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Teresa Pires do Rio Caldeira Editora 34 Ltda.

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Cidade de muros Edusp - Editora da UniH•rsidade de São Paulo


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Crime, segregação e cidadania em São Paulo São Paulo · SP Bra il Tcl ( li ) 38 18-4006 Fax (1 I ) 3031 -6988

Copyright <9 Editora 34 Ltda. I Edusp - Editora da Universidade de São Paulo, 2000
Cidade dl' muros O Tert·sa Pires do Rio Caldeira, 2000
Imagem da capa© Sambaphoto/Crisriano Mascaro

Cidade de muros foi publicado originalmente em inglês, pela Universiry of California


l'rcss, com o título City o( walls: crime, segregation atul citiunship itt São POJtlo (2000)

A FOTOCÓPIA 1)1;. QUALQUER FOLHA t>F.sTI: tJVRO É I lEGAL, E CONFIGIJR.> liMA


APROPI\V.ÇÁO I~DE\~OA DOS OIREJl OS !1'-,'ElECTUAIS 1; PATRIMONIAIS 00 AUTO R.

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Crécliros das fotografias:
Célio }r./A E (fJ. 248a. 248/JJ; Teresa J>ires d o Rio Caldeira {pp. l22a, 122b. 229a,
229b. 238n. 246a. 246b. 295a, 29.'ib, 1.98n. 298b. 298c, 299a. 299b. 299c, 3 / Ba.
3 / Sb}: Teresa Pires do Rio Caldeira e }ames Holston (pp. 221c. 238b. 296a. 296/J.
296c. 196d. 300a. JOOb. JOOc. 3 / 8c)

I • Edição · 2000; 2' Edição· 2003

Catalogação na Fume do D<.-panarnenro Nacional do l.ino


(Fundação Biblioteca l':acicmal, RJ, Brasil)
ú ldtiu. Ttrn..a l)ire-s drt Rio
C146c Cld;.de de mu11>"1: cr1n1t"~ scs,rtg.~ç.J() c <"•dad;~n...
em 5..1o Paulo I Tcn~ Pirc~ Jo Rio Caklt'ír:1: rraJuçio de::
fr.mL:: de Oliv('lf'. l e I fcnnquc ~\lonttiro - S.io f1.1ulo:
Ed. 34 f l'.dusp. 1000.
400 p.
ISBN 85- - 316-188·9 (ül. H l f 85-3 1~·0580·- (üluspl

I. Criffl<'s e criminosos · A~pccros ~~íoJ~icos ·


Slo Paulo (SPJ. 1. Violcnci• • ~ào l'>ulo !SP).
3. Cod>dono> · São P>ulc> ISP). I. Titulo.
CDD · 307.-6098 16 1
CIDADE DE MUROS
Crime, Segregação e Cidadania em São Paulo

lntrodU<;ão ................................................................................. 9

Pn tc 1 A t ' ' -' Del C lli\! F


I r alando do C rime c O rdcnand D l) M undo ............ , ............ 27
2. A Crise, os Criminosos e o Mal ........................................... 57

Parte fi. 0 CRIME VIOLENTO E A F ALENC!A DO ESTADO DE DIREITO


3. O Aumento do Crime Violento............................................ 101
4. A Polícia : uma Longa H istó ria de Abusos ............................ L35
5 Violência PoliciJ I e Democrac ia I 'i?
Para Jim,
explo rado r de cidades, reais e imaginárias.
Parte Ill. SFC.RF.C,\ ÇJiO URBr\"'' · E :-<CLAVES FORTIFIC:\IlO:> E
ESPAÇO PúBI.ICO
6 . São Paulo : Três Padrões de Segregação Espacial .................. 2 1J
7. Enclaves Fortifica dos: Erguendo Muros e
Criando uma Nova O rdem Privada .................................. 257
8. A Implosão da Vida Pública Moderna ................................. 301

Pa rte IV. V!Ol t i'CJ:\, D IREITOS CIVIS E O CORJ)O


9. Violência, o Corpo lncin::unsniro c o Desrcspciw aos
Direitos na Democracia Brasileira, ., ...., ... , .......... ,.., ....... 343

Apêndice .................................................................................... 379


