Primeiramente, é importante frisar que tudo que será debatido nessa análise envolve o

conceito de Fenômeno. Isso porque tudo que será analisado são hipóteses, pois não há como
dizer com exatidão que algo observado no filme só pode ter um motivo, uma conclusão. Além
disso, o filme em grande parte é passado em flashbacks da personagem principal, ou seja, são
memorias e pensamentos dela, portanto é o fenômeno dela que é demonstrado, e caso o filme
fosse retratado pela perspectiva de outro personagem, o fenômeno seria diferente. Além disso,
o uso dos flashbacks mostra que mesmo Eva no momento presente, seu passado, suas
memórias exercem grande influência em sua vida. Em diversas situações do seu cotidiano é
demonstrado que ela não consegue se desligar de tudo que aconteceu e dessa forma o seu
passado está constantemente influenciando-a no aqui-e-agora. Isso pode ser percebido quando
ela está usando a máquina de xerox e o som do aparelho é ouvido, mas as imagens que
aparecem são dela grávida e do seu marido mostrando o balanço para bebê que ele fez.

O filme começa com Eva tendo lembranças de seu passado em forma de sonho onde ela é a
figura principal. O sonho a mostra feliz em uma festa tradicional conhecida de La Tomatina,
na Espanha, mas em contraponto às imagens, a sonoridade é de muitas vozes gritando, que ao
final do filme entendemos que o áudio dessa cena remete à noite em que Kevin coloca em
prática seus planos. Então, podemos já no início perceber como, até em sonhos aparentemente
felizes, Eva é atormentada pelo o que o filho fez. Outro efeito sonoro que demonstra essa
confusão entre as lembranças é que na cena em que Kevin joga tinta no quarto especial da
mãe dele um barulho de regador de planta aparece de fundo, e no final descobrimos que é o
barulho que ela ouviu quando encontrou seu marido e filha mortos no jardim. Isso demonstra
como o fenômeno dela é confuso, como o que ela lembra ou percebe é confundido com
muitos momentos de sua vida.

Eva tem uma fisionomia triste e sofrida, e ainda no início do filme, antes de sabermos de toda
a história dela e de sua família, podemos perceber que ela é desprezada pela vizinhança, pois
é mostrado sua casa e seu carro sujos de tinta. Algo nessa cena que chama a atenção é que ela
não parece surpresa e não demonstra sentimentos muito fortes relacionado ao que aconteceu,
somente tenta seguir com o que planejou fazer durante o dia. E em outros momentos essa fuga
dela em entrar em contato é mostrada. Quando ela recebe um tapa de uma mulher na rua e um
homem oferece ajuda e ela rejeita, diz que está tudo bem. Ou quando ela vê uma senhora no
supermercado e tenta se esconder, e depois percebe que a mulher a viu, pois quando chega no
caixa todos os seus ovos estão quebrados e ela compra-os e cozinha-os mesmo assim. Essa
dificuldade em Eva fazer contato com seu meio e com si mesma é demonstrado durante quase
todo o filme e claramente é uma ação de seu ego rejeitando contato.

Durante sua gestação Eva não demonstra nenhum sentimento pela criança em seu ventre, nem
interage com as outras grávidas, isso fica visível na cena do vestiário feminino em uma
academia, e quando o marido mostra uma cadeirinha de bebê. Fica evidente a rejeição pela
criança e o quanto aquela gravidez é indesejada. Até mesmo no parto isso pode ser percebido,
pois a médica pede para ela parar de resistir, ou seja, ela tenta novamente evitar o contato com
o filho tentando impedir o seu nascimento. A mãe não segura o bebê na maternidade, e sim o
pai, ela não tem nenhum sentimento de amor pela criança e ele sente isso e manifesta através
do choro compulsivo. A gravidez indesejada veio em momento que ela estava viajando muito
a trabalho, e o estado de gestação a impediu, e ela o culpa por muitas coisas que acabou
perdendo. Em relação a essa maternidade indesejada que Eva teve, também é possível
enxergar aspectos de projeção durante o filme, principalmente em uma cena em que ela está
falando com o Kevin quando ele ainda é criança e o culpabiliza por sua vida ter mudado
muito e ela não ser mais a mulher de sucesso de antes, sendo que ela nunca se impôs em
relação a isso e aceitou a gravidez para satisfazer o marido mesmo sabendo que não seria feliz
com isso. E essa problemática que ela nunca conseguiu resolver, influenciou na sua relação
com o filho e também com o marido, pois ele demonstra enxergar Kevin de uma maneira bem
diferente da mãe, desde bebê e é mostrado para o telespectador de uma forma bem direta
como se o menino fizesse muitas coisas ruins/erradas de propósito para atingir a mãe e
deixando isso bem claro. Então dois fenômenos nos são relatados e não temos como
identificar qual é o real, ou se até os dois são, se realmente o Kevin teria essa personalidade
dupla desde bem cedo e então até mesmo bebê ele sentiu uma carência de amor por parte da
mãe e isso influenciou no seu jeito de lidar com ela.

