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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO – PRPG
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL-PPGHB

CAPITÃO BANDEIRA É O FILME DO PLÁ: ANTÔNIO CALMON E A


PRODUÇÃO DE SENTIDOS SOBRE O CINEMA BRASILEIRO (1960-1980)

História, Cultura e Arte

RESUMO

Este trabalho pretende analisar historicamente, a pretexto do cineasta, roteirista e autor de


novelas Antonio Calmon e de seus contemporâneos, a produção de sentidos sobre o cinema
brasileiro, entre as décadas de 1960 e 1980. Esses debates demarcaram tradições e inovações
sobre a cultura brasileira, tomando a noção de moderno como referência nesse contexto.
Analisaremos, por meio de filmes do período e entrevistas temáticas, os cânones do cinema
brasileiro, para mapear os lugares de produção e as posições dos agentes no campo
cinematográfico, enfatizando principalmente a produção fílmica voltada para o consumo dos
anos 70. Entendemos que os cânones cinematográficos são insuficientes para abarcar
cineastas e produções cuja historicidade atravessa diversos momentos da História da cultura
brasileira. Do ponto de vista conceitual, o trabalho dialoga com autores como Michel
Foulcault, Gilles Deleuze, Jorge Larrosa, dentre outros.

Palavras-Chave: História, Cultura Brasileira, Antonio Calmon, Cinema Brasileiro.

033.550.243-17
Teresina-Piauí
2018
2
3

1. Apresentação de problemática de estudo

“Nunca vi o cinema como exposição de problemas” (PLUG, 1971). É assim que o


amazonense de nascença e carioca de coração Antonio Augusto Dupin Calmon, se
refere aos caminhos tomados pela sétima arte após a forte proeminência do cinema
novo1 na década de 60. Conhecido muito mais por suas contribuições nos folhetins 2 da
rede globo de televisão, Calmon tem vasta carreira no cinema, onde colaborou com
nomes que marcam o cânone da produção fílmica do chamado cinema moderno, como
Glauber Rocha, Cacá Diegues e Gustavo Dahl3. A polêmica entrevista concedida a
Torquato neto para o correio da manhã, em 1971,- tem como premissa o lançamento da
película “O capitão bandeira contra o Doutor Moura Brasil”, uma comédia que
“equilibra-se entre as loucuras marginais e o Brasil moderno que viria depois 4”- o
coloca na contramão da contestação, do uso do filme fora do circuito comercial, da
imagem como elemento de uma guerrilha semântica, tão caro ao cinema marginal5.
Os rótulos de “careta” e “quadrado” dados por Torquato o perseguiram. Calmon,
dentro de uma nação de linha evolutiva da cultura brasileira6 quando não negligenciado
pela historiografia, tem sua produção associada à frentes que se constituem na
despolitização, em identidades fechadas e na lógica de consumo com um fim em si,
mesmo em um contexto em que se exige a resistência, como é o caso dos anos de
chumbo da ditadura civil/militar no Brasil. Seu nome passa a estar associado a projetos
vulgares e conformistas, valorizando assim o rótulo clássico de sua obra, como produto
do “colonialismo/imperialismo cultural7” de uma industria de cinema mainstream, de
consumo, em expansão.
Alguns críticos de cinema o associam a pornochanchada8, malquista frente aos
filões do cinema brasileiro. Enquanto os jovens do cinema marginal estão a expressar
seus descontentamentos em relação ao tempo em que vivem, por meio de estéticas que
“além da transgressão comportamental, visavam à constituição de uma contra-

2
Dentre as inúmeras produções de sua parceria na Rede Globo, temos novelas, minisséries e seriados.
Novelas como Top Model(1989), Vamp(1991), Cara e coroa(1995), Beijo do vampiro(2002),são tidas
como grandes sucessos de audiência.
3