Agradecimentos......................................................................... 3 81
Bibliografia ................................................................................ 385
INTRODUÇÃO brasileira nas últimas décadas. Esses processos incluem, por um lado, a democrati-
zação política e, por outro, a inAação, a recessão econômica e a exaustão de um
modelo de desenvolvimento baseado em nacionalismo. subsriruiçào de importações,
protecionismo e na acentuada intervenção do Estado na economia. O universo do
crime oferece imagens que permitem ramo expressar os sentimentos de perda c
decadência social gerados por esses outros processos. quanto legitimar o tipo de
reação que se vem adorando: segurança privada para garantir o isolamento, encer-
ramenro e distanciamento daqueles que são considerados perigosos.
A vio lência e o medo combinam-se a processos de mudança social nascida- A fa la do crime constrói sua reordenação simbólica do mundo elaborando
des contemporâneas, gerando novas formas de segregação espacial e discriminação preconceiros c naturalizando a percepção de certos grupos como perigosos. Ela, de
social. Nas duas últimas décadas, em cidades tão diversas como São Paulo, Los modo simplista, divide o mundo enrre o bem e o mal e c riminal.iza cerras catego-
Angeles, j ohannesburgo, Buenos Aires, Buda pes te, Cidade d o México e Miami, rias sociais. Essa criminalização simbólica é um processo social dominante e tão di-
diferentes grupos socia is, cspecialmcme das classes mais altas, rêm usad o o medo fundido que até as próprias vítimas dos estereótipos (os pobres, por exemplo) aca-
d:1 violência e do crime para justificar ta nto novas tecnologias de exclusão socia l bam por reprod uzi-lo, ainda que ambiguamente. Na verdade, o universo do crime
quanto sua retirada dos bairros t ra d icionais dessas c idades. Em geral, grupos q ue (ou da transgressão ou das acusações de mau comportamento) oferece um contex·
se senrem ameaçados com a ordem social q ue to ma corpo nessas cidades constroem to fértil no qual os estereótipos circulam e a discriminação social é moldada - não
enclaves fortificados para sua residência, trabalho, lazer e consumo. Os discursos a penas em São Paulo, mas em qualquer lugar. Obviamenre, esse universo do crime
sobre o medo que simulta neamente legitimam essa retirada e ajudam a reproduzir não é o único a gerar discriminação nas sociedades conremporâneas. . o entanro,
o medo encontram diferentes referências. Com freqüência, d izem respeito ao c ri- sua investigação i: especialmente importante porque ele fomenta o descnvolvimen·
me c especialmente ao crime vio lento. Mas eles também incorpora m preocupações to de dois novos modos de d iscriminação: a privarização da segurança e a reclusão
raciais e étnicas, preconceitos de classe e re ferências negativas ao pobres e margi- de alguns grupos sociais em enclaves fortificados. Esses dois processos estão mu-
naliza dos. Invariavelmente, a circulação desses discursos do medo e a proliferação dando as noções de público e de espaço público que até bem recentemente predo-
de práticas de segregação se entrelaçam co m outros processos de transformação minavam em sociedades ocidentais.
social: transições democrá ticas na América Latina; pós-apartheid na África do Sul; A privarização da segurança desafia o monopólio do uso legítimo da força pelo
pós-socialismo no leste europe u; t ransformações étnicas decorrentes de intensa Estado, que rem sido considerado uma característica definidora do Estado-nação
imigração nos Estados Unidos. 1 o entanto, as fo rmas de exclusão c encerramento moderno (cf. Weber 1968: 5 4-6, e também Tilly 197 5 e Elias 1994 [ 1939]). 1 as
sob as quais as a tuais transformações espaciais ocorrem são rã o generalizadas que últimas décadas, a segurança tornou-se um serviço que pode ser comprado e ven-
se pode tratá-las como parte de uma fórmula que elites em todo o mundo vêm ado- dido no mercado, alimentando uma indústria altamente lucrativ:l. Em meados dos
rando para reconfigurar a segregação espacia l de suas cidades. anos 90, o nl'1mero de vigilann:s empregados em segurança privada ultrapassou o
Este liv.ro focal iza o caso de São Paulo e apresenta uma análise da forma pela de policiais e m quase três vezes nos Esrados Unidos e em cerca de duas vezes na
qual o crime, o medo da violência e o des respeito aos d ireitos da c idadania têm se Grii-Bretanha e no Canadá (Unitcd Srares Housc 1993: 97, 135; Bayley e Sheriog
combinado a transformações urbanas para produzir um novo padrão de segrega- 1996: 587). Cidadãos des cs c de muitos outros países dependem cada vez mais da
ção espacial nas duas últimas décadas. Esse é o período da consolidação dcmocrá- segurança privada não só para a proteção em face do crime mas rambém para iden-
dca. O crescimento do crime violento em São Paulo desde meados dos anos 80 gerou tificação, triagem , controle e isolamento de pessoas indesejadas, exatamente aque-
medo e uma série de novas estratégias de proteção e reação, dent re as quais a c::ons- las que se encaixam nos estereótipos criados pela fala do crime.
t ruçào dos muros é a mais emblemática. Tanto simbólica quan to materialmente, Em São Paulo, a privati?.ação da segurança está crescendo, mas até agora o
essas estratégias operam de forma semelhante: elas estabelecem d iferenças, impõem contingente de vigilantes oficialmente não ultra passou o de policiais. No entanto,
d ivisões e distâncias, constroem separações, multiplicam regras de evitação e ex- ela assume uma característica mais perversa e preocupante no contexto de a mplo
clusão e restringem os movimentos. Muitas dessas operações são justificadas em descrédiro das instituições da ordem - as forças policiais e o sisrema jud iciário.
conversas do d ia-a-dia cu jo tema é o que chamo de fala do c rime. As narrativas Porque estes são vi ros como ineficientes e sobretudo porque, mesmo sob um regi-
cotidianas, comentários, conversas e até mesmo brincadeiras e piadas que têm o crime me democrático, a polícia freqüentemente age fora dos limites da lei, cometendo
como tema contrapõem-se ao medo e à experiência de ser uma vítima do crime c, abusos e executando suspeitos, um número crescente de morado res de São Paulo
ao mesmo tempo, fazem o medo prolifera r. A fala do crime promove uma reorga- rem optado por serviços de segurança privada (freqüentemente irregulares ou até
nização simbólica de um universo que foi perturbado tanto pelo crcscimenro do c rime explicitamente ilegais) e chegam a optar por justiça privada (seja por meio de jus-
quanto po r uma série de processos que vêm afetand o profundamente a sociedade ticeiros, seja por ações policia is exrralegais). ~uims vezes, esses serviços privarizados

