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FORMAÇÃO DOCENTE: UMA PERSPECTIVA PSICOPEDAGOGICA

Katiuscia Schiochet dos Santos1

RESUMO
Este artigo de revisão científica tem por objetivo refletir sobre as contribuições do objeto de
estudo da psicopedagogia na formação docente. Para atingir os objetivos foram realizadas
leituras e pesquisas em livros e artigos publicados em revistas nacionais e estrangeiras
devidamente reconhecidas. Para a Metodologia de trabalho utilizamos a abordagem qualitativa
enfocando a pesquisa bibliográfica. Como resultados obtidos podemos destacar a importância
do acesso as contribuições já produzidas pela academia de pesquisa da psicopedagogia, para
todos aqueles que adentram aos emaranhados da arte de ensinar.

Palavras Chave: formação docente, processos de aprendizagem, psicopedagogia

INTRODUÇÃO

Ao entramos em contato com leituras e estudos sobre a psicopedagogia,


principalmente escritos pela autora Alícia Fernadéz (2001), aprendemos que:

[...] ser ensinante significa abrir um espaço para aprender. Espaço


objetivo e subjetivo em que se realizam dois trabalhos simultâneos: a
construção de conhecimentos e a construção de si mesmo, como
sujeito criativo e pensante (p. 26-27).

Ensinar e aprender se tornam processos intrinsecamente ligados e não


podemos pensar em ensinar sem aprender a aprender de que forma devemos
ensinar. Aprender é um processo muito próprio de cada ser, não há modelos
previamente codificados, e é justamente neste contexto que percebemos a
importância desta pesquisa, pois buscamos refletir as contribuições da
psicopedagogia para todos aqueles que desejam envolver-se neste
emaranhado de detalhes que permeiam o dia a dia do docente.

De acordo com Scoz (2000), a ressignificação dos processos de


aprender só se dará a partir de um trabalho que leve também os docentes a se
conectarem com a angústia de conhecer e de desconhecer, ressignificando
suas próprias histórias, de aprendentes. Sem isso, os docentes se privariam

1
Graduada em Serviço Social pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó –
Unochapecó, 2006. Pós-graduanda em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela
Unochapecó.
das possibilidades de poder liberar as próprias inibições, realizando trabalhos
criativos, para os outros e nós mesmos.
É baseando na noção de objeto construído de maneira operativa que o
objeto da psicopedagogia é o homem enquanto ser em processo de construção
de conhecimento. Por este motivo, a psicopedagogia pode considerar o ser
humano como uma unidade de complexidades, como um ser pluridimensional
com uma dimensão racional, afetiva e relacional. Este ser seria sujeito na
construção do conhecimento e de sua própria autonomia, determinado pelas
dimensões racional, desiderativa e relacional que o constituem (SILVA, 1998).
Nesse sentido, compreendemos que “olhar” o aluno no seu contexto
sócio cultural significa conhecê-lo na sua totalidade, incluindo sua história de
vida, o contexto social que está inserido e a sua rede de apoio, ou seja, que
pessoas além da comunidade escolar fazem parte da sua vida, bem como, as
relações destas pessoas com o seu aprendizado.
Para Scoz (2000 apud Barreto Neta, 2009), a psicopedagogia norteia-se
através da integração da objetividade e a subjetividade nos processos de
ensino e aprendizagem. Sendo assim, os conhecimentos da psicopedagogia
nos permitem compreender a integração entre a construção do conhecimento
através do sujeito, e a constituição do sujeito pelo conhecimento, incluindo
seus desejos e histórias.
Por este motivo, Barreto Neta (2009, p.40) acrescenta que o estudo da
psicopedagogia é “o processo de aprendizagem e o seu desenvolvimento
normal ou patológico em contexto, considerando os aspetos cognitivos,
afetivos, sociais, implícitos nas questões inerentes à aprendizagem humana”.
Portanto, a psicopedagogia é a área que estuda e lida com os processos
de aprendizagem e oferece importantes contribuições para que ocorra uma
ação efetiva com os docentes. Não somente em relação ao vínculo que se
estabelece entre o docente e o aluno e sua incidência na própria construção
subjetiva de ambos, mas também no que se refere à trama que se estabelece
entre as questões da ordem da objetividade e da subjetividade nos processos
de aprender (SCOZ, 2000, p.17).

