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Ações imobiliárias

Introdução às ações possessórias

Classificações das ações

 O aprofundamento dos estudos sobre a ação no processo civil levou à criação de


alguns critérios de classificação das ações.
 O critério preferencial da doutrina mais moderna é a classificação segundo o critério
da providência jurisdicional invocada ou da tutela jurisdicional segundo sua eficácia.
 Essa classificação foi muito utilizada nos anos de vigência do Código de Processo Civil
de 1973 e prossegue agora na vigência do Código de Processo Civil de 2015.
 Essa classificação divide as ações (ou tutelas) em condenatórias, constitutivas e
declaratórias, executivas ou mandamentais.
o As ações condenatórias são aquelas que têm por objetivo a condenação do
réu, isto é, a imposição ao réu de uma obrigação que deve cumprir.
 É típica ação condenatória, por exemplo, uma ação simples de
indenização.
o As ações constitutivas, por sua vez, são aquelas que tendem, quando
procedente o pedido, a criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica.
 Considerada a situação jurídica anterior, uma sentença de procedência
em uma ação constitutiva implica nova situação jurídica.
o As ações declaratórias são aquelas que têm por objetivo a declaração da
existência ou da inexistência de uma relação jurídica.
 Elas objetivam, portanto, a obtenção de uma decisão judicial que
declare a existência ou a inexistência de determinada relação jurídica
ou, ainda, eventualmente, a autenticidade ou a falsidade de
determinado documento.
 As ações meramente declaratórias, como também usualmente são
chamadas, não objetivam a condenação e tampouco a criação ou
modificação de uma relação jurídica.
 A sentença se limita a declarar a existência ou não de determinada
relação jurídica (ou se determinado documento é ou não é falso).
o Com relação às ações executivas lato sensu, para a doutrina que admite a
existência dessas ações, tais ações não se limitam à imposição de sanção.
 A tutela buscada, quando obtida, é de certa forma “mais completa”
em relação a uma ação condenatória típica.
 Isto porque o juiz profere um comando, por assim dizer, executável de
imediato, que independe de qualquer procedimento autônomo de
execução ou de cumprimento de sentença, podendo a ordem ser de
imediato executada, como ocorre particularmente nas ações
possessórias ou em uma ação de despejo.
o As ações mandamentais buscam estritamente uma ordem, a qual, concedida
e cumprida, satisfará completamente as necessidades do autor da demanda.
 Exemplo clássico de ação mandamental é o mandado de segurança.
 Contudo, essa classificação, digamos assim, preferencial se considerada a doutrina
mais atual, não expressa toda a riqueza e todas as possibilidades de classificações que
eventualmente podem ser úteis ao operador do direito, especialmente ao operador do
direito voltado à praxe forense.
 Com efeito, o dia a dia da prática jurídica não vive somente da doutrina atualizada,
pelo que o profissional do direito deve estar familiarizado com os conceitos, definições
e classificações, os quais, a despeito de não serem os preferidos da doutrina do
momento, fazem sentido pelo seu uso histórico e pelo seu uso corrente por
operadores do direito em geral.
 Assim, classificam-se como ações de estado aquelas que dizem respeito ao estado da
pessoa, como, por exemplo, uma ação de interdição ou uma ação de divórcio.
 É possível também encontrar referência a ações reais e ações pessoais conforme o
autor da ação busque a tutela de um direito real, como, por exemplo, em uma ação
reivindicatória, ou a tutela de um direito pessoal, como, por exemplo, em uma ação de
indenização por dano moral, ou, ainda, quanto à finalidade, ações reipersecutórias,
penais e mistas, conforme o que se pede seja algo que é devido e está fora do
patrimônio do autor (ações reipersecutórias), ou que tenha por objetivo o
cumprimento de penalidades previstas no contrato ou na lei (ações penais) ou ações
em que se busquem ambos os objetivos (ações mistas).

Critério das ações segundo o seu objeto e as ações imobiliárias

 O critério que especialmente nos interessa neste momento é o critério de classificação


das ações segundo o seu objeto.
 Esse critério é o que define que as ações quanto ao objeto são divididas em ações
mobiliárias ou ações imobiliárias.
 São ações mobiliárias aquelas que versam sobre coisas móveis.
 Contrariamente, as ações que de uma maneira geral versam sobre bens imóveis são
chamadas ações imobiliárias.

Juízo possessório e juízo petitório

 As ações possessórias são aquelas em que se discutem como únicos objetos


relevantes a posse e eventualmente os direitos que decorrem desta posse buscada.
o Ainda que seja possível a cumulação do pedido de perdas e danos com o
pedido de proteção possessória, a grande característica da proteção
possessória em nosso sistema processual é a posse como objeto primordial de
discussão.
o O que se apura na ação possessória é a posse e não o direito a posse.
 Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de
algum dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.196, CC).

 A posse é um fenômeno jurídico relevante e de considerável complexidade.


