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Câmpus de Presidente Prudente

Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado)


Convênio: UNESP/INCRA/Pronera
Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes

PROCESSOS ORGANIZATIVOS NOS ASSENTAMENTOS


DE REFORMA AGRÁRIA IRENO ALVES DOS SANTOS E
MARCOS FREIRE (RIO BONITO DO IGUAÇU – PR)

LISANE CARVALHO

Monografia apresentada ao Curso Especial de


Graduação em Geografia (Licenciatura e
Bacharelado), do Convênio
UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título
de Licenciado e Bacharel em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Ramon Montenegro
Monitor Hellen Carolina Gomes Mesquita da
Silva

Presidente Prudente
2011
PROCESSOS ORGANIZATIVOS NOS
ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA
IRENO ALVES DOS SANTOS E MARCOS FREIRE
EM RIO BONITO DO IGUAÇU – PR.

LISANE CARVALHO

Trabalho de monografia apresentado ao Conselho


do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e
Tecnologia, campus de Presidente Prudente da
Universidade Estadual Paulista, para obtenção do
título de licenciado e Bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Bernardo Mançano


Fernandes

Monitor: Hellen Carolina Gomes Mesquita da


Silva

Presidente Prudente
2011
Lisane Carvalho

PROCESSOS ORGANIZATIVOS NOS


ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA
IRENO ALVES DOS SANTOS E MARCOS FREIRE
EM RIO BONITO DO IGUAÇU – PR.

Monografia apresentada como pré-requisito para


obtenção do título de Bacharel em Geografia da
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita
Filho”, submetida à aprovação da banca
examinadora composta pelos seguintes membros:

Presidente Prudente, novembro de 2011


Este trabalho é dedicado ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, que vem ao longo
da história sendo construtor de um novo modelo de
sociedade, mais igualitária, mais digna, um modelo
de sociedade que eu também acho possível, com
muita luta e organização.
AGRADECIMENTOS

Agradeço às muitas pessoas que contribuíram para que o trabalho se tornasse possível.
Aos meus pais, Elvandir Carvalho e Jacy Pereira Nunes Carvalho, que sempre com seu
amor incondicional, me ajudaram, incentivaram e me ensinaram a vencer as afrontas da
vida cotidiana e me mostraram o caminho a seguir. Amo vocês!
Ao meu irmão Marcos Carvalho, minha cunhada, Andressa L. Carvalho, e ao meu lindo
sobrinho, João Pedro L. Carvalho, que só com um sorriso, me dava força pra enfrentar o
mundo. A tia te ama! À minha irmã, Elaine Carvalho Ródio, ao meu cunhado, Igor
Michel Ródio, e ao doce anjo que está para chegar, Heloise Carvalho Ródio,
princesinha da tia, que já irradia a alegria da vida. Obrigado meus amores, pelo total
companheirismo, apoio e força, à vocês dedico o meu mais puro e verdadeiro amor.
À turma Milton Santos, pelos anos de convívio e aprendizado, com certeza, é graças a
vocês que sou uma pessoa melhor.
Aos meus amigos que sempre me ajudaram, com seu companheirismo, apoio, e leal
amizade, vocês são partes fundamentais da minha vida. Em especial, Greti, Ronimárcia,
Andriara, Josene, Mariana, Daiane, Nilcéia, Lúcia, Gilberto (Giba). Amo todos vocês!
Ao meu orientador, Jorge Montenegro, pela sua grande contribuição nesse trabalho,
obrigado por compreender meus limites e por me ajudar a superá-los.
Às minhas monitoras, Liciane e Hellen, pela disponibilidade em me ajudar, pelo
carinho, apoio e construção desse trabalho. Valeu!
À UNESP de Presidente Prudente e a todos que fazem parte dessa instituição.
À ENFF- Escola Nacional Florestan Fernandes, obrigado a todos, pelo carinho e apoio e
por fazerem parte desse sonho em construção. “Contra a intolerância dos ricos, a
intransigência dos pobres.”
A todas as famílias assentadas no Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire, por fazerem
parte desse processo em construção.
A todos os professores que passaram pela turma Milton Santos, deixado suas marcas e
sempre nós incentivando na busca do conhecimento. Vocês com certeza são parte deste
trabalho!
Enfim, obrigado a todos e a todas que contribuíram de uma forma ou de outra para a
realização desse trabalho.
“Quando penso na elaboração de um
projeto alternativo, penso que ele é
elaborado em múltiplas dimensões: na
dimensão teórico-conceitual, na
dimensão da experiência prática, na
dimensão da luta política, na dimensão
da organização partidária, da
organização sindical, organização
associativa”.

(Carlos Vainer).
RESUMO

Esse estudo refere-se à trajetória de luta que trabalhadores sem terra enfrentaram
no município de Rio Bonito do Iguaçu-PR, destacando como aconteceu esta luta até
chegarem a seu objetivo, que é a formação dos assentamentos Ireno Alves dos Santos e
Marcos Freire. Para explanar sobre o tema foi necessário pesquisar o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terras (MST) que deu base à organização dessa luta. Em um
segundo momento, investigou-se como se originou o acampamento que deu lugar
depois aos assentamentos citados, analisando como se deu a organização das famílias,
onde residiam, a entrada na Fazenda Giacometi-Marondin, como era a incorporação das
famílias ao acampamento por cadastros e através de sindicatos, e a historia de luta,
dificuldades e necessidade até conseguirem o tão esperado sonho da conquista da terra.
Para entender como se deu esse processo de luta também foi necessário entender a luta
pela reforma agrária no território nacional e no território paranaense para chegar ao
objetivo principal: a luta pela reforma agrária no Município de Rio Bonito do Iguaçu.
Outra questão de suma importância nesse trabalho se refere à proposta de reforma
agrária necessária do MST, justamente por esses assentamentos serem base da luta e
organização desse movimento que luta não só pela terra, mas também pela permanência
na terra.
As intenções que permearam essa análise foram direcionadas a compreender a
trajetória histórica que se deu nesses assentamentos desde o acampamento,no sentido de
entender a constituição de sua estrutura organizativa, processo em permanente
construção, mas que reflete os rumos da reforma agrária para além da conquista da terra.
Para tanto, tentando entender esses processos em sua vinculação ou não às propostas de
organização do MST, analisamos as contradições que se deram no caso da primeira
experiência organizativa do assentamento, a COAGRI, e as alternativas recentes
centradas nas associações comunitárias, CACIA (Central das Associações Comunitárias
do Assentamento Ireno Alves dos Santos) e ACAMF (Associação Comunitária do
Assentamento Marcos Freire).

Palavras-chave: Reforma Agrária; Assentamentos; Luta pela Terra; Movimento dos


Trabalhadores Sem Terra, Formas de organização.
ABSTRACT
This study refers to the path that landless workers faced in Rio Bonito do Iguaçu-
PR, highlighting as it did this fight to reach your goal, which is the formation of
settlements Ireno Alves dos Santos and Marcos Freire. To expound upon the subject
was necessary to research the Movement of Landless Rural Workers (MST), which
provided the basis for organization of this struggle. In a second step, we investigated
how it originated in the camp BR 158, which took place after the settlements mentioned
above, since the organization of families, where they lived, the inclusion of families at
the camp records and by unions, the implementation of even in the Farm-Marondin
Giacometti, and the history of struggle, difficulties and their need to achieve the long-
awaited dream of conquering the land. To understand how did this process of struggle
was also necessary to understand the struggle for agrarian reform in the national
territory and the territory of Paraná to reach the goal: the struggle for agrarian reform in
the municipality of Rio Bonito do Iguaçu.
Another major issue in this work refers to the proposed MST agrarian reform
necessary, precisely because these settlements are based on the struggle and
organization of this movement that struggles for land and remain on the land.
The intentions that permeated this analysis were to understand the historical
trajectory that took place in these settlements from the camp, the struggle and
resistance, emphasizing the establishment of its organizational structure, its processes of
permanent construction, but making a cropping spatial and temporal, how these
processes are broken links and proposals from organizations in the MST, the
contradictions that occurred in the case of COAGRI and the emergence of new
alternatives and feasibility for the settlements in the central community associations,
CACIA (Central community associations of the settlement Ireno Alves dos Santos), and
ACAMF (Community Association of the settlement Marcos Freire). As a new
organization experience within the settlements, Ireno Alves dos Santos and Marcos
Freire.

Keywords: Agrarian Reform, Settlements, Struggle for the Land, the Landless Workers
Movement-MST.
LISTA DE FIGURAS

Figura 01 Rio Bonito do Iguaçu dentro do Território da Cantuquiriguaçu 13

A marcha de uma coluna humana – Sebastião Salgado (Ocupação


Figura 02 15
da Fazenda Giacometi – Morondin, 17/04/1996)

Localização da área de estudo: Paraná, Território da


Figura 03 Cantuquiriguaçu e os assentamentos I. A. S e M. F, dentro do 36
município de Rio Bonito do Iguaçu
Localização dos assentamentos I. A. S e M. F dentro do município
Figura 04 53
de Rio Bonito do Iguaçu, área de estudo

Escritório da CACIA, no antigo prédio onde funcionava a


Figura 05 66
COAGRI

Centro comunitário construído na comunidade do Centro Novo, no


Figura 06 69
Assentamento Marcos Freire

LISTA DE TABELAS
Tabela 01 Ocupações de terra no Brasil – (1995-2010) 22

Nº de ocupações e assentamentos no Brasil nos governos FHC


Tabela 02 24
e Lula – (1995-2010)

Nº de ocupações e assentamentos no estado do Paraná nos


Tabela 03 30
governos FHC e Lula – (1995-2010)

LISTA DE QUADROS

Ordem decrescente de prioridade dos projetos pelos assentados


Quadro 01 57
(obtidas mediante a aplicação da técnica eleição de prioridades)
Projetos eleitos como prioritários para execução com recursos
Quadro 02 59
do PAC

LISTA DE IMAGENS

Imagem 01 Símbolo da CACIA 65


Imagem 02 Símbolo da ACAMF 67
LISTA DE SIGLAS

ABRA Associação Brasileira de Reforma Agrária


ACAMF Associação Central do Assentamento Marcos Freire
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
Central de Associações Comunitárias do Assentamento Ireno Alves
CACIA
dos Santos
CCA Central Cooperativa dos Assentados
Centro de Desenvolvimento Sustentável Agropecuário de Educação e
CEAGRO
Capacitação em Agroecologia e Meio Ambiente
CIMI Conselho Indígena Missionário
CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPPS Cooperativas de Produção e Prestação de Serviços
CPA Cooperativas de Produção Agropecuária
CPSs Cooperativa de Prestação de Serviços
CREDTAR Cooperativa de Crédito
CPAs Cooperativas de Produção Agropecuária
CPT Comissão Pastoral da Terra
CUT Central Única dos Trabalhadores
EMATER Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural
FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
GETSOP Grupo Executivo de Terras do Sudoeste do Paraná
I.A.S Assentamento Ireno Alves dos Santos
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MAST Movimento dos Agricultores Sem Terra
MASTRO Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná
MASTEN Movimento dos Agricultores Sem Terra do Norte do Paraná
MASTES Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste do Paraná
M.F Assentamento Marcos Freire
MLST Movimento de Libertação dos Sem Terra
MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
PAs Projeto de assentamentos
PAC Plano de Aceleração ao Crescimento
PCA Plano de Consolidação do Assentamento
PIPMO Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra Industrial
PROCERA Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária
PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
R.B.I Rio Bonito do Iguaçu
SCA Sistema Cooperativista dos Assentados
STRs Sindicato dos Trabalhadores Rurais
UDR União Democrática Ruralista
Sumário

INTRODUÇÃO 13

CAPÍTULO 1: O MST E A LUTA PELA TERRA 19

1.1 – A LUTA PELA TERRA NO TERRITORIO BRASILEIRO 21


1.2 - A LUTA PELA TERRA NO CAMPO PARANENSE 25
1.3 - A PROPOSTA DE REFORMA AGRÁRIA DO MST 31

CAPÍTULO 2: TRAJETÓRIA DE LUTA DOS ASSENTAMENTOS IRENO ALVES


DOS SANTOS E MARCOS FREIRE 36
2.1 – A FORMAÇÃO DE UM ESPAÇO DE LUTA E RESISTÊNCIA 38
2.2 – TRAHETÓRIA DO ACAMPAMENTO 39
2.3 – COOPERAÇÃO NO MST: O CASO DA COAGRI 42

CAPÍTULO 3: ORGANIZAÇÃO ATUAL DOS ASSENTAMENTOS IRENO ALVES


DOS SANTOS E MARCOS FREIRE 52

3.1 – A ORGANIZAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS IRENO ALVES DOS 56


SANTOS E MARCOS
3.2 – CENTRAL DAS ASSOCIAÇÕES COMUNITARIAS DO ASSENTAMENTO
IRENO ALVES DOS SANTOS (CACIA) E ASSOCIAÇÃO CENTRAL DO
ASSENTAMENTO MARCOS FREIRE (ACAMF): ALGUNS
APONTAMENTOS 65

CONCLUSÃO 72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 74
INTRODUÇÃO

Escolhi pesquisar o processo de formação e consolidação dos projetos de


Assentamento Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire do Município de Rio Bonito do
Iguaçu-PR por fazer parte da minha história e da minha família, que lutou pela terra e
continua lutando pela permanência na terra.
O município de Rio Bonito do Iguaçu, foi criado no dia 19 de março de
1992 quando é assinada a Lei Estadual nº. 9.907, instituindo o até então distrito de Rio
Bonito como município, desmembrado de Laranjeiras do Sul, na região Centro-Oeste do
Estado do Paraná,. “Rio Bonito do Iguaçu”, por ser banhado em grande parte pelas
águas do Rio Iguaçu. Atualmente o município pertence ao Território da Cidadania
Cantuquiriguaçu, conforme exposto na figura 01, (PREFEITURA MUNICIPAL DE
RIO BONITO DO IGUAÇU, 2002).

Figura 01: Rio Bonito do Iguaçu dentro do Território da Cantuquiriguaçu.

FONTE: Prefeitura Municipal de Rio Bonito do Iguaçu – PR, 2010.

13
Rio Bonito do Iguaçu, com uma área de 746,123 km2 de extensão e uma
população de 13.661(IBGE, 2010), tem sua economia baseada na agricultura e na
pecuária. Na região, a maioria das propriedades são de pequeno e médio porte. A
atividade econômica do setor primário tem predominância da cultura do milho que
representa 86% da área total de lavoura temporária. Além do milho, a soja e a madeira
em tora são os principais produtos agro-silvo-pastoris, e atualmente a atividade que vem
ganhando destaque é a produção leiteira, por ser essa uma pratica que gera renda mensal
para as famílias de agricultores. (PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO BONITO DO
IGUAÇU, 2002).
Mas, além da data de criação, outra data será fundamental para compreender
o que hoje é o município de Rio Bonito de Iguaçu. No ano de 1996, o município passa
por uma grande transformação com a chegada de 3.000 famílias aproximadamente que
se integraram ao Movimento doa Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e que aqui
permaneceram acampadas, passando por muitas dificuldades até conseguirem formar os
dois grandes assentamentos: Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire. Esses
assentamentos, hoje já se encontram organizados e com 1.538 famílias produzindo e
gerando impactos diretos e indiretos nas dinâmicas, econômicas, políticas e sociais do
município e da região. Este trabalho tem por objetivo resgatar o processo da historia da
luta pela terra, e sobre tudo numa perspectiva de analise de como se deu o processo
organizativo durante esse percurso, chegando a como esses assentamentos estão hoje
organizados.