Cidade di.' Muros 9 lO Teresa l'1res do Rio C:!ldcira


contrariam, ou até violam, os direitos dos cidadãos. No entanto, essas violações são conjuntos comerciais e rmpresariais. ou condomínios residenciais. Ek-s atraem aque-
toleradas pela população, que em várias ocasiões considera alguns direitos de ci- les que temem a heterogeneidade social dos bairros urbanos mais antigos e prefe-
dadania não importantes e até mesmo censuráveis, como fica evidente na questão rem abandoná-los para os pobres, os ·'marginais~, os sem-reto. Por serem espaço
do ataque aos direitos humanos que analiso nos capítulos subseqüentes. fechados cujo acesso é controlado privadameme, ainda que tenham um uso coleti-
Essa ampla violação dos direitos de cidadania indica os limites da consolida- ,.o e semipúblico, eles transformam profundamente o caráter do espaço público.
ção democrática e do estado de direito no Brasil. O universo do crime não só reve- Na verdade, criam um espaço que conrradiz diretamente os ideais de heteroge-
la um desrespeito generalizado por direiros c ,·idas, mas também diretamente des- neidade. acessibilidade e igualdade que ajudaram a organizar tanto o espaço pú-
legirima a cidadani:1. Esse desrespeito pelos direitos individuais e pela justiça represen- blico moderno quanto as modernas democracias. Privarização, cercamentos, poli-
ta o principal desafio à expansão da democracia brasileira para além do sistema ciamento de fronteiras e técnic:1s de distanciamento criam um outro ripo de espaço
político, onde ela foi consolidada nas últimas décadas. Mas a privatização da segu- público: fragmentado, articulado em termos de separações rígidas e segurança so-
rança também apresenta um desafio para democracias tradicionais e consolidadas, fisticada, e no qual a desigualdade é um valor estruturante. No novo tipo de espa-
como a dos Estados Unidos, na medida em que seus cidadãos cada vez m:~is usam ço público. :1s diferenças não devem ser postas de lado, tomadas como irrelevantes,
segurança privada e enclaves privados e estruturam suas vidas cotidianas de for- negligenciadas. em devem rambém ser disfarçadas para sustentar ideologias de
mas que excluem a presença de serviços e autoridades públicas, deslegitimando-os. igualdade universal ou de pluralismo cultural. O novo meio urbano reforça e valo-
O novo padrão de segregação urbana baseado na criaç~o de enclaves forti fi- riza desiguald;:~des c separ:~ções e é, ponanro. um espaço público não-democrático
cados representa o lado complementar da privatização da segurança e transforma- e não-moderno. O fato de esse tipo de organização do espaço público se espalhar
ção das concepções do público. Embora a segregação tenha sido sempre uma ca- pelo mundo inteiro no momento em que muitas sociedades que o adotam passam
racterística d:1s cidades, os instrumentos e regras q ue a produzem mudar:1m consi- por transformações como dcmocratiz.1ção política, fim de regimes racistas e crescente
deravelmente ao longo do tempo. Obviamente, eles também mudam de cidade para heterogeneiU~ção resultante de n uxos migratórios, indica a complexidade das liga-
cidade, conferindo a cada uma sua identidade particular. No entanto, é possível ções entre form:1s urbanas e formas políticas. Além disso, indica que o espaço ur-
identificar padrões de organi~ação e segregação espacial e seus instrumentos. Esses bano pode ser a arena na qual a democrarização, a equalização social e a expansão
padrões constituem repertórios dos quais as mais diversas cidades tomam elemen- dos direitos da cidadania vêm sendo contestados nas sociedades contemporâneas.
tos para moldar seus espaços. Há muitos exemplos desses modelos :1mpiamente di- Dessa forma, este livro analisa o modo pelo qual a desi!;,oualdade social é reproduzida
fundidos e que servem como a estrutura básica sobre a qual diferentes cidades de- em cidades contemporâneas c como essa reprod ução contradiz processos que, em
pois desenvolvem seus espaços: a Lei das Índias, as ruas-<:orredores, os bulevares teoria, deveriam eliminar discriminação e autoritarismo. O fato de que cnclaves for-
de Ha ussmann, as cidades-jardins e a cidade modernista dos CIAM. 1 Os enclaves tificados e privados são uma característica tanto de Los Angeles como de São Pau-
forti ficados que estão transformando cidades contemporâneas como São Paulo lo e Johannesburgo nos impede de classificar o novo modelo como uma caracterís-
exemplificam a emergência de um novo padrão de organização das diferenças so- tica apenas de sociedades pós-coloniais. O novo modelo que eles representam pa-
ciais no espaço urbano. t um modelo que vem sendo empregado pelas classes mé- rece ter se disseminado amplamente. Os desafios que ele apresenta para a demo-
dias c altas nos mais di,·ersos países, gerando wn outro tipo de espaço público e de cracia e a cidadania não se restringem às sociedades democratizadas recememcnre.
interações dos cidadãos em público. Esse novo modelo n~o usa instrumentos total-
mente novos nem em termos de projeto nem de localização. Diversas característi- Este livro e divide em quatro p:1nes. A Pane I trata da fala do crime. o
cas de projeto são modernistas, e os enclaves normalmente localizam-se nos subúr- capítulo I , analiso :lS estruturas de narrativas de crimes e a maneira pela qual elas
bios, onde as classes médias já vêm se isolando há um bom tempo em várias panes simbolicamente reorganizam o mundo desesrruturado por experiências de crime.
do mundo. Porém, o novo modelo de segregação separa grupos sociais de uma for- Faço mmbém um breve resumo d:1s transformações políricas, sociais c econômicas
ma tão explícita que transforma a qualidade do espaço público. no Brasil dos anos 80 c 90. O capírulo 2 trata de alguns dos temas específicos arti-
Os enclaves fortificados são espaços privarizados, fechados c monitorados, culados pela fal:1 do crime: a crise econômica dos anos 80 e 90, o fim da er:1 de
destinados a residência, lazer, trabalho e consumo. Podem ser sho pping ccntcrs, progresso c mobilidade social, as imagens do criminoso e dos espaços do crime, e
as concepções sobre :1 dissemin::tção do mal e de seu controle por instituições e
autoridades fortes.
1 A Lei das !ndias foi proclamada em 1573 por Filipe 11 da Espanha por.oesr.l bclccer r<'gr3S
A P:~rte 11 trata do crime c das instituições da ordem. No c:~pítulo 3. :~naliso
estatísticas de crime para demonstrar o crescimento do crime violemo após mea-
uniformes para o planej~menro de cidades a serem criadas nas colônias esponholas. Ver capitulo
8 sobre o moddo das cidades-jardins. CIAM refere-se aos Congrês lnrernauonaux d·r\rchirecturc dos dos anos 80. O capitulo 4 traça a história das forças policiais brasileiras e mosrra
~loderne, que criaram a referência p.ctro o planejamento de cidad<'s modernistas. Brosilio foi ins- seu rotineiro abuso do poder. cspeci:~lmeme em relação às camadas dominadas. O
pirodo nesse modelo (\ er Holston 1989). capítulo -continua a an:ílise dos abusos policiais, demonstrando como eles aumen-

