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2018 Economia Politica Direito BH PDF
2018 Economia Politica Direito BH PDF
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Sumário Geral
Mesa Redonda...........................................................................................................1
GT 1
Acumulação de capital, inovação tecnológica e desigualdade.................................55
GT 2
Crítica da economia política e crítica do Direito em Marx e no Marxismo............279
GT 3
Trabalho, Crise e Financeirização...........................................................................508
Mesa redonda
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I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
Alexandre Arbia
Universidade Federal de Ouro Preto
aarbia@gmail.com
Abstract
How to reconcile the Marx’s affirmations refers to the development of an automatic
dynamics of capital with the active role of man in the construction of his own
becoming? Are the Lukács’s propositions in contradiction with the developments of
Capital? The present article seeks to show the perfect compatibility between the
theories about the automatic dynamics of capital, the class determination and the daily
action of the individuals, approaching the Marxian acquisitions to the categorical
unfoldings from the "late" Lukács.
Keywords: Capital’s automatic dynamics; social class; modern individuality; daily.
1
Retomemos a célebre definição: “o capital não é uma coisa, mas uma determinada relação social de
produção, que pertence a uma determinada formação histórico-social, representa-se numa coisa e confere
a esta um caráter especificamente social. O capital não consiste na soma dos meios de produção materiais
e produzidos. Ele consiste nos meios de produção transformados em capital, meios que, em si, são tão
pouco capital quanto o ouro ou a prata são, em si mesmos, dinheiro. Consiste nos meios de produção
monopolizados por determinada parte da sociedade, os produtos e as condições de atividade da força de
trabalho autonomizados precisamente diante dessa força de trabalho, que se personificam no capital
mediante essa oposição. O capital não se resume aos produtos dos trabalhadores, produtos transformados
em forças autônomas, aos produtores como dominadores e compradores daqueles que os produzem, mas
também se constitui pelas forças sociais e a forma futura […] desse trabalho que eles se contrapõem como
atributos de seu produto. De modo que temos aqui, pois, uma forma social determinada, muito mística à
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como uma ação executada socialmente pelos homens, e que somente por essa execução
pode adquirir existência, pode obter independência a ponto de constrangê-los a adotar
um determinado comportamento? Se nenhum objeto torna-se capital por suas
características imanentes, por suas propriedades físicas, como podemos falar, então, de
autonomia em relação a uma força que se manifesta materialmente através de um
conjunto de unidades corpóreas em mútua relação, sem estar presente em nenhuma
delas isoladamente?
Marx nos dá, já de saída, algumas pistas. O fundamento da questão pode estar
localizado na possibilidade de os homens dirigirem o próprio devir. Vejamos.
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o
cérebro dos vivos (Marx, 1988, p. 7).
Adicionalmente,
na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas,
necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau
determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas
relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se
eleva uma superestrutura jurídica e política à qual correspondem formas sociais determinadas de
consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política
e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o ser dos
homens que determina sua consciência (Marx, 2008, p. 47).
Duas ordens de problemas, ambos inscritas na relação sujeito/objeto, se põem.
Primeiro, em relação à forma e ao alcance da ação dos homens na construção de sua
própria história, voltamo-nos aos problemas da extensão e da qualidade do pôr, do
imperativo de um dever-ser, da escolha entre alternativas concretas, da possibilidade e
da qualidade da liberdade, da potência e da efetividade das ações e do caráter e da
autonomia das objetivações. Segundo, questões de ordem causal reportam à
permeabilidade dos processos e objetos externos a ação dos homens: o grau e a extensão
de sua deformação pela ação humana, a nova composição adquirida após as ações, as
possibilidades concretas de sua modificação, gênese e destruição, assim como sua
dinâmica de funcionamento imanente (o que inclui, também, uma explicitação da
orientação de suas linhas de força em relação a complexos outros, bem como a
influência que estes exercem sobre aqueles), o desenvolvimento de suas leis
constitutivas apesar (e para além) das relações dos próprios homens. Se gênese desse
processo se encontra na interação humana primária, responsável pela produção material
da própria existência – a relação entre o homem e as materialidades puramente naturais
– parece de reducionismo inegável deduzir toda sua complexidade a partir somente
desta forma de relação – sobretudo porque, ela mesma, estabelecido certo grau de
evolução, é moldada pelas relações dos homens entre si (em suma, as ações dos homens
em materialidades naturais são moldadas e condicionadas por meio da materialidade de
suas ações sociais)2.
Todo ser é objetivo3 e todo pôr humano tem, em última instância, um
ineliminável caráter prático – é sempre determinado por necessidades objetivas e visa a
primeira vista, de um dos fatores de um processo social de produção historicamente fabricado” (Marx,
2017, pp. 877-8).
2
Para uma explicitação do ser social como uma totalidade de complexos em interação, cf. Lukács (2013).
3
“Um ser não objetivo é um não ser. Ponha-se um ser que não seja propriamente objeto nem tenha um
objeto. Um tal ser seria, em primeiro lugar, o único ser, não existiria nenhum ser fora dele, ele existiria
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promover alguma alteração real, mesmo que de alcance limitado. Como ser autoposto e
autoconstituído, o homem nada mais é, em última instância, do que o resultado de
processos estabelecidos historicamente por ele próprio; é sua própria gênese e
desenvolvimento e está no cerne dos mais elevados complexos que o circundam: “a raiz,
para o homem, é o próprio homem” (Marx, 2010, p. 151). Como ser natural, o homem é
carente de objetos materiais; como ser genérico, é pela interação com outros homens
que produz e reproduz a materialidade que lhe permite existir:
o modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da própria
constituição dos meios de vida já encontrados e que eles têm de reproduzir. Esse modo de
produção não deve ser considerado meramente sob o aspecto de ser a reprodução da existência
física dos indivíduos. Ele é, muito mais, uma forma determinada de sua atividade, uma forma
determinada de exteriorizar a vida, um determinado modo de vida desses indivíduos. Tal como
os indivíduos exteriorizam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, pois, com sua
produção, tanto com o que produzem como também com o modo como produzem. O que os
indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção (Marx; Engels, 2007,
p. 87 – itálicos do original).
solitário e sozinho. Pois, desde que haja objetos fora de mim, desde que eu não esteja só, sou um outro,
uma outra realidade que não o objeto fora de mim. Para este terceiro objeto eu sou, portanto, uma outra
realidade que não ele, i.e., seu objeto” (Marx, 2015, p. 376 – itálicos do original).
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“Primárias” pois não estamos esgotando aqui todas as formas contemporâneas de manifestação do
capital. Por certo, elas envolvem todas as formas de irracionalismo, as instituições políticas, jurídicas e
burocráticas do Estado, o complexo militar-industrial e seu desdobramento em mecanismos de
administração, controle e supervisão da vida, etc.
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“Os instrumentos humanos não são incontroláveis sob o capitalismo por serem instrumentos [...], mas
porque eles são os instrumentos – mediações de segunda ordem específicas, reificadas – do capitalismo.
Enquanto tais, eles não podem funcionar a não ser de forma ‘reificada’; isto é, controlando o homem em
lugar de serem controlados por ele. Não é, portanto, a característica universal de serem instrumentos que
está envolvida diretamente na alienação, mas sua especificidade de serem instrumentos de um certo tipo”
(Mészáros, 2006, p. 227 – itálicos do original).
6
Conjunto de legalidades nas quais “objetividade e subjetividade são resgatadas de suas mútuas
exterioridades, ou seja, uma transpassa ou transmigra para a esfera da outra, de tal modo que interioridade
subjetiva e exterioridade objetiva são enlaçadas e fundidas, plasmando o universo da realidade humano-
societária – decantação de subjetividade objetivada ou, o que é o mesmo, de objetividade subjetivada”
(Chasin, 2009, p. 98 – itálicos do original).
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O capital não pode ser tomado por unidade autônoma etérea, conteúdo
puramente espiritual, dotado de teleologia própria e, por essa razão, capaz de pôr.