 É célebre a discussão no âmbito do direito material sobre se posse é fato ou é direito.
o Savigny (adepto da teoria subjetiva) acreditava que a posse era a união de dois
elementos, corpus e animus, isto é, a possibilidade de disposição da coisa e a
vontade do possuidor de ter a coisa como sua.
o Ihering (adepto da teoria objetiva), contrariamente, não via o elemento
subjetivo (animus) como requisito para caracterização da posse, bastando o
elemento objetivo (corpus) para que o possuidor agisse como se proprietário
fosse.
o Embora a posse seja um tema importante do ponto de vista acadêmico, do
ponto de vista operativo convém ter em mente que o legislador no direito
processual civil brasileiro tem sistematicamente tratado a posse
exclusivamente como fato, o que, evidentemente, não a exclui de
considerações valorativas.
o Do ponto de vista operativo convém ter em mente que o legislador no direito
processual civil brasileiro tem sistematicamente tratado a posse
exclusivamente como fato.
 O sistema processual em vigor oferece um conjunto de ações possessórias cuja escolha
varia conforme a modalidade da lesão sofrida, ou seja, conforme se trate de ameaça,
esbulho ou turbação, ter-se-á a medida possessória correspondente, ou seja, o
interdito proibitório, a reintegração de posse e a manutenção de posse.
o O esbulho nada mais é do que injusta privação total da posse e pode resultar
de violência, constrangimento, ato clandestino ou abuso de confiança.
o Já a turbação da posse deve ser entendida como o ato do turbador que
molesta o exercício da posse, sem, contudo, eliminá-la completamente.
o Por sua vez, a ameaça tem lugar quando, embora não tenha sido
materializado o esbulho ou a turbação, ocorre uma real situação indicativa de
que o possuidor poderá perder a posse que justamente a detém.
 O fundamento material da proteção possessória em nosso sistema está atualmente no
art. 1210 do Código Civil, segundo o qual o possuidor tem direito de ser mantido na
posse em caso de turbação, restituído no de esbulho e segurado no de violência
iminente se tiver justo receio de ser molestado.

 O Código Civil também autoriza que o possuidor turbado ou esbulhado se mantenha


na posse ou restitua-se na posse por sua própria força, contanto que o faça logo,
embora estabeleça que os atos de defesa ou de desforço não podem ir além do
indispensável à manutenção ou à restituição da posse.
o É o chamado desforço imediato.

 Posse direta x posse indireta


o Detém a posse direta a pessoa que tem o contato direto, a disposição do bem.
o Posse indireta é exercida por aquele que é proprietário do bem e entrega essa
coisa a outrem.
 A posse violenta se opõe à posse mansa e pacífica.
o A violência pode ser considerada um vício na aquisição da posse.
 A posse pode ser clandestina ou oculta, vale dizer, o possuidor e/ou dono desconhece
o ato de usurpação da posse.
 Diz-se precária a posse que decorre de uma situação que não mais justifique a
permanência da coisa na posse de determinada pessoa.
 A posse pode ainda ser de boa-fé ou de má-fé.
o A posse de boa-fé se caracteriza por não vislumbrar o possuidor qualquer
obstáculo à sua aquisição, vale dizer, na posse de boa-fé o possuidor não
acredita ter lesado direito de ninguém.
o Contrariamente, na posse de má-fé o possuidor tem perfeita ciência dos
obstáculos jurídicos à aquisição da posse, mas mesmo assim se constitui, ao
menos no plano real e fático, possuidor da coisa.
 A proteção possessória típica é aquela prevista em lei, exercida através das ações de
manutenção de posse, reintegração de posse e interdito proibitório.
 A discussão que normalmente se instala numa ação possessória é a de quem tem a
melhor posse, se o autor da ação ou o réu, pelo que o juiz decidirá em favor daquela
parte cuja posse em termos jurídicos lhe parecer a melhor.
o Por essa razão as ações possessórias têm natureza dúplice e não comportam
reconvenção, pois tanto o autor como o réu poderão pedir a proteção
possessória, um em relação ao outro.
o Assim, segundo o art. 556 do Código de Processo Civil em vigor, “é lícito ao
réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a
proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação
ou do esbulho cometido pelo autor”.

o Quando se diz que o juiz examina quem tem a melhor posse, isto quer dizer
que ele em uma ação possessória não analisa quem tem o direito à posse
como ponto de partida da apreciação judicial sobre o caso concreto.
o Na verdade, o que se discute em uma ação possessória é o jus possessionis, e
não o jus possidendi, ou, de forma simplificada, o que se apura nas ações
possessórias é a posse, e não o direito à posse.
o O próprio legislador material também desvincula a questão da discussão da
posse da questão da discussão da propriedade ao estabelecer no parágrafo 2º
do art. 1210 do Código Civil que não obsta a manutenção ou reintegração na
posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa.
 Tradicionalmente os conflitos possessórios traduzem conflitos individuais.
o Entretanto, o legislador acabou por reconhecer que existem certas demandas
possessórias que adquirem contornos de demandas coletivas, especialmente
aquelas que incluem grande número de pessoas no polo passivo.
o Assim, de certo modo, o novo Código de Processo Civil acaba por reconhecer a
existência de demandas possessórias que se aproximam de ações coletivas,
demandando especial atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública
(§1º do art. 554 do Código de Processo Civil), havendo quem fale na existência
de demandas coletivas no polo passivo.
 Voltando aos aspectos que dizem respeito às ações possessórias como as conhecemos
tradicionalmente, se o que se discute em uma ação possessória é a posse e a sua
proteção, em que sede deve ser discutido o direito à posse?
o O direito à posse deve ser discutido não no juízo possessório, mas no chamado
juízo petitório.
o Em outras palavras, aquele que deseja a posse da coisa em função do direito
de propriedade, sem que nunca tenha exercido propriamente a posse, isto é,
tem a titularidade do domínio, mas jamais teve a posse, não tem direito à
proteção possessória.
 Deve, isto sim, demandar no juízo petitório, vale dizer, deve ingressar
com ação reivindicatória.
o A ação reivindicatória, conforme conceituação tradicional e de uso corrente, é
a ação do proprietário que não tem posse em face do possuidor que não é
proprietário.
o O juízo possessório tem como objeto primordial de discussão a posse (jus
possessionis) e não deve ser confundido com o juízo petitório no qual se
discute a posse em função do direito à posse (jus possidendi).
o Versam sobre jus possessionis as ações possessórias típicas, como as ações de
reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório. Versa
sobre o jus possidendi a ação reivindicatória.