14
15
Para entender os processos que desencadearam a formação dos dois projetos de
assentamentos de reforma agrária atuais em análise, foi necessário estudar como se
deram os embates da luta pela terra, desde seu contexto histórico-nacional, que se inicia
a partir da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Até o surgimento do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que nasceu em um processo de enfrentamento
e resistência contra a política de desenvolvimento agropecuário implantada durante o
regime militar.
Sabendo que a historia desses dois assentamentos citados é mais um processo
de organização do Movimento Sem Terra (MST), foi feito um resgate da trajetória desse
Movimento.
No Brasil, a questão agrária sempre foi um problema constante e
repetitivo. A promessa da realização da reforma agrária pelo Estado é
repetida a cada governo. O prolongamento dessa questão constitui-se
no emperramento da modernização da agropecuária, determinado por
diferentes formas do histórico controle político ajustado pelo Estado e
pelos latifundiários. É uma questão estrutural e o arranjo desse enorme
problema nacional mantém-se firme, quase inabalável.
(FERNANDES, 1998, p.48)

O recorte temporal que me propus a fazer na pesquisa é a partir do ano de 1996


quando entorno de 12 mil pessoas organizadas pelo MST acamparam nas proximidades
da BR 158, a 200 m de distância do rio Xagú e cerca de 5 km da sede do município de
Rio Bonito do Iguaçu. Essas famílias não pensando nas dificuldades que enfrentariam,
mas com metas precisas e muita coragem, vieram a formar os Assentamentos Ireno
Alves dos Santos e Marcos Freire. Começando assim uma nova etapa na história e
construção de Rio Bonito do Iguaçu, um pequeno município, que até a noite do dia 16
de abril de 1996 contava com 6.000 habitantes e na manhã seguinte, dia 17 de abril,
com aproximadamente 18.000 habitantes.
Essa pesquisa também tem o intuito de estar contribuindo tanto com o registro
das histórias de luta pela terra que abundam no campo brasileiro, como com a
contribuição dos debates no meio acadêmico de mais uma experiência contida dentro
dos assentamentos de reforma agrária. De acordo com o Relatório de Impactos Sócio-
Territoriais- 2006

16
Desde a década de 90, as pesquisas sobre assentamentos de reforma
agrária têm se multiplicado, contribuindo com melhores compreensões
dessa nova realidade de criação e recriação do campesinato e, ao
mesmo tempo, de reflexão sobre teorias, métodos, metodologias e
técnicas de pesquisa. Em duas décadas, diversas teses, dissertações,
monografias, relatórios, livros e artigos foram elaborados e publicados
possibilitando diferentes e amplas visões das distintas realidades dos
assentamentos de reforma agrária. Estas obras abriram novos espaços
para debates e construções de perspectivas de novos procedimentos
para maior aprofundamento nas pesquisas e nos estudos de
assentamentos. (RIST, 2006)

A oportunidade desses estudos se justifica em função do aprofundamento das


desigualdades sociais em todo o país causadas pelo fortalecimento de um projeto
hegemônico de sociedade conduzida pela elite dirigente, com conflitos e contradições. A
existência de trabalhadores rurais sem terra é resultado de um processo secular de
injustiça social e a não realização da reforma agrária, representa a manutenção de um
capitalismo arcaico no campo. O grande problema no Brasil não é o de fazer uma
reforma agrária redistributiva, em que a ênfase seria a divisão da terra e o aumento do
número de proprietários rurais, mas sim a garantia da permanência na terra pelo resgate
e manutenção dos valores camponeses, oferecendo uma oportunidade a esses
camponeses que hoje são excluídos e massacrados pelas forças capitalistas atuantes no
campo. Nesse sentido para resolver problemas econômicos, pouco adianta o governo
redistribuir as terras improdutivas e não dar assistência para que nela se produza. A
questão fundamental colocada por José de Souza Martins é a de que é necessário mexer
no direito de propriedade para mexer na existência das oligarquias, pois a terra é a fonte
de poder econômico e do poder político que elas têm ainda hoje. (Martins, 1993, p. 91).
Para o desenvolvimento dessa pesquisa apliquei metodologias que me
proporcionaram maior clareza e compreensão dos fatos registrados, sendo elas a
pesquisa quantitativa e a qualitativa, não apenas levando em consideração as
interpretações de dados, mas também dos fenômenos, caracterizando os agentes
envolvidos (assentados e lideranças assentadas). O estudo se completa com uma análise
mais focada nas associações comunitárias dos assentamentos: CACIA (Central das
Associações Comunitárias do Assentamento Ireno Alves dos Santos), e ACAMF
(Associação Comunitária do Assentamento Marcos Freire). Como uma nova
experiência de organização dentro dos assentamentos estudados.
Como técnica de pesquisa, optei pela entrevista semi-estruturada, que parte de
certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, e que oferece amplo

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campo de interrogativas, junto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que
recebem as respostas do informante (GIL, 1995). Desta maneira, o informante, seguindo
espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco
principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo.
Essas entrevistas foram realizadas com lideranças e demais assentados que participaram
de todo o processo de formação dos assentamentos e que residem nos assentamentos
Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire, fazendo parte desse processo de nascimento e
consolidação dos assentamentos, e que hoje são reconhecidos como munícipes
riobonitenses.
Também foram utilizados documentos, reportagens, artigos e livros que
explicitassem a situação que viveram as mais de três mil famílias que se instalaram no
acampamento na BR 158, no local que ficou conhecido como “Buraco”, no ano de
1996, e também que retratasse a atual situação das famílias assentadas.
Estas abordagens metodológicas nos permitiram uma aproximação da situação
da época e poder comparar com os dias atuais, demonstrando com maior clareza a
situação pela qual passaram as famílias acampadas e pela qual as 1538 famílias hoje
assentadas passam, suas lutas, desafios e dificuldades atuais para se manter na terra e
dela tirar o seu sustento.
A presente monografia está estruturada em três capítulos. No primeiro traz uma
contextualização histórica do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Nesse mesmo capítulo traz um breve histórico da luta pela terra, sendo na esfera da luta
pela terra no âmbito nacional, partindo para o âmbito estadual que é a luta pela terra no
campo paranaense e a proposta de reforma agrária do MST.
No segundo capítulo, trazemos a trajetória de luta dos assentamentos Ireno
Alves dos Santos e Marcos Freire no processo de acampamento e a formação de um
espaço de luta e resistência. Nesse mesmo capítulo, contextualizamos a cooperação
dentro do MST, e em especial o caso da COAGRI (Cooperativa de Trabalhadores
Rurais e Reforma Agrária do Centro-Oeste do Paraná Ltda.).
No terceiro capítulo, retratamos a organização atual dos assentamentos Ireno
Alves dos Santos e Marcos Freire, que vem de um processo de luta pela preservação do
modo de vida camponês, contidas nas experiências das centrais de associações
comunitárias, CACIA e a ACAMF

18
CAPÍTULO 1: O MST E A LUTA PELA TERRA

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) começou a se


constituir no final dos anos 70, inicio dos anos 80, num contexto histórico marcado pelo
inicio da crise do Regime Ditatorial Militar, ocorrido no Brasil entre 1964 e 1985. Nesse
momento, várias lutas localizadas anunciavam o surgimento de um novo movimento de
luta pela terra no Brasil: em Ronda Alta, no Rio Grande do Sul, em setembro de 1979,
110 famílias ocuparam as glebas Macali e Brilhante; em Campo Erê, Santa Catarina, em
1980, ocorre a ocupação da fazenda Burro Branco; no Paraná, mais de 10 mil famílias,
que teriam suas terras inundadas pela construção da barragem de Itaipu, organizavam-se
contra o Estado; em São Paulo, ocorria a luta dos posseiros da fazenda Primavera, nos
municípios de Andradina, Castilho e Nova Independência; no Mato Grosso do Sul, nos
municípios de Naviraí e Glória de Dourados, milhares de trabalhadores rurais
arrendatários lutavam pela permanência na terra (Fernandes, 1998).
Esses movimentos localizados, a partir de uma articulação promovida pela
Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada ao setor progressista da Igreja Católica,
incentivaram vários encontros regionais entre suas lideranças, que desembocaram num
Encontro Nacional ocorrido em janeiro de 1984, em Cascavel, município do oeste do
Paraná, no qual foram elaboradas as diretrizes gerais do Movimento:
1) Que a terra só esteja nas mãos de quem nela trabalha;
2) Lutar por uma sociedade sem exploradores e sem explorados;
3) Ser um movimento de massas, autônomo, dentro do movimento sindical, para
conquistar a reforma agrária;
4) Organizar os trabalhadores rurais na base; estimular a participação dos trabalhadores
rurais nos sindicatos e no partido político;
5) Dedicar-se à formação de lideranças e construir uma direção política dos
trabalhadores;
6) Articular-se com os trabalhadores da cidade e com os camponeses da América
Latina. (Fernandes, 1994).
Mas a articulação do MST como um movimento nacional de luta pela terra,
pela reforma agrária e por mudanças sociais, acontece de fato um ano depois, em janeiro
de 1985, na cidade de Curitiba (PR), o MST realiza seu 1º Congresso Nacional.
(Fernandes, 1994)
Um fator importante nesse histórico é que o MST nasceu sob a experiência do

19
que foram as Ligas Camponesas, o Estatuto da Terra e da CPT e de algumas resistências
camponesas, entre elas, os conflitos messiânicos: a Guerra de Canudos, ocorrida no
interior da Bahia entre os anos de 1893 e 1897; a Guerra do Contestado, ocorrido nas
regiões disputadas pelo Paraná e Santa Catarina, situada entre os rios Negro, Iguaçu,
Uruguai e fronteira com a Argentina, no ano de 1912 e 1916, relativamente próximas da
área de estudo. As iniciativas de organização do MST, após esse primeiro momento de
criação, foram se dando aos poucos, nas diferentes regiões do país, a partir do processo
de espacialização da luta pela terra. Hoje, o MST está organizado em vinte e quatro
estados brasileiros, e são 924.263 famílias até ano de 2010, que conquistaram a terra por
meio da luta1, através da organização no MST e em outros movimentos sociais de luta
pela terra.
O MST acumulou muitas conquistas nesse tempo, uma delas é ter adquirido
um caráter nacional e também internacional pela participação na Via Campesina,
tornando-se referência obrigatória na luta pela reforma agrária e sendo reconhecido pelo
governo federal e governos estaduais como interlocutor representativo das
reivindicações dos trabalhadores rurais sem-terra do país. (Fernandes, 1999).
O MST, como um movimento social que luta pela reforma agrária e por
transformação social, tem como estratégica básica a ocupação de terras improdutivas,
públicas ou particulares, criando um fato político que pressione os órgãos públicos para
negociar e criar assentamentos. No entanto, o MST se constitui como movimento social
que retoma uma dinâmica de luta e resistência históricas, não apenas das últimas
décadas, centradas na questão agrária no Brasil.
Dessa forma, consideramos que o papel histórico do Movimento Sem Terra em
nosso país é enorme, e reflete uma luta social imensa pelos menos favorecidos,
conforme relata Fernandes: “são homens e mulheres da geografia perdida que estão
encontrando a sua historia”2.

1
Disponível em:< http://www.brasilescola.com/sociologia/mst.htm>
2
Informação verbal.

20
1.1-A LUTA PELA TERRA NO TERRITÓRIO NACIONAL

A luta pela terra foi uma ação desenvolvida pelos camponeses para entrar na
terra e resistir contra a expropriação. Essa resistência do campesinato brasileiro é uma
lição admirável, pois em todos os períodos da historia os camponeses lutaram para
conseguir a terra, lutaram contra o cativeiro e consequentemente por sua liberdade, das
mais diferentes formas e sofrendo as mais diferentes humilhações.

O sentido político da luta dos sem-terra não decorre das relações mais
imediatas que eles mantêm, mas está no fato de porem a nu a sua
comum situação de excluídos, devido à estrutura agrária vigente e de
exigirem do Estado medidas que lhes garantam o acesso á propriedade
da terra e a sua reintegração econômica e social como pequeno
proprietário (Grzybowsky, 1991, p. 24).

Há 500 anos, desde a chegada dos colonizadores portugueses, começaram as


lutas contra o cativeiro, contra a exploração e conseqüentemente contra o cativeiro da
terra, contra a expulsão, que marcaram as lutas dos trabalhadores. Junto às lutas dos
povos indígenas, dos escravos e dos trabalhadores livres e, desde o final do século
passado, dos imigrantes, desenvolveram-se também as lutas camponesas pela terra.
Lutas e guerras sem fim contra a expropriação produzida continuamente no
desenvolvimento do capitalismo. (STÉDILE, FERNANDES, 1999).
Neste século XX, a luta pela reforma agrária passou a fazer parte de uma
historia de luta e resistência camponesa, com intensificação da concentração fundiária
como resultado da exploração e das desigualdades geradas pelas políticas inerentes ao
sistema sócio econômico, sendo a reforma agrária uma política para solucionar o
problema fundiário.
A constituição de 1988, especificamente, relata que terras improdutivas
deveriam ser destinadas para fins de reforma agrária, mas não reflete o que de fato
queriam os trabalhadores rurais, ou seja, incluir na Constituição, dispositivos que
inviabilizassem permanentemente a produção do latifúndio, o que provocaria uma
ampla reforma agrária imediatamente, garantiria a legalidade da ação do movimento que
definiu como estratégia oficial de luta as ocupações, forçando o processo de
desapropriação, assentamento e emissão de títulos de posse da terra. (STÉDILE,
FERNANDES, 1999).

21
No Capitulo III da Constituição Federal consta:

Art.184 – Compete á União desapropriar, por interesse social, para


fins de reforma agrária, com clausula de preservação do valor real,
resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua
emissão e cuja utilização será definida em lei.

Nesse sentido, a reforma agrária se constitui em um dos capítulos da


Constituição Federal, sob protesto da bancada ruralista e da UDR (União Democrática
Ruralista) que conseguiram impor emendas ainda mais conservadoras que as do
Estatuto da Terra, privilegiando a concentração fundiária no Brasil. Portanto, o que se
observa é que a questão agrária é um desafio continuo, velho e sempre novo, para os
brasileiros, materializado na continua luta pela terra, que vem acontecendo nos últimos
anos pelo processo de ocupações ligados ao MST e a outros movimentos sociais como
MAST e CONTAG entre outros, (ver Tabela 1, que lutam contra a monopolização da
propriedade fundiária, o desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo no
campo, e a favor da democracia e da preservação e retomada dos valores camponeses.

Tabela 1: Ocupações de terra no Brasil – (1995-2010)


Porcentagem das
Nº de Ocup.
Nº de ocupações do MST sobre
Ano Nº de Famílias Ligadas ao
ocupações o Nº total de ocupações
MST (%)
1995 186 42.746 83 44,62
1996 451 75.115 128 28,38
1997 500 63.110 47 9,40
1998 792 106.481 310 39,14
1999 856 113.909 283 33,06
2000 519 81.640 262 50,48
2001 273 44.927 136 49,82
2002 269 40.146 157 58,36
2003 540 90.008 314 58,15
2004 662 111.447 390 58,91
2005 561 71.884 334 59,54
2006 545 57.868 294 53,94
2007 533 69.484 334 62,66
2008 389 38.827 233 59,90
2009 391 37.075 202 51,66
2010 184 16.936 119 64,67
TOTAL 7651 1.061.603 3626 47,39
Fonte: DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra, 2011.

Centrando mais a análise dessa luta pela terra a partir dos anos 1990, com o
intuito de conhecer como era a conjuntura da mesma no momento em que começam as
mobilizações na região em estudo que data de 1996, vemos na Tabela 1 que de 1995 a
1996 o aumento das ocupações dá um salto expressivo. Neste sentido, percebemos que

22
de 1995 a 1998, no primeiro mandato do governo FHC, a reforma agrária foi encarada
como um instrumento para evitar que os conflitos no campo se tornassem um problema
político, não houve nenhuma preocupação com a concentração fundiária. Um estudo
encomendado pelo governo do IPEA (Órgão do Ministério do Planejamento), em 1996,
mostrou que havia 4,9 milhões de famílias sem terra no país. Com relatos na mídia, o
governo FHC dizia estar fazendo “a maior reforma agrária do mundo”, mas os dados
mostram as disparidades e as contradições, segundo os relatórios de atividades do
INCRA, o governo havia assentado 254.792 . Sendo distribuídas nas regiões da seguinte
forma: 158.383 mil famílias na Amazônia, 58.675 no Nordeste, 11.773 no Sudeste,
11.821 no Sul e 14.140 no Centro-Oeste. Desse total, 30% eram de projetos antigos e
quase 40%, situações de posseiros que foram apenas titulados. Menos de 150 mil dessas
famílias receberam verbas para alimentação, moradia, fomento e investimento, e cerca
de 63% foram assentados na Amazônia, onde existe muita terra disponível e também
muitos posseiros, o que se caracteriza por ser muito fácil transformar posseiros em
assentados. Mas nas regiões Nordeste e Sul, de maior pobreza ou conflitos, foram
apenas 27,5% do total de famílias assentadas no primeiro mandato do Governo FHC.
(MORISSAWA, 2001)
Segundo o relatório da ABRA (Associação Brasileira de Reforma Agrária),
68% dos projetos resumiram-se a ações em projetos antigos, ou seja, o número de novas
famílias assentadas em novos projetos não teria passado de 19.800.
Esse dado nos revela outro aspecto importante da questão: a partir de meados
dos anos 90, mais especificamente do governo de FHC, numa conjuntura política menos
repressiva, as ocupações como instrumento de luta pela terra, deixaram de ser domínio
do MST e passaram a ser utilizadas por outras forças atuantes no campo, algumas
dissidentes do próprio MST. Não obstante a inegável importância do MST nessa forma
de luta, pois ele foi responsável sozinho por quase a metade das ocupações em 1996,
vale ressaltar que o salto quantitativo das ocupações deveu-se, também ao engajamento
de outras forças nesse tipo de luta. O melhor exemplo neste caso, talvez sejam as
ocupações realizadas pela CUT-CONTAG e pelas Federações dos trabalhadores na
Agricultura, em vários pais.

