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Revisão

Avaliação e recomendações nutricionais específicas


para a gestante e puérpera gemelar
Assessment and specific nutritional recommendations for women during
and after pregnancy of twins
Natalia Mira de Assumpção Werutsky1, Vera Silvia Frangella2, Débora Pracanica3, Ariane Nadolskis Severine4, 
Cristiane Tonato5

RESUMO acompanhamento gestacional melhoram ganho ponderal dos recém-


Objetivo: Atualizar e adequar os conhecimentos nutricionais sobre nascidos, prolongam o período gestacional, diminuem os riscos
a gestante e puérpera gemelar para favorecer o cuidado prestado a de complicações pré e pós-parto para mães e filhos e favorecem
esta clientela, a fim de melhorar sua sobrevida com qualidade, assim aleitamento materno.
como, avaliar a conduta usada na Instituição e hospitais de referência,
frente os conhecimentos adquiridos pela literatura específica. Descritores: Gravidez múltipla; Ganho de peso; Necessidades
Métodos: Esta revisão de literatura se deu por meio de pesquisa de nutricionais
documentos e publicações científicas em sites eletrônicos (SciELO,
Pubmed, SibI, Medline, Lilacs),  datadas de 1964 a 2006, e contato
direto via e-mail com alguns autores. Resultados: Em estudos ABSTRACT
selecionados, as gestantes gemelares apresentavam idade > 27 Objective: To update and adjust nutritional recommendations for
anos, sendo divididas em três períodos gestacionais (< 20a; 20 a twin pregnancy during prenatal and postpartum periods in order to
28a e > 28a semana). O programa nutricional recomenda: ingestão improve care provided to these women and ensure their quality of
de 3.000 a 4.000 cals/dia de acordo com o índice de massa corpórea life, as well as to assess the practices adopted by the Institution and
(IMC) da gestante, distribuídas em: proteínas (20%), carboidratos referral hospitals, in view of what was learned in specialized literature.
(40%) e gorduras (40%); além da suplementação de 3 g de cálcio, 1,2 g Methods: This literature review was conducted by searching
de magnésio e 45 mg de zinco, com a prescrição de dois comprimidos scientific papers in  databases (SciELO, Pubmed, Sibi, Medline,
de multivitamínico/dia após a 20a semana. A alimentação deve ser Lilacs), published from 1964 through 2006, as well as by surveying
composta de três refeições diárias e três lanches. Os poucos estudos some authors directly by e-mail. Results: In studies selected, the
encontrados sobre puérperas recomendam o acréscimo de 500 a age of pregnant women with twins was > 27, and the subjects
600 calorias/dia por criança, para garantir produção de volume de were divided into three gestational periods (< 20 weeks, 20 to 28
leite adequado à demanda. Discussão: Pesquisas demonstraram que weeks, and > 28 weeks gestational age). The nutritional program
o seguimento deste programa propicia maior tempo gestacional e recommends: the intake of 3.000 to 4.000 kcal/day according to
peso dos recém-nascidos; redução dos riscos de complicações pré the pregnant body mass index (BMI), distributed as: proteins (20%),
e pós-parto para mães e filhos. O adequado ganho de peso durante a carbohydrates (40%), and fat (40%); in addition to the supplemental
gestação beneficia a mulher, os bebês e possibilita esta a amamentar intake of 3 g of calcium, 1.2 g of magnesium, and 45 mg of zinc, with
e produzir leite de acordo com a demanda. Existem diferenças the prescription of two tablets of multivitamin per day after week 20.
entre a gestante gemelar e de gestação única quanto ao ganho de The daily diet must be divided into three meals and three snacks. The
peso semanal, total, recomendações de macro e micronutrientes, few studies found about these puerperal women recommended the
quantidade de porções e classificação do estado nutricional segundo addition of 500 to 600 calories/day per child to ensure the production
IMC. Conclusões: Orientação nutricional, adequação da dieta e of the appropriate volume of milk to meet the necessary demand.

1
Nutricionista do Centro Universitário São Camilo – São Paulo (SP), Brasil.
2
Mestre; Professora do Curso de Pós-graduação em Nutrição do Centro Universitário São Camilo – São Paulo (SP), Brasil.
3
Especialista em Nutrição Clínica, Nutricionista do  Departamento de Perinatologia do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.
4
Pós-graduanda da Disciplina de Nutrição da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil; Coordenadora do Serviço de Nutrição Clínica, Responsável Técnica pelo Banco
de Leite Humano do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil; Consultora em Aleitamento Materno pelo International Board of Lactation Consultant Examiners – IBCLE, São
Paulo (SP), Brasil.
5
Especialista em Vigilância Sanitária de Alimentos; MBA em Direção de Empresas e Especialista em Nutrição Coletiva – São Paulo (SP), Brasil; Nutricionista; Gerente do Serviço de Nutrição do Hospital
Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.
Autor correspondente: Vera Silvia Frangella – Rua Felipe de Alcaçova, 54 – Vila Madalena – CEP 05416-020 – São Paulo (SP), Brasil – e-mail: verasf.nutri@ajato.com.br
Data de submissão: 16/10/2007 – Data de aceite: 26/3/2008

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Avaliação e recomendações nutricionais específicas para a gestante e puérpera gemelar 213

