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o Moderno Príncipe

Notas sobre a política de Maquiavel. O caráter fundamen­


tal do Príncipe consiste em que éle não é um trabalho siste­
mático, mas um livro "vivo" em que a ideologia política e a
ciência política fundem-se na forma dramática do "mito". En­
tre a utopia e o tratado escolástico, as formas através das quais
se configurava a ciência política até Maquiavel, este deu à sua
concepção a forma fantástica e artística, pela qual o elemento
doutrinal e racionaI incorpora-se num condottiero, que repre:-.�
�ticame�ntropºm.ru:fkªmente" o símbQIQ da "�Wl­
tade coletiva:'. O processo de formação de uma determinada
Voíitâãe colêtiva, pru;a-um determina�1ítico, é represen­

tado não atrávés de disquisiçõêSeêlassificações pedantescas de

3
�2s e �ri!�rio.Ld�_llºLm.étQd{utt:l aç�Q� mas
dades, traç<;>s característicos, deve��s,.l1ecessidades
__ �E: obra, mais ainda, como aquele elemento que lanç;l a sua ver­
de uma.pessoa
�ud:õ ��:::m�Ui1ib-ª1hª_I- iL��t�_.f!tt!ª-g��que� dadeira luz sobre toda a obra e faz dela um "manifesto político".
se quer couvencer.e.-ºarJQJ1nR mais-eoucrela as.�
__

9.es políticas.1 Pode-se estudar como SareI, a partir da concepção da


O P�íncipe-de Maquiavel poderia ser estuda ,ideologia-mito, não tenha alcançado a compreensão do partido
do como uma
.t exemplificação histórica do "mito" soreliano, isto é, de uma
- _.

político, - ficando apenas na concepção do sindicato profissional.


ideologia política que se apresenta Na verdade, para SoreI o "mito" não encontrava a sua expres­
�topia, nem
como raciocÚl�O doutrinário, mas COmo uma criaçã 'são maior no sindicato como organização de uma vontade co­
o da fantasia
concreta que ",atua sobre um povo disperso e pulver letiva, mas na ação prática do sindicato e de uma vontade
izado para
_

despertar e organizar a sua vontade coletiva. O - coletiva já atuante, ação prática cuja maior realização deveria
caráter utó-.
pico do Príncipe consiste em que .2..Ltin ser a grevé geral, isto é, uma "atividade passiva", por assim
,r�lidade.,� não se apresentava aocip.�n �lL��iM!!.Jla
povo italiano com-' clizer, de carátet negativo c preliminar (o caráter positivo só é
características de imediatismo objetivo, mas era dado pelo acordo alcançado nas vontades associadas), uma ati­
uma pura
abstração doutrinária, o símbolo do chefe, do condot vidade que não prevê urna fase própria "ativa e construtiva".
tiero ideal;
mas os elementos passionais, míticos, contidos em t.odo Em Sorel, portanto, chocavam-se duas necessidades: a do mito
.o livro,
com ação dramática de grande efeito, juntam-se e e a da crítica do mito, na medida em que "cada plano preesta­
tornam-se
reais na conclusão, na - invocação de um prÚlcipe belecido é utópico e reacionárío". A solução era abandonada
"realmente
existente". Em todo .o livro, Maquiavel mostra como aQ impulso do irracional, do "\lrbitrário" (no sentido bergso­
deve ser
o PrÚlcipe para levar um povo à fundação do novo Estado niano de "impulso vital"), - da "espontaneidade".l
, e
o desenvolvimento é conduzido com rigor lógico, com Mas, pode ummito ser �'não-construtivo", pode-se imagi­
relevo
científico; na conclusão, o próprio Maquiavel faz-se povo, nar; na ordem de intuiçõe8 de SoreI, que seja efetivamente pro­
cOI).­
funde-se com o povo, mas nã.o com um povo "gener dutivo um instrumento que deixa a vontade coletiva na sua fase
icamente"
entendido, mas como povo que Maquiavel conven primitiva e elementar de mera formação, por distinção (por
ceu com o
seu desenvolvimento anterior, do qual ele se torna e "cisão"), embora com violência, isto é, destruindo as relações
se sente
consciência e expressão, c.om o qual ele sente-se identifi morais e jurídicas existentes? Mas esta vontade coletiva, ássim
_
cado:
parece· que todo o trabalho "lógico" não passa de uma formada elementarmente, não deixará imediatamente de existir,
reflexão
do povo, Um raciocÚlio interior que se manifesta na consciê pulverizando-se numa infinidade de vontades individuais, que
ncia
popular e acaba num grito apaixonado, imediato . em virtude da fase positiva seguem direções diversas e con­
--4... paixão,.
de raciocfuio_$\lllr.e si mesma, transforma-se em "afeto:' trastantes? Além do que, não pode existir destruição, negação,
.1ebre;
- fanãIí.ãUiQ.Jj� ação_�npor �õgo-:(}õ-Plliiêipe não é
___ sem - uma implícita construção, afirmação, e não em sentido
qualquer coisa de extrínseco, de "impingido" de fora,
de re­
tórico, mas deve ser explicado como elemento neces,sário 1 Nota-se aqui uma contradição implícita do - modo com o qual Croce
da
apresenta o seu problema de Hist6ria e anti-Hist6ria com outros modos
de pensar de Croce: a sua aversão pelos "partidos politicos" e o seu
1 Verificar entre os escritores politicos anteriores a Maquiav modo de apresentar í1 guestão da 'previsibilidade" dos fatos sociais
el se exis­ _

tem textos configurados como o Príncipe. Também o firial do Príncipe (cf. Conversazioni critiche, primeira série, págs. 150-152, recensão do
éstá ligado a este caráter "mítico" do livro; depois de ter representa
)f livro de LUDOVICO LlMENTANI, La previsióne dei fatti sociali, Turim,

1
do
o condottiero ideal, Maquiavel, num trecho de grande eficácia Bocca, 1907): se os fatos sociais são imprevisíveis e o pr6prio conceito
artística,
invoca o condottiero real que o personifique historicamente: esta de previsão é um puro -som, o irracional não pode deixar de dominar,
invo­
cação apaixonada reflete-se em todo o livro, conferindo-lhe e càda organização de homens é anti-hist6rica, é um "preconceito"; s6
exatamente
o caráter Jhazpático..Em -PxQ�g(Jmeni de L. Russo, Maquiav resta resolver um a um, e com critérios imediatos, os problemas práti­
el é de­
-nominadQ' o artista da poli�cí1e uma vez aparece, inclusive, cos colocados pelo desenvolvimento hist6rico. ( Cf. o artigo de CROCE,
-
a expres-
são "mito"; ··mas não·precisamente com o sentido acima indicado
. p Il partito come giudizio e come pregiudizio, em Cultura e vita morale.)

4
l, -ASsim, o oportunismo toma-se a única linha possível.

I
"metafísico", mas praticamente, isto é, politicamente, como la novame,nte e fortalecê-la, e não que se deva criar uma von­
pro­
grama de partido. Neste caso, supõe-se por trás da esponta tade coletíva ex novo, original, e orientá-la para metas con­
nei­

\
dade um puro mecanicismo, por trás da liberdade (arbítri cretas e racionais, mas de uma concreção e racionalidade ainda

impulso vital) um máximo de determinismo, por trás do não verificadas e criticadas por uma experiência histórica efe­
idea­
lismo um materialismo absoluto. Uva ,c universalmente conhecida.
� lo �
moder o .príncipe, o mito-príncipe, não pode ser uma O caráter "abstrato" d;:t concepção soreliana do "mito"
pessoa real, um indivíduo concreto; só pode ser um organism deriva da aversão (que assufue a forma passional de uma re­
o;I
� Q,"mmpk.�º_.de_�o�<i e..d�e no qual já tenha se inicia- pulsa ética) pelos jacobinos, que certamente foram uma
--do a concretização de uma vontade-COletiva reconhecida '�encarnação categórica" do Príncipe de Maquiavel. O moder-
e fun­
damentada parcialmente na ação. Este organismo já é no Príncipe deve ter uma parte dedicada ao jacobinismo (no
deter­
significado integral que esta noção teve historicamente e deve

)
minado pelo desenvolvimento histórico, é o-p-ªrtido---pJllitLgK

(
a
primeira célula na qual se aglomeram germes de vontade ,cole- ter conceitualmente), para exemplificar como se formou concre­
tiva que tendem a se tomar universais e totais. No ' mundo tamente e atuou uma vontade coletiva que, pelo menos por

.,
moderno, só uma ação histórico-política imediata e iminente alguns aspectos, foi criação ex novo, original . :É preciso tam­
,
caracterizada pela necessidade de um procedimento rápido bém definir a vontade coletiva e a vontade' política em geral
e
fulminante" pode-se encarnar miticamente num inQivíduo con­ no sentido moderno; a vontade como consciência atuante da
creto; a rapidez só pode tomar-se necessária em virtude de um necessidade histórica, como protagonista de um drama histó­
'

grande perigo iminente, grande perigo que efetivamenté leve rico real e efetivo.
a
um despertar fulminante das paixões e do fanatismo, aniquila Uma das primeiras partes deveria preCisamente ser dedica­

do o senso crítico e a corrosividade irónica que podem destruir da à "vontade coletiva", apresentando a questão deste modo:
o éaráter "carismático" do condottiero (o que ocorreu na aven­ "Quando é possível dizer que existem as condições para que
tura de Boulanger) .. Mas uma ação imediata de tal gênero não possa surgir e desenvolver-se uma vontade coletíva nacional­
pode ser, pela sua própria natureza, ampla e de caráter orgânico popular?" Portanto, uma análise histórica ( econômica) da es­
:
será quase sempre de tipo restauração e reorganização, e não trutura social de um determinado país e uma representação
de tipo peculiar à fundação de novos Estados ede novas estm­ "dramática" das tentativas feitas através dos séculos para suscitar
turas nacionais e sociais (como no caso do Príncipe de Maquia­ esta vontade e as-razões dos sucessivos fracassos. Por que não
vel, em que o aspecto de restauração era só um elemento -*" hOUVe a monarquia absolutista na Itália no tempo de Maquia­
retórico, isto é, ligado ao conceito literário da Itália descendente verr-Enecessário remontar ao Império Romano (questão da
de Roma, que devia restaurar a ordem e a potência de Roma) 1 . língua, dos intelectuais, etc.), compreender a função das co­
Será de tipo "defensivo", e não criador original, em que se su­ munas medievais, o ,significado do catolicis.mo, etc.; deve-se,
põe que uma vontade coletiva já existente tenha-se enfraque., enfim, fazer um bosquejo de tóda a história italiana, sintético
cido, disseminado, sofrido um colapso perigoso e ameaçador mas exato.
A razão dos sucessivos fracassos das tentativas de criar
Aojo
mas não decisivo e catastrófico' que tome necessário concentrá-
uma vontade coletiva nacional-popular deve ser procurada na
Ô1 Além do modelo exemplar dado pelas ,grandes monarquias absolu­ existência de determinados grupos sociais que se formam a par-
tistas da França e. da Espanha, Maquiavel foi levado à sua concepção
política da necessidade de um Estado unitário italiano pela evocação rece, se colocado flxatamente no· clima do Humanismo e do Renasci­
do passado de Roma . Deve-se ressaltar, porém, que nem por isso Ma.. No Livro VII da Arte della guerra lê-se: "Esta província ( a
quiavel deve ser confundido com a tradição literária-ret6rica,. Inclusive parece ter nascido para ressuscitar as coisas mortas, como se
porque este elemento não é exclusivo e nem ao menos dominante, e viu pela poesia, pela pintura e escultura", porque então não ne-
a necessidade de um grande Estado nadonal não é deduzida dele. E cessitaria a virtude militar?", Reagrupar as outras citações do
também porque o pr6prio apelo a Roma é menos abstrato do que pa- me,<mo gênero parà estabelecer' o' seu caráter exato.

6 7
'tir
l de
da dissolução da burguesia comunal, no caráter particular
.
outros grupos que refletem a função internacional da Itália
\ ulterior da vontade coletiva nacional-popular no sentido de
alcançar uma forma superior e total de civilização moderna.
E:stes dois pontos fundamentais: formação de uma vonta­
como sede da Igreja e depositária do Sagrado Império Romano,
etc. Esta função e a posição conseqüente determinam uma de coletiva nacional-popular, da qual o moderno Príncipe ê ao
situação interna que pode ser chamada "econômi:co-corporati­ " mesmo tempo o .organizador e a expressão ativa e atuante, e
va", isto é, polIticamente, a pior das formas de sociedade feudal, reforma intelectual e moral, deveriam constituir a estrutura do
a forma menos progressista e mais estagnante. Faltou sempre, trabalho. Os pontos programáticos concretos devem ser incor­
e não podia constituir-se, uma força jacobina eficiente, exata­ porados na primeira parte, isto é, deveriam, "dramaticamente",
mente a força que nas outras nações suscitoij e organizou a , resultar do discurso, não ser uma fria e pedante exposição de
vontade coletiva nacional-popular e fundou os Estados moder� argumentos.
nos. Finalmente, existem as condições para esta vontade, ou Pode haver reforma cultural, elevação civil das camadas
seja, qual é a relação atuaI entre estas condições e as fórças mais baixas da sociedade, sem uma precedente reforma econó­
que se opõem a ela? Tradicionalmente, as forças oponentes fo� mica e uma modificação na posição social e no mundo econô­
ram a aristocracia latifundiária e, em geral, o latifúndio no seu mico? Eis por que uma reforma intelectual e moral não pode
conjunto, com o seu traço característico italiano: uma "bur� deixar de estar ligada a um programa de reforma. econômica.
guesia rural" especial, herança de parasitismo legada aos tem­ E mais, o programa de reforma econômica é exatamente o mo­
pos modernos pela ruína, como classe, da burguesia comunal do concreto através do qual se apresenta toda reforma' intelec­
(as cem cidades, as cidades do silêncio). As condições positivas tual e moral. O moderno Príncipe, desenvolvendo�se, subverte
devem . ser localizadas na existência de grupos sociais urbanos todo o sistema de relações intelectuais e morais; na medida em
convenientemente desenvolvidos no campo· da produção indus. que o seu desenvolvimento significa de fato que cada ato é con­
trial, que alcançaram um determinado nível de cultura histórico· cebido como útil ou· prejudicial, como virtuoso ou criminoso;
política. A forruação de uma vontade coletiva nacional-popular mas só na medida em que tem como ponto de referência o
é impossível se as grandes massas dos camponeses cultivadores próprio moderno Príncipe e serve para acentuar o seu poder, ou
� mpem simultaneamente na vida política. Maquiavel contrastá-lo. O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divin­
pretendiaTstO através da reforma da milícia, como os jacobinos dade ou do üilpê rativo categórico, torna-se a base de um laicis­
.
Ó fiZeram rnrRevolução Francesa. Deve-se identificar nesta mo moderno e de rima laicização completa de tooa a vida e de
k compreensão um jacobinismo precoce de Maquiavel, o germe tôdaS" as mações de -costume.
(mais ou menos fecundo) da sua concepção da revolução na­
cional. Toda a História, a partir de 1815, mostra o esforço das
classes tradicionais para impedir a formação de uma vontade A ciência da política. A inovação fundamental. introduzida
coletiva deste gênero, para manter o poder "econômico-corpo­ pela filosofia da praxis na ciência da política· e da História é a
rativo" num sistema internacional de equilíbrio passivo. demonstração de que não existe uma "natureza humana" abstra­
Uma parte importante, do moderno Príncipe deverá ser ta, . fixa e imntável (conceito que certamente deriva do pensa�
dedicada à questão de unta reforma intelectual e moral, isto é, mento religioso e ija transcendência); mas que a natureza hu­
à questão religiosa ou de uma concepção do mundo. Também mana é o conjunto das relações sociais historicamente determi­
neste campo encontramos na tradição ausência de jacobinismo nadas, isto é, um fato histórico comprovável, dentro de certos
e medo do jacobinismo (a última expressão filosófica de tal limites, �través dos métodos da filologia e da crítica. Portanto,
medo · é a atitude malthusiana de B . Croce em relação à reli­ a ciência política deve ser concebida no seu conteúdo concreto
gião). O moderno Príncipe deve e não pode deixar de ser o (e também na sua formulação lógica) como um organismo· em
it
' :J
propagandista e o organizador de uma reforma intelectual e . .Jt' desenvolvimento .. Todavia deve-se observar qne a forma dada
por Maquiavel à questão a política (isto é, a afirmação implí-
L
moral, o que significa criar o terreno para um desenVOlViment
. _ .

. 8 9

BIBLIOTECA. DA �. c. M. a.1
ma, com seus princípios e leis diversos daqueles da moral e da
l
cita nps seus escritos de que a política é uma atividade autôno-
é verdadeira abstratâmente. O próprio Maquiavel nota que as
coisas que ele escreve são aplicadas, e foram sempre aplicadas,
religião, proposição que tem um grande alcance filosófico, pois
impllcitamente inova toda a concepção do mundo) é ainda hoje pelos maiores homens da História. Por isso, não parece que
discutida e contraditada, não conseguiu tornar-se "senso co­ tt ele queira sugerir a quem já sabe, nem o seu estilo é aquele
mum". Qual ,dê uma desinteressada atividade científica; nem se
o pode pensardisto? Apenas que a re
significado
lectual e moral, cujos elementos estão.contidos ln nuce no pen­ que éle tenha chegado às suas teses sobre ciência política atra­
samento de Maquiavel, ainda não se efetivou, não se tornou vés de especulações filosóficas, o que no caso desta particular
forma pública e manifesta da cultura nacional? Ou será que matéria seria algo milagroso no seu tempo,' já que, inclusive,
só tem um mero significado político atual, serve para indicar hoje ela encontra tanto contraste e oposição .
apenas a separação existente entre governantes e governados,
Pode-se, portanto, supor que Maquiavel tem em vista
para indicar que existem duas culturas: a dos governantes e a
"quem não sabe", que ele pretende educar politicamente "quem
dos governados';, e que a classe dirigente, como' a Igrda, ,tem
uma atitude sua e m relação a�mples, ditada-pela necessi­ não sabe".
dade de não afastar-se deles, de um lado; e, de outro, de man­ tiranos, como parecia entender Foscolo, mas positiva, de quem
tê-los na convicção de que Maquiavel nada mais é do que uma deve reconhecer como necessários determinados meios, mesmo
aparição diabólica? --
se próprios dos tiranos, porque deseja determinados ffus,. Quem
nasceu na tradição dos homens de governo, absorvendo todo o
,

Coloca-se, ãssim, o problema do significado que Maquiavel


teve no seu tempo e dos fins que de se propunha escrevendo complexo da educação do ambiente familiar, no qual predomi�
os seus livros, especialmente o Príncipe. A doutrina de Maquia­ nam os interesses dinásticos ou patrimoniais, adquire quase que
vel não era, no seu tempo, uma coisa puramente "livresca", um automaticamente as características do político realista. Quem ,
monopólio de pensadores isolados, um livro' secreto que circula portanto, "não sabe'''? A classe revolucionária da época, 9
entre iniciados . "povo"e a "nação"italiana, a democracia urbanaOque se de
estilo ex­Maquiavel não é o de
sistemático como os tinha a Idade Média e o Humanismo, abso­ prime atr,avés dos Savonarola e dos Pier Soderini e não dos
* lutamente;' é estilo de homem de ação, de quem quer impulsio­ Castruccio e dos Valentino. Pode-se deduzir que Maquiavel
nar a ação; é estilo de "manifesto" de partido. Certamente, a pretende persuadir estas fó'rças da necessidade, de ter um "chefe"
interpretaç�o "moralísHca" dada por Foscolo é errada; todavia, que saiba aquilo que quer e como optê-Io, e de aceitá-lo, com
é verdade que Maquiavel revela alguma coisa, e não só t�orizou entusiasmo, mesmo se as suas ações possam estar, ou parecer
sobre o real . em contradição com a ideologia difundida na época;. Mas, qual era o objetivo da revelaçã
a religião.
tivo moralístico ou político? Costuma-se dizer que as normas Esta posição política de Maquiavel repete-se na filosofia da
de Maquiavel para a atividade política "são aplicadas, mas não praxis. Repete-se a necessidade' de ser "antimaquiavélico",
são ditas"; os grandes políticos - diz-se - começam maldi­ senvolvendo uma teoria e uma técnica políticas que possam ser­

[liSníó
zendo Maquiavel, declarando-se antimaquiavélicos, exatamente
para poderem aplicar as suas normas "santamente". Não teria
sido Maquiavel pouco maquiavélico, um daqueles que "conhe- ,,::
;f vir às duas par�es em luta, embora creia-se que elas termina­
rão por servir especialmente à parte que "não sabia",
nela é que se considera existir a força progressista da História.
.cem -º-jhgo"e estultamente o ensinam, enquanto o ma�, Efetivamente, obtém-se de imediato um resultado: romper a
vul8!!! ensina a fazer o contrário? A afirmação de Croce unidade baseada na ideologia tradicional, sem cuja ruptura a
de que, sendo 9 maquiavelismo uma ciência, serve tanto aos
força nova não poderia adquirir consciência da própria per­
teacionários como aos democratas, como a arte da esgrima ser­
sonalidade independente. O maquiavelismo serviu para me­
ve aos nobres e aOs bandoleiros, para 'defender-se e assassin
lhorar a técnica politica tradicional dos grupos dirigentes con­
�e neste Seiitião é que se deve entender o juízo de Foscolo, ,
� , servadores, assim como a política da filosofia da praxis� isto
10
11
não deve mascarar o· seu caráter essencialmente revolucionário, e não "metansicamente"? Crítica da posição de Croce, para o
que inclusive hoje é sentido e explica todo o antimaquiavelismo, qual, no final da polêmica, a estrutura torna-se um "deus as­
daquele dos jesuítas àquele pietista de Paquale Villari. coso", um "número" em contraposição às "aparências" da su­
perestrutura . "Aparências" em sentido metafórico e positivo.
"Por que, "historicamente", e como linguagem, falou-se de
A política como ciência autónoma. A questão inicial que '�aparências"?
deve ser colocada e resolvida num trabalho súbre Maquiavel é , É interessante como Croce, partindo desta con-
a questão da política como ciência autônoma, isto é, do lugar cépção geral, extraiu a sua doutrina particular do erro e da
que a ciência política ocupa, ou deve ocupar, numa concepção � origem prática do erro. Para Croce o erro . tem origem numa
sistemática (coerente e conseqüente) do mundo, numa filosofia "paixão" imediata, de caráter individual ou de grupo; mas o
da praxis. que produzirá a "paixão" de alcance histórico mais amplo, a
O progresso proporcionado por Croce, a este propósito, aos paixão 'como "categoria"? A paixão-interesse imediato, que é
éstudos sóbre Maquiavel e sôbre a ciência política, consiste pre­ .origem do "erro", é o momento denominado schmutzig-jüdisch
êipuamente (comQ em outros campos da atividade crítica cro­ em Glosse al Feuerbach: mas como a paixão�interesse schmutzig­
ciana) na dissolução de uma série de problemas falsos, inchls­ jüdisch determina o erro imediato, assim a paixão do grupo
tentes ou mal formulados . Croce baseou-se na sua distinção dos social mais vasto determina o "erro" filosófico (intermédio o
momentos .do espírito e na afirmação de um momento da prá­ erro-ideologia, que Croce trata em separado). O importante
tica, de um espírito prático, autônomo e independente, embora nesta série "egoísmo (érro imediato) - ideologid-filosofia" é o
ligado circularmente a toda a realidade pela dialética dos con­ termo comum "erro", ligado aos diversos graus de paixão, e
trários. Numa filosofia da praxis, a distinção certamente não que deve ser entendido não no signüicado moralístico ou dou­
será entre os momentos do Espírito absoluto, mas entre os trinário, mas no sentido puramente "histórico". e dialético "da­
graus da superestrutura, tratando-se, portanto, de estabelecer a quilo que é historicamente caduco e digno de cair", no sentidci
posição dialética da atividade política (e da ciência correspon­ da '·'não-definitividade" de cada filosofia, da "morte-vida", "ser­
dente) como determinado grau superestrutura!. Poder-se-á não-ser", isto é, do termo diaiético a superar no desenvolvi­
dizer, como primeiro aceno e aproximação, que· a atividade po­ mento.
lítica é efetivamente o primeiro momento ou primeiro grau, o O termo "aparente", "aparência", significa exatamente isto,
momento em que a superestrutura está ainda na fase imediata e nada mais que isto, e se justifica contra o dogmatismo: é a
de mera afirmação voluntária, indistinta e elementar . afirmação da caducidade de tedo sistema ideológico, paralela­
Em que sentido pode-se identificar a política e a História mente à afirmação de uma và1idez histórica de todo sistema, e
e, p01:tanto, toda a vida e a política? Como, em vista disso, todo da necessidade dele. ("No terreno ideológico o homem adquire
o sistema das superestruturas pode ser concebido como distinções consciência das relações sociais": dizer isto não é afirmar a
da política e, - portanto, justifique a introdução do conceito de necessidade e a vaIidez das "aparências"?)
distinção numa filosofia da praxis? Mas, pode-se falar de dia­ A concepção de Croce ,da política-paixão exclui os partidos,
Iéticâ dos contrários? 'Como se pode entender o conceito de cír­ . já que não se pode pensar numa "paixão" organizada e perma­
culo entre os graus da superestrutura? Conceito de "bloco his­ nente: a paixão permanente é uma condição de orgasmo e de
tórico", isto é, unidade entre a natureza e o espírito (estrutura espasmo, que determina incapacidade de execução. Exclui os
e supetestrutura), unidade dos contrários e dos distintos. partidos e exclui todo "plano" ação concertado preventiva�
Pode-se introduzir o critério de distinção também na es­ mente. Todavia, os partidos existem, e planos de ação são ela­
trutura? Como se deverá entender a estrutura? Como no siste­ I borados, aplicados e muitas vezes realizados em medida notá­
ma das relações sociais será possível distinguir os elementos
l vel: há, portanto, um "vício" na concepção de Croce. Nem é
"técnica", "trabalho", "classe", etc., entendidos historicamente, preciso dizer que, se os partidos existem, isto não tem grande

12 13
j

importância "teórica", já que no momento da ação o "partido" Ao lado dm ·néritos de> luoderno "maquíaVC:h:,w\J', deri­
que atua não é o mesmo "partido" que existia antes. Em parte, vado de Croce. u�Yc-se asslHalar também os "exageros" e os
isto pode ser verdadeiro, todavia entre os dois "partidos" as desvios a que deu lugar. Criou-se o hábito de considerar muito
coiucidências são tantas que, na realidade,. pode-se dizer que Maquiavel como o "político em geral", como o "cientista da
se trata do mesmo organismo. olítica", atuaI em todos os tempos.
,,/
Mas a concepção, para ser válida, deveria aplicar-se tam­ /\,'�' Ê necessário considerar mais Maquiavel como expressão
bém à "guerra" e, portanto, explicar a existência dos exércitos . necessária do seu tempo e estreitamente ligado às condições c
permanentes, das academias militares, dos corpos de oficiais. às exigências da sua época, que resultam: 1) das lutas internas
Também o ato da guerra é "paixão", a mais intensa e febril, é da república florentina e da estrutura particular do Estado que
um momento da vida política, é a continuação, sob outras for­ não sabia libertar-se dos resíduos comunais-municipais, isto é,
mas, de uma determinada política; é necessário, pois, explicar de uma forma estorvante de feudalismo; 2) das lutas entre os
como a "paixão" pode-se tornar "dever" moral, e não dever Estados italianos por um equilíbrio no âmbito italiano; que era
de moral política, mas de ética. dificultado pela existência do Papado e dos outros resíduos
Sobre os "planos políticos" ligados aos partidos como for­ feudais, municipalistas, da forma estatal urbana e não territo­
mações permanentes, lembrar aquilo que Moltke dizia dos pIa, rial; 3) das lutas dos Estados italianos mais ou menos solidá­
nos militares: que· eles não podem ser elaborados e fixados rios por um equil!brio europeu, ou seja, das contradições entre
precedentemente em todos os seus detalhes, mas só no seu· nú. as necessidades de um equilíbrio interno italiano e as exigên­
cleo e rasgo central, porque as particularidades da ação depen. cias dos Estados europeus em luta pela hegemonia.
dem, em certa medida, dos movimentos do adversário. A paixão Atua sobre Maquiavel o exemplo da França e da Espanha,
manifesta-se exatamente nos particulares, mas não parece que que alcançaram uma poderosa unidade estatal terrítorial; Ma-
o princípio de Moltke seja tal que justifique a concepção de . quiavel faz uma "comparação elítica" (para usar a expressão
Croce. Em qualquer caso, restada por explicar o gênero de crociana) e deduz as regras para um Estado forte em geral e
"paixão" do Estado-Maior que elaborou o plano fria f( "de­ italiano em particular. Maquiavel é inteiramente um homem
sapaixonadamente" . da sua época; e a sua ciência política representa a filosofia do
Se o conceito crociano da paixão como momento da polí­ f
seu tempo, que tende à organização das monarquias nacidnais
tiéà choca-se com a dificuldade de explicar e justificar as for­ absolutistas, a forma política que permite e facilita um desen­
mações políticas permanentes, como os partidos e mais ainda volvimento das. forças produtivas burguesas. Pode-se descobrir
os exércitos nacionais e os Estados-Maiores, uma vez que não in nuce em Maquiavel a separação dos poderes e o parlamen­
7J se pode conceber uma paixão organizada permanentemente sem tarismo (o regime representativo): a sua ferocidade diríge-se
/1 que ela se- torne racionalidade e reflexão ponderada, isto é, não contra os resíduos do mundo feudal, não contra as classes pro­
mais paixão, a solução só pode ser encontrada na identidade gressistas. O Príncipe deve acabar com a anarquia feudal; e isto
entre política e economia. A polític!1��"�anenté e dj é o que faz Valentino na Romanha, apoiando-se nas classes
._QJig��ér,na medida em-queefetiVa­ produtoras, mercadores e camponeses. Em virtude do caráter
mente se identifica com a economia. Mas esta também tem sua militar-ditatorial do chefe do Estado, como se requer num pe­
distinção, e por isso pode-se falar separadamente de economia ríodo de luta para a fundação e a consolidacão de um novo
e de política e pode-se falar da "paixão política" como .um poder, a indicação de classe contida na Arte della guerra deve
impulso imediato à ação, que nasce no terreno "permanente e ser entendida também para a estrutura do Estado em geral: se
orgânico" da vida econômica, mas supera-o, fazendo entrar em as classes urbanas pretendem terminar com a desordem interna
jogo sentimentos e aspirações em cuja atmosfera incandescente e a anarquia. externa devem apoi�r-se nos camponeses como
o próprio cálculo da' vida humana individual obedece a leis

massa, constituindo uma íô'rça armada scgura e fiel de tipo
diversas daquelas do proveito individual, etc. ,inteiramente diferente daquelas de ocasião. Pode-se dizer que a

