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Ações Possessórias

Procedimentos Especiais – Teoria Geral


Uma das maiores transformações vistas no mundo jurídico com a entrada em
vigência do novo Código de Processo Civil, em 2016, foi a extinção de vários
tipos de processos, que agora são só dois: Processo de
Conhecimento e Processo de Execução.

Nesse sentido, é importante deixar bem clara a diferença entre os dois:

 O Processo de Conhecimento é aquele que busca determinar e informar o


direito no caso concreto; algo como definir “quem tem razão” e “quem tem
direito a o quê” em uma situação de conflito de direitos.
 Já o Processo de Execução é simplesmente para satisfazer o direito já
conhecido, já firmado e definido; isto é, fazer com que a pessoa detentora do
direito veja-o concretizado de fato.

PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

Os procedimentos especiais estão englobados nos Processos de Conhecimento,


sendo estes processos cujo objetivo é informar e conhecer o direito no caso
concreto.

Elencados entre os artigos 539 e 770, são procedimentos especiais aqueles que
aparecem em leis específicas, reguladoras do direito material em questão. Em
ações de família, por exemplo, deve ser considerada a Lei de Alimentos; em
ações possessórias, a Lei de Locações, e assim por diante. São procedimentos
especiais:

 Ação de Consignação em Pagamento;


 Ação de Exigir Contas;
 Ações Possessórias;
 Ação de Divisão e da Demarcação de Terras Particulares;
 Ação de Dissolução Parcial de Sociedade;
 Inventário e Partilha;
 Embargos de Terceiro;
 Oposição;
 Habilitação em Processo;
 Ações de Família;
 Ação Monitória;
 Homologação do Penhor Legal;
 Regulação de Avaria Grossa;
 Restauração de Autos.

Iremos estudar as Possessórias, que podem ser de Manutenção ou Reintegração


de Posse; Interdito Proibitório; Ação Renovatória, e Ação Revisional de Aluguel.
FUNDAMENTOS PARA A CRIAÇÃO DE PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

Apesar de o Código de Processo Civil já ser bastante complexo e trazer uma


série de informações e normas para o regular processamento e andamento dos
processos de conhecimentos, é importante ressaltar que há um motivo para
estas ações serem consideradas procedimentos especiais. Elas
possuem particularidades de direito material, isto é, “delicadezas” inerentes ao
direito material discutido que levaram o legislador a criar leis e fórmulas
específicas que as regulassem - leis específicas que interferem no procedimento
de informar e conhecer o direito.

Em um caso de divórcio, por exemplo, em que uma das pessoas está pedindo
pensão alimentícia, esse procedimento sofre interferência da Lei de Alimentos
(Lei 5.478/68), de forma que tanto o pedido quanto a cobrança não podem ser
regidos apenas pela norma aplicada aos procedimentos comuns.

Uma vez que o direito processual deve servir ao direito material, isto é, garantir
a tutela do direito justamente buscado no processo, a existência de
peculiaridades de determinadas matérias (como a do divórcio) dificulta – ou até
mesmo impossibilita – que o processo delas seja idêntico ao dos procedimentos
comuns.

TIPOS DE PROCEDIMENTOS ESPECIAIS: FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS

Dentro dos Procedimentos Especiais, temos ainda duas classificações, que são
os procedimentos fungíveis e infungíveis.

Sim, estes são quase os mesmos “fungíveis” e “infungíveis” da classificação das


coisas, que a gente estuda logo no começo da faculdade, na primeira matéria
de Direito Civil. Nos termos do art. 85 do Código Civil:

Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma
espécie, qualidade e quantidade.
Tal classificação é aplicada analogamente aos processos.
Dependendo do caso, se a pessoa requerente (que poderia ajuizar uma ação
especial por conta da particularidade de sua situação) quiser, ela não precisa
ajuizar uma das ações elencadas nos procedimentos especiais, ainda que estes
tenham sido regulamentados para facilitar o decorrer da fase de conhecimento
em casos específicos. Nos procedimentos fungíveis, então, pode-se optar por
dar seguimento ao procedimento comum.