Princípios aplicáveis às ações possessórias

 Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello:


o Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro
alicerce dele, dispositivo fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência exatamente por definir a lógica e racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
o Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A
desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico
mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave
forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade
 Princípio da separação absoluta entre juízo possessório e juízo dominial
o Ao menos para efeitos do manejo das ações possessórias, a posse é protegida
a partir de uma situação de fato.
o O Código Civil, como já disse, desvincula a questão da discussão da posse da
questão da discussão da propriedade ao estabelecer, no parágrafo 2º do art.
1210, que não obsta a manutenção ou reintegração na posse a alegação de
propriedade ou de outro direito sobre a coisa, comando esse reforçado pelo
parágrafo único do art. 557 do Código de Processo Civil de 2015.

o Esse mesmo art. 557 do Código de Processo Civil, em seu caput, estabelece
que: Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao
réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for
deduzida em face de terceira pessoa.
o Existindo o pleito possessório, não pode a parte interessada e litigante na
demanda possessória propor ação reivindicatória, que somente será aceita
após o término da ação possessória, se for o caso.
o Conforme o princípio da separação absoluta entre juízo possessório e juízo
dominial, não se permite, em regra, ação de reconhecimento de domínio
enquanto pendente a discussão possessória.
 Princípio da conversibilidade ou princípio da fungibilidade dos interditos
o Sabemos que o mundo real desafia a boa doutrina e nem sempre é possível,
na prática, distinguir de forma clara situações de esbulho, de turbação ou de
ameaça.
o Daí ter o legislador acolhido o princípio da fungibilidade ou da conversibilidade
dos interditos, expresso no art. 554 do Código de Processo Civil em vigor,
verbis: A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a
que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente
àquela cujos pressupostos estejam provados.
o Pelo princípio da conversibilidade a propositura de uma ação possessória em
vez de outra não obstará que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção
legal correspondente àquela ação cujos pressupostos estejam provados.
 Princípio quieta non movere
o Em termos literais, esse princípio indica que não se deve perturbar o que está
tranquilo.
o É um milenar princípio romano de manter a situação fática tal como está
posta.
o Reflexo desse princípio é o texto do art. 1211 do Código Civil em vigor,
segundo o qual: Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-
á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de
alguma das outras por modo vicioso.

o Em outras palavras, sempre que houver dúvida sobre a posse, será nela
mantido o possuidor que detiver a coisa em seu poder.
o Há aqui embutida uma ideia de que a preservação da situação fática até que se
tenha a certeza definitiva sobre a legitimidade da posse é mais conveniente à
ordem pública.
o No plano processual, a aplicação desse princípio produz algumas
consequências.
 A primeira é a de que a tutela liminar ou provisória deve ser
concedida, quando cabível, com excepcional prudência pelo
magistrado.
 Além disso, a chamada posse velha, isto é, aquela existente há mais de
ano e dia, impede a concessão de medida liminar (art. 558 do Código
de Processo Civil de 2015).

Visão geral das ações possessórias no CPC

Disposições gerais aplicadas a todas ações possessórias

 Mantendo sistemática similar à do Código de Processo Civil de 1973, o Código de


Processo Civil em vigor mantém um título específico (título III) voltado aos
procedimentos especiais.
 O legislador principia as disposições gerais com uma norma evidentemente voltada ao
julgador (art. 554, CPC) ao estabelecer que a propositura de uma ação possessória em
vez de outra não obstará que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal
correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

 Uma importante novidade em relação à codificação anterior diz respeito ao


reconhecimento de que determinadas ações possessórias adquirem contornos de
verdadeiras ações coletivas.
o Assim, no §1º do art. 554 estabelece o legislador que no caso de ação
possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas serão
feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a
citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do
Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência
econômica, da Defensoria Pública.
o Essa citação pessoal será feita pelo oficial de justiça que procurará os
ocupantes do local por uma vez, citando-se por edital os que não forem
encontrados (art. 554, §2º).
o Ainda com relação a tais ações que adquirem contornos de ação coletiva, deve
o juiz determinar que se dê ampla publicidade da existência da ação dos
respectivos prazos processuais, podendo, para tanto, valer-se de anúncios em
jornal ou rádio locais, da publicação de cartazes na região do conflito e de
outros meios (art. 554, §3º).

 O legislador também previu a possibilidade, tal qual a codificação anterior, de que ao


autor é lícito cumular ao pedido possessório pedido indenizatório por perdas e danos e
indenização dos frutos (art. 555, I e II).
o Pode, ainda, o autor pleitear medidas necessárias e adequadas para que se
evitem nova turbação ou esbulho, bem como para que se cumpra a tutela
provisória ao final (art. 555, parágrafo único, I e II).
 Atentando-se ao caráter dúplice das ações possessórias, permitiu o legislador que o
réu, na contestação, alegando que foi ofendido em sua posse, demande proteção
possessória.
o Poderá também o réu demandar indenização pelos prejuízos resultantes da
turbação ou esbulho cometido pelo autor (art. 556).

 O legislador também se manteve fiel ao princípio, tradicional em nosso sistema


processual, de separação entre juízo possessório e juízo petitório.
o Dessa forma, diz o art. 557 que na pendência de ação possessória é vedado,
tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio,
exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa.
o Advertiu ainda o legislador que não obsta a manutenção ou a reintegração de
posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa (art. 557,
parágrafo único).
 Não se admite a exceção de propriedade.

 Ainda no âmbito das disposições gerais o legislador fixou a distinção entre ações
possessórias que versem sobre a posse nova (posse com menos de ano e dia) e posse
velha (posse com mais de ano e dia), estabelecendo que regem o procedimento das
ações de manutenção de posse e da reintegração de posse, quando tais ações
versarem sobre posse nova, as regras específicas do procedimento especial.
o Contrariamente, quando tais ações de manutenção ou reintegração versarem
sobre posse velha serão regidas pelas regras do procedimento comum
(contudo, sem que percam seu caráter possessório).
o Esse regramento tem algumas consequências práticas, sendo a principal delas
o entendimento consolidado desde a codificação anterior de que não cabe
liminar em possessória que verse sobre posse velha (quieta non movere).