14 15
concepção essencialmente política é de tal forma dominante em ponto de vista do inteí-t:sse nacional, de um equilíbrio interno
Maquiavel que o leva a cometer erros de caráter militar : ele das classes, de modo que a hegemonia pertença ao Terceiro
pensa especialmente na infantaria, cujas massas podem ser ar­ Estado através do monarca . Parece-me evidente que classificar
roladas com uma ação política e por isso desconhece o signifi­ Bodin entre os "antimaquiavélicos" seja questão absolutamente
cadó da artilharia . extrínseca· e superficial . Bodin' funda a ciência política na
Russo (em Prolegomeni a Machiavelli) observa justamen­ França num terreno muito mais avançado e complexo do que
te que a Arte della guerra integra o Príncipe, mas não extrai aqu;::le oferecido pela Itália a Maquiavel. Para Bodin, não se
todas as conclusões da SU;) observação . Também na Arte della trata de fundar o Estado unitário-territorial ( nacional), isto é,
guerra Maquiavel deve ser considerado como um político que de retornar à época de Luís XI, mas de equilibrar as forças
precisa ocupar-se da arte militar; o seu uriilateralismo (com sociais em luta dentro desse Estado já forte e enraizado ; não
outras "curiosidades", como a teoria da falange, que dão lugar é o momento da força que interessa a Bodin, mas o do consen­
a fáceis chalaças como aquela mais difundida extraída de Ban­ so . A monarquia absolutista tende a se desenvolver com Bodin:
dello) depende do fato de que a questão técnico-militar não o Terceiro Estado tem tal consciência da sua força e da sua
constitui o centro do seu interesse e do seu pensamento . · Ele dignidade, sabe tão bem que a sorte da monarquia absoluta
trata dela apenas na medida em que é necessária para a sua está ligada à sua própria sorte e ao seu próprio desenvolvimen­
construção política. Mas não só a Arte delta guerra deve ser to, que impõe condições para o seu consentimento, apresenta
ligada ao Príncipe; também lstorie fiorentine, que deve efetiva­ exigências, tende a limitar o absolutismo. Na França, Maquia­
mente servir para uma análise das condições reais italianas e vel já servia à reação, pois podia ser utilizado para justificar
européias das quais derivam as exigências imediatas contidas que se mantivesse o mundo no "berço" ( segundo a expressão
no Príncipe.
-
de Rertrando Spa venta); portanto, cra necessário ser "polemi­
De uma concepção de Maquiavel mais aderente aos tem­ '-\ camente" antimaquiavélico.
pos deriva, subordinadamente, uma avaliação mais historicista Deve-se notar que na Itália estudada por Maquiavel não
dos chamados "antimaquiavélicos", ou, pelo menos, dos mais existiam instituições representativas já des.::nvolvidas e signifi­
"ingênuos" entre' éles . Na realidade, não se trata de antima­ cativas para a vida nacional como as dos EstadOs Gerais na
V
quiavélicos, mas de políticos que exprimem exigências da sua França . Quando, modernamente, se observa. de modo tenden­
1
época ou de condições diversas daquelas que influíam sobre cioso, que as instituições parlamentares na Itália foram impor­
Maquiavel; a forma polêmica é puro acidente literário . O exem­ tadas do exterior, não se leva em c;onta que isto reflete apenas
uma condição de atraso e estagnação da história política e social
plo típico destes "àntimaquiavélicos" parece-me Jean Bodin
italiana de 1 500 a 1 700; condição que se devia em grande
(1530-1596), que foi deputado dos Estados Gerais de Blois,
em 1576, e levou o Terceiro Estado a recusar os subsídios so­ parte à predominância das relações internacionais sobre as re­
licitados para a guerra civil.1 lações internas, paralisadas e entorpecidas . O fato de que a
estrutura estatal italiana, em virtude da predominância estran­
Durante as guerras civis na França, Bodin. é o expoente do
geira, tenha permanecido na fase' semifeudal de um objeto de
terceiro partido, denominado dos "políticos", que defende o
suzeraineté estrangeira, seria talvez "originalidade" nacional
destruída pela importação das formas parlamentares que, ao
1 Obras de BonIN: Methodus ad facilem hístoriarum cognitionem
(1566), onde assinala a influência do clima sobre a forma dos Estados, contrário dão uma forma aoprotessode libertação nacional?
acena pata uma idéia de progresso, etc.; République (1576), onde 'E à passagem ao Estado territorial mtidertld (independente é
exprime as opiniões do Terceiro Estado sobre a monarquia absoluta e
i
nacional)? No mais, especialmente no Sül ê na Siêí1ia, existiram
as suas relações com o povo; Ileptaplomeres (inédito até a época mo­
instituições· representativas, mas com carátef muito mais restrito
dema), em que examina todas· as religiões' .e justifica-as comó expres­ j do que na França, em virtude do pequeno deserlvoWimento do
sões diversas das religiões naturais, as únicas razoáveis, e tódas igual­
mente dignas de respeito e de tolerância. Terceiro Estado nestas regiões. Isto levava a que os Parlàmen-

16 17
ticàs baseiam-se neste fato primordial, irreduzível ( em certas
tos ftfssem utilizados como instrumentos para manter a anar­
condições gerais). As origens deste fato constituem um pro­
quia dos barões contra as tentativas inovadoras da monarquia,
blema cm si, que deverá ser estudado em si (pelo menos poder­
a qual devia apoiar-se nos "maltrapilhos", na ausência de uma
se-á e dever-sc-á estudar como atenuar e eliminar o fato, modi­
burguesia.1 É compreensível que o programa e ii tendência a
·ficando certas condições identificáveis como atuantes neste sen­
ligar a cidade ao campo pudessem ter apenas uma expressão
tidO), mas permanece o fato de que existem dirigentes e dirigi­
militar, sabendo-se que o jacobinismo francês seria inexplicável
dos, governantes e governados . Em virtude disto, resta ver a
sem o pressuposto da cultura fisiocrática, com a sua demons­
possibilidade de como dirigir do modo mais eficaz (dados cer­
tração da importância económica e cultural do agricultor.. As
. tos fins), de como preparar da melhor maneira os dirigentes
teorias económicas de Maquiavel foram estudadas por Gino
( e nisto precisamente .consiste a primeira seção da· ciência e
Arias (em A nnali d'Ectmomia da Universidade Bocconi), mas
arte políticas), e como, de outro lado, identificar as linhas de
é preciso verificar se Maquiavel teve teorias económicas . Tra­
menor resistência ou racionais para alcançar a obediência dos
ta-se de ver se a linguagem essencialmente política de Maquia­
dirigidos ou governado s. Ao formar-se o dirigente, é funda­
vel pode ser traduzida em termos econômicos, e a qual sistema
mentaI a premissa: pretende-se que existam sempre governados
económico pode ser reduzida. Ver se Maquiavel,-que viveu no
e governantes, ou pretende-se criar as condições em que a
período mercantilista, polIticamente precedeu os tempos e an­
necessidade dessa divisão desapareça? Isto é, parte-se da pre­
tecipou algumas exigências que posteriormente encontraram sua
missa da divisão perpétua do gênero humano, ou crê-se que ela
expressão nos fisiocratas.2
é apenas um fato histórico, correspondente a certas condições?
Elementos de politica. Deve-se dizer que os primeiros ele­
Entretanto, deve-se ver claramente que a divisão entre gover­
. mentos a serem esquecidos foram exatamente os primeiros ele­
nados e governantes, embora, em última análise, refira-se a uma
mentos, as coisas mais elementares; estas, por outro lado, re­
divisão de grupos sociais, todavia. existe, em virtude da forma
petindo-se infinitas vezes, transformam-se nos pilares da política
como as coisas são, também no seio do mesmo grupo, inclusive
e de qualquer ação coletiva .
socialmente homogêneo; pode-se dizer, em certo sentido, que
Primeiro elemento é a existência real de governados e
esta divisão é uma criação da divisão do trabalho, é um fato
gover�antes, dirigentes e dirigidos. Toda· a ciência e arte polí-
técnico . Especulam. sobre esta coexistência de motivos todos
1 Recordar o estudo de ANTONIO PANELLA, Cli antímachíavellici, pu­
blicado no Marzocco de 1927 (ou também em 26?, em. onze artigos); .
ii
os que vêem em tudo apenas "técnica", necessidade "técnica",
etc., para não propor-se o problema fundament al .
observar como Panella julga Bodin em confronto cOm Maquiavel e Dado que no mesmo grupo existe a divisão entre gover­
como o problema do antimaquiavelismo é apresentado em geral. (Os
primeiros três artigos foram publicados em 1926, os outros em 1927. nantes e governados, é necessário fixar alguns princípios inder­
- N. eI.) rogáveis . Exatamente neste terreno ocorrem os "erros" mais
.� Rousseau teria sido possível sem a cultura fisiocrática? Não me pa­ graves, isto é, manifestam-se as incapacidades mais criminosas,
rece justo afirmar que os fisiocratas tenham representado meros inte­ mais difíceis de endireitar . Crê-se que, estabrlecido o princípio
. do mesmo grupo, a obediência deva ser automática, deva ocoi­
resses agrícolas e que só com a economia clássica afínnem-se os inte­
resses do capitalismo urbano. Os fisiocratas representam a ruptura
com o mercantilismo e com o regime das corporações e constituem uma rer sem necessidade não só de uma demonstração de "necessi,..
fase para se chegar à economia clássica. Mas, exatamente por isso, pa­ dade" e racionalidade, mas seja indiscutível ( alguns pensam, e
rece-me que eles representam uma sociedade futura muito mais com­ isto é o pior, que a obediência "virá" sem ser solicitada, sem
plexa do que aquela contra a qual combatem e do que aquela que que seja indicado o caminho a seguir). Assim, é difícil extirpar
resulta imediatamente das suas afirmações. A sua linguagem está bas­
tante ligada à época e exprime a .coní:radição imediata entre cidade. e o cadornismo dos dirigentes, isto é, a convicção de que uma
campo, mas faz prever um alargamento do capitalismo na direção da coisa será feita porque o dirigente considera justo e racional
agricultura. A fÓIIDula do "deixar fazer, deixar passar", isto é, da li­ .�
que ela seja feita . Se não é feita, i'a cu1pa" é lançada sobre
berdade· industrial e .de iniciativa, não cstá certamente ligada a inte­ quem "deveria fazê-la", etc . Desse modo, torna-se difícil extir-
resses agrários.
19
18
par o hábito criminoso do desleixo em evitar os sacrifícios inú­ pressupõe cada ato como o momento de um processo complexo,
teis. Entretanto, o senso comum mostra que a maior parte já iniciado c que continuará. A responsabilidade deste processo,
dos desastres coletivos (políticos) ocorrem por não ter-se pro­ de ser ator deste processo, a solidariedade para com forças
curado evitar o sacrifício inútil, ou porque se mostrou não materialmente "ignotas" , mas que apesaI: disso revelam-se ope-
levar em conta o sacrifício dos ;'lUtroS, jogando-se com as -sua') - rantes e ativas e que são levadas em conta como se fossem
vidas . Todos já ouviram oficiais que estiveram nas trincheiras "materiais" e presentes corporalmente, é o que se denomina
contar como realmente os soldados arriscavam a vida quando . exatamente, em certos casos, "espírito estatal" . :B evidente que
era mais necessário. Mas como, ao contrário, se rebelavam lal consciência do "tempo" deve ser concreta, e não abstrata,
quando se sentiam abandonados. Por exemplo: uma companhia ,em certo sentido, não deve ultrapassar determinados limites.
era capaz de jejuar muitos dias quando sabia que os víveres Admitamos que os limites mais estreitos sejam uma geração
não podiam chegar por motivo de força maior; mas amotinava­ precedente e uma geração futura, o que não é pouco, pois as
se se não recebesse apenas uma refeição por desleixo, buro­ gerações serão avaliadas, não a contar de trinta anos antes e
cratismo, etc. trinta anos depois de hoje, mas orgânicamente, em sentido his­
tórico, o que em relação ao passado, pelo menos, é. fácil de
Este princípio estende-se a todas as ações que exigem
compreender. Sentimo-nos solidários com os homens que hoje
sacrifícios. Eis por que antes de tudo é sempre necessário,
depois de qualquer revés, examinar as responsabilidades dos são velhíssimos e que para nós representam o "passado" que
ainda vive entre nós, que deve ser conhecido e examinado, pois
dirigentes, e isto num sentido restrito (por exemplo: uma frente
é ele um dos elementos do presente e das premissas do futuro;.
é constituída de muitas seções, e cada seção tem os seus diri­
e com as crianças, com as gerações que estão nascendo e cres­
gentes. Ê possível que os. responsáveis por uma derrota sejam
cendo, pelas quais somos responsáveis. (Ê outro o "culto" da
os dirigentes de· uma seção, mas trata-se de mais e de menos,
"tradição" , que tem um valor tendencioso, implica uma opção
porém jamais de exclusão de responsabilidades para qualquer
e um objetivo determinado, baseia-se numa ideologia.) Mas,
um).
, se se pode afirmar que um "espírito estatal" assim compreen­
;Estabelecido o princípio de que existem dirigidos e diri­ dido está em tudo, é necessário lutar permanentemente ,<-antra
gentes, governantes e governados, verifica-se que os "partidos" deformações ou desvios que nele se manifestam.
são até agora o modo mais adequado para aperfeiçoar os diri­
gentes e a capacidade de direção (os partidos podem-se apre­ O "gesto pelo gesto", a luta pela luta, etc., e especialmente
sentar sob os nomes mais diversos, mesmo sob o nome de o individualismo estreito e mesquinho, que não passa de urna
antipartido e de "negação dos partidos" ; na realidade, até os satisfação caprkhosa de impulsos momentâneos, etc . (Na rea­
chamados "individualistas" são homens de partido, só que pre­ lidade, o ponto é sempre aquele do "apoliticismo" italiano, que
tenderiam ser "chefes de partido" pela graça de Deus ou pela assume estas várias formas pitorescas e bizarras.) O individua­
imbecilidade dos que os seguem). lismo é apenas apoliticismo animalesco, o sectarismo é "apoli­
. Desenvolvimento do conceito geral contido na expressão dcismo" . Efetivamente, se se observar bem, o sectarismo é uma
"espírito estatal" . Esta expressão tem um significado bastante forma de "clientela" pessoal na medida em que está ausente o
preciso, historicamente determinado. Mas, surge o problema: espírito de partido, elemento fundamental do "espírito estatal".
existe algo semelhante ao que se denomina "espírito estatal" Demonstrar que o espírito de partido é o elemento fundamental
num movimento sério, que não seja .a expressão arbitrária de do espírito estatal é um dos argumentos mais elevados a serem
individualismos mais ou menos justificados? Contudo, o "espírito sustentados, e da maior importância; vice-versa, o "individua­
estatal" pressupõe a continuidade, tanto no que se refere ao lismo" é um elemento animalesco, "apreciado pelos forasteiros",
passado, à tradição, como no que se refere ao futuro. Isto é: como os atas dos habitantes de -um jardim zoológico.

20 21
o partido político . Afirmou-se que o protagonista do novo
a nenhuma das frações, mas opera como se fosse uma força
Príncipe não poderia ser, na época moderna, um herói pessoal,
dirigente superior aos partidos e às vezes reconhecida como tal
mas o partido político . Isto é : sempre e nas diferentes relações
pelo público , Esta função pode ser estudada com maior pre­
internas das diversas nações, aquele determinado partido que
cisão se se parte do ponto de vista de que um jornal (ou um
pretende (e está racional e historicamente destinado a este fim)
grupo de jornais ) , uma revista (ou um grupo de revistas ) , são
fundar um .novo tipo de Estado .
ta,mbém eles "partidos", "frações de partido" ou "funções de
É necessário observar como nos regimes totalitários a fun­
um determinado partido" . Veja-se a função do Times na In­
ção tradicional do instituto da Coroa é, na realidade, absorvida
glaterra, a que teve o Corriere delta Sáa na Itália, J também
por um determinado pártido, que é totalitário exatamente por­
,a função da chamada "imprensa de informação", supostamente
que assume tal função . Embora cada partido seja a expressão
"apolítica", e até a função da imprensa esportiva e da imprensa
de um grupo social e de um só grupo social, ocorre que, em
técnica . De resto, o fenômeno apresenta aspectos interes­
determinadas condições, determinados partidos representam um
santes nos países onde existe um partido único e totali­
grupo social ' na medida em que exercem uma função de equilí­
tário de governo; pois tal partido não desempenha mais
brio e de arbitragem entre os interesses do seu grupo e os outros
funções simplesmente políticas, mas só técnicas, de propaganda,
grupos, e na medida em que buscam fazer com que o desenvol­
de polícia, de influência moral e cultural . A função política é
vimento do grupo representado se processe com o consentimen­
indireta, pois se não existem outros partidos legais, existem
to e com a ajuda dos grupos aliados, e muitas vézes dos grupos
sempre outros partidos de fato e tendências legalmente incoer­
decididamente inimigos . A fórmula constitucional do rei ou do
cíveis, contra os quais a polêmica e a luta é travada como se
presidente da república que "reina mas não governa" é a fór­
num jogo de cabra-cega . De qualquer modo, é certo que em
mula jurídica que exprime esta função de arbitragem e a preo­
tais partidos , as funções culturais predominam, dando lugar a
cupação dos partidos constitucionais de não "descobrir" a coroa
uma linguagem política de jargão : isto é, as questões políticas
ou presidente; as fórmulas sobre a não-responsabilidade para os
revestem-se de formas culturais e como tar se tornam insolúveis.
atos governamentais do chefe de Estado, mas sobre a respon­
Mas um partido tradicional tem um caráter essencial "indi­
sabilidade ministerial, são a casuística do princípio geral de
reto," : apresenta-se 'explicitamente como puramente "educativo"
tutela da concepção da unidade estatal e do consentimento dos
( lucus, etc . ) , moralista, de cultura (sic) . É o movimento li­
governados à ação estatal, qualquer que seja o pessoal imediato
bertário . Inclusive a chamada ação direta (terrorista) é con­
do governo e o seu partiqo .
cebida como " propaganda" através do exemplo . A partir daí
No caso do partido totalitário, estas fórmulas perdem o
é possível ainda reforçar a opinião de que o movimento liber­
seu significado, levando à minimização do papel das instituições
tário não é autônomo, mas vive à margem dos outros partidos,
que funcionavam segundo as referidas fórmulas; mas a própria i "para educá-los" . Pode-se falar de um "libertarismo" inerente
função é incorporada pelo partido, que exaltará o conceito
a cada partido orgânico . ( O que são os "libertários intelectuais
abstrato de "Estado" e procurará de várias maneiras dar a im­
ou cerebrais" se não um aspecto desse "marginalismo" em rela­
pressão de que a função de "força imparcial" continua ativa e
ção aos grandes partidos dos grupos sociais dominantes?) A
eficaz .
própria "seita dos economistas" era um aspecto histórico deste
Será necessária a ação política (no sentido estrito) para fenômeno .
que se possa falar de "partido político"? Observa-se que no
, Portanto, apresentam-se duas formas de "partido" que,
mundo moderno, em muitos países, os partidos orgânicos é
como tal, ao que parece, fazem abstração da ação política ime­
fundamentais se dividiram, por necessidade de luta ou por qual­
diata: o partido constituído por uma élite de homens de cultura,
quer outra razão, em frações que assumiram o nome de "parti­
que têm a função de dirigir do ponto de vista da cultura, da
do" e, inclusive, de partido independente . Por isso, muitas ve­
ideologia geral, um grande movimento de partidos afins , (na rea­
zes o Estado-Maior intelectual do partido orgânico não pertence
lidade, frações de um mesmo partido orgânico ) ; e, no período

22
23
mais recente, o partido de não-élite, mas de massas, que como partido terá maior ou - menor significado e peso na medida em
massas não têm outra função política que a de uma fidelidade que a sua atividade particular pese mais ou menos na determi­
genérica, de tipo militar, a um centro político visível ou invisí­ nação da história de um país .
vel (freqüentemente o centro visível é o mecanismo de coman­ Dessa forma, chegamos à conclusão de que do modo de
do de forças que não desejam mostrar-se a plena luz, mas ape­ escrever a história de um partido resulta o c�nceito que se tem
nas operar indiretamente por interposta pessoa e por "inter­ daquilo que é e deva 'ser um partido . O Sectário exaltará os
_

posta ideologia" ) . A massa é simplesmente de "manobra" e é - pequenos fatos internos, que terão para ele um significado eso­
"conquistada" com pregações morais, estímulos sentimentais, térico, impregnando-o de um entusiasmo místico ; o historiador,
mitos messiânicos de expectativa de idades fabulosas, nas quais - mesmo · dando a cada coisa a importância que tem no quadro
tôdas as contradições e misérias do presente serão automatica­ geral, acentuará sobretudo a eficiência real do partido, a sua
mente resolvidas e sanadas . força determinante, positiva e negativa, a sua contribuição para
Para se escrever a história de um partido político, é neces­ criar um acontecimento e também para impedir que outros
sário enfrentar toda uma série de problemas muito menos sim­ acontecimentos se verifiquem .
ples do que pensa, por exemplo, Roberto Michels, considerado
O desejo de saber exatamente quando um partido se for­
um especialista no assunto . O que é a história de um partido?
Será a mera narração da vida interna de uma organização polí­ mou, isto é, quando assumiu uma missão precisa e permanente,
tica? Como nasce, os primeiros grupos que a constituem, as dá lugar a muitas discussões e freqüentemente gera também uma
polêmicas ideológicas através das quais se elabora o seu pro­ forma de bazófia que não é menos ridícula e perigosa do que a
grama e a sua concepção do mundo e da vida? Tratar-se-ia, "bazófia das nações", à qual Vico se refere . Na verdade, pode­
neste caso, da história de grupos intelectuais restritos, e algumas se dizer que um partido jamais se completa t:. se forma, no sen­
vezes da biografia política de um indivíduo . Logo, a moldura tido de que cada desenvolvimento cria novas missões e encargos
do quadro deverá ser mais vasta e compreensiva . e no sentido de que, para determinados partidos, é verdadeiro
Dever-se-á escrever a história de uma determinada massa o paradoxo de que eles só se completam e se formam quando
deixam de existir, isto é, quando a sua existência se tornou
de homens que seguiu os promotores, amparou-os com a sua
confiança, com a sua lealdade, com a sua disciplina, ou que os historicamente inútil . Assim, como cada partido não é mais
criticou "realisticamente", dispersando-se ou permanecendo que uma nomenclatura de classe, é evidente que, para o partido
passiva diante de algumas iniciativas . Mas, será esta massa cons­ que se propõe anular a divisão em classes, a sua perfeição e
tuída apenas pelos adeptos do partido? Será suficiente acompa­ acabamento consiste em não existir mais, porque já não existem
nhar os congressos, as votações, etc., isto é, todo o conjunto classes e, portanto, a sua expressão . Mas, no caso presente, re­
de atividades e de modos de existir através dos quais uma massa ferimo-nos a - um momento particular deste processo de desen­
de partido manifesta a sua vontade? Evidentemente, será neces­ volvimento : ao momento posterior �quele em que um fato pode
sário levar em conta o grupo social do qual o partido é expressão existir e pode não existir, no sentido de que a necessidade da
e setor mais avançado . Logo, a história de um partido não po­ sua existência ainda não se tornou "peremptória", mas depende
derá deixar de ser a história de um determinado grupo social . em "grande parte" da existência de pessoas de extraordinário
Mas este grupo não é isolado; tem amigos, afins, adversários, poder volitivo e de extraordinária vontade .
inimigos . Só do quadro complexo de todo o. conjunto �ocial e Em que momento um partido torna-se historicamente "ne­
estatal - (e freqüentemente com interferências internacionais) re­ cessário"? No momento em que as condições do seu "triunfo",
sultará a história de um determinado partido . Assim, pode-sé da sua infalível transformação em Estado estão, pelo menos,
dizer que eS,crever a história de um partido significa exatamente em vias de formação e levam a p.rever nórmalmente o seu de­
escrever a história geral de um país, de um ponto de - vista senvolvimento ulterior . Mas quando é ·possível dizer, em tais
monográfico, destacando um seu aspecto característico . Um condições, que um partido não pode ser destruído por meios

24 25
segundo elemento não existe, todo raciocínio , é vazio) ! , mesmo
normais? Para responder a isto é necessário desenvolver um
dispersas, os outros dois inevitavelmente devem-se formar; o
raciocínio. Para que um partido exista é obrigatória a confluên­
primeiro, que obrigatoriamente forma o terceiro como continua­
cia de três elementos fundamentais (três grupos · de elementos ) :
ção dele e seu meio de expressão . I
1 . Um elemento difuso, de homens comuns, médios, cuja Para que isto ocorra é preciso que se tenha criado a con­
participação é oferecida pela disciplina e pela fidelidade, não
vicção férrea de que uma determinada solução dos problemas
pelo espírito criador e altamente orgarlizati,vo . Sem eles o par­
' vitais torna-se necessária . Sem esta convicção não se formará
tido não existiria, é verdade; mas ta,rrfbém é verdade que o par­
o segundo elemento, cuja destruição é ruais fácil em virtude do
tido também não existiria "somente" com eles . Eles constituem
seu número escasso; mas é necessário que este segundo elemen­
uma força na medida em que existe algo que os centraliza, or­
to, se destruído, deixe como herança um fermento a partir do
ganiza e disciplina; mas na ausência dessa força eles se disper­
qual volte a se formar . E este fermento subsistirá melhor, e
sariam e anulariam numa poeira impotente . Não se nega que
ainda melhor se formará, no primeiro e no terceiro elementos,
cada um desses elementos pode-se transformar numa das forças
que se 'homoge�am mais com o segundo . Em virtude disso,
de coesão; mas falamos deles exatamente no momento em que
a atividade do segundo elemento para constituir este elemento
não o são e não estão em condições de sê-lo, e se o são é só
é fundamental . O critério para se julgar este segundo elemento
'1um círculo restrito, poIi:ticamente ineficiente e inconseqüente .
deve ser procurado : 1) naquilo que realmente faz ; 2) naquilo
2. j O elemento de coesão principal, que centraliza no qne prepara na hipótese da sua destruição . .e difícil dizer qual
campo nacional, que torna eficiente e poderoso um conjunto de
entre os dois fatos é o mais importante . Já que na luta deve-se
forças que, abandonadas a si mesmas, representariam zeró o u
sempre prever a derrota, a preparação dos próprios sucessores
pouco mais ; êste ' elemento é dotado d e uma f6rça altamente
é um elemento tão importante quanto tudo o que se faz para
coesiva, centralizadora e disciplinadora e, também, talvez por
vencer .
isto, inventiva (se se entende "inventiva" exn' certo sentido, se­
A propósito da "bazófia" do . partido, pode-se dizer que
gundo determinadas linhas de força, determinadas perspectivas,
ela é pior do que a "bazófia das nações", à qual Vico se refere.
e também determinadas premissas ) . .B verdade que, só, este
P()r quê? Porque uma nação não pode não existir, e no fato
elemento não formaria o partido, embora servisse para formá-lo
de que . ela existe é sempre possível, mesmo recorrendo à boa
mais 'do que o primeiro elemento considerado . Fala-se de ca­
vontade e 'solicitando . os textos, achar que a existênci a . é plena
pitães sem exército, mas, na realidade, é mais fácil formar um
de destino e de siguificação . Um partido, ao contrário, não
exército do que capitães . Tanto isto é verdade que um exército
já existente é destruído se faltam os capitães, enquanto a exis­ pode existir por força própria . lamais devemos ignorar que, na'
tência de um grupo de capitães, unidps, de aé6rdo entre eles, luta entre as nações� cada uma delas tem interesse em que a
4
com objetivos comuns, não demora � órmar um exército, inclu- outra se enfraqueça àtravés das lutas internas e que · os partidos
: são exatamente os elementos das lutas internas . Portanto, no que
sive onde ele não existe .
3 . Um elemento médio, que articule o primeiro com o se refere aos partidos é sempre possível perguntar se �les exis­
tem por forçá própria, como necessidade intrínseca, ou se exis­
segundo elemento, colocando-os em contato não só "físico",
mas moral e intelectual . Na realidade, para cada partido exis­ tem apenas em virtude de iriteresses outros (efetivamente, nas
tem "proporções definidas" entre êstes elementos, e o máximo polêmicas, este ponto jamais é esquecido; ao contrário, é moti­
de eficiência é alcançado quando tais " preporções definidas" vo de insistência, especialmente quando a resposta não é dúbia,
são realizadas . o, que significa que é levado em conta e suscita dúvidas) . 1::
claro que quem se deixasse torturar por essa dúvida. seria um
Dadas estas considerações, pode-se dizer que um partido
tolo . Politicamente, a questão só tem um relevo momentâneo .
não pode ser destruído por meios normais quando, existindo
necessariamente o segundo elemento, cujo nascimento está liga­ Na história do chamado princípio de nacionalidade, as inter­
do à existência das condições materiais objetivas ( e, se este venções estrangeiras a favor dos partidos nacionais que pertur-

