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VOLUME I
PORTO
19 8 8
MARIA MANUEL COSTA PINHEIRO DE ARAÚJO JORGE
BOLSEIRA DO INSTITUTO NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO CIENTIFICA
VOLUME I
PORTO
PORTO
19 8 8
P R Ó L O G O
HIPÓTESE E MÉTODO
- 8 -
CAPÍTULO I
"ciência" como Marx, se, em alguma parte, uma verdade absoluta per-
mite denunciar essa mentira.
Mais recentemente, contudo, outros filósofos, historiado-
res e sociólogos da ciência opuseram-se a este ideal apolíneo
proclamando que método e progresso científico só podem ser ficções,
que as teorias são incomensuráveis e que não existe uma possibili
dade de escolha entre teorias alternativas. Mais ainda, os compor
tamentos dos cientistas só poderão ser descritos a partir da teo
ria dos jogos ou pelas mudanças na organização dos modos de pro-
dução da sociedade, sem que qualquer papel seja reconhecido à apli
cação dos métodos da ciência nas decisões da comunidade científi-
ca.
exigindo, por isso, uma iniciação matemática condensada para a sua penetra
ção.
A biologia molecular cumpre hoje esse percurso. Luís Ar-
cher é dos que mais nitidamente o sentem: "A partir de um certo
nível de profundidade o embater do pensamento humano com o real
biológico já não toca o interpretável mas o interpretado, isto é
não atinge directamente o representável mas somente a sua repre-
sentação. .. . 0 que se vê, já não são os segmentos dos artrópodes
ou os estâmes das flores, mas números saltitantes dum contador de
cintilações ou bandas fluorescentes sob a acção de radiações ul-
travioletas, que se deslocam diferencialmente numa electroforese
em gel, ou o traçado esotérico da difracção dos raios X.... Dá-se
assim uma rarefacção epistemológica do objecto biológico e uma
denúncia das ficções do humano: do contínuo, do estável, do está
tico, etc" (6).
c:
zido pela imagem da vida como chama, com a sua desordem controla
da - irá explorar. As mutações locais referenciáveis nos genes e
responsáveis por toda a possibilidade da variação, imprescindível
à evolução darwiniana, proviriam de uma desordem microscópica es
tatística, detectável igualmente, a esse nível, nas flutuações
vibracionais, rotacionais e torsionals, que agitam as redes cris
talinas.
mento de energia, por isso a imagem da chama lhe cabe. Mas tam-
bém a do líquido se nos lembrarmos dos "turbilhões" de Bénard (1901)
e dos coloídes de S. Leduc (1907) aos quais, aliás, Prigogine se
refere.
Para a termodinâmica da vida as estruturas biológicas são
estados específicos de não - equilíbrio. O sistema vivo é essen-
cialmente "aberto" o que exige uma dissipação constante de ener-
gia e de matéria, por isso se criam e mantêm estruturas "dissipa
tivas". Aí não têm já lugar os equilíbrios estáveis, a ordem cons
titui-se através de um jogo de forças que se afrontam.
NOTAS
15) Para Armando de Castro um dos itens, entre outros, que défi
niriam o conhecimento científico seria exactamente o facto
de ele envolver, mesmo nas suas formulações mais rudimenta-
res e iniciais, representações que ultrapassam a capacidade
de adaptação média espontânea ao meio em que o indivíduo se
integra. Cf."Teoria do conhecimento científico", IV vol., op.
cit.. É de notar ainda que. a este autor se deve, como já
apontámos, a insistência na necessidade epistemológica de
distinguir a cognição científica doutras formas de conheci-
mento, e, logo â partida, da cognição corrente, como forma
de evitar a atribuição ao conhecimento científico de carac-
terísticas como, por exemplo, a sua estrutura não empírica,
a mobilidade e dinamismo descontínuo/contínuo, a sua objec-
tividade limitada, como se fossem absolutamente típicas, quan-
do na realidade elas se encontram já na cognição em geral.