Cidade de Muros 11 12 Tert-sa Pires do Rio Caldeira


taram durante a transição para o regime democrático e sua consolidação iniciada nha de ser a região metropolitana de São Paulo. Urna área urbana com 16 m ilhões
nos anos 80. Esses abusos estão associados à generalizada d escrença na justiça c à de habitante não pode ser estudada com um método concebido para o estudo de
adoção de medidas violentas e privadas de segurança {que a judam a expandir a aldeias. Poderia estudar bairros, como os antropólogos freqüentemente têm feito
indústria da segurança privada) pela população. Além disso, essa associação con- em cidades e como fiz e m pesquisas anteriores na periferia. No entanto, não estava
tribuiu para a persistência da violência e a erosão do estado de direito. Os abusos especialmente interessada na crnografia de diferentes áreas da cidade, mas sim na
por parte da polícia, as dificuldades da reforma da polícia, a deslcgitimação d o sis- análise ctnográfica de e'l:periências de violência e segregação, e estas não podiam
tema judiciário e a privatização da segurança geram o que chamo de "'ciclo d a vio- ser estudadas do mesmo modo em bairros diferentes. Enquanto os bairros da peri-
lência". Esse ciclo constitui o desafio principal à consolidação d a democracia na feria ainda têm uma vida pública e sã o relati,·ameme abertos à observação e p.lrti-
sociedade brasileira. cipação, nos bairros residenciais das classes média e alta a vida social é inreriorizada
A Parte 111 a nalisa o n0\'0 pad rão de segregação urba na. Ela indica como dis· e privatizada e há muito pouca vid:1 pública. Como nesses bairros os observadores
cursos e est ratégias de proteção se entrelaçam com transformações urbanas para são vistos com suspeita e t ornam-se alvo dos serviços de segurança privada, a ob-
c riar um novo modelo de segregação baseado em encerramentos e um novo ripo servação participante não é viá,·el. Usar observação participante em áreas pobres e
de espaço pú blico. O capítulo 6 apresenta a h istória da urba nização de São Paulo o utros métodos em áreas ricas significaria "'primirivizar" as classes trabalhadoras
durante o século XX e seus três padrões de segregação c~pacial, com especial a te n- c negligenciar as relações entre classe e espaço público. Por fim, porque estava in-
ção para as transformações recentes. O capítulo 7 cnfoca os enclaves fortificados teressad a num processo de mudança social q ue só podia ser marginalmente captu·
que consriwem o n úcleo do novo modo de segregação. Exploro especialmente s ua rado no momento da observação, tive necessariamente que usar outros t ipos de
versão residencial, os condomínios fechados. Também discuto as d ificuldades e m informação.
se o rganizar a vida social dentro de m uros e como u ma estética da segurança to r- Fo i necessário, enrão, lanç<~r mão de uma combinação de métodos e tipos de
nou-se domin:mtc na c idade nos últimos vinte a nos. Finalmcntt, o capímlo 8 ana- informação. Para entender o crime violento, analisei estatísticas d o crime e investi·
lisa as mudanças no espaço público e na qualidadt da vida pt'1blica que ocorrem guei a história d as forças policiais de modo a revelar como sua prática está interli-
numa cidade de muros. O novo padrão de segregação espacial m ina os valores de gada à reprodução da violêncin. Para ana lisar as mudanças em padrões de segrega-
acessibilidade , liberdade de circulação e igualdade que inspiraram o tipo moderno ção espacial, recuperei a histó ria da urbanização de São Paulo usando indicadores
de: espaço público urbano e o substitui por um no,·o tipo de público que rem a de- demográficos c sociocconõmicos produzidos por diferenre ó rgãos estatais ou ins-
sigualdade, a separação c o controle de fronteiras como valores estruturantes. Los tituições acadêmicas. Pa ra caracterizar o novo estilo dos condomínios fechados,
Angeles serve como comparação para demonstrar que o padrão de segregação ins- analisei anúncios imobili:írios publicados em jornais. Apesar de esses e o utros mé-
pirado por esses valores já está de faro disseminado. todos e fontes de dados terem proporcionado informações sobre macroprocessos
A Parte IV tem um capítulo no qual analiso um aspecto crucial da d isjunção d e mudança, eles não podiam dizer muito a respeim de como os paulistanos esta·
da democracia brasileira: a associação d e ,·iolência, desrespeito pelos direitos civis ,·am vivendo esses processos. Para este entendimento, utiliz.ei entrevistas abertas com
e uma concepção do corpo que c hamo de corpo incircunscriro. Baseio meus argu- moradores. Também usei os jornais como fonte para os debates sobre direitos hu-
mentos na análise de d ois temas que emergiram depois do início do regime demo- manos c pena de mone. Finalmente, enrre,•istei políticos e administradores, ativistas
crático no início d os anos 80: a oposição generalizada aos defensores dos d ireitos de direitos humanos, jornalistas e represenranres do seto r de serviço de seguran-
humanos c uma campanha para a inclusão da pena de morte na Constituição bra· ça, seja em empresas privadas, seja em enclaves fortificados. Recorri também à minha
s ileira. Nesses debates, um tema principal é o limite (ou a falta de limite) para a própria exper iência e a minhas lembranças como moradora de São Paulo para dis-
intervenção violenta no corpo do criminoso. Sugiro q ue noções de d ireitos indivi- cutir algumas d e suas transformações. A maior parte das entrevistas foi feira entre
duais estão associadas a concepções do corpo c indico que no Brasil há u ma gran· 1989 c 1991.
de tolerância em rel:lção o manipulações do corpo, mesmo que violentas. Com base A pesquisa que deu o rigem a este livro investigou experiências de medo e cri-
nessa associação, argumento que essa to lerãncia, a proliferação da violê ncia e a me em várias classes sociais e suas relações com processos de mudança social. A
dcslegitimação da justiça e d os direitos civis estão intrinsecamente ligados. incorporação da perspectiva de várias classes é fundamenta l na concepção dessa
pesquisa, por três razões inter-rei:Jcionadas: por tratar-se de um esmdo de segrega-
A pesquisa na qual se baseia este estudo foi feita emre 1988 e 1998 e apóia-se ção social e espacial: porque as desigualdades sociais são agudas em São Paulo; e
nu ma com binação de merodo logias e tipos d e informaçõe . A obser vação partici- porque a violência é um fenômeno ampla mente difundido, que tanto atravessa as
pante, normal mente considerada o método por excelência de um esrudo ernográfico. linhas de classe quanto torna as diferenças de classe mais agudas. Concenrrar a
nem sempre foi viável para este estudo, por wna série de razões. Primeiro, é difícil, pesquisa num único grupo social ou numa única área da cidade significaria limitar
quando não impossível, c<;tudar a ,·iolência e o crime por meio da obsen•ação par- a compreensão de fcnõmenos que afetam fundamentalmente as relações entre gru-
t icipante. Segundo, a unidade de análise para o estudo de segregação espacial ti· pos e as maneiras pelas quais tanto os e paços quanto as possibilidades de interação