O filho demonstra ter expectativas referente a mãe com relação a cuidados, carinho e atenção.
Por outro lado, a mãe nutria expectativas com relação a aceitação pelo filho do seu jeito
menos afetuoso já que Eva não se sentia vivendo a maternidade em sua plenitude e esperava
que o filho a entendesse de alguma forma. A convergência de ambas as partes nessa relação
mãe e filho é bem clara quando se observa cenas como a destruição que o filho faz no quarto
contendo as memorias da mãe, o fato dele continuar, mesmo na adolescência, usando as
mesmas roupas e quando comeu a fruta de forma que a mãe entendesse que era o olho da irmã
acidentada, por exemplo. Todas essas situações foram tentativas do filho de chamar a atenção
da mãe mesmo que de forma negativa. Além disso, houve a perda da nitidez de fronteira entre
o eu e o outro, e isso pode ser percebido em uma cena bem curta no começo do filme quando
Eva está mergulhando e balançando o rosto na agua e por um momento o rosto não é mais
seu, mas de Kevin, e como imaginamos que o filme inteiro é sobre a perspectiva de Eva,
podemos concluir que isso demostra uma dificuldade dela diferenciar quem é ela de quem é
ele, pois para ela tudo está muito ligado, a sua vida foi completamente modificada por ele, em
muitos sentidos, e como descobrimos no final do filme, ele também é o que resta para ela,
então a todo momento ela tenta entrar em contato com ele e toda a história que circunda os
dois, mas sem sucesso. Ela traz um mecanismo de convergência, em que ela não tem clareza
do que é seu e do que é do outro. Tenta o agradar, mas nada o agrada. As constantes
lembranças de seu passado trazidas para o aqui e agora é um fluxo de consciência, tentando
entender e compreender situações não resolvidas.

Kevin cresce uma criança fria e problemática, podemos perceber o mecanismo de bloqueio,
onde ele não recebe sentimentos amorosos da mãe, e não expressa sentimentos. Em uma cena
onde a mãe diz que o ama depois do acidente em que ele quebrou o braço, ele a fasta com a
linguagem que ele criou “nem..nem..nem”. Essa linguagem desenvolvida por ele é um meio
dessa fuga/afastamento. O filme é composto por uma forte simbologia que está,
principalmente, nos detalhes. Desde a primeira cena até a última, é possível observar a cor
vermelha como predominante, fazendo alusão ao sangue e consequentemente à violência. Só
será entendido o motivo dessa alusão no final, quando se percebe que a tragédia premeditada
que o filho de Eva realizou é o motivo das hostilidades que ela recebe e da sua fuga constante
de entrar em contato. Por outro lado, mesmo na nova casa em que ela está, Eva ainda
conserva o quarto e as roupas do filho e o visita semanalmente no presídio, tentando entender
até em seu silêncio a atitude do filho. Depois de todas as cenas do passado, de ela lembrar
nitidamente da noite dos assassinatos, e já ter se passado dois anos, ela finalmente consegue
falar com seu filho na prisão e perguntar o motivo do que ele fez e receber uma resposta. Esse
foi um começo para que ela feche um ciclo em sua vida. Contudo, o filme deixar margem para
subentender que Eva continua sendo uma neurótica, pois ainda precisa evoluir bastante para
conseguir autorregular-se, mas que no final do filme ela parece está num bom caminho para
atingir esse objetivo.