4
ORTIZ, José Mário.
5
6
7
ORTIZ, JOsé Mário
8
4

linguagem9”, Calmon fugia de organizações, vistas por ele como reduto de


aproveitadores, na premissa mais artificial e distorcida da fala de Timothy Leary, ligue-
se, sintonize-se e caia fora10. do que ele considerava “compromissos com escolas ou
programas11”, para colocar sua produção como algo que transcende as especulações da
crítica especializada. Visando demonstrar a originalidade de seu trabalho, Calmon cria
um conceito próprio para escapar de discursos que o posicionam em partidos e
posicionamentos acabados. Como um loner, uma perspectiva de trabalho puramente
pessoal, nasce o conceito de filmes de exceção:

Meus filmes sempre foram filmes de exceção e não se enquadram


nesta ou naquela categoria porque são produtos originais. E por isso
mesmo é necessário fazer um segundo esclarecimento: é muito mais
fácil simplesmente me colocar como um realizador de filmes pornô
ou, sejamos diretos, de pornochanchadas, do que reconhecer a
incapacidade de crítica diante do novo.

Essa construção discursiva de Calmon mostra o que foi a transição dos anos 60 para
os anos 70: Um reflexo da mutação em torno das formas como lidamos com tempo e
espaço. As maravilhas tecnológicas, a mundialização das relações e as experiências
micropolíticas nos códigos culturais do período, contribuem para o “esforço dos
indivíduos em criar espaços mínimos para si12”, para preencher vazios existenciais. As
identidades são exacerbadas, fruto dos fluxos de novidades do período. No cinema em
específico, as certezas edificantes também sofrem abalos. Mesmo o cinema novo, tido
como um espaço de conjunto e batalha de todos 13, é também evidenciado como uma
linguagem que fala de coisas mortas, sendo visto como uma produção com o elo
perdido, sem contato com o público, sem conexão com a realidade brasileira14.
Mesmo visando estabelecer essências, ditar tradições sobre o cinema brasileiro, os
cânones da produção fílmica do período - o cinema marginal e o cinema novo - são

9
EDWAR E FÁBIO
10
O psicologo americano Timothy Laeary tornou-se ícone da contracultura dos anos 1960 e cunhou a
expressão talvez mais utilizada e representativa da era: “ligue-se,sintonize-se e caia fora!”. Leary
entendida a sociedade como um organismo infestado de comunidades genéricas e estéreis que não
estimulavam os sentidos mais profundos das pessoas. A primeira coisa que deveríamos fazer é ” cair fora”
ou seja, afastarmo-nos das nossas conexões artificiais e confiar em nossos pensamentos e atos. A
expressão “caia fora”, entretanto, foi erroneamente interpretada como um conselho no sentido de que as
pessoas parassem de produzir, o que jamais foi objetivo de Leary. Para mais informações, acesse:
https://mauriciodorninger.wordpress.com/2014/01/06/ligue-se-sintonize-se-e-caia-fora/. Disponível em
12/10/2019.
11
Entrevista de Calmon para o Globo, em 1978.
12
EDWAR. Todos os dias de paupérria.
13
Entevissta da Plug.
14
Entrevista da Plug
5

modelos que se constituem na contradição, no conflito, na pluralidade estética. Ao passo


que aparecem enraizados como movimentos coesos e conceitos fechados, os cânones
cinematográficos parecem insuficientes para abarcar cineastas cuja historicidade
atravessa diversos momentos da História da cultura brasileira.
A escolha por Calmon, para compreender os debates e as contradições do período,
gira em torno dos lugares ocupados pelo ex-cineasta na História e produções do cinema
brasileiro. Apesar de ser associado a um cinema de cunho mais comercial, Calmon
transitou nos bastidores do cinema novo, revisitou o experimentalismo underground da
estética marginal e flertou com a antropofagia cultural do cinema comercial, buscando
produzir uma estética contrária a ideia de conformismo, de “subdesenvolvimento
cultural, avanço do cinema americano”15 comum as pornochanchadas do período.