Cidade de .\lluros l3 14 Teres.~ Pires do Rio Caldcirn


entre pessoas de diferemes classes sociais estão estruturadas na cidade. Além disso, rriais que se instalaram na Moóca na virada do século eram imigrantes europeu5, a
para apreender a diversidade de experiências de violência e crime e entender como maioria italianos. mas também espanhóis, portugueses e europeus do leste. A maioria
as medidas de proteção ajudam a reproduzir a desigualdade social e a segregação de cus filhos nunca fomm trabalhadores industriais. A desindusrrializaçiio da área
espacial, tive que investigá-las em contextos sociais diversos. coincidiu também com um deslocamento de moradores que ascenderam socialmente
Embora pudesse ter reali1ado entrevistas por toda a região metropolit::tn:l, e se mudaram para outras panes da cidade. Há quatro décadas a Moóca perde
decidi concemrá-las em três áreas da cidade ocupadas por pessoa~ de diferentes popubção. Atualmente, embora o bairro ainda conserve vários dos seus armazéns
classes sociais. Para realizar entrevistas que pudessem re\·clar informações em pro- e fábricas e muitas casas operária , e embora boa pane de sua população ainda cultive
fundidade sobre experiências de medo e violência, e sobretudo para ser capaz de um sotaque italiano e uma idenridade émica, dois processos novos e contraditórios
interpretá-l:ls, precisava de :tlguma observação sobre o dia-a-dia d::ts pessoas c o estão remodelando o bairro. De um lado, muitas casas grandes c antigas foram trans-
espaço em que viviam. Isso seria mais fácil se conccntra~se as entrevistas em algu- formadas em cortiços. De outro lado, algumas áreas foram reurbanizadas por cau-
mas 5rcas da cidade, que poderia conhecer melhor. No ema mo, este esrudo não é sa da construção da linha do metrô e estão passando .por um processo de enobre-
uma etnografia dessas áreas. É. sim, uma anál ise ernográfica de experiências de cimento lgelltriflcatiOttl. Este é expresso na construção de apartamentos luxuosos
violência, da reprodução de desigualdade social e de segregação espacial do modo e na instalação de um comércio mais sofisticado dirigido à porção mais rica da
como são expressas em algumas áreas c pelos moradores de Siio Paulo que vivem população que prefere não se mudar, o u a novos residentes também se mudando
nelas. de outros bairros para l.i. Todos esses processos estão gerando uma heterogenei-
A primeira ;irea onde fiz pesquisa foi a periferia criada por tra balhadores pobrt-s dade social e uma tensão social desconhrcidas ameriormenre no bairro. Essa ten-
com base na amoconstrução. A maior parte da minha pesquisa na periferia foi fei- são está claramente expressa na fala do crime.3
ra no Judim da Camélias, no distrito de São Miguel Paulista, na região leste da Finalmente, fi:(. pesquisas no Morumbi e em Alto de Pinheiros, bairros de classe
cidade. Venho fazendo pesquisas e acompanhando a organização dos movimentos média alta c alta. Até os anos 70, essas eram áreas de pouca população, muita área
sociais nessa área desde 1978 (Caldeira 19!!4 ). Devido a minha longa familiarida- verde, grandes terrenos c casas imensas. A partir de meados dos anos 70, elas fo-
de com a :írea, utilizo observ:tçõcs e entrevistas de estudos anteriores, embora para ram profundamente transformadas pel:l intensa construção de prédios de aparta-
esra pesquisa tenha reali1.ado novas emre\·isras sobre o rema da violência. Além disso, mentos. muiros seguindo o modelo de condomínio fechado. O ~lorumbi represen-
