gaspar. London: John Murray.
MATTOS, Raimundo J. Cunha (1842) - Reportorio Da Legislação Militar Actualmente
Em Vigor No Exercito E Armada Do Imperio Do Brazil. Rio de Janeiro: Typ.
Imparcial de F. de P. Brito, vol. 3.
NOTICIAS da doença, morte, & funeral do Muyto Alto, e Muyto Poderoso Principe D.
Pedro II, de boa memoria, Rey de Portugal, nosso Senhor, que offerecem, e dedicam
a´Serenissima Senhora D: Francisca Josepha Infante de Portugal, Os Officiaes da
Secretaria de Estado (1707) - Lisboa: Officina de Antonio Pedrozo Galraõ.
ORDENANZAS, de S. M. para el regimen, disciplina, subordinacion, y servicio de sus
Exercitos (1768) - Madrid: Oficina de Antonio Marin, tomo I.
PLAN de la baye de Rio-Janeiro et de ses défenses en 1757 tel qu´il a été donné par M.
Leveux. BNF - F44262918. [Consult. 21 Nov. 2016]
PLAN de Lisbonne (detalhe), son port, ses rades & ses environs: avec une petite carte
routière du Portugal / dressés par le Ch[evali]er Calmet-Beauvoisin, auteur du Grand
atlas en 63 feuilles – 1833. BNF - Ge DL 1833-766 . [Consult. 21 Nov. 2016]
RELAÇÃO da Enfermidade, Ultimas Acçoens, Morte, e Sepultura do Muito Alto, e
Poderoso Rey, e Senhor D. João V. o Pio Magnanimo, Pacifico, Justo, Religioso, e por
declaraçaõ Pontificia o Fidelissimo A´Igreja Romana. Offerecida a seu Augusto Filho
o Senhor Rey D. Joseph I. pelo D.I.B.M.D.P.A.A.R (1750) - Lisboa: Officina de
Ignacio Rodrigues.
RELAÇÃO das Exequias, que se fizeraõ pelo falecimento do muito Alto, Poderoso e
Fidelissimo Rey de Portugal D. João V. Nosso Senhor, que na Cathedral do Porto
mandou fazer o Excellentissimo Prelado da dita, Diocese (c. 1750) – Acessível na
Biblioteca Nacional de Portugal. H.G. 22614 – N.º 15.
SANTOS, L. Gonçalves dos (1825) - Memórias para servir a história do reino do Brasil.
Lisboa: Na Impressão Régia, Tomo 2.
SELVAGEM, Carlos (1991) Portugal Militar: Compêndio de História Militar e Naval de
Portugal desde as origens do Estado Portucalense até o fim da Dinastia Bragança.
Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda.

350
Paisagens sonoras urbanas: História, Memória e Património
Vanda de Sá e Antónia Fialho Conde
_______________________________________________________________________________

SOUSA, Pedro Marquês de (2008) - História da Música Militar Portuguesa. Lisboa:


Tribuna da História.
SYSTEMA, ou Collecçaõ dos Regimentos Reaes. Conte´m os Regimentos pertencentes
a´ Fazenda Real, Justilas, e Militares. Agora novamente reimpressos, e accrescentados
com todas as Leis, Alvarás, Decretos, e Avisos, que ampliaraõ, limitarão, declararaõ,
recommendaraõ, e derogaraõ os mesmos Regimentos nas partes, ou §§, que se
aboliraõ: e tambem se lhe ajuntaõ outros mais, que faltavaõ até o presente (1789) -
Lisboa: Officina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, Tomo V.
TEDIM, José Manuel (1997) - Morte, poder e espectáculo barroco nas exéquias de D.
João V, III Colóquio Luso-brasileiro de História da Arte, Évora-Cáceres, 21-24 de
Fevereiro de 1995 – Actas, Évora: Universidade de Évora.
ULTIMAS acçoens do Duque D. Nuno Alvares Pereira de Mello desde 11 de Setembro
de 1727. atè 29 de Janeiro de 1727. em que faleceu. Relaçaõ do seu enterro, e das
Exequias, que se lhe fizeraõ em Lisboa, e nas terras, de que era Donatario. Escritas, e
dedicadas a´Magestade de D. Joaõ V. Rey de Portugal pelo Duque Dom Jayme seu
Estribeiro Mor, dos conselhos de Estado, e Guerra, Presidente da Meza da
Consciencia, e Ordens, &c. (1730) Lisboa Occidental: Na Officina da Musica.
VICENTE, António Pedro (1993) - O recrutamento de militares no estrangeiro – De
Schaumbourg-Lippe a William Beresford, Separada das Actas do IV Colóquio
A História Militar de Portugal no Séc. XIX. Lisboa: Comissão Portuguesa de História
Militar.

351
Apontamentos sobre a actividade musical na Sé de Portalegre. Músicos e repertório
musical
Ana Caeiro, Hugo Porto

Resumo:
A Sé de Portalegre acolheu, desde os seus primórdios, um serviço musical de contornos
idênticos aos das restantes sedes episcopais. Depois de dar a conhecer os momentos
fundacionais da diocese bem como da construção da catedral, pretendemos, em breves
linhas, resgatar do esquecimento os indivíduos e as funções musicais desempenhadas
pelos seus principais agentes desde meados do século XVI até 1917, data da extinção do
serviço musical da catedral. Faremos, igualmente, uma pequena incursão pelos
documentos musicais existentes no Arquivo da Sé de Portalegre, especialmente quanto ao
tipo de repertório e compositores representados, com particular ênfase dado aos que
fizeram a sua formação ou desenvolveram a sua actividade na própria catedral.

Palavras-chave: catedral, músicos, serviço musical, documentos musicais, repertório

Abstract:

Since its beginnings, the Portalegre Cathedral has hosted a musical service similar to the
other episcopal centers. We will present the founding moments of the diocese as well as
the construction of the cathedral, after which we intend, in brief lines, to rescue from
oblivion the individuals and the musical functions performed by their main agents from
the middle of the sixteenth century until 1917. We will also make a small survey into the
musical documents from Portalegre Cathedral Archive regarding, repertoire tipology and
composers represented, emphasizing those who have been trained or have developed their
activity in the Cathedral itself.

Keywords: cathedral, musicians, musical service, musical documents, repertoire


O presente estudo insere-se no âmbito do projecto ALT20-03-0145-FEDER-028584 (PTDC/ART-
PER/28584/2017) – «PASEV: Patrimonialização da Paisagem Sonora em Évora (1540-1910)», financiado
por fundos nacionais através da FCT/MCTES e co-financiado pelo Fundo Europeu de desenvolvimento
Regional (FEDER) através do Compete 2020 – Programa Operacional Competividade e Internacionalização
(POCI).

CIDEHUS/Universidade de Évora
Introdução

Os estudos académicos e científicos sobre a música nas sés de Portugal têm sempre
passado ao lado da Sé de Portalegre. Com efeito, depois de Braga, Coimbra, Évora, e, em
menor escala, Elvas, as restantes catedrais, por razões diversas que se prendem com o
desaparecimento ou a dispersão de documentação, têm sido esquecidas ou pelo menos
preteridas nos estudos centrados na sua dimensão musical.
Sendo certo que os historiadores da música do século XIX e início do século XX,
como Vasconcelos, Vieira ou Viterbo, nos legaram alguns esboços biográficos de
músicos oriundos ou formados na Sé de Portalegre, até ao momento não foi feita uma
análise aturada e tendencialmente exaustiva da documentação existente, sem a qual será
impossível corroborar a informação veiculada por estes.
O projeto Arquivo da Sé de Portalegre: organização, descrição e difusão online,
financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e finalizado em Dezembro de 2014, teve
como objectivos o tratamento arquivístico (organização, inventariação e
acondicionamento) da documentação existente na Sé de Portalegre, bem como a sua
difusão em linha através da base de dados Fundos Documentais de Instituições do Sul
(FUNDIS).
Ao tornar o acervo documental acessível aos investigadores, este projeto permitiu o
levantamento de dados sobre a vida musical da Sé de Portalegre e, consequentemente, a
produção das linhas que se seguem que julgamos constituírem um primeiro contributo
para o conhecimento dos músicos que passaram por esta catedral entre o século XVI e o
século XIX1 e da documentação musical nele existente. Neste artigo faremos uma breve
incursão pelos dados recolhidos até ao momento que nos pareceram mais relevantes
expor, apresentando, assim, uma visão preliminar sobre o serviço musical da Sé de
Portalegre.
Partiremos, essencialmente, dos cinquenta e dois Livros de receita e despesa da
Fábrica da Sé de Portalegre, que felizmente se conservam na sua quase totalidade, para
identificar uma grande parte dos protagonistas da actividade musical desta catedral,
nomeadamente, subchantres, mestres de capela, cantores, instrumentistas e moços do
coro. Estamos em crer que esta constitui a fonte por excelência para a caracterização do
serviço musical da Sé, designadamente quanto aos recursos humanos afectos a essa
actividade ao longo do tempo.
1
Prevê-se, para breve, a divulgação de um estudo mais extensivo sobre os músicos da Catedral de Portalegre,
que é parte do objecto da tese de doutoramento em preparação por Hugo Porto na Universidade de Évora,
com o título Os Agentes do Serviço Musical das Catedrais de Elvas e Portalegre.
Além dos documentos de ordem mais administrativa, a documentação musical é
indispensável para o conhecimento mais profundo da prática musical da Sé de Portalegre.
No último ponto do presente texto, pretendemos revelar ao público as obras musicais com
autoria identificada que existem neste acervo, em resultado da investigação levada a cabo
na dissertação de mestrado de um dos autores deste artigo2. Esta investigação, situada no
campo das ciências da informação e da documentação, na vertente arquivística, abordou a
identificação, organização, descrição e inventariação da documentação. Por este motivo,
apesar de não ter sido realizada uma análise das obras musicais sob o ponto de vista
musicológico, neste artigo damos a conhecer à comunidade científica as obras musicais
existentes no acervo documental da Sé de Portalegre, aguçando a vontade dos
investigadores para futuras análises destas obras.

1. A fundação da diocese de Portalegre e a construção da catedral

A fundação da diocese de Portalegre data do reinado de D. João III, monarca que se


empenhou na criação desta mas também das dioceses de Leiria e Miranda do Douro. No
caso particular de Portalegre, o Piedoso terá tido alguma dificuldade no processo de
convencimento do Papa. Depois de uma primeira decisão negativa, D. João III logra
convencer o Pontífice da necessidade de criação desta diocese, com o argumento de que a
extensão da diocese da Guarda e a dificuldade de cobertura do território diocesano
provocavam um claro prejuízo ao serviço pastoral3.
A criação formal da diocese ocorreu com a emissão das Bulas Decet Romanum
Pontificem e Pro excelenti apostolicae sedis praeminenlia de 21 de Agosto de 15494
concomitantes, aliás, com a fundação da própria cidade de Portalegre. O território da
diocese de Portalegre constituiu-se pela anexação de várias povoações até então
pertencentes à diocese da Guarda e outras à arquidiocese de Évora.
Encontramos nomeado como primeiro Bispo de Portalegre, D. Julião de Alva,
castelhano que chega a Portugal entre o séquito da rainha D. Catarina ainda como

2
A documentação musical do Arquivo da Sé de Portalegre foi objecto de uma investigação aprofundada ao
nível do seu tratamento arquivístico na dissertação de mestrado intitulada A organização e a descrição de
documentos musicais aplicadas ao Arquivo da Sé de Portalegre, da autoria de Ana Caeiro, apresentada em
Abril de 2015, na Universidade Nova de Lisboa.
3
Patrão, 2002, 22 e 25.
4
Idem, 24.
sacristão da sua capela5, o qual permaneceu em Portalegre até à data da sua transferência
para a diocese de Miranda em 15606.
Os primeiros esforços do Prelado foram encaminhados para a construção de uma nova
catedral. Com efeito, o primeiro espaço que funcionou como catedral foi a igreja de Santa
Maria do Castelo, pertencente à Comenda da Ordem e Cavalaria de Avis. Contudo, esta
igreja apresentava, nessa época, graves problemas estruturais, havendo sido dadas
instruções para que o acesso ao coro alto se cingisse aos cantores face ao perigo de
derrocada que apresentava.
A construção da nova catedral deverá ter consumido significativos recursos
financeiros mas foi, todavia, um processo relativamente rápido; de facto o lançamento
formal da primeira pedra ocorreu em Maio de 1556 e a conclusão da parte estrutural com
o fecho das abóbadas teve lugar em 15717.
Este Templo sofreu, mais tarde, algumas alterações executadas por D. Álvaro de
Castro Noronha e D. Manuel Tavares Coutinho e Silva, Bispos de Portalegre do século
XVIII, motivadas não só pela necessidade de adaptação ao gosto da época, mas também
para mitigar os danos ocasionados pelo terramoto de 17558.
Do ponto de vista arquitectónico e no que releva para a economia deste artigo
salientamos a existência de um coro-alto que abarca toda a largura do edifício,
característica eminentemente tridentina9.
A diocese de Portalegre sofreu alterações territoriais ao longo dos séculos. A Bula
Gratissimum Christi do Papa Leão XIII e o decreto régio de 14 de Setembro de 1881
extinguiram a diocese de Castelo Branco e integraram o seu território na diocese de
Portalegre. Esta Bula extinguiu, ainda, a diocese de Elvas, integrando algumas povoações
desta na diocese de Portalegre e outras na arquidiocese de Évora. A designação actual de
diocese de Portalegre-Castelo Branco foi estabelecida por decreto da Sagrada
Congregação Consistorial de 18 de Julho de 195610.