Discussion: Research demonstrates that this program increases dos por Estados e regiões brasileiras, segundo informa-
the gestational period and  newborns weight, and reduces the risk ções do Ministério da Saúde.
of prenatal and postpartum complications for mothers and children. Conforme demonstram os dados da Tabela 1, a
The appropriate weight gain during pregnancy benefits the mother região Sudeste apresenta a maior concentração dos
and their newborns, facilitating breast-feeding and milk volume partos gemelares realizados no Brasil (41,2%). Só no
production according to the demand. Comparing twin and single
Estado de São Paulo ocorreram 98.120 partos, o que
pregnant women there are differences related to weekly and total
weight gain, recommendations for macro and micronutrients intake,
representou 21,1% do total realizado no país. Dentro
number of portions, and nutritional status classification according deste contexto, a incidência de partos gemelares verifi-
to BMI. Conclusions: Nutritional guidance,  dietary adjustments, cados no HIAE, no primeiro semestre de 2006, se mos-
and gestational follow-up improve newborn’s weight gain, extend tra muito significativa, já que representa um percentual
the gestational period, reduce the risks of prenatal and postpartum de 0,14% do total de partos realizados no Estado de
complications for mothers and children, and favors breastfeeding. São Paulo, caso se mantenha a mesma progressão no
segundo semestre e a mesma progressão de 2004 para
Keywords: Pregnancy, multiple; Weight gain; Nutritional requirements 2006. Contudo, a tendência é que haja crescimento nos
dois períodos.
A alimentação, reconhecidamente, tem papel re-
INTRODUÇÃO levante para a saúde dos indivíduos, principalmente
Esta revisão de literatura aborda os temas: avaliação nas etapas da vida caracterizadas pelo aumento da de-
nutricional e recomendações específicas para a gestante manda de energia e de nutrientes, como a gestação e o
e puérpera gemelar. Sua importância deve-se ao eleva- puerpério. Nestes períodos ocorrem: intenso e peculiar
do número de mulheres com gestações múltiplas inter- processo de formação de tecidos, bem como grandes
nadas e, pela não existência de um protocolo hospitalar, transformações orgânicas durante um curto espaço de
o qual é composto por avaliação nutricional e recomen- tempo(4). A gestação é um período de reconhecida vul-
dações nutricionais específicas ao cuidado nutricional nerabilidade biológica. No ciclo da vida humana, pro-
apropriado a esta clientela. vavelmente, ela representa o processo ou o momento
Nos Estados Unidos houve um aumento de 30% nas fisiológico mais crucial, face às demandas e circunstân-
gestações gemelares, decorrentes do aumento da práti- cias em que se envolvem mãe e feto, uma vez que o pe-
ca de reprodução assistida(1). Em 2002, houve 132.535 ríodo gestacional é uma fase na qual as necessidades
nascimentos de gêmeos. Este número vem crescendo nutricionais são elevadas, decorrentes dos ajustes fisio-
significativamente desde 1980. As gestações gemelares lógicos da gestante e das demandas de nutrientes para
representam 94% das gestações múltiplas a cada ano(2). o crescimento fetal(3).
No México, o número de mulheres internadas com ges- O estado nutricional da gestante influi diretamen-
tação gemelar no Instituto Nacional de Perinatologia te na saúde, crescimento e desenvolvimento adequa-
cresceu de 140 em 1999 para 217 em 2003(3). Segundo do dos fetos, seus pesos ao nascerem, nas chances de
dados fornecidos pela Coordenação de Perinatologia prematuridade, mortalidade e morbidade neonatal(4).
do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), no pe- Dessa forma, o ganho ponderal da gestante, sendo ade-
ríodo de 1º de janeiro a 30 de junho de 2006, foram rea- quado ao peso pré-gestacional e a semana gestacional
lizados 1.510 partos, representados por 5% (n = 76) de influi positivamente no peso ao nascer das crianças(5).
gestações múltiplas, das quais 69 são gemelares (4,5%) Gestantes que apresentam uma reserva inadequada de
e sete trigemelares. nutrientes, aliada a uma ingestão dietética insuficiente,
Em relação à realidade brasileira, a Tabela 1 de- poderão ter um comprometimento do crescimento fetal
monstra a distribuição e porcentagem de partos geme- e, conseqüentemente, do peso do feto ao nascer. Em
lares realizados durante os anos de 1996 a 2004, separa- contrapartida, o ganho ponderal gestacional excessivo

Tabela 1. Distribuição e % de partos gemelares nos Estados e Regiões brasileiras de 1996 a 2004
Estados e regiões brasileiras 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Total %
Brasil 38.465 51.248 52.714 55.537 54.883 53.178 53.360 52.596 53.260 465.241 100%
Norte 3.520 3.610 3.601 3.944 4.118 4.100 4.271 4.402 4.266 35.832 7,7%
Nordeste 12.739 13.609 14.132 14.760 15.022 15.513 15.733 15.285 15.378 132.171 28,4%
Sudeste 9.860 21.951 22.992 24.295 23.740 22.338 22.348 21.902 22.319 191.745 41,2%
São Paulo 1.087 12.441 12.173 12.676 12.470 11.660 12.157 11.579 11.877 98.120 21,1%
Sul 8.393 8.048 8.243 8.570 8.119 7.486 7.261 7.173 7.319 70.612 15,2%
Centro-Oeste 3.953 4.030 3.746 3.968 3.884 3.741 3.747 3.834 3.978 34.881 7,5%
Fonte: Secretaria de Vigilância do Saúde do Ministério da Saúde, 2006.