As pornochanchadas odeiam o sexo e a mulher, duas das referências mais


importantes do meu cinema. A pornochanchada, finalmente, é sintoma de
um estágio primitivo da sexualidade, o que não é exatamente o meu caso. O
fato de um autor se apropriar culturalmente de um fenômeno de massas não
é a mesma coisa do que fabricar cegamente um produto para ganhar o
mercado. Eu não conseguiria fazer uma pornochanchada "pura" mesmo que
quisesse16.

As experiências micropolíticas de Calmon fundamentam uma tática em relação


às estratégias17 que demarcam convenções e conceitos sobre o cinema, permitindo assim
o uso de um fenômeno comercial e de massas, sem necessariamente sucumbir aos
interesses do mainstream. Entende-se que o autor, independente de um programa ou de
justificativas intelectuais, sempre reflete em seu trabalho o próprio mundo interior e a
interação deste mundo com a realidade social, sem a “emasculação artística da
realidade”18.
A fim de mapear a pluralidade de estéticas, representações e locais de produção do
cinema no Brasil no período dos anos 60 a 80, com o pretexto de analisar a obra de
Calmon e os cânones do cinema é a antessala da discussão que une as pontas para
alguns dos objetivos da pesquisa: Como críticos de cinema e cineastas do período, se
relacionam com a ideia de moderno no cinema brasileiro? Que implicações
interpretativas foram geradas pelos cânones fílmicos, para contar a História do Cinema
no Período? Cabe aplicar a nomes como Calmon e Nelson pereira dos santos um

15
16
17

18
Entrevista de Calmon a
6

conceito cultural fechado? O que seriam os filmes de exceção de Antonio Calmon e


como eles se relacionavam com as estratégias narrativas propostas pelos cânones do
período? Como os conceitos de corpo e sexualidade são desenvolvidos na obra de
Calmon? Como a produção de Calmon dialogava com os debates em torno da cultura
brasileira no período da ditadura civil/militar?
Em síntese, interessa problematizar - tendo como pretexto como a micropolítica de
Calmon reconstruiu a realidade Histórica em que estava inserido - os lugares de
produção, as representações em torno da sociedade do período, os mecanismos
institucionais de suporte ao filme, os “suportes que expressam a formação discursiva
dominante e as relações de poder que as enformam19”.

2. Justificativa

Esse objeto de pesquisa se insere no horizonte de possibilidades e desafios nos quais a


historiografia tem se enveredado com frequência desde a década de 1980. O
alargamento dos campos de atuação faz o historiador achar-se "hoje povoado por
inúmeras ilhas, cada qual com a sua flora e a sua fauna particular 20", onde, num vasto
caleidoscópio de informações, transitam redes de saberes e conexões. Doravante, nos
posicionamos no sentido de valorizar a História como uma operação de caça,
demarcando distância de diagnósticos com certezas edificantes. Interessa, por meio de
análises de sintomas, "reconstruir as formas e movimentos das presas invisíveis pelas
pegadas na lama21", para promover operações mentais em torno de um tema ainda pouco
saturado.
Além disso, priorizar o uso da imagem, do audiovisual, contribui para a ampliação de
possíveis saberes sobre o ofício, viabilizando assim, o uso de outras áreas e atribuições,
configurando um corpo saudável de historiador. Em conformidade a essa questão, José
d'Assunção barros aponta que "a ausência de pés, de um corpo saudável com todos os
seus membros e órgãos prontos a funcionar, pode até mesmo dificultar o projeto de
alguém se tornar uma boa orelha22". Entendemos a prerrogativa "não ser apenas

