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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE SO SUL


FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - FAMECOS
PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL - MESTRADO
DISCIPLINA: METODOLOGIA DA PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
PROFESSORA Drª CLAUDIA PEIXOTO DE MOURA

ALESSANDRO ZADINELLO
MARCIA CRISTINA HERNÁNDEZ BRIONES
RICARDO RAMOS CARNEIRO DA CUNHA

ANÁLISE DE DISCURSO

Porto Alegre
2013
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INTRODUÇÃO

A Análise de Discurso é uma metodologia de análise textual que introduz no


domínio dos estudos da linguagem o tema da história, do poder, da ideologia, que
são as condições em que se dão os processos discursivos.

Para Ricoeur, a linguagem como discurso é a consciência que existe em


todos os homens, e surge da necessidade, das relações. A linguagem surge como a
materialização, o corpo da consciência (RICOEUR, 1991). A preocupação primária
da análise de discurso é a interpretação crítica, fundamentada em uma teoria
consistente. Para que haja a descodificação da mensagem a ser analisada, é
necessária a união de diversos domínios de estudo, como a linguística, a psicologia,
história, política e sociedade.

Em linguística, a semântica, um dos conceitos envolvidos, estuda o


significado e a interpretação deste em uma palavra, um signo, uma frase ou uma
expressão em um todo. Também, analisam-se as mudanças de sentido que ocorrem
nas formas linguísticas devido a alguns fatores aqui chamados de indicadores, como
o tempo e o espaço geográfico.

Neste trabalho explanaremos sobre o discurso, com apoio em autores como


Pechêux, Orlandi, Charaudeau e Manhães, apresentaremos os indicadores
norteadores para a interpretação do discurso, os atos da fala, a análise de discurso
francesa, a análise de discurso inglesa e os pressupostos e os implícitos da
conversação.
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O DISCURSO

Foi na década de 60 que surgiu a Análise de Discurso como uma teoria de


leitura, rompendo com tradicionais práticas que eram voltadas para a interpretação,
tais como a Hermenêutica e a Análise de Conteúdo. “Pela primeira vez na história a
totalidade dos enunciados de uma sociedade, apreendida na multiplicidade de seus
gêneros, é convocada a se tornar um objeto de estudo” (CHARAUDEAU, 2004, p.
46).

Embora a Análise de Discurso, que toma o discurso como


seu objeto próprio, tenha seu início nos anos 60 do século XX, o
estudo do que interessa à ela – o da língua funcionando para a
produção de sentidos e que permite analisar unidades além da frase,
ou seja, o texto – já se apresentara de forma não sistemática em
diferentes épocas e segundo diferentes perspectivas (ORLANDI,
2002, p. 17).

Michel Pêcheux, fundador da Escola Francesa de Análise de Discurso, e que


tinha seus estudos embasados nas correntes marxistas, propõe o discurso como
objeto de análise e salienta que esse elemento é diferente da língua e da fala.

“É no discurso, precisamente, que se concentram, se intrincam e se


confundem , como um verdadeiro nó, as questões relativas à língua, à história e ao
sujeito” (FERREIRA, 2005, p. 13).

Maingueneau (2005, p. 15), por sua vez, acredita que se trata de uma
dispersão de textos cujo modo de inscrição histórica permite definir como um espaço
de regularidades enunciativas”. Já Foucault (2005, p. 133) diz que o discurso é um
conjunto de enunciados que se apoiam numa formação discursiva e “é constituído
de um numero limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de
condições de existência”.

Para o filósofo russo e pesquisador da linguagem humana, Mikhail Bakhtin


(1998) o discurso é o ponto de articulação entre os fenômenos linguísticos e os
sócio históricos. Uma última definição é da doutora em linguística, Eni Orlandi, que
entende que o discurso não é do domínio exclusivo do locutor: “aquilo que se diz
significa em relação ao não se diz, ao lugar social do qual se diz, para quem se diz,
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em relação aos outros discursos” (1996, p. 83) e conclui afirmando que o discurso “é
o lugar onde se pode observar a relação entre a língua e a ideologia” (2001, p. 17).

Existe ainda outro ponto de análise proposto pelo linguista brasileiro,


Cleudemar Fernandes (2005) que explica que pelo fato do discurso estar
diretamente ligado à vida social, a analista deveria romper com o estudo clássico
das estruturas linguísticas, que, segundo ele, é a única forma de dar conta do que
está entre a língua e a fala.