26 27
bavam a ordem interna dos Estados antagonistas são numero� cionarIa : progressista quando tende a manter na órbita da lega­
sas, tanto que quando se fala, por exemplo, da política "orien� lidade as forças reacionárias alijadas do poder e a elevar ao
tal" de Cavour, pergunta· se se se tratava de uma "política", nível da nova legalidade as massas atrasadas . É reacionária
isto é, de uma Unha de ação permanente, ou de um estratage­ quando tende a comprimir as torças vivas da História e a man-
ma momentâneo para enfraquecer a Áustria, tendo em vista " ter uma legalidade ultrapassada, anti-histórica, tornada extrín­
1859 e 1 866 . Assi!ll, nos movimentos mazinianos de 1 870 seca . De resto, o funcionamento de um determinado partido
(exemplo, o fato Barsanti) vê-se a intervenção de Bismarck ' fornece critérios discriminantt:(s : quando o partido é progressista
que, em virtude da guerra com a França e do perigo de uma funciona "democraticamente" (no sentido de um centralismo
aliança ítalo-francesa, pensava enfraquecer a Itália com con­ democrático) ; quando o partido é reacionário funciona "buro­
flitos internos . Também nos acontecimentos de 1 9 1 4, alguns craticamente" (no sentido de um centralismo burocrático) . No
vêem a intervenção do Estado-Maior austríaco, preocupado com segundo caso, o partido é puro executor, não deliberante : então
a guerra que estava para vir . Como se vê, os casos são nu­ é técnicamente um órgão de polícia, e o seu nome de "partido
merosos, e é necessário ter idéias claras a respeito . Admitindo­ político" é uma pura metáfora de caráter mitológico .
se que, quando se faz qualquer coisa, sempre se faz o jogo de
alguém, o importante é procurar de todos os modos fazer bem
o próprio jogo, isto é, vencer completamente . De qualquer for­
Industriais e agricultores . Têm os grandes industriais nm
ma, é necessário . desprezar a "bazófia" d o partido e substituí-la
partido político permanente próprio? Na minha opinião, a res­
por fatos concretos . Quem substitui os fatos concretos pela
posta deve ser negativa . Os grandes industriais utilizam alter­
bazófia, ou faz a política da bazófia, deve ser indubitàvelmente
nadamente todos os partidos existentes, mas não têm um par­
suspeito de pouca seriedade . Não é necessário acrescentar que,
tido próprio . Por isso eles não são absolutamente "agnósticos"
no que se r,cfere aos partidos, é preciso evitar também a aparên­
ou "apolíticos" : o seu interesse é um equilíbrio determinado,
cia "justificada" de que se esteja fazendo o jogo de alguém,
que obtêm exatamente reforçando com os seus meios, alterna­
especialmente se este alguém é um Estado estrangeiro; se de­
damente, este ou aqude partido do tabuleiro político (à exce­
pois ainda se especular sobre isso, ninguém pode evitá-lo .
ção, entenda-se, do único partido antagonista, cujo reforçamento
É difícil afirmar que um partido político ( dos grupos do­
não pode ser ajudado nem mesmo por manobra tática) . En­
minantes, e também de grupos subalternos) não exerce funções
tretanto, se é verdade que isto ocorre na vida "normal", nos
"de polícia, isto é, de tutela de uma determinada ordem política
casos extremos, que afinai são aqueles que contam (como a
e legal. Se isto fosse demonstrado taxativamente, a questão de­
guerra na vida nacional) , o partido dos industriais é o mesmo
veria ser colocada em outros termos : sobre os modos e as dire­
dos agricultores, os quais, ao contrário, têm um partido perma­
ções através dos quais se exerce essa função . O sentido é re­
nente . Pode-se exemplificar esta nota com a Inglaterra, onde
pressivo ou difUsivo, isto é, reacionário ou progressista? tJm
o Partido Conservador absorveu o Partido Liberal, tradicional­
determinado partido exerce a sua função de polícia para con­
mente considerado como o partido dos industriais .
servar uma ordem externa, extrínseca, cadeia das forças vivas
da História, ou a exerce num sentido que tende a levar o pOVd A situação inglesa, com as suas grandes Trade Unions,
a um novo nível de civilização, da qual a ordem política e legal explica éste fato . Na Inglaterra não existe formalmente um
é uma expressão prográmática? Efetivamente, uma lei en'" partido adversário dos industriais em grande estilo, é certo; mas
contra quem a infringe : 1 ) entre os eleilientos sociais reado'" existem as organizações operárias de massas, e viu-se como elas,
nários que a lei destronou; 2) entre os elementós progressistâs nos momentos decisivos, transformaram-se constitucionalmente
que a lei comprime; 3 ) entre os elementos que não alcançaram de baixo para cima, rompendo o invólucro burocrático ( exem­
o nível de civilização que a lei pode representar , Portàiuo, a plos, em 1 9 1 9 e 1 926) . Além do mais, existem estreitos inte­
função de polícia de um partido pode ser progressista ou rea- resses permanentes entre agricultores e industriais ( especialmen-

28 29
i'

te agora que o protecionismo se tornou geral, agríCola e indus­ determinados movimentos concebem a si mesmos apenas como
trial ) ; e é inegável que os agricultores são "politicamente" marginais : pressupõem um mo�imento principal no qual se in­
muito melhor organizados do que os industriais, atraem mais os serem para reformar determinados males, pretensos ou verda­
intelectuais, são mais "permanentes" . nas suas diretrizes, etc . A J deiros; isto é, são movimentos puramente reformistas .
sorte dos partidos "industriais" tradicionais, como o "liberal­ Bste princípio tem importância política porque a verdade
radical" inglês e o radical francês ( que sempre se diferenciou ' teórica de que cada classe possui apenas um partido é demons­
muito do primeiro) , é interessante ( da mesma forma que o trada, nos momentos decisivos, pela união em bloco de agrupa­
"radical italiano", de boa memória) . O que representavam êles? mentos diversos que se apresentavam como partidos "indepen­
Um conjunto de classes, grandes e pequenas, e não apenas uma dentes". A multiplicidade existente antes era apenas de caráter
classe . Daí surgirem e desaparecerem freqüentemente . A "reformista", referia-se a questões parciais . Em certo sentido,
massa de "manobra" era fornecida pela classe menor, que sem­ era uma divisão do trabalho político (útil nos seus limites) ,
pre se manteve em condições diversas no conjunto, até trans­ mas uma parte pressupunha a outra, tanto que nos momentos
formar-se completamente . Hoje ela fornece a massa aos "par­ decisivos, . quando as questões principais foram colocadas em
tidos demagógicos", o que se compreende . j6go, formou-se a unidade, criou-se o bloco . Daí a conclusão
Em geral, pode-se dizer que, nesta história dos partidos, a de que, na construção do partido, é necessário se basear num
comparação entre os vários países é das mais instrutivas e de­ caráter "mono]ítico", e não em questões secundárias : da t a ne­
cisivas para se localizar a origem das causas de transformação. cessidade de se prestar atenção à existência de homogeneidade
O que vale também para as polêmicas entre os partidos dos entre dirigentes e dirigidos, entre chefes e massa . Se, nos mo­
países "tradicionais", onde estão representados "retalhos" de mentos decisivos, os chefes passam ao seu "verdadeiro partido",
todo o "catálogo" histórico . as massas ficam desamparadas, inertes e sem eficácia . Pode-se
Eis um critério primordial de julgamento tanto para as dizer que nenhum movimento real adquire consciência da sua
concepções do mundo, como, e especialmente, para as atitudes totalidade de um golpe" mas s6 por experiência sucessiva; isto
práticas : a concepção do mundo ou o ato ' prático pode ser �, quando percebe através dos fatos que nada do . que lhe ' é
concebido "isolado", ,"independente" e assumindo toda a res­ próprio é natural (no sentido extravagante da palavra) , mas
ponsabiHdade da vida coletiva; ou isto é impossível, e a con­ existe porque surgem determinadas condições cujo desapareci­
cepção do mundo ou o ato prático pode ser. concebido como mento não permanece sem conseqüências . Assim, o movimento
"integração", aperfeiçoamento, contrapeso, etc., de outra con­ se aperfeiçoa, perde os elementos de arbitrariedade, de "sim":
cepção do mundo ou atitude prática . Refletindo-se, percebe-se biose" e torna-se verdadeinimente independente na medida em
que este. critério é decisivo para um julgamento ideal sobre os que, para obter determinadas conseqüências, cria as premissas
impulsos ideais e os impulsos práticos; percebe-se também que necessárias . Mais ainda, empenha todas as suas forças na cria·
p
seu alcance prático não é equeno . ção dessas premissas .
Uma das criações mais coIÍmns é aquela que acredita ser
"natural" que tudo o que existe deve existir, não pode deixar
de existir, e que as próprias tentativas ,de reforma, por pior que A lguns aspectos teóricos e práticos do "economismo" .
andem, não interromperão a vida; as forças tradicionais pros­ Economismo - movime�to teórico pela livre troca - sindica­
seguirão atuando, e a vida continuará . 11 claro que neste modo lismo teórico . Deve-se ver em que medida o sindicalismo teó.­
de pensar há algo de justo; e ai se não fosse' assim! Entretanto, rico se originou da teoria da praxis e em que medida 'derivou
a partir de um determinado limite, este mtJdo de pensar torna­ das doutrinas econômicas da livre troca, do liberalismo . Por
se perigoso (certos casos da política do pior ) e, de qualquer isso é necessário ver se o economismo, na sua forma mais acaba­
Il'
modo, como se ' disse, subsiste o critério de julgamento filosó­ da, não passa de uma fiJiação direta do liberalisino, tendo man­
fico; político e histórico . Na realidade, se se observa a fundo, tido, inclusive na sua origem, bem poucas relações com a filo-

30 31
sofia da práxis; relações de qualquer modo apenas extrínsecas mico-corporativa para alcançar a fàse de hegemonia ético-polí­
e puramente verbais . tica n a sociedade civil e dominante no Estado . No que se refere
A partir deste ponto de vista é que se deve encarar a po­ ao liberalismo, há o caso de uma fração do grupo dirigente que

1
lêmica Einaudi-Croce.1 sugerida pelo novo prefácio ( 1 9 17 ) ao pretende modificar não a estrutura do Estado, mas apenas a
livro sobre o Materialismo Sto rico . A exigência, projetada por " orientação governamental; que pretende reformar a legislação
Einaudi, de levar em conta a literatura de história econômica comercial e só indiretamente a industrial (pois é inegável que o
suscitada pela economia clássica inglesa, pode ser satisfeita neste protecionismo, especialmente nos países de mercado pobre e
sentido : tal literatura, através de uma contaminação superfi­ restrito, limita a liberdade de iniCiativa industrial e favorece o
cial com a ffiosofia da praxis, originou o economismo; por isso, surgimento ' de monopólios) : trata-se de rotação dos partidos
quando Einaudi critica (na verdade, de modo impreciso) algu­ . dirigentes no governo, não de fundação e organização de uma
mas degenerações economistas, não faz mais do que atirar · pe­ nova sociedade civil . A questão apresenta-se com maior com­
dras num pombal . O nexo entre ideologias da livre troca e sin­ plexidade no movimento do sindicalismo teórico; é inegável q1:!e
dicalismo teórico é especialniente evidente na Itália, onde é co­ nele a independência e a autonomia do grupo subalterno que
nhecida a admiração devotada a Pareto por sindicalistas como diz exprimir são sacrificadas à hegemonia intelectual do grupo
Lanzillo e C . Êntretanto, o significado destas duas tendências dominante, pois o sindicalismo teórico não passa de um aspecto
é bastante diverso : o primeiro é próprio de um grupo social do liberalismo, justificado com algumas afirmações mutiladas,
dominante e dirigente; o segnndo, de um grupo ainda subal­ e por isso banalizadas da ffiosofia da praxis . Por que e como se
terno, que não adquiriu consciência da sua força e das -suas verifica este "sacrifício"? Exclui-se a transformação do grupo
possibilidades e modos de se desenvolver e por isso. não sabe subordinado em dominante, seja porque o problema nem ao
superar a fase de primitivismo . menos é formulado ( fabianismo, De Man, parte notável do
A formulação do movimento da livre troca baseia-se num laborismo) , ou porque é apresentado sob forma!! incoerentes e
erro teórico do qual não é difícil identificar a origem prática : ineficazes (tendências social-democratas em geral) ou porque
a distinção entre sociedade política e sociedade civil, que de defende-se o salto imediato do regime dos grupos ao regime da
distinção métodica se transforma e é apresentada como distin­ perfeita igualdade e da economia sindical .
ção orgânica . Assim, afirma-se que a atividade econômica é \
g pelo menos estranha a atitude do economismo em re­
própria da sociedade civil e que o Estado não deve intervir na
lação às expressões de vontade, de ação e de iniciativa política
sua regulamentação . Mas, como na realidade fatuaI sociedade
e intelectual, como se -estas não fossem uma emanação orgânica
civil e Estado se identificam, deve-se considerar que também
de necessidades econômicas e, mais, a única expressão eficiente
o liberalismo é uma "regulamentação" de caráter estatal, intro­
dá economia; assim, é incoerente que a formulação concreta da
duzida e mantida por caminhos legislativos e coercitivos : é um
questão hegemônica seja interpretada como um fato que subor,;.
fato de vontade consciente dos próprios fins, e não a expressão
dina o grupo hegemônico . O fato da hegemonia pressupõe indu­
espontânea, automática, do fato econômico . Portanto, -o libe­
bitavelmente que se deve levar em conta os interesses e as
ralismo é um programa político, destinado a modificar, quando
tendências dos grupos sobre os quais a hegemoniâ _§êrá �iêtcida ;
triunfa, os dirigentes de um Estado e o programa . econômico do
que s e forme certo equilíbrio d e compromisso, ist� é; que o
próprio Estado; isto é, a modificar a distribuição da renda na-
grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econôriiicó�êorpora­
. cional .
tiva . Mas também é indubitável que os sacrifícios e o compro­
g diferente o caso do sindicalismo teórico, quando se re­
misso não se relacionam com o éssencial, pois se a hegemonia
fere a um grupo subalterno . Através desta teoria ele é impedido
é ético-política: , também é econôrnica; não pode deixar de se
de se tornar dominante, de se desenvolver além da fase econô..,
fundamentar na função decisiva · que o grupo dirigente exerce
�Q .núcleo decisivo da atividade econômica .
1 Cf. a Riforma Sociale. julho-agosto UU8, pág. 415. (N . e . I . )

32 33
o economismo apresenta-se sob muitas outras formas, além
Em várias ocasiões afirmou-se nestas notas! que a filosofia
do liberalismo e do sindicalismo teórico . Pertencem a ele todas
da praxis está muito mais diful!.dida do que se pensa . A afir­
as formas de abstencionismo eleitoral (�xemplo típieo é o abs­
mação é exata desde que se entenda como difundido o econo­
tencionismo dos clericais italianos depois de 1 870, que foi

1
, mismo histórico, que é como o Prof . Loria denomina agora as
atenuando-se a partir de 1900, até 1 9 1 9 e à formação do Parti­
suas concepções mais ou menós desconjuntadas, e que, portanto,
do Popular . A distinção orgânica que os clericais faziam entre
ô ambiente cultural modificou-se completamente desde o tempo
Itália real e Itália legal era uma reprodução da distinção
em 'que a filosofia da praxis iniciou ,a sua luta; poder:.se-ia qizer,
entre . mundo econômico e mundo político-legal) , que são
com terminologia crociana, que 'a maior heresia surgida no seio
muitas desde que se admita o semi-abstencionismo, um quarto,
. da "religião da liberdade" sofreu, também ela, como a religião
etc . Ao abstencionismo está ligada a fórmula do "quanto pior,
ortodoxa, uma degeneração . Difundiu-se como "superstição",
melhor" e também a fórmula da chamada "intransigência" par­
isto é, entrou em combinação com o liberalismo e produziu o
l�mentar de algumas frações de deputados . Nem sempre o
economismo . Embora a religião ortodoxa tenha se estiolado de­
economismo é contrário à ação política e ao partido, político,
finitivamente, é preciso ver se a superstição herética não manteve
.considerado porém um mero organismo educador de tipo sindi­
sempre um fermento que a fará renascer como religião superior,
cal . Ponto de referência para o estudo do cconomismo e para
se as escórias de sUPf?rstição não serão facilmente liquidadas .
compreender as relações entre estrutura é superestruturas é o
trecho da Miséria da Filosofia onde se afirma que um,a fase Alguns pontos c �racterísticos do economismo histórico : 1 )
importante no desenvolvimento de um grupo social é aquela em na busca dos nexos históricos não se distingue aquilo .' que é
que os membros de um sindicato não lutam só pelos seus inte­ "relativamente permanente" daquilo que é flutuação ocasional;
resses econômicos, mas na defesa e pelo desenvolvimento d a entende-se como fato econômico o interesse pessoal ou de um
própria organização.1 Deve-se recordar também a afirmação de, pequeno grupo, num sentido imediato e "sordidamente judaico".
Engels de que a economia só em "última análise" é a mola da Não se leva em conta as formações de classe econômica, coiu
História (nas duas carta� sbbre a filosofia da pr;:txis, publicadas todas as relações inerentes a elas, mas assume-se o interesse mes­
também em italiano) , a qual se liga diretamente ao trecho do quinho e usurário, especialmente quando coincide com formas
prefácio à Crítica da Economia Política, onde se diz que o s delituosas contempladas nos códigos criniinais; 2) a doutrina
homens adquirem consciência dos conflitos que s e verificam n o segundo a qual o desenvolvimento econômico é reduzido à su­
mundo econômico n o terreno das ideologias . cessão de modificações técnicas nos instrumentos de trabalho .
O Prof . Loria fez uma exposição brilhantíssima desta doutrina
aplicada no artigo sobre a influência social do aeroplano, pu­
1 Ver a afirmação exata; a Miséria da Filosofia é um momento , blicado na Rassegna Contemporanea de 1 9 1 2 ; 3 ) a , doutrina
essencial da formação da filosofia da praxis; pode ser considera­ segundo a qual o desenvolvimento econômico e histórico depen,­
da como o desenvolvimento das Teses súbre Feuerbach, enquanto a de imédiatamente das ' mudanças num determinado elemento
Sagrada Família é uma . fase intermediária indistinta e de origem oca­
importante da produção, da descoberta de uma nova matéria­
sional, como dão a enten.der os trechos dedicados a Proudhon e espe­
cialmente ao materialismo francês . O trecho súbre o materialismo fran­ prima, de um novo combustível, etc., . que trazem consigo a
cês é mais um capítulo de história da cultura que uma elaboração teó­ aplicação de novos métodos na construção e no acionamento das
rica, como é geralmente interpretado; e como história da cultura é máquinas . Ultjmamente apareceu toda uma literatura sobre o
admirável . Recordar a observação que a crítica contida na Miséria da
petróleo : pode-se considerar como típico um artigo de Antonio
Filosofia contra Proudhon e a sua interpretação da dialética hegeliana
pode ser válida para Gioberti e para o hegelianismo dos liberais mo­
derados italianos em gerab O paralelo Proudhon-Gioberti, não obstante
1 Veia-se GllAMSCI, Il materialismo storico e la filosofia di B. Croce
eles representarem fase . hist6rico-políticas não homogêneas, mas exata­
( ed .brasileira, A Concepção Dialétjca da Hist6ria, trad . de . Carlos
mente por isto, pode ser interessante e fecundo . N . do' T. )
Nelson Coutinho, Ed . Civilização Brasileira, 1966 ;

34 35
Laviosa publicado na Nuova Antologia de 16 de maio de 1 929. em poucas linhas, uma grande parte dos elementos mais banais
A descoberta de novos combustíveis e de novas energias 11)0- de polêmica contra a filosofla da praxis" mas; na realidade, a
trizes, assim como de novas matérias-primas, tem certamente polêmica é contra o economismo desconjuntado de tipo loríano.
grande importância porque pode modificar a posição dos Além do mais, o escritor não é muito entendido na matéria,
tados, mas não determina o movimento histórico, etc . , incJusive por outros aspectos : ele não compreende que ás "paI­
Muitas vezes acontece que se combate o economismo his­ xões" podem ser simplesmente um sinônimo dos interesses eco­
tórico pensando combater o materialismo histórico . Por exem­ nômico.s e que é difícil sustentar que a atividade política possa
plo, é este o caso de um artigo do A venir de Paris, de I O de ser um estado permanente de exàsperação e de espasmo; exata-
outubro de 1 930 (tr;'lll scrito na Rassegna Settimanale. delÍa , mente a política francesa é apresentada como de uma "rado­
Stampa Estera, de 2 1 de outubro de 1 930, págs . 2303-2304) , nalidade" sistemática e coerente, isto é, depurada ,de todos os
que transcrevemos como típico : "Dizemos há muito tempo, mas elementos passionais, etc .
sobretudo depois da guerra, que as questões de interesse domi­ Na sua forma mais difundida de superstição economista,
nam os povos e fazem o mundo avançar . Foram os marxistas a filosofia da praxis perde uma grande parte da sua expansivi­
que inventaram esta tese, sob o apelativo um pouco doutrinário dade cultural na esfera superior do grupo intelectual, tanto
de "materialismo histórico" . No marxismo puro, os homens quanto adquire entre as massas populares e entre. os intelectuais
tomados · em conjunto não obedecem às paixões, mas às neces­ medianos, que não pretendem cansar o cérebro, mas pretendem
sidades econômicas . A política é uma paixão . A pátria é uma parecer sabidíssimos, etc . Como disse Engels, é cômodo para
paixão . Estas duas exigentes só desempenham na Histó­ muitos acreditar que podem ter a baixo preço e sem nenhum
ria uma função de aparência, porque na realidade a vida dos esforço, ao alcance da mio, tOda a História e todo o saber
povos, n o curso dos séculos, é explicada através de um jogo político e filosófico concentrados em algumas formulazinhas . A
. cambiante e sempre renovado .de causas de ordem material .
ignorância de que a tese segundo a qual os homens adquirem
A economia é tudo . Muitos filósofos e economistas "burgueses"
consciência dos conflitos fundamentais no terreno das ideologias
retomaram este estribilho. assumem certo ar para explicar­ não é de caráter psicológico ou moralista, mas tem um caráter
nos através do curso do trigo, do petróleo ou da borracha, a orgânico gnosiológico, criou a forma mentis de considerar a po­
grande política internacional . Esmeram-se em demonstrar-nos lítica e, portanto, a História, como um contínuo marché de
que toda a diplomacia é comandada por questões de tarifas dupes, um jogo de ilusionismos e de prestidigitação . A ativi­
alfandegárias e de preços de custo . Estas explicações estão dade "crítica" reduziu-se a revelar truques, a suscitar escânda­
muito na moda . Têm uma pequena aparência científica e pro­
los, a tratar das miudezas dos homens representativos .
cedem de uma espécie de ceticismo superior com pretensões a
passar por uma elegância suprema . A paixão em política ex­ Olvidou-se assim que, sendo ou presumindo ser, também
o "economismo" uni cânone objetivo de interpretação ( objetivo­
terna? O sentimento em questões nacionais? Qual o quê? Esta
mercadoria é boa para a gente comum . Os grandes espíritos, científico) , a pesquisa no sentido dos interesses imediatos de­
veria ser válida para todos os aspectos da História, tanto para
os iniciados sabem que tudo é dominado pelo dar e pelo receber.
os homens que representam a "tese" como para aqueles que
Ora, esta é uma p seudoverdade absoluta . :e completamente falso
representam a "antítese" . Ignorou-se ainda outra proposição da
que os povos só se deixam guiar Ror considerações de interesse
e é completamente verdadeiro que eles obedecem sobretudo a filosofia da praxis : aquela segundo a qual as "crenças popula­
consideraçõ.es ditadas por um desejo e por uma fé· ardente de res" ou as crenças do tipo das crenças populares têm a validade
prestígio . Quem não compreende isto não compreende nada." das forças materiais . Os erros de interpretação no sentido das
A continuação do artigo ( intitulado La mania dei prestigio) pesquisas dos interesses "sordidamente judaicos" foram algumas
exemplifica' com a política alemã e italiana, que seria de "pres­ vezes grosseiros e cômicos, de modo a reagir negativamente sobre
tígio", e não ditada por interesses materiais . O artigo engloba, o prestígio da doutrina original . Por isso é necessário combater

36 37

3 ) qual o significado político e social das reivindicações que 0S
o economismo não só na teoria da historiografia, mas também dirigentes apresentam e que logo encontram apoio? a que exi�
e especialmente na teoria e na prática políticas . Neste. campo, gências efetivas correspondem? 4) exame da conformidade dos
a luta pode e deve ser conduzida desenvolvendo o conceito de meios ao fim proposto; 5) só em última análise, e apresentada
hegemonia, da mesma forma como foi conduzida praticamente " sob forma política e não moralista, desenha-se a hipótese de
no desenvolvimento da teoria do partido .político e no desen­ quê tal movimento necess á.p.amente será desnaturado e servirá
volvimento prático da vida de determinados partidos políticos à outros fins que não aqueles que as multidões de seguidores
(a luta contra a teoria dá chamada revolução permanente, à . esperam . Ao contrário, esta hipótese é afirmada preventiva­
qual se contrapunha o conceito de ditadura democrático-revolu­ mente, quando nenhum elemento concreto (que se apresente
cionária, a importância que teve o apoio dado às ideologias cons­ " como tal através da evidência do senso comum, e não graças
tituinte s, etc. ) . Poder-se-ia realizar uma pesquisa sobre as a uma análise "científica" esotérica) existe ainda para sufragá�
opiniões emitidas à medida que se desenvolviam determinados la, de modo que ela se manifesta como uma acusaçãó moralista
movimentos políticos, tomando como tipo o movimento boulan­ de dubiedade e má-fé, ou de falta de sagacidade, de estupidez
gista (de 1 886 a 1 890) , o processo Dreyfus, ou então o golpe (para os seguidores ) . A luta política transforma-se, assim,
de Estado de 2 de dezembro ( uma análise 40 livro clássico numa série de choques pessoais entre os espertalhões, que guar�
sobre o 2 de dezembro, 1 para estudar a importância relativa do dam o diabo na ampola, e os que não são leva�os a sério pelos
fator económico imediato e ° lugar que ocupa ° estudo con­ próprios dirigentes e recusam-se a se convencer em virtude da
creto das "ideologias" ) . Diante destes acontecimentos, o eco­ sua tolice . Além dQ mais, enquanto estes movimentos não
nomismo se pergunta : a quem interessa imediatamente a inicia­ al<;ançarem o poder, pode-se sempre pensar que falirão, e alguns
tiva em questão?, e responde com um raciocínio tão simplista efetivamente faliram ( o próprio boulangismo, que faliu como
quanto paralogístico . Favorece de, imediato a uma determinada tal e posteriormente foi esmagado pelo movimento dreyfusard;
fração do· grupo domínante, e, para não errar, esta escolha recai o movimento de George Valois e o movimento do general
sobre aquela fração que evidentemente tem uma função pro­ Gayda) ; logo, a pesquisa orienta-se no sentido da identificação
gressista e de controle sobre o conjunto das forças económicas. dos elementos de força, mas também dos elementos de fraqueza
se
Pode-se estar seguro de não errar, porque necessariamente, que eles contêm no seu interior: a hipótese "economista" afirma
o movimento analisado chegar ao poder; cedo ou tarde a fração
um elemento imediato de força; isto é, a disponibilidade de uma
ovo
progressista do grupo dominante acabará controlando o n determinada quota financeira direta ou indireta (um grande
governo e o transform ará num instrumento para utilizar o apa­
jornal que apóie o movimento, é também ele uma contribuição
relho estatal em seu benefício . financeira indireta) , e basta . Muito pouco . Também neste caso
Trata-se, portanto, de uma infalibilidade muito grosseira a análise dos diversos graus de relação de fbtças só pode culmi­
que não só não tem significado teórico, mas possui escassíssimo nar n� esfera da hegemonia e das relações ético-políticas .
alcance político e eficácia prática . No geral, só produz prega­ . Um elemento que deve ser acrescentado como exemplifi­
ções moralistas e contendas pessoais intermináveis . Quando se cação das teorias chamadas de intransigência é aquele referente
verifica um movimento boulangista, a análise deveria ser con­ à rígida aversão de princípio aos .chamados compromissos, que
duzida realIsticamente segundo esta linha: 1 ) conteúdo social têm como Il1anifestação subordinada aquela que pode ser inti...
da massa que adere ao movimentp; 2 ) que papel desempenhava tulada . o "medo dos perigos" . E evidente que a aversão de
esta massa no equilíbrio de forças, que vai-se transformando princ{pio aos compromissos e�tá . estreitamente vinculada ao eco­
como o novo movimento demonstra através do seu nascimento? nomismo . Quanto à concepção sobre a qual sé baseia esta
aversão, ela reside indubitavelmente na convicção férrea de que
1 O Dezoito Brumárío de Lui8 Bonaparte, de Marx ( edição brasileira, existem leis objetivas para o desenvolvimento histórico, com o
Editorial Vitória, 1961 Marx· e Engels, Obra8 Escolhidas, 1.0 volume. mesmo caráter das leis naturais, acrescentada da persuasão de
( N . do T . )
39
38

um finalismo fatalista semelhante ao fatalismo religioso . Já Previsão e perspectiva . Outro ponto a ser fixado e desen­
que as . condições . favoráveis fatalmente surgirão e. determinarão, volvido é o da "dupla perspectiva" n a ação política e na vida
de modo um tanto misterioso, acontecimentos revigorantes, não estatal . Vários são os graus através dos quais pode-se apresen­
.só se revelará inútil, mas danosa, qualquer iniciativa voluntária tar a dupla perspectiva, dos mais elementares aos mais com­
tendente a predispor estas situações segundo um plano . Ao
)lexos . Mas eles podem-se reduzir teoricamente a dois graus
lado destas conviCções fa talistas manifesta�se a tendência a con� . fundamentais, correspondentes à natureza dúplice do Centauro
fiar "em seguida", cegamente e sem qualquer critério, na vir· maquiavélico, ferina e humana: da força e do con�ntimento, da
tude reguladora das armas, o que não deixa de ter certa lógica autoridade e da · hegemonia, da violência e da civilidade, do
e coerência, pois acredita�se que a intervenção da vontade é momento individual e do momento universal (da "Igreja" e do
útil para a destruição, não para a reconstrução (já em processo "Estado") , da agitação e da propaganda, da tática e da estra­
no ex ato momento da destruição) . A destruição é concebida tégia, etc . Alguns reduzÍram a teoria da "dupla perspectiva" a
mecanicamente, não como destruição-reconstrução . uma coisa mesquinha e banal, a nada mais que duas formas de
Nestas maneiras de pensar não se leva em conta o fator "imediatismo" a se sucederem mecanicamente no tempo com
"tempo" e, em última análise, a própria "economia" no sentido maior ou menor "proximidade" . Ao contrário, pode ocorrer
de não se compreender que os movimentos ideológicos de mas­ que quanto mais a primeira ·"perspéctiva" é "imediatíssima",
sá estão sempre atrasados em relação aos fenómenos económi­ elementaríssima, tanto mais a segunda deve ser "distante" (não
cos de massa e de que, portanto, em determinados momentos; no tempo, mas como relação dialética) , complexa, elevada .
o impulso automático devido ao fator . económico é afrouxado, Assim como na vida humana, em que quanto mais um indivíduo
travado ou até destruído momentaneamente por elementos ideo­ é obrigado a defender a própria existência física imediata, tanto
mais se coloca ao lado e defende o ponto de vista de tOg08 o s
lógicos tradicionais; e que por isso deve haver luta consciente
complexos e mais elevados valores da civilização e da humani­
e determinada a fim de que se "compreenda" as exigências da
dade .
posição económica de massa que pode estar em contradição com
as diretivas dos chefes tradicionais. Uma iniciativa política apro­ ::e verdade que prever significa apenas ver bem o presente
priada é · sempre necessária para libertar o impulso económico e o passado como movimento : ver bem, isto é, identificar.. com
dos · entraves da política tradicional, para modificar a direção exatidão os elementos fundamentais e permanentes do processo.
política de determinadas forças que devem ser absorvidas para Mas é' absurdo pensar numa previsão puramente "objetlva" . .
criar um bloco histórico económico-político nóvo, homogêneo, Quem prevê, na realidade tem um "programa" que quer ver
sem contradições internas . Já que duas forças "semelhantes" só triunfar, e a previsão é exatamente um elemento de tal triunfo.
podem fundir-se num organismo novo através dé uma série de Isto não significa que a previsão deve ser sempre arbitrária . e
compromissos o u pela força das armas, unindo-se num planá gratuita ou puramente tendenciosa . Ao contrário, pode-se dizer
de aliança, ou subordinando uma a outra pela coerção, a ques­ que só na medida em que o aspecto objetivo da previsão está
tão é saber se existe esta força e se é "proveitoso" empregá-la. ligado a um programa, esse aspecto adqUire objetividade : 1 )
porque só a paixão aguça o intelecto e colabora para a intuição
Se à união de duas forças é necessária para derrotar uma ter­
mais clara; 2) porque sendo a realidade o resultado de uma
ceira, o recurso às armas e à coerção ( desde que haja disponi­
aplicação da vontade humana à sociedade das coisas (do maqui­
bilidade ) é uma pura hipótese de método, e a única possibili­
nista à máquina) , prescindir de todo elemento voluntário, ou
dade concreta é o compromisso, já que a força pode ser em­
calcular apenas a intervenção de vontades outras como ele­
pregada contra os inimigos, não contra uma parte de si mesmos
mento objetivo do jogo geral mutila a própria realidade . Só
que se quer assimilar rapidamente e do qual se requer o entu­ quem deseja fortemente identifica os elementos necessários à
siasmo c a "boa vontade" . realização da sua vontade .

