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O TERRORISMO:

A Consideração Ético-Deontológico

Verónico Neves
Curso: Técnico de Serviços Jurídicos
1. Introdução

No âmbito do Módulo Ética e Deontologia Profissional, escolhi analizar o tema "Terrorismo".


Nesta reflexão procuro situá-la historicamente e, socorrendo-me do Código Deontológico dos
Assistentes Sociais, do Estatuto dos Jornalistas e o da Ordem dos Advogados, serei a favor da
vida humana enquanto o direito universal.

2. Definição do Conceito: Terrorismo

Não existe uma definição única do terrorismo. Mas, para este trabalho de reflexão, entendo o
terrorismo como o uso de violência, física ou psicológica com o intuito de incutir medo e pânico
na população de um determinado território ou País.

3. Resenha Histórica

O terrorismo não é uma prática recente. Alguns estudiosos defendem que o terrorismo teve a
sua origem no Século I (D.C). Mas, no contexto Europeu, a prática terrorista desenvolveu-se no
século XIX quando os grupos anarquistas viam no “Estado” o seu principal inimigo. Nesta fase o
objectivo dos terroristas era a constituição de uma sociedade sem Estado e, por isso, o acto
terrorista era direcionado aos "chefes de Estado" e não aos cidadãos.

Só na segunda metade do Século XIX que alguns grupos optaram pelo terrorismo como
forma de luta, como por exemplo: os separatistas bascos na Espanha, os curdos na Turquia e
Iraque, os muçulmanos na Caxemira e as organizações paramilitares racistas de extrema-direita
nos Estados Unidos da América.
Atualmente, graças à internet e ao desenvolvimento da tecnologia, as ações terroristas
passaram a ter uma maior visibilidade. É neste contexto que, em suma, Leandro Carvalhos fala
em quatro tipos de terrorismo:
a) Terrorismo revolucionário: surgiu no século XX e seus praticantes ficaram conhecidos
como guerrilheiros urbanos marxistas (maoístas, castristas, trotskistas e leninistas) etc;
b) Terrorismo nacionalista: fundado por grupos que desejavam formar um novo Estado-
nação dentro de um Estado já existente (separação territorial), como no caso do grupo
terrorista separatista ETA na Espanha;
c) Terrorismo de Estado: é praticado pelos Estados, por exemplo, os Estados totalitários
Fascistas e Nazistas, a ditadura militar brasileira, a ditadura de Pinochet no Chile, etc;

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d) Terrorismo de organizações criminosas: são atos de violência praticados com fins
económicos e religiosos, como nos casos da máfia italiana, do Cartel de Medellín, da
Al-Qaeda etc.

4. Consideração Ético-Deontológico: O terrorismo Islámico

Como vimos anteriormente, o objectivo do terrorismo é provocar medo nas pessoas através do
uso da violência. Os ataques terroristas são motivados, normalmente, por questões religiosas
ou de políticas extremistas. Um dos exemplos de ataque terrorista que marcou o século XXI foi
o de 11 de setembro de 2001 que destruiu as Torres Gémeas nos Estados Unidos. Ataque este
que foi atribuido aos " Estados Islâmicos" (os jihadistas).

Ora, dado a relevância daquele ato (ataque terrorista de 11 de setembro de 2001) bem
como a persistência deste grupo (os jihadistas), elegi o terrorismo de motivação islámica como
o exemplo para a minha análise.
O terrorismo islâmico (os jihadista) têm motivação política, religiosa e socioeconómico. Eles
acreditam que os muçulmanos são obrigados a lutar (combater) contra todos aqueles que não
professam o Islão. Atuam sobretudo através de ataques suicidas, sequestros de pessoas,
sequestros de aviões e recorrem à internet como tática de recrutamento e de financiamento.
Os estudiosos na matéria defendem, inclusive, que eles estão organizados como se fosse
uma "empresa". Isto é: têm um sistema de comunicação em rede, uma hierarquia própria,
funções específicas e cada “célula” têm autonomia de ação.

A. Consideraçã Ética

Em termos ético-jurídico, independentemente da sua forma, motivação ou consequências, o


terrorismo é um acto que põe em causa a vida humana. Logo, no meu entender, é eticamente
reprovável.
Parece-me que, cingindo especificamente às leis portuguesa, o acto terrorista viola o artigo 24º
nº1 e 27º nº1 da nossa constituição. Pois," A vida humana é inviolável (...) e todos têm direito à
liberdade e à segurança" (crpi). Mas, o ato terrorista enquanto meio para impor uma ideologia
religiosa, político ou social, limita o ser humano na sua liberdade à segurança, à vida e à
integridade física e moral.