 Finalizando as disposições gerais, o legislador também permitiu que o juiz determine,


ressalvada a hipótese de impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente, a
prestação de caução real ou fidejussória pelo autor mantido ou reintegrado
provisoriamente na posse (art. 559).

Cabimento das ações possessórias

 O legislador estabelece algumas situações idealmente consideradas e para cada uma


dessas situações prevê a utilização de determinada ação possessória.
 A primeira situação que abordaremos diz respeito à turbação, concebida aqui como a
ação de turbar.
o O verbo turbar tem origem latina e seu sentido original guarda relação com
agitar, perturbar, amotinar, ou toldar, turvar (como quem turva as águas de
um rio), transtornar, enfim, perturbar alguém.
o A turbação causa perturbação, ou seja, o desequilíbrio, a alteração da ordem.
o Em termos processuais a turbação não é a forma mais grave de atentado
contra a posse, já que na turbação não perde o possuidor integralmente a
posse.
o Entretanto, na situação ocorrente de turbação, não pode o possuidor
desfrutar pacificamente da posse, sofrendo perturbação e vendo-se na
contingência de não poder exercer em paz o pleno gozo de sua posse.
o Entenda-se por ato de turbação um ato material que não abranja a integral
disponibilidade para uso da coisa possuída.
o Além disso, evidentemente, deve o ato de turbação ser contrário à vontade do
possuidor.
o O sistema processual para a situação de turbação prevê a ação de
manutenção de posse (art. 560 do Código de Processo Civil).
 A segunda situação prevista pelo legislador é o esbulho.
o Na língua portuguesa corrente esbulho remete ao ato ou efeito de esbulhar,
isto é, ato pelo qual uma pessoa é privada, espoliada, de coisa de que tenha
propriedade ou posse.
o O esbulho é a forma mais grave de violação da posse por impedir de forma
integral o exercício dos direitos da posse.
o O Código Civil em vigor prevê em seu art. 1210 que o possuidor tem direito a
ser restituído na posse em caso de esbulho, aludindo ao direito de ser o
possuidor reintegrado nessa mesma hipótese.
o Assim, a ação possessória a ser utilizada em caso de esbulho é a ação de
reintegração de posse, a medida possessória mais drástica e a que sintetiza
todos os atributos da proteção possessória.

 A terceira situação prevista pelo legislador diz respeito à ameaça que conduza a uma
perspectiva de indesejável evolução para situação de turbação ou de esbulho.
o Trata-se, assim, de uma ameaça concreta, por assim dizer, tanto quanto se
pode cogitar da concretude de uma ameaça.
o Segundo o art. 567 do Código de Processo Civil, o possuidor que tenha justo
receio de ser molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da
turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se
comine ao réu determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito.

Aspectos processuais das ações possessórias

 Fungibilidade
o Um primeiro aspecto para o qual se deve atentar quando da escolha da ação
possessória é o de que nem sempre é possível, na prática, distinguir esbulho
de turbação ou mesmo a turbação da ameaça.
o Daí ter o legislador acolhido o princípio da fungibilidade ou conversibilidade
dos interditos, expresso no art. 554 do Código de Processo Civil, pelo qual, a
propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará que o juiz
conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela ação
cujos pressupostos estejam provados.
 Competência
o A definição sobre a competência do juízo nas ações possessórias varia
conforme se trate de demanda possessória sobre coisa móvel ou sobre imóvel.
o Se a demanda versar sobre coisa móvel, aplica-se a regra geral do art. 46 do
Código de Processo Civil, isto é, o foro do domicílio do réu.