Apenas o homem põe teleologicamente. Como relação social, o capital é essencialmente
objetivo7: dotado de materialidade social, encontra formas específicas de manifestação
no conjunto de causalidades postas com as quais os homens estão em interação
permanente – sejam essas causalidades mais estreitamente vinculadas ao sistema
primário de mediações, sejam elas conformadas pelas formas mais elevadas de
causalidades (puramente) sociais.
Enquanto relação social, portanto, o capital é uma objetividade objetivada pelos
homens, que engendra, por meio da construção de seu próprio sistema secundário de
mediações, todo o conjunto de mediações de primeira ordem8, envolvendo, num
processo de totalização totalitária, desde as primeiras ações teleológicas sobre
causalidades naturais até o conjunto de ações humanas sobre complexos outros – as
ações teleológicas dos homens sobre si mesmos (ou o conjunto das praxes). Na
concretude histórica da objetividade do capital temos uma peculiaridade:
a objetivação sob condições em que o trabalho se torna exterior ao homem assume a forma de
um poder alheio que confronta o homem de uma maneira hostil. Esse poder exterior, a
propriedade privada, é o ‘produto, o resultado, a consequência necessária, do trabalho
exteriorizado [alienado], da relação externa do trabalhador com a natureza e consigo mesmo’.
Assim, se o resultado desse tipo de objetivação é a produção de um poder hostil, então o
homem não pode realmente ‘contemplar a si mesmo num mundo criado por ele’, mas,
submetido a um poder exterior e privado do sentido de sua própria atividade, ele inventa um
mundo irreal, submete-se a ele, e com isso restringe ainda mais sua própria liberdade
(Mészáros, 2006, p. 146).
7
Embora encontre também formas de manifestação subjetiva, dentro da interação sujeito/objeto que
abordamos até aqui.
8
Sobre o conjunto primário de mediações, cf. Mészáros (2002, p. 213). Sobre o conjunto secundário,
Mészáros (2002, p. 180).
9
Neste ponto exsurge uma polêmica de difícil solução neste espaço: uma vez consubstanciadas as
relações sociais entre os homens, uma vez imersos em relações sociais dadas, que individualmente não
controlam, não poderiam estar confrontados, em seu agir teleológico, com cadeias causais postas? Poder-
se-ia abrir aqui tal polêmica a partir de uma interpretação da proposta lukacsiana, especialmente se
considerarmos que “o significado da causalidade posta consiste no fato de que os elos causais, as cadeias
causais etc. são escolhidos, postos em movimento, abandonados ao seu próprio movimento, para
favorecer a realização do fim estabelecido desde o início” (Lukács, 2013, p. 99). Ainda que, no fragmento
anterior, o marxista magiar esteja referindo-se estritamente ao trabalho, voltamos a nos deparar com a
questão quando do trato da ideologia: “embora tenham necessariamente surgido de pores teleológicos,
eles, enquanto processos sociais, não podem possuir qualquer caráter teleológico. O próprio processo
social consiste de cadeias causais, que de fato foram postas em marcha por pores teleológicos, mas que,
uma vez ganhando realidade, podem operar exclusivamente como causalidades” (Lukács, 2013, p. 536).
Estamos abordando até agora a ação teleológica dos homens de forma muito geral, em sua constituição
fundamental e genérica, e não temos condição de abrir, nos limites desta tese, tal polêmica. De resto, o
pôr teleológico cotidiano (logo, concreto) em situações de alienação possui características bastante
peculiares. Trataremos do agir cotidiano dos homens ao final deste item.
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Esclarece-se, pois, a constituição última das três formas de manifestação do capital (D, P e M’): a
mercadoria. Não por outra razão, a ordem do capital apresenta a generalização absoluta dessa forma como
generalização absoluta das formas de manifestação do capital. “A mercadoria é misteriosa simplesmente
por encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como
características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; finalmente, as relações
entre os produtores nas quais se afirma o caráter social dos seus trabalhos, assumem a forma de relação
social entre os produtos do trabalho” (Marx, 2006, p. 94).
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“Preferencialmente exclusiva”, pois a existência de outros agentes portadores dos mesmos valores de
uso baralha as possibilidades de troca nas melhores condições possíveis.
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Mas isso não é tudo. Se, do ponto de vista da circulação, o valor aparece como
mercadorias que se trocam, originando “milagrosamente” valor adicional, na produção a
autonomia se realiza sob a forma de subordinação da força de trabalho.
A constituição de um sistema de máquinas, pelo capital, marginaliza a força de
trabalho no processo de produção – a continuidade de seus movimentos passa a
depender, também de modo crescente e aparentemente tautológico, da continuidade de
seus próprios movimentos.
De acordo com a explanação de Marx, a maquinaria pode funcionar por meio de
um sistema de máquinas que, impulsionado por uma mesma força motriz, sofre ação de
trabalhadores heterogêneos (divididos por gênero, habilidade, força, estatura, destreza
etc.) que o alimentam (lubrificam, reparam etc.) cooperativamente; ou pela forma de um
imenso autômato, cujas partes são constituídas por unidades mecânicas e conscientes,
funcionando de maneira integrada sob o ritmo rígido de uma força motriz unitária que
se autorregula.
Essas duas conceituações não são de modo algum idênticas. Numa, o trabalhador coletivo ou o
organismo de trabalho coletivo aparece como o sujeito que intervém, e o autômato mecânico,
como objeto; na outra, o próprio autômato é o sujeito, e os trabalhadores são apenas órgãos
conscientes, coordenados com órgãos inconscientes e, juntamente com eles, subordinados à força
motriz central. A primeira conceituação aplica-se a qualquer emprego da maquinaria em grande
escala; a segunda caracteriza seu emprego capitalista e, consequentemente, o moderno sistema
fabril (Marx, 2006, p. 479 – itálicos nossos).
12
Em edição mais recente, encontramos o trecho com a seguinte tradução: “o valor se torna, aqui, o
sujeito de um processo em que ele, por debaixo de sua constante variação de forma, aparecendo ora como
dinheiro, ora como mercadoria, altera sua própria grandeza e, como mais-valor, repele [abstösst] a si
mesmo como valor originário, valoriza a si mesmo [sic]. Pois o movimento em que ele adiciona mais-
valor é seu próprio movimento; sua valorização é, portanto, autovalorização. Por ser valor, ele recebeu a
qualidade oculta de adicionar valor. Ele pare filhotes, ou pelo menos põe ovos de ouro” (Marx, 2013, pp.
262-3 – itálicos nossos).
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“O processo de produção deixou de ser processo de trabalho no sentido de processo dominado pelo
trabalho como unidade que o governa. Ao contrário, o trabalho aparece unicamente como órgão
consciente, disperso em muitos pontos do sistema mecânico em forma de trabalhadores vivos individuais,
subsumido ao processo total da própria maquinaria, ele próprio só um membro do sistema, cuja unidade
não existe nos trabalhadores vivos, mas na maquinaria viva (ativa), que, diante da atividade isolada,
insignificante do trabalhador, aparece como organismo poderoso” (Marx, 2011, p. 581).
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“A relação do capital como valor que se apropria da atividade valorizadora [trabalho vivo] é posta no
capital fixo, que existe como maquinaria, ao mesmo tempo como a relação do valor de uso do capital com
o valor de uso da capacidade de trabalho; o valor objetivado na maquinaria aparece, ademais, como um
pressuposto, diante do qual o poder valorizador da capacidade de trabalho individual desaparece como
algo infinitamente pequeno” (Marx, 2011, pp. 581-2).
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Abre o capítulo XIII do Livro I de O Capital o seguinte argumento: “não é esse o objetivo do capital
[aliviar a labuta diária de algum ser humano – AA] quando emprega maquinaria. Esse emprego, como
qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, tem por fim baratear as mercadorias,
encurtar a parte do dia de trabalho da qual precisa o trabalhador para si mesmo, para ampliar a outra parte
que ele dá gratuitamente ao capitalista. A maquinaria é meio para produzir mais-valor” (Marx, 2006, p.