Se tal esforço, que não se nota na maioria dos estudos epis
temolõgicos, nem sequer em projectos ambiciosos como é o ca
so do que o filósofo Edgar Morin apresenta em "La connaissan-
ce de la connaissance", envolve profundas dificuldades, da-
- 98 -
( 31) Heins von Foerster, "Notes pour une epistémologie des ob-
jects vivants" em Edgar Morin e Massimo P. Palmarini (orgs),
" L' unité de l'homme", Paris, Seuil, 1974, pp. 401 -
417.
( 45) Para Henri Atlan só uma convergência entre estas duas cliva
gens poderá restituir uma teoria aproximada do que é a vida.
"A organização viva aparece como um estado intermediário en
tre a estabilidade, a persistência inevitável do mineral, e
doutro lado, a fugacidade, a imprevisibilidade, a renovação
- 109 -
CAPÍTULO II
outras - fazemos pois uma opção com riscos. É que há que ter em
sidade com a qual nos confrontamos, no entanto, dia a dia (1). Mas
lutas.
a especulação, inspirada em P. Janet (ela não seria mais que uma in-
onde o fantasiar é por isso mais fácil do que quando estamos di-
lo (5) .
vimento.
do de Pierre Janet)?
que a ciência manipula, salienta como esse trabalho podia ser fei-
to por filósofos sem complexos... (19).
Deste ponto de vista haverá assim, mesmo face ao apareci
mento de novas disciplinas científicas, um inesgotável campo de
investigação que se abrirá aos filósofos. É que, como disse Michel
Serres, já vai longe a era do mononeísmo "quando os autores vivos
da filosofia não dispunham de mais que uma novidade". É mais fá-
cil hoje produzir uma filosofia. "A inovação sobrevem de todos os
lados, da multiplicidade das regiões da enciclopédia. É o tempo
do polineísmo: o novo é numeroso e a transformação espacial tem
várias dimensões" (20).
real, que envolvem a própria ontogenèse e filogénese humanas. For acaso, Chan
gumentação:
Donde virá ao filósofo essa capacidade misteriosa de sen-
sibilização ã novidade que um dado tempo pode trazer, essa capacida
de de se deixar tocar por um inefável - porque ainda "não dito",
"não pensado" - implicado nos modos de agir e de pensar de todos
os demais?
bo. . .
A invocação da filosofia
e coerência teórica.
(22) Cf. Edgar Morin, "La Méthode 2. La vie de la vie", op. cit.,
p. 419.
(46) Cf. Cari Sagan, "Les Dragons de l'Eden'J Paris, Seuil, 1980.
(57) Apesar disso, não podemos deixar de notar curiosos aspectos pró
ximos. Como Piaget acentuou, há um tipo de funcionamento fe-
chado do sistema cognitivo no caso da elaboração matemática e
que nela não representa uma deficiência, pois que se trata: de um
desenvolvimento necessário por equilibração permanente entre
os mecanismos cognitivos de assimilação e acomodação. Também
a filosofia tem uma vocação para se erigir em sistema fechado,
sendo Hegel o exemplo mais típico dessa vocação. Ë necessária
toda uma investigação sobre o carácter próprio deste "fecha-
mento" dos sistemas filosóficos, cuja legitimidade cognitiva
deve radicar nas condições da sua organização própria, não sen
do talvez utópico pensá-la sobre a forma de "autopoiesis"(Ma
turana). Num outro sentido e por outros motivos, René Thorn vem
falando da possibilidade duma nova ciência matemática que se-
ria, no fundo, uma nova filosofia: não conhecendo nós os limi
tes de aplicabilidade dos modelos quantitativos e não sendo im
possível admitir que a ciência se aproxima das suas últimas pos
sibilidades de descrição finita, o indiscutível, o informali-
zável, o acaso, o singular,estariam agora às nossas portas, sen
do necessário abordá-los com novos métodos, onde a distinção
entre filosofia e ciência se diluiria.
*
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S E G U N D A P A R T E
CAPÍTULO I
do essa adopção .
