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LEI N. 11.

340/2006
Lei Maria da Penha II
Produção: Equipe Pedagógica Gran Cursos Online

LEI MARIA DA PENHA II

Formas de violência doméstica

Quando o legislador trata das formas de violência doméstica e familiar contra


a mulher, lembre-se de que isso foi feito em 2006. Atualmente, deve-se substi-
tuir “contra a mulher” por “contra a vítima”, porque, como visto, a vítima pode ser
tanto do sexo feminino como também do sexo masculino, de acordo com a juris-
prudência contemporânea dos tribunais superiores.

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade
ou saúde corporal;

A violência física que caracteriza a violência doméstica é aquela que importa na


violação da integridade física ou da saúde de outra pessoa, praticada no seio do
domicílio onde residem o agressor e o agredido, ou entre pessoas que guardam
entre si alguma relação consanguínea, ou pessoas que guardam entre si uma rela-
ção afetiva (não necessariamente consanguínea), como namorado e namorada.
Então, nesse contexto de violência física, pode-se falar nos crimes de (não é a Lei
Maria da Penha que estabelece quais são os crimes; ela só diz o que é a violên-
cia física para fins de reconhecimento da violência doméstica): lesão corporal, em
casos mais leves (considerando a qualificadora do § 9º do art. 129); homicídio, em
situações mais extremas (não havendo mais possibilidade de adoção de medidas
protetivas de urgência, visto que a vítima já sofreu um dano irremediável, confi-
gurando o feminicídio, que é uma qualificadora do crime de homicídio); estupro,
modalidade de violência física, em que a mulher, mesmo sendo casada com o
agressor, é constrangida à prática não consentida de relação sexual.

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipula-
ção, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio
que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
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Violência psicológica trata-se de sofrimento, um sofrimento não perceptível


por meio de laudo e exame de corpo de delito, um sofrimento interno, da alma da
mulher, que, em razão da conduta do agressor, tem diminuída a sua autoestima
e passa a deixar de se ver como uma pessoa interessante e passa a se adequar
àquilo que ele considera que ela é, como, por exemplo, uma vadia, uma pregui-
çosa, uma gorda, uma desleixada etc. Esses são exemplos de ofensas e injúrias
que caracterizam a diminuição da autoestima e que, normalmente, são objetos
de discussão no processo penal.
Recentemente, em um processo na área de violência doméstica, uma mulher,
a quem se perguntou qual seria a justificativa de ela buscar a proteção do Estado
com a concessão de medidas protetivas de urgência, tendo sido casada com o
suposto agressor por mais de 20 anos, alegava por diversas vezes que ele a
chamava de vagabunda. Cada vez que ela falava “vagabunda”, ela aumentava o
tom de voz e chorava mais, visto que isso a ofendia de uma maneira tão grave,
configurando um sofrimento psicológico tão grave, que ela nunca esperava que
uma pessoa com quem manteve um relacionamento por quase 25 anos, sendo
ela médica, a tratasse dessa maneira. Isso, pois, caracteriza justamente a vio-
lência psicológica constante do art. 7º, inciso II, da Lei n. 11.340/2006.
Esse inciso menciona também a “chantagem”. É cada vez mais comum ouvir
histórias de namorados que, enquanto mantinham relacionamento, mandavam
fotos nuas um para o outro. Com o término do relacionamento, e quando uma das
partes não concorda, há um sentimento de vingança, o qual, muitas vezes, faz
com que a pessoa que tem em mãos aquela imagem do(a) então namorado(a)
nu(a) envie para a sua rede de contatos, fazendo com que essa pessoa sofra
as consequências de estar nua perante todos, até mesmo perante aqueles que
nunca a conheceram, sem a sua vontade. Isso caracteriza uma situação de vio-
lência psicológica que justifica a proteção oferecida pela Lei Maria da Penha, em
que se encontra a previsão da chantagem.
Outro exemplo importante é o da ridicularização. Por exemplo: vítima que
recebe pensão alimentícia do pai de filho em comum, sendo que o pai condiciona
que ela vá pegar em mãos o pagamento da pensão, não depositando em uma
conta para que a vítima tenha o valor à livre disposição. Em uma dessas oportu-
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nidades, combinando de encontrá-la em um bar para o recebimento do valor da


pensão, ele jogou o dinheiro no chão, fazendo-a pegar. Esse é um caso de expo-
sição ao ridículo da mãe do filho em comum, que importa no reconhecimento
de uma ofensa à dignidade dessa mulher e na causação de um sofrimento de
natureza psíquica e que, portanto, traz a possibilidade de proteção das medidas
constantes da Lei n. 11.340/2006.