427). Marx refere-se aqui à seguinte afirmação de J. S. Mill: “É duvidoso que as invenções mecânicas
feitas até agora tenham aliviado a labuta diária de algum ser humano” (J. S. Mill, Principles of political
economy, apud Marx, 2006, p. 427).
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“O sujeito real da atividade produtiva essencial é degradado à condição de objeto facilmente
manipulável, enquanto o objeto original e o momento anteriormente subordinado da atividade produtiva
da sociedade é elevado à posição na qual pode usurpar toda a subjetividade humana incumbida de tomar
decisões. O novo ‘sujeito’ da usurpação institucionalizada (ou seja, o capital) é de fato um pseudo-
sujeito, já que é forçado por suas determinações internas fetichizadas a operar no interior de parâmetros
extremamente limitados, substituindo a possibilidade de um desígnio consciente adotado a serviço da
necessidade humana, por seus próprios ditames e imperativos materiais cegos” (Mészáros, 2002, p. 432
– itálicos nossos). Essa condição de “pseudo-sujeito” deve ser entendida exatamente no interior da
incapacidade do capital de pôr teleologicamente.
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“É o desenvolvimento da produção, de suas formas e limitações específicas, que determina o tipo da
diferenciação de classe, da função social e da perspectiva das classes, o que ocorre, todavia, na forma de
uma interação, porque o tipo da constituição das classes, sua relação recíproca, retroage decisivamente
sobre a produção” (Lukács, 2013, p. 183). Ou, em outras palavras: “sobre as diferentes formas de
propriedade, sobre as condições sociais, maneiras de pensar e concepções de vida distintas e
peculiarmente constituídas. A classe inteira os cria e os forma sobre a base de suas condições materiais e
das relações sociais correspondentes. O indivíduo isolado, que as adquire através da tradição e da
educação, poderá imaginar que constituem os motivos reais e o ponto de partida de sua conduta” (Marx,
1988, p. 26),
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“É comum a toda individualidade a escolha relativamente livre (autônoma) dos elementos genéricos e
particulares; mas, nessa formulação, deve-se sublinhar igualmente os termos ‘relativamente’. O homem
singular não é pura e simplesmente indivíduo, no sentido aludido; nas condições da manipulação social e
da alienação, ele vai se fragmentando cada vez mais ‘em seus papeis’. O desenvolvimento do indivíduo é
antes de mais nada – mas de nenhum modo exclusivamente – função de sua liberdade fática ou de suas
possibilidades de liberdade” (Heller, 2000, p. 22 – itálicos do original).
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Para não incorrermos em demasiada simplificação, devemos notar que própria morfologia da classe que
personifica o capital – cujo exemplo mais ilustrativo podia ser encontrado no capitalista clássico,
proprietário dos meios de produção – sofre alterações com a formação das sociedades por ações, uma
modificação que, “em oposição ao capital privado”, “é a suprassunção [Aufhebung] do capital como
propriedade privada dentro dos limites do próprio modo de produção capitalista” (Marx, 2017, p. 494). A
constituição do capital social faz com que “o capitalista realmente ativo se convert[a] em simples gerente,
administrador de capital alheio, e os proprietários de capital em meros proprietários, simples capitalistas
monetários. Ainda que nos dividendos que recebem estejam incluídos os juros e o ganho empresarial, isto
é, o lucro total (pois a remuneração do gerente é, ou deve ser, mero salário para remunerar certo tipo de
trabalho qualificado, cujo preço é regulado no mercado de trabalho, como o de outro trabalho qualquer),
esse lucro total é recebido agora apenas na forma de juros, isto é, como simples remuneração à
propriedade do capital, que, por sua vez, passa a ser inteiramente separada da função que desempenha no
processo real de reprodução, do mesmo modo que essa função, na pessoa do dirigente, se encontra
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separada da propriedade do capital. O lucro aparece assim (e não apenas uma parte dele, os juros, que
extrai sua justificação do lucro do prestatário) como simples apropriação de mais-trabalho alheio,
proveniente da transformação dos meios de produção em capital, isto é, de sua alienação diante do
produtor real, de sua oposição, como propriedade alheia, a todos os indivíduos que tomam parte
ativamente na produção, desde o gerente até o último dos diaristas. Nas sociedades por ações, a função
aparece separada da propriedade de capital, e o trabalho também aparece, portanto, completamente
separado da propriedade dos meios de produção e do mais-trabalho. Esse resultado do máximo
desenvolvimento da produção capitalista é uma fase de transição necessária até a reconversão do capital
em propriedade dos produtores, mas não mais como propriedade privada de produtores isolados, e sim
como propriedade dos produtores associados, como propriedade diretamente social. É, por outro lado,
uma fase de transição para a transformação de todas as funções do processo de reprodução até aqui ainda
relacionadas à propriedade do capital em simples funções dos produtores associados, em funções sociais”
(Marx, 2017, p. 494-5).
20
D – M (Mp + F) ... P ... M’ (M = µ) – D’ (D + d).
21
Sobre esta questão, com precisão e atualidade, considera Pachukanis (1988, p. 85): “por causa da
evolução do modo de produção capitalista, o proprietário afasta-se progressivamente das funções técnicas
de produção e deste modo perde também o domínio jurídico total sobre o capital. Numa empresa de
acionistas, o capitalista individual nada possui além da titularidade de uma quota-parte determinada do
rendimento que obtém sem trabalhar. A sua atividade econômica e jurídica, como proprietário, restringe-
se quase que inteiramente à esfera do consumo improdutivo. A massa mais importante do capital torna-se
inteiramente uma força de classe impessoal. Na medida em que esta massa de capital tem participação na
circulação mercantil, o que supõe a autonomia de suas diferentes partes, esta partes autônomas surgem
como propriedade de pessoas jurídicas. Na verdade, é apenas um grupo, relativamente restrito de grandes
capitalistas, que dispõe da grande massa de capital e que, além disso, opera não diretamente, mas por
intermédio de representantes ou de procuradores com poderes estipulados. A forma jurídica distinta da
propriedade privada já não representa mais a situação real das coisas, uma vez que a dominação efetiva se
estende através de métodos de participação, de controle etc., bastante além do quadro puramente
jurídico”.
22
O mesmo vale para outras personificações do capital, cujo fundamento estrutural é a posição na divisão
social e técnica do trabalho. Contudo, aqui, o problema ganha matizes que podemos apenas aludir. Alguns
determinantes precisam ser considerados ao analisarmos a posição e a função social dessas frações de
classes e a primeira delas é o lugar ocupado na estrutura da produção social. Não se pode esquecer ainda
do modo como participam na reprodução do complexo ideológico particular, que se consolida com a
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generalização histórica do modo de produção burguês, das relações que estabelecem com as classes
fundamentais e outros grupos sociais, do modo como acessam e fruem as objetivações socialmente
produzidas e de como essas camadas organizam seu modo de vida, suas expectativas e suas
movimentações concretas no espectro político mais amplo. Vários autores se dedicaram a esse exercício
(a compreender os impactos dos processos de transformação do trabalho e da sociedade a partir de
meados do século XX na estrutura de classes) e há vastíssima bibliografia sobre o assunto. Apenas para
ficarmos nas mais significativas, pensemos em Braverman (1974); Gorz (1982); Lojkine (2002); Offe
(1989); o operaísmo italiano de Negri e Lazzarato; Sabel e Piore (1984); Schaff (1995) etc.
23
“Não se deve entender com isso como se, por exemplo, o rentista, o capitalista etc. deixassem de ser
pessoas, mas sim no sentido de que sua personalidade é condicionada e determinada por relações de
classe bem definidas; e a diferença torna-se evidente apenas na oposição a uma outra classe e, para os
próprios indivíduos, somente quando entram em bancarrota” (Marx; Engels, 2007, p. 65).
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“Os sujeitos automáticos configuram-se à medida que [os indivíduos – AA] devem aceitar como
evidente e espontânea certa sociabilidade, a qual, por meio do processo de valoração do capital, faz do
sujeito mera personificação de uma relação social” (Sartori, 2010, p. 122).