23
Tabela 2: Nº de ocupações e assentamentos no Brasil nos governos FHC e Lula –
(1995-2010)

Número de ocupações e assentamentos no Brasil nos governos FHC e Lula


Nº de Famílias em Nº de Nº de famílias
Ano Nº de ocupações
ocupações assentamentos assentadas
Governo FHC
1995 186 42.746 256 30.365
1996 451 75.115 568 53.990
1997 500 63.110 619 58.777
1998 792 106.481 752 61.214
1999 856 113.909 505 38.753
2000 519 81.640 306 19.080
2001 273 44.927 358 23.412
2002 269 40.146 201 13.540
TOTAL 3846 568.074 3565 299.131
Governo Lula
2003 540 90.008 304 19.496
2004 662 111.447 466 30.721
2005 561 71.884 812 73.882
2006 545 57.868 600 49.889
2007 533 69.484 198 12.577
2008* 389 38.827 219 10.629
2009 391 37.075 167 10.352
2010 184 16.936 41 3.217
TOTAL 3805 493.529 2807 210.763
Fonte: DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra, 2011.
Como afirmávamos, o numero de ocupações ocorrido em 1995 teve um salto
expressivo para o ano de 1996. Em 1995 foram contabilizadas 186 ocupações,
envolvendo 42.746 famílias, já em 1996, passou para 451 ocupações, envolvendo
75.115 famílias. Nunca antes, o numero de ocupações de terra e de famílias envolvidas
nessas ações tinha experimentado um salto tão expressivo de um ano para outro, assim
também da mesma forma ocorreu com o número de assentamentos, que também teve
seu salto expressivo. Isto significa a nosso ver que, nesse momento, a luta pela terra,
através das ocupações, e das realizações dos assentamentos, ganhava uma relevância
política capaz de efetivamente incomodar o governo. Das 451 ocupações de terras
realizadas durante 1996, 37 foram no Paraná, onde foram contabilizadas cerca de 6.952
famílias em ocupações nesse Estado, dentro dessas famílias estão as mais de 3.000 mil
famílias que acamparam às margens da BR 158, entre Laranjeiras do Sul e Rio Bonito
do Iguaçu, contabilizado esse como o maior acampamento da América Latina. Essas
famílias depois seriam assentadas nos PAs Ireno Alves dos Santos, Marcos Freire e

24
Celso Furtado, esse ultimo já pertencente ao município de Quedas do Iguaçu, mais que
faz parte da área de desapropriação da empresa Giacometi-Marondin.

1.2 - A LUTA PELA TERRA NO CAMPO PARANAENSE

No Paraná, a exemplo de todo o país, houve sempre historias de lutas e tensões


pela busca e permanência na terra. Os conflitos se agravaram a partir do começo do
século XX, como resultado da passagem das terras devolutas para a competência dos
estados e com a multiplicação das iniciativas governamentais de colonização direta ou
indireta, através de concessões de terra a empresas particulares, alem da intensificação
da ocupação não legalizada da terra, por parte de lavradores oriundos de outros estados.

O espaço geográfico paranaense caracteriza-se, sobretudo, pela


espacialização dos conflitos e da luta pela terra. A partir dessa
espacialização pode-se compreender o dinamismo social e como o
espaço agrário paranaense está organizado. A luta pela terra no Estado
do Paraná não é um fenômeno recente e as várias regiões do Estado
foram e estão sendo geografadas por estas lutas. (FABRINI, ROOS,
MARQUÊS, 2007).

No final dos anos 40 e durante a década de 50, os conflitos assumiram


proporções mais amplas. Podemos colocar a região Norte do Paraná como palco de
intensos conflitos pela chamada “Guerrilha de Porecatu” quando os
camponeses/posseiros que habitavam as terras devolutas de Jaguapuitã e Porecatu
passaram a resistir aos despejos de suas terras, inclusive utilizando-se de armas. Nesta
mesma década, outro intenso conflito que se deu foi na região Sudoeste, quando os
colonos/camponeses foram expulsos de suas de suas terras através de manobras feitas
pelo governo Estadual. Esses camponeses se organizaram através de assembléias gerais
do povo e de juntas governamentais, como medidas de reivindicação de seus direitos e
marcharam sobre a cidade de Francisco Beltrão, expulsando autoridades constituídas e
tomando a emissora de radio da cidade. (FABRINI, ROOS, MARQUES, 2007). A
situação só foi resolvida com a militarização do conflito, quando em 1962, foi criado o
GETSOP (Grupo Executivo de Terras do Sudoeste do Paraná), que possuía a presença
do exército e tinha como objetivo resolver o conflito. O grupo atuou na demarcação e
titulação dos lotes aos camponeses, que assim conquistaram o título da propriedade.
(ROOS, 2009).

25
A luta pela terra nesse momento estava centrada entre lavradores sem títulos
considerados legais, ligados principalmente à economia de subsistência com base no
trabalho familiar, e fazendeiros ou empresas colonizadoras voltadas para a exploração
comercial da terra e para sua apropriação como investimento de capital. Duas facções
principais em disputa pela apropriação da terra: os grileiros, muitas vezes em litígio
tanto com posseiros como proprietários legais e os “intrusos” ou grileiros sem capital,
que faziam da “intrusão” um meio de sobrevivência ou uma forma de mercantilização
da terra, vendendo aos proprietários seus direitos ou benfeitorias. (TORRENS, 1992)

Desde o inicio do processo de colonização do território paranaense, a


luta pela apropriação privada da terra ocupou um espaço privilegiado
no campo dos conflitos sociais desenvolvidos no meio rural. A forma
desordenada pela qual se deu a ocupação das terras pertencentes ao
Estado concedidas a empresas colonizadoras particulares provocou
uma situação fundiária bastante confusa, onde se observavam
superposições de títulos de propriedade e inúmeros casos de litígios
jurídicos em função de limites de áreas. (TORRENS, 1992, p.28)

Ao posseiro, intruso, proprietário ou grileiro somava-se uma situação fundiária


confusa, com superposição de títulos e inúmeras questões de limites. Todos estes
elementos estiveram presentes nos principais momentos da colonização do Paraná,
principalmente na colonização das zonas novas, as regiões, Norte, Oeste e Sudeste do
Estado, sobre tudo a partir da sua colonização intensiva na década de 40.
De 1960 em diante, o Estado interfere mais decisivamente na resolução de
focos de conflitos pela posse da terra, através de desapropriações localizadas e de
regularização fundiária, diminuindo sua freqüência e intensidade, mesmo assim o
Estado do Paraná se destacou pela ocorrência de conflitos de terra. (TORRENS, 1992)
Já a partir de 1964, inicio da ditadura milita, as lutas e tensões foram contidas
através da extrema violência que caracterizou este período da história brasileira e
paranaense, quando as mobilizações eram duramente reprimidas pela força militar.
Mas esse processo de repressão que foi de 1964 a 1977 contra os trabalhadores
e sindicalistas fez com que houvesse união pela busca de mais direitos, então foram
realizadas ações governamentais como o FUNRURAL (Fundo de Assistência ao
Trabalhador Rural), e na via da formação e capacitação o MOBRAL (Movimento
Brasileiro de Alfabetização) e PIPMO (Programa Intensivo de Preparação de Mão de
Obra Industrial), uma visão desmobilizadora da educação no meio rural que marcaram
decididamente os sindicatos rurais pela ótica de colaboração com os órgãos públicos,

26
em detrimento do seu caráter reivindicatório. O sindicalismo passa a se centrar no
cumprimento da legislação já em vigor através do Estatuto da Terra e do hoje extinto
Estatuto do Trabalhador Rural (TORRENS, 1992).
Ainda na década de 70, a nova região de luta no Estado do Paraná passou a ser
a região Oeste, que se caracterizou pela mobilização e a organização dos agricultores
expropriados pela barragem de Itaipu. Estes, organizados pela CPT, criaram o
“Movimento Justiça e Terra”, que reivindicava a justa indenização das terras. Destacam-
se também nessa mobilização a ação dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs),
pastores e adeptos da igreja Luterana. (BONIN et al apud FABRINI; ROOS;
MARQUES, 2007).
A experiência das lutas de Itaipu foi a base para o surgimento de um forte
movimento de agricultores sem terra no Oeste em 1981, o MASTRO. Outro momento
importante de luta no território paranaense, também no Oeste, foi à luta dos ribeirinhos
e ilhéus do rio Paraná, que se mobilizavam, principalmente na cidade de Guairá.
Somadas ás lutas desenvolvidas dentro do Paraná e em outros Estados, estas
mobilizações desembocaram num grande encontro de trabalhadores das regiões Sul,
Sudeste e Centro do país (regional sul), que se realizou na cidade de Medianeira em
1982. Segundo BONIN et al.citado por Fabrini, Roos, Marques (2007), a partir daí, o
movimento vai coordenar a ocupação de vários latifúndios. Entre eles, destaca-se a
ocupação das fazendas Anoni e Cavernoso em Cantagalo (1983); Giacomet-Marodin
em Chopinzinho (1983); Quinhão 11 em Sertaneja (1983) e Imaribo em Mangueirinha
(1984). Várias frentes de lutas surgiram em todo o Estado, como no Norte do Paraná
(MASTEN - Movimento dos Agricultores Sem Terra do Norte do Paraná) e Sudoeste
(MASTES – Movimentos dos Agricultores Sem-Terra do Sudoeste do Paraná), entre
outros. Assim, pode-se observar que na década de 1980, as regiões que se caracterizam
por lutas no campo foram às regiões Oeste, Sudoeste e Central do Paraná.
Nesse sentido segundo Torrens (1992), houve um intercâmbio de opiniões e de
manifestações públicas dos sujeitos: atuação mais aberta de grupos de apoio (CPT,
partidos, sindicatos urbanos) e a própria reativação dos sindicatos como instrumentos
reivindicatórios dos produtores e trabalhadores do campo foram elementos relevantes
para o processo de organização da luta pela terra no Paraná no período de 1978 a 1982.
Nos anos de 1983 e 1984, iniciou-se um novo tipo de sindicalismo que tanto
foi importante para mudanças nos demais sindicatos, quanto incentivou a constituição
de vários núcleos de oposição por todo o Paraná. Além dos movimentos mais

27
organizados pela conquista da terra, registraram-se no Paraná conflitos entre
proprietários ou grileiros e posseiros, envolvendo freqüentemente violência de jagunços
e da policia (TORRENS, 1992).

Essa organização em diversos movimentos de luta pela terra, surgidas


no final da década de 1970 e início de 1980 no Estado do Paraná,
representa o quadro que existia no campo brasileiro, ou seja, eram
vários movimentos estabelecidos regionalmente e possuíam pouca
comunicação com as demais lutas camponesas. Logo, não eram lutas
espacializadas nacionalmente, porém impulsionaram a emergência do
MST, movimento que mais tarde veio a unificar as várias frentes de
luta (ROOS, 2009).

Devido esse acirramento da luta pela terra, e de permanência na terra, foram se


organizado vários movimentos que foram surgindo em algumas regiões do Paraná e
também do país, em prol da luta pela terra, pela mudança da estrutura fundiária, pela
reforma agrária e sobre tudo por mudanças sociais. Em 1984, foi realizado em Cascavel
o primeiro encontro de caráter nacional dos trabalhadores rurais sem terra. Neste
encontro foram definidos os princípios e as formas de luta do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Foi realizado, também no Paraná (Curitiba), o
I Congresso Nacional do MST em 1985. As ocupações foram definidas como a
principal forma de luta. Neste Encontro também foi definida uma Coordenação
Nacional. (FABRINI, ROOS, MARQUES, 2007).
A partir de então com a criação oficial do MST em 1985, com esse caráter
nacional e com sua repercussão na sociedade, eclodem no campo inúmeros conflitos
com o transfundo da luta pela reforma agrária. Intensificando as ocupações, o governo
se vê pressionado a fazer reforma agrária.
Com essa intensificação na luta pela reforma agrária, havia em julho de 1985
três acampamentos no Sudoeste do Estado do Paraná, reunido aproximadamente 1.500
famílias, reivindicando a desapropriação da Fazenda Pinhal Ralo, de mais de 80.000 mil
hectares, pertencente à empresa Giacometti- Marodin, em Rio Bonito do Iguaçu.
A ascensão dos movimentos sociais se tornou mais visível na medida em que
acampamentos de sem-terra eclodiram por todo o Estado do Paraná, envolvendo 4.626
famílias em 25 municípios totalizando 44 acampamentos entre fevereiro de 1985 e
setembro de 1986. Somente no final de 1986, o numero de acampamentos havia
duplicado, isso significava o fortalecimento da organização, mas também a necessidade
de redobrar a luta pela terra. (MORISSAWA, 2001).

28
A partir desse momento, os Sem Terras foram se organizando em praticamente
todas as regiões do Paraná, consolidando seu movimento, em constante negociação com
o INCRA e com o governo estadual, ocupando resistindo e produzindo, e até 1990
conquistaram cerca de 60 assentamentos dentro do estado. Mas este mesmo ano 1990
foi particularmente tumultuado no campo paranaense. Em Inácio Martins, Telêmaco
Borba, Castro e Prudentópolis os acampados foram atacados por pistoleiros que feriram
diversos trabalhadores e em Quedas do Iguaçu policiais despejaram 50 famílias que
ocuparam a Fazenda Solidor. Mais de mil acampados ocuparam as prefeituras de
Laranjeiras do Sul, Cantagalo e Teixeira Soares, reivindicando estradas, escolas e postos
de saúde. Até outubro desse mesmo ano, o governo, além de ter cortado recursos para os
assentados, não havia feito qualquer desapropriação de áreas ocupadas nem assentado
nenhuma família (MORISSAWA, 2001).
Em abril de 1991, havia 2.500 famílias acampadas em 14 áreas, representando
seis mil famílias entre acampadas e assentadas, 200 trabalhadores rurais ocuparam a
sede do INCRA em Curitiba, por recursos, desapropriações, emissão de posse para as
áreas ocupadas e com produção em todo o estado. Obtiveram a liberação de verba e o
compromisso de legalização de 15 mil hectares (IDEM, 2001).
Segundo Morissawa (2001), logo no inicio de 1992, foram feitas sete
ocupações no estado, envolvendo 1.295 famílias, nos municípios de Campo Bonito,
Cantagalo, Ribeirão, Ibati, Tamarana, Bituruna e Mangueirinha. Em abril mais de mil
trabalhadores realizaram uma caminhada de 130 km, de Ponta Grossa a Curitiba, e
ocuparam a sede do INCRA, conquistando a emissão de posse de diversas fazendas,
totalizando 9.700 hectares, mais a liberação de quatro áreas ocupadas. Além disso, o
governo entrou em negociação com os donos de seis fazendas, que somavam 12.400
hectares. Mas foi nos anos seguintes e nos governos FHC e governo Lula, que as
ocupações, e os assentamentos passam a ser constantes no campo paranaense,
(conforme mostra a tabela 3).

29
Tabela 3: Nº de ocupações e assentamentos no estado do Paraná nos governos FHC
e Lula- (1995-2010)
Número de ocupações e assentamentos no estado do Paraná nos
governos FHC e Lula
Nº de Nº de Famílias em Nº de Nº de
Ano
ocupações ocupações assentamentos famílias
Governo FHC
1995 11 1.262 16 778
1996 37 6.952 22 1.431
1997 54 3.972 29 2.353
1998 78 7.303 69 3.797
1999 123 10.038 35 1.761
2000 23 3.840 3 283
2001 5 202 11 818
2002 6 676 3 220
TOTAL 337 34.245 188 11.441
Governo Lula
2003 75 14.262 0 0
2004 57 8.114 9 2.123
2005 40 5.361 4 144
2006 38 4.340 6 451
2007 25 5.053 4 240
2008 18 1.706 2 104
2009 24 2.394 3 200
2010 9 241 2 436
TOTAL 286 41.471 30 3.698
Fonte: DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra, 2011.

Se consideramos que foi de 1994 a 1999 que as ocupações, acampamentos e


manifestações foram uma constante no campo paranaense, em abril de 1996 foi
realizado a maior ocupação da Regional do Sul, quando cerca de 3.000 famílias
ocuparam a Fazenda Pinhal Ralo, pertencente a empresa Giacometi- Marodin, Em
janeiro de 1997, foram finalmente desapropriados 16.852 hectares dessa fazenda, uma
luta por desapropriação que durou entorno de 12 anos, de impasses, entre ocupações e
despejos, até a conquista em 1997 com o PA Ireno Alves dos Santos e depois em 1998
com o PA Marcos Freire. (IDEM, 2001).
As reações dos latifundiários, usando seus jagunços e a polícia, foram também
constantes. Um dos casos mais graves ocorreu em maio de 1999, quando, com carros
equipados, cães treinados, helicópteros, mais de 100 viaturas, cerca de 30 ônibus e
ambulâncias, fuzis, armas automáticas e bombas de gás lacrimogêneo, a PM realizara
um despejo de famílias em Querência do Norte.
Eram quase dois mil policiais na operação para as doze áreas ocupadas na

30
região e doze sem-terras foram presos. O delegado Mário Sérgio Braddock comandou o
despejo das famílias acampadas em Querência do Norte. Os protestos contra a violência
da operação fizeram com que fosse transferido. (MORISSAWA, 2001, p.177).
A luta dos camponeses não se constitui na luta apenas dentro do território,
pelos seus interesses imediatos, mas também, são lutas contra a estrutura fundiária e
contra o processo ampliado de acumulação e exploração capitalista. Assim, as
transformações recentes ocorridas no campo paranaense e brasileiro devem ser
entendidas nesse contexto, quando os trabalhadores do campo vão acrescentando novos
conteúdos à questão agrária. A luta pela preservação do modo de vida camponês deve
ser pensada na esteira de uma reforma agrária que venha atender ao interesses desses
camponeses, que há séculos vem sendo expulsos, explorados, e quem vem perdendo
seus valores. Nesse sentido, abordaremos a reforma agrária proposta pelo movimento
que tem contribuído mais intensamente nesse resgate e manutenção dos valores
camponeses, de uma reforma agrária que mude o acesso a terra no país e que organizou
os assentamentos em estudo nesta pesquisa.