utilizo entrevistas e observações fei tas com moradores de outros bairros da perife- ta de forma mais clara o no\·o padrão de expansão urbana que analiso nos capítu-
ria de São Paulo durante os anos de 1981-83, quando a preocupação com o crime los 6 e 7. Hoje muitas pessoas da classe alta que cosrumavam morar nos bairros
começou a crescer entre a população. Essas entre\·istas foram parte de um projeto centrais mudam-se para o Morumbi para viver em enclaves fortificados. O bairro
de pesquisa sobre a expansão da periferia e a mobilização polítka de seus habitan- também é socialmente mais heterogêneo que essas outras áreas tradicionais centrai ,
tes que enfocava não só o processo de democratização, mas também os problemas porque os encla\'CS rico s.io siwados ao lado de algumas das maiores fa\•elas da
q ue moldam o dia-a-dia na periferia.2 cidade. Em conseqüência, o Mo rumbi expressa da maneira mais clara o novo pa-
A segunda :íre:1 na qual realizei trabalho de campo foi a Moóca, um bairro drão de segregação espacial da cidade. O Alto de Pinheiros foi o pioneiro oa cons-
de elas e média baixa próximo ao centro da cidade. A Moóca tornou-se uma parre trução de condomínios fechado no anos 70, mas o rirmo das construções foi mais
importante de S.io Paulo na virada do século, quando se transformou num dos cen- lemo e hoje ele tem menos f,l\·clas do que o Morumbi.
tros da primeira ~nda de industrialização da cidade. Embora sua paisagem ainda Realizei rodas as em revistas com moradores da cidade sob a condição de ano-
seja marcada pela presença de instalações industriais, o bairro foi desindustrializado nim:tto. Em claro contraste com outros projews de pesquisa que realizei, em que
a partir dos anos 50, quando novas indústrias começar:un a ser instaladas em o u- os moradores estavam ansiosos para conversar comigo e para ver suas idéias e pa-
tros municípios da região metropolitana ou na pcrifl'ria. Os trabalhadores indus- lavras imprcss.1s, neste projeto encomrei resistência e relutância na discussão so-
bre o crime e a violência. Muiws vezes, as pessoas inicialmente me pediam que não
gravasse as entrevistas, embora sempre me dessem permissão para tomar notas. Na
maioria dos casos, elas :tcabaram me autorizando a gravar também. Quando as
l As entrevistas em ourros bJirros da periferia de ~õo PJulo fur.un feira• por uma equipe de pessoas remem as in tiruiçõcs da ordem, sobretudo a polícia, c quando sentem que
peS<Juis.l do Cehrap- Cencro Br:lsileiro de Anâlise e Planejamento-, inmtuiç:io à qn.1l estive
fihada encu 1980 r 1995. As rnrrevistas foram realizadas no âmbito do projeto de pesquisa ··A
Periferia de Sjo Paulo e o Contexto d.1 Ação Política-. coordenada pela profcs~ora Ruth C:~rdoso
e iniciada a pedido da Cunltss3o dr Jusciç:~ e Paz da Arquidtocese de ~àrt P:urlo. E.sa pesquisa foi
1 1a ~loõ..a. m·c um assostmtr dr pt'>quisa. jo.io Vaig;IS. Seu trabalho r~ultou em um•
lena em Cidade JúiiJ, Jaguaré, Jardim ~I iriam, Jardim l'eri-l'erí. Jardim MMíeta (este lllrimo em
0..-.sco. Regrão MerropolirJn3 de S~o Paulo) e jardim das CJméliJs. onde lu o respons.i,·el pelas dossertaçjo (Varg.u 1993), na qual d• ampha as discussões sobre como as r.cnues transforma·
inv~tigaçõo. Ou1ras an51o~s resultantes dess:~ pesquisa onduem Caldeira 1987, 1988 e 1990. çõe-s lU'bJ JUS aferarol m os muradum do ha1rro ~ moldaram sn~s medos e v1sões em ~la ~o ao cnm~.