Dar conta de "quando" e "como" a ideia de informação pas-
sou a. integrar os quadros mentais de leitura do vivo é uma tarefa
altamente dificultada, no entanto, pelo facto de os autores que se
dedicaram a construção de uma história do gene, desde Mendel até
nós, utilizarem normalmente um vocabulário actualizado, que fal-
seia o pensamento genuíno dos pioneiros. Mesmo assim, atraiçoaría-
mos a coerência teórica deste capítulo se nos furtássemos a tentar,
ainda que superficialmente, essa localização.
considerar-se que não é das células da linha germinal mas dos cro
talvez vivamos até ver o dia em que saberemos alguma coisa sobre a
hereditariedade na bactéria, embora as pobrezinhas nem sequer te-
nham sexo".
Na resposta Herschey escreveu:
"Penso que o artigo de Avery é muito satisfatório. Os cri-
térios de identificação que eles usaram são os únicos de que vir-
tualmente dispomos. Sem dúvida que é perturbadora a convicção de
que o gene é por excelência a pista, mas se se estiver errado o tem
po o dirá"'(19) .
irredutíveis (já que o hard core poderá ser o apelo, mesmo que
discreto, a uma acção da providência substituindo de certo modo a
"alma" aristotélica, o que acrescente-se mostra também, como a
corrente vitalista, finalista, arrancou, genericamente, duma assi-
milação do vital a realidade mental) a "escola" informacional ofe
recerá a essa especificidade vital, uma designação insuspeita para
a época: a vida como informação (28).
Mais adiante concretizaremos este nosso ponto de vista. É
que,entretanto,a clarificação de todo este contexto de ideias na
base duma associação da biologia molecular com a noção de infor-
mação, obriga-nos, como atrás prometemos, a referir Schrõdinger ,
pois,quer Crick, quer Watson quer Wilkins, como tantos outros fí-
sicos e biólogos de então,nele encontraram o verdadeiro desafio
no esclarecimento de "0 que é a vida?" (29).
Schrõdinger cita explicitamente Delbruck: "A partir do mo-
delo geral da substância hereditária, apresentado por Delbruck,re-
sulta que a matéria viva, embora não escapando às "leis físicas",
tal como estão hoje estabelecidas, envolve "outras leis da física"
ainda desconhecidas, mas que, contudo, uma vez reveladas forma-
rão parte integrante desta ciência tal como as outras" (30).
A incapacidade da física e da química para explicarem os
acontecimentos de que o organismo é cenário,seria uma situação
ultrapassável,pois o facto de os organismos serem maiores que os
átomos não significa que não obedeçam a leis físicas exactas. In
clusivamente, a peculiar qualidade da matéria viva de evitar a
tendência para o equilíbrio, não a furta a uma obediência ã ter
modinâmica,pois que "bebendo ordem do meio" o organismo alimenta
-se de neguentropia,cuja última fonte é o sol (31). ; ,,,;;, : ,,;
- 227 -
va com ele muito do espírito que animara o "grupo dos fagos". Alu
no de Luria, parecia nutrir uma profunda reverência pela figura
lendária de Delbriick, aceitando ao mesmo tempo as ideias bastante
românticas da filosofia alemã adoptadas pelo grupo (34).
Watson seria assim,como que uma espécie de ponte entre a
"escola" informacional e a "escola" estrutural de biologia molecu
lar. Curiosamente, e para lá da possível desarmonia dos seus qua-
dros metafísicos, será do cruzamento dum pensamento informacional
com um pensamento estrutural, que resultará a descoberta de Watson
-Crick de 1953. Vejamos como:
uma base pequena e uma base grande. Não uma qualquer. A timina ti
nha que ser emparelhada com a adenina e a citosina com a guanina.
A regra de Chargaff resultava como uma consequência lógica da es-
trutura em hélice dupla do DNA.