Inicialmente, podemos afirmar que o discurso, tomado como objeto de Análise


do Discurso, não é a língua, nem texto, nem a fala, mas que necessita de elementos
linguísticos para ter uma existência material. Com isso, dizemos que discurso,
implica uma exterioridade à língua, encontra-se no social e envolve questões de
natureza não estritamente linguística. Referimo-nos a aspectos sociais e ideológicos
impregnados nas palavras quando elas são pronunciadas (FERNANDES, 2005, p.
20).

Discurso, enfim, é a apropriação da linguagem (código,


formal, abstrato e impessoal) por um emissor, o que confere a este
um papel ativo, que o constitui em sujeito da ação social. Aquele
que:
 classifica, ordena e organiza, enfim, significa o mundo mostrado;
 persuade, convence o locutor da pertinência de seu modo de
classificar, ordenar e organizar o mundo mostrado; e
 constrói uma voz, um modo de falar, um entendimento do mundo
(BARROS; DUARTE, 2009).

Por último pode-se dizer que o discurso é a língua posta em funcionamento


por sujeitos que produzem sentidos numa dada sociedade. Sua produção acontece
na história, por meio da linguagem, que é uma das instancias por onde a ideologia
se materializa.
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OS INDICADORES

Os indicadores são como as marcas do discurso. Além de considerarmos as


ideias expostas através da análise de discurso francesa ou inglesa, são esses
códigos, pois cada sujeito tende a mostrar o mundo de acordo com o seu ponto de
vista. Esses códigos são como marcas, que ao ficarem identificadas mostrarão o
modo como foi construído o texto. Esses indicadores são: de pessoa; de lugar e de
tempo; ou ainda a voz passiva e ativa (MANHÃES apud BARROS; DUARTE, 2006).

 Indicadores de Pessoa

“Eu” e “tu” são funções ou posições decorrentes do ato de apropriação da


linguagem. O discurso foi construído por estes, que assume a posição de sujeito e
locutor.
O “eu” como sujeito, não é necessariamente a representação do individuo
físico, biológico, o autor do texto, ou mesmo o sujeito do ponto de vista gramatical.
Trata-se da pessoa que assume a posição de sujeito no discurso do texto (Ibidem,
2006).

 Indicadores de Tempo e Espaço

“As noções discursivas de tempo podem não reproduzir a ordem cronológica


com a qual organizamos a sucessão de nossos dias e organizamos nossas tarefas
habituais” (Ibidem, 2006, p. 310). Logo, o tempo e o espaço também discursam, pois
são indicadores de quando (tempo) e onde (espaço) o texto foi registrado,
evidenciando marcas importantes para a análise de discurso, que buscará aspectos
identificatórios além da linguagem. O sujeito se apropria dos recursos da linguagem
para construir ações, situando o seu discurso nos indicadores.
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A AÇÃO – ATOS DA FALA

A teoria dos atos da fala teve seu início com os trabalhos do filósofo inglês,
John Langshaw Austin e foi levada adiante por John Roger Searle. Austin trabalhou
nesta perspectiva e suas teses e se encontram, principalmente, nos textos “Other
Minds” (1946), “Word and Deads” e “How to do Things with Words” e versam sobre
os usos da linguagem, sobre interpretação de questões, exclamações, comandos,
ou seja, enunciados que não são unicamente descritivos. Segundo o filósofo J. L.
Austin, a elocução de uma determinada frase não serve apenas para descrever um
estado de coisas, mas também para realizar uma intenção. Assim, às ações
realizadas por um locutor através de um enunciado, visando intencionalmente obter
algo do alocutário, de o nome de atos da fala. Percebendo que os enunciados
desempenham diferentes funções na interação verbal e partindo do princípio de que
dizer pode significar fazer, foi o primeiro teorizador dos atos de fala.

A partir desse estudo se percebe que nos atos da fala, o sujeito interage com
o locutor por meio de proposições linguísticas e sociais. Na verdade o sujeito
apropria-se da linguagem para ordenar, explicar e pedir. São três os tipos de atos:
locutório, ilocutório e perlocutório.