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A ação cotidiana dos homens, na ordem do capital, ganha seu sentido pessoal
como uma ação voltada para a própria autorreprodução dos indivíduos25. De acordo
como se inserem dentro de uma cadeia determinada – pelos loci de suas inserções na
estrutura de relações sociais de produção, ou seja, pelas suas posições de classe – de
relações causais que oferecem e restringem alternativas e possibilidades, respondem, a
partir dessas determinações dadas, ao conjunto de problemas e entraves colocados à
25
“As condições sob as quais os indivíduos intercambiam uns com os outros, enquanto não surge a
contradição [entre as forças produtivas e as relações de produção – AA], são condições inerentes à sua
individualidade e não algo externo a eles, condições sob as quais esses indivíduos determinados, que
existem sob determinadas relações, podem produzir sua vida material e tudo o que com ela se relaciona;
são, portanto, as condições de sua autoatividade e produzidas por essa autoatividade. A condição
determinada sob a qual eles produzem corresponde, assim, enquanto não surge a contradição, à sua real
condicionalidade [Bedingtheit], à sua existência unilateral, unilateralidade que se mostra apenas com o
surgimento da contradição e que, portanto, existe somente para os pósteros” (Marx; Engels, 2007, p. 68).
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Não por outra razão, no cotidiano estão mais fortemente vinculados teoria e
prática – a necessidade da ação imediata supõe e exige a formação de estruturas ideais
que possibilitem a ação. Ditas estruturas orientam-se muito mais em relação à eficácia
que o ato deve produzir que propriamente à explicitação de suas conexões internas mais
profundas e decisivas: para que a ação cotidiana funcione, basta que seja eficaz do
ponto de vista do agente26. A relação que se estabelece no cotidiano entre dever-ser,
reflexo, escolha de meios, objetivação e eficácia prática supõe o apagamento das
mediações que se interpõem entre teoria e prática em suas formas mais elevadas. Como
consequência, obtém-se um espelhamento carente de mediações – mas suficiente para a
ação imediata – e uma objetivação pouco duradoura. Na estrutura reificada da ordem do
capital, em poucas palavras: obtém-se um reflexo limitado, construído a partir do
encadeamento mais superficial dos nexos causais, que sequer resvala sobre seus
conteúdos essenciais (sobre a essência de funcionamento da própria socialidade dos
homens submetida ao valor), e uma ação prática epidérmica, reiterativa, incapaz de
atingir e alterar os fundamentos de funcionamento das legalidades autorreprodutivas
do capital, terminando por repor, inconscientemente, seu movimento automático.
Entretanto, é exatamente a ação prática do conjunto dos homens que movimenta, ainda
que sem a intenção direta de fazê-lo, todo o conjunto material de relações sociais,
repondo em patamares mais desenvolvidos e complexos toda essa malha causal.
A vivência cotidiana é, em última instância, uma experiência singular, de cada
indivíduo, na realização prático-empírica de suas demandas mais rotineiras. A urgência
de respostas práticas à pluralidade de situações requer um comportamento eficaz, capaz
de garantir a sobrevivência psicofísica imediata. Tomada por automatismos, a vida
cotidiana é marcada em seu conjunto por um universo plenamente múltiplo e variegado
de objetivações ativas, cujo caráter compósito e heterogêneo27 exige respostas múltiplas
para questões várias (aplicações da física, da biologia, do trabalho, das artes, da política,
etc.). Todas estas questões apresentam-se de maneira mais ou menos imediata,
requerendo respostas urgentes e ativas, a fim de propiciarem ao indivíduo sua realização
vital, de modo pragmático, ou seja, sem um supradesgaste de suas forças vitais. A
pluralidade das situações e a urgência das demandas exigem um rápido processamento
da ação – o que não permite, em último caso e no mais das vezes, uma análise rigorosa e
crítica: estamos diante de ações superficiais e extensivas.
Todas essas determinações são entrecortadas pela historicidade; “a vida
cotidiana não está ‘fora’ da história, mas no ‘centro’ do acontecer histórico: é a
verdadeira ‘essência’ da substância social” (Heller, 2000, p. 20). As formas
heterogêneas que se mostram no cotidiano derivam, por inúmeras mediações, das
condições historicamente postas nas quais os homens estão mergulhados. Como
objetividades heterogêneas da ordem do capital, parte das objetivações sociais tem seu
destino hipotecado à própria sorte do sistema do valor28. O confronto, no cotidiano, com
essas objetivações heterogêneas é resolvido, em sua imediatidade, por ações embasadas
26
“A unidade imediata de pensamento e ação implica inexistência de diferença entre ‘correto’ e
‘verdadeiro’ na cotidianidade; o ‘correto’ também é ‘verdadeiro’. Por conseguinte, a atitude da vida
cotidiana é absolutamente pragmática” (Heller, 2000, p. 32).
27
“Mas a significação da vida cotidiana, tal como seu conteúdo, não é apenas heterogênea, mas
igualmente hierárquica. Todavia, diferentemente da circunstância da heterogeneidade, a forma concreta
da hierarquia não é eterna e imutável, mas se modifica de modo específico em função das diferentes
estruturas econômico-sociais” (Heller, 2000, p. 18).
28
Pense-se, por exemplo, na forma-mercadoria, na forma-dinheiro, no trabalho alienado, no salário, nas
formas jurídica e política etc.
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pelo mais espontâneo materialismo – exatamente por isso, o fiador da ação é o critério
de eficácia e seu resultado uma objetivação efêmera, conforme já aludimos.
La fuerza y la debilidad de esa esponteneidad caracterizan claramente, desde otro punto de
vista, la peculiaridad del pensamiento cotidiano. Su fuerza se revela em el hecho de que
ninguna concepción del mundo, por idealista y hasta solipsista que sea, consiegue impedir que
aquella espontaneidad funcione en la vida y el pensamiento de la cotidianidad. Ni el más
fanático berkeleyano, cuando al cruzar la calle evita un automóvil o espera que éste pase, tiene
la sensación de estar entendiéndoselas sólo cun su propria representación [...]. Y la debilidad de
ese materialismo espontáneo se manifesta en el hecho de que sus consecuencias para la
concepción del mundo son escasísimas, y acaso nulas (Lukács, 1966, p. 48).
Referências
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Ivan Cotrim
Fundação Santo André
ivancotrim@uol.com.br
Resumo
O texto Trabalho assalariado e capital de Marx registra um momento decisivo da
crítica originária da economia política, anterior à Contribuição à Critica da Economia
Política, de sua maturidade. O que os põe em conexão profunda é, já nesse texto de
1847, a compreensão sobre o trabalho nas condições históricas capitalistas. Ele observa
no trabalho, sob o capital, características confluentes com as das mercadorias,
especialmente sua subsunção às leis do mercado, como uma mercadoria com as mesmas
condições de qualquer outra. A partir daí Marx elabora sua compreensão do trabalho,
como categoria que se diferencia das demais, ao definir-se sob a forma potencial de
capacidade de trabalho, ao mesmo tempo em que registra sua condição sine qua non
para existência do capital. Ele indica, também, que as coalizões, a união da massa
trabalhadora em seus interesses comuns, em oposição aos do capital, resulta das
relações de assalariamento que no interior da regência do capital restringe o trabalhador
aos limites mínimos de sua sobrevivência. A oposição entre trabalho e capital
evidenciada o leva a definir que só pela organização e luta dos trabalhadores poderia
alcançar a emancipação da sociedade em relação às classes sociais na direção do
comunismo.