5
Alvará da Rainha para o Thezoureiro Diogo Salema dar a Julião d’Alva sancristão da sua Capella
12$0000 rs de que lhe fez mercê, a 29 de Julho de 1527 (ANTT, Corpo Cronológico, Parte I,
mç. 22, n.º48).
6
Martins, 1997, 17.
7
Patrão, 2002, 60 e 67.
8
Santos, 2009, 99.
9
Idem, 107.
10
Portalegre-Castelo Branco. Diocese, [s.d.], 3.
2. O serviço musical da Sé de Portalegre

2.1. As normas regulamentares

Ainda antes de proceder à constituição formal do Cabido Catedralício, o que ocorrerá


com a Carta da Instituição, Ereção e Declaração das Dignidades, Conesias, Benefícios e
Ofícios da Santa Sé de 155611, D. Julião de Alva procedeu de imediato à instituição do
serviço musical da Sé de Portalegre. Claro que quando o faz já havia sido fixado o
«numero das dignidades, conesias e meyas conesias, e outros officios e beneficios que
pera ser o serviço da dita see nos parecerão ser necessários»12. Todavia, não deixa de ser
significativa a precocidade da outorga do Regimento da Igreja, Coro e Sé de Portalegre
datado logo de 156013.
Este documento normativo contém, de forma extremamente descritiva, a identificação
dos responsáveis pelo serviço musical, bem como as respectivas obrigações ao longo do
calendário litúrgico no que respeita ao funcionamento do Coro mas também dos restantes
espaços da igreja. O primeiro funcionário mencionado é o subtesoureiro, que
supervisionava todo o funcionamento da igreja, desde o estado das alfaias e ornamentos
religiosos ao provimento de bens necessários ao regular funcionamento da igreja.
O regulamento não regula em capítulo autónomo as obrigações do chantre, no entanto,
fá-lo para o subchantre, especificando que deveria ter boa voz e ser “destro no canto
chão”. Cabia-lhe estar antes de todos no coro e escolher “tudo o que se ouver de dizer e
cantar”14. A entoação dos hinos e o “alevantar das antíphonas e psalmos” era
responsabilidade sua. Mais do que o mestre de capela, tinha uma função quotidiana de
supervisão do serviço musical.
De não menor relevância para a actividade quotidiana da Sé são os moços do coro que

se buscarão e escolherão de boa gente e bem costumada que tenhão boas vozes, e que, ao
menos, saybão ler. Aprenderão a cantar pera a estante quando for necessário. Dirão os
versos et responsoria brevia (que chamão) antes do fim das horas. Ajudarão as missas da
terça e as mais que ho Dayão e Cabido mandarem15.

11
Transcrita por Martins, 1997, 17-51.
12
Idem, 17.
13
Idem, 53-128.
14
Idem, 56 e 57. De resto, existe uma grande afinidade funcional nas catedrais quanto à actividade do
subchantre. Em Braga cf. Simões, 1992, 19. Em Elvas, vide Arquivo Histórico Municipal, Estatutos da Sé de
Elvas, ms. 57, f. 5 e 5v. No Porto, atente-se na obra de Cabral, 2003, 54. No caso de Espanha, o cargo existia
em idênticos moldes. Sem pretensões de exaustividade vide o caso de Badajoz em Arcilla Segade, 2016, 46,
ou de Sevilha em Ruiz Jiménez, 2007, 25.
15
Idem, 55.
No rol dos oficiais mencionados no citado Regimento encontramos o mestre de capela,
de importância essencial para o ensino diário dos moços do coro. Encontrava-se obrigado
a ensinar

todos hos dias huma lição de canto chão e outra de canto d’orgão e contraponto, ao tempo e
lugar que lhe for ordenado; e insinará de graça aos capitulares e capellães e moços de coro,
e assy será obriguado a reger ho estante nas vesporas e missas de procissões e oficios
divinos dos dias e festas principais em que ouver de aver canto d’orgão e nos outros dias
que pelo Bispo e Cabido lhe for mandado16.

Para além do tangedor dos órgãos, responsável pelo tanger e boa conservação dos
órgãos, é dado particular destaque à função do subchantre, que devia «ter boa voz e …
destro no canto chão», e a quem cabia «estar no coro primeiro que todo» e decidir o que
deveria ser cantado. Tinha ainda a função de entoar «os hymnos de todas e horas, e
começar as antiphonas» e «alevantará os psalmos de todas horas, e o nunc dimittis».
Acrescia como conteúdo funcional a obrigação de cuidar dos livros do coro e ainda a
decisão sobre a «escala de serviço interna»:

fará uma tavoa que porá cada Sabado na porta do coro pola antiguidades, em que se declare
quem será o domayro pera a somana seguinte, e declarará na dita tavoa quais são os que
hão de capitular e dizer missas das festas17.

Por fim, temos os capelães que deviam ter «boas vozes e saybam cantar»18, a quem
assistia a obrigação de servir e residir na igreja e permanecer no coro desde as horas
menores. Cabia-lhes, igualmente, a função de dizer missa nos dias defesos para os curas e
conhecer o cerimonial da igreja, devendo obediência a todas as ordens e instruções
emanadas pelo bispo e cabido19.

2.2. Os protagonistas

Embora as normas regimentais não apresentem essa ordem de forma expressa,


entendemos apresentar os responsáveis pelo serviço musical a partir de um critério
tendencialmente hierárquico. De facto, não podemos esquecer que toda a estrutura
eclesiástica se encontra edificada segundo classes (dignidades, cónegos, capelães,
músicos assalariados) caracterizadas por prerrogativas e precedências específicas,

16
Idem, 56.
17
Idem, 57.
18
Idem, 57.
19
Idem, 57 e 58.
especialmente visíveis durante a actividade coral. Dado que o subchantre era o
representante do chantre (dignidade) optámos por iniciar a apresentação pelos indivíduos
que desempenharam esta função.

2.2.1. Os subchantres

O subchantre, como o próprio nome parece sugerir, é um auxiliar do chantre. De facto,


a complexificação do serviço religioso, em geral, e da actividade musical, em particular,
tiveram particular incidência na orgânica e na estruturação dos cargos eclesiásticos.
Na sua formulação original, ao chantre cabia a responsabilidade pela formação dos
cantores e, não raro, por todos os estudos eclesiásticos. Todavia, a crescente exigência
desta função deverá ter levado à criação do subchantre, o qual se subordinaria
hierarquicamente ao chantre. No caso de Portalegre, esta situação era particularmente
evidente dado que era o próprio chantre que pagava do seu vencimento ao subchantre,
correspondente, nos primeiros tempos da diocese, a 2000 réis em dinheiro e a um moio de
trigo20.
Quanto aos indivíduos designados para esta função cumpre esclarecer que, em regra,
seriam escolhidos de entre os capelães que integravam o efectivo com responsabilidades
corais.
Da consulta dos Livros de receita e despesa da Fábrica da Sé nem sempre é fácil
identificar o indivíduo que exerce o cargo, dado que assina muitas vezes com o termo
«subchantre». Ainda assim, foi possível identificar alguns indivíduos que assumiram tal
função ao longo do tempo.
Foi também possível detectar alguma circulação bidirecional entre os cargos de
subchantre e mestre de capela, ou seja, o exercício de funções de subchantre seguido do
exercício de funções de mestre de capela e vice-versa. Foi o que se verificou com Miguel
Fernandes apontado como subchantre em 1591 e que em 1602 assina na qualidade de
mestre de capela21.
Durante a realização da pesquisa no Arquivo da Sé de Portalegre, tivemos sempre
presentes três nomes incontornáveis da historiografia musical e cuja biografia, durante a
passagem pela Sé, nos é praticamente desconhecida. São eles: António Ferro, Manuel
Tavares e Manuel Leitão de Avillez.
Ora, logo em 1560 encontramos um indivíduo que assina como Manuel Leitão e que
exercia funções de subchantre na Sé de Portalegre. O documento que contém tal

20
Cf. Carta de Instituição do Cabido transcrita por Martins, 1997, 20.
21
PT/ASP/CSP/F/C/001/Lv004-1590-1591, f.51 e PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv003-1602-1603, f.19.
informação e que se divulgará oportunamente constitui o primeiro inventário de livros de
música (cantochão e canto de órgão) da catedral de Portalegre. Neste apêndice
documental o subchantre Manuel Leitão assina no fim de um rol de livros de cantochão
que lhe foi entregue e permanecem sob a sua responsabilidade. No fim do rol de livros de
canto de órgão, assina o mestre de capela, Afonso Fernandes22.
Paradoxalmente, encontramos nos Livros de receita e despesa da Fazenda, datados de
1591, um capelão também com o nome de Manuel Leitão que desaparece dos registos nos
anos seguintes. Aduzimos como hipótese ser este Manuel Leitão (que não assina com o
apelido Avillez), que se irá encontrar na capela do Salvador, em Ùbeda (Andaluzia) em
1601, pois se considerarmos as datas de actividade do (subchantre) Manuel Leitão, activo
em 1560, e Manuel Leitão de Avillez, que falece em 1630 já na qualidade de mestre de
capela real de Granada, teríamos de supor um período de actividade de 70 anos, o que não
se afigura crível23.

2.2.2. Os mestres de capela

Os Livros de receita e despesa da Fábrica da Sé de Portalegre, que se conservam na


sua quase totalidade, permitiram identificar a maioria dos mestres de capela, embora seja
curioso notar que o cuidado com que os escribas registaram a identidade destes
indivíduos se dilui ao longo do tempo, especialmente a partir de meados do século XVIII
e durante todo o século XIX, quando os nomes dos mestres de capela são muitas vezes
omitidos.
O período cronológico tomado como referência inicia-se no século XVI e espraia-se
até aos alvores do século XX. De facto, aqui parece residir uma das originalidades desta
Sé. Só em 1917 o serviço coral parece soçobrar definitivamente perante a escassez de
meios, quando, noutros casos relativamente conhecidos e dotados de meios financeiros
mais generosos, como é o caso de Évora, o período liberal terá posto termo ao tradicional
corpo de agentes musicais, com o seu epicentro nos moços do coro.
Verificou-se, nas primeiras nomeações, que o cargo de mestre de capela terá sido
provido de imediato logo após a criação da diocese de Portalegre. Com efeito,
encontramos Afonso Fernandes activo como mestre de capela entre 1557-156624.

22
PT/ASP/CSP/C/001/Lv001-1557-1561, f.89.
23
Rees, 2005, 188 e 191.
24
As fontes que permitem determinar o período de actividade de Afonso Fernandes são bastante
heterogéneas. De facto, para além da menção em PT/ASP/CSP/FSP/F/C/001/Lv001,1557-1558, f.25,
encontramos a referência a Afonso Fernandes no f. 89 de PT/ASP/CSP/C/001/Lv001, e ainda em alguns
registos paroquiais da Sé de Portalegre que compulsámos.
O mestre de capela que lhe sucederá será Manuel Mendes (activo entre 1569 e 1574),
cuja presença nesta catedral foi possível documentar durante um breve período antes de
rumar para a Sé de Évora, onde alcançará um lugar de prestígio nacional e internacional.
Julgamos que a presença de Manuel Mendes em Portalegre, coincidindo com o momento
de finalização da construção da Sé catedral, permite inferir um investimento ou pelo
menos a realização de um esforço, provavelmente pela acção do Bispo D. André de
Noronha,25 para a atracção de um jovem talento capaz de conferir algum dinamismo e
«luzimento» ao serviço musical da catedral.
Após a saída de Manuel Mendes, a informação de que dispomos é escassa, face ao
desaparecimento dos Livros de receita e despesa da Fábrica da Sé referentes ao último
quartel do século XVI. Todavia, após a consulta dos registos paroquiais da Sé,
encontramos Francisco Dias, apelidado como mestre de capela num registo paroquial da
Sé de 157626. Nestes mesmos registos encontramos cinco anos depois Gaspar Fernandes
Vilarinho como mestre de capela27. Só voltamos a retomar a informação em 1602 quando
no Livro de receita e despesa da Fábrica número 3, no fólio destinado ao reporte dos
pagamentos ao mestre de capela, surge o registo de dois indivíduos com essa função:
Miguel Fernandes e João Villes (Velez).
Assim, se escreve no fólio 19 deste livro:

o mestre da capella tem de ordenado en cada hun anno quarenta e quatro mil reis e
hum moio de trigo / Reçeberão o pe Miguel Fernandes sochantre e Joao Villes que
foi colegial hum moyo de trigo do recebedor da fabrica que lhe mandou dar o
senhor Bispo e cabido por cumprirem ha obrigação do mestre do canto, isto e, hum
na estante e outro ensinando os moços e dando lição, ho qual moyo partirão pello
meio ambos e por assim se assinarão a 25 de novembro de 1602 annos. Antonio
Nogueira, secretario a fez28.

A repartição do vencimento do mestre de capela é, de resto, uma característica que


iremos encontrar de forma intermitente no exercício deste cargo. Especialmente a partir
de meados do século XVIII, o mestrado da capela passou a ser exercido de forma
bicéfala, prolongando-se ao longo do século XIX.