1) Ato Locutório - corresponde ao ato de pronunciar um enunciado segundo as


regras gramaticais da língua. Ele consiste em proferir certos sons (ato
fonético), em articular palavras quem pertencem a um vocabulário e se
conformam a uma gramática e em usar essas palavras com certo sentido e
referência. Dizendo algo estaremos sempre também fazendo uma outra
coisa: formulando um pergunta , dando uma ordem, um conselho, etc.
2) Ato Ilocutório – corresponde ao ato que o locutor realiza quando pronuncia
um enunciado em certas condições comunicativas e com certas intenções,
tais como ordenar, avisar, criticar, perguntar, convidar, ameaçar, etc. Assim,
num ato ilocutório, a intenção comunicativa de execução vem associada ao
significado de determinado enunciado.
3) Ato Perlocutório – corresponde aos efeitos que um dado ato ilocutório produz
no alocutório. Verbos como convencer, persuadir ou assustar ocorrem neste
tipo de ato da fala, pois nos informam sobre o feito causado no alocutário.
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O ponto de vista pragmático consiste em considerar que a linguagem é um


ato dotado de uma certa força (ilocutória, perlocutória) orientada para o interlocutor,
força que, de um lado, revelaria a intenção linguageira do sujeito falante e, de outro
lado, obrigaria o interlocutor (seja qual for sua natureza) a assumir, por sua vez, um
comportamento linguageiro em conformidade com as características dessa força.

Assim, a linguagem é, por si própria, ação, já que ela faz ou faz fazer, seja
expressando de forma direta (“Feche a porta”) ou indireta (“Está fazendo frio”). Deste
ponto de vista surgiu a teoria dos "atos de fala", promovida por Austin e Searle, que
estavam convencidos de que “uma teoria da linguagem é uma parte de uma teoria
da ação”. Observaremos aqui que a relação entre a linguagem e a ação é uma
relação de fusão de uma na outra: não há, nesta perspectiva, combinação entre
ação e linguagem, mas integração da ação na linguagem.
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ANÁLISE FRANCESA DO DISCURSO

De acordo com Maldidier (1988, p. 181): “a história da constituição da Análise


do Discurso pode, talvez, ser vista como uma amostra da história das ciências
dentro de um domínio, onde a ruptura é sempre lugar de recobrimentos”.

Essa afirmação nos remete às desconstruções e reconfigurações do quadro


teórico da Escola Francesa de Análise de Discurso, configuradas nas três fases
apontadas por Pêcheux (1983).

Sabemos que a primeira fase da Análise de Discurso marcada pela análise


automática do discurso, apesar de propor um modo de pensar a exterioridade no
interior do objeto língua (fazer uma inter-relação entre a língua e a história), fica
restrita a um conjunto de enunciados fechados, que se relacionam entre si pela
justaposição em que o outro se subordina ao mesmo.

Em consequências geradas pelos questionamentos da AAD (Análise


Automática do Discurso), surge a segunda fase da AD na França, marcada também
pelo dispositivo analítico da “maquinaria-discursivo-estrutural”, mas com
deslocamentos, principalmente, no “nível de construção dos corpos discursivos”, que
deixam de se relacionar entre si pelo efeito de justaposição. Nessa fase da AD, a
reconfiguração no quadro teórico é marcada pelo deslocamento do conceito de
formações discursivas, de Michel Foucault, para fazer funcionar dentro do quadro
materialista de (de)subjetivação da linguagem, juntamente com o conceito de
formação ideológicas (FI). Tal deslocamento colocou em discussão a validade da
maquinaria discursiva-estrutural fechada da primeira fase da AD, indicando que as
relações entre as “‘máquinas’ discursivas estruturais” são relações de forças
desiguais, apontando, pois, para uma reavaliação da questão do sujeito e do
sentido.

A insistência da alteridade na identidade discursiva que coloca em causa o


fechamento desta identidade, da noção de maquinaria discursiva e da noção de
formação discursiva tal como reformulada dentro da AD foi um dos problemas que
deram impulso a outro momento e novas formulações foram postas em jogo para
reconfigurar o quadro epistemológico da AD na terceira fase, marcada pela
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acentuação do primado do outro sobre o mesmo e pela desconstrução das


maquinarias discursivas.

Em 1977 inicia o retorno a Foucault e se começa a delinear uma nova


reconfiguração no quadro da AD, operando o deslocamento das noções de “formas
de repartição” e de “sistemas de dispersão”.

Nessa fase, o trabalho de Marandin (1979) aponta para uma nova maneira de
trabalhar em análise do discurso. A primeira contribuição desse trabalho diz respeito
ao deslocamento da noção de formação discursiva como elemento das formações
ideológicas, integrada à teoria do discurso, para o campo onde Foucault havia
formulado: o campo de saberes discursivos. Tal retorno permitiu a reorientação da
análise para a singularidade do acontecimento discursivo.

