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Universidade Presbiteriana Mackenzie

Laboratório de Direito Público | 10º T

Carolina Mariucci Rodrigues 414.0948-5


Edvaneide Inojosa 414.8774-5
Filipe Novaes Pinto 414.8531-9
Glauber Freire de Oliveira 414.1227-3
Jéssica Monteiro 414.3947-3
Mário Henrique Farbelow 414.2232-5

O Projeto Jari

São Paulo

2019
I - Introdução

Iniciado nos anos 1960 na região do Rio Jari, nas divisas entres os
estados do Pará e Amapá, com o objetivo de criar um polo agroindustrial para a
produção de arroz e celulose nas regiões de Monte Dourado e Almerim, o projeto
Jari se manifesta como um dos empreendimentos fracassados da região
amazônica, em estreita relação com a estrada de ferro Madeira Mamoré, a
cidade de Fordilândia, para a produção de seringueiras; a Transamazônica entre
outros tantos.
Do ponto de vista legal, é possível notar uma série de conflitos de
interesse que vão da legitimação dos títulos da Jari, em contraste com a grilagem
das terras pertencentes ao Estado e o direito à propriedade privada. Por outra
perspectiva, tem-se o disputa em torno de desenvolvimento econômico em
confronto com direitos coletivos e difusos, basta identificar o desenvolvimento
desordenado da região industrial, com surgimento de regiões periféricas que não
oferecem estrutura e boas condições de vida aos cidadãos, o próprio fato de
estar situada em um região tradicionalmente pertencente a grupos tradicionais,
bem como a exploração florestal, os rejeitos no manejo da celulose e a
degradação do meio ambiente.
Para examinar tais perspectivas, é útil considerar o desenvolvimento
histórico da região que viria a ser identificada com o Projeto Jari, considerando-
se alguns marcos históricos a título de fio condutor, a saber, a fase do Coronel
José Júlio como primeiro desbravador da região, a segunda fase sendo a da
venda aos portugueses, a terceira fase, propriamente do Projeto Jari, em que as
áreas são compradas pelo industrial americano Ludwich até o processo de
derrocada da projeto e as desapropriações das terras.