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também não é benéfico ao recém-nascido, pois às vezes, contra 6% < 2.500 g; e 10 contra 1% < 1.500 g)(1). Na
esse excedente serve apenas para deteriorar o estado gestação única, em média, o peso ao nascer é de 3.332 g
nutricional materno e não necessariamente é canaliza- e a idade gestacional é de 38,8 semanas, enquanto que
do para os fetos(6). Assim sendo, a avaliação nutricional na gemelar, em média, o peso dos recém-nascidos é de
e o monitoramento do ganho ponderal da gestante são 2.347 g e a semana gestacional é de 35,3 semanas. Além
considerados cuidados essenciais sendo preconizado, disso, as mulheres grávidas de gêmeos têm seis vezes
para tanto, pelo Ministério da Saúde, o emprego da mais chances de ser hospitalizadas durante a gestação,
antropometria(7). em relação às de gestação única. O risco de morte no
A gravidez múltipla, freqüentemente, se relaciona primeiro ano de vida é sete vezes maior em um gêmeo,
com gestações de mulheres com idade acima de 27 anos, em relação ao recém-nascido de gestação única(2).
índice de massa corpórea (IMC) > 30 kg/m2, raça negra, Embora os  gemelares representem 3% dos nasci-
aumento da paridade, história familiar (pelo lado mater- mentos, representam 15% dos nascimentos pré-termos
no), maior freqüência de relações sexuais e, atualmen- (< 32 semanas) e 25% dos  nascidos com muito bai-
te, com as técnicas de indução da ovulação ou de ferti- xo peso (< 1.500 g). Por isso,  têm um risco sete vezes
lização assistida(1-3,5,7). As gestantes gemelares são clas- maior de morrer no primeiro ano de vida, e os sobrevi-
sificadas em três períodos gestacionais (< 20a semana, ventes continuam tendo um alto risco de desenvolver
20 a 28a semana e > 28a semana), identificando-se dois problemas mentais, de aprendizagem e psíquicos(11).
tipos de gravidez gemelar: monozigótica – resultado da Após o parto, vem o momento da amamentação
divisão, em fases muito precoces do ovo formado pela dos  recém-nascidos e sabe-se que o aleitamento ma-
fecundação de um óvulo, e dizigótica – resultante da fe- terno é um importante componente da alimentação
cundação de dois óvulos por dois espermatozóides(3,7). infantil. Ele, isoladamente, é capaz de nutrir adequada-
Na gestação gemelar o volume sangüíneo aumen- mente as crianças nos primeiros seis meses de vida(12).
ta em torno de 50 a 60% contra 40 a 50% na gestação A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda
única. Isso faz com que haja uma diminuição nas con- que todas as crianças devam receber exclusivamente
centrações séricas de hemoglobina, glicose, albumina, leite materno até cerca de seis meses de vida e que a
proteína e vitaminas hidrossolúveis. Há também au- amamentação deve ser mantida por pelo menos dois
mento na concentração de progesterona e do lactogê- anos(13). É reconhecido cientificamente que lactentes
nio placentário (HPL), que são secretados em maior amamentados exclusivamente com leite materno du-
quantidade neste período e podem afetar o metabolis- rante o período estabelecido, crescem e se desenvolvem
mo da glicose, elevando o risco da gestante em ter um adequadamente. Além disso, os riscos de infecção do
aumento na resistência periférica à insulina, podendo trato gastrointestinal e de alergias diminuem nessas
desencadear diabetes gestacional e hipertensão(3). crianças(14). Contudo, em pesquisa realizada no ano de
Alguns fatores de risco ou complicações da gravi- 1975, no Clube das Mães de Gêmeos no Sul da Califór-
dez são mais freqüentes em gestações de gemelares, nia, revelou-se que somente 24% das puérperas ama-
dados pela idade avançada da mãe; maior incidência mentavam os  filhos desde o nascimento. Dessas, 37%
de pré-eclampsia e anemia; descolamento prematuro pararam o aleitamento no primeiro mês e 20% continu-
de placenta; maior chance de ocorrência de hemorragia aram até o quarto ou sexto mês. Como razão para este
periventricular intra-uterina, prolapso retal e corioa- alto índice de desistência do aleitamento, encontrou-se
mnionite que é uma infecção mais comum da placen- que 28% das mães alegaram que o seu leite era ina-
ta decorrente da ruptura precoce da bolsa amniótica, dequado, insuficiente; 15% referiram rachadura ou ou-
que contém o feto. A ruptura leva à perda do líquido tros problemas nas mamas; 13% referiram que os filhos
amniótico(8). Assim, as gestações gemelares são conside- “não pegaram” a mama; 7% ficaram doentes e fracas e
radas de risco materno fetal. Por isso, precisam de mui- apenas 2% citaram doenças com os fetos. Como motivo
ta orientação e acompanhamento multiprofissional(9). para não se iniciar a amamentação, 36% das mães ale-
Dentre as complicações da gestação gemelar, a mais garam desinteresse; 8% ficaram doentes; 9% estavam
freqüente é o parto pré-termo que pode ser fatal para a com limitações físicas, 8% não tinham leite suficiente e
mãe e para os recém-nascidos(10). Devido à prematuri- 11% não tinham tempo(15).
dade, essas crianças estão mais sujeitas às complicações O nascimento pré-termo, parto por cesária, com-
clínicas e/ou baixo peso ao nascerem. Estudos inter- plicações neonatais, anomalias congênitas, medicações
nacionais demonstram que a gestação gemelar possui e anestesias, a inexistência de alojamento conjunto, a
um risco maior de ser pré-termo em relação à gestação permanência do recém-nascido em Unidade de Tera-
única (48 contra 11% < 37 semanas de gestacionais e pia Intensiva (UTI), entre outros motivos, podem pre-
11 contra 2% < 32 semanas gestacionais). Gêmeos têm judicar o início do aleitamento materno na gestação
maior chance de apresentar baixo peso ao nascer (50 gemelar. Por isso, essa população necessita de atenção

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especial e suporte técnico-psicológico e nutricional na OBJETIVO