1.3- A PROPOSTA DE REFORMA AGRÁRIA DO MST

A proposta de reforma agrária do Movimento Sem Terra traz como anseio da


classe trabalhadora brasileira construir uma sociedade igualitária e socialista. Para
consegui-lo, as medidas necessárias precisariam de um amplo processo de mudanças na
sociedade e, fundamentalmente, de alteração da atual estrutura capitalista de
organização da produção.
Segundo Stédile (2005) existem três grandes conceitos de reforma agrária. O
primeiro, reforma agrária de tipo clássico, capitalista, que tem como principio a
democratização da propriedade da terra, distribuindo a terra para os camponeses e os
transformando em pequenos produtores autônomos, com objetivo de criar um enorme
mercado interno produtor de mercadorias agrícolas para o mercado consumidor por
parte dos camponeses, que por sua vez com renda monetária compram bens de origem
industrial. Essa reforma agrária foi feita pelas burguesias industriais no final do século
passado e até depois da Segunda Guerra Mundial. O segundo conceito de reforma
agrária, se refere à confusão entre reforma agrária e política de assentamentos, no qual
coloca que, fazer assentamentos não significa necessariamente fazer reforma agrária, no
sentido de que fazer assentamentos não significa estar afetando toda a estrutura da

31
propriedade da terra, essa atuação se caracteriza mais como uma política de
assentamentos em que os governos sejam federais ou estaduais, premidos pelos
movimentos sociais, para evitar conflitos políticos, assentam famílias, seja em terras
publicas, negociadas ou desapropriadas, essa questão é mais caracterizada como política
de assistência social. Essa versão foi a adotada pelos governos federais no Brasil, desde
os militares até hoje.
Já o terceiro conceito de reforma agrária utilizado no Brasil é o usado pelos
movimentos sociais, a CONTAG, o MST, as entidades que estão no Fórum Nacional de
Reforma Agrária, a CPT, CIMI, INESC, Confederação das Associações dos
Funcionários do INCRA, ABRA, etc. e que, portanto para resolver esse problema é
necessário realizar um amplo programa de desapropriação de terra, de forma rápida,
regionalizada, e distribuí-las a todas as famílias sem-terra, que são 4,5 milhões em todo
o Brasil.(STÉDILE, 2005).
Para isso, segundo a proposta do MST, a reforma agrária no Brasil deve
combinar uma política massiva de distribuição de terras com uma política agrícola que
combata o atual modelo agrícola implantado nas últimas décadas. A luta por um “novo
modelo agrícola” deve ser entendida, nesse sentido, como a busca de uma alternativa
viável que contemple a pequena e média propriedade, os sem-terras e assentados e os
assalariados rurais, e que também conscientize a população e a sociedade de que um
programa de reforma agrária interessa a toda a sociedade, e que não é apenas uma
solução para os problemas dos sem-terras, mas faz parte de um novo modelo de
desenvolvimento nacional e está relacionado com a maioria dos problemas que
acontecem nas cidades. Portanto a reforma agrária nesse sentido não é apenas a solução
para os problemas do meio rural, mas também de toda a sociedade brasileira, e também
do meio urbano, na proposta do Movimento (STÉDILE, 2005).
Em resumo, a proposta de reforma agrária tem por objetivos (STÉDILE, 2005).
a) Garantir trabalho para todos os trabalhadores rurais Sem Terra, combinando
distribuição da terra com a distribuição de renda e desenvolvimento cultural.
b) Produzir alimentação farta, barata e de qualidade a toda a população brasileira,
em especial a que vive nas cidades, gerando segurança alimentar para toda a sociedade.
c) Garantir o bem-estar social e a melhoria das condições de vida de forma
igualitária para todos os brasileiros. De maneira especial aos trabalhadores e
prioritariamente aos mais pobres.

32
d) Buscar permanentemente a justiça social, a igualdade de direitos em todos os
aspectos: econômico, político, social, cultural e espiritual.
e) Difundir a prática dos valores humanistas e socialistas nas relações entre as
pessoas, eliminando-se as práticas de discriminação racial, religiosa e de gênero.
f) Contribuir para criar condições objetivas de participação igualitária da mulher na
sociedade, garantindo-lhes direitos iguais.
g) Preservar e recuperar os recursos naturais, como solo, águas, florestas etc., de
maneira a se ter um desenvolvimento auto-sustentável.
h) Implementar a agroindústria e a indústria como o principal meio de desenvolver
o interior do país.
i) Gerar emprego para todos os que queiram trabalhar na terra.
Esse conjunto de mudanças representa a criação de um novo modelo agrário e
agrícola que garantiria desenvolvimento econômico, político e cultural para toda a
população do campo e beneficiaria a população urbana.
Sob este enfoque, as medidas necessárias para conseguir uma Reforma Agrária
com essas características começam necessariamente pela democratização da
propriedade da terra e dos meios de produção, base para qualquer mudança social
efetiva. Outras medidas são: a transformação do sistema econômico, organização da
produção (cooperativas, associações) uma nova política agrícola, a industrialização do
país, o desenvolvimento do Semi-Árido (programa de irrigação e combate á seca no
Nordeste), um novo modelo tecnológico e o desenvolvimento social. (MORISSAWA,
2001).
Dentro dessa proposta de reforma agrária, a maioria da população brasileira
seria a grande beneficiária, buscando melhorar as condições de vida e de renda
especificamente dos seguintes setores sócias:
 Os trabalhadores rurais sejam eles trabalhadores rurais sem terra, assalariados ou
pequenos produtores familiares;
 Os trabalhadores da cidade, que precisam de alimentos mais baratos e mais
empregos;
 A população em geral, que terá segurança alimentar e maior desenvolvimento;
 A juventude em geral, que terá maiores oportunidades de empregos e educação e
a perspectiva de um futuro digno;
 Os pescadores, os povos indígenas e as populações remanescentes dos

33
quilombos;
 Os pequenos comerciantes, os setores de serviços e industrial relacionados com
a agricultura, que terão mais movimento em seus negócios e gerarão um maior
desenvolvimento das atividades econômicas em toda a sociedade. (MORISSAWA,
2001)
No entanto, a correlação de forças existentes atualmente em nossa sociedade
não permite a implementação de uma reforma agrária com esse formato. As classes
dominantes, que controlam o governo e as leis, congregadas pelos interesses dos
latifundiários, da burguesia e do capital estrangeiro, possuem ainda uma enorme força
para manterem por muito tempo a atual situação. (MORISSAWA, 2001)
Com esses princípios, o que se percebe é que a luta pela reforma agrária é uma
luta mais ampla, que envolve toda a sociedade, e a luta pela terra é mais especifica
desenvolvida pelos interessados. A luta pela reforma agrária contém a luta pela terra e a
luta pela terra promove a luta pela reforma agrária.
Porém, segundo Fernandes (1999), a luta pela reforma agrária não passa apenas
pela distribuição de novas formas de organização social que possibilitem a (re)conquista
da terra de trabalho – a propriedade familiar. Vai em direção à (re) construção da
propriedade coletiva dos meios de produção de novas experiências realizadas
cotidianamente pelos trabalhadores rurais no movimento de luta pela terra.
(FERNANDES, 1999)
É na luta por esses espaços que vão surgir novos sujeitos, que politizados,
começam a construir novas formas de organização social, sobre tudo nas ações
desenvolvidas pelos movimentos sociais, contribuindo para que a reforma agrária saia
do papel. Mas essa reforma agrária, que é colocada por Stédile (2005) e que é mais do
que uma política de assentamentos, em si não é uma conquista, por ser um resultado de
confrontos da luta de classe, e sim os assentamentos por serem verdadeiras áreas
liberadas, conquistas pelos trabalhadores, embora essas conquistas sejam parciais e
enfrentem muitas dificuldades, essas áreas de assentamento são um acúmulo de forças
para a continuidade da reforma agrária mais ampla, vem daí a importância dos
assentados continuarem organizados no MST, para que haja entraves com o governo que
procura justamente transformar assentados em pequenos agricultores autônomos, para
separá-los da organização, que significa ampliação das forças para a reforma agrária.
São nesses acúmulos de forças que é possível, pouco a pouco, novas conquistas no
cenário das forças políticas do Brasil sobre tudo hoje. (FERNANDES, 1999)

34
Mas para entender com se dão esses processos e necessário entender como
ocorre a luta pela terra dentro do território, nesse sentido a territorialização da luta pela
terra é aqui compreendida como o processo de conquista de frações do território pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e por outros movimentos sociais.
Entendemos que o assentamento como fração do território é um triunfo na luta pela
terra. De acordo Raffestin, citado por Fernandes (1999), o território é um triunfo
particular, recurso e entrave, continente e conteúdo, tudo ao mesmo tempo. O território
é o espaço político por excelência, o campo da ação dos trunfos. Nesse processo, a
fração do território é conquistado na espacialização da luta, como resultado do trabalho
de formação e organização do Movimento. Assim, o território conquistado torna-se a
possibilidade da sua territorialização na espacialização da luta pela terra. (Fernandes,
1999)
E na luta por essa reforma agrária ampla, que beneficie a toda a sociedade e
que promova as mudanças na estrutura fundiária, que no ano 1996, no Estado do
Paraná, trabalhadores sem- terra, articulados com o MST, ocuparam uns dos maiores
latifúndios desse Estado com 80 mil hectares.

35
CAPÍTULO 2-TRAJETÓRIA DE LUTA DOS ASSENTAMENTOS
IRENO ALVES DOS SANTOS E MARCOS FREIRE

A Fazenda Giacometi-Marondin era mais um latifúndio que não cumpria sua


função social e que além de seus números espetaculares marcou a história da luta pela
terra por ser alvo das lentes de Sebastião Salgado, talvez o melhor fotógrafo documental
da atualidade (Figura 02).

Figura 03: A marcha de uma coluna humana - Sebastião Salgado (Ocupação da


Fazenda Giacometi-Marondin, 17/04/1996).

Fonte: http://www.landless-voices.org/vieira/archive, acessado dia 05/08/2011.

Era impressionante a coluna dos sem-terra formada por mais de 12


mil pessoas, ou seja, 3 mil famílias, em marcha na noite fria daquele
início de inverno no Paraná. O exército de camponeses avançava
quase completo. Escutava-se apenas o arfar regular de peitos
acostumados a grandes esforços e os ruídos que tocavam o asfalto.
Pelo rumo que seguia a corrente, não era difícil imaginar que o
destino final fosse a fazenda Giacometi, um dos imensos latifúndios
tão típicos do Brasil. Marginalmente explorados, esses latifúndios,
todavia, em razão das dimensões colossais garantem aos seus
proprietários rendas milionárias. Corretamente utilizados, os 83 mil
hectares da fazenda Giacometi poderiam proporcionar uma vida
digna aos 12 mil seres que marchavam naquele momento em sua
direção.
Anda rápido um camponês: 22 quilômetros foram cobertos em menos
de cinco horas. Quando chegaram lá, o dia começava a nascer. A
madrugada estava envolta em espessa cerração que, pouco a pouco,
foi se deslocando da terra, sob o efeito do rio Iguaçu, que corre ali

36
bem próximo. Pois o rio de camponeses que correu no asfalto noite
adentro, ao desembocar defronte da porteira da fazenda, pára e se
espalha como as águas de uma barragem. As crianças e as mulheres
são logo afastadas para o fundo da represa humana, enquanto os
homens tomam posição bem na frente da linha imaginária para o
eventual confronto com os jagunços da fazenda.
Ante a inexistência de reação por parte do pequeno exército do
latifúndio, os homens da vanguarda arrebentam o cadeado e a
porteira se escancara; entram; atrás, o rio de camponeses se põe
novamente em movimento; foices, enxadas e bandeiras se erguem na
avalanche contida das esperanças nesses reencontros com a vida - e o
grito reprimido do povo sem-terra ecoa uníssono na claridade do
novo dia: “REFORMA AGRÁRIA, UMA LUTA DE TODOS!”
(Salgado, 1977),

Foi uma luta motivada pelo descaso dos governantes e pela falta de uma
política fundiária no país, de forma que os camponeses Sem Terra organizaram-se para
tornar possível a Reforma Agrária.
No ano 1996 começa um cadastramento de famílias, organizado pelos sindicatos rurais
de onde as famílias residiam, e outros eram feitos por lideranças do MST e depois pelo
próprio INCRA. Na chegada na BR 158 para acampar, existia bastante medo e receios
entre as famílias, pois viam a Fazenda Giacometi-Marondin com difícil acesso, garnida
por um forte número de jagunços todos bem armados. Também já haviam existido
outras tentativas de ocupação sem sucesso, em meados dos anos 80, quando os
ocupantes foram despejados. No entanto, com toda a repressão vivida anteriormente e
os esforços dos jagunços em amedrontarem aquele povo, o desejo e o sonho da luta pela
terra, de um lugar para viverem em harmonia e plantar no seu pedaço de chão, foi mais
forte do que qualquer medo. Muitos integrantes do acampamento já participaram de
outros movimentos como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e também
de organizações sindicais de muitos outros lugares.
Segundo estimativa, foram aproximadamente 3.000 famílias, entorno de 12.000
mil pessoas, que se acamparam na BR 158, no lugar conhecido como, “Buraco”.
Segundo levantamento realizado pela coordenadoria geral da época, vieram famílias de
cerca de 62 municípios, havia no acampamento cerca de 16 tipos de religiões e a cultura
era das mais variadas. Na região já havia dois pequenos acampamentos formados em
municípios próximos, um em Saudade do Iguaçu e outro em Laranjeiras do Sul, que se
reuniram e formaram um grande acampamento na BR 158. (Galera, 2009).
As diversas famílias que vieram acampar, sendo daquela região ou de qualquer
outra região, eram aceitas e cadastradas, mas se tinha uma forma de organização,

37
normas de condutas, regras, etc. que foram discutidas e elaboradas pelo coletivo, para se
respeitarem e viverem em harmonia num espaço pequeno para tantas famílias. Assim,
quem se enquadrava e respeitava esses combinados coletivos, era aceita e permanecia
no acampamento.
Foram organizados grupos de trinta famílias cada. Esses grupos eram
organizados de diferentes formas: por região, por município, por conhecidos, etc. De
cada grupo se tirava um coordenador, que era alguém que tinha a tarefa de organizar e
informar das demandas ao coordenador geral do acampamento. Tinha também alguém
responsável pela infra-estrutura necessária que o acampamento tinha que ter (saúde,
educação, alimentação).
A primeira vista, o acampamento parecia ser um ajuntamento desorganizado
cheio de barracos de lona, na grande maioria lona preta, mas possuía determinadas
disposições conforme a topografia do terreno favorece-se e foram reservadas áreas para
plantações pequenas (hortas), farmácias improvisadas, escola, local de assembléias, etc.
Ao organizarem o acampamento os sem terra criaram diversas comissões e
equipes que estruturaram a organização. Participaram famílias inteiras ou parte de seus
membros, que criaram as condições básicas para manutenção das necessidades, tais
como, educação, saúde, segurança, negociação, trabalho, etc. Também para se
manterem, trabalhavam fora do acampamento vendendo sua força de trabalho como
bóias frias nas propriedades que conseguiam serviços.

2.1 – A FORMAÇÃO DE UM ESPAÇO DE LUTA E RESISTÊNCIA

O acampamento se conformou como um espaço/tempo de transição na luta


pela terra, com realidades em transformação. Espécie de materialização da organização
dos sem terra que trazia em si os principais elementos organizacionais do Movimento.
Tendo como base a posse da terra, para nela trabalhar e tirar seu sustento, o
acampamento da BR 158, foi lugar de mobilização constante. Alem de espaço de luta e
resistência se configurou também como um espaço interativo e comunicativo, fazendo
periodicamente análises da conjuntura da luta. As ações contaram com o apoio das
articulações políticas, procurando mudar a situação de impasse do processo de
negociação. Nesses momentos de falta de diálogo e de soluções, aconteceram diversos
conflitos violentos e até mortes. Muitas famílias desistiram nesta época por uma serie de

38
motivos, principalmente pela falta de perspectiva ocasionada pela demora em assentar e
pela violência dos despejos e dos jagunços.
Por meio da compreensão da organicidade, expressa pela identidade política,
que foi possível organizar o acampamento para suportar essa pressão e permitir que a
luta levasse até a conquista do assentamento, o que trouxe a mudança radical na vida
dos trabalhadores sem terra.
O objetivo principal dessas famílias era a conquista da terra, e como não
tinham recursos, integraram-se ao MST, para no coletivo buscar seus direitos.