II - A origem das terras que pertenceriam ao Projeto da Jari


A ocupação da Jari se dá basicamente no município de Almeirim, sendo
este inicialmente uma aldeia de catequese, onde os frades Capuchos de Santo
Antônio fundaram a aldeia do Parú. Suas terras estão situadas à margem
esquerda do Rio Amazonas.
O Jari é um rio que possui águas escuras ou pretas, não podendo ser
comparado com um rio de águas brancas ou barrentas, no que diz respeito à
fertilidade dos solos, que ficam periodicamente sob sua inundação.
Almeirim foi levantada a categoria de Vila em 22 de fevereiro de 1758,
entrando em decadência no início do séc. XIX, voltando a ser povoada. Após
esses acontecimentos, foram fundadas outras vilas em seu território.
Em meados de 1899 José Júlio de Andrade chega em Padaria, iniciando
seus trabalhos como seringueiro e coletor de castanhas, vendendo seus
produtos no comércio ambulante da região, utilizando como meio de transporte
embarcação a vela ou a remo.
Mais tarde, na localidade denominada Prazeres, José Júlio adquire de
Raimundo toda a área por um preço módico, ou seja, pagando a compra com
linha de pescar, tecidos e outras bugigangas. Raimundo por sua vez,
permaneceu nas terras com o consentimento do seu novo dono.
Outras terras foram adquiridas: por meio de títulos primários, através do
Conselho Municipal Francisco Xavier (1899); títulos definitivos, assinados pelo
Governador do Estado do Pará, José Paes de Carvalho (1900); títulos de posse,
assinados pelo Governador do Estado, Augusto Montenegro(1901); escrituras
públicas, lavradas pelo Tabelião Vicente Rolim Moraes (1906); títulos de
legitimação e propriedade expedidos em maio de 1937,1938 e 1939, assinados
pelo Interventor Federal José da Gama Malcher e Secretário Geral Deodoro
Mendonça; posses adquiridas por compra e venda, escritura lavrada pelo
Tabelião José Agostinho Guerra, além de outras posses adquiridas no Governo
do Pará “Terras e Viação” por intermédio da Secretaria de Obras Públicas (1918
e 1919), assinadas pelo Governador Lauro Sodré; em 1921 mais terras do
Estado, assinadas pelo governador Souza Castro.
A área de Arumanduba foi adquirida por escritura pública em 1906, pelo
valor de 10 contos de réis, da Sociedade Mercantil Andrade Queiroz e
Companhia, vindo a se tornar a sede das empresas de José Júlio.
Em pouco tempo José Júlio conseguiu construir seu império (1899 a
1948), tornando-se o homem mais rico do país. Tinha várias propriedades em
toda extensão do Rio Jari, fixando suas filiais, que eram administradas por
pessoas de sua confiança. As pessoas o tinham como um homem justo, pois
não deixava desamparada nem a família dos seus empregados quando estes
vinham a falecer.
Além da agricultura, José Júlio também desenvolveu a pecuária em suas
Fazendas Aquiquí, pois a região era de uma flora riquíssima, possuindo
pastagens em abundância, o que possibilitava a criação de animais de grande
porte.
O responsável por administrar essas fazendas era um compadre de José
Júlio, pessoa em quem depositava grande confiança, o qual, mais tarde, viria a
decepcioná-lo, envolvendo-se em conluio com um indivíduo interessado em
comprar as fazendas do Aquiquí. No negócio, o comprador disse que daria uma
das fazendas de presente para o compadre, caso ele convencesse José Júlio a
fechar o negócio.
Só que foi enganado pelo comprador, quando este fechou o negócio disse
que não haveria a possibilidade de fazer a doação, pois não teria como explicar
para os sócios a doação de uma das fazendas. O compadre por sua vez ficou
furioso, com a atitude do comprador, e este, sentindo-se ameaçado, revelou toda
a verdade para José Júlio, que ao tomar conhecimento dos fatos, despediu seu
