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Comentário da Lição da Escola Sabatina – 1º Trimestre de 2020

Tema Geral: Daniel


Lição 10 – 29 de fevereiro a 7 de março

Da confissão à consolação

Autor: Marcelo Rezende


Editor: André Oliveira Santos
Revisora: Josiéli Nóbrega

O capítulo 9 de Daniel é chamado de “joia da coroa das profecias do Antigo Testamento”,


sendo considerado por Isaac Newton como “a pedra fundamental da religião cristã”. Esse
capítulo apresenta uma das profecias mais fantásticas de toda a Bíblia, que
frequentemente é utilizada como prova da inspiração do livro sagrado pela sua precisão
na cronologia, confirmada pelo seu cumprimento. Daniel 9 também é um exemplo do
relacionamento intrínseco entre as promessas das profecias clássicas e seu cumprimento
na profecia apocalíptica.

Daniel inicia o texto descrevendo sua aflição diante de um aparente choque de


interpretação entre o cumprimento da profecia dos 70 anos do exílio babilônico feita por
Jeremias (Jr 25:11; 29:10) e o conteúdo da visão de tempo (mar‘eh) apresentada em
Daniel 8:13,14, que parecia indicar a continuação do exílio e a extensão do seu quadro de
destruição até “dias ainda mui distantes” (Dn 8:26). Daniel busca a compreensão do
assunto nas Escrituras e no livro de Jeremias, e seu estudo o leva a buscar a Deus em
oração. Sua oração, registrada em Daniel 9:4-19, está repleta de referências bíblicas,
principalmente de Levítico 26:40-45 e Deuteronômio 30:1-10. Esses textos profetizam o
exílio como uma maldição da aliança, que recairia sobre o povo como resultado da quebra
de seu compromisso com Deus, mas também garantiam que se o povo, mesmo habitando
ainda na terra do seu exílio, se humilhasse em arrependimento e buscasse ao Senhor, seria
novamente reunido, retornaria à terra de Israel e teria a aliança renovada de forma muito
mais profunda, tendo seus “corações circuncidados” por Deus (Dt 30:7). O texto do livro
de Jeremias determina profeticamente o tempo do exílio em 70 anos e descreve, nos
capítulos 30 a 33, o processo de restauração a ser realizado por Deus. Ele chama esse
processo de “boa palavra” de Deus para com Israel (Jr 29:10), envolvendo a restauração
em três níveis: no povo (Jr 30:4, 10-11; 31:31-34; 32:38-42; 33:14,16, 25,26), na cidade
de Jerusalém (Jr 30:18; 31:38-40; 32:43,44; 33:4-13) e na obra do Messias (Jr 30:9, 21;
33:15, 17, 21, 22, 26). A base para o cumprimento de todas essas promessas seria a morte
sacrifical do Messias: “O seu príncipe procederá deles, do meio deles sairá o que há de
reinar; Eu o sacrificarei e então será possível aproximar-se de mim, pois quem de si
mesmo ousaria aproximar-se de mim? – diz o Senhor” (Jr 30:21). Certificando-se da “boa
palavra” prometida no livro de Jeremias (o texto hebraico diz literalmente “a palavra que
o Senhor falara ao profeta Jeremias”, em Dn 9:2), Daniel busca a Deus em oração
intercedendo pelo seu povo, pela cidade e pelo templo destruído em Jerusalém. Como
resposta a essa oração, Deus envia Gabriel (o mesmo anjo de Daniel 8:16) para explicar
ao profeta como a “boa palavra” de restauração seria cumprida. Portanto, a profecia das
70 semanas possui uma mensagem de esperança para Daniel e seu povo, não é um tipo
de ultimato dado por Deus a Israel, como frequentemente é considerada; antes, é a
confirmação da fidelidade de Deus à Suas promessas. O anjo Gabriel se manifesta por
volta das três horas da tarde, o horário do sacrifício oferecido no templo (Dn 9:21),
curiosamente o mesmo horário da morte do Messias (Mt 27:46; Mc 15:34), para fazer
Daniel considerar a “palavra” (não a “coisa”, como vemos em algumas traduções) e
entender a visão (mar‘eh) dos 2300 anos que não haviam sido compreendidas no capítulo
anterior, gerando o conflito de interpretação para Daniel.

