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DIGNIDADE DA ADVOCACIA

Kátia Rubinstein Tavares e Carlos Eduardo Machado são


Diretores do Instituto dos Advogados Brasileiros

Apesar dos tempos sombrios, na abertura deste ano, tivemos uma importante conquista
com a recente publicação da Lei de abuso de autoridade (13.869/2019), fruto de uma longa
demanda de luta da Ordem dos Advogados do Brasil para restringiras arbitrariedades e os
excessos cometidos por agentes públicos. A antiga legislação (4.898/1965) refletia o período
ditatorial e, nesse sentido, não se harmonizava com a proteção dos direitos e as garantias da
ordem constitucional do Estado Democrático de Direito vigente.
A nova legislação traz uma série de mudanças aprovadas pelo Legislativo, como por
exemplo, estabelece prisão de um a quatro anos ao juiz que determinar medida de privação da
liberdade em absoluta desconformidade com as hipóteses legais; ou para o magistrado que
deixar de conceder liminar ou ordem de habeas corpus, em hipótese manifestamente cabível.
Dentre outras modificações que passaram a valer, agora, é crime violar prerrogativas
de advogados, elencadas nos incisos II, III, IV e V, caput do artigo 7º do Estatuto da OAB,
praticada por todo agente público, independente da condição formal de servidor público;
portanto, podem ser alvos de penalidades os membros do Legislativo (deputados, senadores,
vereadores), Judiciário, Ministério Público, de Tribunais ou Conselhos de Contas,
como também os fiscais da Receita Federal. A pena é de prisão de três meses a um ano, além
de multa.
A inauguração dessa Lei vem causando protestos de juízes, integrantes do Ministério
Público e da Associação dos Delegados da Polícia Federal. Este órgão ajuizou ação no
Supremo Tribunal Federal para anular partes do texto. O principal receio é que policiais,
promotores e juízes poderão se sentir inibidos ou temerosos em desempenhar suas funções,
por conta das punições da nova legislação. Tal protesto não procede, pois a lei protege os
agentes públicos que manifestem suas divergências sem a especial finalidade de causar
prejuízos a outras pessoas por meio do uso das prerrogativas do seu cargo.
Outros esclarecimentos merecem a nossa atenção. O primeiro é que as prerrogativas
não são privilégios de classe, mas sim uma garantia conferida a determinada categoria
profissional. Especialmente, quanto aos advogados, essas prerrogativas representam a
proteção do cidadão frente à opressão do Estado e, por isso, não pode ficar submetido à
situação de fragilidade diante do desrespeito aos direitos legalmente atribuídos a seu patrono.
O advogado é indispensável à administração da justiça; além de ser inviolável por seus
atos e manifestações no exercício da sua profissão, porquanto não se admite que ele possa
sofrer pressões externas advindas de autoridades que buscam, através da força ou de uma
pretensa hierarquia, passar por cima de direitos, legislações ou da própria Constituição. Não
existe qualquer hierarquia e nem subordinação entre magistrado, membro do Ministério
Público ou quaisquer agentes públicos e advogado, que devem se pautar por tratamento
condigno de respeito recíproco.
    O segundo esclarecimento envolve exatamente o alcance dessa criminalização nos dias
atuais.
         Afigura-se relevante destacar que vem se tornando uma prática constante em audiências
dos Tribunais no país os ataques e excessos das autoridades praticados contra o advogado.
Notadamente, na área criminal, muitas vezes, se confunde a pessoa do acusado com a função
do advogado ao exercer o direito de defesa, e que deve ser invocado em nome de todos os
cidadãos, como forma de preservação a uma das mais importantes prerrogativas humanas
historicamente consagradas em nossa civilização: o da indignação à fúria acusatória, ao
buscar a proporcionalidade e o equilíbrio na distribuição da justiça.
         A nova Lei de abuso de autoridade representa uma grande conquista civilizatória tanto
para a sociedade como também ao exercício pleno da advocacia brasileira. Mas só a
existência dela, sem sua aplicação eficaz, não trará mudanças práticas. Para tanto, é
indispensável a união de forças da classe com a Ordem dos Advogados do Brasil e as
respectivas associações, a fim de que se façam valer efetivamente os novos comandos legais,
que têm ampla possibilidade de restaurar o respeito e a dignidade da advocacia. 

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