PALAVRAS-CHAVE: trabalho assalariado; estranhamento; capital; capacidade de
trabalho
Abstract
Marx’s writing Wage Labour and Capital sets a decisive moment of the original
critique of political economy, previous to A Contribution to the Critique of Political
Economy, a work belonging to the period of his maturity. Both of these writings connect
deeply in their understanding of labour in the capitalist historical conditions, which
figures already in the 1847 text. Marx observes that, under capitalism, labour assumes
characteristics typical of commodities, in particular their subsumption to the laws of
market as a commodity under the same conditions as any other. From that observation,
Marx elaborates his understanding of labour as a category that differs from others, by
defining itself as the potential form of labour power, while remarking its sine qua non
condition for the existence of capital. Marx also indicates that the coalitions or the union
of the working mass for their common interests as opposed to those of capital result
from the wage labour relationship under the rule of capital, that restricts the worker to
the minimum limits of their survival. The understanding of the opposition between
labour and capital leads Marx to sustain that only by their organization and struggle
could the workers emancipate society from the social classes, towards communism.
KEYWORDS: Wage labour; Estrangement; Capital; Labour power.
Introdução
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submete as categorias erigidas pela economia política a uma critica radical. Tomemos
por exemplo, a propriedade privada, esta se lhe afigura como base infundada dessa
ciência, como um fato carente de necessidade, pois, a economia política sustenta-se
nessa categoria, afirmando que não há riqueza sem propriedade privada, mas não
explica a necessidade humana dessa forma social, não explica a demanda histórico-
social da propriedade privada, pondo por terra um dos pilares teóricos dos clássicos.
Marx está, de fato, tomando contato com os pensadores da economia pela
primeira vez, muito embora já se detivera nas análises críticas de Esboço de uma Crítica
da Economia Política, elaborado por Engels, que o auxiliou a enfrentar o emaranhado
teórico deixado pelos clássicos; além disso, ele tem já recursos teóricos constituídos
acumulados que lhe permitiram o tom empregado nesse enfrentamento, principalmente
por ter dominado as críticas ontológicas anteriores, a crítica à politicidade e a
especulação filosófica, ambas expressões teóricas de uma e mesma realidade sócio
econômica. De maneira que estamos vendo uma complementação de seu percurso
crítico, complementação essa que, não custa repetir, tem sua manifestação originária nos
Cuadernos.
Os Manuscritos Econômico-Filosóficos (Marx, 1987) contêm críticas a temas da
economia política que motivaram também a redação dos Cuadernos. Marx explicita
aspectos e ângulos que não foram tratados no texto anterior, conseguindo então elevar a
um patamar crítico mais amplo e esclarecedor alguns dos temas comuns a ambos os
textos, dessa forma ele fica em condições mais favoráveis, no segundo, já que pode
contar com as análises precedentes.
Nesse texto a presença da categoria econômica: produção, ganha destaque; essa
categoria será tratada com mais insistência e por múltiplos ângulos, o que forma um dos
diferenciais em relação aos Cuadernos.
Nas considerações do já citado analista das obras de juventude de Marx, fica
patente um aprofundamento crítico nos Manuscritos, já que Marx avança numa
articulação entre categorias econômicas e as atividades políticas, como a luta de classes
por exemplo, entre outras, mas determinados temas dos Cuadernos serão apenas
referidos nos Manuscritos.
O capítulo Salário do Trabalho dos Manuscritos foi submetido por Marx a um
cotejo com a realidade ativa dos indivíduos. As lutas entre capitalistas e trabalhadores,
levaram vantagem sempre para as mãos dos primeiros, diz Marx, pois estes “podem
viver mais tempo sem o trabalhador do que o trabalhador sem o capitalista” (Marx,
1999, p.2). Em seguida ele desdobra os motivos que levam os capitalistas terem
vantagens no enfrentamento com a classe trabalhadora. O poder de união dos
capitalistas apresenta-se sempre, em condições favoráveis diante das dos trabalhadores,
e da sociedade, enquanto que para estes as adversidades de toda natureza são
evidenciada frente suas tentativas de coalizão que sempre lhes rendem sérias
consequências. Desigualam-se, também, as condições entre capitalistas e trabalhadores
em momentos de enfrentamento ao se tomar as fontes de renda de ambos; os capitalistas
têm seus rendimentos oriundos de distintas fontes, como renda fundiária, lucro
industrial ou juro, enquanto os trabalhadores dependem da única fonte, que é o salário
de seu trabalho, o que faz gerar uma maior intensidade na concorrência entre os
trabalhadores.
Marx destaca também, apoiado nas formulações de Smith, que os salários são
estabelecidos num limite restrito à subsistência do trabalhador e com uma parcela para a
manutenção de sua família, com o que ele “perpetua sua raça”. Eis aqui uma formulação
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que, vinda de Smith, será reposta por Ricardo, e mantida por Marx que afirma ser esta
questão uma expressão do real, da sua determinação, isto é, dos fundamentos sociais das
relações de assalariamento.
Marx apresenta a relação capital-trabalho na forma tal como a supõe a economia
política, ou seja, como “casual, e por isso só pode ser explicada exteriormente” (Marx,
1999, p.3-A) à própria economia política. De maneira que, para os clássicos, a união
dessas categorias mostra-se como se “o capital /.../ [fosse] trabalho acumulado”; ou
então, “o operário é um capital”; ou como “o salário faz [endo] parte dos custos do
capital”; ou ainda, “no que diz respeito ao operário, o trabalho é a reprodução de seu
capital”. Cabe observar que, neste último caso, fica mais evidente a conversão, pela
economia política, de todos os indivíduos em formas de ser do capital; e “no que diz
respeito ao capitalista, é um fator de atividade do capital”.
Ele destaca situações sociais específicas, para indicar a radical desigualdade,
dentro do universo do capital, entre os trabalhadores e os capitalistas: quando a riqueza
produzida socialmente entra em declínio, quem absorve em sua pessoa os danos dessa
situação é o trabalhador; quando a riqueza se eleva, ele tem realmente um momento de
vantagem, pois se acentua a concorrência entre os capitalistas e a procura por
trabalhadores é maior, favorecendo assim uma elevação salarial; entretanto, diz Marx, a
contradição está em que “a alta de salários desperta no trabalhador o mesmo desejo de
enriquecimento que no capitalista, mas só o pode satisfazer pelo sacrifício de seu corpo
e espírito”, e a busca por maiores rendimentos o obriga a uma alienação maior de sua
liberdade e uma subsunção maior ao trabalho assalariado, degenerativo ao trabalhador,
donde resulta uma redução de seu tempo de vida, “uma morte prematura, a degradação
em máquina, a sujeição ao capital que se acumula em ameaçadora oposição a ele”.
O pagamento do trabalho, o salário, revela-se, na economia política, tanto na
prática quanto na teoria, algo semelhante à troca de mercadorias confirmando o que Mar
já havia deduzido nos Cadernos: que o salário é uma expressão, ou uma forma da
relação da propriedade privada. Nos Manuscritos, essa questão é explicitada e
fundamentada nos seguintes termos: “Consequentemente salário e propriedade privada
são idênticos, pois o salário no qual o produto, o objeto do trabalho remunera o próprio
trabalho, é apenas uma consequência necessária do estranhamento do trabalho e no
sistema de salário o trabalho não aparece como fim em si, mas como servo do salário”
(Marx, 1999, p.27-a). Observa ele então que “O capitalista é sempre livre para
empregar o trabalho e o operário se vê obrigado a vendê-lo. O valor do trabalho fica
completamente destruído se não for vendido a todo instante”. (Marx, 1999, p.3-a). De
maneira que a reprodução do valor do trabalho fica na dependência de sua venda ao
capitalista, isto é: a vida do trabalhador tem sua reprodução dependente da venda do
valor do trabalho. E o que é o valor do trabalho? Algo que, diferente do valor “das
autênticas mercadorias /.../ não pode ser nem poupado, nem acumulado”, isto é, só pode
ter valor na compra pelo capital, para utilização na produção.
Mantendo sempre relação com temas presentes nos Cadernos, como o
empobrecimento crescente do trabalhador, contrariamente ao aumento da produção de
riqueza por ele efetivado, Marx procura evidenciar o estranhamento que resulta das
relações do trabalho, sob a propriedade privada, pois, como diz ele, se aquilo com que o
homem se relaciona não tem existência para si, evidentemente lhe é estranho, não faz
parte de sua essência, de sua vida, está alienado dele. Marx põe em evidência também
um dos momentos mais agudos da degradação no trabalho, quando a alienação dos
indivíduos em relação a si próprios desdobra-se no estranhamento social, de seu gênero.