A regra é que procedimentos especiais sejam fungíveis mas, como tudo no


direito, possui exceções.
O processo de Inventário, por exemplo, busca seguir a vontade de alguém que
faleceu e não poderá mais manifestar-se. Dada a evidente delicadeza da
questão, o procedimento deve ser, por força, o específico (sendo então
infungível, inegociável), a fim de se evitarem problemas como abusos,
equívocos ou arbitrariedades.

Aspectos de Direito Material


Uma vez que as Ações Possessórias tratam de direitos como o de posse, bem
como outras questões de direitos reais, revisar alguns conceitos é uma boa ideia
antes de nos aprofundarmos nos procedimentos.

Comecemos, então, pelas diferenças entre propriedade, posse e detenção.

PROPRIEDADE

A propriedade é um direito real, que atribui ao proprietário de determinada


coisa as faculdades de uso, gozo, fruição, disposição e perseguição da coisa.
A propriedade ainda necessita de uma série de solenidades, pois, sendo um
direito, sua transferência é feita mediante procedimentos formais e registros.

POSSE

A posse não está configurada como direito pela legislação brasileira. Não é um
direito real! É uma situação de fato que possui proteção jurídica, conforme
explicado pelo próprio Código Civil:

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de
quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse
contra o indireto.
Ainda, devemos destacar que o possuidor pode, ou não, ser a mesma pessoa
que o proprietário. Quer-se dizer que é plenamente possível deter a
propriedade sobre a coisa sem deter-lhe, no entanto, a posse.

Digamos que posse é ter a coisa em mãos; coisa essa que pode ser propriedade
alheia.

DETENÇÃO

Conceitualmente falando, a detenção é a posse exercida em nome ou a mando


de terceiros, como o caseiro de um sítio. Ele não é proprietário do sítio, mas
mora lá. Nessa situação, não possui ele o direito de “proteger sua detenção”, de
forma que, a partir do momento em que o mandatário reivindicar o sítio, o
detentor o perde.

RAZÕES PARA O PROCEDIMENTO ESPECIAL

Tendo em vista que o possuidor da coisa normalmente é quem dá função social


ao bem, é importantíssimo que a posse seja protegida. Nesse sentido são os
ensinamentos de José Osório de Azevedo Jr., quem diz:

Vários são os argumentos em favor da proteção da posse, mas o principal deles


é o seguinte: a lei defende a posse em nome da paz social. Na verdade, o passar
do tem traz alterações na vida social que acaba alterando o próprio direito. O
que era justo e compreensível em uma época já não é mais em outra. Por causa
dessa nova situação, a lei entendeu de dar direitos ao mero possuidor de uma
coisa mesmo sabendo que, antes, ele não tinha direito algum sobre aquela
coisa.

Tutela Jurídica das Coisas


As ações possessórias podem objetivar tanto a proteção da propriedade como
da posse.

PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE

São as ações petitórias que visam à proteção da propriedade. Vejamos quais


são:

 Ações Edilícias. Aquelas propostas para que seja realizada uma


complementação da área comprada (quando for entregue área menor),
desfazer-se relação de compra e venda quando o bem entregue for de menor
qualidade à do comprado, ou adequar o valor pago ao bem entregue.
 Ação Reivindicatória. Utilizada no caso de proprietário do bem ter perdido sua
posse e deseje reavê-la. Ação de Reintegração de Posse é uma Ação
Reivindicatória.
 Usucapião. Utilizada nos casos em que, após preencher os requisitos postos em
lei, a pessoa requer que seja declarada como proprietária do bem sobre o qual
tem mantido posse. A propriedade que já existe também poderá ser declarada
pelo Juízo por meio de tal ação.
 Ação de Imissão na Posse. Proposta pela pessoa que já é proprietária do bem,
mas por algum motivo de ameaça ou turbação não consegue exercer sua posse.

PROTEÇÃO DA DETENÇÃO
Uma vez que o conceito de detenção justamente refere-se à pessoa que exerce
a posse do bem em nome ou a mando de terceiro, não há procedimento
judicial específico para a proteção deste instituto, por isso significaria ter direito
a proteger a posse contra o verdadeiro proprietário da coisa.