0 mais excitante, no entanto, para além da beleza do mode
lo, como consideravam os seus autores, é que a dupla hélice suge-
ria um esquema de replicação, pois emparelhar sempre adenina com
timina e guanina com citosina significava, que a sequência de ba-
ses das duas cadeias era complementar uma da outra. Uma vez conhe
cida uma determinada sequência de bases numa cadeia, a da sua acom
panhante podia ser imediatamente determinada. Conceptualmente,, era
então muito fácil compreender como uma única cadeia podia ser o
modelo para a síntese de uma outra com a sequência complementar.
v e r - s e - ã a p l i c a r e s t a c o n s t a t a ç ã o ã informação g e n é t i c a ? " ( 6 6 )
Realmente o b i t , a unidade de informação, não é uma unida
de de s e n t i d o , muito embora a teoria shannoniana não ignore a presen-
ça da s i g n i f i c a ç ã o da mensagem. A u t i l i z a ç ã o dum código e dum r e p e r
t ó r i o , a n e c e s s i d a d e de comunicar, a s precauções face aos ruídos (per
t u r b a ç õ e s a l e a t ó r i a s que aparecendo no canal de t r a n s m i s s ã o podem per
t u r b a r a mensagem) por meio de uma u t i l i z a ç ã o óptima da redundância, su
põem e envolvem, na verdade, o sentido do que é transmitido. No entanto, a
t e o r i a de Shannon/Weaver, como d e t a l h a r e m o s mais ã frente,não tem em
c o n t a , e x p l i c i t a m e n t e , a significação e eficácia da mensagem. Interessa-se
pelo custo da informação mas, de certo modo, tudo o mais lhe é indiferente(67) .
quer sistema uma evolução para estados definidos por uma menor or
ganização, menor heterogeneidade e diminuição de energia livre.
Resume-se esta evolução, definindo-a como um crescimento necessá-
rio de entropia.
aqui enunciada de que será apoiado nela que um paradigma não cris
talino, com laivos algo vitalistas, se recombina) e inclusivamen
te a dispensar também,outros suportes do modelo da vida. cano "chama", co
mo é o caso da termodinâmica de Prigogine.
três espécies:
enorme variedade dos seres vivos que têm sido ou podem ser cons-
truídos" (88) .
Falar da informação presente numa proteína é assim, des-
te ângulo, considerar a sua particular arquitectura, a sua estru
tura, a sua organização ou "forma" realizada(informare, "darforma a").
Se nos limitarmos a este primeiro sentido verificamos que
ele tem um largo apoio,mesmo entre aqueles que discordam da in-
serção duma dimensão informacional na biologia. É assim que Weiss,
a quem por isso nos referimos atrás, admite que o que" distingue um
organismo da simples soma das suas partes pode ser tido como um
problema de "informação":
"Um sistema organizado não difere de uma mistura ao aca-
so das suas partes, nem pela massa, nem pelo peso, nem por qual-
quer outra propriedade dos seus componentes separados.... A dife
rença não é.... uma diferença de matéria, mas da estrutura de re-
lações dos componentes entre si" (89).
Toda a argumentação de Weiss, como vimos, convida a su-
blinhar a necessidade de uma"teoria dos sistemas com diferentes
níveis hierárquicos com uma dinâmica de campo global", para enten
der o que é a vida, achando a informação insuficiente para a tra
duzir. Ao contrário, Laborit»embora usando um discurso notavel-
mente semelhante, refere-a como a diferença específica entre o
vivo e o não vivo.
Parece-nos assim possível ver nestes autores e na sua d_i
vergência a partir duma aparente aproximação inicial, um resulta
do flagrante da atribuição de dimensões diferentes ao conceito de
informação. Precisemo-los melhor:
Enquanto informação exprime a "forma" dos sistemas vivos,
- 277 -
( 8) Id., lb.
( 23) Gunther Stent, "That was the molecular biology that was",
op. cit., p. 390.
( 32) Id., Ib. Para que fique clara a noção proposta de "cristal
aperiódico" é bom lembrar que um cristal tradicional (pois
que hoje se conhecem os chamados quase-cristais) é um arran
jo extremamente ordenado de átomos ou de moléculas. É uma
rede formada pelo empilhamento regular e periódico em to-
das as direcções do espaço, de "tijolos elementares" idên-
ticos, compostos dos mesmos átomos segundo a mesma distri-
buição.