compadre imediatamente.
As atividades empresariais de José Júlio eram feitas por transporte fluvial,
sendo que no início era um pequeno barco de madeira chamado Garcinha, mas
conforme os negócios foram se expandindo, houve a necessidade de adquirir
embarcações maiores, mandando construir navios fora do país, vindo estes em
sua maior parte da Holanda. Em pouco tempo José Júlio já possuía treze navios
de grande porte.
Os produtos explorados por José Júlio em suas empresas eram a
castanha do Pará, borracha, maçaranduba, copaíba, andiroba, ouro, além de
outros produtos destinados a fabricação de medicamentos para tratamento de
doenças, como por exemplo, a salsa para tratar o reumatismo.
Desenvolveu a pecuária em suas fazendas, mas nessa área não houve
um grande investimento, pois, o tratamento dos animais era feito por seus
capatazes e não por médicos veterinários, o que causava uma grande perda, em
virtude da falta de conhecimento por parte daqueles.
Além de empresário, José Júlio aventurou-se na política, sendo Senador
do Estado do Pará e Deputado no ano de 1908. Quando não se candidatava,
apresentava seus candidatos, que curiosamente sempre ganhavam as eleições.
O que havia na realidade era uma fraude nas eleições, pois desconfiava-se que
o próprio José Júlio preenchia as folhas de votação, favorecendo assim seus
candidatos.
Em 1948 José Júlio encerra suas atividades em Almeirim, com a venda
de suas empresas para os portugueses. Seu sócio, o Capitão Crispim, ainda
permanece na sociedade com os novos donos.
Estima-se que o motivo de seu afastamento se deu em decorrência de
sua saúde estar fragilizada, e em virtude do descontentamento com a política.
Contudo, após a venda da empresa, voltou a residir no Rio de Janeiro, e passou
seus últimos dias na Ilha da Madeira em Portugal, onde veio a falecer em junho
de 1952. Retornou para o Rio de Janeiro, onde foi sepultado.
Com a chegada dos portugueses em 1948, as atividades que eram
desenvolvidas anteriormente por José Júlio continuaram a ser desenvolvidas, só
que de uma forma mais planejada, ou seja, com uma atuação mais empresarial.
Quase todas as atividades desenvolvidas pelos portugueses, excederam
em muito as desenvolvidas pelo antigo proprietário, merecendo um destaque a
produção de castanha, a exportação de madeira, a exportação de balata,
exceção apenas à pecuária, que permaneceu da mesma forma.
Tentaram introduzir a agricultura com a plantação de seringueira, café,
pimenta-do-reino e cacau, sendo o projeto financiado pelo Banco do Brasil, mas
infelizmente em virtude de um desentendimento entre o administrador do projeto
e os portugueses, o negócio veio a falir com perdas irreversíveis.
Nas embarcações houve um avanço, pois o sistema de caldeira a fogo foi
substituído pelo motor a diesel.
Nessa fase, as empresas foram as seguintes: Jari Indústria e Comércio;
Companhia Industrial do Amapá; e Companhia de Navegação Jari S/A.
Os funcionários da época de José Júlio continuaram com os portugueses,
só que não tinham as mesmas regalias de antes.
Em janeiro de 1966 a diretoria da Jari decidiu dar um incentivo aos seus
auxiliares (gerentes das filiais) de 10% sobre o lucro apurado, um título de pró-
labore no valor de Cr$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil cruzeiros) e sua
manutenção juntamente com sua família na Casa da Gerência, por conta da filial.
Seria uma maneira de mantê-los motivados em suas administrações.
Os portugueses também se envolveram com a política, só que
indiretamente, apoiando seus candidatos dando suporte material e financeiro,
ocasião em que elegeram um prefeito e um governador.