Os sem-terra brasileiros lutam, ocupando terra, acampando,


conquistando e se territorializando. Dessas experiências, esse povo de
“beira de quase tudo”, retiram suas lições de semente e história.
Assim, espremidos nessa espécie de geografia perdida, que sobra entre
as estradas, que é por onde passam os que têm onde ir, e as cercas, que
é onde estão os que têm onde estar, os Sem Terra sabem o que fazer:
plantam. E plantam porque sabem que terão apenas o almoço que
puderem colher, como sabem que terão apenas o país que puderem
conquistar. (RUFINO apud FERNANDES,1998, p.65).

2.2-TRAJETÓRIA DO ACAMPAMENTO

A trajetória dessas famílias se iniciou no local denominado “Buraco”, que


recebeu este nome por estar localizado numa baixada, ao lado da BR 158, encostado ao
Rio Xagú e cerca de 5 km distante do centro do Município de Rio Bonito do Iguaçu,
ficando este local dentro da Fazenda Pinhal Ralo, pertencente à empresa madeireira
Giacometi-Marondin.
Já no primeiro momento da ocupação, as famílias foram obrigadas a deixar o
“Buraco” e acampar no portão da Fazenda em função de que o “Buraco” era uma área
muito fria, e com muito acúmulo de pessoas, havia muita fumaça e diversas pessoas
estavam ficando com problemas de saúde, então parte dessas pessoas mudaram o
acampamento para o portão.
No portão tinha um grupo de sentinelas que eram empregados da fazenda, era
um grupo muito bem armado e o portão era o principal acesso de entrada para a
Fazenda, então as famílias sem terra se deslocaram até esta entrada e ali permaneceram.
A equipe de sentinelas foi entregue à polícia, então esse espaço pôde ser ocupado pelas
famílias acampadas.
Houve então a primeira tentativa de negociação da empresa Giacometi-

39
Marondin com o INCRA, sem conseguir avançar. A partir desse momento, houve a
necessidade das famílias produzirem para sua subsistência, para isso foi necessário
adentrar na fazenda cerca de 14 km até a sede da mesma, durante esse percurso todos
repetiam o lema: “É necessário plantar”. Lá existia estrutura de casas e armazéns, e uma
poção de terra de granja, em torno de 2.500 hectares, onde o povo se organizou em 83
núcleos de trabalho, cultivaram nessa área milho, feijão e verduras, para tirar seu
sustento, e também passaram a produzir animais para complementar a alimentação.
Mesmo assim, a estrutura era precária e faltavam muitas coisas. Ainda tinha gente
passando grandes necessidades e crianças doentes, sem assistência. (Hammel, Silva,
Andretta, 2007)
Depois de muita luta, quando tudo parecia mais tranqüilo, pois o sonho da
terra estava próximo de concretizar-se, no dia 16 de janeiro de 1997, enquanto
trabalhavam na área que seria desapropriada, um grupo foi surpreendido por tiros de
espingardas, pistolas e fuzis AR – 15, sendo mortos o jovem Vanderlei das Neves de
16 anos e o senhor José Alves dos Santos de 34 anos. Foram vítimas de emboscada da
milícia privada, na divisa entre a plantação de pínus da fazenda Pinhal Ralo e o
cultivo de milho na parte ocupada pelos sem terra. Segundo consta, eles foram
acusados de estarem caçando em área proibida. O território, na verdade, era grilado
pela empresa madeireira conhecida como Giacomet-Marondin, adquirida da
Votorantim, e hoje chamada Araupel. No mesmo dia do assassinato, o governo
federal decretou a desapropriação da área. As vítimas foram seis ao todo, duas
assassinadas e quatro sobreviventes. As armas usadas eram de calibre 12, 22, 357 e
fuzil 762. Na emboscada, ao tentar proteger o rosto, Vanderlei das Neves teve as
mãos perfuradas pelos tiros à queima roupa. Todos os disparos vieram da mesma
direção, fato reconhecido pela perícia no local do crime. As marcas de sangue no
chão comprovam que os corpos foram arrastados 100 metros para dentro da mata.Foi
necessário que a morte assombrasse pessoas de bem, que uma mãe perdesse seu filho
e filhos ficassem sem o pai para que o INCRA decretasse a desapropriação daquelas
terras e realizasse a reforma agrária que o povo tanto almejava, foi devido esse
acontecimento, pela grande repercussão nacional e internacional, que a empresa
mudou de nome e passou a se chamar Araupel, e não mais Giacometi-Marondin.3

3
Disponível em: <http://www.mst.org.br/Estado-brasileiro-e-madereira-ignoram-juiz>.

40
Os réus, acusados pela chacina, estavam mais velhos quando foram a júri.
Ainda que o inquérito do crime tenha sido finalizado em poucos meses, passaram-se
oito protelações na Justiça e mais de treze anos de espera. Agora, Jorge Dobinski da
Silva (69) e Antoninho Valdecir Somensi (57), funcionários da empresa até o
momento do juízo, foram a julgamento no dia 14 de dezembro de 2010, na cidade de
Laranjeiras do Sul (PR), a partir de denúncia do Ministério Público. A acusação
contou com a assessoria do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh. Os jurados
reconheceram que houve crime contra os sem-terra, mas, por quatro votos a dois, não
atribuíram os incidentes aos dois acusados. Ao longo de todo o processo, não houve
associação entre a ação de milícias na região e a empresa proprietária dessas grandes
extensões de terras.4

Só após muita luta aconteceu a desapropriação de um dos maiores latifúndios


do estado do Paraná e a segunda maior fazendo do Sul do Brasil, a fazenda Pinhal Ralo
de mais de 83 mil hectares pertencente à empresa Giacometi-Marondin (Araupel),
indústria de madeira, criando o PA (Projeto de Assentamento) Ireno Alves dos Santos
que recebeu o nome em homenagem há um grande militante do MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra) que contribui muito na luta pela terra na região e
também na organização do Assentamento Ireno Alves dos Santos, o qual também leva
seu nome como homenagem a sua grande contribuição na luta pelo assentamento. Mas
devido uma fatalidade da vida Ireno Alves dos santos faleceu no dia 25 de dezembro de
1996 na BR 467 km 90, entre Toledo e Cascavel num acidente automobilístico,
ocasionando uma estimável perda, aos seus familiares, ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra e aos companheiros de luta pela Reforma Agrária. Esse
assentamento teve uma área com 16.852 hectares desapropriados, assentando 934
famílias. Um ano depois, se desapropria no mesmo latifúndio mais uma área, o PA
Marcos Freire com as famílias que ficaram excedentes do assentamento Ireno Alves,
que assentou mais 604 famílias numa área de 10.095 hectares. As lideranças queriam
instituir o mesmo nome, Ireno Alves dos Santos, mas o INCRA não permitiu, e
denominou de Marcos Freire, em homenagem a um grande lutador em prol da
redemocratização no país, Marcos de Barros Freire, era advogado, professor e político,
atuou como Deputado Federal e Senador. E por uma tragédia faleceu em um acidente

4
Disponível em: <http://www.mst.org.br/Estado-brasileiro-e-madereira-ignoram-juiz>

41
aéreo quando era ministro da Reforma Agrária. Entre os dois assentamentos foram
assentadas 1538 famílias, quem são considerados um único assentamento, pelo processo
de luta e de sua historia, A diferença está na época de desapropriação das terras, e na
distribuição das políticas públicas, porque de acordo com a lei são dois assentamentos
distintos, mas há documentos em andamento com o pedido para se tornar um único
assentamento. Esses dois assentamentos são exemplo de conquista e resultado de muita
luta do povo, e da organização do MST.(Galera, 2009)
Depois das primeiras conquistas realizadas, da terra e de suas divisões, era hora
das famílias se organizarem em seus lotes para começarem a produzir, apenas o ocupar
e distribuir terra não resolvia os problemas, era apenas mais um avanço, mas as pessoas
tinham necessidades de alimentação, moradia, educação e saúde. Como tudo isso
poderia ser viabilizado? De que forma se produziria? Aonde se conseguiriam créditos
para se investir nas propriedades, e dar condições as famílias de tirarem seu sustento
para sobreviverem da/na terra? Dentro do MST, já vinham acontecendo algumas
discussões e experiências sobre as formas de cooperação e como através desta se
poderiam criar as condições necessárias para as famílias se organizarem dentro dos
assentamentos já em construção.
Para compreendemos esses processos, estaremos abordando no próximo
subitem a cooperação no MST, com o exemplo de suas cooperativas e especificamente o
caso da COAGRI, seu processo de criação, e fracasso dentro dos assentamentos Ireno
Alves dos Santos e Marcos Freire, no município de Rio Bonito do Iguaçu-Pr.

2.3- COOPERAÇÃO NO MST: O CASO DA COAGRI

A cooperação para o MST está vinculada a um projeto estratégico de mudanças


na sociedade, e para isso é necessário reunir um grande número de pessoas organizadas
para promover sua disseminação, sua prática só deve ser entendida com a realidade, se
não esse projeto estará condenado a estagnação ou ao fracasso. (MORISSAWA, 2001).
Essa forma de cooperação está pautada como uma ferramenta de luta, na medida em que
ela contribui, na organização dos assentados em núcleo de base, à liberação de
militantes, à liberação de pessoas para a luta econômica e, principalmente, para a luta
política. (MST, 1998).
Com essas premissas, a cooperação defendida pelo MST está contida nas
atividades realizadas em conjunto e que não são apenas que viabilizam as necessidades

42
econômicas, mas também as sociais e políticas. As razões econômicas entendidas aqui
seriam: o aumento de capital, no sentido de que esse aumento e sua reorganização,
garantam aos assentados conseguirem mais créditos para aquisição dos bens
necessários; e aumento da produção, que vai ligada à divisão social do trabalho, no
sentido de que cada trabalhador exercerá menos atividades ou atuará em apenas uma
linha de produção com mais habilidade e qualidade, dando mais racionalidade ao uso de
máquinas e insumos e obtendo mais produtividade em menos tempo; também se daria
uma racionalização da produção de acordo com os recursos naturais, já que ao invés de
diversificar a produção, a cooperação permite aproveitar ao máximo o solo e o clima,
produzindo para o mercado apenas os produtos apropriados a eles; por último, se dá o
desenvolvimento da agroindústria para satisfazer o interesse geral da comunidade,
beneficiando e transformando os produtos, que ganharão maior valor na hora da
comercialização.
Porém as questões econômicas não são as únicas, ainda que sejam necessárias
de serem contempladas. As questões sociais da cooperação teriam a ver com a obtenção
de infra-estrutura de educação, transporte, atendimento médico dentro dos
assentamentos, etc. e as questões políticas se referem a que a cooperação levaria aos
assentados a participar das lutas referentes às suas necessidades, imediatas e também
àquelas vinculas à sociedade como um todo. Assim, os agricultores se perceberiam
como uma força que se somadas às demais pode contribuir para a construção de uma
nova sociedade. (CERICATO, 2005).
Com esses elementos, segundo Czycza (2011), o MST ao longo de sua história
vem pautando e lutando pelo desenvolvimento da cooperação nos seus
assentamentos,.como forma de auto-organização dos mesmos, mas principalmente, no
sentido de colocar à vista da sociedade, e também questionar, o atual modelo capitalista
para a agricultura e mostrar a cooperação como alternativa a este modelo.
São essas discussões que norteiam a organização dos assentamentos rurais, que
vem sendo pensadas e discutidas desde a consolidação dos primeiros assentamentos do
MST. Segundo Fernandes (2000), desde o principio das criações dos assentamentos,
existiam preocupações essenciais referentes à resistência dos Sem-Terra ao processo
expropriador do modelo de desenvolvimento da agricultura, afinal grande parte das
famílias que lutaram e conquistaram a terra haviam sido expulsas ou expropriadas desde
a implantação desse modelo.Frente a esse processo, o Movimento passa a desenvolver
uma política cooperativista para os assentamentos, devido à necessidade de sua

43
viabilização tanto econômica como social, baseando-se na idéia de que através da
cooperação os assentados poderiam sobreviver na terra, produzindo em maior
quantidade e com maior qualidade.
Contudo para se iniciar uma experiência de cooperação, os assentados
envolvidos devem ter a clareza de que na medida em que acontecem determinadas
condições objetivas a cooperação precisa mudar de forma, precisa avançar, se isso não
acontecer a forma entra em crise, estagna e tende a quebrar para isso a cooperação deve
ser compreendida como um processo.
Desta forma, as experiências de cooperação/cooperativas do MST, que não são
compreendidas pelo processo no seu conjunto, vêm sendo estudadas como fracasso da
cooperação dentro do Movimento, mas o que nos coloca Stédile e Fernandes (1999), é
que se criar uma forma de cooperação que não é adequada às condições objetivas e
subjetivas do seu lugar específico, não significa que a forma de cooperação/cooperativa
está errada, mas sim que a proposta está fora de lugar. Através destas questões, o
Movimento vem fazendo constantes e profundas reflexões sobre as formas de
cooperação, que não se reduzem a formas de coletivização, porque os exemplos de
cooperação que vêm dando certo podem oferecer suporte e possibilidade para a
continuidade das atividades agrícolas dentro dos assentamentos, mostrando exemplos
concretos formas de organização dentro dos assentamentos que, apensar das
dificuldades estão superando obstáculos e criando condições de crescimento, e
comprovando que os assentamentos, em sua sobrevivência dependem da organização da
cooperação.
Em 1989, criou-se o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA) que em sua
estrutura inclui uma confederação, a Confederação das Cooperativas da Reforma
Agrária (CONCRAB), cooperativas centrais e cooperativas de base.. Estas englobam as
Cooperativas de Produção e Prestação de Serviços (CPPS), as Cooperativas de
Produção Agropecuária (CPA) e as Associações de Produtores Rurais. Os
Assentamentos, com a orientação e apoio do MST e da CONCRAB, avançaram na
organização de Cooperativas de Produção e Prestação de Serviços, as CPPS. A
necessidade da organização e fortalecimento da atividade agropecuária exige dos
assentados medidas de fortalecimento e união, que essas cooperativas, quando bem
administradas, podem oferecer. A simples adesão ao sistema cooperativista por si só
certamente não confere nenhum atestado de sucesso ao assentamento, porém oportuniza
alcançá-lo. (FRANCIOSI, 2007)

44
Dessa forma, percebe-se a importância que o MST coloca na organização
conjunta na luta pela conquista da terra, e também no funcionamento dos
assentamentos. A exemplo disso, um balanço feito no MST colocava que no inicio do
século XXI dentro das áreas de assentamentos estariam em funcionamento: cerca de
400 associações de produção, comercialização e serviços; 49 cooperativas de produção
agropecuária (CPAs), com 2.299 famílias associadas; 32 cooperativas de prestação de
serviços (CPSs), com 11.74 sócios diretos; 2 cooperativas regionais de comercialização:
e 2 cooperativas de créditos, com 6.113 associados. Mas a proposta não ficaria apenas
por ai, senão que passa por uma ênfase na agroindustrialização, quesito no qual o
Movimento possui hoje 96 pequenas e médias agroindústrias, que processam frutas,
hortaliças, leite e derivados, grãos, café, carnes e doces. Nessas unidades se geram
empregos, renda e impostos, beneficiando indiretamente cerca de 700 pequenos
municípios do interior do país. Isso tudo são exemplos claros de processos de
organização na linha política do MST, dentro da proposta da Reforma Agrária
necessária do MST.
No contexto da área em estudo, temos o caso da Cooperativa de Trabalhadores
Rurais e Reforma Agrária do Centro-Oeste do Paraná Ltda. (COAGRI), fundada em
1993 e extinta em 2001,e que chegou a ser a maior Cooperativa de Reforma Agrária do
país. Essa cooperativa foi pensada a partir do ano de 1992, onde realizou-se o Encontro
Nacional de Cooperativas de Produção Agropecuária e onde se discutiu e se deliberou a
necessidade de criação de Cooperativas de Base que englobariam as Cooperativas de
Produção e Prestação de Serviços (CPPS), as Cooperativas de Produção Agropecuária
(CPA) e as Associações de Produtores Rurais, para dar suporte às atividades
desenvolvidas nos assentamentos.
Na região Centro-Oeste do Paraná, devido ao grande número de assentamentos,
havia a necessidade da criação de uma cooperativa que fosse capaz de dar esse suporte
às atividades de exploração da agropecuária dos assentados. A percepção e o esforço de
lideranças dos assentados, com a orientação recebida nesse Encontro Nacional das
Cooperativas de Produção Agropecuária, foi o ponto de partida para a criação da
COAGRI (FRANCIOSI, 2007)
A COAGRI foi fundada em 21/10/1993, junto ao Assentamento Juquiá,
localizado no distrito de Cavaco, município de Cantagalo, na região Centro-Oeste do
Estado do Paraná, com a finalidade principal da comercialização de grãos, adubos,
sementes, produtos veterinários, gêneros alimentícios e prestação de serviços.