Cidade de Muros 15 16 Teresa Pores do Rro Caldeua


seus d ireitos não estão garantidos pela justiça, essa reação é compreensível. De..:idi Bras1l e os Estados Unidos. rornei·m<- agudamente consciente de que quesrõe aca·
não usar nomes fictícios para identificar os entrevistados: já que não posso citar dêmicas têm fortes vieses locais e nacionais e que a disciplina í:, de fato. plural-
seus nomes verdadeiros. preferi omirir nomes como um sinal da condição de medo há antropologias, não antropologia. O que as di cussões acadêmicas americanas
em que vivem as pessoas com quem falei. Essa regra de anonimato não se aplica enfatizam como rc.>lev::mte e l'!.timulante nem sempre está enrre os inte~!.C centrais
aos administradores públicos, políticos, membros de grupos de direitos humanos, dos colega brasilc1ros, c \'Ice-versa. Num cerro momento. essa percepção do cará·
jornalistas e executivos da indústria da segurança privada que falaram comigo como ter local da formulação de quesuic ficou tão forre que cheguei a pensar em escre·
figuras públicas e com pleno conhecimento de que poderia tornar públicas suas ver dois livros, o u pelo menos duas introduções. um para cada público. cada um
afi rmações. numa língua d1feremc. c:1da um estruturado por diferentes questõe . Concluí, no
entanto, que isso também era impo sível, uma vez q ue meu pensamento c minha
percepção já tinham sido tr:msformados e moldados por minha imersão imultã·
ANTROPOLOGIA COM SOTAQUE nea nos dois contexto~ e poderiam ser comprimidos num ou noutro molde apenas
arrificialmentc c com alguma perda. Minhas línguas, minha escrita, meu pensamento.
Este é um livro sobre São Paulo, a cidade onde cresci, onde pnssei a maior parte minhas críticas, tudo tinha adquirido uma identidade particular. Acabei concluin·
da minha vida, onde venho fazendo pesquisas antropológicas desde o final dos anos do que assim como meu inglês rem sotaque, o mesmo acontece com a minha an·
70 c onde trabalhei como pesquisadora e professora durante q uinze anos. Sua pri· tropologia - o m:1quc per~i~tc não import:l a partir de qual perspectiva a veja ou
meira versão foi escrita na Califórnia, onde fiz meus estudos de d o uto rado e m an· em que língu:1 escrevn.
tropologia e onde arunlmentc trabalho como pro fessora. O livro foi escrito em Los
Angeles c em La Jolla, e comecei a revisá-lo durante minha ro tina de idas e vindas
entre La j o lla e Jrvine, no coração do sul da Califórnia. Terminei as revisões em -E d''"" l'olu: ·1 odas as \"CUS que d=rcvo uma cidade digo algn
Nova York e em São Paulo, onde passo agora cerca de três meses por a no. O q ue a respeno d~ Vene1a. (...) Par.~ distinguir a< q ualidades das outras
penso sobre violência, espaço público urbano e segregnção espacial é marcado por coda<k>. de' o parnr <k uma primeir:t que pem1anttt omplíma. No
mc:u c.tso~ é V('neza'.-
minhas experiências como moradora dessas cidades e, especialmente, pelos confli·
tos e tensões provocados pela confluência dessas diversas experiências e os conhe· ltalo C3h mo, As c~<I<Jtles mttSII <'15
cimentos que elas geram. Deslocamento é a lgo central neste livro. tanto como ex·
periéncia vivida q uanto como instrumento de crítica e de conhecimento. Se rive se escnro este livro originalmente em português, como meu pnmciro