iniciação do aleitamento(16). Pesquisas relatam como Avaliar, atualizar e adequar os conhecimentos nutri-
motivos mais citados como estímulo para se praticar o cionais referentes à gestante e puérpera gemelar, para
aleitamento: satisfação materna, proximidade com os favorecer o cuidado prestado a essa clientela no tocante
filhos, melhora do vínculo mãe-filho e qualidade nutri- a avaliação do estado nutricional e recomendações es-
cional do leite materno adequado para as crianças(17). pecíficas, melhorando sua sobrevida com qualidade.
A introdução de fórmulas lácteas infantis nos pri-
meiros meses de vida não é recomendada. A idéia de
que o leite materno é insuficiente para mais de um re- MÉTODOS
cém-nascido é desfeita pelo fato de que o volume de Este trabalho se caracteriza como uma pesquisa de re-
leite produzido é diretamente relacionado à sua de- visão bibliográfica, cujo rastreamento  foi realizado por
manda. Assim, a puérpera de gêmeos produz o dobro meio de publicações e artigos científicos em sites ele-
de leite em comparação à mãe de gestação única. A trônicos (SciELO, Pubmed, Sibi, Medline, Lilacs) sem
gestante gemelar pode produzir, por dia, mais de 1,2 l restrição de idioma e divulgadas no período de 1964 a
no primeiro mês e mais de 2 l a partir do segundo mês. 2006; além do contato direto (via e-mail) com os auto-
Cada 100 ml contêm em média de 67 a 75 calorias e a res de pesquisas que são fontes primárias do estudo. Os
eficiência de produção é em torno de 80 a 90%(18). A descritores de saúde utilizados foram: gestantes geme-
concentração de lactose, proteínas, gorduras, vitami- lares, puérperas, gêmeos, recomendações nutricionais e
nas e minerais também é maior(19). O leite materno, avaliação nutricional
portanto, atende às especificidades requeridas pelos O total de material científico rastreado foi de 82, dos
fetos. Ele provê a quantidade ideal de nutrientes, água quais somente nove estudos foram selecionados para a
e minerais para o crescimento e desenvolvimento sa- elaboração final, por terem objetivos semelhantes aos
tisfatórios dos recém-nascidos(20). propostos nesta pesquisa. Foram também excluídos os
Crianças que são amamentadas têm melhor desenvol- artigos que já haviam sido citados nos selecionados.
vimento cognitivo, psicomotor e possuem menores riscos Os artigos avaliados foram classificados como: revisão
para o desenvolvimento de infecções, meningites e pneu- de literatura, coorte prospectivo e caso controle, com
monias. Isto porque o leite materno é rico em: anticor- amostras significativas.
pos, aminoácidos, gorduras, entre outros nutrientes(21). Para auxiliar na confecção deste artigo, foram ela-
boradas duas planilhas para registro e organização dos
Durante a gestação, o organismo da mulher se pre-
dados obtidos das resenhas de cada estudo selecionado,
para para a lactação. Há o desenvolvimento das mamas,
contemplando as variáveis: título, país de origem, autor,
o aumento da produção hormonal e o acúmulo de gor-
publicação e ano, objetivos, materiais e métodos, resul-
dura (4 kg). Durante o aleitamento a mulher se utiliza
tados, discussão e conclusão.
da reserva de gordura obtida durante a gestação e das
calorias que provêm da dieta alimentar diária. O estado
nutricional materno, portanto influencia diretamente na RESULTADOS
amamentação. O aleitamento materno requer das mães Mais de 85% dos estudos rastreados foram realizados
uma quantidade adicional de calorias, para garantir a nos Estados Unidos, mostrando que esse é o país que
produção adequada de leite. Por isso, há a necessidade mais publicou sobre o tema avaliação e recomendações
de se fazer adequações ao cardápio, aumentando-se as nutricionais específicas para a gestante e puérpera geme-
calorias e proteínas ingeridas pelas nutrizes(22). lar, seguido pelo México com um estudo selecionado.
Pelo exposto, esta pesquisa torna-se importante e Todos os estudos aqui avaliados apresentaram como
justificável devido à escassez de publicações e estudos objetivo principal o estabelecimento das adequadas ta-
sobre o assunto e ao aumento da gestação de gemelar. xas de ganho ponderal para a gestante gemelar, para
O Brasil carece de critérios e estudos sobre a avalia- se alcançar os melhores resultados de peso ao nascer
ção do ganho de peso da gestante gemelar. Isto pôde (> 2.500 g) e tempo gestacional maior (> 36 semanas),
ser verificado após rastreamento da literatura e de da- visando diminuição das complicações pré e pós-gesta-
dos epidemiológicos obtidos no próprio HIAE. Assim, cionais da gestante e dos fetos.
considera-se que esta pesquisa possa contribuir para a O programa nutricional mais indicado e usado pe-
equipe de nutrição e comunidade científica, já que bus- los autores correspondeu à implementação de 3.000 a
ca auxiliar no aprimoramento técnico-científico, garan- 4.000 cals/dia de acordo com o IMC da gestante, dis-
tindo melhor qualidade à assistência hospitalar presta- tribuídas em 20% de proteína, 40% de carboidratos e
da à gestante e puérpera gemelar. 40% de gorduras; recomendando-se a suplementação

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Quadro 1. Programa de recomendações nutricionais diárias de macronutrientes nos diferentes grupos,segundo estado nutricional para a gestante gemelar e de
gestação única
Baixo peso Eutrofia Sobrepeso Obesidade Recomendações para
Composição
(IMC < 19,8 kg/m2) (IMC 19,8-26,0 kg/m2) (IMC 26,1-29,0 kg/m2) (IMC > 29,0 kg/m2) gestante única
Calorias (VET) 4.000 3.500 3.250 3.000
Proteína 20% (200 g) 20% (175 g) 20% (163 g) 20% (150 g) 10 a 15
Carboidrato 40% (400 g) 40% (350 g) 40% (325 g) 40% (300 g) 50 a 60
Gorduras 40% (178 g) 40% (156 g) 40% (144 g) 40% (133 g) 25 a 30
Fonte: Luke et. al., 2003(11)

de 3 g cálcio, 1,2 g de magnésio e 45 mg de zinco, com Quadro 3. Recomendação de ganho de peso total por período gestacional
gemelar, segundo a avaliação do estado nutricional da mulher pelo índice de
prescrição de dois comprimidos de multivitamínico por massa corporal
dia após a 20a semana, contemplando 100% da dose di-
Objetivo de ganho Baixo peso Eutrofia Sobrepeso Obesidade
ária recomendada (DDR) de não gestantes. Além disso, de peso (kg) (IMC < (IMC 19,8- (IMC 26,1- (IMC >
a alimentação dessas mulheres deve ser composta por 19,8 kg/m2) 26,0 kg/m2) 29,0 kg/m2) 29,0 kg/m2)
três refeições diárias e três lanches, sempre prezando Até 20a semana 11,3-15,8 9,0-13,5 9,0-11,3 6,75-9,0
a qualidade nutricional dos alimentos. São baseadas no Até 28a semana 16,7-22,0 13,5-19,8 12,6-16,7 9,5-13,5
fato de se observar que as gestantes que seguiram esse 28a a 38a semana 22,5-27,9 18,0-24,3 17,1-21,2 13,0-17,1
programa nutricional obtiveram melhores resultados no Fonte: Luke et al., 2003(11)

tempo gestacional, peso do recém-nascido e diminuição Quadro 4. Ganho de peso semanal recomendado em (kg) na gestação única,
dos riscos para desenvolvimento de complicações pré e segundo estado nutricional inicial
pós-parto para elas e para os seus fetos (Quadro 1). Períodos Baixo peso Eutrofia Sobrepeso Obesidade
Nos estudos analisados, a gestação única foi divi- 1º trimestre 2,3 1,6 0,9 -
dida em três períodos exatos, trimestrais, cada um em 2º e 3º trimestre 0,5 0,4 0,3 0,3
média com 13,3 semanas. Já na gemelar, em 100% dos Ganho de peso total 12,5-18,0 11,5-16,0 7,0-11,5 7,0
estudos os períodos foram divididos da seguinte forma: Fonte: Ministério da Saúde, 2005