40
4'
Assim, constitui uni éno de fatuidade grosseira e de su­ ser . entencIido em · sentido moralista . Assim, a questão não deve
perficialidade considerar que uma determinada concepção do ser colocada nestes termos, é mais complexa: trata-se de con­
mundo e da vida guarda em si mesma uma superior capacidade siderar se o "dever ser" é un1 ato arbitrário ou necessário, é
de previsão . É claro que uma concepção do mundo está implí­ vontade concreta, ou veleidade, desejo, sonho . O político em
cita em qualquer previsão; portanto, o fato de que ela seja uma ação é um criador, um suscitador; mas não cria do nada, nem
desconexão de atos arbitrários do pensamento ou uma rigorosa se move no vazio túrbido dos seus desejos e sonhos . Baseia-se
e coerente visão não é sem importância . Mas, por isso mesmo, ' na realidade fatuaI . Mas, o · que é · esta realidade fatual? É
ela só adquire essa importância no cérebro vivo de quem faz talvez algo de estático e imóvel, ou não é antes uma rel�ção de
a previsão, vivificando-a com a sua vontade forte . Isto pode forças em contf.nuo movimento e muqança de equilíbrio? Apli­
ser percebido através das previsões feitas pelos "desapaixona­ car a vontade à criação de um novo eqUiliõrio das fó�ças real­
dos" : elas estão plenas de "ociosidade", de minúcias sutis, de ment� existentes e atuantes, baseando-se numa determinada
elegâncias conjeturais . S6 a existência no "previsor" de um força que se considera progressista, fortalecendo-a para levá-la
programa a ser realizado faz com que ele atenha-se ao essencial, ao ..triunfo, é sempre mover-se no terr.eno da realidade fatual,
aos elementos que, sendo "organizáveis", suscetíveis de serem mas para dominá-la e superá-la ( ou contribuir para isso) .
dirigidos ou desviados, são os únicos que, na realidade, podem Portanto, o "deyer ser" é concreção; mais ainda, é a única ino:.
ser previstos . Geralmente se acredita que cada ato de previsão terpretação realista e historicista da realidade, é hist6ria em ação
pressupõe a determinação de leis de regularidade do tipo das e filosofia em ação, é unicamente política .
leis que regulam as ciências naturais. Mas como estas leis não A oposição Savonarola-Maquiavel não é a oposição entre
existem no sentido absoluto ou mecânico que se supõe, não se ser e dever ser (todo o parágrafo de Russo sobre éste ponto
levam em conta as vontades outras e não se "prevê" a sua aplica­ é puro beletrismo ) . mas entre dois "dever ser" : o abstrato e
ção . Logo, edifica-se sobre uma hip6tese arbitrária, e não sobre obscuro de Savonarola e o realista de Maquiavel, realismo, mes­
a realidade . Dio não tendo se tomado realidade imediata, pois não se pode
O "excessivo" (e portanto superficial e mecânico) realismo
.

pretender que um indivíduo ou um livro modifiquem a reali­


político leva muitas vezes à afirmação de que o homem de qade; eleS s6 a interpretam e indicam a linha possível da �ção.
Estado só deve atuar no âmbito da "realidade fatual", não se O limite e a estreiteza de Maquiavel consistem apenas no fato
interessar com o '\de.ver ser", mas apenas com o "ser" . Isto de ter sido éle uma "pessoa privacJa", um escritor. e não o
significaria que as '''Perspectivas de um estadista não podem ir
chefe de um Estado ou de' um exército, que também é apenas
além do tamanho · do seu nariz . Este erro levou Paolo Treves
uma pessoa, mas tendo à sua disposição as forças de . um Esta­
a considerar Guicciardini, e não Maquiavel, o "verdadeiro po­
do ou de um exército, e não somente exércitos de · palavras .
lítico" .
Nem por isso se pode dizer que Maquiavel tenha sido um
· Mais do que entre "diplomata" e "político", é necessário
"profeta desarmado ": seria um gracejo muito barato . Maquia­
distinguir entre cientista da política e político . prático. O diplo­
vel jamais diz que pens� ou se propõe de mesmo a mudar a
mata não pode deixai de se mover s6 na realidade fatuaI, pois
realidade ; o que faz é mostrar concretamente como deveriam
a sua atividade específica não é a de criar novos equilíbrios,
atuar as fOrças hist6ricas para se tomarem eficientes .
más a de conservar dentro de determinados quadros jurídicos
um equilíbrio existente . Assim, também o cientista deve mo­
ver-se apenas na realidade fatuaI como mero cientista . Mas
Maquiavel não é um mero cientista; ele é um homem de parti­
cipação, de paixões poderosas, um político prático, que pre­
tende criar novas relações de força e que por isso mesmo não Análises das situações . Relações de força . O estudo, sobre
pode deixar de se ocupar com o "dever ser", que não deve como se deve analisar as "situações", isto é, de como se devem

42
,43

"1·.
.'
os diversos graus de relação de forças, pode-se pres­ a revolução italiana tecnicamente impossível! ) . A partir desta
tar a uma exposição elementar sobre ciência e arte políticas, série de fatos, pode-se chegar à conclusão de que, freqüente­
entendidas como um conjunto de cânones práticos de pesquisa mente, o chamado "partido estrangeiro" não é propriamente
e de observações particulares úteis' para despertar o interesse aquele que vulgarmente é apontado como tal, mas exatamente
pela realidade fatual e suscitar intuições políticas mais rigorosas o' partido nacionalista, que, na realidade; mais do que repre­
e vigorosas . Ao mesmo tempo, é preciso expor o que se deve sentar as forças vitais do seu país, representa a sua subordina.;.
entender em polítiça por estratégia e tática, por "plano" estra­ ção e a servidão econômica às nações ou a um grupo de nações
tégico, por propaganda e agitação, por organização, ou ciência hegemónicas.1
da organização e da administração em política .
É o problema das relações entre estrutura e superestrutura
Os elementos de observação empírica que comumente são
apresentados desordenadamente nos tratados de ciência política que deve ser situado com exatidão e resolvido para assim se
(pode-se tomar como exemplar a obra de G . Mosca, Elementi chegar a uma justa análise das forças que atuam na história
de um determinado período e à definição da relação entre elas.
di scienza politica) deveriam, na medida em que não são ques­
É necessário movimentar-se no âmbito de dois princípios : 1 )
tões abstratas ou apanhadas ao acaso, situar-se nos vários graus
da relação de forças, a começar pela relação das forças interna­ o de que nenhuma sociedade assume encargos para cuja soluo:­
cionais ( em que se localizariam as notas escritas sobre o que ção ainda não existam as condiçÕes necessárias e suficientes, ou
é uma grande potência, sóbre os agrupamentos de Estados em que pelo menos não estejam em vias de aparecer e se desenvol­
sistemas hegemónicos e, por conseguinte, sobre o conceito de ver; 2) o de que nenhuma sociedade se dissolve e pode ser
independência e soberania no que se refere às pequenas e mé­ substituída antes de desenvolver e completar todas as formas
dias potências1 ) , passando em seguida às relações sociais obje­ de vida implícitas nas suas relações.2 Da reflexão sobre estes
tivas, ao grau de desenvolvimento das forças produtivas, às re­ dois cânones pode-se chegar ao desenvolvimento de tod a · uma
lações de força política e de partido ( sistemas hegemônicos série de outros princípios de metodologia histórica . Todavia,
dentro do Estado) e às relações políticas imediatas (ou seja, deve-se distinguir no estudo de uma estrutura os movimentos
potencialmente militares) . orgânicos (relativamente, permanentes) dos elementos que. po­
As relações internacionais precedem ou seguem (1ogica� deni ser denominados "de conjuntura" ( que se apresentam como
mente) as relações sociais fundamentais? Seguem, é indubitável. ocasionais, imediatos, quase acidentais ) . Também os fenóme�
Toda inovação orgânica na estrutura modifica organicamente as nos de conjuntura dependem, é claro, de movimentos orgânicos,
relações ab$olutas e relativas no campo internacional, através mas seu significado não tem um amplo alcance histórico : eles
das suas expressões técnico-militares . Inclusive a posição geo­ dão lugar a uma crítica política miúda, do dia�a-dia, que investe
gráfica de um Estado não precede, mas segue ( logicamente) as
inovações estruturais, mesmo reagindo sobre elas numa certa· 1 Uma referência a este elemento internacional "repressivo" das ener­
medida (exatamente na medida em que as superestruturas rea­ gias internas jode ser encontrada nos' artigos publicados por G. VOLPE
gem sobre a estrutura, a política sobre a economia, etc. ) . Além no C!orriere d(}lla Seta de 22 e . 23 de março de 1932 .
do mais, as relações internacionais reagem positiva e ativamente 2 "Uma fonnação social não perece antes de se terem desenvolvido
todas as fórças produtivas em relação às quais ela ainda é suficiente
sobre as relações políticas tde hegemonia dos partid.Q s) . Quan­ e novas e mais altas relações de . produção não tenham tomado o seu
to mais a vida económica imediata de uma nação se subordina lugar, antés de as condições materiaiS de existência destas últimas não
às relações internacionais, mais um partido determinado repre:" terem sido incubadas no próprio seio da .velha sociedade. Por isto, a
senta esta situação e explora-a para impedir o predomínio dos humanidade assume sempre aqueles encargos que ela pode resolver;
se se observa com mais agudeza, chegar-se-á sempre à conclusão de
partidos adversários (veja-se o famoso discurso de Nitti sobre que o próprio encargo só surge onde as condições materiais para a
sua solução já existem, ou pelo menos estão em processo de surgimento".
1 Ver págs . 138. 162 e seguintes . ( MARX, Introdução à Critica da Economia Política . )

44 45

r
r
os pequenos grupos dirigentes e as personalidades imediata­ àquelas em que se verifica uma estaguação das forças produtl­
mente responsáveis pelo poder . Os fenômenos orgânicos dão vas . O nexo dialético entre as duas ordens de movimento e,
margem à crítica histórico-social, que investe os grandes agru­ portanto, de pesquisa, diftcilmente pode ser estabelecido exa­
pamentos, acima das pessoas imediatamente responsáveis e aci­ tamente; e, se o erro é grave no que se refere à historiografia,
ma do pessoal dirigente . A importância dessa grande diferen­ # �ais grave aindá se torna na arte política, quando se trata não
ciação surge quando se estuda ' um período histórico . Verifica­ de . reconstruir a história passada, mas de construir a história
se uma crise que, às vezes, prolonga-se por dezenas de anos . p:tesente e futura.1 Os próprios desejos e paixões deteriorantes
Esta duração excepcional quer dizer que se revelaram ( amadu­ e imediatos constituem a causa ' do "erro na medida em que
receram) contradições insanáveis na estrutura e que as forças substituem a análise objetiva e imparcial . E isto se verifica não
políticas que atuam positivamente para conservar e defender a como "meio" consciente para estimular à ação, mas como auto­
própria estrutura esforçam-se para saná-las dentro de certos engano . Também neste caso a cobra morde o charlatão: o de­
limites e superá-las . Estes esforços incessantes e perseverantes magogo .é à primeira vítima da sua demagogi a .
(pois nenhuma forma social jamais confessará que foi supera­ Estes critérios metodológicos podem adquirir visível e di­
da) formam o terreno "ocasional" sobre o qual se organizam as daticamente todo o seu siguificado quando aplicados ao exame
forças antagonistas, que tendem a demonstrar ( demonstração de fatos históricos concretos . O que se poderia fazer com utili­
que, em última análise, só se realiza e é "verdadeira" quando dade em relação aos acontecimentos ' que se verificaram n a
se torna nova realidade, quando as forças antagonistas triunfam; França d e 1789 a 1 870. Parece-me que para- maior clareza 'da
mas imediatamente desenvolve-se uma série de polêmicas ideo­ exposição . seja necessário abranger todo este período . Efetiva­
lógicas, religiosas, filosóficas, políticas, jurídicas, etc., cuja con­ mente, só em 1 870- 1 87 1, com a tentativa da Comuna, esgotam­
creção pode ser avaliada pela medida em que conseguem con­ se historicamente todos os germes' nascidos em 1789 . Não só
vencer e deslocam o preexistente disposit,ivo de' forças sociais) a nova classe que luta pelo poder derrota os representantes da
que já existem as condições necessárias e suficientes para que velha sociédade que não quer confessar-se definitivamente su­
determinados encargos possam e, por conseguinte, devam ser perada, mas derrota também os grupos novíssimos que acredi­
resolvidos historicamente, Ce . devem, porque qualquer vacila­ J tam já ultrapassada a nova estrutura surgida da transformação
ção em cumprir o dever histórico aumenta a desordem necessá­ inidada em · 1 789 . Assim, ela demonstra a sua vitalidade tanto
ria e prepara catástrofes mais graves) . em relação ao velho como em relação ao novíssimo . Além do
Nas análises histórico-políticas, freqüentemente incorre-se
no erro de não saber encontrar a justa relação entre o que é 1 O fato de não se ter considerado o momento imediato das "relações
orgânico e o que é ocasional . Assim, ou se apresentam como de força" estA ligado a r()síduos da concepção liberal vulgar, da qual
imediatamente atuantes causas que, ao contrário, atuam media­ o sindicalismo é uma manifestação que acreditava ser mais avançada
quando, ria realidade, representava um passo atrás . Efetivament�, a
tamente, ou se afirma que as causas imediatas são as únicas (Xjncepção liberal vulgar, dando importância à relação das forças polí­
causas eficientes . Num caso, manifesta-se o exagero de "eco­ ticas : organizadas nas diversas formas de partido ( leitores de jornais,
nomismo" ori de doutrinarismo pedantesco; no outro, o excesso eleições parlamentares e locais, . organizações de massa dos partidos e
de "ideologismo" . Num caso, superestimam-se as causas mecâ­ dos sindicatos num sentido estrito ) , era mais avançada do que o sin­
dicalismo, que dava importância primordial à relação fundamental eco­
nicas; no outro, exalta-se ' o elemento voluntarista e individual. nômico-sociaI, � 56 a ela . A concepção liberal vulgar também levava
A distinção entre "movimentos" e fatos orgânicos e movimentos em conta implicitamente esta relação ( como transparece através de
e fatos de "conjuntura" ou ocasionais deve ser aplicada a todos muitos- sinajs ) , mas insistia prioritariamente sobre a relação das fórças
políticas, que era uma expressão da outra e, na realidade, englobava-a.
os tipos de situação: não s6 àquelas em que se verifica um
P' Estes resíduos da concepção liberal vulgar podem ser encontrados em
processo regressivo ou de crise aguda, mas àquelas em que se toda uma série de traballios que se dizem ligados à filosofia da praxis
verifica um desenvolvimento progressista ou de pro�peridade e e deram lugar a fonnas infantis de otimismo e a asneiras.

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mais, em virtude dos acontecimentos de 1 870-1871, perde efi­ Um aspecto do mesmo problema é a chamada questão das
cácia o conjunto de princípios de estratégia e tática política nas­ relações de fórça . Lê-se com freqüência nas narrações hist6'·
cidos praticamente em 1789 e desenvolvidos ideologicamente ricas a expressão : "relações de forças favoráveis, desfavoráveis
em torno de 1 84 8 ( aqueles que se sintetizam na fórmula d a a esta ou aquela tendência." Assim, abstratamente, esta f.ormu­
"revolução permanente".l Seria interessante estudar o s elemen­ lação não explica nada ou quase nada, pois o que se faz é
tos desta fórmula que se manifestaram na estratégia maziniana ,repetir .o fato que se deve explicar, apresentando-o uma vez
- por exemplo, a insurreição de 1 85 3 em Milão - e se isto como fato e outra como lei abstrata e como explicação . P.or­
ocorreu conscientemenle) . . Um elemento que demonstra a jus­ tanto, o erro teóric.o consiste em apresentar um elemento de
teza deste ponto de vista é o fato · de que os historiadores de pesquisa e de interpretação como "causa . histórica" . ,
modo nenhum concordam é impossível que concordem) ao Na "relação de fbrça" é necessário distinguir diversos mo­
fixar os limites daquela de acontecimentos que constitui a ment.os .ou graus, que no fundamental sã.o estes :
Revolução Francesa . Para alguns ( Salvemini, por exemplo) , a 1 ) Uma relação de forças sociais estreitamente ligada à
Revolução se completa em Valmy: a França criou o novo estrutura, objetiva, independente da vontade dos homens, que
Estado e soube organizar a força político-militar que o sustenta p.ode ser medida com os sistemas das ciências exatas ou físicas.
e defende a sua soberania territorial . Para outros, a Revolução A base do grau de desenvolvimento das forças materiais de
continua até TermidQr; mais ainda, eles falam de muitas revo­ produção estruturam-se os agrupamentos sociais, cada um dos
luções (o 10 de agosto seria uma revolução em si, etc. ) .2 A quais representa uma funçã.o e ocupa uma posição determinada
maneira de interpretar Termidor e a obra de Napoleão apre­ na pr.odução . Esta relação é a que é, uma realidade rebelde :
senta as mais agudas contradições : trata-se de revolução ou ninguém pode modificar .o númer.o das fazendas e dos seus
de contra-revolução? Para outros, a Revolução continua até agregados, o número das cidades com as suas populações de­
1 830, 1 848, 1 870 e inclusive até a guerra mundial de ' 19 1 4 . terminadas, etc . Este dispositivo fundamental permite verificar
Em todas e�tas maneiras de ver há uma parte d e verdade . se na sociedade existem as condições necessárias e suficientes
Realmente, as contradições internas da estrutura francesa, que para a sua transformação ; permite control,,; .o grau de realismo
se desenvolvem depois de 1 789, só encontram uma relativa com­ e de viabilidade das diversas ideologias que ela gerou durante
posição com a Terceira República . E a França goza sessenta .o seu curso .
anos de vida política equilibrada depois de oitenta anos de trans­ i) . O momento seguinte é a relação das forças políticas :
formações em ondas cada vez maiores : 1 789, 1 794, 1 799, 1 804, a avaliação do grau de homogeneidade, de autdconsciência e
1 8 1 5, 1 830, 1848, 1 870 . É exatamente o estudo dessas "ondas" de organização alcançado pelos vários grupos sociais . Por sua
de diferentes oscilações que permite reconstruir as relações en� vez, este m.omento pode ser analisado e diferencÍàdo em vários
graus, que correspondem aos diversos moment.os da consciência
tre estrutura e superstruturas, de um lado, e, de outro, as · relações
política coletiva, da forma como se manifestaram na História
entre o curso do movimento orgânico e o curso do movimento
até agora . O primeiro e mais elementar é o econÔmico-corpow
de conjuntura d a estrutura . Assim, pode-se dizer que a medi­
ção dialética entre os dois princípios metodológicos enunciados rativo : um comerciante sente ,que deve: ser solidário com outro
c.omerciante, etc., mas o comerciante não se sente aindà solidá­
no início desta nota localiza-se na fórmula político-histórica da
rio . com o fabricante . Assim, seme-se a unidade homogênea do
revolução permanente .
grupo profissional e o dever de organizá'-la, mas não ainda a
unidade do grupo social mais amplo . Um segunda momento é
1 Gramsci usa o termo revolução permanente para indicar a aquele em que se adquire a consciência dã solidariédade dé in�
tação errada de Trotski ( uma transformação politica levada a cabo por
uma minoria sem o apoio das grandes massas) à f6rmula de Karl Marx. terésses entre todos os membros do grupo social, mas ainda no
Por isso o autor a coloca entre aspas . ( N . e I . ) campo meramente e conômíõo . Neste momento já se coloca a
2 Cf. La Révolution française de A . MATHIEz, na coleção A. Colin. questão do Estado, mas apenas visando a alcançar uma . igual-

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dade politico-jurídica com os grupos dominantes : reivindica-se cretas . Uma ideologia nascida num país desenvolvido difunde­
o direito de participar da legislação e da administração e, talvez, se em países menos desenvolvidos, incindindo no jogo local das
de modificá-las, reformá-las, mas nos quadros fundamentais já combinações. 1
existentes . Um terceiro momento é aquele em que se adquire Esta relação entre forças internacionais e forças nacionais
a consciência de que os próprios interesses corporativos, no seu ainda é complicada pela existência, no interior de cada E�tado,
desenvolvimento atual e futuro, superam o círculo corporativo, de diversas seções territoriais com estruturas diferentes e dife­
de grupo. meramente econômico, e podem e devem tornar-se os rentes relações de força em todos os gqms (a Vandéia era alia­
interesses de outros grupos subordinados . Esta é a fase mais da das forças reacionárias internacionais e representava-as no
abertamente politica, que assinala a passagem nítida da estru� seio da unidade · territorial francesa; Lião, na Revolução Fran­
tura para a esfera das superestruturas complexas; é a fase em cesa, representava um nó particular de relações, etc.) .
que as ideologias germinadas anteriormente se transformam em 3 ) O terceiro momento é o da relação das forças militares,
" partido", entram em choque e lutam até que uma delas, ou imediatamente deéisiva em determinados instantes . ( O desen­
oelo menos uma combinação delas, tende a prevalecer, a se volvimento histórico oscila continuamente entre o primeiro e o
impor, a se irradiar em toda a área social, determinando, além terceiro momento, com a mediação do segundo) . Mas esse
da unicidade dos fins econômicos e politicas, também a uni­ momento não é algo indistinto e que possa ser identificado ime­
dade intelectual e moral . Coloca todas as questões em tornó das diatamente de forma esquemática . Também nele podem-se
quais se acende a luta não num plano .corporativo, mas num distinguir dois graus : o militar, num sentido estrito ou
plano "universal", criando, assim, a hegemonia de um grupo técnico-militar, e o grau que pode ser denominado de politico­
social fundamental sóbre lJ.ma série de grupos subordinados . O militar . No curso da História estes dois graus se apresen­
Estado é concebido como organismo próprio de um grupo, des­ taram com uma grande variedade de combinações . Um exem­
tinado a criar as condições favoráveis à expansão máxima des­ pIo ' típico; que pode servir como demonstração-limite, é o d a
se grupo . Mas este des.envolvimento e esta expansão são con­ relação d e opressão militar de um Estado sobre uma nação que
cebidos e apresentados como a força motriz de uma expansão procura I4lcançar a sua independência estatal . A relação não
universal, de um desenvolvimento de todas as energias "nacio­ é puramente militar, mas político-militar . Efetivamente, tal tipo
aais" . O grupo dominante coordena-se concretamente com os de opressão séria inexplicável se não existisse o estado de de­
interesses gerais dos grupos subordinados, e a vida estatal é sagregação sbcial do povo oprimido e a passividade da sua
conCebida como uma contínua formação e superação de equili­ maioria . Portanto, a independência não poderá ser alcançàda
brios instáveis (no âmbito da lei) entre os interesses do grupo apenas com fórças puramente militares, mas com forças milita­
fundamental e os interesses dos grupos subordinados; equilibrios res e pólitico-militares . Se a nação oprimidá, para iniciar a
em . que os interesses do grupo dominante prevalecem até um .luta da independência, tivesse de esperar a permissão do Esta-
determinado ponto, excluindo o interesse .econômico-corpora-
tivo estreito . 1 A religião, por exemplo, sempre foi uma fonte dessas combinações
Na história real estes momentos se conf�.lIidem reCiprOCa,. ideol6gico-políticas nacionais e internacionais; e, com a religião, as, ou­
mente, por assim dizer horizontal e verticalmente, segundo as
tras formações internacionais: a maçonaria, o Rotary Clube, os judeus,
a diplomacia de carreira, que sugerem expedientes políticos de origem
atividades econômicas sociais (horizontais) e segundo; os terri­ hist6rica diferente e levam-nas a triunfar em determinados países, fun­
tórios ( vertica.is ) , combinando-se e dividindo-se alternadamen­ cionando como partido político internacional que atua em cada nação
te . Cada uma destas combiIÍações pode ser representada por com todas as suas fórças internacionais concentradas . Uma religião, a
uma expressão orgânica própria, económica e politica . Tam­ maçonaria, os judeus, Rotary, etc . , podem ser incluídos na categoria
social dos "intelectuais", cuja função, em escala internacional, é a de
bém é necessário levar em conta que, com estas relações inter­ mediar os extremqs, "socializar" as inovações técnicas que permitem o
nas de um Estado-Nação, entrelaçam-se as relações internacio­ funcionamento de' toda atividade de direção, de excogitar compromissos
nais, criando novlis combinações originais e historicamente con- e saídas entre soluções extremas.