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outros homens, bem como ao trabalho e ao objeto do trabalho dos outros homens”
(Marx, 1999, p.25-a).
Depois de se deparar com os textos dos pensadores clássicos da economia
política, nos Cadernos de Paris e nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, depois de ter
redigido A Sagrada Família e A Ideologia Alemã, (aqui apenas citadas com vistas à
ambientação intelectual de Marx), juntamente com Engels, consolidando seu acerto de
contas com o idealismo hegeliano e com o materialismo feuerbachiano; depois de ter
exposto nestes textos o estranhamento, a alienação, a divisão do trabalho e a
propriedade privada, aos quais os indivíduos ativos se encontram subordinados; depois
de mostrar a perda de si a que estão submetidos os homens ativos num mundo cujas
relações são as relações da propriedade privada consigo mesma, e não deles próprios;
depois de ter indicado que a propriedade privada se completa na forma do capital e esta
é a forma estranhada e alienada por excelência da produção dos indivíduos, que, muito
ao contrário de tê-la sob seu controle, são por ela controlados, de tal forma que o
produto dos indivíduos, como expressão de sua generidade, aparece-lhes estranho,
convertendo sua própria generidade em algo estranho; depois de identificar que os
indivíduos ativos no trabalho sob o capital, como produtores de todo o valor que se
incorpora como capital encontra-se despojados ao máximo, isto é, são mantidos por
salários restritos à sua subsistência física, Marx expõe essa situação dos trabalhadores,
cinicamente reconhecida na economia política por Ricardo, observando que isto só
pode se dar sob a forma da relação de exploração de uma classe por outra, em que as
contradições entre proprietários e trabalhadores, capital e trabalho, estão conduzidas
como relações naturais, tal qual a relação de servidão, modernizada, porém, pela
concorrência, pela divisão do trabalho, enfim pelo capital.
Avançando na produção intelectual de Marx, no período de crítica originária à
economia política clássica, o texto A Miséria da Filosofia, (Marx, 1976) se notabiliza
entre outras coisas, pelo domínio sobre o tema alcançado por ele. As pretensões
proudhonianas de criticar a economia política clássica, tendo como alvo Ricardo,
padecia de profunda deficiência demonstrada por ele. Ricardo vinha sendo cotado
intelectualmente como referência teórico-econômica pelos socialistas franceses, o que
movia forte incômodo em Proudhon. De forma que resguardar a importância intelectual
de Ricardo das críticas adstringidas de Proudhon conduziu Marx à elaboração de sua
demolidora crítica em Miséria da Filosofia.
A assimilação das teorias ricardianas pelos socialistas tanto franceses (quanto
ingleses) residia no fato de que Ricardo, ao reafirmar o tempo de trabalho como
fundamento do valor das mercadorias, fazia derivar daí o valor da jornada de trabalho,
garantindo sua concepção de equivalência entre o valor da jornada paga aos
trabalhadores e o valor por eles criado na jornada. Nesse ponto era criticado pela
burguesia, pois, de sua proposição decorria o desaparecimento do capital e, portanto, do
valor excedente que lhe correspondia. Os socialistas, pelo seu lado, aferravam-se a tese
de que todo o produto do trabalho deveria pertencer ao trabalhador, e que o erro não se
encontrava na concepção ricardiana, mas na atitude burguesa-capitalista que não pagava
o valor correto do trabalho. Com isso, nascia para os socialistas ricardianos, uma
fundamentação na defesa de uma nova sociedade, onde vigorasse aquela equivalência
em que o produto integral do trabalho pertencesse ao trabalhador. Marx desmontou essa
concepção pueril em seu livro citado, e em vários artigos sobre o tema, articulando suas
críticas a Proudhon, atingindo indiretamente a ingenuidade dos socialistas
proudhonianos.
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que ele possuía anteriormente” (Marx, 2010, p.544). E na confirmação do custo humano
desta sociabilidade regida pelo capital, ele aduz as inevitáveis consequências para o
trabalhador: “O trabalhador recebe do capitalista uma parte dos meios de subsistência
disponíveis. Para que lhe servem esses meios de subsistência? Para o consumo
imediato. Mas, assim que eu consumo meios de subsistência, eles estão
irremediavelmente perdidos para mim, a menos que utilize o tempo durante o qual esses
meios me mantêm vivo para produzir novos meios de subsistência, para criar por meu
trabalho, durante o consumo, novos valores no lugar daqueles valores destruídos pelo
consumo. Mas o trabalhador transferiu ao capital justamente essa preciosa força
reprodutiva em troca dos meios de subsistência recebidos. Portanto, perdeu-a para si
mesmo” (Marx, 2010, p.554).
Marx procurará evidenciar o estranhamento que resulta das relações no trabalho,
sob a propriedade privada, destacando que aquilo com que os indivíduos se relacionam
não tem existência para eles, evidentemente lhe é estranho, não faz parte de sua
essência, de sua vida, está alienado dele.
Marx reafirma o caráter inumano da economia política indicando que: “O seu
caráter estranho aparece nitidamente no fato de se fugir do trabalho como da peste,
quando não existe nenhum constrangimento físico ou de qualquer outro tipo” (Marx,
1999, p.24-a). E cotejando com a alienação religiosa, ele mostra a perda de si do homem
observando: “Assim como na religião a atividade espontânea da fantasia humana /.../
reage sobre o indivíduo independentemente dele, como uma atividade estranha, divina
ou diabólica, da mesma maneira a atividade do trabalho não é sua atividade própria.
Pertence a outro e é perda de si mesmo” (Marx, 1999, p.24-a).
Mas o homem é como vimos um ser genérico, a perda de si no processo social
de produção, de exteriorização de vida, apresenta-se como perda de sua essencialidade;
esta essencialidade, que é seu gênero, é convertida, reduzida a meio de subsistência, o
que significa que “o homem estranho ao gênero faz de sua vida genérica um meio de
vida individual” (Marx, 1999, p.25) significa ainda que o trabalhador não reconhece a
sociedade senão como meio de sua subsistência e não a condição de sua humanização.
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prata pagos ao jornaleiro de uma maneira frutífera, produtiva. /.../ Os 5 vinténs de prata
foram, portanto, consumidos de uma dupla forma, reprodutiva para o capital, pois
foram trocados por uma força de trabalho que gerou 10 vinténs de prata, improdutiva
para o trabalhador, pois foram trocados por meios de subsistência que desapareceram
para sempre e cujo valor só poderá reaver repetindo a mesma troca com o arrendatário.
Portanto, o capital pressupõe o trabalho assalariado, o trabalho assalariado pressupõe
o capital. Eles se condicionam reciprocamente; eles se geram reciprocamente” (Marx,
2010, p. 545).
Marx indica também, a ausência do que é fundamental na determinação do
capital, a relação social que o determina, dando como exemplo o seguinte: “O que é um
escravo negro? Um homem da raça negra. Uma explicação vale a outra. Um negro é um
negro. Só se torna um escravo em determinadas condições” (Marx, 2010, p. 542). o que
obriga à necessária compreensão de que as relações sociais é que determinam sua forma
de ser social.
Dessa forma para ele as relações sociais são a própria sociabilidade humana, a
sociedade, e noutro exemplo afirma: “Uma máquina de fiar algodão é uma máquina de
fiar algodão. Só em determinadas relações se torna capital. Excluída dessas condições,
ela é tão pouco capital como o ouro é em si e por si dinheiro ou o açúcar é o preço do
açúcar” (Marx, 2010, p. 542). Desta forma, “o capital não é, portanto, somente uma
soma de produtos materiais, é uma soma de mercadorias, de valores de troca, de
grandezas sociais” (Marx, 2010, p. 543). De maneira que “É exclusivamente o domínio
do trabalho acumulado, passado, objetivado sobre o trabalho imediato, vivo, que
converte trabalho acumulado em capital” (Marx, 2010, p. 544).