até a 20a, da 20a a 28a e > 28a semana. Em um estudo Quadro 5. Programa de recomendações nutricionais diárias de macronutrientes e
prospectivo de intervenção, o IMC da gestante gemelar calorias totais para a puérpera gemelar
é classificado de forma diferente da mulher com ges- Nutrientes Recomendação
tação única, considerando-se o estado nutricional pré- Acréscimo calórico 36 cal*kg + 500/600 cal por bebê
gestacional e o peso do início da gestação. Segundo as Proteínas (%) 20% ou
pesquisas, a gestante gemelar é considerada como baixo 1 g/ kg + 16 g/dia (1º trimestre) e
peso quando o resultado do seu IMC é < 19,8 kg/m2, 1 g/ kg + 12 g/ dia ( a partir 2º
trimestre)
enquanto que na gestação única a classificação de baixo
Carboidrato (%) 40%
peso se dá quando o IMC < 18,5 kg/m2. Na gestação
Lipídios (%) 40%
gemelar a faixa de IMC para eutrofia é maior (19,8 <
Fonte: Rimon, 2002(20)
26,0 contra 18,5 < 24,9 kg/m2), enquanto que para a
classificação de sobrepeso a faixa é menor (26,1 < 29,0 dações semelhantes (Quadro 5), sendo um deles um
contra 25,0 < 29,99 kg/m2). São consideradas obesas as estudo longitudinal baseado em questionários.
gestantes que possuem IMC > 29,0 kg/m2 na gestação Em nenhuma pesquisa sobre puérpera gemelar fo-
gemelar e > 29,99 kg/m2 na única (Quadros 2, 3 e 4).  ram encontradas recomendações de porções, ganho ou
perda de peso, classificação do estado nutricional se-
Quadro 2. Recomendação de taxa de ganho ponderal por período gestacional gundo IMC, nem foi abordada a questão de suplemen-
gemelar, segundo a avaliação do estado nutricional da mulher pelo índice de
massa corporal tação de micronutrientes, minerais e vitaminas.
Baixo peso Eutrofia Sobrepeso Obesidade
Ganho de peso
(IMC < 19,8 (IMC 19,8- (IMC 26,1- (IMC > 29,0
semanal (g) DISCUSSÃO
kg/m2) 26,0 kg/m2) 29,0 kg/m2) kg/m2)
0-20a semana 0,56-0,78 0,45-0,67 0,45-0,56 0,34-0,45 Os trabalhos rastreados indicam que, a partir de 2001,
20-28a semana 0,67-0,78 0,56-0,78 0,45-0,67 0,34-0,56 houve um aumento no nascimento de gêmeos, o que
> 28a semana 0,56 0,45 0,45 0,34 coincide com o crescimento significativo da fertilização
Fonte: Luke et al., 2003(11)
in vitro. Isso pode ter impulsionado o interesse pelas
pesquisas nesta área. Estudo apresentado por Mares em
Dos estudos rastreados, somente dois tratavam do 2001(1), afirma que nesse período houve aumento de 30%
cuidado nutricional de puérperas, sendo que ambos fo- nas gestações gemelares decorrentes da prática de repro-
ram realizados nos Estados Unidos e tinham recomen- dução assistida. Segundo Luke et al.(2), em 2002 houve

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Avaliação e recomendações nutricionais específicas para a gestante e puérpera gemelar 217

Quadro 6. Programa de recomendações nutricionais dos grupos alimentares em porções, nos diferentes grupos, segundo estado nutricional da gestante gemelar e para
gestação única
Grupos de alimentos Baixo peso Eutrofia Sobrepeso Obesidade Recomendações
(IMC < 19,8 kg/m2) (IMC 19,8-26,0 kg/m2) (IMC 26,1-29,0 kg/m2) (IMC > 29,0 kg/m2) Gestação única
Laticínios 10 8 8 8 3
Cereais 12 10 8 8 5-9
Carnes e equivalentes 10 10 8 6 1-2
Ovos 2 2 2 2 -
Leguminosas - - - - 1
Vegetais 5 4 4 4 4-5
Frutas 8 7 6 6 3-5
Gorduras e óleos 7 6 5 5 1-2
Doces - - - - 1-2
Fonte: Luke et al., 2003(11)

132.535 nascimentos de gêmeos nos Estados Unidos, re- mentação composta de multivitamínico diário com 100%
presentando 94% das gestações múltiplas do país. da RDA de não gestante no primeiro trimestre, incluindo
Analisando-se o Quadro 1, em que aparecem as reco- 400 µg de ácido fólico e doses duplas do multivitamínico
mendações para distribuição de macronutrientes utiliza- a partir do segundo trimestre. Além disso, indica-se a in-
da no programa nutricional recomendado no estudo de gestão diária de 3 g de cálcio, 1,2 g de magnésio, 45 mg de
Luke et al.(2) para gestante gemelar e, se comparando à zinco, 400 UI de vitamina e 1 g de vitamina C. Já Newman
recomendação nutricional para a gestação única, perce- et al.(24) indicam 150 mg/d da vitamina C para a gestante
be-se aumento na distribuição percentual das recomen- gemelar, enquanto que na única a mulher necessita de
dações de gorduras (40% contra 25 a 30%) e proteínas 70mg/d; e o Instituto de Medicina dos Estados Unidos
(20% contra 10 a 15%); além da diminuição na propor- (IOM)(25) recomenda somente 50 mg de vitamina C.
ção de carboidratos (40% contra 50 a 60%) na gestação As recomendações indicadas pelo IOM(25) para mu-
gemelar. Isto mostra a importância das proteínas e da lheres com gestações com mais de um feto para os outros
energia lipídica nas dietas destas gestantes, já que esta micronutrientes são: 15 mg de zinco, 2 mg de cobre, 250
condição fisiológica envolve intensa proliferação de te- mg de cálcio, 2 mg de vitamina B6, 300 µg de ácido fólico,
cidos, acúmulo de gordura para ser usado como reserva 5 µg de vitamina D e 30 mg de ferro depois da 12a semana,
energética na lactação e gasto energético com os fetos. ou seja, inferiores às dos outros estudos apresentados. A
Segundo Hytten(23) a gestante gemelar necessita do suplementação de cálcio, por exemplo, é 75% maior.
acréscimo de 20 g de proteína por dia, enquanto que na Apenas a pesquisa de Roselló-Soberón(3) abordou a
gestação única a mulher precisa de 10 g. necessidade da suplementação de ferro. Segundo a au-
Roselló-Soberón(3) indica acréscimo de 150 cal/dia tora, a gestante gemelar tem maior risco de desenvolver
sobre as 300 cals/dia recomendadas para a gestação úni- anemia, indicando aumento de 1,8 vezes na necessidade
ca pelo Ministério da Saúde (2005)(7), totalizando 450 de ferro em relação às necessidades da gestação única.
cals/dia de acréscimo (Quadro 6). A deficiência de ferro (no segundo e terceiro períodos
Analisando-se o Quadro acima,  percebe-se que as da gestação) pode estar associada a nascimentos pré-
recomendações para a gestante gemelar e de gestação termos. Verificou-se um risco quatro vezes maior para
única são diferentes. A quantidade de porções de quase o desenvolvimento de anemia gestacional na gestante
todos os grupos de alimentos é maior para as gestantes gemelar em relação à gestação única.
gemelares. Os aumentos mais significativos encontram- No estudo de Luke et al. (2005)(2), verificou-se asso-
se nas recomendações de carnes e derivados, na quais ciação entre a deficiência de zinco e incidência de ane-
as porções aumentaram em cinco vezes; seguida da de mia ferropriva nas gestantes, o que poderia causar mais
óleos e gorduras com aumento de três vezes; e laticínios complicações pré e pós-parto.
com 2,5 vezes a mais. As porções se mantiveram iguais O estudo realizado por Luke et al. (2003)(11) com 529
no grupo de vegetais e muito próximas nos grupos de gestantes, das quais 190 participaram do programa nu-
cereais e frutas. A recomendação para a gestante geme- tricional, verificou que as mulheres participantes foram
lar não indica porções para doces. Talvez esta possa es- menos propensas a terem complicações pré e pós-parto e
tar inserida na recomendação de gorduras e óleos, mas alcançaram ganho de peso adequado para seu IMC pré-
isso não fica claro no estudo. gestacional, particularmente entre a 20a a 28a semana ges-
Segundo os estudos avaliados, houve melhora sig- tacional e com mais facilidade. As mulheres que não par-
nificativa nos resultados de ganho de peso fetal, tempo ticiparam do estudo tiveram mais do que dobro de chance
gestacional e diminuição dos riscos de complicações para de desenvolverem pré-eclampsia e ruptura prematura de
os fetos e para as gestantes quando elas receberam suple- bolsa, além de terem três vezes mais riscos para desenvol-