19
Frederico Osanan
20
BARROS, José D’Assunção. Os Campos da História – uma introdução às especialidades da história.
Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 16, 2004. p. 17.
21
GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: ______. Mitos, emblemas, sinais:
morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p.151.
22
BARROS, José D’Assunção. Os Campos da História – uma introdução às especialidades da história.
Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 16, 2004. p. 19.
7

orelha" como uma metáfora voltada não apenas para uma História que se encontra presa
em especializações exageradas, mas em receitas pré concebidas de como um
pesquisador da história deve ser/agir diante dos problemas atribuidos à realidade.
A pesquisa das fontes possibilita o acesso privilegiado a um grande número de
informações, suficiente para reaver pistas do passado e descortinar superfícies ocultas e
sem iluminação, por meio da escavação das camadas de sentido dadas as coisas.
Todavia, fontes históricas configuram desafios, exigem perícia, olhares atenciosos. São
arredias, escorregadias, manifestam paixões diversas, falsificações. Promove o franzir
da tez, por estimular o constante exercício da desconfiança. O jogo se delineia a partir
disso, na dança empírica de fontes, onde filmes, jornais, biografias e entrevistas se
relacionam não dentro de relações de força e graus de importância, mas de diálogo,
comparação, complemento.
Enfatizamos a importância das manifestações, discursos performances e experiências
dos cineastas, por entender que no fazer das produções fílmicas, emerge a sociedade
brasileira e os sentidos dados a ela, seja pelos perfis econômicos, ou nos discursos
normatizadores, sutis ou não. Em suma, se trata de percorrer aspectos cotidianos que
trazem à superfície como um grupo de intelectuais recria - por meio de suas
experiências e modos de ser e estar no mundo – o cinema no Brasil múltiplo e carregado
de signos e significados.

3. Objetivos
3.1. Objetivo Geral

Analisar historicamente, a pretexto do cineasta, roteirista e autor de novelas Antonio


Calmon e alguns de seus contemporâneos, a produção de sentidos sobre o cinema
brasileiro, entre as décadas de 1960 e 1980.
3.2. Objetivos Específicos

 Contextualizar historicamente vida e obra cinematográfica de Antonio Calmon.


 Analisar como a crítica de cinema e cineastas dos anos 60 e 70, se relacionam com
a ideia de moderno no cinema brasileiro.
 Caracterizar o que seriam os filmes de exceção de Antonio Calmon e como eles se
relacionavam com as estratégias narrativas propostas pelos cânones do cinema no
período.
8

 Estabelecer uma interlocução entre a produção discursiva elaborada por Antonio


Calmon e os vários sujeitos envolvidos com as produções de sentido sobre a cultura
brasileira no contexto da Ditadura civil/militar.

4. Fundamentação teórica – Revisão de literatura

Neste trabalho, dialogamos com as proposições teórico-metodológicas de Michel


Foucault e Michel de Certeau. Uma das contribuições de Michel Foucault para a
investigação histórica proposta é a compreensão do discurso enquanto “um conjunto de
enunciados, na medida em que se apoiem na mesma formação discursiva”, na qual
“podemos definir um conjunto de condições de existência” (FOUCAULT, 2008, 132).
Sua análise se baseia nas relações de poder, em que a formação e a manutenção dos
discursos são entendidas como práticas que se dão em função das condições tabelecidas
e não de forma aleatória:

Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo


tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo
número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e
perigos, dominar seus acontecimentos aleatórios, esquivar sua pesada
e temível materialidade. (FOUCAULT, 2013, p.8).

Foucault entende discurso enquanto práticas discursivas que além de designar as


coisas, produzem-nas. Nessa perspectiva, o discurso não é independente das relações
sociais. São elas que o condicionam, impossibilitam a sua neutralidade e que
determinam o que pode ser dito e o que deve ser silenciado. Com relação a Antonio
Calmon, compreendemos que sua prática discursiva foi estabelecida a partir de um lugar
envolto de tensões e conflitos, uma vez que ele não se aliava a nenhum cânone e vivia
sob o contexto do autoritarismo de uma ditadura civil/militar no Brasil. Deste modo,
partilhamos também da constatação de Michel de Certeau que sugere analisar o discurso
a partir do lugar social do qual ele se organiza:

Certamente não existem considerações, por mais gerais que sejam,


nem leituras, tanto quanto se possam estendê-las, capazes de suprimir
a particularidade do lugar de onde falo e do domínio em que realizo
uma investigação. Esta marca é indelével. No discurso onde enceno as
questões globais, ela terá a forma do idiotismo: meu patoá representa
minha relação com o lugar. Mas o gesto que liga as “ideias” aos
lugares é, precisamente, um gesto de historiador. (CERTEAU, 2007,
p. 65).
9

Para entender a relação que Calmon estabelece com o mainstream da indústria


cinematográfica - uma relação de interlocução e não simplesmente fabricação de um
produto cultural para o mercado – serão empregadas as concepções de Certeau acerca do
conceito de “táticas e estratégias”23, no intuito de detectar os conflitos entre os
dispositivos e indivíduos, cânones e inovações, consensos e desacordos. Diante de uma
produção racionalizada, regulada por cânones, cresce uma esgrima que esfarela sentidos
universalizantes. As artes de fazer, segundo o Certeau se fazem em:

Estilos de ação dos sujeitos reais, obedecem a outras regras que não
aquelas da produção e do consumo oficiais, criam um jogo mediante a
estratificação de funcionamentos diferentes e interferentes [...], dando
origem a novas 'maneiras de utilizar' a ordem imposta (p. 93). Para
além do consumo puro e simples, os praticantes desenvolvem ações,
fabricam formas alternativas de uso, tornando-se produtores/autores,
disseminando alternativas, manipulando, ao seu modo, os produtos e
as regras24.

Em síntese, essa pluralidade nos permite mapear afetos que em suma, revelam o exercício
dos indivíduos no cinema se tornarem outros de si mesmos 25 - particulares, singulares e
transitórios - no processo. O cinema, assim como diversos elementos da arte segunda
metade do século XX, desfere uma esgrima potente perante conceitos canonizados, tais
como a noção de cultura. Nesse contexto, interessa perceber a cultura para além de
dimensões cristalizadas. Por isso, a fuga de conceitos que vislumbram o enquadrar da
cultura a partir de caixas de sentido lançadas por vários ramos das ciências humanas se
faz necessária. A cultura será iluminada por meio do usufruto de leituras que valorizam o
caráter diaspórico e nômade da mesma. Interessa pensar a cultura pelo revés, como sugere
Homi Bhabha em O local da cultura,26 onde este conceito seria detectado num
movimento de passagem, evidenciando as transformações de valores, crenças e
identidades.
A teoria que se destaca como a mais potente a atravessar esse trabalho se constitui
de maneira a operacionalizar enunciados tanto na esfera do visível, na constituição das
linhas do texto, quanto na penumbra dos sentidos. Trata-se de uma filosofia nômade,

23
CERTEAU, Michel de. Invenção do cotidiano: artes de fazer. v. 1. Rio de Janeiro: Vozes, 1994. p. 46-
47.
24
CERTEAU, Invenção do coidiano, p.93
25
Jorge Larossa. Pedagogia profana
26
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis e
Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
10

cambiante, enunciada através da escrita caótica de Gilles Deleuze e Félix Guattari. 27 A


escrita eclética desses filósofos sugere uma busca ampla de referenciais também nos
intérpretes de sua obra. Das possibilidades infinitas deixadas por esses saberes, é
iluminada a intempestiva dança teórica que Daniel Lins chama de escrita bailarina. Intui-
se uma ruptura com a assepsia da razão, a rejeição do pensamento pragmático e a
constituição de um pensamento que articula essa filosofia à vida:
Em outras palavras, quando o pensamento passa a produzir conceitos
ancorados numa invenção vitalista, a filosofia emerge, então, das constelações
de saberes jamais dissociados de um saber viver, de um saber fazer, ou mais
exatamente, de um saber sonhar. O sonho como uma máquina para gerar
possíveis, entre outros.28

5. Hipóteses
5.1. Hipótese Central:

Os cânones cinematográficos são insuficientes para abarcar cineastas cuja historicidade


atravessa diversos momentos da História da cultura brasileira, como é o caso de Antônio
Calmon, que foi ex-aluno de Glauber Rocha, a diretor de mainstream de “Menino do
Rio” e da TV Globo.