45
Inicialmente suas atividades eram restritas ao município de Cantagalo-PR, mas ao longo
dos anos de sua existência teve um crescimento extraordinário e ampliou seu raio de
ação para mais três municípios da região. A COAGRI contava, em 1999, com um
quadro de 4.500 cooperados, sendo que deste total 60% são produtores dos
assentamentos da região e 40% são pequenos produtores não ligados diretamente a
nenhum assentamento. Suas atividades eram inteiramente voltadas aos cooperados, o
que não impede de atender, em muitos casos, aos cidadãos da comunidade em que está
estabelecida. Além de atuar diretamente nas atividades comerciais, como compra e
venda de cereais, produtos agroveterinários e gêneros alimentícios, a COAGRI
incentivava e auxiliava seus cooperados a desenvolverem, além das atividades da
agropecuária tradicional, outras atividades como a bovinocultura de leite, a
hortifruticultura, a suinocultura, a industrialização de conservas e o cultivo de ervas
medicinais, entre outras. (FRANCIOSI, 2007)
Além de todo o apoio comercial e técnico, a COAGRI colocava à disposição
dos assentados os serviços financeiros da CREDTAR, a sua Cooperativa de Crédito,
que foi fundada em 11 de janeiro de 1996. A CREDTAR teve no seu melhor momento
cerca de 2.000 associados aos quais colocava à disposição os serviços de um banco
comum. Através da CREDTAR, a COAGRI e os cooperados efetuam seus depósitos e
saques em conta-corrente e em poupança, faziam seus investimentos ou obtinham
financiamentos. Os cheques da CREDTAR eram garantidos e compensados
normalmente junto ao serviço de compensação do Banco do Brasil. Este braço
financeiro da COAGRI desempenhou um papel fundamental na captação de recursos,
quer dos associados, quer de outros órgãos ou de programas especiais de Governos
Estaduais ou Federais, como por exemplo, o hoje extinto Programa de Crédito Especial
para a Reforma Agrária (PROCERA). A captação de recursos externos e a poupança
dos associados contribuiu em muito para a formação de capitais que pudessem financiar
novos projetos ou permitissem maiores investimentos na manutenção e melhoria dos
negócios já existentes.
A COAGRI esteve sediada até 1997 no município de Cantagalo, quando foi
transferida para Laranjeiras do Sul por causa de um conjunto de fatores dos quais se
destacam, facilidades de acesso aos serviços necessários para expansão da cooperativa,
pois a cidade se constitui num pólo regional; mudanças nas linhas de produção com o
estímulo à formação de uma bacia leiteira na região de Laranjeiras; proximidade de
agências bancárias da sede da cooperativa e, principalmente, pela formação de um

46
grande espaço de lutas representado pela ocupação da fazenda pertencente ao grupo
Giacometi-Marondin. A COAGRI estava filiada a uma Central de Cooperativas de
Assentados do Estado (CCA-PR) e vinculada á CONCRAB. E praticamente, todas as
ações desenvolvidas pelo MST na região estavam vinculadas a COAGRI. (Fabrini,
2002)
A COAGRI se constituiu num importante instrumento de intervenção política e
econômica na região Centro-Oeste do Paraná. O êxito econômico também deveria se
reverter em ampliação da luta pela terra, essa era a consigna. As limitações políticas e
econômicas apresentadas pelos assentamentos antigos da região do Cavaco e Cantagalo
apontaram para a necessidade da construção de uma nova frente de atuação da
COAGRI. Assim, no dia 17 de abril de 1996 foi organizada a maior ocupação de terra
realizada no Brasil, em um dos maiores latifúndios do Estado do Paraná pertencente à
empresa Giacometi-Marondin (fazenda Pinhal Ralo) no município de Rio Bonito do
Iguaçu. A ocupação e acampamento da Giacometi se abriram como uma frente de luta e
os principais quadros diretivos da COAGRI e do MST na região canalizaram forças
para a realização de um grande assentamento. A conquista dessa terra e a realização dos
assentamentos Ireno Alves dos Santos em 1997, e mais tarde, em 1998, o Marcos
Freire, se constituiu como uma área estratégica para a COAGRI, deslocando o centro de
luta de Cantagalo/Cavaco e Nova Laranjeiras para o assentamento Ireno Alves dos
Santos e Marcos Freire. A partir daí a prioridade da COAGRI e o MST, passou a ser
esses assentamentos, deixando assim os antigos assentamentos em segundo plano,
inclusive na organização dos núcleos de produção, já que a distância entre a COAGRI e
os assentamentos considerados pela direção da cooperativa, como “marginais”, era uma
questão que dificultava a viabilidade econômica e política. A direção da COAGRI/MST
considerava que o potencial de desenvolvimento de suas forças produtivas estava
“esgotado” e havia a necessidade de abrir uma frente mais homogênea e com um grande
número de famílias concentradas numa determinada área. O que veio a calhar com a
formação dos assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire, com 1538
famílias concentradas em uma localidade, permitindo a criação de outra unidade da
COAGRI.
Foram organizadas nestes assentamentos duas subunidades da COAGRI, com
02 supermercados e 02 agro-veterinárias cada subunidade, escritórios de compra de
cereais e instalações para armazenagem, que foram desativados a partir de meados de
2001 com a crise da cooperativa. O desenvolvimento destas lutas desembocou em

47
redefinições territoriais com a criação de outro espaço de lutas da região. Entre outros
fatores, a criação desta unidade contribuiu para a transferência da sede da COAGRI de
Cantagalo para a cidade de Laranjeiras do Sul, onde já existiam assentamentos, mas
com menor expressão do ponto de vista territorial e político.
As mudanças que foram ocorrendo na COAGRI estavam relacionadas às
dificuldades econômicas que a cooperativa passou a enfrentar, Assim, até meados de
2001, a COAGRI estava organizada em forma de unidades. As unidades eram as
seguintes: Unidade do Cavaco (Cantagalo); Unidade de Cantagalo (Cantagalo); Unidade
de Nova Laranjeiras (Nova Laranjeiras) Unidade de Laranjeiras do Sul (Laranjeiras do
Sul) e Unidade dos Assentamentos Ireno Alves dos Santos/Marcos Freire (FABRINI,
2002).
Mesmo com a realização dos assentamentos analisados, não se criou uma base
orgânica capaz de desenvolver luta política nos assentamentos e contribuir para a
solução da grave crise econômica que se anunciava e que se verifica até os dias atuais.
As dificuldades econômicas da COAGRI se manifestaram mais fortemente a partir de
1999 por causa de um conjunto de fatores, tais como: as linhas de produção que não
proporcionavam renda suficiente aos assentados/cooperativas; concepção de cooperação
do MST; investidas do governo federal para criminalizar as cooperativas; outro fator
importante a observar ainda que as cooperativas estão inseridas num contexto nacional
desfavorável à agricultura, resultante da política de liberação da economia, importações,
corte de recursos destinados aos investimentos e custeio para os pequenos agricultores,
ausência de subsídios à agricultura, taxa de juros, etc. (FABRINI, 2002).
O fato de a COAGRI priorizar a linha de produção de grãos nos assentamentos
foi uma das causas das dificuldades econômicas da cooperativa. Esta atividade não
permite uma renda média compatível com outras atividades econômicas. As
cooperativas de sem-terra como qualquer empresa está inserida no sistema produtor de
mais-valia, onde o mercado é condição para a sua realização. As atividades
desenvolvidas pela COAGRI, comercialização de grãos principalmente, não geravam
renda suficiente para garantir sua manutenção no mercado. Para garantir um “preço
mínimo” aos assentados, muitas vezes, a COAGRI levava prejuízo na comercialização
da produção. A baixa renda obtida com a produção de grãos não permitiu que a
cooperativa formasse capital de giro. Os recursos liberados aos assentados para a
construção da cooperativa pelo antigo PROCERA (teto II) compreendia apenas capital
para investimento em infra-estrutura (capital fixo) e não capital para iniciar a

48
comercialização (capital de giro). A liberação de recursos aos assentados ocorria
mediante projetos de custeio e investimento. Estes recursos não são liberados
diretamente aos assentados, mas a empresas fornecedoras. Neste caso, a COAGRI
conseguia uma fatia importante da venda dos produtos aos assentados. Esta era uma
forma de alocação de recursos financeiros pela COAGRI e conseqüentemente, formar
capital de giro para o desenvolvimento de suas atividades, Mas, estes recursos não eram
suficientes e para saldar suas dívidas, a COAGRI, muitas vezes, recorria ao mercado de
crédito paralelo, pagando juros em torno de 4% ao mês, o que também muito contribuiu
para o aumento das dívidas da cooperativa. Aparentemente as atividades da cooperativa
que não geravam renda, como é o caso da luta política (ocupação de terra, por exemplo),
também foi uma das causas do agravamento das dificuldades econômicas. Praticamente
todas as ocupações de terra feitas na região tiveram a participação da COAGRI,
contribuindo para a espacialização da luta. (FABRINI, 2002)
Já do ponto de vista gerencial, os investimentos na ampliação da luta do sem-
terra significavam prejuízo econômico, com saídas elevadas do caixa, sem
contrapartida. Ainda que no longo prazo as ocupações de terra exitosas, como a que
resultou no assentamento Ireno Alves dos Santos, se constituem depois em um
importante investimento, pois a renda obtida na comercialização da produção deste
assentamento se converteu em enormes benefícios para a cooperativa. Os primeiros
anos do assentamento Ireno Alves dos Santos foi capaz de oxigenar a COAGRI
economicamente: a cooperativa vendia aos acampados/assentados do Ireno Alves dos
Santos, sementes, adubo, ferramentas, defensivos, serviço de destoca e preparo da terra,
etc. Ainda no acampamento, foram plantados mais de 2.500 ha na área ocupada,
produzindo aproximadamente 180.000 sacos de milho e 60.000 sacos de feijão,
vendidos integralmente à COAGRI.
Outra questão que é levanta por Fabrini (2002), considerada uma das
dificuldades econômicas enfrentadas pela COAGRI, foram os diferentes resultados dos
investimentos feitos nos assentamentos Ireno Alves dos Santos e no Marcos Freire,
ambos originários das terras desapropriadas da empresa Giacometi-Marondin. Para esse
ultimo assentamento foram feitos financiamentos pelo qual foi adiantado dinheiro pela
cooperativa para plantio de lavoura, o que ocasionou enorme prejuízo para a
cooperativa.A COAGRI adiantou recursos de custeio aos assentados do projeto Marcos
Freire, no valor de R$ 2.000,00 para 577 famílias das 604 que compõe este
assentamento. Como a liberação dos recursos financeiros oficiais é feita pelo INCRA,

49
geralmente quando já está no final da colheita e até mesmo depois do término do ano
agrícola, a cooperativa adiantou os recursos para os assentados realizar as lavouras,
contando com o repasse dos recursos de custeio pelo INCRA. O adiantamento de R$
2.000,00 para custeio de lavouras para 577 famílias somou um total aproximado de R$
358.000,00. Como este foi um período marcado por dura investida do governo federal
contra as cooperativas de assentados no sentido de desmobilizar a forma de organização
do MST nos assentamentos, o INCRA somente acabou repassando as verbas
correspondentes ao custeio do ano de 1999 no final de 2.000. Por outro lado, ainda os
recursos de investimentos não puderam ser utilizados para saldar a dívida de custeio
com a cooperativa. Os recursos de custeio liberados no ano de 2000 aos assentados
também não puderam ser repassados à COAGRI, pois se tratava de uma dívida
contraída em exercício anterior no ano de 1999. Além disso, os técnicos da EMATER
não foram autorizados a assinar as notas fiscais, condição para o Banco do Brasil,
liberar o dinheiro, quando se trata de pagamentos à COAGRI. Enfim, este adiantamento
de recursos financeiros feitos pela COAGRI aos assentados do Marcos Freire causou
enormes transtornos para a cooperativa, pois foram poucos os assentados que saldaram
suas dívidas. Alguns assentados do Marcos Freire acabaram pagando a dívida com
recursos próprios. Mas, a grande maioria não conseguiu saldar suas dívidas na
COAGRI, por causa, principalmente do desgaste financeiro dos recém assentados e do
longo tempo de acampamento.
As declarações, tanto dos assentados em geral, como da direção da COAGRI e
do MST, foram de que além de erros de investimentos (caso do investimento na
produção e comercialização de grãos), houve problemas administrativos, ou seja, as
deficiências financeiras da COAGRI ocorreram em parte por causa da ausência de uma
administração profissionalizada. Segundo o INCRA, esta também foi uma das causas
das dificuldades da cooperativa. Na prática, a política adotada pelo INCRA para as
cooperativas dos assentamentos também foi uma das causadoras das dificuldades.
Em resumo, o que vemos é que a experiência cooperativa dentro dos
assentamentos analisados sofreu de problemas e contradições. As unidades da COAGRI
não conseguiram se viabilizar dentro dos PAs Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire e
a crise profunda em que entrou levou-a a se extinguir no ano de 2001, depois de oito
anos de operação.
Atualmente, os espaços onde funcionavam as unidades da COAGRI nesses
dois assentamentos, hoje são utilizados pelas centrais de associações desses

50
assentamentos. O que permite perceber como o processo de cooperação é um elemento
dinâmico que deve ser analisado no longo prazo. No próximo capítulo, trataremos dessa
continuidade, analisando como as formas organizativas dos assentamentos Ireno Alves
dos Santos e Marcos Freire se dão na atualidade.

51
CAPÍTULO 3- ORGANIZAÇÃO ATUAL DOS ASSENTAMENTOS
IRENO ALVES DOS SANTOS E MARCOS FREIRE.

Os assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire, como apontado


acima, localizam-se nos municípios de Rio Bonito do Iguaçu e de Nova Laranjeiras, que
compõem o Território da Cidadania Cantuquiriguaçu. A distância da sede do município
ao ponto mais próximo dos assentamentos é de 4 km.
Aproximadamente 90% da área do assentamento Ireno Alves localiza-se dentro
dos limites territoriais do município de Rio Bonito do Iguaçu. Por essa razão, tomo-se
esse município como base para a descrição da localização e acesso ao assentamento,
mesmo sabendo que ele tem parte de sua área territorial inserida no município de Rio
Bonito do Iguaçu e parte em Nova Laranjeiras.(Plano de Consolidação, 2004)
Já em relação ao assentamento Marcos Freire, 100% da sua área localiza-se
dentro dos limites do município de Rio Bonito do Iguaçu, mas há uma distância
considerável até a área urbana do município, ficando assim o acesso mais fácil ao
município limítrofe de Saudade do Iguaçu, mas por outro lado, todo o relacionamento
político, econômico e social dos assentados dá-se em Rio Bonito do Iguaçu, alem disso
grande parte dos assentamentos margeia a BR 158, o que facilita o acesso e
conseqüentemente, o abastecimento e o escoamento da produção dos assentamentos.
(PLANO DE CONSOLIDAÇÃO, 2004)

52
Figura 04: Localização dos assentamentos I. A. S e M. F dentro do município de Rio Bonito do Iguaçu, área de estudo.

Fonte: Prefeitura Municipal de Rio Bonito do Iguaçu, 2011

53
As famílias que integram os assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos
Freire são de uma diversidade geografia muito grande, provenientes de sessenta e quatro
municípios diferentes, destes, trinta e quatro localizam-se na região Sudoeste do Estado
do Paraná. Os outros 35% das famílias vieram do Paraguai e dos Estados de Santa
Catarina, Rio Grande do Sul, Rondônia e Mato Grosso. (PLANO DE
CONSOLIDAÇÃO, 2004)
A maioria dessas famílias vivia em áreas rurais,vendendo sua força de trabalho
como diaristas, arrendando pequenas áreas para produzir ou viviam nas periferias de
algumas cidades maiores, como Foz do Iguaçu e Guarapuava, na maioria
desempregados, ou sem trabalho fixo nem profissão definida e com qualidade de vida
precária.

Há também uma diversidade de origem étnica entre as famílias dos


assentamentos. Há descendentes de alemães, poloneses, italianos e índios, que afirmam
que migraram para conseguirem uma propriedade “um pedaço de terra” para produzir.

