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Boletim/CESP v. 14, n. /8,jlllldez.

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alegre e sempre disposto". Os uma boa listagem, peca por


conservadores censuraram a omissões inexplicáveis. Não
primeira personagem de HQ constam, por exemplo, Auika!,
propriamente dita, "the yellow de Dagomir Maruquezi (São
kid", devido a sua origem Paulo: Proposta Editorial,
social de menino pobre dos 1980), nem Cultura de massa,
guetos nova-iorquinos. O organizado por Bernard
Tico-Tico, marco inicial das Rosenberg e David Manning
publicações dedicadas às White em 1957, e publicada
crianças no Brasil, era lido e pela Cultrix em 1973. Mais
citado por Ruy Barbosa no diflcil de entender ainda é a
Senado, e mereceu crônica de omissão de O que é história em
Carlos Drummond de Andrade. quadrinhos, de Sônia M.
Mafalda, a personagem argen- Bibe-Luyten, anunciada nas
tina de Quino, foi acusada de primeiras páginas do livro
defensora da ideologia peque- como leitura. Moya merecia um
no-burguesa e, logo, do assessoramento mais cuida-
imperialismo ianque, por doso, para que pequenos
jamais haver mencionado problemas como esses não
Perón ou o peronismo. interferissem na excelência do
Intercalando ensaios com seu trabalho.
páginas de quadrinhos, Moya A alta qualidade dos textos
fornece a seu leitor amostras e das reproduções em branco e
de obras de diflcil acesso. Ao preto e em côres fazem da
mesmo tempo, essa estratégia História uma obra de referên-
dá um aspecto dinâmico ao cia essencial para o iniciante
livro, que se coaduna com o em busca de um guia confiável
seu próprio objeto de estudo. e para o pesquisador à procura
Quadrinhos e cinema trocam de fontes fidedignas e de
influências quanto a aspectos ilustrações raras.
técnicos, argumentos e
Julio Jeha
personagens. De quebra, ainda
sobra alguma coisa para a
televisão. De novelas a
programas infantis, passando
VIEIRA, Nelson H. Brasil e
por toda uma programação Portugal: a imagem recí-
para o público adolescente, a proca (o mito e a realidade na
televisão exibe uma estética
que deve muito às HQ. Basta
expressão literária). Usboa.
assistir, por exemplo, alguns Ministério da Educação. Instituto
minutos da programação diária de Cultura e Lfngua Portuguesa.
mais ágil e comparar com as
Coleção Diálogo: Fronteiras
ilustrações do livro de Moya.
História das histórias em abertas. 1991. 256 p.
quadrinhos vem complementa-
da com uma bibliografia sobre Uma das coisas que mais
o assunto, com publicações em me agradaram durante a leitura
português, que, ainda que seja deste livro foi voltar a

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encontrar-me com velhos


nomes da infância, já meio o leitor é suficientemente
esquecidos, como mascates, esclarecido acerca do lugar de
emboabas, mazombo ... onde o A. fala e elabora as
São esses nomes, agora do suas proposições sobre a
ponto de vista metodológico, imagem reciproca a envolver a
que apontam para um dos comunidade luso-brasileira.
aspectos mais oportunos do No livro, um dos aspectos
trabalho de Nelson Vieira. de maior interesse, para o
Refiro-me, na página 54, à leitor brasileiro, é cotejar o
apresentação do mazombo sentido de algumas considera-
brasileiro Gregório de Matos. ções tradicionais sobre o
Autor de uma obra e senhor de nos so co mpo rta mento, no
uma personalidade, que podem Brasil de hoje. Mapeiem-se
ser consideradas pontos de alguns exemplos:
partida, na busca de nomes
outros que nos deram a A competição e n t r e os
identidade de brasileiros, o brasileiros da pequena classe
poeta satlrico baiano é sempre média, c onf un t am en t e com o
atual. proletariado, r a c i a l m e n t e
Ao longo de 256 páginas, é mt sturado, e os b u roc r at a s e
elegante, às vezes polémico, trabalhadores portugueses qlle
sempre séria porém, a maneira roub-avam aos brasileiros natos
pela qual o Professor de o p a r t u n i d a d e s de t r a b a lh o ,
Literatura Brasileira da Brown c u l m t n o u em rebeliões em
University, Estados Unidos da várias cidades (p.42).
América do Norte, interpreta
questões extremamente deli- o receio o c u l t o de ser
cadas como, por exemplo, o violado, roubado e defraudado
ressentimento entre Brasil e dos seus recursos por estran-
Portugal. geiros existe a in da h o] e no
A partir da "Introdução": Brasil (p.55).

É ( ... ) nosso o b j e t iv o Tais invectivas contra os


estudar a imagem que cada pais p o r t u g u e s e s alimentaram à
mantém do o u t r o a fim de medida q u e o nacionalismo
descrever o verdadeiro c arâter brasileiros g a n h a v a mais
desta imagem e relacioná-lo ardor. Ainda h o j e existem
com a realidade sócio cultura! veementes p at m i c a s e n t r e
ê

(p.21). p o r t u g u e s e s e brasileiros
Este estudo ( ... ) abordará acerca da allsência da
o tema essenetalmente através Imprensa e da politica de
da Lt t e r ot u ra, mas tnc lu t rã censura durante a era colonial
também observações e (p.60).
interpretações históricas e
sociológicas para complemen- Numa palavra, as reflexões
tar e apoiar a exposição acima revelam-se extrema-
literária (p.21-22). mente bem-vindas nas discus-