O conflito em relação à língua é provavelmente uma das pnrtes mais frustrantes livro (Caldeira 1984 ), ele cnrrnri:1 pnra a lista dos ~rodos feitos por antropólogos
desse deslocamento. Minha língua materna é o português. a língua na q ua l estudei sobre sua própria sociedade, que é a norma no Brasil e em multas das chamadas
até o mestrado, escrevi meu primeiro livro e fiz a pesquisa para este livro. No en· '"antropologias nac1onais~ (em contraste com as wimperiais").4 .\las escrevi este livro
ramo, escrevi este livro em inglês. Ao fazê-lo, deparei-me diaria mente com a per· em inglês, e escava pensando em meus colegas americanos, aJém dos brasiJeiros. Isso
cepçiio de que, mais do que as minhas palavras, meu penS:Imenro estava moldado não faz dele automaticamente um trnbalho no "'estilo curo-americano··. j:í que con·
num certo estilo e numa cerra língua. Enquanto escrevia em inglês, podia ouvir a tinuo a ser uma ··nativa- investigando sua própria sociedade e não vh·enciei nenhum
repetitiva e por fim exasperada queixa de um dos meus editores: "Qual é o sujciro? dos estranh.unenros envolv1dos em viajar para o exterior para fazer trabalho de
Não escreva na voz passiva! Você não aprende?". Inútil explicar que o estilo aca· campo e sobre os quais a disciplina não se cansa de elaborar. Definirivame nre, a
dêmico em português é com freqüência estruturado na voz passiva e quase sempre alteridade não foi um:1 questão que esrrururou minha pesquisa metodologicamente,
com um sujeito a mbíguo; supérfluo produzir uma interpretação do sentido das es·
colhas gramaricnis de cada estilo acadêmico. Não estava mais escrevendo na lin·
gua que dominava e não podia mais contar com a liberdade e a segurnnça das cons·
truções inconscientes. E agora, ao revisar a tradução pam o português feit n por outra • A d~>tmçlo entre amropulogias d~ -consrrução de nação- (llatiOII·bmldmgl e amropolo·
pessoa, encontro-me freqüememente em dúvida sobre a escolhn de palnvras c so· goas de "construção d~ ompério- k mpm··lnuldmg) <~labor.ula por Stocking ( 1982}. Ele lambem
brc :1 estrut urn das frases e fico me perguntando o nde foi parar a min ha voz em opõe uma -amropolo~tia imcma.:oonal-. qu~ consrirui a 1radição euro-~mcricano, ~ -anrrupolo-
l::l• da ~nJeri~ ". Essa d1)rinção 10rna "'identes .1s rclaçôe> de poder~ as desigualdades que moi·
tudo isso. Mas, obviamente, a questão não é apenas com a gramática e as palavrns:
dama da)sific:açãn de d.lerenu:s tradtçõe> anrropulóg>cas. Uso ess:l rcrmmolog•• aqu• entre aspJs
é cpistcmológicn e metodológica. A a ntropologia e :1 teoria social têm nquilo q ue par:t referir-me à< rr:td>ções nos quo o< fu1 formada, não para co01fenr às Jntropulog>JS <"ur<rame·
se pode chamar de um '"estilo internacional", ou seja, um corpus de teoria, méto· ncanas umJ poSIÇão rp>St(mulóg>ca pnvolegiado. Para uma discussão de dno. ·~mropologias
do e literatura pnrrilhado por profissionais do mundo inteiro. Embora esse corpus nacionaiS- . ,·~r Ethnos ( 1982). Par~ d iscus<õcs • partir da ~rsp«riva d• 3ntropologia bra>ile!r:l.
tenha me oferecido um ponto de referência durante meus deslocamentos entre o ,·er Olowra I I 988 ~ I 995) e Peorono ( I 980).

Cidade de .\11 uros 17 18 T en:s..t P•rcs do R1o Caldeor:t

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