50 51

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do dominante para organizar o seu exército no sentido estrito rupturas do equilíbrio social, afirma que, por volta de 1 789, a
e técnico da palavra, deveria aguardar bastante .tel!1Po (pode situação económica era mais do que boa, pelo que não se pode
ocorrer que a reivindicação seja concedida pela nação dominan­ dizer que a catástrofe do Estado absoluto tenha sido motivada
te, ma,s isto significa que uma grande parte da luta já foi tra� por uma crise de empobrecimento . Deve-se observar que o
vada e vencida no terreno político-militar) . Logo, a nação . ES.tado estava às voltas com uma crise financeira mortal e devia
oprimida oporá inicialmente à força militar hegemónica uma .optar sobre qual das três ordens sociais privilegiada,s deveriam
força que é apenas "político-milüar" ; isto é, oporá uma forma , rec.air QS sacrifídos e o peso destinados a reordenar as finanças
de ação política com a virtude de determinar reflexos de cará� estatais e reais . Além do mais, se a posição económica da bur�
ter militar no sentido de que : 1 ) seja capaz de desagregar inti­ guesia era próspera, certamente não era boa a situação das clas­
mamente a eficiência bélica da nação dominante; 2) obrigue à ses populares das cidades e do campo, especialmente estas, ator­
força militar dominante a diluir-se e dispersar-se num grande mentadas pela miséria endêmica . De qualquer modo, a ruptura
território, anulando gra�de parte da sua eficiência bélica . No do eguilíbrio entre as forças não se verificou em virtude de
Risorg,imento italiano pode-se notar a ausência de�astrosa de causas mecânicas imediatas de empobrecimento do grupo social
uma direção político-militar, especialmente no Partido da Ação interessado em romper o equilíbrio, e que de fato rompeu; mas
(por incapacidade congênita ) , mas também no partido piemon­ verificou-se no quadro de conflitos acima do mundo económico
tês-moderado, tanto antes como depois de 1 848 . Isto ocorreu imediato, ligados ao "prestígio" de classe (interesses económicos
não por incapacidade, mas por "malthusianismo económico-' futuros ) , a uma exasperação do sentimento de independência,
político", porque não se pret�ndeu nem ao menos acenar com de autonomia e de poder . A questão particular do mal-estar ou
a possibilidade de uma reforma agrária e porque ,não se queria do bem-estar económico como causa de novas realidades his-:
a convocação de uma assembléia nacional constituinte . Só se tóricas é um aspecto parcial da questão das relações de força
queria que a monarquia piemonfesa, sem condições ou limitações nos seus vários graus . Podem-se verificar novidades, tanto por­
de origem popular, se estendesse a t04a a Itália com a simples que uma situação de bem-estar é ameaçada pelo egoísmo mes­
sanção de plebiscitos regionais . quinho de ,um grupo adversário, como porque o mal-estar se
Outra questão ligada às precedentes é a de se ver se as tornou intolerável e não se percebe na velha sociedade nenhuma
crises históricas fundamentais são determinadas imediatamente força que seja capaz de minorá-lo' e de restabelecer a normali­
pelas crises económicas . A resposta à questão está imphcita� dade através de medidas legais . Portanto, pode-se dizer que
mente contida nos parágrafos anteriores, onde as questões tra­ todos estes elementos são , a manifestação concreta das flutua­
tadas constituem outro modo de apresentar o problema ao qual ções de conjuntura do conjunto das relações sociais de força,
nos referimos agora . Todávia é sempre necessário, por motivos sobre cujo terreno verifica-se a passagem destas relações para
didáticos devidos ao ' público particular, examinar cada modo relações políticas de força, culminando na relação militar de­
sob o ' qual se apresenta uma mesma questão, como se fosse cisiva .-
um problema independente e novo . Inicialmente, pode�sé excluir Interrompendo-se este processo de desenvolvimento de um
que, 'de per si, as crises económicas imediatas produz�m acon­ momento para outro, e ele é essencialmente um processo que
tecimentos fundamentais; apenas podem criar um terreno . favo­ tem como atores os homens e a vontade e a capacidade nos
rável à difusão de determinadas maneiras de pensar, de formu­ homens, a situação mantém�se inerte, podendo dar lugar a con­
lar e resolver as questões que envolvem todo o curso ulterior clusões contraditórias : a velha sociedade resiste e assegura um
da vida estatal . De resto, todas as afirmações referentes a perío­ período _ de "alívio", exterminando fisicamente á élite adversá­
dos de crise ou de prosperidade podem dar margem a juízos ria e aterrorizando as massas de reserva; ou então verifica-se a
unilaterais . No seu compêndio de História da Revolução Fran­ destruição recíproca das forças em luta com a instauração da
cesa, Mathiez, opondo-se à história vulgar tradicional, que aprio­ paz dos cemitérios, talvez sob a vigilância de um sentinela es�
nsticamente "acha" uma crise para coincidr , com as grandes trangeiro .

52 53
parlamentar, organização jornalística)- refletem-se em todo o
Mas a observação mais importante a ser feita a propósito organismo estatal, reforçando a posição relativa do poder da
de qualquer análise concreta das relações de força, é esta: tais burocracia (civil e militar) , da alta finança, da Igreja e em
análises não se encerram em si . mesrp.as (a menos que não se geral de todos os organismos relativamente independentes das
escreva um capítúlo da história do passado ) , mas só ' adquirem . flutuações da opinião pública? O processo é diferente em cada
um significado se servem para justificar unia atividade prática,
p aís, embora o conteúdo seja o mesmo. E o conteúdo é a
uma iniciativa de vontade . Elas indicam quais . são os pontos crise de hegemonia da classe dirigente, que ocorre ou porque a
débeis de resistência onde a força da vontade pode ser aplicada classe dirigente faliu em determinado grande empreendimento
mais frutiferamente, sugerem as operações táticas imediatas,
político pelo qual .pediu ou impôs pela força o consentimento
indicam a melhor maneira de empreender uma campanha de
das grandes massas (como a guerra) , ou porque amplas mas­
agitação política, a linguagem que será melhor compreendida
sas (especialmente de camponeses e de pequenos burgueses in­
pelas multidões, etc . O elemento decisivo de cada situação é a
telectuais ) passaram de repente da passividade política a cer­
força permanente organizada e antecipadamente predisposta,
ta atividade e apresentaram reivindicações que, no seu com­
que se pode fazer avançar quando se manifestar uma· situação
plexo desorganizado, constituem uma revolução. Fala-se de "cri­
. favorável (e só � favorável na medida em que esta força exista
se de autoridade", mas, na realidade, o que se verifica é a
e esteja carregada de ardor combativo) . Por isso, a tarefa essen­
crise de hegemonia, ou crise do Estado no seu conjunto.
cial consiste em cuidar sistemática e pacientemente da forma­
ção, do desenvolvimento, da unidade compacta e consciente de . A crise cria situações imediatas perigosas, pois as diver­
si mesma, desta fórça . Comprova-se isto na história militar e sas camadas da população não possuem a mesma capacidade
no cuidado com que, sempre, os exércitos mostraram-se predis­ de orientar-se rapidamente e de se reorganizar com o mesmo
postos a iniciar uma guerra em qualquer momento . Os grandes ritmo. A classe dirigente tradicional, que tem um numeroso
Estados eram grandes Estados exatamente porque sempre esta­ pessoal preparado, muda homens e programas e retoma o
vam preparados para se inserir eficazmente nas conjunturas in­ controle que lhe fugia, com uma rapidez maior do que a que
ternacionais favoráveis, e. o eram porque havia a possibilidade se verifica entre as classes subalternas. Talvez faça sacrifícios,
concreta de inserirem-se eficazmente nelas . exponha-se a um futuro sombrio com promessas demagógicas,
mas mantém o poder, reforça-o momentaneamente e serve-se
dele para esmagar o adversário e desbaratar os seus dirigentes, ·
Observações sobre alguns aspectos da estrutura dos par­ que não podem ser muitos, e adequadamente preparados . A
tidos políticos nos períodos de crise orgânica. Num determi­ uriificação das tropas de muitos · partidos sob a bandeira de um
nado momento da sua vidá histórica, os grupos sociais se afas-,. partido único, que representa melhor e encarna as necessidades
lain · dos seus partidos tradicionais, isto é, os partidos tradi-:­ de toda a classe, é um fenômeno orgânico e normal, mesmo se
cionais com. uma determinada forma de organização, com de­ o seu ritmo fór muito rápido e fulminante em relação aos tem­
terminados homens que os constituem, representam e dirigem, pos tranqüilos : representa a fusão de todo um grupo social sob
sua
não s ão mais reconheci5ios como expressão própria da uma só direção, considerada a única capaz de resolver um pro­
classe ou fração de classe. Quando se verificam estas crises, blema existencial dominànte e afastar um perigo mortal. Quan­
o do a crise não encontra esta solução orgânica, mas a solução
a situação imediata torna-se delicada e perigosa, pois abre-se
e de podêres ocultos, re­ do chefe carismático, isto significa que existe um equilíbrio
campo às soluções de fOrça, à atividad
estático (cujos fatores podem ser despropositados, mas nos
presentados '; pelos homens providenciais ou carismáticos.
quais prevalece a imaturidade das forças progressistas ) ; signi­
Como se formam estas situações de contraste entre "re­
fica que nenhum grupo , nem o conservador nem o progressisw
presentadqs e representantes", que do terreno dos partidos (or­
ganizações d� partido num sentido estrito. campo eleitoral-
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54

t
ta, di�põe da força para vencer e que também o grupo conser­ cito, de não fazê-lo sair da constitucionalidade, de não levar
vador tem necessidade de um patrão 1• a política aos quartéis, como se diz, para manter a homoge­
Esta ordem de fenômenos está ligada a uma das ques­ neidade entre oficiais e soldados num terreno de aparente neu­
tões mais importantes, concernentes ao partido político ; isto tralidade e superioridade sobre as facções; porém, é o exércí�
é, à capacidade de reação do partido contra o espírito consue­ to, isto é, o Estado-Maior e a oficialidade, quem determina a
tudinário, contra as tendências . mumificadoras e anacronísticas. nova situação e a domina . Por outro lado, não é verdade que
Os partidos nascem e se constituem em organizações para di­ , o exército, segundo as Constituições, jamais deve fazer políti­
rigir a situação em momentos historicamente vitais para . as suas ca; o exército deveria exatamente defender a Constituição, a
classes; mas nem sempre eles sabem adaptar-se às novas tare­ forma legal do Estado e · as instituições conexas; por isso, a
fas e às novas épocas, nem sempre sabem desenvolver-se de chamada neutralidade siguifica apenas apoio à parte retrógra­
a.córdo com o desenvolvimento d o conjunto das relações de da. Em tais situações, torna-se necessário colocar a questão
força (portanto, a posição relativa das classes que represen­ dessa maneira para impedir que se reproduza no exército a
tam) no país a que pertencem ou no campo internacional. Ao divisão do país, e que desapareça, através. da desagregação do
analisar-se o desenvolvimento dos partidos é necessário dis­ instrumento militar, o poder determinante do Estado-Maior. Na
tinguir : o grupo social, a massa p artidária, a burocracia e o verdade, todos estes elementos de observação não são abso­
Estado-Maior do partido. A burocracia é a força consuetudi­ lutos; o seu peso é muito diferente nos diversos momentos · his­
nária e conservadora mais perigosa; se ela chega a constituir tóricos e nos vários países.
um corpo solidário, voltado para si e independente da massa,
A primeira indagação que se deve fazer é esta : existe num
o partido acaba se tornando anacrônico; e nos momentos de
determinado país uma camada social ampla para a qual a car�
crise aguda é esvaziado do seu conteúdo social e permanece
reira burocrática, civil e militar, constitui um elemento muito
como que solto no ar. Veja":se o que está ocorrendo. com uma
importante de vida económica e afirmação política (participa­
série de partidos alemães, em virtude da expansão do hitleris­
ção efetiva no poder, mesmo indiretamente, pela "chantagem") ?
mo . O s . partidos fr-anceses constituem um terreno rico para tais
Na Europa moderna esta camada pode ser localizada n a pe­
investigações : estão todos mumificados e são anacrónicos ; não
quena e . média burguesia rural, que é mais ou menos nume­
passam de documentos históricos-políticos das diversas fases da
rosa nos diversos países . de acordo com o desenvolvhnento das
história passada francesa, da qual repetem a terminologia en­
forças industriais, de um lado, e da reforma agrária, de outró:
velhecida; a sua crise pode-se tornar mais catastrófica do que
:r:l. claro que a carreira burocrática ( civil e militar) não é . um
a dos partidos alemães.
monopólio destá camada social: todavia, ela lhe ' é particular­
Ao examinar-se esta . ordem de acontecimentos, é comum
mente apta em virtude da função social que esta camada rea­
deixar de colocar no seu devido lugar o elemento burocrático,
liza e das tendências psicológicas que a função determina ou
civil e militar; e também não se leva em conta que em tais
favorece. Estes dois elementos dão ao conjunto do grupo so­
análises não devem entrar apenas os elementos militares e bu­
cial certa homogeneidade e energia para dirigir, e, portanto,
rocráticos existentes, mas as camadas sociais · entre as quais,
um valor político e uma função muitas vezes decisiva no âm­
nos diferentes complexos estatais, a burocracia é tradicional­
bito do organismo social. Os elementos deste grupo estão ha­
mente :fecrutada. Um movimento político pode ser de caráter
bituados a comandar diretamente núcleos de homens, mesmo
abertamente militar, mesmo se o exército como tal não parti­
exíguos, e a comandar "politicamente", não "economicamente";
cipa abertamente dele; um governo pode ser de caráter militar,
na sua arte de comando não existe a disposição de ordenar
mesmo se o exército não participa dele. Em determinadas si�
as "coisas", de "ordenar homens e coisas" num todo orgânico,
tuações pode-se dar a conveniência de não "descobrir" o exér-
como ocorre na produção industrial, pois este grupo não tem
1 Cf . O Dezoito Brumário de Luís' Bonaparte. funções econômicas no sentido moderno da palavra. Ele tem

5(; 57
uma renda porque jurIdicamente é proprietário de uma parte
do solo nacional, e a sua função consiste em impedir "politi­ deve ser entendida neste sentido, e não em sentido absoluto; o
camente" o camponês cultivador de melhorar a sua existência, que não é pouco1• Deve-se notar como este caráter "militar"
pois qualquer melhoria da posição relativa do camponês seria do grupo social em questão, que era tradicionalmente um re�
catastrófica para a sua posição social. A miséria crônica e o flexo espontâneo de determinadas condições de existência, é
trabalho prolongado do camponês, com o conseqüente embru­ agora conscientemente educapo e predisposto organicamente.
tecimento, representam para ele uma necessidade primordiaL Enquadram-se neste movimento consciente os esforços siste­
Por isso emprega a máxima energia na resistência e no contra­ ntáticos para criar e manter permanentemente diversas asso­
ataque à mínima tentativa de organização autônoma do tra­ ciações de militares reformados e de ex-combatentes dos vários
balho camponês e a qualquer movimento cultural camponês corpos e armas, ligadas aos Estados-Maiores e capazes de se­
que ultrapasse os limites da religião oficiaL Os limites deste rem mobilizadas quando necessário. Isto evitaria a necessidade
grupo social e as razões da sua fraqueza íntima situam-se na de mobilizar o exército tegular, que manteria, assim, o seu
sua dispersão territorial e na "não-homogeneidade" mtimamen­ caráter de reserva em estado de alerta, reforçada e imune à
te ligada a esta dispersão. Isto também explica outras caracte­ decomposição política 'destas forças "privadas" que não pode­
rísticas : a volubilidade, a multiplicidade dos sistemas ideoló­ riam deixar de influir sõbre o seu "moral", sustentando-o e
gicos a que aderem, o próprio exotismo das ideologias algumas . fortalecendo-o. Pode-se dizer que ocorre um movimento do
vezes encampadas. A vontade está decididamente orientada pa­ tipo "cossaco", não em formações escalonadas dentro dos li­
ra um fim, mas é vagarosa e freqüentemente necessita de um mites da nacionalidade, como se verificava com os cossacos
longo processo para centralizar-se orgânica e politicamente. O czaristas mas dentro dos "limites" de grupo social . Portanto,
processo se acelera quando a "vontade" específica desse . grupo em toda uma série de países, a influência do elemento militar
coincide com a vontade e os interes�es imediatos da classe alta; na vida estatal não significa apenas influência e peso do ele­
não só o processo se acelera, como manifesta-se repentinamen­ mento técnico militar, mas influência e peso da camada social
te a "força militar" dessa camada, que algumas vêzes, depois fundamental de origem do elemento técnico-militar (especial­
de se organizar, dita leis à classe alta, se não pelo conteúdo, mente os oficiais subalternos ) . Esta série de observações é
. pelo menos no que se refere à "forma" da solução. Observa-se indispensável para a análise do aspecto mais íntimo daquela
neste caso o funcionamento das mesmas leis que se configu­ <leterminada forma poütioa que se convencionou chamar de
r aram nas relações cidade-campo no tocante às classes subal­ cesarismo ou bonapartismo; para distingui-la de outras formas
temas: a força da cidade automaticamente se transforma . em em que o elemento técnico-militar como · tal predomina sob
força do campo. Mas, em virtude de que no campo os confli­ formas talvez ainda mais destacadas e exclusivas .
tos logo assnmem uma forma aguda e "pessoal", dada a ausên­ A Espanha e a Grécia oferecem dois exemplos típicos,
cia de margens econômicas e a normalmente mais pesada pres­ com aspectos semelhantes e diversos. Na Espanha é preciso le­
são de cima para baixo, assim, no campo, os contra-ataques var em conta algumas· particularidades : tamanho do território
devem ser mais rápidos e decisivos. Este grupo compreende e e baixa densidade da população rural. Não existe, entre o lati­
vê que a origem das suas preocupações está nas cidades, na fundiário nobre e o camponês, uma numerosa burguesia rural;
força das cidades, e por isso entende de "dever" ditar a solução
1 Pode-se ver um reflexo deste grupo na atividade ideológica dos in­
às classes altas urbanas, a fim de que o foco !.leja apagado, telectuais conservadores de direita . O livro de GAETANO MOSCA, Teo­
mesmo se istp não for da .cQnveniência imediata das classes al­ rica dei govemi e governo parlamentare ( segunda edição de 1925, pri­
tas urbanas, seja porque muito dispendioso, ou porque perigoso meira edição de 1883 ) é exemplar a este respeito; já em 1883 Mosca
a longo prazo (estas classes vêem ciclos mais amplos de desen­ se aterrorizava com um possível contato entre cidade e campo. Mosca,
pela sua posição defensiva ( de contra-ataque ), compreendia melhor em
volvimento nos quais é possível manobrar, e não apenas o in­ 1883 a técnica da política das classes subalternas do que a t.'ompreen­
teresse "físico" imediato ) . A função dirigente desta camada deram, mesmo alguns decênios · depois, os representantes destas forças
subalternas, inclusive urbanas.
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portanto, era escassa a importância da oficialidade subalterna se desagregue horizontalmente (permanecerá neutro até certo
como força em si ( ao contrário, tinha certa importância de ponto, entenda-se) . Em lugar dele, entra em ação a classe mi­
antagonista a oficialidade das armas especializadas, artilbaria e litar burocrática, que, utilizando meios militares, sufoca o mo­
engenharia, de origem burguesa urbana, que se· opunha aos vimento no campo (de imediato o mais perigoso) . Nesta luta,
generais e procurava ter uma política própria) . Assim, os go­ o ' movimento no campo registra certa unificação política e
vernos militares são governos de "grandes" generais. Passivi­ ' ideológica, encontra aliados nas classes médias urbanas ( médias
dade das massas camponesas como população e qomo tropa. no sentido italiano) reforçadas pelos estudantes de origem ru­
Se no exército verifica-se desagregação política, é em sentido ral que vivem nas cidades, impõe os seus métodos políticos às
vertical, não horizontal, fruto da competição entre as cama­ classes altas, as quais devem fazer muitas concessões e permi­
rilhas dirigentes : a tropa se divide para seguir os chefes em tir uma determinada legislação favorável. Enfim, consegue, até
luta entre si. O governo níilitar é um parêntese entre dois go­ um determinado ponto, permear o Estado de acordo com os
vernos constitucionais; o elemento militar é a reserva seus interesses e substituir uma parte dos quadros dirigentes;
nente d a ordem e do conservadorismo, é uma força política continuando a se manter armado no desarmamento geral, de­
que atua "publicamente" quando a "legalidade" está em peri­ senha a possibilidade de uma guerra civil entre, os seus adep­
go. O mesmo ocorre na Grécia, com a diferença de que o ter�
tos armados e o exército regular, no caso de a classe alta mos­
ritório grego se espalha num sistema de ilhas e de que uma
trar muita disposição de resistência. Estas observações não de­
parte da população mais enérgica e ativa está sempre no mar,
vem ser concebidas como esquemas rígidos, mas apenas como
o que torna mais fácil a intriga e a conspiração militar. O
critérios práticos de interpretação histórica e política:.. Nas aná­
camponês grego é passivo como o espanhol; mas, no quadro
lises concretas de fatos reais, as formas históricas são caracte­
da população total, quando, por ser marinheiro, o grego mais
rísticas e quase "únicas". César representa uma combinação
enérgico e ativo está quase sempre longe do seu centro de vida
de circunstâncias reais bastante diversa da combinação repre­
política, a passividade geral deve ser analisada diversamente,
e a solução do problema não pode ser a mesma ( o fuzilamen­ sentada por Napoleão I, da mesma forma que Primo de Rivera,
to ' dos membros de um governo derrubado, há alguns anos, Zivkovich, etc.
provávelmente deve ser explicado como uma explosão de có­ Na análise do terceiro grau ou momento do sistema das
lera deste elemento enérgico e ativo, que pretendeu dar uma relações de existentes numa determinada situação, pode­
sangrenta lição) . O que se deve observar especialmente é que, se recorrer proveitosamente ao conceito que na ciência militar
na Grécia e na Espanha, a experiência do governo militar não é conhecido por "conjuntura estratégica", ou seja, mais preci­
criou uma ideologia política e social permanente e formalmente samente, ao grau de preparação estratégica do teatro da luta,
orgânica, como sucede nos países potencialmente bonapartis­ do qual um dos elementos principais é fornecido pelas condi­
tas, para usar a expressão. Mas as condições históricas gerais ções qualitativas do pessoal dirigente das forças ativas que po­
dos dois tipos são as mesmas : equilíbrio dos grupos urbanos dem ser chamadas de primeira linha (incluídas nestas as forças
em luta, o que impede o jogo da democracia "normal", o par" de assalto) . O grau de preparação estratégica pode dar a vitó­
lamentarismo; a influência do campo neste equilíbrio, entre; ria à forças "aparentemente" (isto é, quantitativamente) in­
tanto, é diferente. Nos países como a Espanha, o campo, com" feriores às do adversário. Pode-se dizer que a preparação es­
pletamente passivo, permite aos generais da nobreza latifun" tratégica tende a reduzir a zero os chamados "fatores impon­
diária servirem-se politicamente do exército para restabelecei deráveis", as reações instântan'eas de surpresa, num determi­
o equilíbrio em perigo, isto é, o triunfo dos grupos altos, Ein nado momento, adotadas ' . por forças · tradicionalmente inertes
outros países o campo não é passivo, mas o seu movimento e p assivas. Devem ser computados entre os elementos da pre­
não está poltticamente coordenado com o urbano : o exército paração de uma conjuntura estratégica favorável aqueles con­
deve permanecer neutro, pois é possível que de outro modo ele siderados nas observações sobre a existência e a organização
60 61
de uma camada militar ao lado do organismo técnico do exér­ recebida com disciplina intelectual e como meio para promo­
cito nacional1• ver formas de juízo não discordantes e uniformidade de lin­
Outros elementos podem ser elaborados a partir deste tre­ t guagem, de modo a permitir a todos que compreendam e se
cho do discurso pronunciado no Senado, em 1 9 de maio de façam compreender. Se, às vezes, a unidade doutrinária amea-
1932, pelo Ministro da Guerra, General Gazzera (cf. Corrie­ , çou ' degenerar em esquematismo, a reação foi imediata, im­
re delta Sera de 20 de maio) : "O regime disciplinar do nosso primindo à tática, inclusive através dos progressos da técnica,
exército constitui hoje, graças ao fascismo, uma diretiva para uma rápida renovação. Portanto, esta regulamentação não é
tooa a nação. Outros exércitos tiveram e ainda têm uma dis­ estática, não é tradicional, como alguns crêem. A tradição é
ciplina formal e rígida. Nós temos sempre presente o princí­ considerada apenas como força, e os regulamentos estãó sem­
pio de que o exército é feito para a guerra e que para ela pre em curso de revisão, não por desejo de mudança, mas
deve-se preparar; portanto, a disciplina de paz deve ser a mes­ para podê-los adequar à realidade". ( Um exemplo de "prepa­
ma disciplina do tempo de guerra, que no tempo de paz deve ração da conjuntura estratégica" pode ser encontrado nas Me­
encontrar o seu fundamento espiritual. A nossa disciplina ba­ mórias de Churchill, no trecho em que fala da batalha da Ju"
seia-se no espírito de coesão entre chefes e gregários, coesão que tIândia. )
é fruto espontâneo do sistema seguido . Este sistema resistiu
magnificamente, durante uma longa e duríssima gUerra, até à
vitória; é mérito do regime fascista ter levado a todo o povo o cesarismo. César, Napoleão I, Napoleão III, Cromwell,
italiano uma tradição disciplinar tão insigne. Da disciplina de e outros. Compilar um catálogo dos eventos históricos que
cada um depende o êxito da concepção estratégica e das ope­ culminaram numa grande personalidade "heróica" .
rações táticas. A guerra ensinou muitas coisas, inclusive que
Pode-se afirmar que o cesarismo exprime uma situação
há uma separação profunda entre a preparação de paz e a
em que as fOi:ças em luta se equilibram de modo catastrófico,
realidade da guerra. Ê claro que, qualquer que seja a prepa­ isto é, equilibram-se de tal forma que a continuação da luta só
ração, as operações iniciais da campanha colocam os belige­
pode levar à destruição recíproca. Quando a força progres­
rantes diante de problemas novos que dão lugar a surpresas !l
sista A luta contra a força reacionária B, não só pode ocorreI
de uma parte e de outra. Por isso, não se deve chegar à con­
que A vença B ou B vença A, mas também pode suceder que
clusão de que não é útil formular uma concepção a priori e
nem A nem B vençam, porém se aniquilem mutuamente, e
que nenhum ensinamento pode ser extraído da guerra passada.
uma terceira força, C, intervenha de fora submetendo o que
Pode-se extrair dela uma doutrina de guerra, que deve ser
resta de A e de B,. Na Itália, depois da morte do Magnífico,
sucedeu exatamente isto.
1 A propósito da "camada militar", é interessante o que escreve T .
TITTONI, em Ricordi personali di politica interna, Nuova Antologia, Mas o cesarismo, se exprime sempre a solução "arbitrar',
1-16 de abril de 1929 . Confessa Tittoni ter meditado sobre o fato de confiada a uma grande personalidade, de uma situação histó­
que, para reuriir a força pública necessária a. enfrentar os tumultos eclo­ rico-política caracterizada por um equilíbrio de forças de pers­
didos numa localidade, era necessário desguarnecer outras regiões. Du­ pectiva catastrófica, não tem sempre o mesmo significado his"
rante a Semana Vermelha de junho de 1914, foi necessário desguarnecer
Ravenna para reprimir os motins de Ancona . Em seguida, privado da
tórico. Pode haver um cesarismo progressista e um cesarismo
força pública, o prefeito de Ravenna teve de se trancar na prefeitura, reacionátio; mas em última análise, o significado exato de cada
abandonando a cidade aos revoltosos . "Muitas vezes perguntei a mim forma de cesarismo só pode ser reconstruído pela história con­
mesmo o que poderia fazer o governo se um movimento de revolta ti­ creta, e não por um esquema sociológico. O cesarismo é pro­
vesse eclodido simultaneamente 'em toda a península" . Tittoni propôs ao
governo a criação dos "voluntários da ordem", ex-combatentes dirigidos
.iil gressista quando a sua intervenção ajuda � força progressista
por oficiais reformados . O projeto de Tittoni parece que obteve algnma a triunfar, mesmo com certos compromissos e medidas que
consideração, mas não teve seqüência. limitam a vitória; é reacionário quando a sua intervenção aju-

62 63
campo a mesma situação examinada a propósito da fórmula
da a força reacionária a triunfar, também neste caso com de­
jacobino-revolucionária da chamada "revolução permanente"l.
terminados compromissos e limitações que têm um valor:, um
A técnica política moderna mudou completamente depois de
alcance . e um significado diversos, opostos aos do caso prece­ .,
(
dente . César e Napoleão I são exemplos de cesarismo progres­ I 1 848, depois da expansão do parlamentarismo, do regime as-
" sociativo sindical e partidário, da formação de amplas buro­
sista . Napoleão III e Bismarck de cesarismo reacionário .
·cracias estatais e "privadas" (político-privadas, partidárias li
Trata-se de ver se na dialética "revolução-restauração" é , sindicais) e das transformações que se verificaram na política
o elemento revolução ou o elemento restauração que 'prevalece, num sentido mais largo, isto é, não só do serviço estatal des­
já que é certo que no movimento histórico jamais se volta atrás, tinado à repressão d a delinqüência, mas do conjunto das for­
e não existem restaurações in toto. De resto, o cesarismo é uma ças . organizadas pelo Estado e pelos particulares para tutelaI
fórmula polêmico-ideológica, e não um cânone de interpre­ o domínio político e econômico das classes dirigentes. Neste
tação his�órica. :B possível haver uma solução cesarista mesmo sentido, inteiros partidos "políticos" e outras organizações eco­
sem um César, sem ' uma personalidade "heróica" e represen­ nômicas ou de outro gênero devem ser considerados organis­
tativa. Também o sistema parlamentar criou um mecanismo mos de polícia política, e de. caráter investigativo e preventivo.
para tais soluções de compromisso. Os governos "trabalhistas" O esquema genérico das forças A e B em luta com uma pers­
de MacDonald eram, num determinado grau, soluções dessa pectiva catastrófica, isto é, com a perspectiva de que nem A
natureza; o grau de cesarismo elevou-se quando foi formado o nem B vençam na luta para constituir (ou reconstituir) um
governo com MacDonald na presidência e uma maioria con­ equilíbrio orgânico, da qual nasce (pode nascer) o cesarismo,
servadora. Da mesma forma na Itália, em outubro de 1 922, é precisamente uma hipótese genérica, um esque:Q1a socioló­
até o afastamento dos "populares", e depois, gradualmente, até gico ( conveniente para a arte política) . A hipótese pode-se
3 de janeiro de 1 925, e ainda até 8 de novembro de 1 926, tornar sempre mais concreta, pode ser levada a um grau sem­
verificou-se um movimento histórico-político em que diversas pre maior de aproximação da realidade histórica concreta, o
gradações de cesarismp se sucederam até uma forma mais pura que pode ser obtido determinando alguns elementos funda­
e permanente, embora também esta não imóvel e estática. Ca­ li mentais.
da governó de coalizão é um grau inicial de cesarismo, que Assim, falándo de A e de B só se disse que elas são um"
pode ou não se desenvolver até graus mais significativos ( ao ' força genericamente progressista e uina fCJfça genericamente
contrário, a opinião vulgar é a de que os governos de coalizão reacÍonana. Poge-J>e precisar sIe q:ué tipo de forças progres·
constituem o mais "sólido baluarte" contra o cesarismo) . No sistas e Icacíonáiíás se 'trata e� desse modo, alcançar maiore�
mundo moderno, com as suas grandes coalizões de caráter aproximações . Nos casos dc César e Napoleão pode-se dizer
econômico-sindical e político partidário, o mecanismo do fe­ que A e B, mesmo sendo distintas e contrastantes, não eram
nômeno cesarista é muito diferente do que foi até Napoleão forças tais que não pudessem "abs.olutamente" chegar' a uma
III. No período que culminou com Napoleão III, as forças fusão e assimilação recíproca depois de um processo molecular;
militares regulares ou de file�ra constituíam um elemento de­ o que de fato ocorreu, pelo menos em certa medida ( todavia
cisivo para o advento do cesarismo, que se verificava através suficiente para os objetivos histórico-políticos da cessação da
dé golpes de Estado precisos, de ações militares, etc. No mun* luta orgânica fundamental e, portanto, para a superação ' da
do moderno, as forças sindicais e políticas, COPl os meios fi­ fase catastrófica ) . Este é um elemento de maior aproximação.
nanceiros incalculáveis de que podem dispor pequenos grupos Outro elemento é o seguinte : a cátastrófica pode emergir
de cidadãos, complicam o problema. Os funcionários dos p ar� em virtude de um a deficiência polítiéã "momentânea" da força
tidos e dos sindicatos econômicos podem ser corrompidos ou >it,. dominante tradicional, - e não agora em virtude de uma · defi-
aterrorizados. sem que haja necessidade de ações militares em
grande estilo, tipo César ou 18 Brumário. Reproduz-se neste 1 Ver nota na pág. 42 . (N. do T. )