Referências
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Lívia Cotrim
Centro Universitário
Fundação Santo André
liviacotrim@uol.com.br
Resumo
Examinando as relações entre modernização do estado – incluindo a legislação e a
magistratura – e as transformações econômicas que aquela requer, numa Prússia que
ainda conserva relações semi-feudais, os artigos marxianos escritos para a Nova Gazeta
Renana (01/06/1848 a 19/05/1849) exibem, por vários ângulos, os vínculos das
transformações econômicas com uma classe particular e com as relações sociais em
geral, bem como com o processo revolucionário. Com isso, demonstra sua condição
determinada, o que não lhe retira importância nem papel efetivo. Sendo necessário nas
sociedades cindidas em classes sociais, evidencia-se o elo entre o direito, o poder e a
força, seja nas formas de estado mais abertamente ditatoriais, seja nas democráticas.
Palavras-chave: Karl Marx; direito; política; revolução.
Abstract
By examining the relations between the modernization of the state – including
legislation and the judiciary – and the economic changes that it requires, in a Prussia
that still bears semi-feudal relationships, Marxian articles written for the New Rhenish
Gazette (06/01/1848 to 05/19/1849) show, from various angles, the bonds of those
economic changes with a particular class and with social relations in general, as well as
with the revolutionary process. Thus Marx demonstrates their determined condition,
what does not belittle their importance and effective role. As necessary in societies
divided in social classes, the bond among law, power and force is made explicit both in
more openly dictatorial forms of state and in democratic ones.
Keywords: Karl Marx; Law; Politics; Revolution.
INTRODUÇÃO
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São críticas ontológicas por tratarem prioritariamente de modos de ser, incluindo a apreensão da gênese,
da necessidade, do desenvolvimento e da eventual desaparição de algo existente; formas de pensar
determinadas são aceitas ou recusadas conforme sejam capazes ou não de os reproduzir.
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também radical nos modos, meios e objetivos dessa luta. Ainda que referida às
instituições políticas ou as tendo como foco, a atuação deve buscar suas raízes sociais, e
transformá-las: deve ser metapolítica (Chasin, 2000), portanto não pode se restringir à
esfera, à lógica ou aos instrumentos políticos.
Essa crítica da política (assim como a da especulação e da economia política)
abrange a um tempo a realidade apreendida e a(s) teoria(s) correspondente(s), razão pela
qual não deu nem poderia dar lugar a uma nova teoria política, sob cuja ótica fossem
observadas as situações concretas, seja porque o objetivo é apreender a lógica da coisa,
isto é, o objeto tal como existe por si mesmo, seja porque aquela crítica envolve a
percepção dos limites da razão política. Ao invés de uma teoria política, há em Marx um
exame que descortina e reproduz mentalmente as determinações, conexões, processos
etc. constitutivos do existente, trabalho possibilitado pela maturação e tensionamento do
próprio objeto.
A crítica ontológica à especulação, simultânea à crítica da política, assenta-se
no reconhecimento da prioridade ôntica do mundo sensível e da determinação objetiva e
subjetiva dos homens, partícipes desse mundo, por sua atividade sensível. Também em
contraposição a Hegel, Marx observa que o ser de algo existente reside nele próprio e
consiste em suas próprias determinidades, bem como que a historicidade é categoria de
todas as coisas, naturais e sociais. Ambas as críticas acarretam a necessidade de
submeter à análise as relações produzidas pela atividade prática dos homens, portanto à
crítica da economia política, entendida como a “anatomia da sociedade civil” (Marx,
1973), e iniciada já em 1844.
Tais lineamentos conduzem à identificação dos modos e formas particulares de
existência. Desde 1844, Marx aborda a “miséria alemã”, o modo particular pelo qual o
capitalismo vai se pondo na Alemanha, e as demandas específicas assim postas para a
classe trabalhadora, especialmente quando o capitalismo tornava-se já o velho, o que as
jornadas de junho de 1848 em Paris explicitarão. Esse modo particular de
desenvolvimento se demarcava pelo atraso e pelo “desajuste geral”, evidenciados na
forma das lutas de classes: mesclavam-se naquela ocasião batalhas que, em outros
povos, se deram em momentos distintos: a do período de unificação nacional e
centralização política, aquela posteriormente travada contra o absolutismo e, ao mesmo
tempo, o combate efetivamente contemporâneo, o do proletariado contra a burguesia
(Marx, 1977).
Diante disso, é essencial a distinção entre revolução social e revolução política;
nesta, uma parte da sociedade civil se emancipa e instaura sua dominação, o que só
pode ocorrer se essa parte for reconhecida como representante geral da sociedade,
encarnando em si a “potência da libertação”, em contraposição a outra parcela que
concentre “todos os defeitos e limites da sociedade”. Mas essas condições de
possibilidade nem sempre estão presente, e não estavam na Alemanha, em que se
mesclavam relações sociais feudais e capitalistas, submetendo os alemães a uma dupla
opressão. A essa mescla correspondia que nem a nobreza encarnava todos os males
sociais, nem a burguesia era ou se dispunha a ser a encarnação da luta contra eles.
Ademais, Marx entende que a própria modernização alemã constituiria um
anacronismo, pois a revolução burguesa, ainda que triunfante, já não mais significaria a
vitória de uma nova sociedade, mas sim a sobrevivência da velha, contra a qual os
povos modernos já lutavam. Assim, a emancipação parcial, meramente política,
mostrava-se ali problemática e sua eventual consecução redundaria em contornos
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a velha sociedade não havia perdido o seu. Apelar a ele, ao direito preexistente,
defender “leis pertencentes a uma época social passada” (Marx, 2010, p. 463), é recurso
próprio a posições retrógradas, com o qual a burguesia nega desde o início a revolução,
pretendendo, por intermédio do ministério Camphausen – fundamentalmente burguês –,
garantir os interesses de sua classe; assim, aquele ministério “semeou a reação no
sentido da grande burguesia” ao “privar a revolução de seus frutos democráticos”
(Marx, 2010, p. 113), alijando o povo que havia lutado por ela. A intenção, vocalizada
pela “teoria ententista”, era limitar as transformações. Mas, contrapondo-se ao povo, a
burguesia viu-se simultaneamente em choque com duas outras classes; incapaz de
sustentar a luta em duas frentes, e vendo-se obrigada a escolher entre a revolução, isto é,
abrir espaço para o povo, e a contra-revolução feudal, acolhe esta última alternativa.
Marx frisa a raiz desta opção: o medo da insurreição popular. A teoria ententista e a
defesa do terreno do direito são as expressões teóricas da aliança prática realizada pela
burguesia com as forças feudais, oferecendo uma interpretação da realidade e nela
sustentando a alternativa escolhida.
A defesa do terreno do direito contra o terreno revolucionário, a negação dos
resultados alcançados pela revolução em sua vitória inicial, e da legitimidade e
necessidade de continuá-la, implicava a tentativa de empreender a transição para o novo
a partir do terreno do direito – parte constitutiva da politicidade –, isto é, estritamente
pelo interior da esfera política existente, de suas formas e regras. Fica claro o nexo entre
a perspectiva conciliatória e a forma política que ela toma.
Camphausen instrumentaliza a teoria ententista e o terreno do direito contra o
povo, isto é, busca conscientemente lográ-lo, exatamente porque acredita nessa teoria,
crê que conseguirá defender seus interesses de classe conciliando com a coroa.
Aparecem aí conectadas a posição contra-revolucionária e uma ilusão politicista,
delineada pela crença em que os feudais também aceitariam o acordo por receio da
revolução popular, que a monarquia absolutista efetivamente precisaria do “escudo”
burguês contra a anarquia ((Marx, 2010, p. 103).