FORMAÇÃO DOCENTE
Para que não estendamos a revisão bibliográfica para fora daquilo que
nos dispomos, partimos do pressuposto nesta pesquisa que: “o conceito de
formação deriva da palavra latina formatio. Trata-se da ação e do efeito de
formar ou de se formar (dar forma – construir algo)”. 2

Portanto, entendemos que a palavra formação por si só não é um ato em


si e sim um efeito da interação de um sujeito para com uma ou outra matéria
prima, no intuito de favorecer a construção de algo que pode ser novo ou não
necessariamente.

Docente significa apenas “aquele que ensina”, ou seja, toda e qualquer


pessoa que se dispõe a ensinar algo a alguém, não precisando
necessariamente ter cursado uma graduação ou especialização.

Sendo assim, nesta pesquisa partimos do pressuposto que o indivíduo


que busca ensinar algo a alguém entra nesta conceituação de docente, visto
isso podemos aqui compreender o papel dos pais, dos irmãos, tios, primos,
amigos, professores, avós, vizinhos e pessoas conhecidos que em algum
momento das nossas vidas tentaram e nos ensinaram algo. Ou seja:

O docente é todo aquele que ensina algo a alguém ou que está


relacionado com o ensino. A palavra provém do latim docens, que, por
sua vez deriva de docere (“ensinar”). Na linguagem quotidiana, o
conceito é geralmente usado enquanto sinônimo de professor ou
mestre, ainda que não signifiquem o mesmo.3

E é nessa dinâmica que nos propusemos a escrever este artigo, pois


durante a vida muitas são as pessoas que assumem o papel de docente na
vida de cada indivíduo, e queremos aqui refletir o quanto o conhecimento da
psicopedagogia faria diferença positiva na vida dos aprendentes ensinados
pelas pessoas que se dispuseram a ensinar algo.

Procuramos bibliografia que nos embasasse a tocar nesta temática, e


como não a encontramos, discorreremos brevemente para que possamos dar
ao leitor o entendimento pretendido pelas autoras.

Nesta compreensão, fica visível que muitos são os envolvidos nos


processos de ensino e aprendizagem no decorrer das nossas vidas, e os

2
Disponível em: <http://conceito.de/docente>. Acesso em: 01 jan. 2015.
3
Disponível em: <http://conceito.de/docente>. Acesso em: 01 jan. 2015.
impactos que aqui nos preocupamos em refletir, são exatamente as marcas
não muito positivas que vamos acumulando pelo percurso e que se não
observadas e dissecadas uma a uma vão interferindo e prejudicando, se não
agravando, as reconhecidas “dificuldades de aprendizado”.

APRENDIZAGEM

Aprender é um processo muito dinâmico e contínuo necessário para a


vivência humana e que ocorre desde o nascimento até a morte. Tomando
posse do significado do dicionário Silveira Bueno (1996, p.64) aprender é
empossar-se do não sabido, e para tanto a dificuldade e o erro precisam ser
considerados como parte do processo.

[...] Aprender e ensinar são dois verbos que tendem a ser conjugados
juntos, embora, nem sempre seja assim (POZO, 2002, p.55).

A visão de aprendizagem difundida a muito tempo na sociedade e nas


mais diversas instituições na qual a aprendizagem faz parte, percebe a
aprendizagem somente sob o olhar do acerto ou como a facilidade para se
realizar algo, ou seja, há uma supervalorização do êxito, e o esforço realizado
pelo sujeito para tentar o acerto é muito menos valorizado.

[...] mais do que ensinar conteúdos de conhecimento: ser ensinante


implica abrir espaços para que a aprendizagem aconteça. O
aprendente precisa da ajuda de adultos, pais, docentes que
acreditem em seu potencial, e que lhe proporcionem autonomia e
autoria (BARRETO NETA, 2009, p.44)

E assim concordamos com Pozo (2002) quando afirma que “em tese
todos deveríamos entender as dificuldades dos outros, já que todos fomos
soldados antes de sargento”.