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to progressistas como reacionários ou de caráter intermediá..
ciência orgânica necessariamente lllsuperável. Foi o que se ve­ rio episódico, qualquer novo fenômeno histórico derive do equi­
rificou no caso de Napoleão III. A força dominante na Fran­ líbrio entre as fotças "fundamentais"; também é necessário
ça de 1 8 1 5 a 1 848 dividira-se polIticamente (sediciosamente ) examinar as relações supervenientes entre os grupos principais
em . quatro frações : a legitimista, a orleanista, a bonapartista . (de gênero diferente, social-econômico e técnico-econômico)
e a jacobino-republicana. As lutas internas entre as facções das classes flfndamentais e as forças auxiliares guiadas ou sub­
eram de tal ordem que tomavam possível o avanço da força metidas à influência hegemônica. Desse modo não se compre­
antagonista B (progressista) de forma "precoce"; mas a for­ enderia o golpe de Estado de 2 de dezembro sem se estudar a
ma social existente ainda não exaurira as suas possibilidades função dos grupos militares e dos camponeses franceses .
de desenvolvimento, como a História em seguida provou abun­ Um episódio histórico muito importante desse ponto de
dantemente. Napoleão III representou (à sua maneira, de acor­ vista é Ü' chamado movimento provocado pelo caso Dreyfus
do com a estatura do homem, que era grande) estas possibili­ na França; também ele deve ser considerado nesta série de
dades latentes e imanentes : o seu cesarismo, assim, tem um observações, não porque tenha levado ao "cesarismo", mas
colorido particul�. O cesarismo de César e de Napoleão 1 exatamente pelo contrário : porque impediu a ocorrência de
foi, por assim dizer, de caráter quantitativo-qualitativo, repre­ um cesarismo de caráter nitidamente reacionário, que estava
sentou a fase histórica de passagem de um tipo de Estado em gestação. O movimento Dreyfus é característico, porque
para outro, uma passagem em que as inovações foram tantas são elementos do mesmo bloco social dominante que frustram
e de tal ordem que representaram uma transformação com­ o cesarismo da sua parte mais reacionária, apoiando-se · não
pleta. O cesarismo de Napoleão III foi só e limitadament� nos camponeses, no campo, mas nos elementos subordinados
quantitativo, não se verificou a passagem de. um tipo de Estado da cidade, guiados pelo reformismo socialista (e também na
para outro, mas só "evolução" do mesmo tipo, segundo uma parte mais avançada das massas camponesa s) . Encontramos
linha ininterrupta. outros movimentos histórico-políticos modernos do tipo prey­
No mundo moderno, os fenômenos de cesarismo são in- . fus que não são, certamente, revoluções, mas também não são
teiramente diversos, tanto daqueles do tipo progressista César­ inteiramente reacionãrios, tendo em vista que rompem crista­
Napoleão I, como também daquel�s· do tipo Napoleão III, \; .. lizações sufocantes no campo dominante e inserem na vida: do
embora se aproximem dest�' último. No mundo moderno, o Estado e nas atividades sociais um pessoal diferente e mais.
equilíbrio com perspectivas catastróficas não · se verifiea entre numeroso do que o precedente. Inclusive estes movimentos po­
forças que) em última�náijse, poderialll fundir-s� � unificar�se, dem ter um conteúdo relativamente "progressista" na medida
mesmo depois de um 'proc:essó fatigãíile . e· sangrento, mas en� em que assinalam a existência, na velha sociedade, de forças
tre forças cujo contraste é insanável hist()ricamente, e que se atuantes latentes não desfrutadas pelos velhos dirigentes ; mes­
aprofunda com o advento de formas de . cesarismo. Todavia, mo sendo "forças marginais", não são absolutamente progres­
o cesarismo no mundo moderno ainda encontra uma margem, sistas, pois não podem "marcar época" . Tornam-se historica­
maior ou menor, de acordo com os países e o seu peso rela­ mente eficientes em virtude da debilidade construtiva do anta­
tivo na estrutura mundial, já que uma forma socia:! "seI,llpre" gonista, não de uma força própria interior, fato que as liga a
tem possibilidades marginais de desenvolvimento ulterior e de uma situação determinada de equilíbrio das forças em lutá,
sistematização organizativa. Ela pode contar especialmente com ambas incapazes dé exprimir uma vontade construtiva peculiar
a fraqueza relativa da força progressista antagonista, devida no seu próprio campo.
à sua natureza e ao seu modo de vida particular, fraqueza que
deve ser mantida : por isso afirmou-se que o cesarismo moder­
no mflis do que militar é policial. Luta politica e guerra militar. Na guerra militar, alcan­
Seria um erro de método (um aspecto do mecanicismo çado o objetivo estratégico - destruição do exército inimigo
sociológico) considerar que, nos fenômenos de cesarismo, tan-
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e ocupação do seu território - chega-se à paz. Além do mais, Tratamento à parte deve ser dado à questão dos comitagi bal­
deve-se observar que, para que a guerra termine, é bastante · cânicos, que estão ligados a condjções particulares do ambiente
que o objetivo estratégico seja alcançado apenas potencialmen­ físico-geográfico regional, à formação das classes rurais e tam­
te : é suficiente não haver mais dúvidas de que um exército bém à eficiência real dos governos. O mesmo se deve fazer em
não pode mais lutar e de que o exército vitorioso "pode" rel<;lçãó aos grupos irlandeses, cuja forma de guerra e de or­
ocupar o território · inimigo. A luta política é muitíssimo mais ganização se vinculava à estrutura social irlandesa. Os comi­
complexa : em certo sentido pode ser comparada às guerras .tagi.t os irlandeses e as outras formas de guerra de guerrilhas
coloniais ou às velhas guerras de conquista, quando o exér­ devem ser separadas da questão do arditismo, embora pareçam
cito vitorioso ocupa ou se propõe ocupar permanentemente to­ , ter pontos de contato com ele. Estas formas de luta são pró­
do ou uma parte do território conquistado. Então, o exército prias de . minorias débeis, mas exasperadas, contra maiorias
vencido é desarmado e dissolvido, mas a luta continua no tiem organizadas; enquanto que o arditismo moderno pres­
terreno político e da "preparação" militar. supõe uma grande reserva, imobilizada por várias razões, mas
Assim a luta política da lndia contra os (e, em potencialmente eficiente, que o sustenta e alimenta com con­
certa medida, a luta da Alemanha contra a França ou da Hun­ tribuições individuais.
gria contra a Pequena Entente) conhece três formas de guer­ A relação existente em 1 9 1 7- 1 8 entre as' formações de
ra : de movimento, de posição e subterrânea. A resistência pas­ assalto e o exército no seu complexo pode levar e já levou os
siva de Gandbi é uma guerra de posição, que em determinados dirigentes políticos a errôneas formulações de planos de luta.
momentos se transforma em guerra de movimento e, em outros, Esquece-se : 1 ) que os grupos de assalto ( arditi) são simples
em guerra subterrânea : o boicote é guerra de posição, as gre­ formações táticas e pressupõem um exército pouco eficiente,
ves são guerras de movimento, a preparação clandestina de mas não completamente inerte : pois se a discipli:Q.a e o espí:J;i­
armas e elementos combativos de assalto é guerra subterrânea. to militar relaxaram até ao ponto de aconselhar uma nova dis­
Há uma forma de arditismo; mas ela é empregada com muita posição tática, em certa medida não deixaram de existir, pois
ponderação. Se os ingleses estivessem convencidos da prepa­ a nova disposição tática corresponde exatamente à disciplina e
ração de um grande movimento insurrecional destinado a es­ ao espírito militar; de outro modo, seria a derrota total e a
magar a sua atual superioridade estratégica ( que consiste, em .fuga; 2 ) que não é necessário considerar o arditismo como
certo sentido, na sua possibilidade de manobrar através de U­ um sinal da combatividade geral da massa militar, mas vice­
nhas internas e de concentrar as suas forças no ponto "espo­ versa, como um sinal da sua passividade e da sua relativa des­
radicamente" mais perigoso ) com um levante em massa moralização. Isto deve ser compreendido através do critério
isto é, obrigando-os a dispersar forças num teatro bélico tor­ geral de que as comparações entre a arte militar e a política de­
nado simultaneamente geral - a eles conviria provocar a inicia­ vem ser sempre estabelecidas cum grano salis, isto é, apenas
tiva prematura das forç"as indianas para identificá-las e des­
como estímulos ao pensamento e como termos simplificativas
truir o movimento geral. Da mesma forma conviria à · França
ad absurdum. Efetivamente, na militância política não existe
que a direita nacionalista alemã se envolvesse num golpe de a sanção penal implacável para quem erra ou não obedece
Estado aventureiro que levasse a organização militar ilegal
pontualmente, falta o julgamento marcial, além de que o dis­
presumida a se manifestar prematuramente, permitindo uma in­
positivo político não se compara nem de longe ao dispositivo
tervenção témpestiva do ponto de vista francês. Assim, nestas
militar.
formas de luta mistas, de caráter militar fundamental e de ca­
ráter . político preponderante (mas cada luta politica tem sempre Na luta política, além das guerras de movimento, dé
um substrato militar) , o emprego dos grupos de assalto exige cerco ou de posição, existem outras formas . O verdadeiro ardi­
uma · formulação tática original, para cuja concepção a expe­ tismo, o arditismo moderno, é próprio da guerra de posição,
riência da guerra só pode dar um estímulo, não um modelo. como se viu em 1 9 14-1 8. Também a guerra de movimento e

68 69
il. guerra de cerco dos períodos anteriores tinham
os seus ardi­
ieri, função político-militar : como função de arma especial" o ardj·
ti, em certo sentido; a cavalaria ligeira e pesada, os bersagl
uma tismo foi aplicado por todos os exércitos na guerra mundial;
etc., as armas ligeiras ' em geral desem'penhavam ' em parte
assalto. Na arte de organiz ar as patru­ como função político-militar verificou-se nos países polItica­
função de grupos de
Embriã o mente não-homogêneos e enfraquecidos, cuja expressãp era
lhas manifestava-se o embrião do arditismo moderno.
cerco do que na ·um. exército nacional pouco combativo e um Estado-Maior bu­
que surgia com mais vigor na guerra de
de patrulhas mais amplo e es­ l'Ocratizado e fossilizado na carreira.
guerra de movimento : serviço
organiz ar sortidas imprevistas e imprevi s­ A propósito das comparações entre os conceitos de guer­
pecialmente arte de
+

ra de movimento e de guerra de posição n a arte militar e os


tos . assaltos com elementos escolhidos.
- conceitos relativos na arte política, deve-se recordar o opús­
Outro elemento a se levar em conta é o seguinte : na luta culo de Rosal, traduzido para o italiano em 1 9 19 por C. Ales­
política não é necessário imitar os métodos de luta das Classes sandri (traduzido do francês) .
dominantes, sem cair em emboscadas fáceis. Nas lutas atuais No opúsculo teoriza-se um pouco apressadamente e tam­
muitas vezes verifica-se este fenômeno : uma organização es­ bém superficialmente sobre as experiências históricas de 1 905 :
tatal debilitada é como um exército enfraquecido; entram em efetivamente, Rosa desprezou os elementos "voluntários" e o!­
ação os grupos de assalto, isto é, as organizações' armadas pri­ ganizativos, muito mais difundidos e eficientes naqueles . acon­
vadas, que têm duas missões : usar a ilegalidade, enquanto o tecimentos do que ela pudesse crer em virtude de certo pre­
Estado parece permanecer na legalidade, como meio para reor­ conceito "economista" e espontaneísta . . Todavia, este opús­
ganizar o próprio Estado. Acreditar que se possa opor à ati� culo (e outros ensaios do mesmo autor) é um dos documentos
vidade privada ilegal outra atividade semelhante, isto é, com­ mais significativos da. teorização da guerra de movimento apli­
bater o arditismo com o arditismo, é uma tolice; significa acre� cada à arte política. O elemento econômico imediato (crises,
o que ja­
ditar que o Estado permaneça: eternamente inerte, etc.) é considerado como a artilharia de campo que na gue!­
condiçõ es diversa s. O caráter de
mais ocorre, além das outras ra abre a brecha na defesa inimiga, brecha suficiente para que
diferen ça fundam ental : uma Classe que deve
classe leva a uma as . tropas irrompam e obtenham um sucesso definitivo (estra­
pode ter
trabalhar diariamente num horário determinado não tégico) , ou pelo menos um sucesso importante no sentido da
e especia lizadas , como
organizações de assalto permanentes linha estratégica . Naturalmente, na ciência histórica a eficá­
a de amplas poss�bi 1idades finance h:'as
uina classe que desfrut dá do el�ento econômico imediato era considerada muito
ligada, por todos os seus membr os, a um trabalh o
e não está mais compk,a do que a da artilharia pesada na guerra de mo­
organiz ações,
fixo. Em qualquer hora do dia ,e da noite estas vimento, pois este elemento era concebido como tendo um
os e atacar
tomadas profissionais, podem vibrar golpes decisiv duplo efeito : 1 ) abrir a brecha na defesa inimiga, depois de
to, a tática dos grupos de assalto não po­
de imprevisto. Portan ter desbaratado e levado as suas fileiras a perder a fé em si,
inadas classes, a mesma importâ ncia que
de ter, para determ nas suas forças e no seu futuro; 2) organizar rapidamente as
necessá riá, porque
.para outras; para determinadas <>lasses é suas tropas, criar os quadros, ou, pelo menos, colocar os qua­
no caso
própria, a guerra de movimento e de manobra, que, dros existentes (criados até então pelo processo histórico ge­
pode-:se combin ar com um útil e talvez indis­
da luta política, ral) com rapidez no posto que lhes cabia no enquadramento
l uso da tática dos grupos de assalto. Mas fixar-se no
pensáve das tropas disseminadas; 3 ) criar imediatamente a concentra­
também neste caso,
modelo militar é tolice: a política deve, ção ideológica da identidade do fim . a ser alcançado . Era uma
dade
ser superior à parte militar, e só a política cria a possibili forma de férreo determinismo economista, com a agravante
da manobra e do movimen to. de que os efeitos eram concebidos como rapidíssimos no tem-
do ardi­
De tudo o que se disse, resulta que no fenômeno
função técnica e 1 ROSA DE' LUXEMBURGO, Lo sciopero generale - il partita e sinda­
tismo militar é necessário distinguir entre cati, S. E. "Avanti!", Milão, 1919. (N. e I.)

70 71
po e no espaço; por isso constituía um verdadeiro misticismo ser riscado da ciência ; mas que, nas guerras entre
· os Estados
hist6rico, a expectativa de uma espécie de fulguração milagrosa. mais avançados civil e industrialmente, ele deve':'s
e reduzir a
A observação do General K.rasnov (no seu romance) 1 funções táticas mais do que estratégicas, deve
ser considerado
de que a Entente ( que não queria uma vit6ria da Rússia im­ na mesma posição que a guerra de cêrco em
relação à guerra
perial, para que não se resolvesse definitivamente a favor do de manobra.
czarismo a questão oriental) impôs ao Estado-Maior russo a A mesma reaução deve-se verificar na arte
e na ciência
guerra de trincheira ( absurda, em virtude da extensão da fren­ . política, pelo menos no que se refere aos Estado
s mais avança­
te do Báltico ao Mar Negro e com grandes zonas pantano­ dos, onde a "sociedade civil" transformou-se
numa estrutura
_

sas e boscosas) , enquanto que a única possível era a guerra muito complexa e resistente às "hrupções"
catastróficas do
de movimento, é unia tolice. Na realidade, o exército russo ten­ elemento . econômico imediato ( crises, depressões,
etc. ) : as su­
tou a guerra de movimento e de penetração, especialmente no perestruturas da sociedade civil são como
o sistema de trin­
setor austríaco (mas também na Prússia Oriental) e alcan­ cheiras na guerra modema. Da mesm a forma
que ocorria na
çou êxitos brilhantes, embora efêmeros; A verdade é que não guerra, quando um nutrido fogo de artilharia
parecia ter des­
se pode escolher a forma de guerra que se quer, a menos que truído todo o sistema defensivo do adversário,
mas, na reali­
se tenha uma superioridade esmagadora sobre o inimigo, e é dade, só o atingira na sua superfície externa,
e no momento
sabido quantas perdas custou a obstinação dos Estados'-Maio. do ataque os assaltantes defrontavam-se com
uma linha de­
res em não quererem reconhecer que a guerra de posição era fensiva ainda eficiente, assim ocorre na polític
a durante as
"imposta" pela relação geral das forças em choque. Efetiva­ grandes crises econômicas; nem as tropas atacan
tes, em vir­
mente, a guerra de posição não é determinada apenas pela luta tude da crise, organizam-se rapidamente no tempo
e no espaço,
de trincheira, mas por todo o dispositivo organizativo e indus­ nem muito menos adquirem um espírito agressi
vo; reclproca�
trial que suporta o exército combatente: e é imposta especial­ mente, os atacados não se desmoralizam, nem abando
nam as
mente pelo tiro rápido dos canhões, das metralhadoras, dos defesas, mesnio entre ruínas, nem perdem a confian
ça n a sua
mosquetões, pela concentração das armas num determinado força e no seu futuro . :E: claro que as coisas não
permanecem
ponto, além de que pela abundância do fornecimento, que per­ tais como eram, mas também é certo que o elemen
to da rapi­
mite a substituição rápida do material perdido depois de uma dez, do tempo acelerado, da marcha progressista definit
iva não
penetração e de um recuo. Outro elemento é a grande massa aparecerão de acordo com o que esperavam os estrateg
istas do
de homens que participam do dispositivo, de valor muito de­ cadornismo político.
sigual e que s6 podem operar como massa. Vê-se como na
frente oriental uma coisa era irromper no setor alemão, e ou� O último fato desta natureza na hist6ria política foram os
tra no setor austríaco, e como num setor austríaco reforçado acontecimentos de 1 9 1 7. Eles assinalaram uma reviravolta de­
por tropas escolhidas alemãs e comandado por alemães a tá­ cisiva na história da arte e da ciência políticas. Portanto, é
tica do irrompimento acabava em desastre. Verificou-se a mes­ necessário estudar com "profundidade" quais são os elementos
ma coisa na guerra polonesa de 1 920, quando o avanço qu� da sociedade civil que correspondem aos sistemas de defesa
parecia irresistível foi detido às portas de Vars6via pelo Ge� na guerra de posição. Digo com "profundidade" intencional­
neraI Weygand na linha comandada por oficiais franceses. Os mente, pois eles foram estudados, mas a partir de pontos de
pr6prios técnicos militares que Sé fixaram definitivamente na vista superficiais e banais, como certos estudiosos do vestuário
guerra de posição, como antes se fixavam na guerra de ma­ estudam . as curiosidades d a moda feminina, isto é, com a per­
nobra, de modo algum sustentam que o tipo precedente deva suasão de que certos fenômenos são destruídos depois de ex­
plicados "reahsticamente", como se fossem superstições popu­
1 PIOTR KRASNOV, DaU'aquila imperiale alla bandiera rossa, lares (que, de resto, também não se destroem ao serem ex­
Salani, 1928 . ( N . eL) plicadas) .

72 73
mentos de sociedade civil, etc. No Oriente, o Estado era tudo,
Deve-se examinar se a famosa teoria de Bronstein sôbre a sociedade civil era primordial e gelatinosa; no Ocidente, ha­
a permanência! do movimentÇ) · não é reflexo político da teoria via entre o Estado e a socidade civil uma justa relação e em
da guerra manobrada (recordar a observação do general dos qualquer abalo do Estado imediatamente descobria-se uma po­
cossacos Krasnov) , em última análise o reflexo das condições derosa estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma
gerais econômicas-culturais-sociais de um país em que os qua­ ., tr:i,ncheira avançada, por trás da qual se situava uma ' robusta
dros da vida nacional são embrionários e relaxados e não se .cadeia de fortalezas e casamata s; em medida diversa de Estado
podem tomar "trincheira ou fortaleza". Neste caso poder-se-ia , para Estado, é claro, mas exatamente isto exigia um acurado
dizer que Bronstein, que aparece como um "ocidentalista", reconheciménto do caráter nacional.
�ra, ao contrário, um cosmopolita, i�to é, superficialmente na­ . A teoria de Bronstein pode ser comparada à teoria de
cional . e superficialmente ocidentalista ou europeu . llich,2 ao certos sindicalistas franceses sobre ' a greve geral e à· teoria de
contrário, era profundamente nacional e profundamente euro- Rosa no. opúsculo traduzido por Alessandri : os opúsculos de
peu. Rosa e a teoria de Bronstein, além do mais, influenciaram os
Br@nstein recorda nas suas memórias terem-lhe dito que sindicalistas franceses, como se depreende de determinados ar­
a sua teoria se revelara boa quinze anos . . . depois, e respon­ tigos de Rosmer sobre a Alemanha em Vie Ouvriere (primeira
de ao epigratna com outro epigrama. Na realidade, a sua teo­ série em fascículos ) . Eles, em parte, tambéni dependem da
ria, como tal, não era boa nem quinze anos antes, nem quin­ teoria da espontaneidade. .
.

ze anos depois: como sucede . cqm os obstinados, dos ' quais


fala Guicciardini. ele adivinhou em grosso, teve razão na pre­
visão prática mais geral; d a mesma forma que se prevê que o conceito de revolução pasdva. O conceito de "revo­
uma menina de quatro anos se tomará mãe, e quando isto lução passiva" deduz-se rigorosamente dos dois princípios fun­
ocorre, vinte anos depois, se diz "adivinhei", esquecendo po­ damentais de ciência política: 1 ) nenhuma formação social de­
rém · que quando a menina tinha quatro anos se tentara estu­ saparece enquanto as forças produtivas que nela se desenvol­
prá-la, certo de que se tornaria mãe. Parece-me que llich com­ veram encontrarem lugar para um ulterior movimento progres­
preendeu que se verificara uma modificação d a guerra mano­ sista; 2) a sociedade não assume compromissos para cuja so­
brada, aplicada vitoriosamente no Oriente em 1 9 17,3 pará a lução ainda não tenham surgido as condições necessárias, etc.
guerra de posição, que era a única possível no Ocidente, onde, Assim, devem ser reportados à descrição dos três momentos
como observa Krasnov, num espaço estreito poçliam acumu­ fundamentais que podem distinguir uma "situação" ou um equi­
lar quantidades indiscriminadas de munição, ' onde . os quadros h'brio de forças com o máximo de valorização do segundo mo­
sociais eram de ' per si ' ainda capazes de se tornarem trinchei­ mento ou equilíbrio das foiças políticas e, especialmente, do
ras municiadíssimas. Parece-me que esta seja a fórmula da terceiro momento ou equilíbrio político-militar.
"frente ' única", que corresponde à concepção de uma única Observa-se que Pisacane, nos seus Saggi, preocupa-se com
frente da Entente sob o comando único de Foch. este terceiro momento : ele compreende, diferentemente de Maz­
Só que llich . não teve tempo de aprofundar a sua fórmula) zini, toda a importância da presença na · Itália de um aguer­
mesmo levando em conta que ele podia aprofundá-la teo.rica­ rido exército austríaco, sempre pronto a intervir em qualquer
mente apenas, desde que a missão fundamental era nacional, ponto da península, e que, além do mais, tem atrás de si · toda
exigia um reconhecimento do terreno e uma fixação dos de­ a potência militar do império dos Absburgo, uma ' matriz sem­
mentos de trincheira e de fortaleza representados pelos ele- pre pronta a formár novos ,exércitos de reforço. Outro ele­
mento histórico a ser citado é o desenvolvimento do cristia­
1 A teoria da "revolução permanente" de Trotski . ( N . e · I . ) nismo no seio do Império . Romano, assim como o fenômeno
1 Unin . (N. e I. ) atuaI do gandhismo na lndia e a teoria da não-resistência ao
2 Na Rússia . ( N . e I . )
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mal, de Tolstoi, que tanto se aproximam da primeira fase do po1í.ticas. Pode-se aplicar ao conceito de revolução passiva (do­
cristianismo ( antes do édito de Milão) . O gandhismo e o tol8- �umentando-se no Risorgimento italiano ) o critério interpre­
toísmo são teorizações ingênuas e com tintura religios a d a tativo das . modificações moleculares que, na realidade, modi­
"revolução passiva". Também devem ser citados . algmis movi� ficam progressivamente a composição precedente das forças e,
mentos chamados "liquidacionistas" e as reações que susci� pprtanto, transformam-se em matriz de novas modificações.
taram, em relação com os tempos e as formas de determinadas , Assim, no Risorgimento italiano viu-se como a passagem ao
situações ( especialmente do terceiro momento) . O ponto de c!:\cvourismo (depois de 1 84 8 ) de novos elementos do Partido
partida para o estudo é O trabalho de Vincenzo Cuoco; mas de Ação modificou progressivamente a composição das forças
é evidente que a expressão de Cuoco a respeito da revolução moderadas, Jiquidando o neoguelfismo, de um lado, e, de outro,
napolitana de 1 799 não passa de uma alusão, pois o conceito empobrecendo o movimento mazziniano ( a este processo per­
está completamente modificado e enriquecido. tencem também as oscilações de Garibaldi, etc. ) . Logo, este ele­
O conceito de "revolução passiva", atribuído por Vm­ mento é a fase originária daquele fenômeno que se chamou mais
cenzo Cuoco ao primeiro período do Risorgimento italiapo, tarde "transformismo", cuja importância, parece, não foi até
pode ser relacionado com o conceito de "guerra de posição", agora dimensionada devidamente como forma de desenvolvi­
em confronto com a guerra manobrada? Isto é, estes conceitos mento hitórico.
surgiram depois da Revolução Francesa, e o binômio Prou­ Insistir no aprofundamento do conceito de que, enquanto
dhon-Gioberti pode ser justificado com o pânico criado p elo Cavour tinha consciência da sua missão e consciência crítica da
terror de 1 793, como o sorelianismo com o pânico que se missão de Mazzini, este, em virtude de não ter quase ou ne­
seguiu aos massacres de Paris em 1 87 1? Existe uma identida­ nhuma consciência da missão de Cavour, estava, na realidade,
de absoluta entre guerra de posição e revolução passiva? Exis­ pouco consciente da sua própria missão. Daí derivaram as suas
te, pelo menos, ou pode ser concebido todo um período his­ vacilações ( em Milão, no período posterior às Cinco Jornada3
tórico em que os dois conceitos devem- se identificar até que a e em outras ocasiões) e as suas iniciativas fora de tempo, que
guerra de posição se transforme em guerra manobrada? por isso configuravam-se apenas como elementos úteis à polí­
É necessário formular . um juízo "dinâmico" sóbre as "res­ tica piemontesa. Eis um exemplo teórico sobre como devia ser
taurações", que constituiriam uma "astúcia da providência" em compreendida a dialética apresentada em a Miséria da Filosofia:
sentido vichiano . Um problema existe : na luta Cavour-Mazzi­ que cada membro da oposição deve procurar ser integralmente
ni, em que Cavour é o expoente da revolução passiva-guerra de de mesmo e lançar na luta todas as suas "reservas" políticas e
posição e Mazzini da iniciativa popular-guerra manobrada, não morais, e que só assim se consegue uma superação real, nada
serão ' ambos indispensáveis na mesma medida? Todavia, é ne­ disso era compreendido nem por Proudhon, nem por Mazzini.
cessário levar em conta que, enquanto Cavour tinha consciência Dir-se-á que nem Gioberti e nem os teóricos da revolução pas­
da sua missão (pelo menos em certa medida) , enquanto com­ siva ou "revolução-restauração"l cOIl1preenderam o fenômeno,
preendia a missão de Mazzini, este parece que não tinha cons­ mas a questão neste caso se modifica : neles, a "incompreensão"
ciência da sua e da missão de Cavour; se, ao contrário, Mazzim teórica era a expressão prática das necessidades da "tese" de
tivesse adquirido esta consciência, isto é, se fosse um político desenvolver.:.se integralmente, até o ponto de conseguir incor­
realista, e não um apóstolo iluminado (se não tivesse sido Mazzi­ porar uma parte da própria antítese, para não se deixar "su­
ni) o equilíbrio resultante da confluência das duas atividades se­ perar". Isto é, na oposição dialética só a tese desenvolve, na
ria diferente, mais favorável ao mazzinianismo : o Estado italiano
ter-se-ia constituído sobre bases menos atrasadas e mais mo- . 1 Consultar a literatura politica sobre 1848, de autoria de estudiosos
demas. E já que em cada acontecimento histórico verificam-se da filosofia da praxis . Mas não me parece que se possa esperar muito
quase sempre siutações semelhantes, deve-se ver se não é pos­ I
,I
neste sentido . Os acontecimentos italianos, por exemplo, só foram exa­
sível extrair daí alguns princípios gerais 'de ciência e de arte minados sob o ângulo dos livros de Bolton King, etc .