25
D. André de Noronha tomou posse da Diocese em 30 de Outubro de 1560 tendo aí permanecido até ser
nomeado por Filipe II para Bispo de Plasencia – cf. Martins, 1997, 19.
26
ADPTG, Paroquiais, Sé, Casamentos, 1573-1585, f.150v.
27
ADPTG, Paroquiais, Sé, Casamentos, 1573-1585, f.114.
28
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv003-1602-1603, f.19.
Em 1618 encontramos nomeado o Padre José Nunes, que prolongará o seu mandato
até 1639, ano em que foi substituído, por razões certamente relacionadas com a sua idade,
passando a ser designado nos registos de receita e despesa como mestre de capela
aposentado. O seu substituto será o Padre Manuel Dias que passará a exercer tais funções
no ano seguinte até ao dia de S. João de 1666. Estamos perante o que parece ser um caso
particular de longevidade, especialmente se tivermos em consideração a esperança média
de vida do século XVII e o desgaste físico e intelectual provocado pelo ensino de
crianças.
No ano 1668, o novo mestre de capela é o Padre Pedro Barrento, que se tratará
provavelmente do tangedor de harpa a quem foram concedidos 1000 réis para a compra
de cordas para o instrumento29. Persistiu nessas funções até pelo menos 1688, porque dois
anos depois já se encontrava designado com esse múnus o Padre Bernardo Rodrigues30.
Em 1720, encontra-se documentado o exercício de funções de mestre de capela por
parte de Manuel Martins Serrano, o mesmo que vinha desempenhando funções de
organista pelo menos desde 169331. Deste compositor ainda se conservam, no Arquivo da
Sé de Portalegre, diversas obras musicais como se mencionará adiante. A seguir a Afonso
Fernandes, primeiro mestre de capela, será o segundo leigo que encontramos na direcção
da capela, todos os restantes, estamos em crer, eram detentores de ordens sacras.
A partir do fim do seu mandato, ocorrido em 1752, ano da sua morte, encontramos
quase invariavelmente dois mestres de capela. Podemos situar neste momento, o fim dos
longos períodos de exercício do magistério da capela musical.
Por outro lado, a informação contida nos livros a partir deste momento passa a ser
mais lacónica e irregular face à não identificação dos indivíduos providos nesse cargo.
Assim, em 1752-1755 encontramos o Padre José Freire e o Padre Francisco de Paula
providos nessa função32. Mas pouco tempo depois, em 1759-1760, encontramos
curiosamente a menção a 1º mestre de capela, epíteto atribuído ao Padre Francisco de
Paula, e a 2º mestre de capela, atribuído a Pina, que parecem prolongar o seu mandato até
177833.
Entre esta data e 1790 os mandatos sucedem-se. No ano de 1778-1779 registaram-se
como mestres de capela os Padres Francisco de Paula e Manuel Sequeira. Por razões que

29
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv013-1656-1661, f.24.
30
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv023-1692-1694, f.5.
31
PT/ASP/CSP/F/001/Lv051-1693-1694, f.1v.
32
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv047-1751-1769, f.11.
33
PT/ASP/CSP/I/001/Lv011-1756-1763, s/f e PT/ASP/CSP/I/001/Lv012-1772-1788, s/f que regista o óbito
do Padre Manuel Pires de Pina em 25/08/1778.
desconhecemos, com a saída do Padre Francisco de Paula, o Padre Manuel Sequeira
partilhou o mestrado da capela com o Padre Manuel Furtado até 1784. Nos seis anos
seguintes, este partilhará as suas funções com o Padre Veiga34.
A partir desta data assiste-se, novamente, a alguma instabilidade no exercício do
cargo, aparecendo designados os Padres Veiga e Ferteiro (1790-1791), os Padres
Castanho e Veiga (1791-1792) e o Padres Fratel e Castanho designados para os anos de
1792-1793 e para os anos subsequentes até ao ano de 1796-179735.
O início do século XIX não evidencia maior estabilidade, subsistindo dois mestres de
capela sendo que apenas se conseguiu identificar o nome de um, quando, nos anos de
1806 e 1807 se registaram as perdas de salário do mestre de capela Serra36. No ano
seguinte encontramos a referência a três mestres de capela (Duarte, Serra e Nogueira) e
em 1808 a quatro (Nogueira, Padre Duarte, Freire e Cândido Nunes)37. A divisão por três
das tarefas do mestrado volta a suceder em 1809-1810 com o Padre Nogueira, João Pedro
e Cândido Nunes e em 1810-1811 com os mestres João Pedro, Freire e Nunes. No ano
1811-1812 apenas figuram os mestres Nunes e Freire38.
O que permite explicar esta situação? A transição para o século XIX marca o período
de redução dos rendimentos eclesiásticos, muito assentes na prestação de serviços
religiosos ou na gestão de património fundiário legado «por alma», mas também na
recolha dos dízimos. A gestão de casas, terrenos, vinhas e olivais pertencentes à igreja, e
que permitia a manutenção do corpo de servidores previstos regimentalmente, passa a ser
seriamente afetada com o conjunto de restrições e exações fiscais que aumentaram no
final do século XVIII por dificuldades do Tesouro Régio39. Por outro lado, arriscaríamos
afirmar que a instabilidade não se cingirá ao campo financeiro pois estamos num período
em que o corpo eclesiástico é ele próprio permeável às ideias liberais difundidas a partir
da Revolução Francesa e às clivagens da sociedade portuguesa no primeiro quartel do
século XIX. Os documentos consultados no Arquivo da Sé de Portalegre indiciam
episódios de digladiação entre o próprio corpo capitular, com fugas de clérigos da cidade
de Portalegre ou até de demissões com intenções sancionatórias, matérias que
justificariam um estudo mais aturado.

34
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv048-1779-1807, f.7, 11v, 14, 26.
35
Idem, f. 25, 26 e 27v.
36
Idem, f.47v.
37
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv049-1807-1834, f.3 e 5 e PT/ASP/CSP/I/001/Lv014-1804-1843 f.94.
38
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv049, f.7, 9 e 9v, 12v.
39
Azevedo, 2000, 95.
No ano eclesiástico de 1814-1815, o jovem Padre José Joaquim Bragança assumiu
funções como mestre de capela, repartindo essa função com Cândido Nunes40. Este par
manter-se-á até 1816, data em que Nunes será expulso após devassa41.
Nos anos de 1816 a 1818, os Livros de receita e despesa da Fábrica da Sé registam
dois novos nomes, o Padre Chaves e o mestre de capela Fonseca, que se mantêm no ano
seguinte mas passam a ser acompanhados pelo mestre de capela Cebolinho42. Voltamos a
encontrar novos registos em 1824, desta feita com os mestres de capela Chaves e
Cebolinho, mas a entrada e saída deste ofício revela irrefutavelmente que a função não
seria muito apelativa, fosse por razões remuneratórias ou pela natureza do trabalho,43.
Basta verificar que em 1826 encontramos Cebolinho, Chaves e Calado como mestres de
capela, mas nos anos de 1829 e 1830 encontramos quatro mestres de capela, a saber: o
Padre Joaquim António Trindade, o Padre Vital António de Carvalho, o Padre Manuel
António Pereira e o Padre António Pedro Marques44.
Esta sucessão de nomeações não terá conferido estabilidade ao exercício do cargo pois
no ano seguinte é nomeado o Padre Roxo45.
Embora o mestrado da capela continue a ser ocupado por dois indivíduos só voltamos
a encontrar informação em 1834, quando se reporta o pagamento ao mestre de capela
Ribeiro e ao mestre de capela Lourinho46. Quatro anos depois tomamos conhecimento
que um dos mestres de capela se chama Carrilho, o qual por razões não especificadas se
ausenta do seu cargo47. No ano de 1839 encontramos o seguinte registo «ordenado dos
Me da Capella de q recebeu o Silvestre 3:330 o q venceu até o natal, e o resto q são
36:670 foi entregue aos Pes. Capellães por Portarias do Sr. VigrºCapª – 40:000»48.
Os registos referentes aos mestres de capela desaparecem praticamente até ao ano de
1869, data em que a função passa a ser apelidada de regente do coro. Cumpre referir que
a dotação orçamental do mestrado da capela parece subsistir, embora seja repartida por
vários capelães e até pelo próprio organista, pois assim se expressa no f. 44 do Livro de
receita e despesa da Fábrica número 55: «1858 - Março – ordenado dos mestres da capela

40
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv049-1807-1834, f.16 e 18.
41
Cândido Nunes foi alvo de um procedimento disciplinar que determinou a sua expulsão e cujos elementos
instrutórios se conservam parcialmente no Arquivo da Sé de Portalegre.
42
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv049, f.20v, 22v e 24.
43
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv049, f.79.
44
PT/ASP/CSP/I/001/Lv014-1804-1843, f.217-218.
45
PT/ASP/CSP/I/001/Lv014, f.262v.
46
PT/ASP/CSP/I/001/Lv014, f.281.
47
PT/ASP/CSP/I/001/Lv014, f.291v.
48
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv050-1834-1847, f.42v.
entregue aos capelães músicos e organista pelo trabalho nas cantorias da semana santa –
40 000 rs.».
Por outro lado, já no último quartel do século XIX, a regência coral e a função de
subchantre parecem fundir-se, deixando de consistir no exercício de actividades
autónomas. A última informação de que dispomos é que no ano de 1895 é nomeado
Francisco António Barroqueiro como subchantre e regente do canto coral, em
substituição de Manuel António Pereira, que havia falecido49.
2.2.3. Os cantores
O canto reconduz-se à função mais básica do serviço musical de uma catedral e deve
constituir uma das competências essenciais a deter por um bom clérigo. Esta exigência foi
reiterada ao longo do tempo vindo a ser plasmada em sucessivas normas sinodais. Neste
sentido, no recrutamento dos moços do coro, a existência de um «aparelho fonador»
adequado constitui a primeira condição do processo de seleção.
Todavia, existindo limitações biológicas intransponíveis e não sendo possível
antecipar as consequências da puberdade, os responsáveis eclesiásticos, ainda assim,
procuram recrutar os indivíduos tidos como mais habilitados para o canto coral,
especialmente para o canto à estante mais exigente em termos técnicos.
Nesta breve nota, não tão abrangente quanto a anterior relativa aos mestres de capela,
pretendemos dar a conhecer, não a identidade mas as características deste grupo da Sé de
Portalegre.
Ora, a primeira característica encontrada é a de não terem existido praticamente
cantores leigos na Sé de Portalegre, pois quase todos os cantores que pudemos identificar
dispunham de ordens sacras. De facto, apenas nos momentos iniciais da diocese foi
possível identificar dois cantores leigos, tratam-se de Constantino Tavares e Estêvão da
Ponte.
O primeiro é um caso particular de longevidade musical. Com efeito, a primeira
contratação de Constantino Tavares (com a voz de «contralta») ocorrerá em 1571 e o
último pagamento ocorrerá já em 162150. O contexto da sua contratação fica
perfeitamente explicitada na Provisão que a formalizou:

Nos Dayam e cabido da See desta cidade de Portalegre fazemos saber aos que esta nossa
provisão virem q considerando nos capitular mto o proveito que recrecera ao serviço desta
dita See em se acceptar por cantor della Constantino Tavares morador nesta cidade por ter

49
PT/ASP/CSP/C/001/Lv007-1895-1954, f.3.
50
PT/ASP/CSP/F/C/001/Lv009-1621-1622, f.152.
sufficientia de cosentimento de todos o acceptamos por cãtor pa de hoje em diante aiudar
catar os officios divinos e os Dias a que o mestre da capella e mais cãtores são obrigados e
lhes asinamos de stipendio a custa da fabrica da See 15 cruzados em cada hu ano emquãto
não se prover em contrario e Rdor da fabrica lhe fará bom pagamento segundo costume das
mais pagas e pedimos ao snor bpo dee cõsentimento a esta nossa provisão e a mande
comprir e guardar por assentir nos faz Serviço de Deus e desta See o cónego Pº Cabrª
escrivão e secretario do Cabido a fez a 16 de Maio de/1568/ A Dayão e Chantre/Ei por bem
e se cumpra e guarde este alvará do nosso Cabido assi e da maneira a que se cõtem./o bpo
de Portalegre51.

Estêvão da Ponte, ao serviço da catedral pelo menos desde 1570, revela-se um caso
interessante pois demonstra a condição em que se encontravam alguns músicos na
segunda metade do século XVI. Atentemos numa petição que dirige ao Bispo D. André
de Noronha em 1570:

Diz Estêvão daponte cantor da Sse que ho chegou ha sua pobreza ha tanto que não pode
alcansar pera comprar hum vistido pera servir na Sse que ho tem he tam roto que se anda a
esconder da gente pelo que pede ha V. S. por amor de noso snor lhe mande pagar hu
quartell por que ha dez messes que serve sem perder nhua festa em q sam obrigados os
cantores noso snor acrecente havida estado a v.s. com eu desejo pera me sempre fazer
merces como sempre me faz52.

Quanto ao número de cantores, os registos que constam nos Livros de receita e


despesa da Fábrica da Sé não revelam o pagamento a um número muito elevado. Para
este cômputo considerámos apenas os indivíduos expressamente indicados como cantores
dado que, como é notório, todos os clérigos pertencentes à Sé tinham a obrigação de
participar no canto litúrgico.
Nos primeiros registos dos Livros de receita e despesa da Fábrica da Sé encontramos,
em 1572, no capítulo reservado aos cantores, pagamentos feitos a António Dias, clérigo
de ordens sacras «contrabaixa», a Constantino Tavares «contralta» e a Gaspar Fernandes
«tipre»53.