Assim, não havendo proteção voltada à detenção propriamente dita, e dada a


particularidade da sua situação fática, nota-se que alguma possibilidade havia
que ser dada ao detentor da coisa para se proteger contra um terceiro que
ameaçasse sua posse. Assim sendo, caso o exercício da posse sobre a coisa se
veja ameaçado, é possível que o detentor exerça o Desforço Imediato da
Posse, que é

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação,
restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio
de ser molestado.

§ 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por


sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço,
não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
Vale destacar aqui que, por mais que o artigo diga “possuidor”, o desforço
imediato de posse pode ser exercido especificamente pelo detentor, que, afinal,
ainda que em nome de terceiro, exerce a posse do bem naquele momento.

PROTEÇÃO DA POSSE

O nome dado às ações que têm a posse como causa de pedir é de Ação
Possessória e, nestas ações, tanto a causa de pedir quanto o pedido em si são
relacionados à posse demandada no processo.

É essencial destacar aqui a chamada exceção de domínio, vedada pelo Código


de Processo Civil.

Como já dissemos lá atrás, o possuidor não necessariamente também é o


proprietário, isto é, é possível ser possuidor sem ter propriedade do bem, que
é o caso do detentor, por exemplo, bem como ser proprietário sem ter a posse.

Para separar bem tais institutos, é vedada a exceção de domínio, o que significa
dizer que, em ações nas quais o que está sendo discutido é a posse, não é
possível apresentar defesa alegando propriedade.

E é justamente esse entendimento que ensejou na Súmula 497 do Supremo


Tribunal Federal:
Será deferida a posse a quem, evidentemente tiver o domínio, se com base
neste for ela disputada.
Desta forma, não há mais a possibilidade de se rebater uma ação possessória
com uma petitória, isto é, combater o alegado direito de outrem à posse
utilizando propriedade. São institutos diferentes, afinal, que podem, ou não,
coexistir entre si.

Ainda, vale pontuar que o possuidor pode exercer o desforço imediato da


posse.

OBJETO DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS

Apesar de não haver consenso na doutrina que firme um conceito final de


posse, para fins de processo, basta entendermos que a posse consiste em um
poder de fato sobre a coisa. Por esse motivo, os bens objetos de demandas
possessórias devem ser corpóreos, palatáveis.

Inclusive, existem não uma, mas duas Súmulas versando sobre o assunto, a 228
do STJ e a 415 do STF. Respectivamente, em seus termos:

Súmula. 228 STJ. É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito


autoral.
Afinal, ideias não são bens corpóreos, ainda que possuem tutela jurisdicional
por meio de leis como a dos direitos autorais. Não há um domínio físico sobre
elas.

Súmula 415 STF. "Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente,
sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente,
conferindo direito à proteção possessória"
Nesse caso, mesmo que a servidão de passagem não seja registrada nos moldes
do Art. 1.378 do Código Civil, ela configura um direito mais palpável.
Considerando que a servidão de passagem é o direito de passar por uma
propriedade de outra pessoa, é como se quem tem o direito à servidão tivesse a
posse do caminho, podendo portanto reivindicá-la judicialmente.

Espécies
As Ações Possessórias, aquelas cuja causa de pedir e pedido são relacionados à
posse cuja proteção se pretende, podem ser majoritariamente três: Ação de
Reintegração de Posse, a Ação de Manutenção de Posse e a Ação de Interdito
Proibitório.

Entretanto, uma vez que são procedimentos de proteção à posse, antes


devemos detalhar as ameaças à posse. Afinal, são estes os elementos que
ensejaram a distribuição do processo.
O possuidor tem direito de se proteger contra o esbulho, a turbação e
a ameaça, que consistem, respectivamente, na perda da posse, no incômodo ao
exercício da posse e na ameaça à posse, fatos que são combatidos
judicialmente por ações distintas.

AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE

Contra o esbulho, cabe Ação de Reintegração de Posse. Tratando-se de um


imóvel, por exemplo, se, ao voltar de viagem, o possuidor vê outras pessoas no
imóvel, está configurada a perda - esbulho - da posse, a qual pode ser
reintegrada por meio da ação.

O esbulho, então, é a perda momentânea da posse, que pode ocorrer de


diversas formas diferentes.