De acordo com o Plano de Consolidação do assentamento Ireno Alves dos


Santos (2004)2004, dos que participaram desta historia, 65% permanece na área e
afirmam: “Valeu a pena, antes não tínhamos onde morar”, “Agora estamos sossegados”,
“Aqui tem escola, e o que plantar dá, só não colhe quem não planta”

Tudo isso graças à desapropriação de 16.852 hectares para o assentamento


Ireno Alves dos Santos e 10.095 hectares para o assentamento Marcos Freire. Antes,
quando a terra pertencia à empresa Giacomet-Marondin, essa terra dava lucro para um
pequeno grupo, hoje é o sustento de 1538 famílias, sendo que no Ireno Alves são 934
famílias assentadas e no Marcos Freire são 604 famílias assentadas.
As culturas que mais se destacam hoje nos assentamentos são as culturas de
milho, soja, feijão e arroz. Outra atividade que é praticada pelos agricultores nos
assentamentos é a fumicultura, integrada com a empresa Universal Leaf Tabacos Ltda e
com a Souza Cruz, empresas essas responsáveis pelos contratos de produção. Outra
atividade desenvolvida é a sericicultura que tem a vantagem, como a pecuária leiteira,
de fornecer uma renda mensal aos produtores durante um período de 6 a 9 meses.
(PLANO DE CONSOLIDAÇÃO, 2004)
Hoje em dia a fumicultura e a sericultura, perderam relativamente seus espaços
e a atividade que cada vez mais avança é a produção leiteira, que vem sendo uma

54
atividade complementar na renda, como garantia de uma dinheiro mensal, ajudando nas
despesas da propriedade, pois a produção de grão tanto pode produzir bem e pegar bom
preço para comercialização, ou não. Na maioria das vezes, os agricultores assentados
trabalham em atividades complementares, pois o lucro da lavoura é pouco ou nada. O
modelo do agronegócio no assentamento é dominante, o que eleva os custos da
produção, os produtores pagam altos preços por insumos, horas/máquina, etc. e na
época da colheita os preços para comercialização estão em baixa tornando muito
desigual os custos do plantio e os de comercialização, o que acaba levando o prejuízo
aos agricultores. Na verdade, o lucro acaba na maioria das vezes ficando para as
cooperativas do município de Rio Bonito do Iguaçu, CAMIX, COASUL,
COOPERGRÃO, as mais utilizadas pelos produtores, essas cooperativas estão inseridas
na lógica do mercado, elas agem como financiadoras e atravessadoras da produção.
Dentro dessa lógica de cooperativa empresarial, visando apenas o seu próprio lucro e
crescimento, muitas das vezes os produtores trabalham no vermelho, ou seja, o que
colhem só cobre o que foi investido na produção, ou até em outras situações o produtor
acaba endividado, se a lavoura não produzir bem. (PLANO DE CONSOLIDAÇÃO,
2004).

Outros tipos de criações desenvolvidas nos assentamentos são a cria de suínos


e de galináceos, fundamentalmente destinados a o consumo próprio (PLANO DE
CONSOLIDAÇÃO, 2004)
Entrando nas formas organizativas atuais nos assentamentos, o território do
assentamento Ireno Alves dos Santos é constituído de novecentas e trinta e quatro
famílias que são divididas em quinze comunidades para uma melhor organização das
famílias, sendo essas comunidades: Arapongas, Guadalupe, Juriti, Alta Floresta, São
Francisco, Açude Seco, Nova Santa Rosa, Santo Antônio, Irmã Dulce, São Vicente,
Nova Conquista, Nova União, Nova Estrela, Sede, Nossa Senhora da Aparecida e o
Grupo 52. Todas essas comunidades fazem parte da central das associações da CACIA,
formada em sua direção por assentados e que buscam recursos junto aos órgãos públicos
municipais, estaduais e federais.
Já o assentamento Marcos Freire, com seisentas e quatro familias, está dividido
em treze comunidades, sendo elas: Paraíso, Campos Verdes, Quatro Encruzo, Alto
Alegre,Centro Novo, Camargo Filho, Santa Luzia, Aliança, Apra, Cristo Rei, Nova

55
Aliança , Água Morna, Alto Água Morna. Essas comunidades são representadas pela
ACAMF.

3.1-A ORGANIZAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS IRENO ALVES DOS SANTOS


E MARCOS FREIRE: EXPERIÊNCIAS PRODUTIVAS E FORMATIVAS.

Os assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire estão organizados


atualmente por meios de centrais de associações comunitárias. Devido à grande
extensão territorial dos assentamentos, essas associações foram criadas com o intuito de
gerir recursos do PAC (Programa de consolidação e emancipação de assentamentos
resultantes da Reforma Agrária)/BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). O
PAC é executado pelo instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA,
com o apoio do – BID. (Plano de Consolidação, 2004)
O programa tem por objetivo sistematizar e acelerar o processo de
desenvolvimento e consolidação dos projetos de assentamentos da reforma agrária, num
horizonte temporal definido, visando a sua graduação e integração à agricultura familiar
do município e região, mediante a realização de investimentos complementares em
infra-estrutura econômica e social, em assistência técnica e em capacidade, para dar
maior eficiência às ações setoriais dirigidas à sustentabilidade econômica e ambiental
dos sistemas produtivos, melhoria da renda e das condições de vida das famílias e à
estabilidade social dos assentados. (Plano de Consolidação, 2004)
As estratégias do PAC visam acelerar o processo de consolidação dos projetos
de reforma agrária por intermédio da elaboração do Plano de Consolidação do
Assentamento proporcionando investimentos complementares em infra-estrutura sócio-
econômica e o confinaciamento em assistência técnica e treinamento, de tal forma a
garantir a sustentabilidade econômica e ambiental, bem como a estabilidade social das
famílias assentadas. Essa estratégia busca minimizar o envolvimento da administração
central do INCRA e enfocar a autonomia dos assentamentos com o apoio de seus
escritórios locais e das municipalidades.5
Os benefícios do Programa são os assentamentos do INCRA selecionados, que

5
Disponível em:
<http://www.incra.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=42&i
temid=72>

56
por meio de suas organizações comunitárias, demonstram poder atingir os indicadores
de consolidação com os investimentos previstos no respectivo PCA, dentro do prazo
acordado. A metodologia de formulação do PCA é orientada por uma concepção geral
de desenvolvimento e uma visão de organização e participação dos benefícios e agentes
públicos, prevendo a necessidade de parcerias e descentralização político-institucional
que fortalecem os assentamentos. Na elaboração do plano de consolidação dos
assentamentos analisados, contou-se com o apoio e a participação do escrito local da
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná – EMATER/PR e da
Prefeitura municipal de Rio Bonito do Iguaçu. As atividades desenvolvidas são geridas
pelas centrais das associações, mas previamente foram feitas uma série de reuniões
entre os técnicos do PAC e os representantes das comunidades, para discussão e
esclarecimento do programa a ser desenvolvido. As centrais de associações
comunitárias são constituídas por quatro representantes de cada comunidade, que
constituem as assembléias gerais de deliberação da CACIA e da ACAMF.
As ações executadas foram elaboradas pela FAHMA, Planejamento e
Engenharia Agrícola LTDA.com o objetivo maior de conseguir o desenvolvimento
sustentável, a melhoria das condições de vida e a estabilidade socioeconômica das
famílias assentadas nos PAs Ireno Alves dos Santos Marcos Freire. No quadro 1 são
listados os projetos eleitos como prioritários para os assentamentos, pelos próprios
assentados, e passíveis de serem implementados com recursos do PAC.

Quadro 1- Ordem decrescente de prioridade dos projetos pelos assentados.


ORDEM DE
PROJETOS
PRIORIDADE
1 Correção de Solo
2 Destoca e Enleiramento
3 Construção de fossas e banheiros e proteção de fontes de água
4 Posto de saúde
5 Construção e reforma de casa
6 Construção e ponte e cascalhamento de estradas
7 Centros comunitários
8 Programa de recomposição florestal

57
9 Assistência técnica
10 Posto telefônico
11 Campos de futebol
12 Abastecedores comunitários
13 Terraceamento
14 Laboratório pelo SUS na cidade
15 Quadra de esportes
16 Posto policial militar no assentamento
17 Melhoria da merenda escolar
18 Produção orgânica
19 Cursos de informática e agropecuária
20 Conservação e desenvolvimento da reserva legal
21 Núcleo universitário no assentamento
22 Controle de erosão nas estradas
23 Salas de informática
24 Vigilância nas escolas
25 Reciclagem do lixo
26 Biblioteca
Fonte: elaborado através do Plano de consolidação dos Assentamentos Ireno Alves dos santos e Marcos
Freire.

Os projetos que contarão com aporte de recursos do PAC, obedecendo aos


limites estabelecidos no regulamento Operativo do programa do PAC. (constam no
quadro 2) Já os demais projetos também considerados prioritários e que não contam
com recursos do PAC, os assentados que representam as centrais de associações CACIA
e ACAMF, se comprometem a buscar recursos, parceiros e apoio das prefeituras de Rio
Bonito do Iguaçu e de Nova Laranjeiras, e de outras instituições públicas e privadas
para implementar os demais projetos considerados prioritários mas que não entra dentro
do regulamento Operativos do programa do PAC.

58
Quadro 2- Projetos eleitos como prioritários para execução com recursos do PAC.
ORDEM DE
PROJETOS ELEITOS COMO PRIORITÁRIOS
PRIORIDADE
1 Correção do Solo
2 Destoca e Enleiramento

3 Construção de fossas e banheiros e proteção de


fontes de água
4 Posto de saúde
5 Reforma de casa
6 Cascalhamento e recuperação de estradas
7 Centros comunitários
8 Programa de recomposição florestal
9 Assistência técnica
10 Conservação e desenvolvimento de Reserva Legal
11 Bibliotecas e salas de aulas
12 Capacitação
13 Resfriadores de leite
14 Quintal da casa
Fonte: elaborado através do Plano de consolidação dos Assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos
Freire.

As associações comunitárias estão em funcionamento desde 2005, como já


comentado anteriormente, essas centrais de associações CACIA e ACAMF, foram
criadas por ser exigência do PAC Com isso, o INCRA espera criar um modelo de
consolidação dos assentamentos descentralizado, ágil, organizado e eficiente,
devidamente testado e aprovado. Através do programa, desenvolvido via convênios
estabelecidos entre o INCRA, prefeituras e associações de agricultores assentados, estão
sendo atendidas cerca de 12 mil famílias de 75 Projetos de Assentamentos distribuídos
em sete Estados: Maranhão; Mato Grosso; Mato Grosso do Sul; Rio Grande do Norte;
Minas Gerais; Paraná; e Rio Grande do Sul.6

Além dessa consolidação e emancipação dos assentamentos, outras


experiências importante são o colégio Iraci Salete Strozak, e o Centro de
Desenvolvimento Sustentável Agropecuário de Educação e Capacitação em

6
Disponível em: www.incra.gov.br/portal/

59
Agroecologia e Meio Ambiente (CEAGRO). Em relação ao colégio, em 2004 se torna
escola Base das Escolas Itinerantes do MST, no estado do Paraná e as escolas dos
acampamentos passaram a ser institucionalizadas através desse Colégio Estadual Iraci
Salete Strozak, com oferta de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, e
Educação de Jovens e Adultos, incluindo também a Educação profissional no
Magistério. (CERICATO, 2008)

A escola desde seu inicio foi pensada dentro da proposta de educação do MST,
que tem dentro de suas discussões, de que se deve preparar as crianças para o trabalho
no meio rural através da capacitação técnica e cientifica habilitar para atividades
cooperativas, aprender a trabalhar e estudar em equipe, a se avaliar, tomar decisões e
assumir os resultados. A escola é local de desenvolvimento integral das pessoas e de
formação de militantes (trabalhar pela comunidade, cultivos dos símbolos e mística da
luta). A escola necessita abordar as expressões culturais dos assentados e da luta pela
terra como um todo, através da mística e da cultura da comunidade assentada,
justificando que “as crianças precisam entender e a valorizar sua cultura (...) se as
crianças não se educarem nessa paixão, nossa escola não atingira seus objetivos” e
nesse sentido, o currículo precisa proporcionar espaços de ‘exercício prático’ dos
valorem que caracterizam o novo homem, a nova sociedade, ou seja, democracia,
organização, trabalho cooperativo, nova cultura, militância, pois tudo isso requer, alem
de esforço coletivo, uma mudança social. (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005 In. Cericato,
2008).

O colégio estadual Iraci Salete Strozak, dentro da proposta pedagógica do


MST, adota a abordagem da pedagogia libertadora, em que o ensino deve completar,
principalmente, a vivência do aluno, utilizando sua cultura e seu interesse como base do
conhecimento, de tal forma que o cotidiano é objeto de conhecimento através do
diálogo permanente entre professor e aluno. O conhecimento é questionar o cotidiano e
sua cultura. Fruto da reflexão sobre a ação, as idéias então formadas são entendidas
como parte de um processo de recriação permanente, o que justifica a importância da
avaliação no processo pedagógico da proposta do MST (SAVIANI apud CERICATO,
2008).
Já em relação ao CEAGRO. Ele surgiu fora do município de Rio Bonito do
Iguaçu, no município de Cantagalo, especificamente dentro do Assentamento Jarau, na

60
localidade de Ouro Verde, quando as famílias assentadas decidiram dedicar um hectare
de cada um dos lotes ou dos módulos do Assentamento para a construção de uma escola
técnica tendo em vista a preocupação da formação dos seus filhos. Isso começou no ano
de 1993 e formalmente a instituição foi fundada legalmente no ano de 1995. Ela se
caracteriza como associação sem fins lucrativos, não é portanto uma instituição de
ensino por excelência, mas tem a tarefa de trabalhar com formação: tanto político-
organizativa, como técnica e profissionalizante dos jovens sobre tudo, mas não só das
áreas de assentamentos.
A partir de 2006, a unidade pedagógica do CEAGRO está na área do
assentamento Ireno Alves, especificamente na localidade da antiga vila da
ELETROSUL (que serviu para a construção da USINA HIDROELÉTRICA DE Salto
Santiago), essa decisão foi tomada, a partir de uma discussão com as associações dos
assentamentos sobre tudo a CACIA e também discussão com o INCRA. Como esta área
de reserva ambiental, reserva legal do Assentamento, estava sendo subutilizada, o
INCRA concedeu o direito de uso para o CEAGRO através de um termo de comodato,
para fazer educação e pesquisa, liberando o uso de duzentos e trinta e quatro hectares
dentro da reserva, uma reserva que é maior de três mil e quinhentos hectares, justamente
para desenvolver e levantar a unidade pedagógica do CEAGRO. E a partir de 2006
começa esse trabalho com as turmas formais e também com outros encontros
seminários, cursos de formação política, mais curtos. (Entrevistado a Laureci Coradace
Leal coordenador da unidade do CEAGRO da Vila Velha, 07/08/2011)
De acordo com dados do Informativo CENATER edição especial, o CEAGRO
vem desenvolvendo atividades desde 2003 nos assentamentos de Rio Bonito do Iguaçu.
Entre as principais atividades destacamos a formação e capacitação, bem como
atividades econômicas e produção de pequenos animais. No total, mais de 200 jovens
filhos de assentados, já se formaram em Técnico Agrícola e atuam hoje nos Estados de
Santa Catarina e Paraná.
O coordenador geral do CEAGRO e diretor estadual do MST, Laureci
Coradace Leal, em entrevista ao CENATER, destaca a importância das parcerias
firmadas entre o MST, COOPERIGUAÇU e a Cooperativa Mondragón (Corporação
Cooperativista da Espanha que fornece assessoria no planejamento de ações), na
organização e realização dos cursos para os assentados. Para ele, essa unificação produz
um modelo que se contrapõe ao agronegócio, e sua lógica que exclui as pessoas, gera

61
miséria e causa maior concentração de terras. “Nosso objetivo é mostrar como é
possível produzir, dentro da agroecologia, aproveitando recursos naturais com outra
lógica de uma produção saudável”.
A principal linha de formação do CEAGRO é o curso técnico, hoje inclusive
reconhecido pelo MEC, o Técnico em agroecologia, antes técnico em agropecuária,
com ênfase em agroecologia. Também começaram desde final de 2008 e formalmente a
partir do inicio de 2009 o curso de tecnologia em gestão de cooperativas, um curso
superior também voltado à formação profissionalizante dos militantes e profissionais
que atuam nas chamadas empresas sociais que são de gestão de responsabilidade do
MST, MPA e os demais movimentos da Via- Campesina, e :

(...) também trabalhamos, ai não é uma sistemática, isso oscila


conforme a conjuntura política organizativa e as demandas de cada
época, com oficinas e cursos de formação, assim como seminários
mais curtos, tanto da juventude como os das direções, nós abrigarmos
varias reuniões da coordenação Regional do MST da Região Centro
Oeste do Paraná e também estão organizando, para potencializar o uso
da estrutura que está sendo levantada aqui e também para prestar
serviços externos de alojamento e hospedagem para outros eventos,
inclusive os que não são do MST, inclusive essa atividade para ajudar
na composição de renda para a sobrevivência do próprio Centro
(Entrevistado A. coordenador da unidade do CEAGRO da Vila Velha,
07/08/2011).