A partir de Deleuze, questiona a questão da repetição, mostrando a


necessidade de refletir o intradiscurso como lugar heterogêneo de rupturas. A noção
de heterogeneidade, assim, é introduzida nesse trabalho, fazendo oscilar a noção de
intradiscurso, o conceito teórico de fio do discurso, na relação com o interdiscurso, e
fazendo emergir a questão da discursividade.

Outra problemática diz respeito à leitura como um trabalho de trituração, ou


seja, à prática do trabalho sobre os discursos não mais definidos como leitura onde
o ver e o entender se misturam, mas como trabalho no sentido de trabalho filosófico
que se abre ao inconcebível num duplo gesto (Henry): a) conceber o concebível
para mostrar o inconcebível, ou seja, regular um sistema e um intradiscurso; b)
destruir a homogeneidade dos sistemas e dos intradiscursos (cf. PÊCHEUX et alii,
1981, p. 200).

Duas grandes diferenças podem ser detectadas entre análise


de conteúdo e AD: a primeira consiste em considerar, na análise de
conteúdo, os conteúdos das palavras, e não o funcionamento do
discurso na produção de sentidos, como na AD, podendo-se assim
explicitar o mecanismo ideológico que o sustenta, ao que chamamos
compreensão ou seja, a explicitação do modo como o discurso
produz sentidos. A segunda diferença diz respeito à suposição de
transparência das palavras na análise de conteúdo.

O trabalho filosófico, nesse sentido, trabalha a linguagem sob a forma


paradoxal: como falar disto que não se pode falar? Conforme Pêcheux, esse
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paradoxo que atinge o gesto ou uma imagem vem provocar a ausência de toda a
fala. Sendo assim, as questões em torno do real da língua, da história e do
inconsciente, indicam que apontam uma nova maneira de trabalhar as questões das
materialidades discursivas que se encontram no espaço de reconfiguração. Essa
reconfiguração é característica de um quadro teórico onde “a ruptura é sempre lugar
de recobrimentos”.
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ANÁLISE INGLESA DO DISCURSO

Diferente da análise de discurso francesa, a inglesa trabalha sob o domínio


da pragmática sobre a semântica e a sintaxe. Eduardo Manhães afirma, no livro
Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação, que o termo “pragmática” está
historicamente relacionado às condições de fabrico ou maquinação de objetos ou
assuntos com o intuito de obter uma determinada retribuição (MANHÃES apud
BARROS; DUARTE, 2006).
Na análise de discurso inglesa é a pessoa que conduz a narrativa dos
acontecimentos ou que constrói proposições para os interlocutores, mediante a
compreensão das regras e dos mecanismos linguísticos que utiliza para alcançar
seus objetivos.
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A CONVERSAÇÃO – OS PRESSUPOSTOS E OS IMPLÍCITOS

A conversação é sempre resultante de uma atividade interpessoal


desenvolvida entre pelo menos dois indivíduos em situação face a face, dentro de
uma configuração contextual de que fazem parte os entornos espaço-temporal e
sócio-histórico que unem os participantes. Há diferenças de grau de manifestação
da co-produção discursiva, segundo o caráter mais dialógico ou menos dialógico do
texto.

O “interdiscurso” disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito


significa em uma situação discursiva dada. Tudo o que já se disse sobre um tema e
seus correlatos está, de certo modo, significando ali, interpelando os sujeitos. Todos
esses sentidos já ditos por alguém, em algum lugar, em outros momentos, mesmo
muito distantes, têm um efeito sobre o que é dito em algum lugar e trazem diferentes
“pressupostos”. A forma desse dito (ou escrito) acaba por trazer, ela também, uma
memória, ao invés de rompê-la colocando-se fora dela, falando com outras palavras.
O fato de que há um já-dito que sustenta a possibilidade mesma de todo dizer é
fundamental para se compreender o funcionamento do discurso, sua relação com os
sujeitos e com a ideologia. Deduz-se daí que há uma relação entre o já-dito e o que
se está dizendo, que é a que existe entre o interdiscurso e o intradiscurso, ou, em
outras palavras, entre a constituição do sentido e sua formulação.