Art. 560. CPC. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso


de turbação, e reintegrado em caso de esbulho.
Nesse caso, caberá ao Autor da ação (quem quer recuperar a posse) provar a
sua posse, a turbação ou o esbulho praticado pelo réu, e a data da turbação ou
do esbulho.

AÇÃO DE MANUTENÇÃO DA POSSE

Contra a turbação, como acabamos de ver no artigo 560 do NCPC, cabe Ação
de Manutenção de Posse. Prevista no mesmo artigo da Reintegração de Posse,
a Manutenção é proposta quando a posse não foi perdida, mas o possuidor não
está conseguindo exercê-la plenamente. Em outras palavras, a turbação decorre
da prática de atos abusivos que podem afrontar a posse, impedindo seu livre
exercício, ainda que não cause o efeito de sua perda efetiva.

Então, quando percebida a turbação, a medida cabível é a ação de Manutenção


da Posse, proposta contra a pessoa que está atrapalhando o exercício da posse.

INTERDITO PROIBITÓRIO

Caso o possuidor perceba uma ameaça concreta e iminente ao exercício de sua


posse, nos moldes do art. 567 do Código de Processo Civil, a medida jurídica
cabível é a propositura de uma ação chamada Interdito Proibitório, que busca
justamente evitar a perda ou o incômodo à posse antes que estes tenham
efetivamente acontecido. Em seus termos:

Art. 567. O possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser
molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou
esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao réu
determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito.
Nesse caso, o Juízo ainda pode estabelecer que a pessoa ameaçando a posse
ou seu exercício tenha que pagar uma multa, incidente durante todo o período
em que ameaça durar.

FUNGIBILIDADE DAS POSSESSÓRIAS

As ações possessórias seguem a regra das ações de procedimentos especiais e


são fungíveis entre si, ou seja, existe uma forma processual criada
especialmente para cada uma delas, mas é possível tomar uma por outra.
Vejamos.

Como os conceitos de esbulho, turbação e ameaça à posse muitas vezes se


confundem, o legislador achou por bem determinar que a propositura da ação
“errada” não enseje a improcedência imediata. Conforme determina o CPC:

Art. 554 A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a
que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente
àquela cujos pressupostos estejam provados.
Entretanto, firmemos que as ações possessórias são fungíveis apenas entre si.
Isto é, a Ação de Reintegração de Posse pode ser substituída apenas pela de
Manutenção da Posse ou pelo Interdito Proibitório, mas não por ações de
procedimento comum.

Se, por exemplo, em vez de uma Ação de Reintegração de Posse o possuidor


distribui uma Ação de Cobrança, não ocorrerá a fungibilidade.

Conforme os ensinamentos do Professor Antônio Carlos Marcato,

[...] Essa fungibilidade é justificável, pois o autor pleiteia, junto ao órgão


jurisdicional, a tutela possessória pertinente e idônea, sendo irrelevante,
portanto, uma vez demonstrada a ofensa à sua posse, tenha ele originalmente
requerido tutela diversa daquela adequada à solução da injusta situação criada
pelo réu. Aliás, por vezes o autor promove ação em razão de determinada
conduta do réu e este modifica o estado de fato no curso do processo,
impondo ao juiz, constatada tal circunstância, a concessão da tutela possessória
pertinente.
Legitimidade
É requisito de qualquer processo que as partes tenham legitimidade, isto é, interesse na
demanda. Nesse sentido, a legitimidade ativa corresponde à existência de interesse por
quem está propondo a ação e a passiva é o interesse da parte de quem irá responder o
processo.

Agora, veremos quem possui a legitimidade ativa e passiva nas ações possessórias.

LEGITIMIDADE ATIVA

As ações possessórias são aquelas que visam à proteção da posse e de seu exercício,
portanto, quem terá a legitimidade ativa para propor qualquer das ações possessórias é
quem está com sua posse tomada, perturbada ou ameaçada. Logo, quem proporá a ação
é o possuidor direto ou o possuidor indireto.