51
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv002-1570-1572,f.137.
52
Idem, f.5.
53
Idem, f.131, 131v, 132v e 133.
No início do século XVII, o número de cantores a quem se procede a pagamento nessa
qualidade reconduz-se apenas a dois. Assim, em 1603, encontramos ainda Constantino
Tavares e o Padre Gaspar Dias como cantores54.
Já em meados deste século, tal como sucederá com os instrumentistas, o número de
cantores capelães aumentou para um máximo de quatro. Em 1661, encontramos Francisco
de Góis, Manuel Fernandes, António Veles e Manuel Nogueira a quem são pagos 4000
réis55. De resto, o século XVII é o período melhor documentado quanto à contratação de
cantores. Nos séculos seguintes, seja por falta de diligência dos escribas ou mesmo pela
ausência de contratação de cantores, não nos chegaram dados que nos permitam avaliar
com segurança esses efectivos. Estamos em crer que o corpo permanente de capelães
assumiria essa tarefa.

2.2.4. Os instrumentistas

A Sé de Portalegre não foi a catedral com o serviço musical mais sofisticado do ponto
de vista da diversidade de instrumentos musicais utilizados, especialmente se a
compararmos com as congéneres alentejanas, Évora e Elvas56.
Estamos em crer que a razão da sofisticação prender-se-á tão simplesmente com a
disponibilidade de recursos financeiros. Se compararmos a extensão territorial da diocese
de Portalegre com a vizinha arquidiocese facilmente se apreende que a recolha de receita
– fortemente sustentada em rendimentos fundiários das paróquias que a integravam –
seria modesta. E será com essa contingência que a capela de música funcionará.
Claro que isto não significa que a catedral de Portalegre estivesse divorciada das
práticas musicais de outras catedrais, nem desinvestisse no aparato musical do serviço
religioso. Julgamos encontrar indícios de que os bispos que passaram pela diocese se
esforçaram por dotá-la de condições materiais similares às de outras dioceses, e a música
não foi excepção.
A primeira notícia de instrumentos musicais na Sé reporta-se ao uso do órgão, o qual
se encontra presente desde o primeiro momento. Conhecemos a grande maioria dos
nomes dos organistas que prestaram serviço na catedral, desde Estêvão Barradas em 1573
a José Augusto Lavara em 191557.

54
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv003-1602-1603, f.25 e 27.
55
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv013-1656-1661, f.145v.
56
Sobre Évora, atente-se nos trabalhos de Raposo (2006) e Moreira (2007). No que respeita a Elvas,
contamos divulgar dados curiosos a respeito dos instrumentistas, no âmbito da dissertação de doutoramento
em preparação.
57
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv001-1557-1558, f.134 e PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv052- 1867-1917, f.66.
Quanto à existência de outros instrumentistas constatámos que, logo a seguir ao órgão,
o baixão é o instrumento musical que durante mais tempo apoiará a actividade musical da
catedral58. Em 1602, Paulo Sanches era o tangedor de baixão da catedral embora se possa
admitir a presença deste instrumento em momentos anteriores face à inexistência de
Livros de receita e despesa da Fábrica referentes ao último quartel do século XVI59.
O último registo que documenta a presença deste instrumento data já de 1712, data em
que o Manuel Ramos Cordeiro, antigo moço do coro, é designado, por provisão do Bispo
D. Álvaro Pires de Castro Noronha, para tanger o baixão e o fagote60.
O que nos permite afirmar que o século XVII é o período do apogeu musical da Sé
assenta também no facto de encontrarmos charamelas ao serviço da Sé. Importa recordar
que o termo charamela, pelo menos em Portugal, significava não só o próprio instrumento
com esse nome como, genericamente, qualquer tangedor de instrumento de sopro.
Deste modo, entre 1648 e 1671, a Sé contrata Francisco Vaz, mestre dos charamelas, e
os seus «companheiros» Noutel Rosado, Manuel Vaz Delicado e António Vaz Delicado61.
Não conhecemos em detalhe a tipologia dos instrumentos tangidos, apenas sabemos que
Manuel Vaz Delicado tocava sacabuxa porque assim é designado em 166062.
Se em 1648 os charamelas auferiam 7000 réis, no ano de 1671, data em que deixam de
figurar nas ordens de pagamentos, já venciam 12500 réis63.
O desaparecimento dos charamelas e do tangedor do baixão das ordens de pagamento
ordinárias da fábrica não significa, no nosso entendimento, que deixassem de intervir nos
momentos musicais mais faustosos como procissões, visitas de dignidades ou até em
cerimónias de tomadas de posse dos bispos. Curiosamente, a saída dos instrumentistas de
sopro dos Livros de receita e despesa da Fábrica coincide com a entrada em Portalegre do
Bispo D. Ricardo Russel, clérigo de origem inglesa, cujo mandato de treze anos culminou
com a sua transferência para a diocese de Viseu, na sequência da instauração de um
processo por irregularidades financeiras cometidas durante a sua gestão64.
Para além destes instrumentos de sopro bastante em voga durante o século XVII,
existem esparsas referências a harpistas, como o Padre Mestre Barrento65 em 1656, a

58
Sobre a persistência do baixão no serviço musical em Espanha vide Kenyon De Pascual (1984 e 2000).
59
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv003-1602-1603, f.32v.
60
Registo de Chancelaria (1712-1717), f.20v, datado de 24 de Dezembro de 1712, muito gentilmente cedido
pelo Senhor Cónego Bonifácio Bernardo.
61
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv008-1648-1649, f.14v e PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv14-1668-1671, f.70.
62
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv012-1653-1668 f.116.
63
Idem.
64
Martins, 1997, 33.
65
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv013-1656-1661, f.24
Miguel Paz, em 165966, e José da Cruz de 1742 a 174867. Neste último caso, parece
estarmos perante um caso de intervenção pessoal do bispo, pois reza assim o fólio 12 do
Livro 44: «Dispendera com o Harpista José da Cruz – 24 000 rs pagos em quartéis por
Alvará de mercê do Exm.º Sr. Bispo Manuel Lopes Simões».
Resta referir que D. Manuel Lopes Simões tomou posse em 1742 e faleceu em 1748,
exactamente as datas de permanência de José da Cruz nos Livros de receita e despesa da
Fábrica68.

2.2.5. Os moços do coro


Os moços do coro são o alicerce básico do serviço musical de qualquer catedral. Para
além de assegurarem o cantochão e o canto de órgão durante o período de estudo da
música ao serviço da catedral, constituem o núcleo essencial de onde, tendencialmente, se
recrutam os seminaristas e, logo que dotados de ordens sacras, os clérigos com funções
musicais nas catedrais (capelães).
A partir de uma análise prosopográfica preliminar, podemos constatar que a diocese
de Portalegre tende a recrutar os músicos dentro das suas fronteiras e, em particular, na
cidade e seu termo.
No fólio 149 do Livro de receita e despesa da Fazenda número 8, referente ao ano de
1619, consta a seguinte lista dos moços do coro:
Ambrósio de Portalegre, filho de João Rois
João de Portalegre, filho de Pereira
Manuel filho de Gaspar de macedo de Portalegre
Francisco de Portalegre filho de […]
Semião de Portalegre, filho de João gls
António de Niza filho de Matheus Bello
En lugar deste de Niza entrou outro de Portalegre por se absentou pª a pátria.
Como facilmente se depreende, a quase totalidade dos moços do coro são naturais de
Portalegre, com a excepção de um natural de Nisa. Podemos colocar como hipótese
justificativa o facto de os moços do coro se encontrarem ao serviço da catedral, mas em
regime de externato, pois não se encontram evidências da existência de um colégio
interno que permitisse a permanência dos rapazes durante esse período. O regresso a casa
só seria possível se a mesma se situasse perto da catedral.

66
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv013-1656-1661, f.60.
67
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv044-1742-1743, f.12. e PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv46-1746-1748, f.32.
68
Martins, 1997, 43.
No que concerne ao número de moços do coro permanentemente ao serviço, os Livros
de receita e despesa da Fábrica revelam que nos tempos iniciais da diocese (1557-1558) o
número de moços do coro era de quatro69. Cerca de vinte anos depois, em 1570, durante a
permanência de Manuel Mendes na Sé de Portalegre, esse número já se havia elevado
para seis70. Este é o número que se mantém constante, embora, pontualmente, se
encontrem sete moços do coro em simultâneo o que se pode imputar a períodos de
transição, ou seja, anos em que, durante o ano eclesiástico, sai um moço do coro (por
excesso de idade para o exercício da função ou mudança de voz) e entra um outro para o
substituir. Em 1873, este número de moços do coro ainda se mantinha constante. Só no
ano de 1897, se identificam novamente quatro71.
A remuneração dos moços do coro manteve-se mais ou menos estável ao longo do
tempo e consistiu-se quase sempre no pagamento individual de 1000 réis anuais, pagos
em quartéis, a que acrescia um moio de trigo a dividir pelo número de moços. Embora os
primeiros registos de pagamento aos moços do coro, datados de 1557-1558, que constam
nos Livros de receita e despesa da Fábrica, não sejam perfeitamente claros, pois
reportam-se apenas a um quartel - ao do Natal -, permite-nos, ainda assim, inferir que a
remuneração anual não andaria distante de 1000 réis. Em 1602 o valor pago aos moços do
coro já se havia estabilizado neste montante pois assim consta do Livro de receita e
despesa da Fábrica: «os seis mocos de choro tem todos seis de ordenado en cada hum
anno seis mil e hum moyo de trigo e cada hum sua opa e barrete e sobrepeliz»72.
Faça-se notar que ao valor do salário acresceria um moio de trigo a dividir pelo
número de moços, ou seja, caberiam 10 alqueires a cada um.
O custo da manutenção dos moços do coro assegurado pela Fábrica era bastante mais
elevado do que o montante do pagamento de remuneração pois incorporava também os
custos de vestiaria de periodicidade anual. Em 1644 gastava a Fábrica 900 réis com as
opas dos moços do coro e 3045 réis de pano de linho com as sobrepelizes, o que
totalizava quase 4000 réis73. Mas em 1653 gastaram-se 9600 réis com panos vermelhos
para as opas dos moços do coro e 5640 réis com as sobrepelizes e barretes dos moços do

69
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv001-1557-1558, f.30v.
70
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv002-1570-1572, f.121, que menciona a entrega de um moio de trigo aos
moços do coro Baltasar, Manoel, Jerónimo, Manuel Sardinha e Joane (João). Mesmo em catedrais ibéricas
com serviço musical de referência os moços do coro eram em número de seis, daí o uso da expressão “seises”
para designar os moços do coro – cf. Brooks, 1982, 121.
71
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv052-1867-1917, f.52.
72
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv003-1602-1603, f.24.
73
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv007-1644-1645, f.17v.
coro. Neste ano, só com os moços do coro, os gastos de vestiaria alcançaram os
15240 réis74.

3. Os documentos musicais da Sé de Portalegre

O acervo documental comummente conhecido por Arquivo da Sé de Portalegre é


custodiado pelo Cabido da Sé de Portalegre, a quem cabe salvaguardar o património
informacional das instituições que ao longo dos séculos actuaram no espaço físico da Sé e
que ali deixaram o seu testemunho. Neste acervo encontramos não apenas um arquivo,
mas também uma biblioteca de livro antigo.
O arquivo, com cerca de 39 metros lineares, é composto por centenas de livros e
milhares de documentos avulsos que abrangem um período cronológico entre o século
XII e meados do século XX. No que respeita à documentação musical, o arquivo possui
dezenas de documentos avulsos e nove livros manuscritos, num total de 1,5 metros
lineares, que se estendem por um período cronológico desde o início do século XVIII ao
início do século XX.
A biblioteca de livro antigo, com cerca de 4 metros lineares, é composta por 92 livros,
designadamente livros litúrgicos, livros de direito canónico e livros musicais impressos.

3.1. Arquivo da Sé de Portalegre

A investigação desenvolvida até ao momento sobre os documentos musicais da Sé de


Portalegre foi alicerçada sob a área de conhecimento das ciências da informação e da
documentação e teve como objectivo o tratamento arquivístico dos documentos musicais,
não tendo sido realizado um estudo musicológico das obras musicais. Não obstante, para
ir ao encontro da especificidade dos documentos musicais para o seu melhor tratamento,
existiu uma convergência de conhecimentos entre as ciências da informação e da
documentação e as ciências musicais.
Castagna75 aponta algumas soluções para a organização de obras musicais sacras tendo
em consideração não apenas os princípios arquivísticos como também a especificidade
inerente a esta música devido ao seu cunho fortemente funcional. Castagna76 propõe a
distinção entre cinco níveis: super-ofício, unidade cerimonial ou ofício, unidade
funcional, secção e unidade musical permutável (UMP)77.

74
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv012-1653-1668, f.27 e 27v.
75
Castagna, 2003.
76
Idem.
77
Para um melhor entendimento sobre estes cinco níveis sugere-se a leitura de Castagna (1999 e 2003).
Contudo, mencionam-se sumariamente os traços gerais de cada um deles: super-ofício (quando há
Para a organização dos documentos musicais da Sé de Portalegre aplicaram-se os
conceitos propostos por Castagna78, destacando-se o conceito de unidade musical
permutável (UMP), uma categoria que o autor considera arquivístico-musical79 (e não
documental), e que se refere à manifestação física da obra. Castagna define unidade
musical permutável como

o conjunto de textos (e não, necessariamente, de unidades funcionais ou seções) que


receberam uma composição autónoma e que pode ser associada a uma outra unidade
musical permutável, mesmo que escrita por autor diferente. Esse tipo de unidade, portanto,
é decorrente da actividade de compositores e copistas em uma determinada época e região,
e não somente de particularidades dos textos religiosos, sendo exemplos as Lições das
Matinas, os Hinos das Vésperas, as Turbas das Paixões, os Impropérios da Adoração da
Cruz, os Tractos das Lições da Missa do Sábado Santo, etc.
A UMP, portanto, pode ser ora uma unidade cerimonial, ora uma unidade funcional e ora
uma seção, sendo definida enquanto um nível transversal, que pode abarcar porções de
níveis distintos80.