Visca (1991) concebe a aprendizagem como uma construção intra-


psíquica, com continuidade genética e diferenças evolutivas resultantes das
pré-condições energético-estruturais do sujeito e das circunstâncias do meio.
Sendo assim, considera três grandes classes de obstáculos à aprendizagem:
Obstáculo epistêmico (com base nos pressupostos Piagetianos),
representado pelo nível de construção da estrutura cognitiva para
apreensão da realidade. Obstáculos epistemofílico (com base nos
pressupostos psicanalítico), expressa o vínculo afetivo que o sujeito
estabelece com objetos e situações de aprendizagem. Obstáculo
funcional (utilizado como hipótese auxiliar para complementar a
análise do problema, quando são detectado obstáculos que não
podem ser enquadrados nos itens anteriores (VISCA, 1991).

Para a autora os problemas de aprendizagem são considerados não


como o contrário de aprender, mas como um processo diferente deste, ou seja,
um estado muito singular do processo, que para equilibrar-se adotou outro
entendimento, que não o esperado.

PSICOPEDAGOGIA

De acordo com Albernaz et al (2013), a psicopedagogia nasceu de uma


necessidade de contribuir na busca de soluções para a questão “problemas de
aprendizagem” e desde este momento vem buscando compreender este
processo. Silva (1998, p. 24-25) complementa que a psicopedagogia surgiu no
Brasil como uma das respostas ao grande problema do fracasso escolar e
evolui de acordo com a natureza do seu objeto e dos seus objetivos.
Para Silva (1998), no início, o objeto de estudo da psicopedagogia eram
os sintomas de aprendizagem, incluindo a desatenção, desinteresse e lentidão,
e o objetivo seria remediar esses sintomas. Seguindo essa visão, a
psicopedagogia não seria um saber independente dotado de fundamentos
próprios, mas uma síntese simplificada dos diversos conhecimentos
psicológicos e pedagógicos.
Mas com o passar dos anos, Silva (1998) afirma que o objeto de estudo
da psicopedagogia passou a ser o processo de aprendizagem, e seu objetivo,
remediar ou refazer esse processo em todos os seus aspectos. Portanto, a
noção de psicopedagogia muda de qualidade e passa a ser percebida como
um saber independente, tendo seus próprios instrumentos corretivos e
preventivos.
A mesma autora apresenta que para Visca, a conceituação de
aprendizagem e das dificuldades que possam existir no ato de aprender
surgem por assimilação recíproca, das contribuições das escolas
psicanalíticas, piagetianas, e da psicologia social de Pichon Rivière. Portanto:

[...] A psicopedagogia é um campo do conhecimento que [...] implica


uma integração entre a psicologia e a pedagogia, tendo como o
objeto de estudo o processo de aprendizagem visto como estrutural,
construtivo e interacional, integrando nele os aspectos cognitivos,
afetivos e sociais do ser humano. A psicopedagogia tem, então, como
objetivo, facilitar esse processo de aprendizagem removendo os
obstáculos que impedem que ele se faça (SILVA, 1998, p. 26-27).

Scoz (2000) apud Fernandez (1994) apresenta que o sujeito aprende


através da articulação entre o sujeito cognoscente (da teoria epistemologia
genética de Piaget) e o sujeito desejante (da teoria psicanalítica) sobre o
organismo herdado, constituindo-se de um corpo em interseção com o outro
(conhecimento, cultura, pais, professores, meios de comunicação). Tal corpo
se constrói a partir da relação com o conceito de sujeito ensinante, sendo duas
posições subjetivas, presentes em uma mesma pessoa em um mesmo
momento.
Na psicopedagogia é difícil responder separadamente quem é o
ensinante e quem é o aprendente, pois são sujeitos que tem em si um
compromisso de transferência de saberes, focado na subjetividade, autoria de
pensamento e no desejo de conhecer que conseguem distinguir o eu do tu, ou
seja, esses sujeitos aprendentes ensinantes tem garantido pelo conhecimento
a separação de papeis, um jogo dialético entre o conhecer e desconhecer,
definido em função daquilo que o sujeito tem, do que ele dá e daquilo que
deseja conhecer, saber (SCOZ, 2000).
Diante disso, Scoz (2000, p. 17-18) acrescenta que a psicopedagogia
ocupa um espaço privilegiado porque nasce e trabalha em um lugar constituído
pelas fendas existentes entre sujeito e objeto: aí está a sua força. O espaço
não é dentro, nem fora, mas na intersecção dos dois. Não se trata de juntar
duas coisas para formar uma só; trata-se de integrar para poder trabalhar com
as diferenças.
Para Marques (2003) a psicopedagogia é um campo de estudo que
utiliza o conhecimento de diversas áreas, incluindo a pedagogia, a psicologia, a
psicanálise, a filosofia, a sociologia, entre outras, buscando torna-se uma área
específica com um objeto de estudo definido e surgiu devido à necessidade de
se buscar entendimento sobre o processo de aprendizagem de cada indivíduo.
Barreto Neta (2009) acrescenta que a psicopedagogia tem contribuições
de ciências como a sociologia, a antropologia, dentre outras, que permite aos
professores a “pensar o aluno construindo e constituindo-se no seu contexto
sócio cultural” (p. 42).
E assim, o processo de aprendizagem que é identificado como o
processo de construção do conhecimento está ancorado, de alguma maneira,
no sujeito, porque o trabalho psicopedagógico não se dá somente entre o
psicopedagogo e o processo de construção de conhecimento, mas entre o
psicopedagogo e o ser em processo de construção de conhecimento (SILVA,
1998, p.28).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da revisão bibliográfica proposta, compreendemos a