5.2. Hipóteses Específicas:

Seus auto proclamados filmes de exceção, não se fazem dentro da ideia clássica
atribuída a sua obra - tida como conformista ou fruto de colonialismo internacional -
apesar de também não se encaixar na guerrilha semântica de estéticas politizadas como
a do cinema marginal.

O corpo, sexo e sexualidade – sobretudo do universo feminino - nas obras fílmicas de


Calmon, não se fazem dentro do clássico conceito conformista em torno da ideia de
pornochanchada. Mulher e sexo nas produções de Calmon ocupam destaque central nas
produções do autor, ao passo que a pornochanchada em um sentido mais puro, vulgariza
e odeiam a experiências femininas. Seu cinema, na verdade é irreverente e corrosivo,
conferindo um potencial senso crítico sobre a cultura brasileira na obra do cineasta.

Um dos motivos que fez com que Calmon não se encaixasse com nenhum cânone, se
27
Esse trabalho lidará com conceitos tais como os de linha de fuga, agenciamento, micropolítica,
imagem-movimento, presentes na obra de Gilles Deleuze, Félix Guattari e Suely Rolnik. Ver: DELEUZE,
Gilles. Crítica e clínica. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1997; GUATTARI, Félix;
ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1997; DELEUZE, Gilles;
PARNET, Claire. Diálogos. Tradução de Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta, 1998; DELEUZE,
Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Luiz B. L. Orlandi.
São Paulo: Ed. 34, 2010; GUATARRI, Félix. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo.
Tradução de Suely Rolnik. São Paulo: Brasiliense, 1981; ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental:
transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, 2006; DELEUZE, Gilles; GUATTARI,
Félix. Kafka: por uma literatura menor. Tradução de Cíntia Vieira da Silva. Belo Horizonte: Autêntica,
2014.
28
LINS, Daniel. O último copo: álcool, literatura, filosofia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
p. 15.
11

fazia na incapacidade discursiva de crítica à novidade no período. As categorias


propostas por esses modelos não conseguem abarcar produções originais, nas palavras
do próprio autor.

Sua não adesão a nenhum cânone, apesar de sua participação direta nas produções e na
absorção de certas estéticas desses modelos de fazer cinema, não se fez por
conformismo ou traição. O fato dele não tentar ser o que não é se constitui como uma
ferramenta de ação política - micropolítica - em um momento de exacerbação de
identidades.

6. Metodologia e Fontes de pesquisa


Em face da construção do texto para organizar o projeto, apresentamos as fontes que
serão o mote para análise em cada objetivo. A elaboração da dissertação com a temática
focada nas produções de sentidos sobre cinema dos anos 60 a 80 será constuída - num
primeiro momento - por meio de alguns filmes29, artigos de jornais30 e entrevistas. Cabe
dizer que do ponto de vista de uma Historiografia em torno do tema, Calmon pouco
aparece, ou é citado de maneira esporádica, o que dificulta no que diz respeito a leituras
prévias sobre sua biografia e produção fílmica. No entanto, o campo da História é bem
largo em torno dos cânones do período e o amplo acesso as produções dos autores do Grupo
de trabalho História e Subjetividades 31, da Universidade federal do Piauí, permitirá
compreender a atmosfera política, econômica, social e cultural do Brasil no período dos
anos de chumbo.
Sobre as películas em especial, deteremos a atenção as pornochanchadas e dramas eróticos,
para ver não apenas como Calmon fez suas escolhas técnicas e buscou temas para suas
produções de “entretenimento adulto”, mas como a crítica e o público se apropriaram de
suas produções. Entendemos a obra de Calmon, pelo prisma de que busca forjar sua
"condição de acordo com modalidades determinadas pelas individualidades
momentâneas30".
Entrevistas orais32 semiestruturadas serão outro meio de investigação. Essa fonte terá sua
importância por seu viés dinâmico e por sua incrível capacidade de captura de um tempo