Assim, a adopção do conceito de UMP permitiu identificar as composições musicais


que receberam um tratamento autónomo e que formam uma unidade observável, não
descurando o facto de que cada UMP possa ser constituída por várias unidades funcionais
e que estas possam ser individualizadas e interpretadas autonomamente fora do seu
contexto criativo original.
Com esta premissa, a documentação musical foi organizada em catorze séries
documentais81 que, devido às especificidades apresentadas pela documentação, foram

________________________________________________________________________

justaposição de duas unidades cerimoniais, como o ofício divino e a missa de Domingo de Ramos); unidade
cerimonial (cerimónia religiosa que possui unidade intrínseca, como por exemplo a Missa e o Ofício Divino);
unidade funcional (cada um dos textos de uma unidade cerimonial e a música escrita para esses textos.
Exemplo: cada uma das partes do ordinário da missa (Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus/Benedictus, Agnus Dei);
secção (partes diferenciadas que podem existir numa unidade funcional. Exemplo: Jesu Redemptor omnium
do hino das vésperas de Natal); e unidade musical permutável (conjunto de textos (e não necessariamente
unidades funcionais) que receberam uma composição autónoma. Exemplo: lições de matinas, hinos de
vésperas) (Castagna, 1999 e 2003).
78
Castagna, 2003, 15.
79
Castagna (2003) considera estas unidades arquivístico-musicais uma vez que permitem respeitar as
agregações estabelecidas pelo produtor e/ou detentor da documentação, preservando assim as ligações
existentes entre as diferentes partes que compõem a unidade musical permutável.
80
Castagna, 2003, 15.
81
As catorze séries documentais estão integradas no subsistema Fábrica da Sé de Portalegre, na secção
G/Música. O inventário completo pode ser consultado na página em linha da FUNDIS:
http://fundis.cidehus.uevora.pt/.
baseadas em diferentes critérios, por exemplo, umas representam unidades funcionais e
outras unidades cerimoniais.

Série Número de UMP


SR: 001 – Antífonas 6
SR: 002 – Canções sacras 1
SR: 003 – Ciclo per anum 1
SR: 004 – Ciclo Santoral 5
SR: 005 – Ciclo Temporal 1
SR: 006 – Diversos 4
SR: 007 – Hinos 4
SR: 008 – Ladainhas 1
SR: 009 – Lições 1
SR: 010 – Matinas 17
SR: 011 – Missas 9
SR: 012 – Óperas 3
SR: 013 – Paixões 2
SR: 014 – Salmos 12
Total 67

Do ponto de vista arquivístico, foram identificadas 67 agregações documentais ou


UMP. Atente-se que dentro de algumas UMP existe mais de uma obra musical, bem
como existem obras musicais inseridas dentro de livros impressos pertencentes à
biblioteca de livro antigo. Desta forma, no acervo documental da Sé de Portalegre existe
mais de uma centena de obras musicais. Porém, como o foco do estudo desenvolvido foi a
criação de um inventário de documentos musicais e não a criação de um catálogo de
obras musicais, existem várias obras musicais no arquivo que não foram alvo de
identificação e análise (e portanto não serão neste artigo mencionadas).

3.1.1. Compositores e obras

A documentação musical pertencente à Sé de Portalegre contém principalmente


música para o Oficio Divino e o Ordinário da Missa e é na sua maioria de autoria
anónima, não se tendo encontrado até ao momento dados que permitissem atribuir-lhes
uma autoria identificada.
Sem autor identificado encontramos antífonas, responsórios, livros do ciclo santoral,
hinos, missas, paixões e salmos, que na sua quase totalidade não possuem data no
documento. Nos escassos cinco casos em que existe, não significa que a data seja a de
criação da obra. O problema de datação das obras advém dos escassos manuscritos
autógrafos conhecidos e, mesmo quando existem, estes podem ser cópias autógrafas do
próprio compositor ao original da obra musical. Não obstante, tende ainda a existir uma
certa inclinação para fazer equivaler a data de produção da cópia mais antiga conhecida à
data de criação da obra, à semelhança do que acontece com a instrumentação original.
Para o nosso caso, as datas aqui mencionadas consideram-se as datas de produção dos
documentos.
Verificámos, ainda, que nas UMP anónimas prevalecem obras musicais a quatro
vozes, por vezes com acompanhamento instrumental (geralmente pelo órgão). Existem,
ainda, algumas obras em cantochão.
As UMP com autoria identificada pertencem maioritariamente à série hinos e à série
matinas. Na tabela82 abaixo destacam-se alguns compositores identificados, bem como se
referenciam as obras que lhes são associadas:

Compositor UMP Data

 Agu[?], Tomás Missa do Coração de Maria


de, Frei (????- Livro essencialmente de cantochão s.d.
????)
 Almeida, Matinas de Nossa Senhora da
Eugénio Ricardo Conceição a quatro vozes e órgão
Monteiro de Partitura (orquestra) e partes – S, T, 1865-
(1826-1898) T, B / órg. 1868

 Ataíde, Joaquim Miserere a 3 vozes


de Meneses e, S, T, B / rabecão / órg. / S, órg.
Frei (1765-1828) (redução) 1895

82
Os dados constantes nesta tabela referem-se aos constantes nos documentos musicais observados. Desta
forma, as datas apresentadas consideram-se as datas de produção dos documentos (e não as datas de criação
da obra), como já referido acima, bem como a instrumentação identificada é a resultante das partes/partituras
atribuídas a cada UMP, podendo não corresponder à instrumentação original da obra. Esta situação deve-se
ao facto de a música religiosa ter na época um forte cunho funcional, adaptando-se às necessidades práticas
e/ou funcionais requeridas, e, como tal, a mesma obra musical podia ser escrita para diversas
instrumentações, originando assim diferentes versões da mesma obra.
Nesta tabela apresenta-se uma descrição bastante redutora de cada UMP com o propósito de dar uma visão
geral sobre a instrumentação. Na dissertação de mestrado de Ana Caeiro, disponível em linha no repositório
digital da Universidade Nova de Lisboa, pode ser consultada a proposta de descrição de documentos musicais
a partir de uma conjugação da norma RISM, Répertoire International des Sources Musicales, com a norma
ISAD(G), General International Standard Archival Description General.
 Baldi, João José Missa de capela concertada a 4º
(1770-1816) S, A, T, B / acomp. ou órg. 1820

 Bastos, Manuel Responsórios a 3 vozes que se


Patrício de (1800- cantam na quarta-feira Santa
1856) 2 partituras e partes: S, S, T, B / cb / 1876 –
órg. 1897

 Casimiro Júnior, Responsórios que se cantam em


Joaquim (1808- Quinta Feira Santa
1869 –
1862) Partitura e partes: S, T, B / cb / órg.
1897

Quinta Feira Santa. Matinas


fl, cl 1, 2, cor 1, 2, cornetim 1,e, trb
1, 2, 3, tb 1, 2, figle, sax / timp 1, 2 / vl 1877-
1, 2, 3, vla, vlc, cb / oitavino, órg. 1899

Responsórios das Matinas que se


cantam em 4ª feira de trevas
S, A, T, B / fl, cl 1, 2, cornetim, cor
1, 2, trb, tb, figle / timp / vlc, cb / órg. 1879

Ofícios de Sexta-Feira Santa


T, B / fl, cl 1, 2, cornetim 1, 2, cor 1,
2, trb 1, 2, tb 1, 2, figle / timp / vl solo, 1895 –
vl 1, 2, vla, vlc, cb / oitavino 1903

 Jordani, João Lamentação 1ª e Responsórios para


(1793-1860) Quinta-Feira Santa
S, A, T, B, B / fl, cl, fag, cor / vl 1, 2, 1871
vlc, cb / órg.

Matinas da Semana Santa que se


cantam na Quarta-Feira de Trevas
S, A, T, B / fl, fag, cor, cornetim / vl s.d.
1, 2, vlc, cb / órg.

 Lima, Inácio Responsórios de Natal


António Ferreira partitura e partes – S, S, S, A, T, B /
1832 –
de (m. 1818) órg.
1858
 Neves, António Responsórios para as Matinas de 4ª
Machado, Frei f.ra a quatro vozes e órgão
(???? - ????) S, A, T, B / acomp. 1816

 Paula, Francisco Miserere a 8 Vozes


Gomes de (séc. Coro 1: S, A, T / Coro 2: S, T, B /
XVIII) acomp. fig. Coro 1 s.d.

Miserere a 8 Vozes
Coro 1: S, A, T / Coro 2: S, A, T, B /
acomp. fig. Coro 1, acomp. fig. Coro 2
s.d.

 Perez, David Te Deum Laudamos a 4 vozes e


(1711-1778) órgão
S, A, T, B / órg. fig. 1858

Officium Defunctorum
B / vl 1, 2, vla, vlc ou fag s.d.

 Perosi, Lorenzo Vexilla regis e Pange língua


(1872-1956) S, A, T, B / figle 1905

 Pinheiro, José In Conceptione B. M. V.


Joaquim dos Livro de cantochão
1852
Santos (????-
????)
Responsórios a 4 Vozes para a
Festividade da Imaculada Conceição B.
M. V. 1853
S, A, T, B / órg.

 Piteira (????- Missa a 4 com violinos


????) A, T, B / vl 1, 2 / acomp. fig. s.d.

 Serrano, Manuel [Colectânea para a Semana Santa]


Martins (????- S, A, T, B / S, A, T, B, B / S, S, A, T, séc.
1752) B / S, A, T, T, B XVIII

Lectio 7ª in Feria 4ª a 4
S, S, A, T / acomp. 1716
 Rosário, António
do, Frei (1647- Lamentação a 8 p.ª Cantar na 4.ª fr.ª
1704) Coro 1: S, A, T, B / Coro 2: S, A, T, 1770
B / baixão ou rabecão, órg. fig.
conhecido como
“o Sarilho de
Campo mayor”
Miserere a 8 repartido em dois coros
sem sinfonia
1770
Coro 1: S, A, T, B / Coro 2: S, A, B /
acomp., órg. fig.

Nas UMP com compositor identificado prevalecem documentos datados do século


XIX e XX e surgem as UMP com maiores efectivos instrumentais, também em
consequência da ampliação da orquestra a que se assistia na época. Contudo, isto não
significa que a Sé dispusesse na altura de um maior efectivo de músicos ao seu serviço.
Aliás, nos Livros de receita e despesa da Fábrica da Sé relativos ao século XIX não se
encontraram menções ao pagamento regular de músicos ao serviço da Sé, mas sim o
pagamento esporádico dos músicos que trabalharam em determinada festa religiosa83.
Dos nomes acima mencionados encontramos alguns já conhecidos no meio científico,
como João José Baldi, Joaquim Casimiro Júnior, João Jordani ou David Perez. Surgem
dois nomes associados à vida eclesiástica e/ou musical das congéneres catedrais
alentejanas: Joaquim de Meneses e Ataíde (1865-1828), que foi Bispo de Elvas entre
1820 e 1828 (ano da sua morte), e Inácio António Ferreira de Lima (m. 1818), penúltimo
mestre de capela da Sé de Évora. Associados à vida eclesiástica e/ou musical da Sé de
Portalegre encontramos os seguintes nomes:
 Francisco Gomes de Paula, mestre de capela entre 1752-1755, 1756-1778 e 1778-
1779, e
 Manuel Martins Serrano, organista da Sé em alguns períodos entre 1693 e 1726 e
mestre de capela entre 1720 e 1752.
Manuel Martins Serrano é o compositor da Sé de Portalegre que mais se destaca
devido à quantidade de obras musicais compostas. Manuel Martins Serrano não era padre
e foi casado com Madalena Mendes. Como referido acima, entrou ao serviço da Sé como
organista em 1693, cargo que desempenhou até 1726, cumulativamente ao cargo de
mestre de capela, que iniciou em 1720 e cessou em 1752, ano da sua morte. Manuel
Martins Serrano esteve ao serviço da Sé durante 59 anos e a sua importância na

83
Consultar, por exemplo, o Livro de receita e despesa da Fábrica PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv051-1847-
1867, f.30v, 35 e 37v.
instituição é revelada, por exemplo, através da sua sepultura na catedral. Nela encontra-se
inscrito o seguinte:

Sepultura de Manuel Martins Serrano organista e mestre de capela que foi desta
Santa Sé e de sua mulher Madalena Mendes. Deixou livros e papéis de música à
Fábrica da mesma e o ilustríssimo Cabido Sede Vacante lhe fez mercê de jazigo e
campa para si e seus herdeiros. Ano de 1784.

