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ANTONIO MACHADO

O país que vota na estabilidade e ascensão social será atendido só se


voltar o crescimento robusto

Jogatina entre juros, câmbio, dívida pública e impostos já não é mais tão simples
como antes para assegurar a estabilidade de toda a macroeconomia
4/10/2014 - 20:39 - Antonio Machado

O Brasil que saiu das urnas é o mesmo que vota desde as eleições de 1994 elegendo
as candidaturas identificadas com a estabilidade econômica e a ascensão social, dois
fatos palpáveis nestes 20 anos, mas difíceis de conciliar sem crescimento permanente
da economia.
Por certo tempo ambos os eventos foram virtuosos, graças a um rol de fatores que
não há mais. A folga legada pelo ajuste das contas públicas no período FHC e
ampliada no primeiro ano do também duplo mandato de Lula foi exaurida ao longo da
década. E a épica bonança das commodities no mundo, iniciada em 2003, mirrou
depois de 2011, esvaziando o grosso da renda externa sem que fosse compensada
com outras exportações e maiores investimentos das multinacionais.
O déficit orçamentário foi relativizado com cortes da parte retida para pagamento de
juros da dívida do Tesouro, chamada de superávit primário, e em seguida com
macetes contábeis. O pagamento de gastos contratados, por exemplo, é liberado em
anos seguintes (gerando os tais “restos a pagar”). O ressarcimento do subsídio de
juros devido pelo Tesouro a bancos como o BNDES e a CEF tem sido postergado.
O Tesouro também passou a transferir papéis de dívida colocados no mercado à taxa
Selic (11% ao ano) para a banca estatal, que, em vez de monetizá-los de imediato, os
reaplica, gerando resultados, cujos dividendos retornam ao Tesouro para compor a tal
meta de superávit primário. Isso é “bicicleta”, no jargão das boas normas contábeis,
passível de questionamento pela Lei das SA e outras legislações.
Nas contas externas, a frustração do superávit comercial, agravada pelo déficit da
conta turismo, pelas remessas de lucros e assim por diante, tem sido contornada com
o ingresso de fundos voláteis – ou hot money - aplicados, sobretudo, em títulos do
Tesouro, dependendo da relação entre o juro lá fora vis-à-vis o suculento sopão
servido pela Selic real, apimentado com taxa cambial apreciada e estável.
A “jogatina” entre juros, câmbio, dívida pública e impostos já não é mais tão simples
como antes para assegurar a estabilidade de toda a amarração da macroeconomia. É
essa insegurança que foi a voto sem que o eleitor fosse informado, em tempo, sobre o
que está em jogo.
Empreendedorismo sugado
Distensão social é uma conquista a preservar e até ampliar, embora dependente do
que não está mais disponível facilmente: o retorno do crescimento econômico robusto,
com mínimo de 2,5% a 3% ao ano, além de impelido por investimentos em
infraestrutura, sobretudo energia, transportes e mobilidade, e na expansão de
produção competitiva.
A política social mais que nunca está condicionada ao dinamismo de atividades
privadas que dispensem subsídios (predominantes no atual modelo econômico) e
protecionismo (que molda a política industrial vigente). Eles retiram a essencialidade
da eficiência produtiva. Na prática, criam cartórios indesejáveis, sorvem o ímpeto
empreendedor do empresariado e desestimulam a busca de tecnologias inovadoras.
Alicerces da estagnação
Com uma política econômica que levou a criar acomodados no lado da produção, não
encarou os custos que a alijaram dos mercados lá fora e trata perdas fiscais como algo
temporário devido à crise global e a ser resolvido com a aceleração do crescimento,
que estagnou, não surpreende o baixo astral dos empresários, a inquietação do
mercado financeiro e o mal estar entre os eleitores mais bem informados.
Estão ai as travas da distensão social. É uma cena complicada pelo aumento
vegetativo do número de assistidos (mais relevante que o baixo valor distribuído per
capita), apesar da perda de dinamismo da receita tributária que custeia as
transferências de renda. As urnas reclamam mais dessas políticas, um trunfo de Dilma
Rousseff.
Mercadores de facilidades
O que há pela frente é uma delicada engenharia política muito bem sustentada. O
ritmo do gasto público vai ter de ceder em relação à evolução possível do PIB. O déficit
externo terá de convergir para a conta que dispense juro alto para atrair hot money,
auxiliado por alguma desvalorização cambial. Aumento de impostos é das hipóteses
também mais contempladas pelas tribos políticas. É algo temerário.
Se a retomada do crescimento e do investimento é prioridade zero, e não há outra
para manter a promoção social, onerar a produção é como servir álcool a alcoólatra.
No ranking da Tax Foundation sobre a tributação corporativa em 163 países, Brasil
ocupa a 17ª posição. Isso explica o enxame de mercadores de facilidades na política.
Ignorar que a competitividade econômica está como laranja chupada revela falta de
compromisso social, não o contrário. A economia tem potencial para avançar 4%, 5%
ao ano, mas só se for competitiva.
Recomendações de Gerdau
A dimensão dos problemas nacionais é tamanha, segundo o empresário Jorge
Gerdau, que não há espaço ao futuro governo para fazer muito mais que três pontos
essenciais.
1º, diz, ortodoxia financeira para devolver autonomia à gestão da economia. 2º, planos
de longo prazo, a começar pelo ataque ao déficit imediato de logística, que estima em
R$ 680 bilhões. O orçamento prevê R$ 15 bilhões, e só pouco mais de metade foi
realizada. A saída são as concessões. O 3º ponto: aumentar em 30% a eficiência de
cinco áreas em quatro anos: segurança, saúde, educação, transportes e mobilidade.
Titular da comissão criada por Dilma para rever processos da área pública, Gerdau
avalia de que dá para fazer mais e melhor. Mas com métricas para monitorar os
programas e cobrar os gestores. Tais coisas, mais simplificação tributária, de normas,
regras, de tudo o que induza a corrupção, podem construir um país de todos não só no
slogan.

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