III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a pre-
senciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimi-
dação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar,
de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método
contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

Trata-se de uma definição de violência sexual bastante completa por parte do


legislador, que tenta zelar pela dignidade sexual da mulher ou mesmo do homem
(uma vez que já não há mais distinção entre o homem como vítima de estupro e
a mulher como vítima de estupro). Com isso, a Lei n. 11.304 se presta também à
tutela não só da integridade física da mulher quando a violência sexual importa
em violência física, mas também no resguardo da dignidade sexual, que basica-
mente significa garantir a liberdade de viver uma vida sexual de acordo com a
sua consciência, com seus princípios, com sua formação e com sua ideologia.

IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure re-


tenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

Um outro caso em um inquérito policial é o de um casal, recém-separado e


com o marido não satisfeito pelo fato de a mulher ter entrado com o divórcio, em
que o marido, em primeiro momento, pareceu consentir, mas horas depois voltou
à residência onde o casal morava e destruiu tudo aquilo que ele dera para ela
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(celular, televisão, computador etc.), extravasando a sua insatisfação com o tér-


mino do relacionamento, atraindo para si uma responsabilidade penal (crime de
dano, previsto no art. 163 do Código Penal) e, como foi praticado em contexto
de violência doméstica, estando sujeito às medidas protetivas constantes da Lei
Maria da Penha.
Portanto, o legislador não só tutela a integridade física, psíquica e moral da
mulher, ou da vítima de violência doméstica, mas também tutela seus interesses
disponíveis, a exemplo do patrimônio, que, como se sabe, ordinariamente são
objetos de discussão no juízo cível, e não na justiça criminal. Mas, ainda que
verificado o dano patrimonial, por meio do cometimento de um crime, nada obsta
que se resguarde os interesses patrimoniais da vítima, fixando o juiz, a pedido
do Ministério Público ou do querelante no caso de ação penal privada, um valor
mínimo a título de indenização.

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,


difamação ou injúria.

A calúnia, a difamação e a injúria são crimes elencados no Código Penal, nos


arts. 138, 139 e 140. A calúnia basicamente consiste na atribuição a outra pessoa
de prática de uma conduta criminosa ou de algo que é sabido como não verda-
deiro, o que constitui crime. O caluniador sabe que a pessoa não fez aquilo e,
mesmo assim, diz que fez. E se isso encontra adequação típica, isso é calúnia.
Por exemplo: afirmar que “Fulana subtraiu determinada quantia do caixa da pada-
ria onde trabalha”, sabendo que isso não é uma fato verdadeiro, constitui calúnia.
Na difamação, há a atribuição de um fato, que é falso mas que não neces-
sariamente corresponde a uma figura típica no Código Penal nem em legis-
lação extravagante, mas que com certeza representa uma conduta imoral.
Então, se se diz que “Fulano, no dia do vencimento de determinada dívida
feita com o cunhado, não só não pagou como pegou mais dinheiro empres-
tado”, sabendo que, na realidade, ele pagou e, inclusive, levou um presente
por gratidão, isso é uma conduta difamatória, porque viola a reputação da
pessoa como boa pagadora.
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Na injúria, por sua vez, há a externalização de uma opinião depreciativa de


um atributo de natureza moral, física ou social. Por exemplo: dizer que uma
pessoa é burra, dizer que uma mulher é vagabunda, dizer que um rapaz é pre-
guiçoso, dizer que alguém é feio etc.
Então, ordinariamente, o que se fala em sede de violência doméstica é
que os crimes de palavra ou crimes de opinião, representados pela calúnia,
difamação e injúria, também dão azo à proteção da vítima pela Lei Maria da
Penha.

Atribuição da autoridade pública

Quando se fala em autoridade pública, refere-se inicialmente ao delegado


de polícia: a pessoa responsável pela investigação do fato que lhe levado ao
conhecimento, a quem cabe verificar a materialidade e autoria delitiva, e que
possibilitará, eventualmente, nos casos de crimes de ação penal pública, o ofe-
recimento da denúncia por parte do Ministério Público. O art. 10 da Lei Maria da
Penha esclarece que:

Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar


contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência ado-
tará, de imediato, as providências legais cabíveis.