No Arquivo da Sé de Portalegre foi possível encontrar uma escritura de doação à qual


está anexado o Inventario dos papeis, e Livros q Manoel Mize Serrano M.e da Sé deyxa a
fabrica da mesma85, onde consta que

aos quatro dias do mes de Mayo de mil, e settecentos, e trinta, e oito nesta Cidade de
Portalegre nas Cazas do Illus.mo Cabb.o pareceo, e foi prezente M.el Mize Serrano mestre da
Capp.a da S.ta See; e por elle foi ditto q elle dava, e doava deste dia para todo o sempre à
Fabrica da mesma See tudo o q constava do Rol asima, Atras escripto q erão Livros e
papeis q ele tinha composto p.a serviço da mesma Igra; […] (f. 5r).

Neste inventário constam dois livros de Manuel Martins Serrano com várias obras
musicais, um dos quais ainda se preserva no arquivo, e perto de cinquenta obras musicais,
entre responsórios, salmos, hinos, paixões e missas. Infelizmente, a quase totalidade dos
documentos referidos no inventário não se encontra no Arquivo da Sé de Portalegre,
desconhecendo-se actualmente a sua localização.

3.2. Biblioteca da Sé de Portalegre

A Biblioteca da Sé de Portalegre possui 92 livros impressos, nomeadamente:


antifonários, breviários, graduais, epistolários, kyriais, leccionários, liber usualis, missais,
passionários, processionais, saltérios, entre outros. Apesar de a maioria ter como autor a
Igreja Católica, existem obras impressas de:

84
Transcrição da inscrição epigráfica para escrita moderna.
85
PT/ASP/CSP/FSP/D/004/Mç001.
Datação do
Compositor Obras
documento
Cardoso, Manuel Livro de Varios Motetes: Officio da
(1566-1650) Semana Santa e ovtras covsas
s.d.

Estevão, O. de Cristo Liber Passiomum Et Eorum Quae A


(c. 1540-1613) Dominica In Palmis Vsque Ad
Vesperas Sabbathi Sancti Inclusiué 1595
Cantari Solent...

Lobo, Duarte Ordo Amplissimvs Precationvm,


(c. 1565 -1646) Caeremoniarvm qve Fvnebrivm 1603

Magalhães, Filipe de Cantum Ecclesiasticum Praecibus


(1571-1652) apud Deum Animas juvandi,
corporaque humandi Defunctorum 1691
Officium, …

Navarro, Juan [Ioannis Nauarri hispalen Psalmi,


(c. 1530-1580) hymni ac magnificat totius anni,
secundum ritum sanctae romanae [1590]
Ecclesiae …]

Perez, David Mattutino de’ Morti


(1711-1778) [1774]

Pousão, Manuel Liber Passionum, Et Eorum Quae A


(c. 1593-1683) Dominica Palmarum, Usque Ad 1675
Sabbatum Sanctum Cantari Solent

Sendo quase exclusivamente composta por livros de natureza litúrgica, a biblioteca


possui ainda livros impressos de uma obra de música profana:

Datação do
Compositor Obras
documento
Corelli, Arcangelo Concerti Grossi Con duoi Violini, e
(1653-1713) Violoncello di Concertino obligati, e duoi
altri Violini, Viola, e Basso di Concerto [1715]
Grosso …
Considerações finais

Nestas breves linhas julgamos ter contribuído para um melhor conhecimento sobre o
serviço musical da Sé de Portalegre, desde o tempo da sua fundação até aos nossos dias.
A partir dos informes contidos nos livros, muitas vezes, de natureza casual e decerto
divorciados das preocupações actuais que norteiam os estudos históricos, percorremos e
tentámos caracterizar os principais agentes do serviço musical, designadamente
subchantres, mestres de capela, cantores, instrumentistas e moços do coro, desde os
primórdios desta diocese fundada em meados do século XVI até quase aos nossos dias.
O extenso âmbito cronológico do presente artigo reclama um estudo mais
aprofundado dos indivíduos que desenvolveram a sua actividade profissional nesta
catedral, só desta forma se poderão identificar tendências ou pelo menos persistências
quanto aos principais caracteres deste grupo social.
Nos documentos musicais custodiados pelo Arquivo da Sé de Portalegre existe mais
de uma centena de obras musicais, entre os documentos avulsos e os livros manuscritos.
A grande maioria destas composições não possui o compositor identificado o que nos
leva a aduzir que uma boa percentagem destas possa ter sido composta para as
necessidades correntes do serviço musical da Sé pelos seus próprios músicos. Os
compositores identificados são quase na totalidade externos ao serviço da Sé, à excepção
de Francisco Gomes de Paula e Manuel Martins Serrano, o que nos permite concluir que
existia conhecimento sobre o repertório que circulava no meio musical da época.
O tratamento arquivístico dos documentos musicais permitiu obter um levantamento
prévio sobre compositores e obras musicais constantes nas agregações documentais
identificadas, bem como efectuar uma preliminar caracterização do repertório musical ali
existente. No futuro, será importante a elaboração de um catálogo de obras musicais,
visto que em algumas UMP existem mais de uma obra musical, permitindo, assim, dar a
conhecer a totalidades das composições musicais constantes no Arquivo da Sé de
Portalegre.
Por fim, urge analisar e investigar em maior profundidade os documentos e as
composições musicais do acervo documental da Sé de Portalegre, o que irá ampliar,
certamente, o conhecimento de que dispomos actualmente sobre as práticas musicais nas
sés de Portugal e o repertório musical português.
Fontes

Arquivo Distrital de Portalegre


Paroquiais
Sé, Casamentos, 1573-1585
Arquivo da Sé de Portalegre
Livro dos Acórdãos
PT/ASP/CSP/C/001/Lv007-1895-1954
Livros do Apontador
PT/ASP/CSP/I/001/Lv011-1756-1763
PT/ASP/CSP/I/001/Lv012-1772-1788
PT/ASP/CSP/I/001/Lv014-1804-1843
Documentos diversos sobre património
PT/ASP/CSP/FSP/D/004/Mç001-1558-1807?
Livros de receita e despesa da Fábrica
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv001,1557-1558
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv002-1570-1572
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv003-1602-1603
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv007-1644-1645
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv008-1648-1649
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv012-1653-1668
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv013-1656-1661
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv014-1668-1671
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv023-1692-1694
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv030-1720-1721
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv044-1742-1743
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv046-1746-1748
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv047-1751-1769
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv048-1779-1807
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv049-1807-1834
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv050-1834-1847
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv051-1847-1867
PT/ASP/CSP/FSP/E/C/001/Lv052-1867-1917
Livros da receita e despesa da Fazenda
PT/ASP/CSP/F/C/001/Lv004-1590-1591
PT/ASP/CSP/F/C/001/Lv009-1621-1622

Bibliografia:
ARCILLA SEGADE, Héctor Archilla (2016) – Músicos portugueses en España durante
el reinado de Felipe III|: El maestro Estêvâo de Brito. Extremadura: Universidad de
Extremadura. Tese de doutoramento.
AZEVEDO, Carlos Moreira, dir. (2000) – Dicionário de história religiosa de Portugal.
Lisboa: Círculo de Leitores.
BROOKS, Lynn Matluck (1982) – “Los Seises” in the Golden Age of Seville. Dance
Chronicle. Vol. 5, nº 2, p. 121-155.
CABRAL, Luís (2003) – A capela musical da Sé do Porto no século XVI. Porto: autor.
CASTAGNA, Paulo (1999) – Reflexões metodológicas sobre a catalogação de música
religiosa dos séculos XVIII e XIX em acervos brasileiros de manuscritos musicais. In
Simpósio latino-americano de musicologia, p. 139-165. [Consult. 6 de Fevereiro
2014].
CASTAGNA, Paulo (2003) – Níveis de organização na música religiosa católica dos
séculos XVIII e XIX: implicações arquivísticas e editoriais. In Colóquio brasileiro de
arquivologia e edição musical [Consult. 14 de Dezembro 2013]
FARRICA, Fátima; CAEIRO, Ana (2014) – Inventário do Arquivo da Sé de Portalegre.
Évora
KENYON DE PASCUAL, Beryl (1984) – A Brief Survey of the Late Spanish Bajón. The
Galpin Society Journal. Vol. 37, p. 72–79.
IDEM (2000) – A further updated review of the Dulcians (“bajón” and “bajoncillo”) and
their music in Spain. Galpin Society Journal. Nº 53, p. 87–116.
MEDINA HÉRNANDEZ, Natalia (2016) – La vida musical en la catedral de Toledo
durante el siglo XVII: Capilla de música y obras [Em linha]. Madrid: Universidad
Autónoma de Madrid. [Consult. 14 de Dezembro 2017].
MARTINS, Anacleto Pires da Silva (1997) – O Cabido da Sé de Portalegre: Achegas
para a sua história. Portalegre: Cabido da Sé de Portalegre.
MOREIRA, Paulo Estudante (2007) – Les pratiques instrumentales de la musique sacrée
portugaise dans son contexte ibérique. XVIe-XVIIe siècles. le ms. 1 du fond Manuel
Joaquim (Coimbra). Évora e Paris: Universidade de Évora e Universidade de Paris IV.
Tese de doutoramento.
PATRÃO, José Dias Heitor (2002) – Fundação da Cidade e do Bispado: Levantamento e
Progresso da Catedral. Lisboa: Edições Colibri.
PORTALEGRE-CASTELO BRANCO. Diocese [s.d.] – Diocese de Portalegre – Castelo
Branco: Anuário 2012/2013. Gavião: Diocese de Portalegre – Castelo Branco.
RAPOSO, Jorge Rebotim (2006) – Subsídios para a história dos músicos da Capela da Sé
de Évora. A cidade de Évora - Boletim de Cultura da Câmara Municipal. Vol. 6,
p. 383-413.
REES, Owen (2004-2005) – Manuel Leitão de Avilez in Andalucia. Revista Portuguesa
de Musicologia. Lisboa. N.º 14-15, p. 187-208.
RUIZ JIMÉNEZ, Juan (2007) – La librería de canto de órgano: creación y pervivencia
del repertorio del renacimiento en la actividad musical de la catedral de Sevilla.
Sevilha: Consejería de Cultura.
SANTOS, Cátia Margarida Jorge dos (2009) – As Sés Joaninas: Arquitectura episcopal
na segunda metade do século XVI. Coimbra: Universidade de Coimbra. Dissertação de
mestrado.
SIMÕES, Manuel Lopes (1992) – A capela musical da Sé de Braga no arcebispado de
D. Gaspar de Bragança: 1758-1789. Coimbra: Universidade de Coimbra. Dissertação
de mestrado.
«Musico Napolitano»: Chances and Perspectives of Research for a Neapolitan
Biographical Index

Angela Fiore, Claudio Bacciagaluppi, Rodolfo Zitellini

Abstract:

«Musico Napolitano» is a biographical index dedicated to all music professionals active


in the city of Naples between the 16th and 19th centuries. At that time, Naples was indeed
a meeting point for musicians coming from different parts of Italy and Europe. The
database aims at gathering, extracting, and establishing connections in the great amount
of biographical data contained in the various typologies of archival and bibliographical
sources dedicated to the history of music and musicians of the Neapolitan viceroyalty.
The structure of «Musico Napolitano» is organized in different indexes, including
transcribed names, standardized names, institutions and professions. A «fuzzy search»
function permits to retrieve data regardless of the different spellings of personal names in
historical sources. The project started in 2014 at the University of Fribourg (CH), and it
reaches now the first concrete results. Thanks to the digital functionalities it is now
possible to add missing pieces to the biographies of musicians; to better interpret the
circulation of musicians in the city; to reconstruct the musical activity of some city
institutions; to have new data on musical practice in its different forms. The creation of a
continually updated index of simple reference, open to further contributors, and giving
access to more detailed biographical information for each name, allows to easily map the
presence, integration, and mobility of musicians in the urban texture of Naples.

Keywords: neapolitan music history, biography of musicians, online database and index,
city soundscape and network

The «Musico Napolitano» index and its methodological context

From the 17th century onwards, Naples was a primary centre of interest and a focal
point for European music. It was a locus of learning for many composers on the
Continent and a laboratory for innovations that changed the musical language. During its


Università di Modena-Reggio Emilia.

Hochschule der Künste Bern.