o Se a disputa for sobre imóvel, o que caracteriza a ação como uma ação
imobiliária, a ação deverá ser proposta no foro da situação da coisa (foro rei
sitae), conforme o parágrafo 2º do art. 47 do Código de Processo Civil.
o Do ponto de vista da competência em razão da matéria, as ações possessórias
são ações civis por natureza e ordinariamente são ajuizadas perante a Justiça
Comum dos Estados.
o Havendo interesse da União, desloca-se a competência para a Justiça Federal,
em obediência ao quanto disposto no art. 109, I, da Constituição Federal,
como, por exemplo, em ação possessória envolvendo área ocupada por
remanescentes de quilombos ou área ocupada por comunidade indígena e de
proteção ambiental de interesse do IBAMA.
o Situação peculiar, por vezes ocorrente, diz respeito à competência da Justiça
do Trabalho para determinadas ações possessórias.
 O Superior Tribunal de Justiça considerou a Justiça do Trabalho
competente para julgar a ação de manutenção de posse na qual se
discutia localização, demarcação e confrontações de imóvel alienado
judicialmente no âmbito daquela Justiça Especializada.
 Considerou a Corte Superior que a discussão estava intimamente
relacionada ao processo executório, porquanto se questionavam,
naquela ação possessória, aspectos relativos à validade da constrição
judicial sobre o imóvel.
 Também tem sido admitida a competência da Justiça do Trabalho para
julgamento de ações de interdito proibitório promovidas por
empresas em face de sindicato profissional para que ele se abstivesse
de impedir o ingresso de trabalhadores e pessoas no estabelecimento
da demandante
 Legitimidade ativa
o O possuidor detém a legitimação ativa.
 Aquele que detém a coisa na dependência de comando de outrem, em
nome do verdadeiro possuidor, ou por mera tolerância deste, não tem
legitimidade.
o Nos casos de locação, usufruto, penhor, comodato, etc., tanto o possuidor
direto como o indireto podem valer-se da proteção possessória contra
terceiros, além de poder exercê-la um contra o outro se a conduta de um
deles representar esbulho ou turbação.
o O poder público pode também valer-se da proteção possessória sobre bens
públicos de uso comum do povo, como estradas e pontes, por exemplo.
 Legitimidade passiva
o É legitimado no polo passivo todo aquele, pessoa física ou jurídica, que
ameaçar, turbar ou esbulhar a posse do autor.
o Circunstância comum e que não deve impedir o ajuizamento da ação e seu
recebimento pelo Juiz, com o deferimento de eventual medida cabível
liminarmente, é a possibilidade de invasores não identificados, do que resulta
que a petição inicial poderá não declinar a identificação e a qualificação
completa dos invasores, por desconhecer o autor tais informações.
o Quanto ao cabimento de ação possessória contra o Poder Público, ainda que
se admita em estágios iniciais do esbulho possessório ou em situações muito
particulares, o fato é que a jurisprudência dominante segue no sentido de que
não cabe ação possessória quando o desapossamento se consumou.
 Neste caso restaria à parte prejudicada valer-se da chamada ação de
desapropriação indireta, que nada mais é do que uma ação de
natureza indenizatória, como forma de reparar o prejuízo causado
pelo perdimento da posse.
 Atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública
o O §1º do art. 554 do novo Código de Processo Civil contém importante
inovação sobre o papel do Ministério Público e da Defensoria Pública.
o Segundo esse dispositivo: No caso de ação possessória em que figure no polo
passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos
ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais,
determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver
pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.
 Requisitos do pedido
o O Código de Processo Civil estabelece alguns requisitos que devem ser
observados na postulação de ação possessória (art. 561).
o Assim, deve o autor demonstrar a sua posse e, conforme o caso, a turbação ou
o esbulho, assim como a data da turbação ou do esbulho.
o Note-se que a ausência de demonstração da posse pode levar à improcedência
da demanda, e não à carência de ação.
o A propósito já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, que: Não tendo os
autores da ação de reintegração se desincumbido do ônus de provar a posse
alegada, o pedido deve ser julgado improcedente e o processo extinto com
resolução de mérito.
o A insuficiente ou incorreta individualização da área objeto da possessória pode
ser também razão para a improcedência da ação, conforme se observa de
julgado do Superior Tribunal de Justiça.
o Especialmente em relação à ação de manutenção de posse, deve o autor
demonstrar a continuação da posse, embora turbada.
o Tratando-se de ação de reintegração de posse, forçosa é a demonstração da
perda da posse.
o Quanto ao interdito proibitório, deve o autor provar o justo receio a que alude
o art. 567 do Código de Processo Civil.
 Valor da causa
o O valor da causa em ações possessórias é tema desafiador.
o O Código de Processo Civil não estabelece regra específica, restando o critério
geral da aferição do conteúdo patrimonial ou proveito econômico (art. 292,
§3º).
o A questão é que nem sempre é fácil a fixação de valor do conteúdo
patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido pelo autor.
o Casos há em que o conteúdo patrimonial é mais evidente, mas também há
casos em que esse conteúdo é difícil de ser aferido
o De qualquer forma, há precedentes em diversos sentidos, como o valor
estimativo para lançamento de impostos, valor venal, valor do contrato se a
possessória resulta de rescisão contratual, valor do prejuízo pelo não uso do
imóvel ou o valor do proveito econômico, sendo esse o critério prevalecente,
embora, como dissemos, nem sempre seja tarefa fácil essa aferição.
 Ação de força nova e ação de força velha
o A ação de força nova é aquela intentada com menos de ano e dia da perda da
posse.
 Essa ação segue o rito especial previsto para a reintegração de posse.
 Sua principal característica é a de que enseja decisão liminar de
reintegração ou manutenção.
 Após a liminar a possessória seguirá as regras do procedimento
comum.
o A ação de força velha, contrariamente, é a ação intentada após ano e dia da
turbação ou do esbulho.
 Essa ação não perde seu caráter possessório, mas será processada
exclusivamente pelas regras do procedimento comum, porém, não
ensejando a medida liminar de manutenção ou reintegração.
 Liminar em ação possessória
o A decisão que liminarmente mantém ou reintegra o autor na posse tem
natureza de tutela provisória de natureza antecipatória, vale dizer, não se
trata de medida liminar calcada nos requisitos para concessão de tutela
cautelar.
o Pode o juiz designar a realização de audiência previamente à análise do pedido
de liminar, audiência conhecida na praxe forense como de justificação prévia
(art. 562).
o O art. 565 do Código de Processo Civil inova ao dispor que no litígio coletivo
pela posse de imóvel, quando o esbulho, ou a turbação, afirmado na petição
inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido
de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a
realizar-se em até trinta dias.
 Também em tais conflitos, se concedida a liminar e ela não for
executada no prazo de 1 (um) ano, a contar da data de distribuição,
caberá ao juiz designar audiência de mediação.
 O Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a
Defensoria Pública será intimada sempre que houver parte
beneficiária de gratuidade da justiça.
 Curioso é o texto do §3º do mencionado artigo ao dispor que o juiz
poderá comparecer à área objeto do litígio quando sua presença se
fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional.
 É evidente que o juiz pode, desde sempre, comparecer a um local de
litígio sempre que julgar oportuno, pelo que em termos estritamente
técnico-processuais a redação desse parágrafo era desnecessária.
 Entretanto, é compreensível esse dispositivo como uma lembrança ou
recomendação ao magistrado de que em ações possessórias,
especialmente em conflitos coletivos, recomendável é a presença do
juiz, sempre que necessário para melhor compreensão da situação e
boa resolução do litígio.
 Ainda em relação ao litígio coletivo, dispõe o §4º do art. 565 que os
órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da
União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a
área objeto do litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim de
se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência
de possibilidade de solução para o conflito possessório.
o Ainda sobre a liminar em possessórias, resta analisar a possibilidade admitida
em alguns precedentes de liminar em ação possessória de posse velha.
 Embora controversa essa possibilidade, já foi admitida, desde que
presentes os pressupostos para concessão de tutela provisória do
procedimento comum.
 Defesa e reconvenção em ação possessória
o A contestação na ação possessória não difere formalmente da contestação do
procedimento comum, inclusive quanto ao prazo.
 Relembre-se, aqui, da aplicação supletiva do procedimento comum.
o Importante aspecto sobre a matéria de defesa em possessórias diz respeito à
exceção de propriedade ou exceção de domínio.
 Em regra, não é de ser admitida, exceto quando o único ponto
divergente entre as partes for sobre o domínio.
 Com efeito, segundo o caput do art. 557 do Código de Processo Civil,
na pendência de ação possessória é vedado tanto ao autor quanto ao
réu propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a
pretensão for deduzida em face de terceira pessoa.
 O parágrafo único desse artigo adverte que não obsta a manutenção
ou a reintegração de posse a alegação de propriedade ou de outro
direito sobre a coisa.
o Também é certo que a natureza dúplice das ações possessórias não permite o
ajuizamento de reconvenção em sentido estrito, isto é, compreendida como a
ação do réu contra o autor posta no mesmo processo em que é demandado.
 Entretanto, é lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o
ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a
indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho
cometido pelo autor (Código de Processo Civil, art. 556).
 Essa possibilidade não é propriamente reconvenção, mas pedido
contraposto, tal como já definiu o Superior Tribunal de Justiça.
 Há alguns precedentes admitindo reconvenção em ação possessória,
desde que o pleito reconvencional não veicule pretensão possessória
 Caução
o Segundo o art. 559 do Código de Processo Civil, se o réu provar, em qualquer
tempo, que o autor provisoriamente mantido ou reintegrado na posse carece
de idoneidade financeira para, no caso de sucumbência, responder por perdas
e danos, o juiz designar-lhe-á o prazo de 5 (cinco) dias para requerer caução,
real ou fidejussória, sob pena de ser depositada a coisa litigiosa.
o Entretanto, o legislador ressalva a impossibilidade da parte economicamente
hipossuficiente.
 Natureza executiva do procedimento interdital
o A classificação tradicional quanto ao provimento jurisdicional solicitado que se
utiliza nas ações de conhecimento (declaratória, constitutiva e condenatória),
mesmo que sejam consideradas as tutelas de execução e cautelar, não se
amolda bem ao processo possessório.
o Pontes de Miranda classifica a ação possessória como ação executiva, ou seja,
a ação que a acolhe, além de declarar e condenar, possui também força
executiva.