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Do mesmo modo, viola por exemplo, os artigos 3º, 18º e 19º da Declaração Universal
dos Direitos do Homem onde se pode ler o seguinte: " Todo o indivíduo tem direito à vida, à
liberdade e à segurança pessoal". E depois, " Toda a a pessoa tem direito à liberdade de
pensamento, de consciencia e de religião (...)". Logo, "todo o indivíduo tem direito à liberdade
de opnião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões
(...)ii."
No entanto, como disse MELO (2015) quando analisou o ataque jihadista ao jornal
satírico francês Charlie Hebdo, não podemos também esquecer que os nossos atos têm
consequencia. Melhor dizendo, "as caricaturas do profeta Maomé poderiam ser evitadas. Isto
não significa que devam ser proibidas; mas seriam, decerto, desnecessárias e de desaconselhar"
(MELO:2015). Até porque, segundo a mesma autora, "vivemos tempos de mudança e há que ter
consciência dos actos que praticamos (...). A liberdade de expressão é um direito, mas a nossa
liberdade acaba onde começa a liberdade do outro". (MELO, 2015:14). Por isso que, mesmo na
luta contra o terrorismo, "não se pode cair no erro de tomar medidas que estão a proteger os
direitos humanos de uns, desrespeitando os direitos humanos de outros" (MELO, 2015:37).

Por isso, apesar de eu ser opinião que o terrorismo limita a liberdade de expressão dos
indivíduos e põe em causa a vida humana, não posso também deixar de questionar o seguinte:
a) Em que medida a proibição do véu integral islâmico em espaços públicos ou, por
exemplo, a liberdade de fazer caricaturas de Maomé contribui (ou não) para combater
o terrorismo?
b) Na mesma lógica, combater o terrorismo submetendo os terroristas à práticas usadas
na prisão de "Guantánamo" por exemplo, não viola os direitos humanos desses
mesmos supostos terroristas?

Não é fácil resposnder à estas questões. Mas, tal como referiu Vera Lúcia Melo na sua
Dissertação de Mestrado sobre "O Terrorismo e o Impacto nos Direitos Humanos", concordo
com a autora que “não devemos permitir que a humanidade se retroceda nos seus valores
essenciais para se poder viver em segurança e com segurança”. Melhor dizendo, sou de opnião
que a ética e o respeito pelos direitos humanos deveriam servir de baluarte quer no exercício
quotidiano de direitos civis por parte dos cidadãos quer no combate ao terrorismo por parte
das autoridades.

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B. Consideração Deontológica

Em termos deontológico, a pergunta de partida que se coloca é a seguinte: o que seria corecto
fazer se no exercício de uma determinada profissão, o profissional viesse a saber da
possibilidade de um eminente ataque terrorista? Ou o que fazer se, no exercício da sua
profissão, o profissional ficaria a conhecer a identidade de um presumível terrorista?
Na maioria das profissões, os profissionais no exercício das suas funções estão obrigados à
observar normas deontológicas que regulam o seu " modo operandi" perante diversas
situações.

Ora, sendo o terrorismo hoje uma questão incontornável em todas as sociedades


"livres", as ordens e as associações profissionais têm que, também elas, se posicionarem
perante este dilema.
Depois de analisar o Código Deontológico de algumas profissões, verifico o seguinte:

1. O Código Deontológico dos Assistentes Sociais em Portugal diz que, o Assistente


Social, no exercício profissional deve "reconhecer o sigilo como um direito das pessoas
(mas deve) abdicar do princípio da confidencialidade sempre que a pessoa não possa
ser responsabilizada ou em que outros possam ser colocados em risco" (art. 8.4 alínea
b do CDASiii).

2. No Estatuto da Ordem dos Advogados, no que diz respeito ao sigilo profissional


verifica-se que, apesar do dever que têm de guardar o segredo profissional, o
advogado pode “revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal
seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses
legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia
autorização do presidente do conselho regional respetivo e/ou com recurso para o
bastonário”. Este dever é extensivo a todas as pessoas que colaboram com o advogado
no exercício da sua atividade profissional, como por exemplo, os Técnicos dos serviços
Judiciários (Art.º92 do EOAiv). No entanto, a Lei n.º 25/2008 de 05 de Junho no seu
Art. 16º e 35º, no que diz respeito ao financiamento do terrorismo por exemplo, vem
esclarecer que o advogado pode revelar factos de que tem conhecimento ao
bastonário da Ordem dos Advogados ou ao presidente da Câmara dos Solicitadores e
cabe à estas entidades a comunicação, pronta e sem filtragem, ao Procurador-Geral da
República e às autoridades.

3. No Estatuto dos Jornalistas está previsto que o tribunal pode ordenar ao jornalista a
revelação das fontes desde que seja especificado "o âmbito dos factos sobre os quais o
jornalista está obrigado a prestar depoimento" e que seja restringido "a livre

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assistência do público ou que a prestação de depoimento decorra com exclusão de
publicidade, ficando os intervenientes no acto obrigados ao dever de segredo sobre os
factos relatados" (Art. Artigo 11.º: 3 e 4).