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218 Werutsky NMA, Frangella VS, Pracanica D, Severine AN, Tonato C

verem anemia. Diabetes gestacional não foi avaliada nessa Para a gestante gemelar classificada como baixo peso
pesquisa, contudo, elevados níveis glicêmicos podem pre- e eutrófica, a recomendação de ganho ponderal total pode
dispor a gestante gemelar a ter infecções e inflamações chegar a 1,5 vezes a recomendação para gestante única;
placentárias, estando associados ao peso do recém-nascido para a com sobrepeso é quase o dobro e para as obesas,
e com o desenvolvimento fetal(26). Assim sendo, é uma va- o aumento da recomendação pode chegar a 2,5 vezes. Se-
riante significativa na incidência de complicações na gra- gundo o estudo de Roselló-Soberón(3), o ganho de peso
videz, como a pré-eclampsia. Percebe-se também que os gestacional deve começar antes da oitava semana, chegan-
fetos das mães que participaram do programa obtiveram do ao ganho total de 16 a 20,5 kg no final da gestação. Ga-
significativa redução de incidência em todos os itens clíni- nho de peso inferior a 385 g por semana antes da 24a sema-
cos avaliados, principalmente, no uso de fototerapia (16 na está associado ao retardo de crescimento intra-uterino
contra 37%), nas internações em UTI neonatal (43 con- e maior morbidade dos bebês, mesmo se verificando um
tra 62%) e na morbidade (17 contra 32%). Verificou-se ganho adequado posterior até o fim da gestação.
também maior ganho ponderal dos fetos e gestações mais Segundo Luke et al.(27) e Brown e Carlson(28) o IMC
longas das mulheres participantes, além da melhora nos pré-gestacional e a classificação do estado nutricional, não
índices de todas as intercorrências gestacionais. Além do são os únicos indicadores para garantia de gestações mais
mais, o risco de re-hospitalização durante os três primeiros prolongadas, ganho de peso gestacional e crescimento fe-
anos de vida da criança foi menor nos fetos das mães que tal adequado. Estudo realizado pela autora, no período de
participaram do programa e estes obtiveram maior peso, 1999 a 2002, que comparava mulheres americanas hispâni-
comprimento e perímetro cefálico ao nascer durante a cas, brancas não-hispânicas e negras não-hispânicas, per-
primeira infância. Em relação ao estado nutricional, não cebeu que apesar das hispânicas terem maior percentual
houve diferença significativa nos índices de gestantes clas- de mulheres com sobrepeso (26,5%) e menor percentual
sificadas como: eutrofia, sobrepeso e obesidade. A maior de eutrofia (56,1%) em relação às brancas não-hispânicas,
diferença aconteceu no grupo de baixo peso: 17% nas par- apresentaram os menores índices de partos pré-termos
ticipantes e 13% nas que não participaram. Apesar disso, (34,1% < 36 semanas e 11,3% < 32 semanas), menores
todos os resultados foram melhores neste primeiro grupo. índices de recém-nascidos de baixo peso (48,8% < 2.500 g
Na gestação única, quando se calcula o IMC pré-ges- e 8,2% < 1.500g), e de ruptura prematura de membrana
tacional, usa-se o peso que a mulher tinha ao engravidar, (15,8%). Elas possuíam média de idade menor em relação
não considerando a semana gestacional da mesma. O às brancas não-hispânicas (27,5 anos contra 29,8 anos), ti-
cálculo é feito com o peso inicial da gestação, classifican- nham o maior percentual de mulheres com seguro médico
do a mulher segundo a OMS(25). A semana gestacional é (22%) e eram as que fumavam menos (5,7% contra 13%).
levada em conta quando o estado nutricional da gestan- Isso pode mostrar que outras variáveis devem ser consi-
te é estabelecido a partir do SISVAN/MS (2005)(7), no deradas durante a avaliação do risco da gestação. Outros
qual a classificação considera o peso atual e a semana indicadores, portanto, são importantes para se obterem
gestacional em que a mulher se encontra. Na gestação melhores resultados para o ganho de peso fetal adequa-
gemelar, a classificação do estado nutricional e a semana do, tempo gestacional mais prolongado e menor risco
gestacional em que a mulher se encontra são importan- para complicações clínicas da gestante e recém-nascido.
tes para se estabelecer faixas de ganho ponderal ideal Segundo Roselló-Soberón(3), os fatores que mais podem
da gestante, conforme demonstram os Quadros 2 e 3. A influenciar no prognóstico da gestação são: o peso pré-
classificação do estado nutricional da gestante segundo o gestacional da mulher, o peso ganho durante a gestação,
seu IMC pré-gestacional e seu IMC atual, de acordo com o crescimento fetal, o tempo gestacional e o tabagismo.
a semana gestacional é importante, pois fornece infor- Isso reforça os resultados encontrados por Luke et al.(27),
mações consistentes para se estabelecer recomendação que demonstraram que o cigarro é um fator importante na
de ganho ponderal semanal e total adequado, segundo avaliação do prognóstico gestacional da gestante gemelar.
as necessidades da gestante. Em relação à taxa de ganho de peso semanal, perce-
O ganho de peso total na gestação única varia de 7 be-se que a recomendação na gestação única é superior
a 18 kg, dependendo do estado nutricional da mulher. a da gemelar em quase todas as classificações de estado
Na gestação gemelar essa variação é maior, com reco- nutricional no primeiro trimestre. Contudo, cabe salientar
mendação mínima de 13 kg e máxima, podendo chegar que na gestação única esse primeiro período é em média
a 27,9 kg, caso a gestante esteja classificada como baixo de 13,3 semanas e, na gemelar corresponde a 20 semanas.
peso. Esses dados expressam que o ganho ponderal to- A exceção a essa recomendação é feita para as mulheres
tal para a gestante gemelar é muito superior em todas com obesidade, pois nesse caso, na gestação única, não se
as classificações de estado nutricional da mulher e isso preconiza um ganho de peso no primeiro trimestre sendo
pode justificar a recomendação calórica e suplementa- que na gemelar se preconiza um ganho semanal entre 0,34
ção proposta pelos estudos avaliados. a 0,45 g. Nos outros três períodos, as faixas de recomenda-