- 293 -
( 40) Gunther Stent, "That was the molecular biology that was", op.
cit., p. 395.
( 55) Cf. a este propósito, Pierre Delattre, "Teoria geral dos sis
temas e epistemologia"f trad, de A. Furtado, Lisboa, A re-
gra do Jogo, 1981, pp. 36-42. Aí se comenta: "A analogia
é um instrumento de percepção e pensamento que tem, entre
os homens de ciências, um estatuto bastante contraditório.
Embora largamente utilizada finge-se tê-la como suspeita.
Seria interessante saber qual a razão, a fim de melhorar
este uso caso se venha, em definitivo, a verificar legíti
mo". Isto é absolutamente aplicável ao problema que neste
capítulo nos ocupará.
(87) Henri Laborit, "La nouvelle grille", op. cit., pp. 23 - 24.
CAPÍTULO II
ricamente prescrevem.
Esta hipótese, para além do mais, "resolve" a questão de
uma complexidade neuronal a partir de uma economia de genes:
"0 custo em genes, requerido para realizar as topologias
neuronais e sinápticas "redundantes" e "variáveis", sobre as quais
a epigénese vai trabalhar,é a priori muito menos elevado, que aque-
le que seria necessário para codificar, ponto por ponto,a diversi
dade adulta das singularidades neuronais. Os genes que compõem o
envelope genético, em particular aqueles que determinam as regras
de crescimento e estabilização de contactos sinápticos, podem ser
partilhados pelo conjunto dos neurónios de uma mesma categoria e
mesmo, eventualmente, ser postos em comum por várias categorias
de neurónios, o número de genes necessário à epigénese por estabi
lização selectiva é, também ele, relativamente baixo" (52).
co,, como Jacob também fez notar, desde que há uma incapacidade
de, por via determinista, os genes tudo preverem e proverem, seria
o acaso, sob a forma de perturbação aleatória, que explicaria em
parte a complexificação dos sistemas nervosos,- que tal como os
autómatos de Cowan e Winograd - seriam capazes de um comporta
mento fiável a partir de componentes não fiáveis e isto, parti-
cularmente, ã custa do seu alto grau de redundância.
O nível filogenético
Complexidade e inovação
dicional.
De qualquer modo, o factor propulsor de uma mudança, con
cebida como mais ou menos inovadora, é ainda a flutuação aleató
ria. Ora,Jay Gould parece ter sido sensível a um aspecto cha-
ve em toda esta questão: que tudo se joga em "sistemas comple-
xos" .
É aí que a biologia molecular mostra, de um ponto de vis
ta sistémico, certa incapacidade para teorizar as condições de
complexidade dos sistemas vivos, que lhes permitem utilizar po-
sitivamente o acaso, a flutuação, a própria redundância que evi
denciam.
Simultaneamente, e essa ideia já a vimos atrás por su
gestão de Atlan, a biologia molecular/ao demonstrar o papel do
acaso na filogénese, notoriamente demonstra as limitações do se
gundo teorema de Shannon, da via com ruído, quando aplicado à
transmissão da informação nos seres vivos.
Weaver já suspeitara que a perturbação aleatória, sob
forma de ruído, podia ser um factor gerador de ambivalência e
daírde aumento de informação na via de comunicação.
A biologia molecular revela tal situação mas,como nos sa
lientou Atlan, não basta constatá-lo. Esta "lógica do vivo", que
parece baseada - não essencialmente num processo de reprodução
conforme de estados de equilíbrio, como Jacob sugeriu - mas an-
tes, na capacidade de utilização positiva do ruído, só será deci
frada, se se chegar ã construção de uma teoria da organização,
que mostre como é que a noção de um "acaso organizador" pode não
ser contraditória (66) .
- 371 -
uma grande parte das mudanças evolutivas é regida por deriva alea-
tória.
O problema do a priori
reducionismo.