Destes resumos se depreende que, no exercício das suas funções, o sigilo profissional é um
garante da relação franca e aberta entre o cliente e os profissionais. Como tal, o sigilo
profissional deve ser salvaguardado. O que, no meu enternder, coloca os profissionais perante
o dilema do dever de defender a vida e a liberdade individual, ou, violar o respetivo código
deontológico.
Mas, na minha opinião, a vida, a paz e a ordem social constituem um bem supremo aqui
entendido como uma conquista diária onde todos somos convidados a buscar.
Nestes termos, sou de opnião que, estando em causa a vida humana e perante a possibilidade
de atos terrorista, é o dever de qualquer profissional optar pelo maior bem comum que é a vida
e a ordem social. Ou seja, é o dever dos profissionais comunicar ao conselho superior de
deontologia das suas respectivas ordens (ou associações) profissionais factos de que têm
conhecimento e que pode pôr em causa a vida humana.
No entanto, cabe às respectivas ordens (ou associações) profissionais comunicar ou não tal facto
às autoridades competentes. Esta decisão será tomada, obviamente, em função da credibilidade
atribuida à informação disponível.

5. Considerações finais

Apesar de não haver uma definição que abrange todas as formas de terrorismo, ele não é um
conceito novo. A minha reflexão "Ético-Deontológica" centreou-se essencialmente sobre o
terrorismo de motivação islãmica por ser aquela que actualmente é mais visível (mais falada).
Sou de opinião que, independentemente das suas motivações, o terrorismo pretendendo impor
uma ideologia político-religiosa e ao desvalorizar a vida humana viola a nossa Constituição e os
Direitos Humanos internacionalmente consagrados.

Enfim, reconheço que o sigilo profissional é importante para uma desejável relação de
confiança que deve existir entre o profissional e o cliente. Mas, é o dever do professional optar
pelo bem moral quando está em causa a vida humana. Contudo, cabe às ordens e às associações
profissionais avaliarem os factos a serem revelados (ou não) às autoridades.

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6. Bibliografia

a) A Declaracao Universal dos Direitos Humanos. Disponível em


https://www.amnistia.pt/declaracao-universal-dos-direitos-humanos/ - Acedido em 29
de outubro de 2019

b) A Constituição da República Portuguesa. Disponível em


https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.asp
x - Acedido em 29 de outubro de 2019

c) CARVALHO, Leandro. "Terrorismo"; Brasil Escola. Disponível em:


https://brasilescola.uol.com.br/historia/terrorismo.htmAc - Acedido em 29 de outubro
de 2019

d) Código Deontológico dos Assistentes Sociais (2018). Disponível em


https://www.apss.pt/wp-
content/uploads/2018/12/CD_AS_APSS_Final_APSS_AssembGeral25-10-
2018_aprovado_RevFinal.doc-1-converted-1-C%C3%B3pia.pdf. Acedido em 29 de
outubro de 2019

e) Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99, de 01 de janeiro). Disponível em


http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=136&tabela=leis -
Acedido em 03 de novembro de 2019

f) Estatuto dos Funcionários de Justiça (DL n.º 343/99, de 26 de agosto). Disponível em


https://dre.pt/application/conteudo/428653 - Acedido em 03 de novembro de 2019

g) Ética e Deontologia Judiciaria. Disponível em


http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/Tomo_I_Etica_Deontologia_Judicia
ria.pdf - Acedido em 03 de novembro de 2019

h) Ética e deontologia: o papel das associações profissionais. Disponível em


https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/426/539 - Acedido em 03 de novembro
de 2019

i) Lei n.º 25/2008, de 05 de junho (Combate ao Branqueamento de Capitais e ao


Financiamento do Terrorismo). Disponível em
http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=991&tabela=leis -
Acedido em 29 de outubro de 2019

j) MELO, Vera Lúcia Monteiro da Mota (2015). O Terrorismo e o Impacto nos Direitos
Humanos. Dissertação de Mestrado. Universidade Nova de Lisboa. Disponível em

6
https://run.unl.pt/bitstream/10362/15194/1/Melo_2015.pdf. Acedido em 29 de
outubro de 2019

k) Os Deveres Deontológicos dos Advogados. Dissertação de Mestado. Universidade de


Coimbra. Disponível em
https://eg.uc.pt/bitstream/10316/84236/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Completa.p
df - Acedido em 29 de outubro de 2019

l) O Terrorismo. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Terrorismo - Acedido em 29


de outubro de 2019

m) Terrorismo Transnacional. Revista Nação e Defesa, nº 143. Disponível em


https://www.idn.gov.pt/publicacoes/nacaodefesa/textointegral/NeD143.pdf. Acedido
em 03 de novembro de 2019

i
Constituição da República Portuguesa
ii
Declaração Universal dos Direitos do Homem
iii
Código Deontológico dos Assistentes Sociais
iv
Estatuto da Ordem dos Advogados

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