III - Projeto Jari: Fase D.K Ludwig


Em 20 de março de 1967, os portugueses encerram suas atividades com
a venda da Jari para o norte-americano Daniel Keith Ludwig. Sua chegada marca
início da transformação da região: o objetivo de Ludwig, à época um dos quatro
homens mais ricos do mundo, consistia em desenvolver um projeto econômico
de proporções gigantescas nas terras do Jari, a partir da construção de um
complexo agroindustrial em torno da produção de celulose em grande escala,
além das produção de arroz, da criação de gado, mineração de bauxita e caulim.
O Projeto Jari teve início no mesmo ano, com a derrubada de grandes
áreas de floresta nativa na região, dando lugar à plantação da monocultura da
gmelina arbórea, uma espécie proveniente da Ásia, de crescimento acelerado, o
que facilitaria o manejo e a exploração.
A infraestrutura, desenvolvida já nos primeiros anos, tinha como objetivo
dar a base necessária para o desenvolvimento das atividades pretendidas pelo
empresário americano: estradas, ferrovias, acampamento para trabalhadores,
além de aeroporto que possibilitava a visita do industrial, além da vila ‘Monte
Dourado’ para os funcionários da empresa, com casas, escolas e hospital.
A produção da celulose propriamente dita só teve início em 1978, depois
que, frente às dificuldades para a construção de fábrica na região, pela demora
que acarretaria, as condições de trabalho e mão de obra qualificada, Ludwig
comprou uma fábrica flutuante vinda do Japão, posto que não havia fábricas de
celulose no Brasil.
Como resultado empreendimento de Ludwig os impactos logo se
manifestaram, inicialmente tem-se um impacto direto com a transformação da
floresta nativa em monocultura e a migração de famílias que tiveram de
abandonar suas moradias nas áreas agora derrubadas para instalarem-se nas
novas cidades.
Outro fenômeno foi uma onda migratória das regiões vizinhas, mas
também do Nordeste, de onde chegaram milhares de homens, com expectativas
de melhores condições de um trabalho no projeto.
O desenvolvimento urbano na região em que concentrava a Jari,
formando centros urbanos como Laranjal do Jari, Vitória do Jari, Almeirim, e,
como seria natural, um crescimento sem planejamento adequado e sem
infraestrutura básica.
Do lado do Amapá, situado na outra margem do rio, criou-se o “beiradão”,
o que se pode chamar de primeira favela da Amazônia, com uma acumulação
desordenada de barracas sobre palafitas, onde se instalaram os mais pobres, os
expulsados rurais, os delinquentes e as prostitutas: é bastante comum se
observar o fenômeno da divisão de classe nesse recorde urbano da região do
jari; os funcionários da empresa moram todos em Monte Dourado e, por outro
lado, a maior parte das faxineiras desses funcionários e os trabalhadores moram
“do outro lado” em Laranjal do Jari, uma “cidade dormitório”, onde os moradores
só estão em casa para dormir, mas passam o dia do outro lado para trabalhar.
Em 1979, o projeto contava com 15.400 empregados, para os quais a
região e Ludwig tinham que ser providenciar moradias, comida, roupa e serviços.
Depois da fase dos desmatamentos e da construção da infraestrutura, Ludwig
concentrou-se principalmente em dois projetos, a produção de celulose (sobre
70. 000 ha) e de arroz (sobre 5.000 ha). Porém, apesar dos esforços (Ludwig
tinha construído um viveiro para pesquisa e melhoria genética das mudas), as
plantações de ambos os projetos não davam os resultados esperados; em vez
de lucros, Ludwig sofreu vários fracassos econômicos.
Com investimento sem retorno na ordem de 1 bilhão de dólares no
empreendimento, o Projeto Jari é passado às mãos do consórcio CAEMI. Ludwig
passa a perder sucessivamente a aprovação do regime militar, que começava
ela também a perder poder no país. O apoio dos militares tinha sido essencial
para o funcionamento do projeto e para afastar as reivindicações territoriais de
outros atores da região.
Abandonado por Ludwig, o empreendimento passa a ser conduzido pelo
Grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de Empresas de Mineração), que era uma
corporação de empresários brasileiros e estrangeiros, dirigida Augusto Trajano
de Azevedo Antunes, português.
Dando continuidade, tendo o mesmo modelo de gestão, tendo como base
fundamental exploração ilimitada dos recursos naturais e humanos da região,
foram tomadas medidas de “ajuste estrutural” com objetivo de economizar as
despesas da empresa, o que resultou numa dispensa radical de trabalhadores
que, dos 15.400 em 1979, permaneceram 4.500 em 1993.
Em 1988 há a transformação da parte do território federal em estado do
Amapá, o que acarreta uma disputa entre os governos do Amapá e do Pará,
reivindicando parte das terras que a empresa ocupava ilegalmente, segundo
eles.
Tal conflito de terra desembocou, do lado do Amapá, na instauração, em
1989, de uma área de mais de 530 hectares de terras desapropriadas para
criação da Reserva Extrativista do Cajari, com o objetivo de atribuir o uso
exclusivo dos recursos da floresta às populações tradicionais.
Com as crises que se desenrolaram a partir do conflito, agora com o
governo, o Projeto Jari é adquirido Grupo ORSA, em 1999, pelo valor de 1 dólar,
posto que as dívidas do Projeto somavam mais de 400 milhões de dólares. O
objetivo era, por meio de uma revitalização do projeto, para daí liquidar o passivo
da empresa.