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sões em torno do luso-brasílei- Jorge Amado, "o maior repre-


rianismo (há, teria havido, de sentante atual do romance
fato, uma comunidade luso- brasileiro" (p.227), e Eça de
brasileira?) e da emigração Queirós, "a maior figura
(veja-se o desgastante e literária portuguesa do século
degradante caso dos dentistas XIX" (p.89). Não julgo cultura/-
brasileiros em Portugal). Na mente correto tentar provar
nossa contemporaneidade, que tais juizos talvez não
este é, sem dúvida, o capitulo sejam "verdadeiros" ... O que
mais doloroso. Por isso, até as creio digno de consideração,
piadas recIprocas entre "os porém, é que as afirmações-
povos irmãos" merecem um quase-epltetos sobre o roman-
tratamento sério e apropriado cista brasileiro e português
(cf. p.216). repetem o lugar-comum, para
Particularmente ótimas muitos, decididamente, incon-
parecem-me as reflexões testável. Com toda a certeza,
acerca da obra do múltiplo de acordo com esta pers-
Mário de Andrade (p.210); a pectiva, a questão tem se
conclusão de que, por meio de mostrado bastante incômoda,
Farpas, de Eça de Queirós, pois há outros valores, como
podlamos criticar, com mais Graciliano Ramos e Camilo
talento, os portugueses (p.95); Castelo Branco, por exemplo,
a visão irônica a respeito que padecem desse "efeito"
daquele romantismo, em que o genialidade Amado-Eça de
"vulgar sabiá meladamente Queirós. Dentro de outro
gorjeia enquanto padres e contexto e com outro sentido, é
Indios entram e saem da justo assinalar, problema
floresta brasileira, como se equivalente adviria das
esta fosse o café local" (p.97). reminiscências brasileiras de
Sobre a questão indlgena, Miguel Torga acerca do falar
aliás, são muito pertinentes as errado dos povos americanos
revelações sobre a "impli- (p.163). A partir de que norma
cância" de Jorge de Sena se expressa tal juizo sobre o
(motivada pela hilariante que, mais apropriadamente,
discussão, durante o batismo, denominar-se-ia diferença?
em torno do nome do seu filho Manuel Bandeira, como se
brasileiro, Nuno) com adoção pode ler na página 206, no já
dos nomes de Indios. Afinal, célebre "Evocação do Recife",
são os nomes (outros e aborda, com mais propriedade
mesmos) que estão na razão e sabedoria, a questão do
dos desacordos levantados "dilema cultural" certo/errado
pelo acordo ortográfico (I): que entre o português do Brasil e o
o A., sem partidarismos afoitos de Portugal.
ou comodismos cautelosos, Talvez merecesse uma
focaliza sensatamente (ct. revisão no importante
p.137). Capitulo VII, "A imagem de
Por outro lado, parecem-me Portugal na literatura brasileira
polêmicas afirmações como: moderna" - a consideração de

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que, em Angústia, de novo se MAGALHÃES, Joaquim


repetem as velhas caricaturas
contra o português emigrante. Manuel. Uma luz com toldo
Não haveria, contudo, no vermelho. Lisboa: Editorial
romance de Graciliano Ramos, Presença, 1990, 101p.
um ponto de vista em que os
personagens, de uma maneira
Muitas vezes não são
geral, são apresentados atra- pródigas as palavras a respeito
vés de uma ótica crftica, cruel- de um poeta que se admira. (O
mente mordaz, que. em suma, leitor atento de Joaquim
pouco ou nada acrescentaria Manuel Magalhães terá
ao Capitulo do. infelizmente, percebido a alusão intencional
atuallssimo ressentimento à nota introdutória de Um
entre Brasil e Portugal (cf. p. pouco da morte, 1989, em que
215)1 este poeta critico percorre a
Para concluir. um ponto a
poesia portuguesa desde 191.0
repensar da argumentação de - de Antonio Patrlcio e Antonio
Nelson Vieira - porque, na Botto - até a contempora-
verdade, ele não o aplica no neidade dos anos 80 - João
livro - pode estar na página Miguel Fernandes Jorge,
221: Antonio Franco Alexandre,
Paulo Teixeira e outros. Em
É Importante assinalar qlle continuidade, aliás, ao per-
não vamos frisar os méritos curso realizado pelos ensaios
formais e literários das obras de Os dois crepúsculos, de
destes escritos. Interessa-nos 1981. Por ora, como proposta
mais a temática, no que disser slntese desse imenso projeto
respeito ao tratamento e à critico, assinalem-se suas
apresentação de fig liras e reiteradas considerações a
costumes portugueses. respeito da poesia como o
espaço mais alto da produção
Questiono esta declaração, estética em Portugal nos dias
pois ela confunde a pers- que correm.) Diante de autores
pectiva segura com que o A. que dão prazer ler - dizia - vez
aborda o tema proposto no por outra certa frieza toma
livro ou seja, a análise da conta do que se denomina
imag~m recIproca entre Brasil cérebro. adiando a breve
e Portugal, dentro de rlgidos apresentação que um dia se
padrões literários em diálogo impõe.
com o histórico. é sempre um risco falar a
No fundo, as questões que respeito do autor de versos
levanto confirmam a certeza de como estes de Vestfgios
ser a vocação para o diálogo (1977):
traço admirável no perfil
intelectual de Nelson Vieira. Trabalharão com as
Jorge Fernandes da Silveira palavras que lhes deixas.
Perguntarão pelos sentidos.

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