Diferenciemos tais possuidores. O direto é aquele que tem a posse efetiva, ou seja, que
está em contato de fato com a coisa. O possuidor indireto, por sua vez, seria aquele que
tem o direito de exercer a posse sobre a coisa, mas que não o está fazendo no momento.
Esse é o proprietário. Ele, apesar de não estar em contato de fato com a coisa, tem sua
posse indireta por ter direito de demandá-la.

Ainda, ambos os possuidores – direto e indireto – podem ajuizar a ação juntos, em


litisconsórcio, que será facultativo.

LEGITIMIDADE ATIVA DO ESBULHADOR OU TURBADOR

Por mais loucura que possa parecer, uma vez que as ações possessórias são usadas
justamente para combater esbulho, turbação ou ameaça à posse, também é possível que
o esbulhador (quem pratica esbulho) ou o turbador (quem pratica a turbação) tenham a
legitimidade ativa. Em outras palavras, o esbulhador e o turbador também podem
ajuizar ações possessórias contra outros esbulhadores ou turbadores.

Isso ocorre por causa do princípio constitucional de função social da propriedade, que
consiste na ideia de que a propriedade privada cumpra função social. Assim, quem
adere função social à propriedade tem direito de defender a sua posse, ainda que esta
posse seja originalmente ilegítima. Para o legislador, antes posse injusta e produtiva,
cumpridora da função social, do que nenhuma posse ou posse sem função, mal
aproveitada socialmente.

Nestes casos, entretanto, atenção: o esbulhador ou turbador podem apenas defender sua
posse contra uma terceira pessoa que não seja o legítimo possuidor do bem. Em uma
ação possessória, quem ganharia a ação seria o possuidor legítimo da coisa.

LEGITIMIDADE PASSIVA

As ações possessórias podem ser ajuizadas contra o esbulhador, turbador ou o


ameaçador da posse. Afinal, o objetivo aqui é justamente proteger a posse e, se são
essas pessoas que estão impedindo ou atrapalhando o pleno exercício da posse, a elas
está atribuída a legitimidade passiva da ação.
Nos casos em que muitas pessoas estão exercendo posse ilegítima de determinado bem,
como muitas pessoas em uma ocupação de terreno, todas elas possuem legitimidade
passiva. Senão vejamos o art. 554, do CPC e seus § 1º a 3º:

Art. 554.  A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o
juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos
pressupostos estejam provados.

§ 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de


pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a
citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério
Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da
Defensoria Pública.

§ 2º Para fim da citação pessoal prevista no §1º, o oficial de justiça procurará os


ocupantes no local por uma vez, citando-se por edital os que não forem encontrados.

§ 3º O juiz deverá determinar que se dê ampla publicidade da existência da ação


prevista no § 1º e dos respectivos prazos processuais, podendo, para tanto, valer-se de
anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação de cartazes na região do conflito e de
outros meios.
As pessoas que forem encontradas pelo oficial de justiça que for ao local para realizar a
citação, serão citadas pessoalmente. Enquanto isso, as que não forem localizadas ou
cuja identificação não for possível, são citadas por edital.

Ainda, para evitar que a citação por edital não surta os efeitos esperados, de fazer com
que os réus tomem ciência da ação possessória, o juiz também determinará ampla
publicidade, a fim de tentar garantir que as pessoas que precisem tomem ciência do
processo judicial em andamento.

Força nova X Força velha


Outra questão essencial para entender as ações possessórias é a diferença entre
força nova e força velha, similar à distinção feita também entre os conceitos de
posse nova e possa velha.

A posse nova é a posse que perdura por tempo inferior a um ano e um dia.

A força nova refere-se ao esbulho, turbação ou ameaça que estejam


durandopor menos de um ano e um dia.

Analogamente, ao mesmo tempo em que a posse velha é a posse que perdura


por tempo superior a um ano e um dia, a força velha refere-se ao esbulho,
turbação ou ameaça que venham durando por mais de um ano e dia.

Ou seja, o critério é o tempo que transcorreu entre o início do esbulho,


turbação ou ameaça até o ajuizamento da ação possessória.

CONTAGEM DO TEMPO
Uma vez que o único critério para que seja determinada a ação como de força
nova ou de força velha é o tempo transcorrido desde o impedimento ao pleno
exercício da posse, é essencial entender como se dá essa contagem de tempo.
Até porque a ação ser de força nova ou força velha possui consequências
práticas no decorrer da ação possessória.