O CEAGRO como sendo um Centro de formação de responsabilidade e gestão


do MST, especificamente da direção Regional do MST da Região Centro Oeste do
Paraná, ele procura se manter fiel, trabalhar a partir dos princípios do Movimento, sobre
tudo da direção coletiva da divisão de tarefas dos estudos, na verdade os princípios da
/entidade são os princípios do Movimento porque ela é uma instituição ou uma
ferramenta da organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. dôo
CEAGRO está formado, além da unidade pedagógica, da unidade de produção em
Cantagalo e da unidade de administração (a sede) em Laranjeiras do Sul. Na unidade
pedagógica, segundo o coordenador,

62
(...) a tarefa especifica do ponto de vista da pesquisa e do experimento
[é] construir e consolidar a unidade em referência de sistema agro-
florestal, chamado (Safs), e também internamente consolidar uma
lógica, um sistema de gestão de participação coletiva, porque esse tem
sido um dos objetivos e princípios do Movimento. A gente procura
envolver todas as pessoas que aqui moram, que trabalham e estudam
na gestão do conjunto da escola. E uma outra dimensão que é a
dimensão externa, que é justamente fazer a nossa parte dentro do
planejamento estratégico do MST que é garantir a formação, que é
fazer tanto a formação técnica em agroecologia que é uma demanda
muito grande no Assentamento e na Região de Jovens que precisam
estudar, se formar inclusive pra ajudar a qualificar o trabalho no seu
lote, na sua família, na sua Comunidade, e também o tecnólogo em
gestão de cooperativa, onde vão seguir formando e trabalhando
perspectivas na formação de gestores que é uma demanda muito
grande, das cooperativas que já existe e também tem dentro no
planejamento estratégico do Movimento a organização e constituição
de outras empresas para ajudar a qualificar a produção o
desenvolvimento dos Assentamentos. .(Entrevistado A. coordenador
da unidade do CEAGRO da Vila Velha, 07/08/2011)

Segundo o mesmo coordenador, o CEAGRO é mantido basicamente e


principalmente pelo próprio MST, que através de projetos que articula com os
ministérios e outras instituições (como a Cooperativa e Universidade Mondragón) ou
até com recursos de empresas, que são mantidas algumas cooperativas, um Super
Mercado que já está revertendo em renda para a organização. Já em relação aos critérios
de ingresso para fazer os cursos no Ceagro precisam ser indicados por uma escola, por
um coletivo, por uma cooperativa ou por um assentamento. A primeira característica
seria essa, fazer parte de algum tipo de coletivo. Os selecionados chegam na escola com
a responsabilidade de formar-se para ajudar a comunidade. Em geral, são filhos de
assentados, já que essa é uma imposição que o próprio PRONERA tem colocado, que só
libera recursos para as turmas que comprovam que todos os seus membros são
beneficiados da Reforma Agrária e também membros de outros movimentos sociais do
campo, como MPA, MAP e MMC.
A unidade do CEAGRO está num processo de construção da parte física, que
são as edificações que estão se levantando, como da parte pedagógica e administrativa.
Nas palavras do coordenador do CEAGRO: “como o principio do Movimento inclusive
é assimilar e desenvolver na prática, tentar assimilar o movimento dialético da
realidade, a gente não tem uma receita de funcionamento, mas então por isso nós
estamos tentando dentro daquela missão, inclusive de aqui ser uma espécie de

63
laboratório também de aprendizado de como se organiza e se faz a organização como se
faz a luta de consolidar também essa parte política pedagógica”.
Os cursos oferecidos pela unidade do CEAGRO da Vila Velha tem a duração
de dois anos a três anos e meio, sendo o curso técnico em agroecologia de três anos a
três anos e meio, e o tecnólogo entre dois anos e meio a três anos. A metodologia dos
cursos sobre a qual o movimento trabalha é a de alternância.O coordenador do Ceagro
aponta que: “os cursos de alternâncias tem duas razões principais de ela existir como
dinâmica e pedagogia dos cursos, uma é a exigência da condição material das pessoas
que não conseguem ficar três anos fora do seu assentamento e de sua casa, da sua
escola, da sua cooperativa, apenas estudando”. A pedagogia da alternância é um jeito de
viabilizar que os jovens os trabalhadores do campo consigam estudar sem abandonar
seu trabalho, e permite também cumprir com a uma concepção filosófica e pedagógica
do Movimento o contato direto com a prática e o contato mais sistemático com a teoria.
Esses exemplos colocados permitem ver experiências de formas de organização
desenvolvida nos assentamentos estudados, o Ireno Alves dos Santos e o Marcos Freire,
com objetivos dentro da lógica e da proposta do MST para viabilizar uma melhor
qualidade e autonomia para as famílias assentadas, garantindo uma educação ligada à
vida prática. Apostando pela educação do/no campo (na Escola base Iraci Salete
Strozak) e pela agroecologia (no CEAGRO) como estratégias de implantar um modelo
de produção, mais saudável e com menos gastos, para quebrar com o modelo do
agronegócio, e por uma autonomia dos processos da produção por partes dos
assentados, que só podem ser duradouros em função de uma educação ampla e crítica
com a sociedade atual, como a educação do campo.
É dentro desses processos de luta para se garantir essas formas de organização
e formação diferenciada da educação convencional e da luta pela resistência ao
capitalismo e pela busca da autonomia das famílias assentadas, que as centrais de
associações foram criadas e vem se qualificando, como uma nova forma de organização
dentro dos assentamentos analisados.

64
3.2- CENTRAL DAS ASSOCIAÇÕES COMUNITARIAS DO ASSENTAMENTO
IRENO ALVES DOS SANTOS (CACIA) E . ASSOCIAÇÃO CENTRAL DO
ASSENTAMENTO MARCOS FREIRE (ACAMF): ALGUNS APONTAMENTOS

Vejamos a seguir algumas das características e das ações que as associações


vem implementando para avançar na estruturação dos assentamentos após o fracasso da
COAGRI. Em primeiro lugar a CACIA.

Imagem 1: Símbolo da CACIA

Fonte: CACIA, 2011.

As novecentas e trinta e quatro famílias do Assentamento Ireno Alves dos


Santos são divididas em 15 comunidades, para uma melhor organização das famílias,
pois o assentamento é muito extenso. Estas comunidades são denominadas Associações
Comunitárias e o objetivo é viabilizar a busca de recursos para investir nelas e portanto
na viabilidade do assentamento.
A CACIA é formada em sua direção por assentados, sendo quatro
representantes de cada comunidade, formando um total de 64 representantes que
constituiem a assembleia geral de deliberação do programa do PAC. Esses
representantes são eleitos a cada dois anos e todos os membros das comunidades tem
direito a votar. Essa direção fica responsavel de busca recursos junto a órgãos públicos
municipais, estaduais e federais.
A CACIA entrou em funcionamento no ano de 2005, depois de elaborado o
Plano de Consolidação do Assentamento, destacando as características do assentamento

65
e das famílias assentadas, além dos projetos, definidos pelos assentados a serem
desenvolvidos no assentamento considerados, como prioritários. (já comentados acima
conforme os quadros 1 e 2).
A estrutura da CACIA, está localizada na comunidade do Arapongas, onde
funciona o seu escritório, no antigo prédio da COAGRI(ver foto)

Figura 05: Escritório da CACIA, no antigo prédio onde funcionada a COAGRI.

Fonte: Lisane Carvalho, 2011.

66
Apontamos, agora algumas informações da ACAMF.

Imagem 2: Símbolo da ACAMF.

Fonte: ACAMF, 2011.

As seiscentos e quatro famílias do Assentamento Marcos Freire são divididas


em treze comunidades, que também como a CACIA, em função do grande numero de
famílias e sua extensão estão organizadas em pequenas associações comunitárias.
Segundo o Presidente da ACAMF:

ACAMF é uma abrangência das onze comunidades das onze


associações comunitárias, em cada associação comunitária do
assentamento Marcos Freire ela tem uma associação, cada uma das 11
comunidades se juntaram e fizeram de quatro a seis representantes de
cada associação comunitária juntaram e fizeram a associação central
dessas onze comunidades, ACAMF então é a central que representa as
famílias, desde os recursos financeiros através do INCRA representa
os órgãos municipais e estaduais e federais. (Entrevistado N.
Presidente da ACAMF, em 06/08/2011)

Segundo Galera (2009), a ACAMF abrange treze comunidades (Paraíso,


Campos Verdes, Quatro Encruzo, Alto Alegre, Centro Novo, Camargo Filho, Santa
Luzia, Aliança, Apra, Cristo Rei, Nova Aliança , Água Morna, Alto Água Morna), e
possui seus quatro representantes de cada comunidade, que são eleito a cada dois anos
A ACAMF, entrou em funcionamento no ano de 2007, depois da construção do

67
Plano de Consolidação do Assentamento Marcos Freire, elaborado em 2006, seu
escritorio funciona na comunidade do Centro Novo, tambem na antiga estrutura da
COAGRI.

A ACAMF hoje se for colocar a importância, ela se soma hoje uma


das maiores empresas de empreendimentos ou cooperativa ou que seja
chamada, dentro do município de Rio Bonito do Iguaçu, hoje ela tem
entorno juntando todos os sócios da ACAMF em torno de 10.000 mil
e poucos hectares de terra, juntando a isso, ultimamente, em recurso,
em repasse de recursos do governo federal são mais de 15 milhões de
reais investidos, em infra-estrutura, social, da parte habitacional, da
parte cultural da parte, enfim de estrada, de cooperativa, projetos de
assistência técnica, então ela é uma imensa cooperativa, imensa
empresa, empreendimento, como queira chamar, dentro do município
de Rio Bonito do Iguaçu, hoje então ela está se somando, hoje nós
temos a maioria dos dois assentamentos, temos a maioria dos
pequenos agricultores do município, de Rio Bonito do Iguaçu. Então a
ACAMF alem dela desempenhar um papel econômico, que é da
geração de renda, a tarefa a função da ACAMF é a da participação dos
assentados, de representação juntos aos órgãos municipais, estaduais e
federais, e essa é a função da ACAMF de alentar, buscar recursos,
discutir problemas das comunidades dos assentados, junto das esferas
municipais, estadual e federais. (Entrevistado N. Presidente da
ACAMF, em 06/08/2011).

Já segundo seu I., também da direção da ACAMF, ela é uma associação sem
fins lucrativos

(...) nós estamos mantendo as despensas delas assim, através de


projetos, de convênios com a prefeitura de 2.500 reais por mês pra
manutenção dela, pois ela tem outra fonte de renda, mas administra 11
milhões, que são do programa do PAC, são apenas da reserva do PAC,
pra investimento dentro do assentamento, que dentro desse recurso
não se pode tirar nada, tem que ser só feito com licitações, são
destoca, calcário, fosfatos, horas máquinas e centro comunitário, etc.
(Entrevistado I. direção da ACAMF, em 06/08/2011)

68
Figura 06: Centro comunitário construído na comunidade do Centro Novo, no
Assentamento Marcos Freire,

Fonte: http://www.xagu.com.br/?p=5035, 2011.

Esse é o primeiro centro comunitário construído, dos onze centros


comunitários previstos. A obra possui 440 m² e foi construído com recursos do PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento), mais contrapartida da Prefeitura. Ao todo,
será investido R$ 1, 805 milhão na construção das onze edificações. Serão sete centros
comunitários para o Assentamento Marcos Freire e quatro no Ireno Alves dos Santos.

Dos profissionais que trabalham na ACAMF foram todos contratos por


licitações, sendo dois engenheiros, dois agrônomos, uma assistente social, uma
veterinária e um engenheiro florestal, todos com contrato assinado e que vence no final
de 2011. (Entrevistado, I. Direção da ACAMF, em 06/08/2011).

A ACAMF, trabalhando hoje junto com a CACIA, vem desenvolvendo


mudanças bem significativas nas dimensões: econômica, social ou política.A
COOPERIGUAÇU – Cooperativa Iguaçu de Prestação de Serviços presta serviços de

69
Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) desenvolveu atividades para 28
comunidades nos Assentamentos de Reforma Agrária Ireno Alves e Marcos Freire,
totalizando mais de 1.500 famílias agricultoras atendidas. Este acompanhamento técnico
vem sendo realizado desde o ano de 2008, através do PCA (Programa de Consolidação
de Assentamentos), que é financiado pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária) e através das associações ACAMF (Central de Associações
Comunitárias do Assentamento Marcos Freire) e CACIA (Central de Associações
Comunitárias do Assentamento Ireno Alves dos Santos).

Está sendo desenvolvida também referências em produção de maracujás


orgânicos, pepinos, adubação verde, noz pecan, produção de leite a pasto, além de
auxiliar no melhoramento de galinhas caipiras, pastagens, proteção de nascentes, resgate
da biodiversidade e experimentos com variedades de sementes crioulas. Para
complementar a renda dos produtores, a Cooperiguaçu realiza também cursos voltados
para mulheres e jovens como artesanatos, produtos reciclados, costuras, pinturas e
outros. No total, já foram realizados 196 cursos na ACAMF e 180 cursos na CACIA,
visando a sustentabilidade ambiental, econômica e social das famílias agricultoras.
Além disso, são realizadas outras atividades que permitem acesso à cultura, lazer,
educação e saúde, bem como o incentivo da permanência do jovem no campo.

Hoje se está investindo nos assentamentos pesquisados na produção de leite


orgânico (está em licitação a construção dentro dos assentamentos de um laticínio) e na
produção agroecologica, esta em parceria com a unidade do CEAGRO.

Segundo coloca o Presidente da ACAMF:

(...) acho que a tarefa nossa da ACAMF, das associações, agora é


organizar o povo pra ir formando cooperativas, essa é outra tarefa,
anseios nosso dos assentados das demais famílias, que a associação é
sem fins lucrativos, hoje depois de anos de 15 anos 12 anos de
assentamento a tarefa nossa de estar acumulando, de como vamos
avançar na cooperativa no campo, da cooperação junto aos assentados,
essa é a tarefa crucial desses anos para ACAMF, pra fortalecer a
cooperação dos assentados. (Entrevistado N. Presidente da ACAMF,
em 06/08/2011)

70
O objetivo das centrais de associações comunitárias, CACIA e ACAMF, vêm
se materializando na busca da cooperação, na criação de agroindústrias e de
cooperativas para se avançar na produção e para garantir a renda das famílias
assentadas. Todo com o objetivo de buscar maior autonomia e garantir sua permanência
no assentamento, contrapondo-se à lógica excludente do capital e dentro da lógica de
cooperação do MST, que está contida nas atividades realizadas em conjunto e que não
significa apenas a viabilização das necessidades econômicas, mas também as sociais e
políticas.

71
CONCLUSÃO

Através dessa pesquisa procurei compreender como se deu o processo de luta


pela terra nos acampamentos do MST em Rio Bonito do Iguaçu e de todo o seu
percurso. Essa história,está travada de muitas lutas dificuldades, enfretamentos e
desafios que marcaram para sempre a vida de muitas famílias que lutaram para fazer
realidade um sonho: um pedaço de terra para o sustento de sua família e melhorar sua
qualidade de vida.
Para se entender como se dá o processo no seu real sentido e suas divergências,
procurei pesquisar e analisar como se deu o processo da luta pela terra, da reforma
agrária partindo do global para o local, entendendo a luta pela terra no território
nacional, a reforma agrária no Brasil, para depois entender a luta pela terra no campo
paranaense, a reforma agrária no Paraná, e o principal atuante desse processo o MST e a
sua proposta de reforma agrária que difere da proposta do governo.
Uma vez analisadas essas escalas, foquei o alvo da minha pesquisa, na escala
local, a luta e ocupação de terra em um dos maiores latifúndios improdutivos do Paraná
o Assentamento Ireno Alves dos Santos e o Assentamento Marcos Freire.
A luta pela reforma agrária em Rio Bonito do Iguaçu mostrou que a união de
um povo em busca de seus objetivos, com seriedade, persistência e honestidade faz com
que se consiga conquistá-los. Essa foi uma grande conquista e essa vitória serviu de
exemplo para muitos povos, que viram nessa conquista motivos para levar adiante seus
sonhos e aspirações.
Na sequência, fui procurar entender como os assentamentos Ireno Alves dos
Santos e Marcos Freire, estão organizados. Para isso foi necessário entender a proposta
de cooperação do MST e de algumas experiências de cooperativa, ligadas a esta
proposta de cooperação/cooperativas do Movimento Sem-Terra, especificamente a
experiência da COAGRI na região em análise e as prováveis causas do seu fracasso,
sobre tudo dentro dos dois assentamentos estudados.
Para finalizar, tentei fazer um relato da atualidade dos assentamentos, no
sentido da nova experiência de organização e desenvolvimento dentro de assentamentos
através das centrais de associações, a CACIA e a ACAMF, que mesmo se utilizando de
parcerias e de verbas institucionais, elas vêm realizando dentro de alguns processos de

72
cooperação do MST, a busca por autonomia camponesa, com melhoria de renda, de
forma que se viabilize a sobrevivência dos assentados frente ao atual modelo econômico
de desenvolvimento da agricultura, que explora e exclui a classe camponesa.
Considerando a historia de luta e as realidade desses assentamentos, onde
emergem novos desafios, as famílias assentadas estão criando experiências alternativas
nas formas de organização e nas diversas atividades dos assentamentos: a criação de
novas formas de organização do trabalho, a luta por uma política agrícola diferenciada,
a luta pela criação de cooperativas de produção e comercialização, a luta pela moradia,
saúde e educação, etc. Essas novas experiências estão sendo geradas nos assentamentos
pesquisados em uma lógica constante de avanços e retrocessos, mas sempre se
(re)organizando ao redor dos valores camponeses, para não serem esmagados nas ações
desenvolvimentistas do capitalismo.

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