76 77
realidade, todas as suas possibilidades de luta, até atrair para ram a plataforma de uma nova política orgânica, não obstante
si os chamados representantes da antítese : exatamente nessa o próprio Mazzini ter reconhecido que Pisacane formulara uma
formulação consiste a revolução passiva ou revolução-restau­ "concepção estratégica" da revolução nacional italiana.
ração. Neste ponto deve-se considerar a questão da passagem A relação "revolução passiva�guerra de posição" no Ri­
,
��

da luta política de "guerra manobrada" para "guerra de po­ sqrgimento italiano também pode ser estudada sob outros as-
sição", o que na Europa ocorreu depois de 1 848, e que não , pectos. Dois são importantíssimos : o que pode denominar-se
foi compreendido por Mazzini e pelos mazzinianos como o dQ "pessoal" e o da "reunião revolucionária". O do "pessoal"
foi por outros. A mesma passagem verificou-se depois de 1 87 1 , pode ser comparado com o que se verificou na guerra mundial,
etc. Homens como Mazzini tinham dificuldades d e compre­ na relação entre oficiais de carreira e oficiais da reserva, de
ender, então, a questão, dado que as guerras militares não ha· um lado, e entre soldados das fileiras e voluntários-arditi, de
viam fornecido o modelo; ao contrário, as doutrinas militares outro . Os oficiais de carreira corresponderam, no Risorgimento,
desenvolviam-se no sentido da guerra de movimento. :e: preci� aos partidos políticos regulares, organizados, tradicionais, etc.,
so ver se Pisacane, teórico militar
. do mazzinianismo, refere-se que no momento da ação ( 1 848 ) revelaram-se inaptos ou qua­
à questão. se, e foram, em 1848-49, suplantados pela onda popular maz­
Pisacane deve . ser estudado porque foi o único que ten­ ziniano-democrática, onda caótica, desordenada., "extemporâ­
tou dar ao Partido de Ação um conteúdo não só formal, mas nea" por assim dizer, mas que, todavia, liderada por, chefes
substancial : de antítese superadora das posições tradicionais. improvisados ou quase (de qualquer modo não . pertencentes a
Não se pode dizer que para obter- estes resultados hitóricos formações constituídas como era o partido moderado) obteve
fosse necessária a insurreição popular armada, como acredi­ sucessos indubitavelmente maiores do que os obtidos pelos mo­
tava Mazzini obsessivamente, isto é, não realísticamente, mas derados : a República romana e Veneza revelaram uma força
como missionário religioso. A intervenção popular, que não foi de resistêncIa l1ôtáve[ No · período posterior a 1 848, a relação
possível na forma concentrada e simultânea da insurreição, não entre .as duas forçaª, a regular e a "carismática", organizou-se
se verificou nem mesmo na forma "difusa" e capilar da pres­ em torno de Cavour e de-Oaribaldi, e deu o máximo resultado,
são indireta, o que era possível e talvez fosse a premissa in­ emooia posteriormente Ióssé áproveilada por Cavour.
t
dispensável para a primeira forma. A forma concentrada ou Este aspecto está ligado ao outro, da "reunião". Deve-se
simultânea tornara-se impossível em virtude d a técnica militar observar que a dificuldade técnica contra a qual sempre se
da época, mas só em parte. Isto é, a impossibilidade existiu chocavam as iniciativas mazzinianas foi e:x.a'tamente aquela da
na medida em que a forma concentrada e simultânea não foi "reunião revolucionária". Seria interessant�, .a partir deste pon­
precedida de uma preparação política e ideológicá de longo to de vista, estudar a tentativa de invasão da Savóia efetua­
fôlego, organicamente predisposta a despertar as paixões po­ da pelo General Ramorino, pelos irmãos Ban�rêra, por Pisa­
pulares e tornar possível a concentração e a eclosão. simul­ cane, etc., comparando-a com as situações que se ofereceram · a
tânea do movimento. Mazzini em 1 848, em Milão, e em 1849, em Roma, e que
Depois de 1 848, só os moderados fizeram a crítica dos ele ' não teve capacidade de organizar. Essas tentativas de al-
métodos que precederam ao fracasso. Efetivamente, todo o . guns poucos não podiam deixar de ser esmagadas no nas­
movimento moderado se renovou, o neoguelfismo foi liquida­ cedouro, pois seria maravilhoso que as forças reacionárias, que
do, homens novos ascenderam aos principais cargos de direção. estavam concentradas e podiam operar livremente (isto é, não
No mazzinianismo, ao contrário, nenhuma autocrítica, ou en­ encontravam\. nenhuma oposição em amplos movimentos da po­
tão autocrítica liquidacionista no sentido de que muitos ele­ pulação ) , não pudessem esmagar as iniciativas do tipo Ramo­
mentos abandonaram Mazzini e organizaram a ala esquerda '" rino, Pisacane, Bandiera, mesmo que elas tivessem sido pre­
do partido piemontês; única tentativa "ortodoxa", interna, fo­ paradas melhor do que o foram na realidade. No segundo pe­
ram os ensaios de Pisacane, que, entretanto, jamais se torna- ríodo ( 1 859-1 860) , a "reunião revolucionária", como aquela

78 79
dos Mil de Garibaldi, tornou-se possível graças ao fato de "clareza" intelectual dos termos da luta deve ser indispensável.
que : primeiro, Garibaldi apoiava-se nas forças estatais pie­ Mas esta clareza é um valor político quando se torna paixão
montesas, e, depois, que a frota inglesa protegeu de fato o generalizada e constitui a premissa de uma vontade forte. Nos
desembarque em Marsala, a tomada de Palermo e esterilizou t"t. últimos tempos, em muitas publicações sobre o Risorgimento,
a frota bourbônica. Em Milão, depois das Cinco Jornadas e na . "revelou-se" que existiam personalidades que viam claro, etc;
Roma republicana, . Mazílini teria podido constituir praças de (veja-se a valorização de Ornato feita por Piero Gobetti) ; mas
armas para reuniões organizadas; mas não se propôs fazê-lo, ,estas "revelações" destroem-se por si mesmas, exatamente por
daí o seu conflito com Garibaldi em Roma e a sua inutilização serem revelações; elas demonstram qu� se tratava de elucubra-
em Milão, diante de Cattaneo e do grupo democrático milanês. , ções individuais, que hoje representam uma forma do "senso
De qualquer forma, o curso do processo do Risorgimento, a posteriori". Efetivamente, jamais se fundiram com a reali­
se trouxe à luz a importância enorme do movimento "dema­ dade fatual, jamais se tornaram consciência popular-nacional
gógico" de massa, com chefes surgidos ao acaso, improvisados, geral e atuante. Qual dos dois, o Partido de Ação ou o Partido
etc., na realidade foi absorvido pelas forças organizadas tra­ Moderado, representou as "forças subjetiva�" efetivas do Ri­
dicionais, pelos partid9s formados ao longo do tempo, com sorgimento? É claro ,que o Partido Moderado, e exataniente
elaboração racional dos chefes, etc. Em todos os acontecimen­ porque teve consciência inclusive da missão do Partido de
tos políticos do mesmo tipo o resultado sempre foi igual ( as­ Ação. Em virtude dessa consciência, a sua "subjetividade" era
sim em 1 830, na França, a predominância dos orleanistas so­ de uma qualidade superior e mais decisiva. Na expressão de Vi­
bre as forças populares radicais democráticas, e no fun­
-f
tório Emanuel II: "O Partido de Ação nós o temos no bôlso",
do, na Revolução Francesa de 1789, em que Napoleão repre­ há mais sentido hist6rico-político do que em tôda a obra de
senta, em última análise, o triunfo das forças burguesas orga­ Mazzini.
nizadas contra as forças pequenÇ>-pui'gueªa:Sí« jftcobinasl. Da
mesma forma na guerra mundial, o preqQnHnio dos velhos ofi­
Sobre a burocracia. 1 ) O fato de que no desenvolvimento
ciais de carreira sobre os oficiais da reserva, etc. Em qualquer
histórico das formas políticas e econômicas viesse se formando
caso, a ausência ,,,e;t:ltr,e as forças radicais-populares de uma
o tipo de funcionário "de carreira", tecnicamente preparado
consciência da missjio da outra parte, impediu.:as de tér plena
para o trabalho burocrático ( civil e militar) , tem um signi­
consciência da sua própria missão e, portanto, de pesar no
ficado primordial na ciência política e na hist6ria das formas
equilíbr1.9 J.�nal das forças em relação ao seu efetivo poder de
estatais. Tratou-se de uma necessidade ou de uma degeneração,
intervenção e; finalmente, de determinar um resultado mais
em relação ao àutogoverno (selfgovemment) , como preten�
aváriçado, i nUn1 sentido de maior progresso e mais moderno.
dem os Uvre-cambistas "puros"? É verdade que cada formá sO�
:' :��i Sempr.e, .a propósito do conceito de "revolução passiva"
cial e estatal teve um seu problema dos funcionários, um mo:

ou de "revolução-restauração" no Risorgimento italiano, é ne­


do seu de apresentá-Ja e resolvê-lo, um sistema particular de
cessário colocar com exatidão o problema que, em algumas
seleção, um tipo próprio de funcionário a educar. Reveste-se
tendências historiográficas, é denominado das relações entre
de capital importância reconstruir o desenvolvimento de todos
condições objetivas e condições subjetivas do evento histórico.
estes elementos . O problema dos funcionários coincide, em
Parece .que as condições subjetivas existem sempre que exis­
parte, com o problema dos intelectuais. Mas, se é verdade que
tirem condiç�s objetivas, isto na medida em que se trata de
cada nova forma social teve, necessidade de um novo tipo de
simples distinção de ca:t:áter didático : logo, a discussão pode
funcionário, também é verdade que os nóvos grupos ,dirigentes
versar sobre o grau e a intensidade das forças subjetivas, . Sá­
jamais puderam prescindir, pelo menbs durante certo tempo,
bre a relação dialética entre as forças subjetivas contrastantes. 'f>
É preciso evitar que a questão seja colocada em termos da tradição e dos interesses constituídos, isto é, das forma­
"intelectualísticos", e não hist6rico-políticos. É pacífico que a ções de funcionários já existentes e pié-constituídas quando do

80 81
seu ad.vento (especialmente nas esferas eclesiástica e militar) .
ram precisamente uma crítica unilateral e de intelectuais à
A unidade do trabalho manual e intelectual e uma ligação mais
desordem e à dispersão de forças.
estreita entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo (pela
Entretanto, é preciso distinguir nas teorias do centralis­
qual os funcionários eleitos, além de controlar, se interessam
mo orgânico entre aquelas que ocultam um programa preciso
pelos negócios de Estado) podem ser motivos inspiradores tan­
. de ,predomínio real de uma parte sobre o todo ( seja a parte
to para uma orientação nova na solução do problema dos in­
Gonstituída por uma camada como a dos intelectuais, seja a
telectuais, como · para o problema dos funcionários.
.parte constituída por um grupo territorial "privilegiado) e aque­
2) Vinculada à questão da burocracia e da sua organi­ las que representam uma pura posição unilateral de sectários e
zação "ótima", está a discussão sobre os chamados "centra­ , fanáticos, e que mesmo podendo esconder um programa de
lismo orgânico" e "centralismo democrático" (que, além do predomínio (em geral de uma individualidade, como a do Pa­
mais, não tem nada que ver com a democracia abstrata, tanto pa infalível que levou o catolicismo a se transformar numa
que a Revolução francesa e a Terceira República desenvol­ espécie de culto do pontífice ) , imediatamente não parece ocul­
veram formas de centralismo orgânico não conhecidas nem pe­ tar tal programa como fato político consciente. O nome mais
la monarquia absoluta e nem por Napoleão I ) . Devem ser exato seria ° de centralismo burocrático. A "organicidade" · só
procuradas e examinadas as relações econômicas e políticas pode ser do centralismo democrático, que é um centralismo
reais que encontram a sua forma de organização, a sua arti­ em · movimento, isto é, uma contínua adequação da organi­
culação e · a sua funcionalidade nas diversas manifestações de zação ao movimento real, um modo de temperar os impulsos
centralismo orgânico e democrático em todos os campos : na da base com o comando da cúpula, um inserimento contínuo
vida estatal (unitarismo, federação, união de Estados federados, dos elementos que brotam do mais fundo da massa n a cornija
federação de Estados ou Estado federal, etc. ) ; na vida interes­ sólida do aparelho de direção que assegura a continuidade e
tatal (alianças, formas várias de "constelação" política inter­ a acumulação regular das experiências. Ele é "orgânico" por­
nacional) ; na vida das associações políticas e culturais ( ma­ que leva em conta o movimento, que é o modo orgânico de re­
çonaria, Rotary Clube, Igreja católica) ; sindicais, econômicas velar-se da realidade histórica, e não se enrijece medmicamen­
(cartéis, trustes) ; num mesmo país, em diversos países, etc. te na burocracia e, ao mesmo tempo, leva em conta o que é
Polêmicas surgiram no passado (antes de 1914) a pro­ estável e permanente, ou que, pelo menos, move-se numa di­
pósito do predomínio alemão na vida da alta cultura e de algu­ reção fácil de prever, · etc. Este elemento de estabilidade no
mas fórças políticas internacionais : era, de fato, real este pre­ Estado encarna-se n o desenvolvimento orgânico do núcleo cen­
domínio, ou 'em que consistia ele? Pode-se dizer : a) nenhum tral do grupo dirigente, da mesma forma que sucede em escala
vínculo orgânico e disciplinar estabelecia essa supremacia, que, mais restrita na vida dos partidos. A predominância do centra­
portanto, era um mero fenômeno de influência cultural abs­ lismo burocrático no Estado indica que o grupo dirigente está
trata e de prestígio bastante instável; b) esta influência · cultural saturado, transformando-se num corrilho estreito que tende a
não atingia em nada a atividade fatual, que, vice-versa, era perpetuar os seus mesquinhos privilégios controlando, ou in.,
desagregada, localista, sem orientação de conjunto . Não se po­ clusive sufocando, o surgimento de forças contrastàntes, mes­
de falar, por isso, de nenhum centralismo, nem orgânico nem mo se estas forças se confundem com os interesses dominan­
tes fundamentais (por exemplo, nos sistemas rIgidamente pro­
democrático e nem de outro gênero ou misto. A influência
tecionistas , em luta com o libera1ismo económico) . Nos parti­
era sentida de imediato por escassos grupos intelectuais sem
dos que representam grupos socialmente subalternos, o ele­
ligação com as massas populares ; e exatamente esta ausência
mento de estabilidade é necessário para assegurar a hegemo-­
de ligação caracterizava a situação. Todavia, tal estado de coi­
t nia não a grupos privilegiados, mas aos elementos progressistas,
sas é digno de exame porque facilita explicar o processo que
orgánicamente progressistas em relação a outras forças afins e
levou a formular as teorias do centralismo orgânico, que fo- '
aliadas, mas conciliadoras e oscilantes.
82 83
De qualquer modo, deve-se destacar que as manifestações valor esquemático e metafórico� isto é, não pode ser aplicado
deformantes de centralismo burocrático ocorreram em virtude mecànicamente, porque nos agregados humanos o elemento qua­
de deficiência de iniciativa e de responsabilidade na base, isto litativo (ou de capacidade técnica e intelectual de cada um dos
é, do primitivismo político das fórças periféricas, inclusive seus componentl?�) tem uma função predominante, enquanto
quando elas são da mesma natureza do grupo territorial hege­ não pode ser m�dido matematicamente . Por isso, pode-se dizer
mónico (fenómeno do piemontesismo nos primeiros decênios da , que cada aglomerado humano tem um princípio 6timo particular
unidade italiana) . A existência de tais situações nos organismos . de proporções definidas .
internacionais (Sociedade das Nações) pode ser prejudicial e Especialmente a ciência da organização pode recorrer com
perigosa . utilidade a este teorema, e isto manifesta-se com clareza no
O centralismo democrático oferece uma fórmula elástica, exército . Mas cada forma de sociedade tem um tipo de exér­
que se presta a muitas encarnações; ela vive enquanto é inter­ cito, e . cada tipo de exército tem :um princípio de proporções
pretada e· adaptada continuamente às necessidades . Ela consiste definidas particular, que, de resto, também muda de acotdo com
na pesquisa crítica de tudo que é igual na aparente disformidade, as diversas armas ou especialidades . Há uma determinada rela­
e diferente e inclusive oposto na aparente uniformidade para ção . entre homens de tropa,. graduados, suboficiais, oficiais su­
organizar e ligar estreitamente tudo o que é semelhante, mas balternos, oficiais superiores, Estados-Maiores, Estado-Maior
de modo que a organização e a conexão pareçam uma necessi­ Geral, etc, Há uma relação entre as várias armas e especialidades,
dade prática e "indutiva", experimental, e não o resultado de etc. Cada modificação numa parte determina a necessidade de
um processo racionalista, dedutivo, abstrato, isto é, próprio dos um equilibrio com o todo, etc .
intelectuais puros (ou puros asnos) . Este trabalho contínuo para Politicamente, o teorema pode ser aplicado nos partidos,
selecionar o elemento "internacional" e "unitário" na realidade nos sindicatos, nas fábricas, para se ver como cada grupo social
nacional e local é, na realidade, a ação política concreta, a tem uma lei de proporções definidas própria, que varia de acor­
única atividade criadora de progresso histórico . Êste trabalho do com o nível de cultura, de independência mental, de espírito
requer uma unidade orgânica entre teoria e prática, entre ca­ de iniciativa e de seuso de responsabilidade e de disciplina dos
.
madas intelectuais e massas populares, entre governantes e go­ seus membros mais atrasados · e periféricos .
vernados . As fórmulas de unidade e federação perdem grande A lei das proporções é sintetizada da seguinte forma por
parte do seu significado deste ponto de vista, enquanto conser­ Pantaleone, em Principi di economia pura: " . . . Os corpos
vam o seu veneno na concepção burocrática, pela qual a uni­ se combinam quimicamente .. apenas em proporções definidas, e
dade deixa de existir e se transforma como que num pântano cada quantidade de um elemento, que supere a quantidade exi­
de águas estagnadas, superficialIílente calmo e "mudo", e a fe­ gida para uma combinação com outros elementos preseutes em
deração num "saco de batatas", isto é, na justaposição mecânica quantidades definidas, fica livre; se a quantidade de um elemen­
de "unidades" individuais sem nexo entre elas . to é deficiente em relação à quantidade de outros elementos
presentes, a combinação só se verifica na medida em que é
suficiente a quantidade do elemento que está presente em quan­
o teorema das proporções definidas . Este teorema pode tidade menor do que os outroS".l Seria possível servir-se metafo­
ser empregado com utilidade para tomar mais claros e de um ricamente desta lei para compreender como um "movimento"
esquematismo mais evidente muitos raciocínios relacionados com ou tendência de opiniões se toma partido, isto é, força política
a ciência da organização ( o estudo do aparelho administrativo, eficiente, do ponto d e vista do exercício do poder governamental :
da composição demográfica, etc . ) e também com a política exatamente n a medida em que possni (elaborou no seu interior)
geral (na análise das situações, das relações de forças, no pro­
blema dos intelectuais, etc . ) . Deve-se recordar sempre, é claro, 1 MAFFEO PANTALEONE, Principi di economia pura, Milão, 1931, parág.
que o recurso ao teorema das proporções definidas tem um 5, pág . 112. ( N. e l . )

84 85

\
que esses dirigentes do uma época de "evolução" "natural", que a sociedade tivesse
dirigentes de vários graus e na medida em
inadas capac idade s . encontrado os seus fundamentos definitivos, porque racionais,
adquiriram determ
etc . Eis que a sociedade pode ser estudada pelos métodos das
s premissas (a
O "automatismo" histórico de determin�da ciências naturais . Empobrecimento do conceito de Estado, em
objeti vas) é potenciado
existência de determinadas condições conseqüência de tal visão . Se ciência política significa ciência
e pelos home ns capaz es : a sua
politicamente pelos partidos do Estado, e Estado é todo o complexo de atividades práticas e
(quan titativ a e qualit ativa) torna estéril
ausência ou deficiência . t�óricas com as quais a classe dirigente justifica e mantém não
não é autom atism o) .
o próprio "automatismo" (que, portanto, só o seu domínio, mas cónsegue obter o consentimento ativo
mas as conse qüênc ias não
As premissas existem abstratamente, dos governados, é evidente que tOdas as questões essenciais da
no . Por isso pode-se
se verificam porque falta o fator huma sociologia não passam de questões da ciência política . 'Se há
partid os têm a missã o de criar dirigentes capazes,
dizer que os um resíduo, êsse só pode ser de falsos problemas, isto é, de
volve , multiplica os
são a função de massa que seleciona, desen problemas ociosos . Portanto, a questão que se impunha ao au­
um grupo social definido (que
dirigentes necessários para que tor de Saggio popolare1 era a de determinar em que relações
"fixa" , na medid a em que se pode estabelecer
é uma quantidade podia ser colocada a ciência política com a filosofia da praxis;
social se articule
)
quantos são os componentes de cada grupo se entre as duas existe identidade (coisa não sustentável, ou
em exérc ito político orga­
e, de caos tumultuado, transforme-se sustentável apenas do ponto de vista do mais grosseiro positi­
do em eleiçõ es sucess ivas do mes­
nicamente predisposto . Quan vismo) , ou se a ciência política é o conjunto de princípios em­
grau difere nte (por exem plo, na Alem anha antes
mo grau ou de píricos ou práticos que se deduzem de uma concepção mais
da Repú blica, para o
de Hitler : eleições para a presidência vasta do mundo ou filosofia propriamente dita, ou se esta filo­
Liinde r, para os conse lhos comu­
Reichstag, para as dietas dos sofia é só a ciência dos conceitos ou categorias gerais que nas­
os comit ês de fazen da) um partid o oscila na
nais, e assim até cem da ciência política, etc .
mínimos que parecem
sua massa de sufrágios de máximos a Se é verdade que o homem só pode ser concebido como
ir que os seus quadros
estranhos e arbitr ários, pode-se deduz homem historicamente determinado, isto é, que se desenvolveu
idade e qualid ade, ou em quantidade e
são deficientes em quant e vive em determinadas condições, num determinado complexo
ade ( relativ ament e) , ou em qualid ade e não em
não em qualid social ou conjunú:> de relações sociais, pode-se conceber a so­
s votos nas eleições
quantidade . Um partido que obtém muito ciologia apenas como estudo destas condições e das leis que
import ância polític a, certa­
locais e menos naquelas de maior regulam o seu desenvolvimento? Já que não se pode prescindir
qualit ativam ente na sua direçã o central :
mente é deficiente da vontade e da iniciativa dos próprios homens, este conceito
em núme ro suficie n­
possui muitos subalternos ou, pelo menos, só pode ser falso . Saber o que é a própria "ciência", eis um
ado ao país e à sua
te, mas não possui um Estado-Maior adequ problema que deve ser colocado . Não é a ciência, em si mes­
posiçãO no mundo, etc . ma; "atividade política" e pensamento político, na medida em
que transforma os homens, torna-�s d,iferenfes do que eram
antes? Se tudo é "política", é preciso, para não cair num fra�
ogia rela­
Sociologia e ciência política . A fortuna da sociol seado tautológico e enfadonho, distinguir com conceitos novos
de ciência política e
ciona-se com a decadência do conceito a política que corresponde àquela ciência que tradicionalmente
XIX (com mais exa­
de arte política que se verificou no século se chama "filosofia" · da política, ciência política num sentido
o êxito das doutrinas evoludo­
tidão na segunda metade, com estrito . Se a ciência é "descoberta" de realidade ignorada antes,
) . Tudo o que há de impor tante na socio­ não é esta realidade, em certo sentido, 'concebida como trans­
nistas e positivistas
passa de ciência polític a . "Polít ica" torna-se sinônimo cendente? Não se pode pensar que ainda existe algo de "igno-
logia não
ais . Convencimen­
de política parlamentar ou de corrilhos pesso
s e os parlam entos tivesse começa- I Bukhanin . ( N . I. )
to de que com as constituiçõe e

86 87
to" e, portanto, de transcendente? Além do mais, o conceito de "nacionais" que não podem deixar de prevalecer quando se tra­
ciência como "criação" não tem o mesmo significado de "polí­ ta de induzir a vontade nacional num sentido mais do que nou­
tica"? Tudo consiste em ver se se trata de criação "arbitrária" tro . "Desgraçadamente", o indivíduo é 'levado a confundir (, seu
ou racion·aI, isto é; "útil" aos . homens para ampliar o seu con­ "particular" com o interêsse nacional, e, portanto, achar "hor­
ceito da vida, para tornar superior (desenvolver) a própria vida.1 rível' '' etc., que a decisão .caiba à "lei do número" ; na verdade,
O número e a qualidade nos regimes representativos . Um , é melhor se tornar élite por decreto . Logo, não se trata de quem
dos lugares-comuns mais banais' que se repetem contra o siste­ "tem muito" intelectualmente sentir-se reduzido ao nível do últi­
ma eleitoral de formação dos órgãos estatais é o de que "néle mo analfabeto, mas d� quem presume ter muito e pretende
o número é lei supremà" e que as "opinões de um imbecil qual­ arrebatar ao homem "qualquer", inc;lusive aquela fração infini�
quer que saiba escrever ( e inclusive de um analfabeto, em de­ tesimal de poder que êle possui para decidir s6bre o curso da
terminadós países) vale, para efeito de determinar o curso po­ vida estatal .
lítico do Estado, tanto quanto as opiniões de quem dedica à Da crítica (de origem oligárquica, e não de élite ) ao regime
nação as suas melhores forças", etc.2 Mas a verdade é que, de parlamentarista ( é estranho que êle não seja criticado pelo fato
modo nenhum, o número constitui a "lei suprema", nem o pêso de que a racionalidade historicista do consentimento numérico
da opinião de cada eleitor é exatamente igual . Os números, é sistematicamente falsificada pela influência da riqueza) , estas
mesmo neste caso, são um simples valor instrumental, que dão afirmações banais se estenderam a qualquer sistema represen­
uma medida e uma relação, e nada mais . E depois, o que é tativo, mesmo não parlamentarista e não forjado segundo os
que se mede? Mede-se exatameÍlte a eficácia e a capacidade de cânones da democracia formal . O que as torna. menos exatas . .
expansão e de persuasão das opiniões de alguns, das minorias Nestes outros regimes o consentimento não tem no momento
ativas, das élites, das vanguardas, etc . Isto é, a sua racionali­ do voto uma fase final, ao contrário.1 Supõe-se o consentimento
dade ou historicidade ou funcionalidade concreta . O que não permanentemente ativo, até o ponto em que aqueles que con­
quer dizer que o peso das opiniões de cada um seja "exatamen­ sentem poderiam ser considerados como "funcionários" do Es­
te" igual. As idéias e as opiniões não "nascem" espontaneamente tado e as eleições um modo de recrutamento voluntário de fun­
no cerébro de cada indíviduo : tiveram um centro de formação, cionários estatais de um determinado tipo, que em certo sentido
de irradiação, de difusão, de persuasão, um grupo de homens poderia assemelhar-se (em. diversos planos ) ao selfgovernment.
ou inclusive uma individualidade que as elaborou e apresentou Baseando-se as eleições não em programas genéricos e vagos,
sob a forma política de atualidade . A numeração dos "votos" mas em programas de trabalho concreto imediato, quem con­
é a manifestação final de um longo processo em que a maior sente empenha-se em fazer algo mais do que o cidadão legal
influência pertence exatamente àqueles que "dedicam ao Estado comum para realizá-los, isto éj em ser uma vanguarda de tra-.
e à nação as suas melhores forças" ( quando são tais ) . Se éste balho ativo e responsável . O elemento "voluntariedade" na
pretenso grupo de grandes, apesar das fórças materiais extra­ iniciativa não poderia ser estimulado de outro modo pelas mais
ordinárias que possui, não obtém o consentimento da maioria, amplas multidões, e quando estas não são formadas de cidadãos
deve ser julgado ou inepto ou não-representante dos interesses amorfos, mas de elementos produtivos qualificados, pode-se
compreender a importância que pode ter a manifestação do
1 A propósito do Saggio Popolare e do seu apêndice, Teoria e pratica, voto.2 .
veja-se na "Nuova Antologia" de 16 de março de 1933 a resenha filo­
sófica · de ARMANDO CARLINI, da qual resulta que a equação: "Teoria: 1 Alusão ao sistema soviético do contrôle pennanente dos eleitores sbbre
prática = matemática pura: matemática aplicada" foi enunciada por um os eleitos . ( N . e 1 . )
inglês ( parece-me que Whitaker) . 2 Estas observações poderiam ser desenvolvidas mais ampla e orgãniea­
2 As fonnulações são muitas, algumas inclusive mais felizes do que a mente, destacando também outras diferenças entre os diversos tipos de
citada, que é de MARIO DE SILVA., na Critic.a Fascista de 15 de agósto eleição, de ac6rdo com as modificações nas relações gerais sociais e po­
de 1932, mas o conteúdo é sempre igual. liticas: relação entre funcionários eletivos e funcionários de carreira, etc.