Cabimento e aspectos processuais da ação reivindicatória

 Cabimento
o A ação reivindicatória é cabível quando o proprietário que não tem a posse se
vê na contingência de demandar a posse do possuidor que não é proprietário.
o Embora busque a posse, não se trata de ação possessória, uma vez que seu
fundamento não é a posse, mas o domínio.
o É também chamada ação petitória.
o Em suma, a ação reivindicatória ideal é aquela na qual se conjugam dois
elementos: o domínio do autor e a posse injusta do réu.
 Aspectos processuais
o Não há procedimento específico no Código de Processo Civil tratando da ação
reivindicatória.
o Dessa forma, a ação reivindicatória será processada pelo procedimento
comum, devendo a petição inicial atender aos requisitos estabelecidos no art.
319.
o Tampouco há prazo para ajuizamento da ação reivindicatória, que calcada no
domínio é imprescritível.
o Tratando-se de ação fundada essencialmente no domínio cujo objeto seja bem
imóvel, convém que desde logo o autor faça prova da propriedade,
apresentando o título dominial, sendo recomendado certidão atualizada do
registro de imóveis.
 A identificação precisa do bem é elemento essencial, sob pena de
indeferimento da petição inicial.
o O foro competente é o da situação da coisa, tratando-se de competência
absoluta segundo a melhor exegese do art. 47, §1º, do Código de Processo
Civil.
o A possibilidade de tutela provisória é doutrinariamente admitida, desde que
sejam satisfeitos no caso concreto os requisitos exigidos pela lei processual
para a concessão da tutela provisória buscada.
o A legitimidade para requerer ação reivindicatória é do proprietário.
Eventualmente poderá ser requerida pelo coproprietário, mas não pelo
usufrutuário.
o O polo passivo será ocupado por um não-proprietário que injustamente
possua o bem.
o A contestação obedece ao regramento do procedimento comum.
 Já se admitiu a possibilidade de reconvenção para alegação de
usucapião, ainda que essa possibilidade apresente dificuldades
procedimentais consideráveis, o que por vezes é motivo para rejeição
dessa possibilidade.
o A sentença que julgar procedente a ação reivindicatória será cumprida de
conformidade com o art. 538 do Código de Processo Civil.
Visão geral das questões contemporâneas sobre ações possessórias

Introdução ao conceito de função social da propriedade previamente à Constituição de 1988