Faz-se necessária, portanto, uma distinção entre esbulho, turbação ou


ameaça permanentes, repetidos e clandestinos, que consistem em:

 Permanentes; aqueles que começam em determinado momento e nunca


pararam. A conduta de esbulho, turbação ou ameaça ocorre de forma contínua
desde o primeiro momento. Nesses casos, a contagem de tempo começa a
partir do início da conduta.
 Repetidos; aqueles que ocorrem repetidas vezes, mas sem uma fixação plena,
isto é, o esbulho, turbação ou ameaça começam e param, e assim
sucessivamente. Nesses casos, a contagem do tempo inicia-se a partir do último
ato de perturbação praticado;
 Clandestinos, os casos em que a posse é esbulhada, turbada ou ameaça sem
que o legítimo possuidor fique sabendo imediatamente do impedimento ao
pleno exercício da posse, situação na qual não se sabe quando se iniciou a
perturbação. Aqui a contagem começa a partir do momento em que o justo
possuidor toma ciência da situação.

CONSEQUÊNCIAS ÀS AÇÕES DE FORÇA NOVA OU FORÇA VELHA

As ações de força nova, aquelas em que o tempo transcorrido entre a conduta


que impede o pleno exercício da posse o ajuizamento da ação possessória é
considerada recente (inferior a um ano e dia), podem ser regidas pelo
procedimento especial.

Isso significa que poderá ser expedido mandado liminar para que o legítimo


possuidor seja mantido em sua posse, ou reintegrado, conforme o caso
concreto. Essa situação está prevista no art. 552 do Código de Processo Civil:

Art. 562. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem
ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de
reintegração, caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o
alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.
Ou seja, em ações de força nova, o legítimo possuidor pode ser reintegrado ou
mantido em sua posse antes mesmo de o Réu ter a oportunidade de oferecer
sua defesa. Justamente por esse motivo que o autor da ação possessória
sempre busca provar que se trata de ação de força nova, pois está é
evidentemente mais vantajosa para fins de processo.
Já nas ações de força velha, aquelas em que o tempo transcorrido entre a
conduta que impede o pleno exercício da posse o ajuizamento da ação
possessória é considerada antiga (superior a um ano e dia), devem ser regidas
pelo procedimento comum, sem a concessão de medida liminar apenas com
base na inicial.

Isto é, quando a ação possessória for de força nova, não é necessário


comprovação do risco de dano grave ou de difícil ou incerta reparação na
demora da concessão do mandado de reintegração ou manutenção. Basta que
a petição inicial esteja bem instruída.

INTERDITO PROIBITÓRIO

Na ação devida para os casos de ameaça à posse, é forçoso que o interdito


proibitório seja sempre ação de força nova. A conduta a ser considerada
ameaça pelo direito material deve ser algo que cause ao legítimo possuidor o
medo de perder a posse a qualquer momento, e a proteção desta posse é
entendida como urgente.

Assim, o interdito proibitório sempre ocorre pelo procedimento especial. Afinal,


se a ameaça de perda da posse não for iminente, não teria sequer por que
ajuizar a referida ação possessória.

Procedimento das Possessórias


Como já vimos, para as ações possessórias serem regidas pelo procedimento
especial, elas devem ser de força nova, caso contrário, seguirão o procedimento
comum, como a grande maioria das ações cíveis reguladas pelo Código de
Processo Civil.

Por esse motivo, priorizaremos aqui as ações de força nova, que


são Reintegração de Posse ajuizada antes de um ano e dia do
esbulho, Manutenção na Posse ajuizada antes de um ano e dia da turbação
e Interdito Proibitório (sempre de força nova).

PETIÇÃO INICIAL

A petição Inicial das ações possessórias de força nova devem seguir, além dos
requisitos do art. 319 do Código de Processo Civil, os do art. 561 do mesmo
diploma legal, que são, respectivamente:

Art. 319.  A petição inicial indicará:

I - o juízo a que é dirigida;


II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a
profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do
autor e do réu;

III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;

IV - o pedido com as suas especificações;

V - o valor da causa;

VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos


alegados;

VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de


mediação.
Até aqui, são os mesmos requisitos de qualquer ação cível, segundo o
procedimento comum.