29
Até o presente momento, os seguintes filmes foram selecionados para a pesquisa: O capitão bandeira
contra o Doutor moura Brasil, A carne, Gente fina é outra coisa, O bom marido

30
Entre os jornais utilizados, destacamos entrevistas de Calmon e blogs de crítica de cinema como “O
estranho encontro”
31
Dentre as inúmeras produções do grupo, destaco a leitura prévia das seguintes obras
32
Temos a possibilidade de entrevistar o próprio Calmon para a pesquisa. Inclusive, existe a possibilidade
de obter os roteiros da maioria de suas produções fílmicas. Filmes como o capitão Bandeira contra o
Doutor Brasil(1971) e o Bom marido(1978) são acessáveis.
12

instável. A História Oral traduz de modo eficiente a visão particular de processos


coletivos inscritos na contemporaneidade. A fonte é entendida como um portfólio para
uma "memória dos acontecimentos"33 em que os sentidos, dentro de uma perspectiva
estóica, se fazem na experiência. Não se trata de encontrar um rosto verdadeiro sobre
camadas de discurso, mas desmanchá-lo, mostrar a memória como um espaço aberto,
afetivo. As entrevistas são problematizadas na perspectiva da análise de Trajetória de vida
e temáticas, para entendemos os bastidores, contradições e representações de um período
onde o cinema é mais realista, crítico e popular.
Dentro do conceito da cartografia, novas linhas discursivas serão tiradas tanto das
películas quanto das fontes hemerográficas. Os jornais, com suas entrevistas e críticas,
darão indicativos de como essa parcela de autores produziu e teve sua produção consumida
revelando assim, por meio de emissão/ recepção de interpretações da realidade, o debate
em torno do cinema e da cultura brasileira. Sobre a cartografia enquanto método, cabe
caracteriza-la como estratégia de análise crítica e ação política:
Assim, a cartografia social aqui descrita liga-se aos campos de
conhecimento das ciências sociais e humanas e, mais que mapeamento
físico, trata de movimentos, relações, jogos de poder, enfrentamentos
entre forças, lutas, jogos de verdade, enunciações, modos de
objetivação, de subjetivação, de estetização de si mesmo, práticas de
resistência e de liberdade. Não se refere a método como proposição de
regras, procedimentos ou protocolos de pesquisa, mas,sim, como
estratégia de análise crítica e ação política,olhar crítico que
acompanha e descreve relações, trajetórias, formações rizomáticas, a
composição de dispositivos, apontando linhas de fuga, ruptura e
resistência34.

Essa prática produz uma análise dinâmica que arrasta para a luz lugares e movimentos de
poder, esquemas de enfrentamentos, densidades, intensidades, transformações
decorridas no prisma do eixo metodológico saber-poder-subjetividade35 do período.

7. Referências Bibliográficas

BARROS, José D’Assunção. Os Campos da História – uma introdução às


especialidades da história. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 16, 2004. p. 17.
33
DELEUZE, G. Lógica do sentido . São Paulo: Perspectiva, 1998.
34
PRADO, Filho. Cartografia como método para as ciências humanas. Barbarói, Santa Cruz do Sul, n.38,
p.<45-59>, jan./jun. 201
35
FOULCAULT, Michel. “Sobre a geografia”, In: MACHADO, R. (Org.). Microfísica do poder.Rio de
Janeiro: Graal, 1984.
13

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço


de Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. v. 1. Tradução de


Ephraim Ribeiro Alves. Petrópolis: Vozes, 2012

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