IV - A Reserva Extrativista do Rio Cajari

Fundamentada no conceito de desenvolvimento sustentável, a Reserva


Extrativista é uma categoria de Unidade de Conservação Federal. A Constituição
Federal de 1988 trouxe como paradigma a defesa do meio ambiente, em larga
escala, como responsabilidade de todos. Relacionada essa defesa e proteção
amplas com o desenvolvimento social e econômico, criou-se o conceito de
desenvolvimento sustentável. Para compreendermos esse conceito, no entanto,
devemos, de início, realizar uma análise sistemática, isto é, estabelecendo
relações entre elementos que compõem o todo, da Constituição Federal, com
base nos artigos 170 e 225.
O artigo 170 está inserido no Título VII da Constituição Federal, que trata
da Ordem Econômica e Financeira, em seu primeiro Capítulo, estabelecendo as
diretrizes gerais da atividade econômica. Ele diz, ipsis literis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e
serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
(...)
Já no Título VIII, Da Ordem Social, o artigo 225 trata especificamente do
meio ambiente, conforme seu caput, dispondo que “Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
Portanto a Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma relação de
necessidade de preservação e defesa do meio ambiente não apenas ao Poder
Público, mas a toda a coletividade. Nesse sentido, ao se falar de
desenvolvimento econômico não se pode deixar de lado os impactos que os
empreendimentos e atividades econômicas possam causar ao meio ambiente. E
é a partir desse marco constitucional, que reflete uma preocupação histórica
mundial levantada pela ONU em 1987, que surgirá um conceito caro à discussão
de desenvolvimento econômico e social, que é a sustentabilidade, que pode ser
definido pela doutrina, conforme Juarez Freitas, como “princípio constitucional
que determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e
da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e
imaterial”.
Dentro do conceito de sustentabilidade está a responsabilidade pelo
desenvolvimento em equilíbrio da sociedade e da economia. Conceito derivado,
portanto, será o de desenvolvimento sustentável, que seria o planejamento, a
prática e programas de desenvolvimento econômico e social que levam em
consideração a sustentabilidade.
A Reserva Extrativista, como unidade de preservação, surge como
modelo na Lei 9,985 de 2000. O referido diploma legal regula o artigo 225 da
Constituição Federal para dispor, entre outras coisas, sobre as unidades de
conservação nacional e criar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
da Natureza. Em seu artigo 2º, inciso I, conceitua unidade de conservação como
“espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as
águas jurisdicionais, com características naturais relevantes,
legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites definidos, sob regime especial de
administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de
proteção”
No artigo 18 da mesma lei, trata especificamente da Reserva Extrativista:
Art. 18. A Reserva Extrativista é uma área utilizada por
populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-
se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de
subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem
como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura
dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos
naturais da unidade.
§ 1o A Reserva Extrativista é de domínio público, com uso
concedido às populações extrativistas tradicionais conforme o
disposto no art. 23 desta Lei e em regulamentação específica,
sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem
ser desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.
§ 2o A Reserva Extrativista será gerida por um Conselho
Deliberativo, presidido pelo órgão responsável por sua
administração e constituído por representantes de órgãos
públicos, de organizações da sociedade civil e das populações
tradicionais residentes na área, conforme se dispuser em
regulamento e no ato de criação da unidade.
Assim, a Reserva Extrativista surge como um modelo de desenvolvimento
social e econômico sustentável, baseada no manejo, por populações locais e
tradicionais, dos recursos naturais de forma não predatória. Do ponto de vista
histórico, de acordo com Álvaro de Oliveira D’Antona, os movimentos de
seringueiros e índios, na década de 80, foram fundamentais para a criação da
figura jurídica da Reserva Extrativista.
A Reserva Extrativista do Rio Cajari, também popularmente tratada por
Resex do Cajari, ou apenas Reserva do Cajari, foi criada por meio do Decreto
99.145, de 12 de março de 1990, localizando-se no estado do Amapá, sendo
uma região componente do bioma amazônico, e corresponde a uma área de
532.397 hectares. De acordo com o CNPT e ICMBio, o produto mais importante
da região é a castanha-do-brasil, ou castanha-do-pará, seguido pelo açaí, além
da borracha, extraída das seringueiras, comum da região.
A Reserva do Cajari se insere no plano geral deste trabalho por duas
razões que evidenciaremos a seguir. Em primeiro lugar, a própria construção da
figura jurídica da Reserva Extrativista, como mencionado, mostra claramente a
preocupação do Poder Público em determinar e regulamentar aspectos de direito
público. Os movimentos históricos levaram à construção da figura jurídica,
portanto, mas isso não é só. Há na figura da Reserva Extrativista, ainda, uma
finalidade de política pública para o desenvolvimento sustentável: assegurar a
permanência das populações extrativistas locais e seu desenvolvimento,
reduzindo assim o êxodo rural e os conflitos fundiários da região, e garantir um
determinado plano de manejo, isto é, a forma que se dará a exploração do
espaço natural. Em segundo lugar, os conflitos fundiários na região irão
continuar, dadas todas as peculiaridades da região, já examinadas, esbarrando
em questões jurídica delicadas, por vezes relacionadas a crimes ambientais.
A título de exemplo, sobre competência jurisdicional, em 2018 a Terceira
Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento a recurso
interposto pelo Ministério Público Federal para reformar decisão de Juiz Federal
de primeiro grau que declinou a competência da Justiça Federal para julgar a
compra de madeira ilegal oriunda da Reserva do Cajari, enviando o processo
para a Justiça Comum local. O TRF1, em acórdão unânime, sustentou que, por
se tratar de unidade de conservação sob jugo da União, a competência era sim
da Justiça Federal, reformando a decisão. O caso, não obstante, evidencia a
exploração econômica ilegal existente na região.