Art. 561.  Incumbe ao autor provar:

I - a sua posse;

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a


perda da posse, na ação de reintegração.
Lembrando que, por tratarem-se das ações de força nova, cumpridos os
requisitos do art. 561 do CPC, o Juízo poderá conceder liminar para a
reintegração ou manutenção de posse antes mesmo que o Réu seja ouvido.
Mas atenção: há exceção para os casos em que o Autor busca defender sua
posse ante conduta de uma Pessoa Jurídica de Direito Público. Caso o Réu da
ação possessória seja uma pessoa jurídica de direito público, a concessão da
liminar dependerá da oitiva dos representantes judiciais.

CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

Nas ações possessórias, é buscada a proteção da posse legítima, esbulhada,


turbada ou ameaçada. Entretanto, nada impede que o Autor tenha cumulação
de pedidos em sua petição inicial, isto é, requeira algo além da proteção da
posse em si. Em uma reintegração de posse, por exemplo, pode ser pedida a
indenização por perdas e danos, e isso não tira o caráter possessório da ação.
Segundo os ensinamentos de Luiz Rodrigues Wambier:

Como em todos os casos de cumulação de pedidos, visa-se a economia


processual, pois não seria lógico exigir que o possuidor intentasse nova
demanda, para obter tais desdobramentos da proteção possessória. Aliás, a
cominação de pena pecuniária, para o caso de nova turbação ou esbulho, na
mais é do que a reafirmação da tutela possessória, que motivou a demanda
Além do pedido de indenização, o Autor também pode requerer sejam tomadas
medidas para evitar novo esbulho ou turbação da posse (por exemplo multa
diária até o fim da conduta), bem como o cumprimento efetivo da tutela
provisória ou decisão final para garantir o resultado útil do processo.

CONTESTAÇÃO

Citado, o Réu de ação possessória de força nova não será intimado a


comparecer a audiência de conciliação; ele já deverá apresentar sua
Contestação no prazo de 15 dias. Inclusive, não existe audiência de
conciliação nas ações possessórias de força nova.

Assim, o Réu já irá apresentar sua Contestação e, em sua peça defensiva, poderá
alegar que é o Autor da ação quem está cometendo esbulho, turbação ou
ameaça. Nos termos do art. 556 do Código de Processo Civil:

Art. 556. É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua
posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos
resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.
Ademais, será possível alegar as matérias já permitidas aos procedimentos
comuns. Por exemplo, em vez de tentar inverter as alegações feitas na inicial, o
Réu pode tentar provar que se trata de ação de força velha, para que não seja
possível a concessão de liminar.

CONFLITOS COLETIVOS PELA POSSE DE IMÓVEL

Normalmente discutidos em casos de esbulho ou turbação de período superior


a um ano e dia, os conflitos coletivos pela posse de imóvel devem ter como
primeira medida do Juízo a designação de audiência de mediação, antes
mesmo de apreciar o pedido de liminar e de tutela provisória. A audiência deve
seguir os moldes do art. 565 do CPC e seus parágrafos. Em seus termos:

Art. 565.  No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a


turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o
juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá
designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que
observará o disposto nos §§ 2º e 4º.
§ 1º Concedida a liminar, se essa não for executada no prazo de 1 (um) ano, a
contar da data de distribuição, caberá ao juiz designar audiência de mediação,
nos termos dos §§ 2o a 4o deste artigo.

§ 2º O Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a


Defensoria Pública será intimada sempre que houver parte beneficiária de
gratuidade da justiça.

§ 3º O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio quando sua presença se
fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional.

§ 4º Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da


União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área
objeto do litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim de se
manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência de
possibilidade de solução para o conflito possessório.

§ 5º Aplica-se o disposto neste artigo ao litígio sobre propriedade de imóvel.


A intimação do Ministério Público vem justamente do interesse social envolvido
em casos da luta por moradia. Ainda, como muitas vezes são compostas por
pessoas em situação de insuficiência econômica, a Defensoria Pública também
deve ser intimada, garantindo assim o direito de defesa de todas as partes.

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