 Não é possível dizer de forma precisa quando nasce o direito de propriedade, mas é
evidente que várias sociedades que nos antecederam já concebiam o direito de
propriedade como fundamento cultural, jurídico, econômico e religioso.
 Punições especialmente para o roubo, com o objetivo de fazer respeitar o direito de
propriedade, podem ser vistas no Código de Hamurabi ou no Velho Testamento,
especialmente no Decálogo.
o Neste último, especialmente, se pode notar que dois mandamentos, o de não
roubar e o de não cobiçar, voltam-se à proteção do direito de propriedade.
 O surgimento dos movimentos constitucionais, a partir do século XVIII, consagra nas
constituições ou nos textos de matiz constitucional o direito de propriedade, que será
contemplado dentre os direitos fundamentais em equiparação com outros direitos
fundamentais, como, por exemplo, no Bill of Rights inglês (1689), no Bill of Rights
norte-americano (1789), na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão ao
ensejo da Revolução Francesa (1789) e na Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948).
 No Brasil todas as constituições zelaram pela preservação do direito de propriedade.
 Entretanto, há alguma distinção entre os primeiros textos constitucionais e os textos
produzidos no século XX.
o Neste, especialmente após a I Guerra Mundial, os direitos sociais passam a
disputar espaço nos textos constitucionais com os direitos e garantias
individuais, situação que continuou após a segunda guerra mundial.
o É possível, sem correr risco de exageros, que parte considerável das grandes
questões constitucionais do século XX em diversas nações teve como pano de
fundo essa tensão constante entre direitos individuais e direitos sociais,
acrescentando-se também, como ponto crucial e dialógico com os anteriores,
a liberdade econômica.
o Nesse mundo de pós-guerras, o direito de propriedade, antes visto tão
somente como um direito, passa nas novas concepções constitucionais a ser
visto como um direito-dever.
o A confluência entre os interesses individuais e os interesses sociais passa a
ser expressada com a ideia da função social da propriedade.
o A noção de que o direito de propriedade está atrelado a uma função social
cria um direito-dever, uma via de mão dupla, por assim dizer, entre o
proprietário e o corpo social.
o O proprietário será protegido pelo Estado e pelas instituições estatais e sociais
em seu direito de propriedade, mas, em contrapartida, deverá utilizar essa
propriedade, isto é, tem a obrigação positiva de usar essa propriedade em
conformidade com a sua função social.

Função social da propriedade na Constituição de 1988

 A Constituição de 1988 incluiu a função social da propriedade no título dos direitos e


garantias fundamentais, no capítulo destinado aos direitos e deveres individuais e
coletivos.
 Dispôs o legislador constituinte que “é garantido o direito de propriedade” (art. 5º,
XXII) e que “a propriedade atenderá à sua função social”.
o Trata-se de cláusula pétrea do ordenamento constitucional em vigor, a teor do
art. 60, §4º, IV, da Constituição.
 O texto constitucional também previu a possibilidade de desapropriação por interesse
social (art. 5º, XXIV) e incluiu tanto a propriedade privada como sua função social
dentre os princípios da ordem econômica (art. 170, II e III).
 Um aspecto importante a considerar é que o texto constitucional não incluiu a função
social como um limitador ao direito de propriedade. Na verdade, a ideia de função
social está integrada no conceito de propriedade.
 No texto constitucional em vigor a propriedade garantida pelo Estado é a que cumpre
sua função social, ou, em outros termos, não há direito à propriedade sem função
social.
 A norma que dispõe sobre a função social da propriedade cria o ônus do proprietário
privado perante a sociedade.
o Essa norma institui um ônus que recai sobre o desenvolvimento da relação de
poder entre sujeito e objeto, que configura a propriedade privada.
o O ônus imposto sobre o sujeito proprietário significa que sua atuação deve
trazer um resultado vantajoso para a sociedade, a fim de que este poder
individualizado seja reconhecido legalmente.
o O que o direito impõe (e não apenas garante) é o preenchimento da relação
de propriedade, de forma que a disposição individualizada da vontade para
vantagem própria traga também vantagens sociais.
o Em outras palavras, se o uso da propriedade traz vantagens ao indivíduo, essas
vantagens devem também ser estendidas ao corpo social.
 Em consonância com o texto constitucional, dispõe o Código Civil em vigor (Lei n.
10.406/2002) que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais (art. 1228, §1º).
 No regime constitucional em vigor a proteção ao direito de propriedade é indissociável
da função social que a propriedade, qualquer que seja, deve ter.
o Também é certo, segundo o Código Civil em vigor, que a propriedade deve ser
utilizada em atendimento a suas finalidades econômicas e sociais.

Função social da posse e as ações possessórias

 Podemos afirmar que está implícito no ordenamento que o exercício da proteção


possessória deve de alguma maneira dialogar com o cumprimento da função social
desta posse, como uma consequência da elevação ao princípio constitucional da
função social da propriedade.
 O pleno exercício da propriedade passa pelo domínio e pela posse.
o Em nosso sistema jurídico ninguém é plenamente proprietário se não tiver
efetivamente o domínio e a posse.
o Considerando que esse pleno exercício da propriedade se condiciona ou se
integra ao cumprimento da função social dessa propriedade, forçoso
reconhecer que ao exercício da posse se aplica o conceito de função social.
 Relativamente à proteção que o sistema processual oferece à posse, de forma muito
especial por meio das ações possessórias, convém dizer que essa proteção regulada
por legislação infraconstitucional se submete à cláusula geral da ordem econômica da
função social da propriedade (e, por conseguinte, da posse).
 O alcance da função social não é congruente com o deferimento de proteção
possessória ao titular do domínio cuja propriedade não cumpra integralmente sua
função social.
o Assim, deixou de ter a proteção possessória constitucional a propriedade que
não cumpre a sua função social.
o Evidentemente, nessa linha de pensamento, não havendo proteção
possessória constitucional a determinada propriedade, restará afetada a
proteção possessória conferida pelo sistema processual e que não poderá se
sobrepor aos princípios constitucionais.
 É preciso, portanto, reestruturar e reler a tutela processual da posse à luz do novo
regramento constitucional dos direitos reais, mormente no que se refere à exigência
de observância da função social da propriedade.
 Recente doutrina abordando a questão da posse agrária refere a demonstração da
utilização da função social como requisito para a ação de reintegração.

