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A cultura do
dinheiro: ensaios sobre a globalização. São Paulo: Vozes, 2001. p. 17-41.
No nível tecnológico, considerado irreversível por muitos autores (“parece não haver lugar
aqui para uma política ludita”, p. 18), pode-se enfatizar na globalização a nova tecnologia
das comunicações, a revolução da informática – inovações que não permanecem no nível
das comunicações em sentido estrito, mas que também produzem um impacto na produção
e organização industriais, assim como na comercialização dos produtos.
No nível político, vivenciamos agora uma forma tardia de imperialismo, que envolve
apenas os Estados Unidos (e satélites totalmente subordinados) desempenhando o papel de
polícia do mundo, e impondo sua força através de intervenções selecionadas em várias
zonas que eles consideram de perigo.
- É na verdade um terceiro estágio do imperialismo: o 1º foi a ordem colonialista
pré-Primeira Guerra (exercida por algumas nações européias, pelos EUA e o Japão); e o 2º
foi o imperialismo da Guerra Fria (menos óbvio mas não menos insidioso, liderado
principalmente pelos EUA, mas envolvendo países da Europa Ocidental).
Nesse novo imperialismo, os EUA adotam uma estratégia quádrupla: armas nucleares
apenas para os EUA, direitos humanos e democracia eleitoral à americana, limites à
imigração e ao fluxo livre da força de trabalho, e propagação do mercado livre por todo o
globo.
Esse temor propaga-se da esfera da cultura para a economia, pois tal processo é o resultado
de uma dominação econômica (as industriais culturais locais sendo fechadas pela
competição americana), e para a esfera do social, sendo o cultural apenas seu sintoma:
trata-se do medo de que os próprios modos de vida étnico-nacionais sejam destruídos.
Essas estratégias de representação “são necessárias na arte política e não podem ser
conciliadas. Talvez correspondam a diferentes momentos históricos de luta, e envolvam
oportunidades locais e necessidades específicas de representação”. (p. 21-22).
“Fala-se muito, e sem muita precisão, da mercantilização da política, das idéias, das
emoções e da vida privada; o que precisamos acrescentar agora é que a mercantilização
hoje é também uma estetização – que a mercadoria é também consumida ‘esteticamente’”
(p. 23). Guy Debord já falava de uma sociedade de imagens, consumidas esteticamente.
No nível social da globalização, o que se aponta é a corrosão dos vínculos sociais por meio
da “cultura do consumo”, que se torna parte do tecido social cotidiano. Esse argumento se
liga às antigas denúncias de individualismo ou de atomização da sociedade, correndo os
grupos sociais: a sociedade moderna impessoal corrompendo as “formas orgânicas”.
A questão pode ser assim que o consumo em si mesmo individualiza e atomiza, que sua
lógica destrói o que é quase sempre metaforizado como o tecido da vida cotidiana. E, de
fato, a vida diária não começa a ser conceituada teórica, filosófica e socialmente até o exato
momento em que começa a ser destruída dessa forma.
No nível político, é preciso pensar numa política nacionalista (enquanto “projeto coletivo”,
tentativa de se construir uma nação) combinada com um antiimperialismo americano:
“apenas a resistência ao imperialismo americano constitui uma oposição ao sistema, ou à
própria globalização” (p. 37).
- Essa política se configura, por exemplo, na forma de luta por leis de proteção
trabalhista contra a pressão do mercado livre global, nas políticas de resistência de
“proteção” da cultura nacional, ou na defesa da lei de patentes contra um “universalismo”
americano que vai “varrer as culturas locais e a indústria farmacêutica, juntamente com
quaisquer redes de proteção social ou de sistemas médicos socializados que ainda possam
existir” (p. 38);
- A defesa do nacional torna-se uma defesa do próprio Estado de Bem-Estar Social;
- “No entanto, as áreas melhor equipadas em termos socioeconômicos para sustentar
esse tipo de resistência global – o Japão ou a União Européia – estão visceralmente
implicadas no projeto americano de mercado livre global e têm os ‘sentimentos
contraditórios’ de sempre, defendendo seus interesses em larga medida através de disputa
sobre tarifas, proteção, patentes e outras questões comerciais”. (p. 38).