A coerência do sistemismo que defendem é, por outro lado,
inegável. 0 aspecto mais típico da noção de sistema- enquanto con-
junto de componentes - é o seu carácter de totalidade auto-recur-
siva, o que obriga a que - se quisermos rigorosamente representar
uma organização como sistema - tenhamos que postular que ela é fe
chada, não tendo outra causa ou efeito senão ela própria.
Vários autores, entre eles Bertalanffy e particularmente
Piaget, reconhecendo tal facto, fizeram notar a aparente contradi
ção que a aplicação da noção de "sistema" â vida e ao conhecimen-
to envolve. Ë que, nestes casos, estaríamos diante de uma particu
lar situação sistémica, já que a sua abertura energética ou ter-
modinâmica e mesmo cibernética/informacional destes sistemas, faz
deles sistemas "paradoxais", porque abertos. 0 problema maior, na
sua compreensão, seria então o da conciliação da abertura com o
fecho. Piaget, como se sabe, centrou aí a sua investigação sistémica.
NOTAS
( 37) Cf. Carl Sagan, "Les dragons de l'Eden", op. cit., pp.33-60. Sa
gan faz aqui uma distinção que Lila Gatlin, por exemplo, irá
sublinhar e que contribui para demonstrar, mais uma vez, as
dificuldades dos cálculos da quantidade de informação contida nos genes
ou nos cérebros. É que a quantidade de informação pode parecer invariá-
vel, quando afinal a sua qualidade sofreu desenvolvimentos diferenciais.
Gattiln considerará com efeito, como veremos no capítulo seguinte, que
a redundância, função R de Shannon, pode ter diferentes di-
- 415 -
( 3 8) Id.fIb.
( 41) "O número de intrões varia de. um gene para outro, mas po-
de ser muito elevado, havendo exemplos de genes com 12, 14
e até 16 intrões. Além disso a excisão tem, evidentemente,
de processar-se com a maior exactidão no que respeita aos lo
cais de corte e de religação. Bastaria que o corte se desse
um só nucleotídeo antes ou um só depois, para que o RNA ma
duro pudesse perder a sua funcionalidade, especialmente se
se tratar dum mRNA. Por tudo isso se criou expectativa em
relação à identificação do catalisador a que é confiada uma
reacção tão delicada e vital". E foi aqui que surgiu a gran
de surpresa ao verificar-se que a excisão dos intrões era,em
certos casos,realizada não por catálise proteica, mas por
acção enzimática do próprio RNA que os contém. Mais um dogma
da biologia molecular cai, ao dar-se conta que nem todas as
enzimas são proteínas. Cf. Luís Archer, "RNAs que são enzi-
- 416 _
( 57) Cf. Jacques Monod, "0 acaso e a necessidade'; op. cit., pp.
115-117. Este "ruído", esté "acaso", é em Monod teorizado
como, não apenas uma incerteza operacional mas essencial,
num sentido que parece muito próximo do acaso de Cournot.
(Encontro de séries causais independentes). Com efeito,
escreve: "Ora entre os acontecimentos que podem provocar
ou permitir um erro na replicação da mensagem genética e
as suas consequências funcionais, há igualmente indepen-
dência total. 0 efeito funcional depende da estrutura, do
papel actual da proteína modificada, das interacções que
assegura, das reacções que catalisa. Tudo coisas que nada
têm a ver com o acontecimento mutacional em si".
( 63} Cf. Luís Archer, "Genética molecular", op. cit., pp. 244-245
e pp. 292-295.
( 64) Cf. Stephen Jay Gould, "Ontogeny and Phylogeny", The Belknap
Press of Harvard University Press, 1977, p. 409.
( 79) Nós lançamos um apelo aos biólogos para que abandonem o qua
dro esterilizante do programa adaptacionista e reencontrem
a riqueza da posição pluralista.... Sob a influência do
programa adaptacionista, com efeito, grandes temas da biolo
gia, como o desenvolvimento da morfologia e dos planos de or
ganização, foram largamente abandonados no passado; se a
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