Lembre-se de que: i) “iminência” significa que a violência está prestes a acon-


tecer; ii) deve-se entender não só violência “contra a mulher”, mas “contra a
vítima” (que pode ser homem ou mulher); iii) é em relação às “providências legais
cabíveis” que se encontra a maior utilidade da Lei Maria da Penha no que diz
respeito à sua finalidade, que é a proteção dos interesses da vítima de violência
doméstica ou violência familiar.
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Providências legais cabíveis

Sobre as providências legais cabíveis, o legislador descreve:

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a


autoridade policial deverá, entre outras providências:
I – garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Mi-
nistério Público e ao Poder Judiciário;
II – encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico
Legal;

O inciso II diz respeito aos casos em que é preciso comprovar a violência


física. Como se prova a existência de um crime que deixa vestígios? O crime
que deixa vestígios, de acordo com a doutrina penal, é um crime não transeunte.
Crime transeunte, por sua vez, é o que não deixa vestígios: normalmente o crime
de atividade, aquele que não gera um resultado material, um resultado natura-
lístico. E se o crime deixa vestígios, como provar a existência desse crime? Por
meio de um laudo de exame de corpo de delito, no caso da lesão corporal prati-
cada no contexto de violência doméstica. Assim, a autoridade policial tem a preo-
cupação, de imediado, num caso de violência doméstica que envolve a violência
física, de encaminhar a vítima, seja homem ou mulher, ao Instituto Médico Legal,
onde o médico legista identificará a existência de lesões que são aparentes e
trará a possível origem dessas lesões: se o instrumento é cortante, perfurante,
contundente etc. A partir da análise dessas características de natureza física,
confronta-se com outros elementos de prova, a exemplo de prova testemunhal,
chegando à conclusão da existência ou inexistência da responsabilidade penal
do agressor.

III – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local
seguro, quando houver risco de vida;
IV – se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus per-
tences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
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Essa situação (inciso IV) é muito frequente. Imagine que um casal tenha dis-
cutido e o cidadão coloca a mulher para fora de casa, a qual sai apenas com a
roupa do corpo, sem deixar que ela volte à residência para pegar seus perten-
ces, roupas, documentos etc. Nesse caso, quando a vítima leva esse fato ao
conhecimento da autoridade policial, esta pode retornar à residência da vítima,
utilizando da força necessária, e promover que a vítima recupere os bens de sua
propriedade.

V – informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços dispo-


níveis.

O delegado tem a obrigação, nos casos de violência doméstica, quando a


vítima comparece à sua presença, de esclarecer a ela qual é o rol de medidas
de proteção, de tutela de seus interesses. A vítima deve, então, manifestar-se
acerca de qualquer uma dessas medidas de proteção dos seus interesses – as
chamadas medidas protetivas de urgência. Ela tem esta liberdade: ela não é
obrigada a aceitar nenhuma dessas medidas, alegando querer apenas deixar
o fato registrado, ou, quando se encontra aterrorizada e acredita efetivamente
que está correndo risco de vida, ela se manifesta, então, de maneira formal,
assinando um requerimento ou declarando à autoridade policial, que reduzirá
a termo, que deseja ser acolhida pelo Estado com a concessão das chamadas
medidas protetivas.
Até aqui tratou-se, então, da explanação acerca da Lei Maria da Penha e,
mais especificamente, das chamadas medidas de proteção e das atribuições
das autoridades públicas envolvidas nesse sistema de tutela das vítimas em
contexto de violência doméstica ou familiar. A partir daí, identifica-se a maior
utilidade ou a finalidade de Lei Maria da Penha: a tutela ou proteção da vítima.
Muito mais do que agravar penas ou eventualmente estabelecer procedimentos
que serão aplicados à persecução penal de autores de crimes cometidos em
contexto de violência doméstica ou familiar, a Lei Maria da Penha traz o que é
mais importante, que é a proteção da vítima nesse contexto. Vê-se com muito
mais frequência a violência contra a mulher, mas é preciso lembrar que a aplica-
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ção da Lei Maria da Penha não está restringida à violência contra a mulher, mas
admite também toda e qualquer violência de natureza doméstica contra vítima
de sexo feminino ou masculino, seja de natureza física, psíquica ou no tocante à
dignidade da vítima.
Na próxima aula, a aplicação da Lei Maria da Penha continuará a ser explo-
rada, identificando a atuação da autoridade policial, bem como dos demais sujei-
tos envolvidos nesse sistema punitivo e protetivo, que são o Ministério Público e
o juiz de direito, inclusive com a análise da possibilidade de decretação da prisão
cautelar do violador de medidas protetivas de urgência.

�Este material foi elaborado pela equipe pedagógica do Gran Cursos Online, de acordo com a
aula preparada e ministrada pelo professor Flávio Milhomem.
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