Swiss RISM Office, Bern.
two centuries of Spanish dominion and its subsequent rule by the Austrians, the reign of
Charles of Bourbon (1735-1759) and the first decades of the reign of his son Ferdinand
IV (up to the revolution of 1799), its intense circulation of music and musicians
established Naples as a capital of music. Music was everywhere: in theatres, churches and
conservatories, but also in noble palaces and in the streets of what was one of the largest
urban populations on the Continent.1
This extensive musical activity is testified to today by the huge quantity of surviving
primary sources (such as chronicles, account books, deeds, documents internal to its
institutions, correspondence etc.). Many studies of archival Neapolitan sources today
provide us with reports on the spectacular nature of Neapolitan life thanks to the copious
documents in the different archives of Naples and the chronicles and journals of the time
such as the Gazzetta di Napoli.2
The large volume of data that would need to be processed by scholars makes it almost
impossible to get a broader picture of musical activity in Naples by tracing the
occupations and movements of individual musicians. The idea of creating a database
arose from the difficulties encountered by the present authors in comparing the many
published and unpublished sources that are available today. The «Musico Napolitano»
biographical index aims to connect the extensive extant data about music professionals
active in Naples that has emerged from assorted sources. Only by carefully reading,
analysing and comparing the sources can we hope to reconstruct the artistic and
biographical paths of dozens of musicians both famous and less famous. The online
presentation of such data, regardless of whether it has already been published or freshly
discovered, will permit us to analyse it in new ways.
The «Musico Napolitano» project is situated within the methodologies of the digital
humanities: when analysing the content of historical documents, computer-aided tools
allow us to create meaningful relationships within the data collected that could not be

1
Neapolitan musical spectacles, both sacred and secular, were characterised by a complex succession of
events that constituted a great employment opportunity for both foreign musicians and local artists. The
theatre circuit was one of the leading sectors of vice-regal Naples with three principle theatres: the Teatro di
San Carlo, the Teatro San Bartolomeo and the Teatro dei Fiorentini. The blossoming of music in the theatres
also reflected a highly complex network of specialised operators such as composers, singers, instrumentalists,
dance teachers, impresarios and so on. The sacred music scene was likewise varied and well supported.
Monasteries, convents and churches enjoyed an intense artistic and musical life. Even the smallest chapels of
the roughly 500 churches in Naples would seem to have featured music. Besides the many city institutions,
musicians were also employed in the private palaces of the nobility. See: Cotticelli-Maione 2006; Cotticelli-
Maione 2015; Magaudda-Costantini 2009.
2
See: Prota-Giurleo 1952, Croce 1966, Di Giacomo 1928; Cotticelli-Maione 2006; Magaudda-Costantini
2009; Fabris 2005.
identified using non-computational methods. In recent years, many studies have been
established that are dedicated to the digital humanities and based on the development of
resources for humanistic research (digital archives, databases and computational tools for
analysis and consultation). For instance, an important project sponsored by the Gallerie
Estensi-Modena was recently launched at the University of Modena-Reggio Emilia. It is
aimed at building a digital platform for the study and enhancement of the historical
heritage of the House of Este. Specifically, the musical sources preserved today in the
Biblioteca Universitaria Estense will be related to other artistic and cultural expressions at
the Este court in order to construct a cultural ‘map’ of its geographical and historical,
artistic context.3
The «Musico Napolitano» index also intends to turn its gaze towards urban
musicology and soundscape studies in order to consider music as a social, political and
cultural activity, not just as something artistic. In fact, musicology is currently looking
with increasing interest at the relationships between cities and the music they produce,
through an analysis of historical soundscapes. The Historical Soundscapes Meeting in
Evora is one of the positive results of this growing interest.
With their social, material and cultural resources, cities have been a prerequisite for
the growth of music production. There are already excellent examples of projects and
platforms designed to explore urban contexts and to recreate the sound of historical places
through the use of interactive maps and digital supports. One notable example is the
digital platform «Paisajes sonoros históricos (c.1200-c.1800)», which has been created by
Luis Juan Ruiz Jiménez and Ignacio José Lizarán Rus to explore historical urban
soundscapes in Andalusian cities.4
In this sense, reconstructing and mapping the musical activity of the various
institutions of Naples can help us to understand how music was a central part of
Neapolitan urban culture, and how much it contributed to the construction of the cultural
identity of the city itself.

The project
The database itself is designed to be as simple as possible. The main goal is to reveal
and highlight relationships rather than to provide a repository for transcriptions of

3
The Gallerie-Estensi project foresees the creation of databases subsequent to the identification, cataloguing
and metadata capture of the cartographic heritage (edited by Sara Belotti), the musical manuscripts (by
Angela Fiore) and the archives of literary sources (by Andrea Lazzarini) of the Este house. The project is
taking place under the scholarly oversight of the Department of Linguistic and Cultural Studies of the
Università degli Studi di Modena-Reggio-Emilia.
4
See: http://historicalsoundscapes.com, retrieved 16 April 2018.
archival documents. Data should not be duplicated if it exists and is easily accessible
elsewhere, meaning that only the core data from previously published materials will be
maintained in the database. This information is classified in various indices, including a
transcription of the name as it appears in the source, a standardised form of the name, the
institutions, the role played by the artist, etc. This information, while it may at first glance
seem basic, provides all the necessary data points needed to reconstruct a network of
people active in the city. Another key concept of the database is that names are given
exactly as they appear in the document, and are linked to their standardised form. This is
important because it permits a «Google Books» approach to searching, using a «fuzzy
search» algorithm. This means that names are matched approximately, making it possible
to search without knowing the precise spelling of a name. For example, Saverio Carcais, a
violin player, is variously cited also as «Carcai», «Carcaio» and «Carcajus».
These «workers» appearing in the database are not only musicians (singers,
instrumentalists, composers and choirmasters), but also belong to all those related
professions (librettists, impresarios, etc.) that prove essential in reconstructing the
network of musical and theatrical activities in Naples.
To allow as much freedom as possible for future development, no date ranges have
been fixed for the project. However, most studies of Neapolitan music based on archival
documents relate to the 17th and 18th centuries.
This index was created in 2014 at the University of Fribourg in Switzerland, where it
is currently hosted (https://musiconapolitano.unifr.ch). It was first presented at the 16th
Biennial International Conference on Baroque Music in Salzburg, and subsequently also
in two printed articles.5 The first phase of work on the «Musico Napolitano» online
biographical index was concluded in 2018. The index contains the most important data
collected in recent research and was previously issued only on paper or CD-ROM.6 The
data input also includes some previously unpublished sources that emerged from private
research conducted by the authors. The open, user-friendly structure of the index enables
any interested researcher to collaborate by contributing further data.

Looking into the data

There are certain structural limitations to investigating archival data that are obviously
reflected in «Musico Napolitano» and that should be kept in mind while mining the

5
Bacciagaluppi-Fiore-Zitellini, 2014; Bacciagaluppi-Fiore-Zitellini, 2015a.
6
Notably: Cafiero 1999; Cafiero-Marino 2009; Columbro-Maione, 2008; Cotticelli-Maione 2006; Magaudda-
Costantini 2009; Fabris 2005; Fiore, 2012; Olivieri 1999.
database. First, documentary data concerns mostly everyday events: in other words,
preserved documents do not reflect any kind of hierarchy of historical importance. This is
a category intentionally created by the eye of the historian. Thus at present, the names of
many well-known Neapolitan composers are mentioned only rarely and by chance in
«Musico Napolitano». Secondly, the data registers the presence of a name, but one cannot
draw any conclusions from the absence of names, since we have no ambition to achieving
completeness of coverage in any domain.
The unprecedented amount of data collected on one platform encourages us to pursue
new lines of investigation. Data can be examined in the long term, over many
generations. Thanks to the amount of data collected in one place, it is easier to notice
recurring trends or parallels in the range of activities, in the networks constructed by
musicians, and in the performing forces of different institutions. In what follows here, we
shall offer several examples of questions that can be addressed using the index.
First, the traditional concept of music as a family trade can be explored. The organ-
building family Cimmino can be traced over four generations: Felice Cimmino was active
in the 1690s, Fabrizio and Francesco in the 1720s and 1730s, another Francesco and
Antonio between the 1780s and the 1800s, and finally another Fabrizio in the 1810s and
1820s. The De Martino family was also active as organ builders over many generations:
Giuseppe between the 1680s and the 1710s, Tommaso and Giacomo in the 1730s,
Domenico in the 1750s. Among string players, we note the long-lasting tradition of the
Sabatino family. Giovanni was active from the 1680s to the 1730s, Francesco and Nicola
from the 1730s to the 1750s. A Gioacchino is mentioned only once in 1736, but the name
resurfaces in the 1760s and 1770s (is it the same person?). Finally, in 1793 we still find a
violin player by the name of Sabatino in the church of San Paolo Maggiore. Among brass
players, we may assume that some family relationship existed between the two
documented musicians by the name of Marotta. Domenico entered the Conservatorio
della Pietà de’ Turchini in 1694 and was still active as a trumpet player for the Cappella
di San Gennaro in 1759. Saverio is recorded as having been a member of the orchestra in
the Teatro San Bartolomeo in 1734 and 1735. Family relations also include female
names. Two granddaughters of Domenico Cimarosa, Sofia and Costanza, enrolled at an
early age in the short-lived «Real collegio di musica delle donzelle», a music college
reserved for girls training as singers that existed between 1806 and 1832.7 The pupils of
this institution also included Adelaide la Blache and Teresa Manfroce, who quite possibly

7
Cafiero 1999, p. 796, n. 98.
were relatives of the bass Luigi Lablache and of the composer Nicola Manfroce
respectively. However, the recurrence of a surname is in itself no proof of a family
relationship: we cannot state with certainty whether Bartolomeo Piano, a pupil of the
Conservatorio della Pietà de’ Turchini in 1696 and a violinist at the Cappella di San
Gennaro in 1734, was related to Gennaro Piano, a brass player at the Cappella di San
Gennaro between 1730 and 1778, or if either was from the same family as Girolamo
Piano, a renowned bass who was active between 1731 and 1734 at the Cappella Reale and
the Teatro dei Fiorentini (and later also in theatres outside Naples, in Palermo and
Venice).
The «fuzzy search» capabilities allow one to search the database for unknown or
obscure people, while the indexed standard names enable the careers of better-known
individuals to be tracked. We can also add information to the biography of a well-known
artist, but above all, we can reconstruct the life of an unknown musician. For this reason,
the database allows biographical data to be entered so that a contributor can provide
supplementary information for names unknown in standard music dictionaries. For
example, there is no biographical information in The New Grove or MGG on Domenico
de Matteis, a Neapolitan violinist. Salvatore Di Giacomo wrote in his book I quattro
antichi Conservatori di Musica a Napoli that De Matteis was a teacher at the
Conservatorio dei Poveri di Gesù Cristo from 1712 to 1732. According to Di Giacomo,
De Matteis was a violinist «soprannumerario», an additional musician in the Cappella
Reale in 1727; he played first violin from 1736 to 1756. De Matteis was also the teacher
of Giovan Battista Pergolesi.8 However, archival sources testify that his activities as a
violinist were much more intense than this: in 1721 and 1744 he was at the female
convent of Santissima Trinità as a violinist; in 1722 he began to work with the Cappella
del Tesoro di San Gennaro; in 1726 he worked at the church of Santa Maria la Nova;
from 1730 to 1735 he was at the Teatro San Bartolomeo; in 1736 at the church of San
Domenico Maggiore; and in 1743 he was a violinist at the church of Santa Maria della
Stella. The additional information we now have about the activity of this violinist enables
us to write a biographical entry on him today.
There are also cases of musicians whose scores are preserved today for whom there is,
however, no biographical information. Chronicles and accounting documents tell us about
the musical activity of Giuseppe De Bottis, the author of «Mitilene Regina delle
Amazzoni». De Bottis was a composer for the Teatro de’ Fiorentini and Teatro San

8
Di Giacomo 1928, p. 226.
Bartolomeo and a musician of the Cappella Reale. He was also active as a ‘maestro di
cappella’ in the house of the Prince of Bisignano and in several sacred institutions
including the Conservatorio della Solitaria, the church of San Luigi di Palazzo, the church
of Gesù Nuovo, and the church of Santa Maria la Nova.
Scrolling through the section dedicated to «Biographies», we also find evidence of the
versatility of the musicians, who as a rule were active at several institutions at the same
time. Andrea Amendola, a name otherwise not widely known, was active in the 1720s
and 1730s as an organist and ‘maestro di cappella’ at the Monastero di Santa Maria della
Provvidenza ai Miracoli, at the Monastero di Santa Maria del Divino Amore, at the
Monastero della Santissima Trinità delle Monache, at the Casa Santa degli Incurabili, and
at the Cathedral. The successful violoncello player Francesco Supriani, principally active
for the Real Cappella, is also to be found playing for the churches of San Domenico
Maggiore and Santa Maria della Stella, for the Cappella di San Gennaro, for the Teatro
San Bartolomeo and for the Seggio di Nilo (a town district council).
There are also exceptional cases of extremely dynamic musicians: for instance,
Francesco Feo worked between 1715 and 1734 as a composer for three theatres in Naples
and as «maestro di cappella» for eleven churches, four monasteries and seven
congregations. He was also a «maestro» in two men’s conservatories. The same goes for
Gaetano Veneziano, Domenico Sarro and Leonardo Leo, all leading names in the
Neapolitan music school. It is therefore not surprising that we find the same versatility in
lesser-known artists.
The role lists also enable us to trace the popularity of single instruments and other
details about performing forces. We find harp players («arpista») and cornetto players
(«cornettista») enrolled only up to the 1690s. On the other hand, clarinet players only
surface by the 1810s. That does not mean that the clarinet was altogether unknown, but
that specialised professionals were engaged only around that time. Only 18 mentions are
made of horn players against 125 trumpet players. This does not mean that the horn was
not in use, but rather that the same musicians played the horns and the trumpets. In fact,
of the 18 horn players, five are also mentioned as trumpet players (Antonio Casalini,
[Giuseppe] Romano, Cesare Biancone, Giuseppe Ercolani, and Gaetano Pigneri).
The institution index reveals the thriving musical activities in venues of different
kinds. There were some 120 religious venues that supported music performances. The list
of «Conservatori» is noteworthy – i.e. educational and charity institutions for children,
comprising many more than the celebrated four music conservatories for boys. Even
girls’ conservatories were closely connected to the most popular figures of the Neapolitan
music scene. These institutions were created especially to house and provide education
for disadvantaged orphans and poor girls, who were taught grammar, Christian doctrine,
needlework and also music. Often the education of the girls was assigned to external
teachers.9 In this regard, one of the most significant, representative examples is the
Conservatorio di Nuestra Señora de la Soledad, an institution founded in 1589 to house
the orphan daughters of Spanish soldiers in Naples. A few years after the conservatory
was founded, we find many examples relating to the teaching of singing or an instrument.
In 1601 we find an unknown musician called Domenico Manso as the singing teacher of
the young girls of the school. In 1607, Aurelio Sassano taught «de cantar […] a las
Virgines». In 1652, Andrea Anzalone, from one of the most famous families of musicians
in Naples, was tasked with teaching «a las monjas de esta Santa Casa de cantar». Between
1659 and 1669 the Venetian Cristofaro Caresana worked as a music teacher at Soledad.
Pietro Bartilotti then took over from Caresana. Bartilotti was also the director of the
Conservatorio of Santa Maria di Loreto. He was at Soledad from 1671 to 1698, with the
title of music teacher and ‘maestro di cappella’. From 1708 to 1724 Gennaro Ursino held
the position of ‘maestro’, followed by Giuseppe De Bottis from 1725 to 1736.10
In addition to singing lessons, the orphans used to take lessons on string instruments,
which were taught at the Soledad from 1640 onwards. We find Onofrio Mirabello as
«Maestro de tocar rebichèn», followed by Juan Angelo Durso, whose tasks were to teach
«las monjas de esta Santa Casa de tocar violin [...]». Francesco Antonio D’Angelo,
another forgotten musician who was probably active in the Cappella Reale as a tenor and
violin player around the 1650s, was «maestro de violini» at the Soledad from 1656 to
1670. We must also note the presence at Soledad of Pietro Marchitelli, who was one of
the most important violinists of the time. He was otherwise active in the Cappella Reale
of Naples and taught the violin to the nuns in the Soledad.
But the Soledad is not an isolated case, for there were dozens of girls’ conservatories
in Naples that taught music: Bonaventura Veneziano and Francesco Sabatini were violin
teachers at the Conservatorio di Santa Maria di Costantinopoli, while Nicola di Napoli is
mentioned as a viola teacher at the Conservatorio delle Figliole di San Gennaro. In the
Conservatorio della Nobil Arte della Seta, an institution founded to welcome the girls of