Podemos explicitar essa diferença considerando a constituição – o que


estamos chamando de interdiscurso – representada como um eixo vertical em que
teríamos todos os dizeres já ditos – e esquecidos – em uma estratificação de
enunciados que, em seu conjunto, representa o dizível. E teríamos o eixo horizontal
– o intradiscurso –, que seria o eixo da formulação, isto é, aquilo que estamos
dizendo naquele momento dado, em condições dadas.

A constituição determina a formulação, pois só podemos dizer (formular) se


nos colocamos na perspectiva do dizível (interdiscurso, memória). Todo dizer, na
realidade, se encontra na confluência dos dois eixos: o da memória (constituição) e
o da atualidade (formulação).

Paralelamente, é também o interdiscurso, a historicidade, que determina


aquilo que, da situação, das condições de produção, é relevante para a
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discursividade. Pelo funcionamento do interdiscurso, suprime-se, por assim dizer, a


exterioridade como tal, para inscrevê-la no interior da textualidade. Isso faz com que,
pensando-se a relação da historicidade (do discurso) e da história (tal como se dá no
mundo), é o interdiscurso que especifica, como diz Pêcheux (1983), as condições
nas quais um acontecimento histórico (elemento histórico descontínuo e exterior) é
suscetível de vir a inscrever-se na continuidade interna, no espaço potencial de
coerência próprio a uma memória.

É preciso não confundir o que é interdiscurso e o que é intertexto. O


interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que
determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido, é preciso
que elas já façam sentido. E isto é efeito do interdiscurso: é preciso que o que foi
dito por um sujeito específico, em um momento particular, se apague na memória,
para que, passando para o “anominato”, possa fazer sentido em “minhas” palavras.
No interdiscurso, diz Courtine (1984), “fala uma voz sem nome”.

Se tanto o interdiscurso como o intertexto mobilizam o que chamamos


relações de sentido, no entanto o interdiscurso é da ordem do saber discursivo,
memória afetada pelo esquecimento, ao longo do dizer, enquanto o intertexto
restringe-se à relação de um texto com outros textos. Nessa relação, a intertextual, o
esquecimento não é estruturante, como o é para o interdiscurso. Parece-nos
oportuno lembrarmo-nos do “pressuposto”, a que fizemos referência anteriormente.

O fenômeno da pressuposição faz aparecer, no interior da língua, todo um


dispositivo de convenções e de leis, que deve ser compreendido como um quadro
institucional regendo o debate dos indivíduos. O implícito tem uma dupla utilidade:
exprimir alguma coisa sem arriscar ser considerado como responsável por tê-la dito,
mas também adiantar uma ideia, subtraindo-a a eventuais objeções. A
pressuposição seria uma forma do implícito, permitindo dizer alguma coisa fazendo
de conta que não estivesse sendo dita.

Os pressupostos se encontram introduzidos nos discursos como evidências


incontestáveis, o que não quer dizer que eles sejam afirmados como evidentes. Por
sua posição “externa” ao encadeamento do discurso, o pressuposto aparece como
fora de questão. Pressupor uma ideia é construir um discurso no qual ela não será
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colocada em questão, e é o “engendramento” mesmo do discurso que fundamenta


essa aparente necessidade de pressuposto.

Ultimamente, noções como, “dialogismo”, “heterogeneidade”, “pré-


construído”, têm trazido importantes contribuições para o desenvolvimento da
análise do discurso e, como veremos, recorrem às noções de formação discursiva e
do funcionamento intradiscursivo e interdiscursivo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no que vimos nesse artigo, a análise de discurso propõe o estudo
de um texto, não somente pelo aspecto linguístico, mas considerando também as
condições sócio históricas de produção. A partir do uso dessa técnica o desafio é
realizar uma leitura crítica e reflexiva que não reduza o discurso a analises de
aspectos puramente linguísticos nem o dissolvam num trabalho histórico sobre a
ideologia.

Todo texto busca transmitir uma ideia maior do que se analisarmos


pragmaticamente o que está dito, daí o pouco uso da análise de discurso inglesa, e
as vantagens da análise de discurso francesa ao buscar relacionar a interpretação
das ideias expostas no texto com a história, política, ideologia, contexto sócio politico
e econômico.

A análise de discurso busca também não eliminar as contradições, mas sim,


fazer aflorá-las na materialidade linguística do discurso. Por suas características de
lutar contra qualquer forma de cristalização do conhecimento a análise de
discurso se coloca contra a “territorialização e a delimitação dos domínios do saber”
(COURTINE, 1984) o que a torna uma atividade interdisciplinar.
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REFERÊNCIAS

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