V - Conclusão

Ao longo da história da região delimitada neste trabalho como


correspondente ao Projeto Jari, conforme demonstrado, foi possível notar como
empreendimentos e atividades econômicas, que visavam a exploração do meio
ambiente e de recursos humanos de forma irrestrita, fracassaram na região
amazônica. O desenvolvimento irresponsável, a exploração de mão de obra e
os conflitos sobre titularidade da terra e sobre a forma de seu uso são o pano de
fundo da abordagem aqui proposta. A figura de frente é o desenrolar de institutos
jurídicos de direito público, como o desenvolvimento sustentável, a defesa e
preservação do meio ambiente, a formação das unidades de conservação, e o
trabalho desenvolvido foi mostrar como conversam esse pano de fundo e essa
figura de frente.
Em outras palavras, o recorte histórico trazido esboça as condições que
possibilitaram relações jurídicas das mais diversas e como essas relações se
deram na prática. As relações entre o Estado e o posseiro, entre estado e
comunidade tradicional, entre Estado e a relação de propriedade privada quando
ela entra em conflito com o interesse público, etc. Isso mostra como os conflitos
jurídicos existentes na Amazônia legal, sobretudo os fundiários, são complexos
e não se esgotam neste trabalho
O Projeto Jari, assim, como empreendimento multiforme e fracassado,
que passou de mãos em mãos, aparece como algo ainda não bem resolvido até
os dias de hoje. As tentativas do Estado, com a criação, por exemplo, da Reserva
Extrativista do Rio Cajari, em resolver conflitos jurídicos da região, mostram
sucesso até certo ponto, conforme vimos. A disputa fundiária, que subsiste, se
reverte assim, em parte, em exploração ilegal da natureza, da mão de obra e em
crimes ambientais, como pode se depreender do caso da compra de madeira
ilegal na região. O papel do direito público, em definir, demarcar e regulamentar
práticas e formas de uso e de relação com o meio ambiente, visando um
desenvolvimento humano e econômico de maneira sustentável, é imprescindível
nesse caso, muito embora as tentativas até o momento não tenham sido
absolutamente satisfatórias.

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