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ANTONIO MACHADO

Missão do trio Levy-Barbosa-Tombini é recriar as razões racionais


para o empresariado se encorajar

O governo que finda achou que bastava o “keynesianismo de consumo”, nutrido


a perdas tributárias e crédito subsidiado, para correr para o abraço
14/12/2014 - 00:04 - Antonio Machado

Mudou a equipe econômica para o segundo governo de Dilma Rousseff, mas não
mudou a direção do Banco Central, embora tenham mudado suas convicções sobre a
política fiscal, mostrando que as circunstâncias de Alexandre Tombini, presidente do
BC, são maleáveis como o juro.
Se com Guido Mantega na Fazenda ele rubricava as atas do Comitê de Política
Monetária afiançando que a política fiscal tendia para a “neutralidade”, embora fosse
mais folgada que sapato 44 em pé 36, o documento do Copom divulgado na quinta-
feira diz agora que “não se pode descartar migração para a zona de contenção fiscal”.
Para ele, trata-se, precisamente, do que recomendava há quatro anos. É vero.
Isso quer dizer sobriedade do gasto público e aumento de impostos, ou ambos juntos.
E a mudança de visão do BC tem a ver com a fama de disciplinador rigoroso de
governos gastalhões de Joaquim Levy, ex-chefe do Tesouro no primeiro governo Lula,
chamado para limpar as traquinagens fiscais de Mantega e do atual tesoureiro da
República, Arno Augustin, um quadro do PT gaúcho da confiança da presidente.
A expectativa do ajuste fiscal a ser anunciado pelos indicados mas não nomeados
ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, explica o
BC subir a Selic em 0,50 ponto percentual na última reunião do Copom, para 11,75%
ao ano, quando se esperava alta menor, com a ressalva de que o “esforço adicional
tende a ser implementado com parcimônia”.
A calibragem da Selic será função do tamanho do ajuste fiscal, que vai reduzir a
demanda, ao tirar (com aumento de impostos e menos desonerações) ou deixar de
injetar (com corte de gasto e menos crédito oficial) recursos na economia.
As consequências estão anunciadas. O crescimento econômico será de 0,8% em
2015, segundo a revisão da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) enviada ao
Congresso para orientar a próxima Lei Orçamentária Anual (LOA). Tal projeção está
mais para teto que para piso. Quanto à inflação, o BC diz que ela vai subir antes que
comece um “longo período de declínio”, atingindo, depois de 2016, a meta de variação
anual. Foi explicitado que a meta é 4,5%, não o teto excepcional de 6,5% aceito até
então.
Esses princípios configuram virada brusca da visão de Dilma sobre a economia,
embora assim o faça pelos péssimos resultados obtidos e pela turbulência política que
a cerca e ao PT.
O novo fio condutor
A constatação pelo novo governo de que o PIB continuará encolhendo e que a
inflação vai engordar antes de mirrar por força da correção da política econômica
estabanada praticada desde 2009, e não só no primeiro mandato de Dilma, não está
isenta de riscos, especialmente pelas sequelas políticas e sociais que lhe são
inerentes.
O fio condutor da nova estratégia é estabilizar e depois baixar a relação da dívida
pública bruta sobre o PIB. Ela difere do conceito de dívida líquida (usado até agora)
por incluir a emissão de papéis do Tesouro ao aportar recursos à banca estatal e ao
BC, para formar o funding que sustenta a reserva de divisas (que não é bem um pé de
meia de dólares e, sim, outra faceta do endividamento público).
Desfecho desesperado
A dívida bruta saltou de 53,4% do PIB em 2010 para 62% em outubro, enquanto em
termos líquidos passou de 39,2% a 36,1% do PIB em igual período. A mudança de
indicador é fruto do abalo da confiança dos mercados e das agências que aferem a
qualidade do crédito de países nas contas fiscais desde que o Tesouro passou a
falsear a situação das finanças do governo por meio da tal “contabilidade criativa”.
O desfecho desesperado do descontrole fiscal aconteceu com a lei votada às pressas
no Congresso (movido pela promessa de liberação dos dinheiros das emendas
parlamentares) desobrigando o governo de fazer superávit primário este ano. Mais que
humilhação, tal evento expôs o esgotamento da política de transferências de renda,
que representam mais de 70% dos gastos do orçamento federal – causa e efeito do
desfibramento estrutural do crescimento, e isso devido à desatenção com a
produtividade e a competitividade da economia.
Keynesianismo tosco
A distensão social, a maior marca do PT, tal como foi para o PSDB a reforma
monetária, é um dos alicerces modernos da economia. Não é problema, é solução,
exceto quando a socialdemocracia que a define se descuida dos fatores que
fundamentam o crescimento propagador de riquezas - coisas como indústria dotada de
custo e tecnologia para competir em escala global sem precisar de reserva de
mercado, moeda fraca e de farto sortimento de subsídios fiscais e financeiros.
O governo que finda achou que bastava o “keynesianismo de consumo” rudimentar,
nutrido a perdas tributárias e crédito subsidiado, para correr para o abraço. E deu no
quê? Em outro recomeço para recriar as razões racionais para o empresariado sair da
zona de conforto e voltar a se esforçar em fazer mais com menos, inovar e competir. É
essa a faina do trio Levy-Barbosa-Tombini. Ou quarteto, com Dilma.
Sabe de nada, inocente
Com tanta notícia ruim na economia, e pestilentas na política, com o escândalo de
corrupção na Petrobras tomando proporções inauditas, cabe ao governo reeleito
agilizar duas providências: 1ª, fazer logo as mexidas na economia; 2ª, por o trem pra
rodar. Enquanto a viagem não começa, o destino parece incerto e a ansiedade não
baixa.
É preciso também cuidado para que o programa fiscal não queime na largada, se
prever alta desarrazoada de carga tributária. A carga formal já chega a 36% do PIB, vai
a 41% somando-se o déficit fiscal (bancado com juros) ao naco da renda extraída pelo
governo e atinge 46% do PIB sem as desonerações. Ônus assim só na Escandinávia,
onde a qualidade dos serviços públicos excede o que custa.
E não acabou. Restos a pagar, ou gastos fiscais não desembolsados, somam mais
4% do PIB. Dados da Receita revelam que empresas detinham em 2012 créditos
tributários de outros 4% do PIB. E há quem defenda a volta da CPMF. É como diz o
bordão: “Sabe da nada, inocente!”

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