complexidade dos processos de aprendizagem. Percebemos que não existe
um modelo/método único para ensinar, mas sim que a maneira de explicar e
colocar em prática os conteúdos é que faz a diferença para “o aprender”, e a
psicopedagogia nos permite estudar essas alternativas. Isso porque não existe
“o não aprender”. Até o não querer aprender implica em um aprendizado, que
deve ser investigado e compreendido.
De acordo com Marques (2003), o desafio atual é compreender qual
aprendizagem é apropriada para formar aprendentes participativos, ativos,
críticos e consciente, e tanto docentes quanto aprendentes ainda temos muito
a aprender.
Concordamos com esta afirmação e reforçamos que a aprendizagem não
é algo cristalizado e que não pode ser modificado, mas uma aptidão individual
em constante transformação que se renova a cada novo dia através do contato
com diferentes pessoas. Por isso não existe um modelo ou método único para
ensinar, porque existem inúmeras maneiras de aprender que são diferentes e
que r esultam no mesmo resultado final: a aprendizagem.
REFERÊNCIAS

ALBERNAZ, Marilene Curado; RIBEIRO, Jefferson Bruno Pereira; MOREIRA,


Jonathan Rosa; GRAZIANI, Daniel. A Psicopedagogia repensando o sujeito em
busca de sua autonomia. Periódico Científico Outras Palavras, v.9, n.2, 2013.
Disponível em:
<http://revista.faculdadeprojecao.edu.br/index.php/Projecao5/article/view/339/2
77>. Acesso em: 22 nov. 2014.

BARRETO NETA, Lormina. Formação de professor: de aprendente a


ensinante. Construção Psicopedagógica, vol. 17, n.15, 2009, p. 37-55.
Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1415-
69542009000200004&script=sci_arttext>. Acesso em: 23 nov. 2014.

FERNÁNDEZ, Alicia. Os Idiomas do Aprendente: Análise de modalidades


ensinantes em famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre:
Artmed, 2001.

_____. - O Saber em jogo: A Psicopedagogia propiciando autorias de


pensamento. Porto Alegre: Artmed Editora. 2001.

_____. - A inteligência aprisionada. Porto Alegre. Artes Medicas. 1990.

_____. - Psicopedagogia em psicodrama: Morando no brincar. Petrópolis:


Ed. Vozes, 2001.

MARQUES, W.F.S. Psicopedagogia e avaliação educacional: olhares sobre


um instituição de ensino superior. PUC-Campinas. Dissertação de Mestrado
em Educação, 2003.

POZO, Juan Ignácio. Aprendizes e Mestres: A nova Cultura da aprendizagem.


Artemed Editora, 2002.

SCOZ, Beatriz. Por uma educação com alma: a objetividade nos processos
de ensino/aprendizagem. Petrópolis: editora vozes, 2000.

______. Psicopedagogia e realidade escolar: o problema escolar e de


aprendizagem. Petrópolis: editora vozes, 1994.

SILVA, Maria Cecilia Almeida e. Psicopedagogia: em busca de uma


fundamentação teórica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

VISCA, Jorge. Psicopedagogia Novas Contribuições. Nova Fronteira. RJ,


1991. Disponível em: <http://conceito.de/docente>. Acesso em: 01 jan. 2015.

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