Ações possessórias e processo coletivo

 Questão interessante a se debater é sobre a possibilidade de existência de processo


coletivo possessório, isto é, se é possível que se tenha uma tutela coletiva de alguma
forma em ações possessórias.
 Essa possibilidade, ao menos em princípio, é quase um contrassenso, considerando
que normalmente estamos acostumados a ver os processos coletivos com o interesse
coletivo sendo defendido a partir do polo ativo da demanda.
 Além disso, e ainda explicando o aparente contrassenso, devemos lembrar que as
ações possessórias normalmente são ajuizadas por indivíduos que tentam proteger a
sua posse, portanto, uma situação diferente da qual estamos acostumados a ver em
ações coletivas típicas.
 Em uma breve digressão sobre ações coletivas, para rememorar conceitos, lembremos
que as ações coletivas desempenham um importante papel no sistema processual civil
brasileiro e normalmente o seu uso está atrelado à proteção de direitos coletivos,
direitos difusos ou direitos individuais homogêneos.
o Por essa razão, é muito comum associarmos ações coletivas às ações de
proteção aos direitos do consumidor, como nas ações coletivas do Código de
Defesa do Consumidor, ou, eventualmente, em ações civis públicas, seja para
proteção ao meio ambiente, seja para proteção ao patrimônio histórico,
paisagístico ou cultural, ou para proteção de qualquer outro direito coletivo ou
difuso, ou mesmo para a proteção de direitos individuais homogêneos
associados a determinados grupos de interessados.
o É também ação coletiva o mandado de segurança coletivo, assim como a ação
popular, para ficar nos exemplos mais conhecidos.
 Um processo coletivo parte da ideia de que temos substitutos e substituídos
processuais, isto é, alguém com autorização legal para tanto vai a juízo defender em
nome próprio direito alheio.
o Aquele que comparece em juízo defendendo em nome próprio direito alheio é
o substituto processual, e todos aqueles titulares de direitos que são
defendidos naquela ação coletiva determinada são os substituídos
processuais.
 Tratando as ações possessórias classicamente de direitos individuais, pelo menos do
ponto de vista daquele que busca em juízo a proteção para a sua posse, não se mostra
especialmente relevante a possibilidade de uma ação coletiva.
o Entretanto, tem-se cogitado na possibilidade da existência de ação coletiva no
polo passivo, o que no direito norte-americano é conhecido como defendant
class action.
o Há situações em que no polo passivo pode haver litigantes que não são os
únicos titulares de direitos a serem discutidos naquele processo, titulares
esses nem sempre identificáveis de imediato.
 A doutrina tem se perguntado se o Código de Processo Civil de 2015 admite a
existência de um processo coletivo ao tratar das ações possessórias e especialmente a
existência de uma ação coletiva no polo passivo.
 Se observarmos o art. 554 do Código de Processo Civil em vigor, especialmente o §1º
desse artigo, veremos que o legislador cogita de ação possessória na qual figure no
polo passivo grande número de pessoas.
o É evidente que figurar no polo passivo de uma ação um elevado número de
réus não torna essa ação, apenas por essa particular circunstância, uma ação
coletiva.
o Entretanto, nesse mesmo Código, no art. 565, verifica-se que o texto alude a
litígio coletivo pela posse de imóvel.
o Vemos, assim, que o legislador pareceu considerar que em certas
circunstâncias os efeitos de uma ação possessória transcendem os direitos
meramente individuais de pessoas determinadas.
o Há em certas ações possessórias uma forte tendência de coletivização da
demanda, especialmente em ações que envolvam conflitos de terra em áreas
rurais, muitas vezes impelidas por movimentos sociais que lutam pelo acesso
à terra, ou, eventualmente, por movimentos urbanos que se debatem pelo
direito à moradia, conflitos esses marcados por um forte viés social.
o Relativamente a tais conflitos o legislador entendeu por bem estabelecer
alguns regramentos peculiares, como a necessidade de intimação do
Ministério Público, e, quando envolverem pessoas em situação de
hipossuficiência econômica, ressalvar a atuação da Defensoria Pública.
 Voltando ao ponto inicial, o de perquirir se o legislador efetivamente reconheceu a
existência de uma ação coletiva passiva, há entendimento doutrinário no sentido de
que efetivamente o legislador reconhece essa situação de tutela passiva coletiva, de
forma a permitir que em determinadas circunstâncias a tutela jurisdicional tenha lugar
também quando ação for promovida em face de determinada coletividade.

Outros usos contemporâneos de ações possessórias

 Anota-se dentre os usos contemporâneos de ação possessória a ação de reintegração


de posse, tendo por objeto bem imóvel adquirido em público leilão em contratos de
financiamento imobiliário com garantia de alienação fiduciária de coisa imóvel.
 Essa ação de reintegração de posse não tem lastro no Código de Processo Civil, mas no
art. 30 da Lei n. 9514, de 20 de novembro de 1997, ação possessória essa que admite a
concessão de liminar.
 A jurisprudência também admite a utilização de ação possessória, especialmente a
reintegração de posse, versando sobre imóvel objeto de contrato de arrendamento
mercantil (leasing).
 Outro uso corrente de ação de reintegração de posse diz respeito ao pleito possessório
ao ensejo de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel.
 Outro uso digno de nota é o de interditos proibitórios na Justiça do Trabalho,
especialmente em casos de ocupação de fábricas e de instalações do empregador por
sindicatos de trabalhadores em greve ou pelos próprios trabalhadores.
o Entretanto, recente decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região
recusou a medida, por entender ausente o justo receio, caracterizando o
pleito como atentatório aos princípios concernentes ao direito de greve e ao
princípio da liberdade sindical.

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