88 89
A proposição de que "a sociedade não coloca diante de I'i e de modificação no peso relativo que os elementos das velhas
problemas para cuja solução ainda não - existam as premissas ideologias possuíam : tudo . o que era secundário e subordinado,
materiais" . É o problema da formação de uma vontade cole­ ou inclusive incidental, é considerado principal, torna-se o nú­
tiva que depende imediatamente desta proposição . Analisar cleo de um novo complexo . ideológico e doutrinário . A velha
criticamente o significado da proposição, implica indagar como . vontade coletiva desagrega-se nos seus elementos contraditó­
se formam as vontades coletivas permanentes, e como tais von­ rios, já que os elementos subordinados contidos nestes elementos
tades se propõem objetivos imediatos e mediatos concretos, isto se desenvolvem socialmente, etc .
é, uma linha de ação coletiva . Trata-se de processos de desen­ Depois da formação do regime dos partidos, fase histórica
volvimento mais ou menos longos, e raramente de explosões ligada à estandardização de grandes massas da população (co­
"sintéticas" imprevistas . Também as "explosões" sintéticas se municações, jornais, grandes cidades, etc . ), os processos mo­
verificam, mas, observando de perto, vê-se que nestes casos leculares se manifestam com mais rapidez do que no passado,
trata-se de destruir mais do que reconstruir, de remover obstá­ etc .
culos mecânicos externos ao desenvolvimento original e espon­
tâneo : as Vésperas sicilianas podem ser consideradas um exem­
plo típico dessas explosões . Questão do "homem coletivo" ou do "conformismo social".
Seria possível estudar concretamente a formação de um Missão educativa ' e formativa do Estado, cujo fim é sempre
movimento histórico 'COletivo, analisando-o em .tOdas as suas criar novos e mais elevados tipos de civilização, adequar a "ci­
fases moleculares, o que habitualmente não se faz porque tor-­ vilização" e a moralidade das mais amplas massas populares às
naria pesado qualquer trabalho: em vez . disso, ntilizam-se as necessidades . do desenvolvimento continuado do aparelho eco­
correntes de opinião já constituídas em tomo de um grupo (tu nómico de produção, portanto elaborar também fisicamente
de uma personalidade dominante . É o problema que moderna­ tipos novos de humanidade . Mas, como çada indivíduo . conse­
mente se expressa em térmos de partido ou de coalizão de guirá incorporar-se no homem coletivo e como se verificará a
partidos afins : como se inicia li organização de um 'partido, pressão educativa sôbre cada um com o seu consentimento e
como se desenvolve a sua fõrça organizada e influência social, colaboração, transformando em "liberdade" a necessidade e a
etc . Trata-se de um processo molecular, miudíssimo, de aná­ y coerção? Questão do "direito", cujo conceito deverá ser amplia­
liSe extrema, capilar, cuja documentação é constituída por uma do, incluindo nele aquela� atividades que hoje são compreendi�
quantidade incrível de livros, opúsculos, artigos de revistas e de das na fórmula "indiferente jurídico" e que são de domÚlio da
jornais, de conversações e debates verbais que se repetem jnfi­ \ J
sociedade civil que atua sem "sanções" e sem "obrigações" ta­
xativas, mas que nem por isso exerce uma pressão coletiva e
nitas vezes e que no seu conjunto gigantesco representam éste I obtém resultados objetivos de elaboração nos costumes, nos
trabalho do qual nasce uma vontade coletiva com um determi­
nado grau de homogeneidade, grau que é necessário e suficiente modos de pensar e de atuar, ná moralidade, etc .
para determinar uma ação coordenada e simultânea no tempo Conceito politico da chamada "revolução permanente" ,
e no espaço geográfico em que o fato histórico se verifica . surgida antes de 1 848, como expressão científicamente elabora­
. Importância das utopias e d.as ideologias confusas e racio- da das experiências jacobinas de 1789 em Termidor . A fórmula
nalistas na fase inicial dos processos históricos de formação das é própria de um período histórico em que não existiam ainda
vontades coletivas : as utopias, o racionalismo abstrato, têm a os grandes partidos políticos de massa e os grandes sindicatos
mesma importância das velhas concepções do mundo histõrica­ económicos, e a sociedade ainda estava, por assim dizer, no
mente elaboradas por acumulação de experiências sucessivas . I estado de fluidez sob muitos aspectos : maior atraso do campo
e monopólio quase completo da eficiência político-estatal em
O que importa é a crítica. à qual este complexo ideológico é J poucas cidades ou numa só (Paris para a França) ; aparelho
submetido pelos primeiros representantes d a nova fase . histó­
rica . Através desta crítica obtém-se um processo de distinção estatal relativamente pquco desenvolvido e maior autonomia da

90 91
sociedade civil em relação à atividade estatal; determinado siste� "natureza humana" nos dois é diferente. Na "natureza humana"
ma das forças militares e · do armamento nacional; maior autoM de Maquiavel está incluído o "homem europeu", e homem,
nomia das economias nacionais no quadro das relações econô� na França e na Espanha, superou fatualmente a fase feudal de­
micas do mercado mundial, etc . No período posterior a 1 870, sagregada na monarquia absoluta : logo, não é a "natureza
em virtude da expansão colonial européia, todos éstes elementos mana" que se opõe ao surgimento, na Itália, de uma monarquia
se modificam, as relações de organização internas e internaM absoluta unitária, mas condições transitórias que a vontade pode
cionais do Estado tomam-se mais complexas e maciças, e a . superar . Maquiavel é "pessimista" ( ou melhor, "realista")
fórmula jacobino-revolucionária da "revolução permanente" é quando considera os homens e as direções de sua atividade;
elaborada e superada na ciência política pela fórmula de "hege­ Guicciardini não é pessimista, mas cético e estreito . Paolo Tre­
monia civil" . Verifica-se na arte política aquilo que ocórre na vesl comete muitos erros ao analisar Guicciardini e Maquiavel;
arte militar : a guerra de movimento transforma-se cada vez não distingue bem "política" de "dip1.omacia", mas exatamente
mais em guerra de posição, podendo-se dizer que um Estado nesta não-distinção reside· a causa das suas apreciações erradas.
vence uma guerra quando a prepara minuciosa e tecnicamente Efetivamente, na política o elemento volitivo tem uma impor­
no tempo de paz . Na estrutura de massa das democracias mo­ tância muito maior do que na diplomaci a . A diplomacia san4
dernas, tanto as organizações estatais como o complexo de as­ ciona e tende a conservar as situações criadas pelo choque das
sociações na vida. civil constituem para a arte política o mesmo políticas estatais; é criadora apenas por metáfora ou por con­
que as "trincheiras" e as fortificações permanentes da frente venção filosófica (toda a atividade humana é criadora) . As
na guerra de posição : elas fazem cóm que seja apenas "parcial" relações internacionais estabelecem um equilíbrio de forças sobre
o elemento do movimento que antes constituía "tóda" a guerra, o qual cada elemento estatal pode influir muito debilmente :
etc . Florença podia influir reforçando a si mesma, por exemplo, mas
A questão relaciona-se com o Estado moderno, não com este reforçamento, mesmo que' tivesse melhorado a sua posição
os países atrasados e as colônias, onde ainda vigoram formas no equilíbrio italiano e europeu, não poderia ser visto como
que nos outros já foram superadas e se tornaram anacrónicas . decisivo para subverter o conjunto do próprio equilíbrio . Por
Também a questão do valor das ideologias ( como se depreende isso o diplomata, por causa do hábito profissional, é levado ao
da polêmica. Malagodi-Croce) 1 com as observações de CrQce
- ceticismo e à estreiteza conservadora .
sBbre o "mito" soreliano, que podem ser contrapostas à "pai­
Nas relações internas de um Estado, a situação é incom­
xão" - deve ser estudada num tratado de ciência política .
paravelmente mais favorável à iniciativa central, a uma vontade
de comando, da forma como a compreendia Maquiavel . A
opinião de De Sanctis sobre Guicciardini é muito mais realista
Fase economlca corporativa do Estado . Guicciardini as­ do que Treves julga . Daí a pergunta : por que De Sanctis estava
sinala um passo atrás na ciência política diante de Maquiavel. melhor preparado do que Treves para dar esta opinião histórica
O maior "pessimismo" de Guicciardini só tem um significado . e cientificamente mais exata? De Sanctis participou de um mo­
Guicciardini retorna a um p�nsamento político puramente ita· mento criador da história política italiana, de um momento em
liano, enquanto Maquiavel alcançara um pensamento europeu . que a eficiência d a vontade política, empenhada em suscitar
Não se compreende Maquiavel se não se leva em conta que fôrças novas e originais e não só em estribár-se naquelas tra­
• ele supera a experiência italiana na experiência européia (iriter� dicionais, concebidas como impossíveis de se desenvolverem e
nacional, naquela época ) : a sua "vontade" seria utópica sem a reorganizarem ( ceticismo político guicciardiniano ) . mostrara
experiência européia . Em virtude disso, a mesma concepção da

1 Ver Croce, Convefsazione critiche, série IV, Bari, 1'932, págs. 143-146. 1 Cf. 11 realismo político di Francesco Guicciardini, ln Nuova Rívista
( N . e I. ) Storica, novembro-dezembro de 1930.

' 93
92
-

t
I
tóda a sua potencialidade não só na arte de fundar um · Estado Os escritos de Guicciardini são mais um sinal dos tempos
a partir de uma ação interna, mas também de 9.ominar as rela.. do que ciência política, e éste é o juízo de De Sanctis; sinal dos
ções internacionais, reformulando os métodos profissionais e tempos, e não ensaio de história da ciência política é o trabalho
costÚIneiros da diplomacia (com Cavour ) . A atmosfera cul­ de PaoIo Treves .
tural era propícia a uma concepção mais compreensivamente
realista da ciência e da arte políticas . Mas, mesmo sem esta
atmosfera, teria sido impossível a De Sanctis compreender Ma­ Hegemonia (sociedade civil) e divisão dos poderes . A
quiavel? A atmosfera do momento histórico enriquece os en­ divisão dos poderes, toda a discussão havida para a sua cfeti­
saias · de De Sanctis de um pathos sentimental que torna mnis vação e o dogmatismo jurídico derivado do seu advento, cons­
simpático e apaixonante o assunto, mais artisticamente expres·· tituem o resultado da luta entre a sociedade civil e a sociedade
siva e cativante a exposição científica, mas o conteúdo ' lógico política de um determinado período histórico, com certo equi­
da Ciência política poderia ser formulado inclusive nos períodos líbrio instável entre as classes, determinado pelo fato de que
de pior reação . Não é talvez a reação, também ela, um ato algumas categorias de intelectuais (a serviço direto do Estado,
construtivo' de vontade? E não é ato volrintário a conservação? especialmente burocracia civil e militar) ainda estão muito liga­
das às velhas classes dominantes . Verifica-se, assim, no interior
Por que então seria "utópica" a vontade de Maquiavel, por
da sociedade, aquilo que Croce define como o "conflito perpé­
que revolucionária e não utópi!.::a a vontade de quem pretende
tuo entre Igreja e Estado", no qual a Igreja é tomada como
conservar o ' eXistente e impedir o surgimento e a organização
de forças novas que perturbariam e subverteriam o equilíbrio representante da sociedade civil no seu conjunto (enquanto, na
tradicional? A ciência política abstrai o elemento "vontade" e realidade, não passa de um elemento gradualmente menos im­
portante ) e o Estado como autor de todas as tentativas des�jna­
não leva em conta o fim ao qual uma vontade determinada é
das a cristalizar permanentemcn,te úm determinado estágio de
aplicada . O atributo de "utópico" não é próprio da vontade
desenvolvimento, uma determinada situação . Neste sentido a
política em geral, mas das vontades particulares que não sabem
própria Igreja pode-se tornar Estado, e o conflito pode mani­
ligar o meio ao fim e, portanto, não são ' nem m�smo vontade,
festar-se entre sociedade civil laica e laicizante e Estado-Igreja
mas veleidades, sonhos, desejos, etc .
!]I; ( quando a Igreja se tornou uma parte integrante do Estado, da
O ceticismo de Guicciardini (não pessimismo da inteligên­ sociedade política monopolizada por um determinado grupo pri.
cia, que pode ser unido a UJ;Il otimismo da . vontade nos polí­ vilegiado que se agrega à Igreja para melhor defender o seu
�icos realistas ativos) tem diversas origens : 1 ) o hábito diplo­ monopólio com o apoio daquela zona da "ilociedade civil" que
mático, isto é, de uma atividade sullalterna subordinada, exe­ ela representa) .
cutivo-burocrática, que deve aceitar uma vontade estranha Importância essencial da divisão dos poderes para o libe­
( aquela política do próprio governo ou príncipe) às corivicções ralismo político e económico . Toda a ideologia liberal, com as
partiçulares do diplomata ( que pode, é verdade, sentir aquela suas forças e as suas fraquezas, pode ser enfeixada no princípio
vontade como süa, na medida em que corresponde às suas con­ da divisão dos podêres, o que revela a fonte da debilidade do
vicções, mas também pode não senti-la . O . fato de a diploma� liberalismo : a burocracia, a cristalização do pessoal dirigente,
cia ter-se tornado necessáriamente . uma profissão especializada, que exerce o poder coercitivo e que, num determinado ponto,
levou a esta conseqüência : pode afastar o diplomata da política, se transforma em casta . Daí. a reivindicação popular da elegibi­
d�� gov,ernos mutáveis, e tc . ) , portanto, ceticismo, e, na. elabo­ lidade para todos os cargos, reivindicação que é, simultanea­
ração científica, preconceitos extracientíficos; 2) as convicções mente, o liberalismo extremo e a sua dissolução ( princípio da
d� Guicciardini, que era conservador, nó quadro geral da polí­ Constituinte permanente, etc . ; nas repúblicas, a eleição tempo·
tica italiana, e por isto teoriza sobre as suas opiniões, a sua � rária do chefe do Estado dá uma satisfação ilusória a esta rei­
posição" política, etc . vindicação popular elementar ) .

94 95
Unidade do Estado na distinção dos poderes : o Parlamen· nitiva, de alcance moral, e não apenas um JUIZO de periculosi­
to mais ligado à sociedade civil, o Poder Judiciário entre gover­ dade genérica . O direito é o aspecto repressivo e negativo de
no c Parlamento, representa a continuidade da lei escrita (in­ toda a atividade positiva de civilização desenvolvida pelo Estado.
clusive contra o governo) . Naturalmente os três poder�s são <
i: Deveriam ser incorporadas na concepção do direito inclusive
também órgão da hegemonia política, mas em diversa medida : as atividades "premiadoras" de indivíduos, de grupos, etc. ;
1 ) Parlamento ; 2 ) magistratura; 3 ) governo . Deve-se notar premia-se a atividade louvável e meritória como se pune a ati­
como impressiona mal ao público as incorreções da administra­ vidade criminosa ( e pune-se de modo original, permitindo a
ção da justiça : o aparelho hegemônico é mais sensível neste intervenção da "opinião pública" como sancionadora) .
setor, ao qual podem-se reduzir também os arbítrios da polícia
-
e da administração pública .

Política e direito constitucional . A Nuova A ntologia, de


1 6 de dezembro- de 1 929, publica uma resenha de um certo
Concepção do direito . Uma concepção do direito essencial­ M . Azzalini, La politica, scienza ed arte di Stato, que pode ser
mente renovadora não pode ser encontrada, integralmente, em interessante como apresentação dos elementos em que se de­
nenhuma doutrina preexistente (nem mesmo na doutrina da bate o esquematismo científico .
chamada escola positiva, e particularmente na doutrina de Ferri) .
Azzalini começa afirmando que foi glória "fulgidíssima" de
Se cada Estado tende a criar e a manter certo tipo de civiliza­
Maquiavel "ter ele circunscrito ao Estado o âmbito da política".
ção e de cidadão (e, portanto, de convivência e de relações
Não é fácil compreender o que o Sr . Azzalini quis dizer . Ele
individuais) , tende a fazer desaparecer certos costumes e há­
transcreve o seguinte período do cap . III do Príncipe : "Dizen­
bitos e a difundir outros, o direito será o instrumento para
do-me o cardeal de Roano que os italianos não entendiam da
este fim ( ao lado da escola e de outras instituições e atividades)
guerra, respondi que os franceses não entendiam do Estado",
e deve ser elaborado de modo que esteja conforme ao fim e seja
e sobre esta única citação baseia a afirm(l�í'íf) de que, "portanto",
eficaz ao máximo e criador de resultados positivos .
para Maquiavel, "a política devia ser entendida como ciência,
A concepção do direito . deverá ser libertada de todo resí­ � e como ciência de Estado, e que foi sua glória, etc . (o termo
duo de transcendência e de absoluto; embora a mim pareça "ciência de Estado" para "política" teria sido adotado, no seu
que não se pode partir do ponto de vista de que o Estado não correto significado moderno, antes de Maquiavel, só por Marsi­
"pune" (reduzindo-se �ste termo ao seu significado humano ) , lia da Padova) . Azzalini é bastante leviano e superficial . A
mas luta apenas contra a "periculosidade" social . Na realidade, anedota do Cardeal de Roano, isolada no texto, não significa
o Estado deve ser concebido como "educador", desde que ten­ nada . No contexto, assume um significado que não se -presta
de a criar um novo tipo ou nível de civilização . Em virtude do a deduções científicas : trata-se, evidentemente, de uma frase
fato de que se atua essencialmente sobre as forças econômicas, de espírito, de uma réplica . imediata . O Cardeal de Roano
reorganiza-se e desenvolve-se o aparelho de produção econômica, afirmara que os italianos não entendem de guerra; replicando,
inova-'Se a estrutura, não se deve concluir que os elementos de Maquiavel responde que os franceses não entendem do Estado,
superestrutura devam ser abandonados a si mesmos, ao seu de outro modo não teriam permitido ao Papa ampliar o seu
desenvolvimento espontâneo, a uma germinação casual e espo­ poder na Itália, o que era contra os interesses do Estado fran­
rádica . O Estado, inclusive neste campo, é um instrumento de . cês . Maquiavel, de modo algum, pensava que os franceses não
"racionalização", de aceleração e de taylorização, atua segundo entendessem do Estado, inclusive ele admirava o modo pelo
um plano, pressiona, incita, solicita e "pune", p ois, criadas as qual a monarquia (Luís XI) realizara a unidade estatal da
condições em que um determinado modo de vida é "possível", França e fazia das ações da França, no- terreno do Estado, um
a "ação ou omissão criminosa" devem receber uma sanção pu- exemplo para a Itália . Naquele seu diálogo com o Cardeal de

96 97
Roano, de fez "política" prática, e não "ciência política" ; pois, mação de Estados fortes na Itália, intervindo na vida interna
segundo ele, se o reforçamcnto do Papa era prejudicial à polí­ dos povos por de não dominados temporalmente, em defesa de
tica francesa, era mais prejudicial ainda em relação à política interesses que não eram os dos Estados e que por isso eram
interna italiana . J perturbadores e desagregadores ) .
O curioso é que, partindo de tão infeliz citação, Azzalini Pode-se encontrar em Maquiavel a confirmação de tudo o
afirme que "mesmo enunciando-se que aquela ciência estuda o que notei em outras partes : que a burguesia italiana mediçval
Estado, d á-se uma definição (I? ) inteiramente imprecisa ( ! ) não soube sair d a fase corporativa para ingressar na fase poU- ­
porque não se indica com que critério se deve observar o obje­ tica por não ter sabido libertar-se completamente da concepção
to d a pesquisa . E a imprecisão é absoluta, dado que todas as medieval cosmopolita representada pelo Papa, o clero e, · inclu­
ciências jurídicas em geral, e o direito público em particular, sive, os intelectuais leigos (humanistas ) , isto é, não soube criar
referem-se indiretamente e diretamente àquele elemento". um Estado . autónomo, permanecendo na moldura medieval,
O que quer dizer tudo isto, em relação a 'Maquiavel? Nada feudal e cosmopolita .
de nad a : confusão mental . Maquiavel escreveu livros de "ação
Azzalini acentua que "basta" apenas a definição de Ulpia­
política imediata", não escreveu uma utopia em que um Estado no e, melhor ainda, os seus exemplos, publicados no Digesto,
já constituído, com todas as suas funções e os set;lS elementos para ressaltar a identidade extrínseca (e então?) d o objeto das
constitutivos, fosse almejado . No seu trabalho, na sua crítica duas ciências . :'[us publicum ad statutum rei (publicae) roma­
do presente, ele exprimiu conceitos gerais, que, portanto, se nae spectat . Publicum ius, ln sacris, ln sacerdotibus, ln ma­
apresentam · sob forma aforística, e não sistemática, e exprimh� gistratibus consistit. " "Verifica-se, portanto, uma identidade de
urna concepção d o mundo original que também poderia ser de­ objéto no direito público e na ciência política, mas não substan­
finida como "filosofia da praxis" ou "neo-humanismo" n a me­ cial, porque os critérios com os quais unia e outra ciência rela­
dida em que não reconhece elementos transcendentes ou ima­ ciona1)l a mesma matéria são inteiramente diversos . Efetiva­
nentes ( em sentido. metafísico) , mas baseia-se inteiramente na mente, diversas são as esferas da ordem jurídica e da ordem
ação concreta do homem que, pelas suas necessidades históricas, política . Na realidade, enquanto � primeira observa o organis­
atua e transforma a realidade , Não é verdade, como parece mo público, de um ponto de vista estático, como o produto
1tt
acreditar Azzalini, que Maquiavel não tenha levado em conta natural de uma determinada evolução histórica, a segunda obser­
o "direito constitucional" . Em toda a obra de Maquiavel en­ va o mesmo organismo, de um ponto de vista dinâmico, como
contram-se esparsos princípios gerais de direito constitucional, um produto que pode ser avaliado nas suas qualidades e nos
e ele afirma, com bastante clareza, a necessidade de que n o seus defeitos e que, conseqüentemente, deve ser modificado de
Estado domine ::1 lei, princípios fixos segundo o s quais o s cida­ acordo com as novas exigências e as ulteriores evoluções" . Logo,
dãos virtuosos possam atuar seguros de que não cairão sob os pode-se-ia dizer que "a ordem jurídica é ontológica e analítica,
golpes do arbítrio . Mas, justamente, Maquiavel reconduz tudo pois estuda e analisa os diversos institutos públicos n o . seu ser
à política, isto é, à arte de governar os homens, de procurar o real", enquanto a "ordem política é deontológica e crítica, por­
seu consentimento permanente, de fundar, p ortanto, os "gran­ que estuda os vários institutos não como são, mas como deve­
des Estados" ( deve-se recordar que Maquiavel sentia que Esta­ riam ser, isto é, com critérios d e avaliação e julgamentos de
do não era a Comuna ou a República e a Possessão Comunal, oportunidades que não são nem podem ser jurídicos" .
porque lhes faltava, além de um vasto território, uma popula­
E tal sabichão pensa que é um admirador de Maquiavel,
ção capaz de ser a base de uma força militar que permitisse
um seu discípulo e, o que é mais, um aperfeiçoador!
uma política internacional autónoma : ele sentia que na Itália,
"Daí se deduz que à identidade formal acima descrita opõe­
com o Papado, perdurava uma situação de não-Estado e que
se uma substancial diversidade tão profunda e notável de modo
ela perduraria 'enquanto a religião não se tornasse "política" d o
a não permitir, talvez, a opinião expressa de um dos maiores
Estado e deixasse cÍ e ser política do Papa para impedir a foí�

98 99
publicistas contemporâneos, que considerava difícil, se não im� no qual predomina a atividade teórica cognoscitiva, existe o
possível, criar uma ciência política completamente diferente do artista, no qual predomina a atividade teórica intuitiva . Isto não
direito constitucional . Parece�nos que · este raciocínio só é ver� exaure inteiramente a esfera de ação d a arte política que, além
dadeiro se a análise do aspecto jurídico e do aspecto político se J de ser observada através do estadista que, na prática das fun�
detém neste ponto; não o será se fór além, especificando aquê� ções do governo, exterioriza a representação interna do intuito,
le campo ulterior que é çle competência exclusiva da ciência pode ser avaliada através do escritor, que realiza no mundo
política . Esta, efetivamente, não se limita a estudar a organi� externo ( ! ) a verdade intuída não praticando atos de poder,
zação do Estado com um critério deontológico e crítico, e por mas criando obras e escritos que traduzem o intuito do autor .
isso diferente daquele usado para o mesmo objeto pelo direito :E: o caso do indiano Kamandaki ( século III D . C . ) , de Petrar­
público, mas amplia a sua esfera a um campo que lhe é próprio, ca no Trattatello pei Carraresi, de Botero na Ragion di Stato
definindo as leis que regulam o surgimento, a consolidação e o c, sob certos aspectos, de Maquiavel e de Mazzini." Azzalini
declínio dos Estados . Nem é válido afirmar que este é um não sabe orientar-se f1.em na filosofia, nem na ciência da polí­
estudo da História ( entendida no seu significado geral ( ! ) , por­ tica . Mas procurei utilizar-me de todas estas notas . para tentar
que mesmo admitindo que a pesquisa das causas, dos efeitos, desembaraçar o novélo e ver se chego a conceitos claros por
dos vínculos mútuos de independência das leis naturais que go­ minha conta . Deve-se esclarecer, por exemplo, o que pode· sig­
vernam o ser e o existir dos Estados seja investigação histórica, nificar "intuição" na política e a expressão "arte" política, etc .
permanecerá sempre no âmbito exclusivamente político, portan� Recordar, ao mesmo tempo, alguns pontos de Bergson : "A
to nem histórico nem jurídico, a pesquisa dos meios idôneos inteligência só nos oferece uma tradução da vida ( a realidade
capazes de presidir, na prática, à orientação geral política . A . cm termos da inércia . Ela gira em torno de
função que Maquiavel se propunha realizar e sintetizava dizen­ "P<Ul1I'WUV de fora o maior número possível de visões do
d o : Provarei como estes principados podem ser governados e objeto que aproxima de si, em vez de penetrar nele . Mas é a
mantidos (Principe, cap . II) , é de tal ordem pela sua impor� intuição que nos levará ao interior da vida : pretendo dizer o
tância intrínseca e como argumento, que não só legitima a au� instinto que se tornou desinteressado." "O nosso olho percebe
tonomia da política, mas permite, pelo menos sob o aspecto os traços do ser vivo, mas aproximados um do outro, não or­

iI
anteriormente delineado, uma distinção inclusive formal entre a ganizados entre si . A intenção da vida, o movimento simples
política e o direito público." que corre através das linhas, que liga uma a outra e dá�lhes um
Eis o que Azzalini entende por autonomia· da política I significado, escapa a ele, e é esta intenção que o artista tende
Mas - afirma o autor - além de uma ciência, existe uma a apanhar, colocando-se no interior do objeto com uma espécie
arte politica . "Existem homens que apreendem ou apreende� de simpatia, superando através de um esforço de intuição a
ram da intuição pessoal a visão das necessidades e dos interesses barreira que o espaço coloca entre ele e o modelo . Mas, na
do país governado, que na sua obra de governo aplicaram n o verdade, a intuição estética só abrànge o individual." "A inteli�
mundo externo a visão, a intuição pessoal. N ã o queremos dizer gência é caracterizada por uma incompreensã o natural da vida,
com isto, é claro, que a atividade intuitiva, e por isso artística, já que ela representa claramente apenas o descontínuo e a imo�
é a única e predominante no estadista; queremos apenas dizer bilidade."l
que nele, ao lado das atividades práticas, econômicas e morais, Portanto, separação da intuição política da intuição esté�
deve subsistir também aquela atividade teórica acima indicada, tica ou lírica, ou artística : só por metáfora fala-se de arte po�
tanto sob o aspecto subjetivo da intuição como sob o aspecto lítica . A intuição política não se exprime no artista, mas no
objetivo ( ! ) da expressão, e que, na ausência desses requisitos, "chefe", e por "intuição" deve-se entender não o "conhecimento
não pode existir o governante e muito menos ( I ) o estadista, dos individuais", mas a rapidez em ligar fatos aparentemente
cujo fastígio se caracteriza exatamente por aquela faculdade
inata (?) . Logo, também no campo político, além do cientista, 1 BERGSON, L'évolution créatrice, Paris, 1907, pa88im. (N. e. I. )

100 101
estranhos entre si e . em conceber os meios adequados ao fi m
para situar os interesses em jogo, suscitar as paixões dos ho­
mens e orientá-los para uma determinada ação . A "expressão"
do "chefe" é a "ação" (em sentido positivo ou negativo, desen­
cadear uma ação, ou impedir que se verifique uma determinada
ação, conveniente ou inconveniente ao Jim que se quer alcan­
çar) . Além do mais, em política o "chefe" pode ser um indi­
víduo, mas também um corpo poHtico mais ou menos nume­
rosa: . neste último caso a unidade de intenções será sintetizada
num indivíduo ou num pequeno grupo interno; e no pequeno
grupo num indivíduo que pode mudar, permanecendo o grupo 2
flllido e coerente no prosseguimento da sua obra .
, Para se traduzir em linguagem política moderna a noção
h de "príncipe", da forma como ela se apresenta no livro de
Maq))iavel, seria necessário fazer uma série de distinções : "Prín­ Ro berto Michels e os
cipe" poderia ser ·um . chefe de Estado, um chefe de governo,
mas também um líder político que pretende conquistar um Es­ Partidos Políticos
tado ou fundar um novo tipo de Estado; neste sentido, em lin­
guagem moderna; a tradução de "Príncipe" poderia ser "parti­
do político" . Na realidade de todos os Estados, o "chefe do
Estado;', isto é, o elemento equilibrador dos diversos iIiteresses
em luta contra o interesse predominante, mas não exclusivo num
sentido absoluto, é exatamente o "partido político"; ele, porém,
ao contrário do que se verifica no direito constitucional tradi­
cional, nem reina nem governa juridicamente : tem "o poder
de fato", exerce a função hegemônica e, portanto, equi­
libradora de interesses diversos, na "sociedade civil" ; mas de
tal modo esta se entrelaça de fato com a sociedade política, que LE PARTI politique - escreve Mich
els - ne saurait être
todos os cidadãos sentem que de" reina e governa . Sobre esta etymologiquement et logiquement
qu'une partie de l'ensemble des
realidade, que se movimenta continuamente, não se pode criar dtoyens, organisée sur · le terrai
n de la politique . Le parti n'est
um direito constitucional do tipo tradicional, mas só um sistema done qu'une fraetion, pars 'pro
toto' '' . 1 Segundo Max Weber,2
"
de princípios que afirma como objetivo do Estado o seu próprio ele s e origina d e duas espécies de
causas : seria especialmente uma
fim, o seU desaparecimento, a reabsorção da sociedade política associação espontânea de propa
ganda e de agitação, que tende
pela sociedade civil . ao poder para permitir, assim, aos
seus adeptos ativos (militantes )
possibilidades morais e materiais
para alcançar metas objetivas
,--,. � :)-.I '" ou vantagens .pessoais ou, ainda,
as duas coisas juntas . A orien-

A . j>
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1 R . MICHELS, Les partis politiques et la contrainte sociale, Mercure
de France, 1.0 de maio de 1928, págs . 513-535 .
2 Wirtschaft und Gesellschaft. Grundriss det: Sozialõkonomik, III, 2.a
ed . , Tubingen, 1925, págs . 167, 169 .

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