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Avaliação e recomendações nutricionais específicas para a gestante e puérpera gemelar 219

ções para a gestante gemelar aumentam, sendo significati- O cuidado nutricional de puérperas, segundo um
vamente maiores do que as da gestação única. Para as mu- estudo realizado em 1975 com as mulheres membros
lheres eutróficas recomenda-se o ganho semanal de 0,56 do Clube da Mãe de Gêmeos do Sul da Califórnia, de-
a 0,78 g da 20a a 28a semana gestacional, enquanto que monstrou que a má nutrição, o vegetarianismo e a hi-
na gestação única a mulher deve ganhar em média 0,4 g dratação inadequada interferem na produção do leite,
a partir do segundo período. No terceiro período, há uma diminuindo a quantidade, mas não a qualidade(15). Esse
proximidade nas recomendações para as gestantes. Mes- estudo também verificou que apenas 24% delas inicia-
mo assim, as recomendações na gestação única são me- ram aleitamento, sendo que destas 37% interrompeu-o
nores (0,4 contra 0,45 g para mulheres eutróficas). Assim, no primeiro mês e apenas 20% conseguiram mantê-lo
devido a essas diferenças nas recomendações semanais, o do quarto ao sexto mês. Entre as muitas situações ci-
ganho ponderal total para a gestação gemelar é muito su- tadas como motivos para a interrupção ou a não ini-
perior em todas as classificações do estado nutricional. ciação do aleitamento, encontraram: rejeição à idéia de
O exercício físico durante a gestação é muito impor- amamentar (36%), sensação que o leite é insuficiente
tante, pois auxilia na prevenção da hipertensão arterial, (28%), fraqueza ou doenças da mãe (7%) ou dos bebês
auxilia a circulação sangüínea e a disposição da gestan- (2%), rachaduras nas mamas (15%), entre outros.
te. O Centro Médico de Controle e Prevenção de Doen- O outro estudo feito por Damato et al.(29), com 123
ças e a Associação Americana de Medicina do Esporte gestantes gemelares do grupo de mães gemelares dos
recomendam 30 minutos ou mais de exercícios diários. Estados Unidos, em Columbia, apresentou índices
Contudo, o Guia da Associação Americana de Gineco- maiores de aleitamento. Segundo os autores, 89,4%
logia e Obstetrícia para Exercícios durante a gestação (110) das mulheres iniciaram o aleitamento logo após o
e pós-parto (2002), contra-indica a atividade aeróbica nascimento (em torno do terceiro e quarto dia pós-par-
para a gestante gemelar, devido ao risco elevado para to). Dessas mães que iniciaram o aleitamento, 72,7%
ruptura prematura de membranas. (n = 80) mantiveram a amamentação após o primeiro
Quanto às puérperas gemelares, analisando-se  o mês e 39,1% (n = 41) conseguiram amamentar até pelo
Quadro 5 é possível perceber que a recomendação de menos o sexto mês. A média foi de 4,5 meses ou 17,9
distribuição de macronutrientes é a mesma em relação à semanas. Neste estudo somente a depressão foi identifi-
gestante gemelar (20% de proteína, 40% de carboidratos cada como algo de significante influência na duração da
e 40% de lipídios). Já em relação ao acréscimo calórico lactação. As mães que possuíam mais conhecimento so-
para a puérpera gemelar, recomenda-se que seja de 500 a bre os benefícios do aleitamento materno conseguiram
600 calorias diárias para cada criança amamentada. A re- amamentar por mais tempo. A razão mais citada para
comendação para a puérpera de gestação única é de 500 a interrupção do puerpério foi a falsa idéia do leite ser
cals/dia de acréscimo para um recém-nascido. Verifica-se inadequado e insuficiente; a dificuldade na freqüência
que para a puérpera gemelar é o dobro, porque segun- de mamadas; as mamas vazando e mamilos inflamados
do Rimon e Shinwell(20), a demanda de produção de leite e doloridos. As mulheres que amamentaram por mais
é dobrada, requerendo um acréscimo calórico maior. A de seis semanas conseguiram manter o aleitamento por
puérpera tem suas necessidades energéticas aumentadas, mais tempo.
para garantir a produção adequada de leite e a manuten- Segundo os estudos mencionados sobre puérperas,
ção do aleitamento. Segundo o autor, o acréscimo caló- a puérpera gemelar necessita de acompanhamento e
rico pode ultrapassar as 1.200 calorias e chegar até 1.500 suporte nutricional especial para a iniciação e manu-
calorias diárias, já que a produção após o segundo mês é tenção do aleitamento materno, segundo as recomen-
muito maior do que 2 l por dia. Este estudo revelou que dações existentes. Neste contexto, a orientação nutri-
a puérpera necessita de uma dieta com maior valor ener- cional é imprescindível já que fornece energia para o
gético total (VET) em relação à gestante gemelar, para organismo materno, devendo ajustar-se às necessidades
manter as condições nutricionais necessárias para a ma- energéticas que este período requer.
nutenção do aleitamento aos recém-nascidos. Na gesta-
ção única, a recomendação é de acréscimo de 2.700 cals/
dia e na gemelar de 3.000 a 4.000 cals/dia. Se calcularmos CONCLUSÕES
o VET para uma puérpera gemelar de 70 kg e eutrófica, Os estudos rastreados demonstraram que as recomenda-
a recomendação calórica será de 3.520 cals/dia (36 x 70 + ções nutricionais e de ganho ponderal total são bem ele-
1.000) a 3.720 cals/dia (36 x 70 + 1.200), o que fica muito vadas para a gestante e puérpera gemelar. Os resultados
próximo da recomendação durante a gestação gemelar. encontrados mostraram que a orientação nutricional, a
A maior diferença é entre a puérpera de gestação única adequação da dieta e o acompanhamento gestacional
e gemelar, pois neste caso a recomendação seria de 3.020 possuem íntima relação com a melhora de ganho de peso
cals/dia (36 x 70 + 500). dos fetos ao nascerem, tempo gestacional mais prolon-