9
In the 17th century, girls’ conservatories attempted to remedy social distress in Naples by providing girls
with an adequate spiritual and cultural education. Internal rules give us some information about the
organisation of the time and the education imparted to young nuns and schoolgirls. See: FIORE 2017,
pp. 185-202.
10
Fiore 2012, pp. 22-44.
the affiliates of a Neapolitan corporation called «Arte della Seta», the unknown virtuoso
Nunzio Labruzzo and the chapel master Nicola Consolo taught the violin to the nuns and
orphans between 1733 and 1736. Another example is the Conservatorio dello Spirito
Santo, an institution created for the daughters of members of a confraternity, where we
have proof that it included nuns called «virtuose monache». In this conservatory, we find
also Gaetano Veneziano and Nicola Fago as chapel masters. A similar example is the
Hospital of Sant’Eligio, another institution created to house orphan girls. There are
reports in 1729 of music lessons being given to the sisters by Francesco Durante, along
with other musicians who were afterwards forgotten.
We must emphasise that this is something entirely new and almost unknown for the
city of Naples, where music education was generally thought to have been the privilege of
the four male conservatories. As we have seen, archival documents attest to the presence
of renowned musicians – the same who worked in the male conservatories. By cross-
checking different sources, the database can help us to reconstruct the teaching staff of
these forgotten institutions and, at the same time, it can broaden our perspective of music
historiography in Naples.
The search terms «casa» and «palazzo», «principe» and «marchese» reveal the
importance of private houses for upholding the urban music system. Only princely homes
had the means to engage a private ‘maestro di cappella’. Gregorio Pinto, Prince of
Montaguto, could call on the services of one the most successful composers of his day,
Domenico Sarro, in 1716. The Prince of Stigliano hired no less a figure than Alessandro
Scarlatti as composer and Farinelli as singer in 1723. Some ten years later, the Marquis of
Arena – an ancestor of the amateur composer Pasquale Caracciolo (died 1838) – could
only afford a lesser-known composer as «maestro di cappella», Nicola Conte; in line with
his social status, he also employed a «maestro di ballo», the otherwise unknown Giovanni
Andrea Bottaro. But even the house of a successful musician such as Nicola Grimaldi
(Nicolino) could become a venue for musical activities, for it is mentioned four times
between 1719 and 1724.
The index can also help us to reconstruct the music staff active at an institution over
the centuries. It is essential for tracing the history of both prestigious and smaller music
groups active in Naples.
The Cappella Reale has always been considered the most renowned musical institution
in the city. It was founded when Viceroy Pedro de Toledo decided in 1555 to set up an
instrumental and vocal ensemble whose task was to accompany the religious and social
ceremonies of the court. The Cappella Reale included the best composers and soloists in
town, and its mission was to prepare decorative and occasional sacred music that
constituted the obligatory background for all official and solemn events. Its duties were of
course associated primarily with the activities of the vice-regal court, but travellers’
accounts and documents related to the sacred institutions offer us clear information on the
participation of the Cappella Reale in the various ceremonies of the Neapolitan liturgical
calendar. Alongside the prestigious Cappella Reale, other music groups were also active
in Naples.
The Chapel of the Cathedral of Naples, also known as the Chapel of the Archbishop,
was a vocal and instrumental ensemble reporting directly to the Archbishop’s court. Its
task was to satisfy liturgical needs in the countless sacred institutions of Naples. It was of
similar importance to vice-regal institutions in Naples, but regrettably there are no
specific studies of it as yet. The references to it in the documentation of the Neapolitan
sacred institutions are now included in the database, and these allow us to know the
names of the chapel masters who were active at the Cathedral from the late 17th to the
mid-18th centuries, such as Domenico Arcucci in 1681, Francesco Mariniello in 1688,
Pietro Bartilotti at the end of the 17th century, Angelo Durante in 1720, and Andrea
Amendola and Giacomo Sarcuni in around 1730. We also find here the name of a
choirmaster: Alfonso Cangi.11
The Cathedral was also linked another musical institution, the famous Cappella del
Tesoro di San Gennaro (San Gennaro being the patron saint of Naples). In 1527, the city
was reputedly saved from the plague after its people swore a vow to San Gennaro, so
afterwards, they decided to build a chapel dedicated to him within the Cathedral. Building
actually only started in 1608, and it was completed some 40 years later. This chapel,
called the «Tesoro», was inaugurated in 1646. It was probably that same year that the
vocal and instrumental ensemble bearing its name was founded. It was expected to
provide the music for the feast days devoted to the saint.12 Until a few years ago, the
earliest information about the Cappella del Tesoro dated from the 1660s when the
maestro di cappella was Filippo Coppola. He was followed in 1686 by Francesco
Provenzale; Cristofaro Caresana took on the responsibility of composing music for the
Tesoro in 1699; when he died in 1709, he was succeeded by Nicola Fago.

11
Cotticelli-Maione 2006; Magaudda-Costantini 2009; Fiore 2017.
12
Musical activities at the Tesoro were connected above all to the three feasts of S. Gennaro, in September,
May and December, each one having its octave and involving a cycle of three evenings with processions and
performances both outdoors and in the chapel.
The extant data on the Cappella del Tesoro, taken from the private archives of the
institution, was published in 2008 by P. Maione and M. Columbro and is now included in
the database.13 The functionality of «Musico Napolitano» can help us to visualise easily
the complete musical staff of the Cappella del Tesoro from the beginnings of the 17th
century to the close of the 18th.

It is precisely this possibility for cross-referencing several documents that allows us to


get an impression of the multifaceted network of musical activities in Naples. The daily
presence of music in innumerable venues and genres arguably made the soundscape of
Naples unique in the 17th and 18th centuries.

Future developments

«Musico Napolitano» is entirely based on open-source software. The team of «Musico


Napolitano» will be delighted to share its experiences and to help other researchers in
implementing and adapting its software to the needs of similar investigations.

13
Columbro-Maione 2008.
In fact, an initial adaptation and application of the «Musico Napolitano» software is
currently envisaged in the context of a research project based in Switzerland.14 The
available evidence suggests that there was a close connection between the rise of the
conservatories as places of musical education, and the professionalisation of (female)
instrumentalists. In this way, the Swiss conservatories can be seen as early examples of
the integration of women in public working life in the 19th century. There was also a large
exchange of students between Switzerland and other European countries. In this way,
conservatories contributed to multilateral cultural exchange. The aim is to construct a
biographical index of pupils at the oldest Swiss conservatories, from the time they were
founded up to the outbreak of World War I. Similar efforts, though using different
software applications, are currently underway at the École Pratique des Hautes Études in
Paris (a prosopographical database of students at the Conservatoire)15 and at the Sophie
Drinker Institut in Bremen (a biographical dictionary of female instrumentalists at
German conservatories).16
Further developments are also planned for the «Musico Napolitano» software itself.
The dynamic links between the historical map of Naples and the institutions mentioned in
the archival documents will be improved by adding geolocation data to the records of the
«Institution» index. In addition, the possibility of implementing a meta-search and name-
retrieval, not only from «Musico Napolitano» itself, but also from databases of related
interest (such as the ones previously mentioned), is currently being examined.

14
See the beta version, http://musikerindex.hkb.bfh.ch/, retrieved 1. March 2019. The project “Integrative
Listening. A Historical Perspective on Aural Skills Training”, is being financed by the Swiss National
Science Foundation (No. 169368).
15
https://hemef.hypotheses.org/outils-scientifiques/base-de-donnees-des-eleves-du-conservatoire, retrieved
5 April 2018.
16
http://sophie-drinker-institut.de/lexikon, retrieved 5 April 2018.
While the initial input of data can be considered to have now been concluded, work on
the biographical index «Musico Napolitano» is by no means at an end. The project team
hopes that this index might provide a model for others, stimulate dialogue and promote
collaborations with other, similar research initiatives that have the same aim of retrieving
and providing information on musicians’ networks in order to reconstruct the past
soundscapes of European cities.

Bibliografia
BACCIAGALUPPI, Claudio; FIORE, Angela; ZITELLINI, Rodolfo (2015a) – Musico
Napolitano: An Online Biographical Index of Music Professions in Naples. Early
Music. Vol. 43, pp. 673-676
BACCIAGALUPPI, Claudio; FIORE, Angela; ZITELLINI, Rodolfo (2015b) – Musico
Napolitano: indice delle maestranze musicali attive a Napoli. Studi pergolesiani /
Pergolesi Studies. Vol. 10, pp. 209-225.
CAFIERO, Rosa (1999) – Istruzione musicale a Napoli tra decennio francese e
restaurazione borbonica: il “collegio di musica delle donzelle” (1806-1832).
In CAFIERO, Rosa; MARINO, Marina (a cura di) – Francesco Florimo e l’Ottocento
musicale. Reggio Calabria: Jason, pp. 753-825.
CAFIERO, Rosa; MARINO, Marina (2009) – La musica della Real Camera e Cappella
Palatina fra restaurazione e unità d’Italia. II: organici e ruoli (1815-1864). Studi
musicali. Vol. 38, pp. 133-206.
COLUMBRO, Marta; MAIONE, Paologiovanni (2008) – La Cappella musicale del
Tesoro di San Gennaro di Napoli tra Sei e Settecento. Napoli: Turchini.
COTTICELLI, Francesco; MAIONE, Paologiovanni (2006) – Le carte degli antichi
banchi e il panorama musicale e teatrale della Napoli di primo Settecento: 1732-1733.
Studi pergolesiani / Pergolesi Studies. Vol. 5, CD-ROM.
CROCE, Benedetto (1966 [1891]) – I teatri di Napoli. Roma-Bari: Laterza.
DI GIACOMO, Salvatore (1928) – I quattro antichi Conservatori di musica a Napoli,
2 voll. Palermo: Sandron.
MAGAUDDA, Ausilia; COSTANTINI, Danilo (2009) – Musica e spettacolo nel Regno
di Napoli attraverso lo spoglio della “Gazzetta” (1675-1768). Roma: ISMEZ.
FABRIS, Dinko (2005) – Dal Medioevo al decennio napoleonico e oltre: metamorfosi e
continuità nella tradizione napoletana. In BRYANT, David; QUARANTA, Elena
(acura di) – Produzione, circolazione e consumo. Consuetudine e quotidianità della
polifonia sacra nelle chiese monastiche e parrocchiali dal tardo Medioevo alla fine
degli Antichi Regimi. Bologna: Il Mulino, pp. 227-281.
FIORE, Angela (2012) – La Cappella di Santa Cecilia dei Musici di Palazzo di Napoli.
Nuove acquisizioni dall’Archivio del Conservatorio della Solitaria. Fonti musicali
italiane. Vol. 17, pp. 25-44.
OLIVIERI, Guido (1999) – Aggiunte a “La scuola musicale di Napoli” di F. Florimo:
i contratti dei figlioli della Pietà dei Turchini nei protocolli notarili (1667-1703).
In CAFIERO, Rosa; MARINO, Marina (a cura di) – Francesco Florimo e l’Ottocento
musicale. Reggio Calabria: Jason, pp. 717-752.
PROTA-GIURLEO,Ulisse (1952) – Breve storia del Teatro di Corte e della musica
a Napoli nei secoli XVII-XVIII. In DE FILIPPIS, Felice; PROTA-GIURLEO, Ulisse
(a cura di) – Il Teatro di Corte del Palazzo Reale di Napoli. Napoli: L’Arte
Tipografica, 1952, pp. 19-77.

Você também pode gostar