- A luta contra a globalização não pode, assim, se dar em termos totalmente
nacionais ou nacionalistas: precisa estar voltada contra o imperialismo americano.
Mas é difícil representar a “vida cotidiana” que está sendo ameaçada pelo imperialismo:
“assim, se sua desagregação pode ser visível e tangível, a substância positiva do que está
sendo defendido pode ser reduzida a tiques antropológicos e estranhezas, muitos dos quais
se resumem a uma tradição religiosa...” (p. 39).
- Após o desaparecimento do movimento internacional comunista, parece que no
cenário internacional apenas algumas correntes no interior do islamismo (geralmente
chamadas de “fundamentalistas”) se posicionam efetivamente em oposição programática à
cultura ocidental, ou certamente ao “imperialismo cultural” ocidental.
Essa coesão coletiva não precisa assumir uma forma retrograda, em oposição ao atomizado
ou individualizado, mas pode ser forjada na luta: “novas formas de solidariedade são
forjadas no trabalho político ativo” (p. 41).
JAMESON, Fredric. Notas sobre a globalização como questão filosófica. [1998]. In:
______. A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. São Paulo: Vozes, 2001. p.
43-72.
Outra posição ideológica possível é a ênfase na economia, apontando, mais do que uma
diferença, uma crescente identidade: a rápida assimilação de mercados nacionais até então
autônomos e de zonas produtivas a uma só esfera, o desaparecimento da auto-suficiência
nacional, a integração forçada das nações à nova divisão global do trabalho.
Mas pode-se também transferir a perspectiva da identidade para a esfera cultural, e
enxergar a estandardização ou americanização da cultura mundial, a destruição das
diferenças locais, a massificação de todos os povos do planeta.
Nesse cenário global, é preciso perceber (inclusive os próprios americanos) que os EUA
não são apenas um país e uma cultura entre outras, nem o inglês é apenas mais uma língua.
Há uma assimetria fundamental nas relações dos EUA com todos os outros países do
mundo, e isso não apenas com o 3º mundo, mas com a Europa Ocidente e a Ásia.
“A cegueira americana pode ser constatada, por exemplo, na nossa tendência de confundir
o universal e o cultural, ou quando partimos do pressuposto que em qualquer conflito
geopolítico todos os elementos e valores são iguais e equivalentes, ou seja, não são afetados
pela desproporção do poder” (p. 48).
É preciso pensar essa intervenção cultural em larga escala dos EUA em termos de um
imperialismo cultural. Os produtos culturais são, junto com o agrobusiness e os
armamentos, os principais produtos de exportação dos EUA, ou seja, uma enorme fonte de
renda e lucro.
Essa política americana é acompanhada por uma retórica da liberdade: do livre comércio,
da liberdade de expressão, de circulação de idéias e de “propriedades” intelectuais. Mas
essa é a liberdade das grandes corporações (e de seu Estado-nação dominante) baseadas no
monopólio da tecnologia relevante de informação, que não é a mesma coisa que nossa
liberdade como indivíduos ou como cidadãos.
- “...as políticas complementares de copyright, de patentes, de propriedade
intelectual, indissociáveis dessas políticas internacionais, nos alertam para o fato de que a
tão aspirada liberdade de idéias é importante justamente porque essas idéias são
propriedade privada e foram projetadas para serem vendidas em grandes quantidades
lucrativas” (p. 51).
A hegemonia dos EUA nessa esfera, assentada numa retórica do “livre comércio” que
prego o fim dos subsídios locais e obras culturais (já que implicariam numa “concorrência
desleal” no mercado) significa na verdade a extinção gradual de novas produções artísticas
e culturais nacionais em todos os lugares do mundo.
“Tratar dessa questão em termos de um telos ou de uma intenção explícita pode até parecer
conspiratório, mas certamente esses pares se complementam: assegurar a própria vantagem
e destruir a dos inimigos, no caso em questão, um novo mercado mais livre, não significa
um aumento também dos negócios do concorrente”. (p. 52).