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220 Werutsky NMA, Frangella VS, Pracanica D, Severine AN, Tonato C

gado, diminuição dos riscos para o desenvolvimento de 6. Rocha DS, Netto MP, Priore SE, Lima NMM, Rosado LEFPL, Franceschini SCC.
complicações pré e pós-parto para a mulher e os fetos. Estado nutricional e anemia ferropriva em gestantes: relação com o peso da
criança ao nascer. Rev Nutr. 2005;18(4):481-9. 
Sugere-se que a gestante gemelar deva ingerir de 3.000
7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de
a 4.000 cals/dia, além de fazer uso de suplementação de Gestão de Políticas Estratégicas Área Técnica de Saúde da Mulher. Gestação
alguns micronutrientes segundo IOM (15 mg de zinco; de Alto Risco: Manual Técnico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2000
2 mg de cobre; 250 mg de cálcio; 2 mg de vitamina B6; 8. Rocha JES, Tomaz ACP, Rocha DB, Bezerra AF, Lopes ALC, Breda AMO, et
300 µg de ácido fólico; 50 mg de vitamina C; 5 µg de vita- al. Morbidade materna e morbimortalidade perinatal associada à infecção
mina D e 30 mg de ferro a partir da 12a semana). A dis- ascendente na rotura prematura das membranas. Rev Bras Ginecol
Obstet. 2002;24(1):15-20.
tribuição de macronutrientes deve ser de 20% de proteí-
na (50% de alto valor biológico), 40% de carboidratos e 9. Funayama CAR, Novaes DA, Costa FS, Cavalli RC, Duarte G, Cunha SP.
Gravidez gemelar com morte fetal de um dos gêmeos: avaliação neurológica
40% de lipídios. A quantidade de porções dos laticínios, dos gemelares sobreviventes. Rev Bras Ginecol Obstet. 2002;24(2):107-12.
carnes e equivalentes, cereais, frutas, vegetais e gordu- 10. Rodrigues C, Branco MR, Ferreira ID, Fonseca M, Taborda A, Silva IS, et al.
ras e óleos, também deve ser aumentada para que se al- Epidemiologia da gestação múltipla: casuística de 15 anos. Acta Med Port.
cance o VET da dieta. Além disso, a alimentação destas 2005;18:107-111.
mulheres deve ser composta por três refeições diárias e 11. Luke B, Brown MB, Misiunas R, Anderson E, Nugent C, van de Ven C, et al.
três lanches. Todos esses cuidados visam ganho de peso Specialized prenatal care and maternal and infant outcomes in twin pregnancy.
Am J Obstet Gynecol. 2003;189(4):934-8.
adequado ao estado nutricional da mulher, nunca esque-
cendo a qualidade dessa alimentação. 12. Monte CMG, Giugliani ERJ. Recomendações para alimentação complementar
da criança em aleitamento materno. J Pediatr (Rio J). 2004;80(5):131-41.
Em relação à puérpera gemelar, muito pouco se en-
13. Rea MF. Reflexões sobre a amamentação no Brasil: de como passamos a 10
controu sobre o tema avaliação nutricional e recomenda- meses de duração. Cad Saude Publica. 2003;19(1):37-45
ções específicas. O que se percebeu foi que essas mulheres 14. Nejar FF, Segall-Corrêa AM, Real MF, Vianna RPT, Panigassi G. Padrões
têm dificuldades em iniciar o aleitamento e, principalmen- de aleitamento materno e adequação energética. Cad Saude Publica.
te, em mantê-lo até pelo menos o sexto mês de vida dos 2004;20(1):64-71.
seus filhos. Elas precisam, e muito, de suporte: emocional, 15. Addy HA. The breast-feeding of twins. J Trop Pediatr Environ Child Health.
psicológico e nutricional, já que muitas são as dificuldades 1975;21(5):231-9.
encontradas para o início e a manutenção da amamenta- 16. Briggs GG, Freeman RK, Yaffe SJ. Drugs in Pregnancy and lactation. 4th ed.
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40% de carboidratos e 40% de lipídios). 20. Rimon O, Shinwell ES. Breast-feeding multiples. Semin Neonatol.
Dessa forma, percebemos a necessidade de se desen- 2002;7(3):231-9
volver conduta de orientação nutricional e recomendações 21. Reynolds A. Breastfeeding and brain development. Pediatr Clin North Am.
específicas de ganho de peso, distribuição de macronu- 2001;48(1):159-71.
trientes e calorias totais na dieta para a gestante e puérpe- 22. Leonard LG. Breastfeeding twins: maternal-infant nutrition. JOGN
ra gemelar. Com isso, haverá a melhora na qualidade do Nurs.1982;11(3):148-53.
atendimento a esta população, buscando sempre atingir 23. Hytten FE, Leicht I. The physiology of human pregnancy. Oxford: Blackwell
os mais altos níveis de satisfação e melhora dos resultados Publishers.1964.
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