Em Daniel 9:24-27, vemos que as ações divinas recaem sobre o povo, sobre a cidade e
sobre o Messias, conforme profetizado por Jeremias. Por isso, a promessa de “selar a
visão [hazon – cumprimento total do capítulo 8] e o “profeta”, refere-se à Jeremias e à
sua promessa de restauração (Dn 9:24). Setenta semanas de anos são prometidas como
separadas (hatah, literalmente, “cortadas”) do período maior dos 2300 anos, tendo início
em 457 a.C. com o decreto de restauração de Jerusalém promulgado pelo rei persa
Artaxerxes (Ed 7:1, 8 e 13). Depois de 483 anos desde a saída do decreto e da restauração
da cidade (Dn 9:25: 7 semanas + 62 semanas = 49 anos + 434 anos), o “Messias Príncipe”
surgiria e seria oferecido por Deus em sacrifício (Dn 9:25//Jr 30:21). Daniel 9:26 diz que
o Messias seria “morto” (o verbo karat, usado aqui, apresenta uma forma passiva que
apresenta Deus como o sujeito oculto da ação, além de ser usado para representar um tipo
de morte violenta) e seria abandonado por todos, “já não [estaria]” (em hebraico diz eyn
lo, literalmente, “ninguém por ele”). Sua morte aconteceria três anos e meio depois de
Seu aparecimento público (na metade da última semana de anos), e por meio dela o
Messias confirmaria a aliança de Deus não apenas com os judeus, mas com muitos,
incluindo nela também os povos estrangeiros (Mt 26:28), anulando a validade dos
sacrifícios de animais que eram oferecidos no templo (Dn 9:27). Após Sua morte, a cidade
seria novamente destruída, desta vez pelos romanos, e outros cenários de guerras e
conflitos aconteceriam na História até que a destruição profetizada no fim recaísse sobre
esse poder (Dn 9:27). O texto hebraico, que apresenta uma certa confusão entre os
personagens e acontecimentos da profecia em nossas Bíblias, mostra uma perfeita ordem
e clareza quando separamos os acontecimentos relacionados ao Messias, com suas ações
sempre estipuladas pela contagem do tempo das “semanas”, e as expressões relacionadas
à restauração da cidade:

A1 A vinda do Messias: 7 semanas + 62 semanas (Dn 9:25)

B1 Reconstrução da cidade (Dn 9:25)

A2 A morte do Messias: Ele seria “cortado” após as 62 semanas (Dn 9:26)

B2 Destruição da cidade: pelo povo de um príncipe (romanos) que há de vir; desolações


determinadas (Dn 9:26)

A3 A aliança do Messias: Ele fortaleceria a aliança com muitos na metade da última


semana e daria fim ao sistema de sacrifícios (Dn 9:27)

B3 Desolação da cidade: o desolador vindo nas asas da abominação; destruição


determinada sobre esse poder (Dn 9:27)
A profecia traz uma nota positiva em seu término porque os 490 anos se encerram em 34
d.C., ano em que Estêvão foi morto, mas também o ano da conversão de Paulo e do início
da pregação do evangelho aos gentios. Dessa forma, Deus realizaria a consumação da
justiça eterna, o perdão dos pecados do Seu povo e iniciaria o novo ministério sacerdotal
do Messias no santuário celestial (“ungir o Santo dos Santos” – expressão aqui usada para
referir-se à inauguração do santuário, como ocorreu em Ex 40:9-15) em prol de toda a
humanidade. Partindo da profecia de Dn 9:24-27, temos em 1844 o término dos 2.300
anos e o início da última fase do ministério sacerdotal de Jesus no santuário: o julgamento
de Dn 7:10, que corresponde à “purificação do santuário” de Dn 8:14. Essa interpretação
das setenta semanas de Dn 9:24-27 é comprovada por diversos textos do Novo
Testamento que fazem menção a esse texto: Gabriel (o mesmo anjo da profecia de Daniel)
é o anjo encarregado de anunciar o nascimento do Messias (Lc 1:26-38); o “tempo
cumprido” (referência aos 483 anos) para a chegada do Messias (Mc 1:15); a morte de
Jesus como a ratificação da “aliança com muitos” (Mt 26:28); Roma como o “abominável
da desolação” e responsável pela destruição de Jerusalém em 70 d.C. (Mt 24:15).

Conheça o autor dos comentários para este trimestre:

Atualmente, Marcelo Rezende é pastor do distrito de São Carlos, na Associação Paulista


Oeste. Há 20 anos é pastor e tem servido a igreja em diversas funções ministeriais. Possui
mestrado em teologia bíblica com ênfase em teologia paulina pelo Unasp-Engenheiro
Coelho. É casado com Simone Ramos Rezende e juntos têm dois filhos: Sarah (que
nasceu em um dia 22 de outubro – os que estudarem a lição de Daniel entenderão!), e o
caçula Daniel (o mesmo nome do profeta!).

1 Desmond Ford, Dny‘l (Daniel), p. 198.


2 Para um estudo mais detalhado sobre esse assunto, leia o artigo escrito por Reinaldo
Siqueira, A profecia apocalíptica como chave hermenêutica para a interpretação da
profecia clássica do AT: um estudo em Isaías, Jeremias, Daniel e Apocalipse, publicado
em O futuro: a visão adventista dos últimos acontecimentos, p. 85-101.
3 Essa tradução é proposta por Reinaldo Siqueira com base na compreensão da palavra
hebraica “hikriv”, que pode ser traduzida como aproximar, sacrificar. Em Lv 1-6, a raíz
desse verbo é usada diversas vezes para referir-se às ofertas sacrificais, e em Lv 21:21,
vemos explícita a ideia de aproximar-se de Deus por meio de um sacrifício oferecido.
4 Jacques Doukhan, The mistery of Israel, p. 57.
5 William Shea, a profecia de Daniel 9:24-27 em setentas semanas: Levítico e a natureza
da profecia, p. 70, 71.

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