Essa crença, embora ilusória, decorria de uma situação real. Por isso, “A teoria
ententista não era de maneira alguma uma teoria oca”. Ao contrário, expressava o
resultado da revolução de março, que não submeteu o rei ao povo, mas somente obrigou
a Coroa a conciliar com a burguesia. De acordo com o programa burguês daí resultante,
“A Coroa sacrificaria a nobreza à burguesia, a burguesia sacrificaria o povo à Coroa.
Nestas condições, o reino seria burguês e a burguesia seria régia”. O “segredo da teoria
ententista” não residia em proclamar essa conciliação, mas sim em que a Coroa e a
burguesia “Servem-se reciprocamente de pára-raios da revolução” (Marx, 2010, p. 326).
Supondo que o exército, a burocracia e os junkers “tinham-se posto sem
reservas à sua disposição, e que haviam se transformado em devotos de sua própria
onipotência”, a burguesia não os considera mais como inimigos e não aproveita as
condições propícias para eliminá-los, permitindo que se recuperassem. Com as
“chicanas, frequentemente sangrentas, da guarda cívica contra o proletariado
desarmado” e as demais formas de repressão, as “forças do velho estado” sustentam
essa ilusão. Não duvidando de que aquelas forças se haviam posto a seu serviço, a
burguesia tratava de “reduzir ao mínimo os custos de produção de seu domínio e da
revolução de março que o condicionara”, para o que era preciso “restabelecer ‘a calma e
a ordem’”, despedaçando as armas que reclamara sob a razão social do povo e que este
“não tinha mais necessidade de empunhar para a burguesia” e ameaçava empunhar
contra ela ((Marx, 2010, p. 327).
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bolso e ‘as condições mais essenciais’, isto é, as mais modestas pretensões políticas da
burguesia” (Marx, 2010, p. 334). Entretanto, mesmo as tímidas propostas feitas nessa
direção fracassaram, sem que a força do poder estatal se desencadeasse contra a reação.
O ministério Hansemann reafirma a escolha feita há muito pela burguesia
alemã – a conciliação com a grande propriedade agrária, contra o povo – e exprime a
ausência de qualquer perspectiva de libertação humana, de defesa dos interesses gerais
por parte dessa classe, no momento em que ela crê haver conquistado e procura manter
seu poder político. A ilusão de lutar por toda a humanidade, compartilhada pelas
burguesias que trilharam o “caminho europeu”, emanava do progresso real que a
sociedade capitalista representava; diante da perspectiva do trabalho, esta envelhece, e
aquelas ilusões se desfazem, alterando a consciência burguesa; em todos os lugares ela
assume mais ou menos abertamente, conforme suas necessidades específicas, que a
defesa de sua sociedade é a defesa de seus interesses particulares. A burguesia alemã,
que não fizera qualquer revolução quando aquelas ilusões eram possíveis, não pode
compartilhar delas quando busca alçar-se à dominação. Não se dispõe, pois, a alcançar
seu objetivo pela revolução.
O texto marxiano evidencia o vínculo entre a obsolescência da sociedade
burguesa e a ausência de qualquer disposição revolucionária seja na atuação prática,
seja no plano da consciência da burguesia, o que alimenta a estreiteza de seu
pensamento e a brutalidade da repressão que jamais hesita em desencadear. De sorte que
a revolução de março, embora burguesa em seus objetivos, não poderia ter eclodido por
iniciativa da burguesia; uma vez desencadeado o levante pelo povo, ela procura
simultaneamente apropriar-se das vantagens dele advindas e liquidá-lo.
Nesse quadro, a Coroa aparece à burguesia como guarda-chuva protetor de
seus interesses. Tratava-se de passar, pelo alto, para a monarquia constitucional e, por
meio dela, para a reforma das relações de produção e intercâmbio mais básicas para o
desenvolvimento da sociedade burguesa. A defesa dos meios políticos e jurídicos
existentes para realizar as alterações pretendidas é tanto uma tática usada contra a classe
trabalhadora, quanto parte do pensamento burguês, da compreensão que esta classe tem
da realidade.
Entretanto, o resultado do processo contra-revolucionário não foi a vitória da
burguesia, mas a dos junkers, da Coroa. Tanto Camphausen quanto Hansemann, diz
Marx, foram “enganadores enganados”, tornaram-se instrumento dos “apetites contra-
revolucionários” do partido feudal; deixando-se iludir, permitiram o fortalecimento da
contra-revolução, que logo em seguida “sente-se suficientemente forte para se livrar da
inoportuna máscara” liberal-burguesa com que se acobertara. Tanto a derrota de
Camphausen quanto a de Hansemann foram a derrota da burguesia e a vitória da contra-
revolução; ambos semearam “a reação no sentido da grande burguesia” e colheram-na
“no sentido do partido feudal” ((Marx, 2010, p. 113).
Na burguesia alemã, o conservadorismo, que se vai tornando apanágio dessa
classe em termos histórico-universais, envolve a quimera a propósito da suposta
capacidade resolutiva ou determinante da política. A repugnância da revolução
determina sua ilusão de que seria possível conquistar o domínio sem destruir as forças
do velho estado, engano emanado da posição ocupada pelos ministérios burgueses, às
ordens dos quais estavam formalmente os órgãos e instâncias componentes do estado.
Marx demonstra que essa formalidade encobre o elo com os modos de existência real
das classes e suas relações recíprocas, constitutivos da fonte e determinantes do grau de
seu efetivo poder. Formalmente subsumidas à burguesia, as forças feudais não haviam
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sido arrancadas de seu chão social, e nele puderam reforçar suas raízes
momentaneamente abaladas pela revolução.
A teoria ententista, expressando tanto a conciliação pelo alto quanto aquela
fantasia, considerava que não era preciso desmontar o estado, pois poderia transformar-
se – chegar à nova constituição a partir da velha – e tal metamorfose geraria ou imporia
as mudanças requeridas nos outros âmbitos da sociedade. Em contraposição, Marx
insiste em que “Toda situação política provisória posterior a uma revolução exige uma
ditadura, e mesmo uma ditadura enérgica”, a fim de remover “imediatamente os restos
das velhas instituições”, pois estas não se submetem ao novo poder, e sim o debilitam.
Ao contrário do que afirmava a teoria ententista, a Assembleia e a coroa representavam
classes antagônicas: “Atrás da Coroa se escondia a camarilha contra-revolucionária da
nobreza, dos militares, da burocracia. Atrás da maioria da Assembleia, estava a
burguesia”. E esta “não pode lutar por seu próprio domínio sem ter provisoriamente
como aliado todo o povo, sem, por isso, apresentar-se como mais ou menos
democrática” (Marx, 2010, p. 213). O repúdio a qualquer revolução cega a burguesia no
tocante a sua situação específica, levando-a a confundi-la com a da burguesia francesa e
a iludir-se quanto às premissas de sua dominação e a seus inimigos e aliados, pois, ao
contrário da primeira, os burgueses alemães “Não haviam derrubado trono nenhum, não
haviam eliminado a sociedade feudal, muito menos seus últimos vestígios, não tinham
que manter nenhuma sociedade criada por eles próprios” (Marx, 2010, p. 331).
Conservando a cegueira e a ilusão, a burguesia não suspeitou que, se o proletariado
francês era o inimigo da burguesia francesa efetivamente dominante, “a burguesia
prussiana, em luta contra a Coroa, não tinha mais do que um único aliado – o povo. Não
que ambos não tivessem interesses opostos e hostis entre si, mas porque o mesmo
interesse ainda os ligava contra uma terceira força que igualmente os oprimia” (Marx,
2010, p. 332).
A burguesia fortaleceu o poder estatal, mas “se enganou apenas sobre a
natureza deste ‘poder estatal’”, sobre a classe que, “segundo sua opinião, se encontra ao
leme do estado”: ao invés do poder estatal burguês, reforçou o poder estatal feudal,
abrindo caminho para a “restauração do domínio feudal prussiano”, pois, embora
concordando com a necessidade de subjugar o povo, “Apenas com dégoût a feudal casa
Hohenzoller escolheu esta canalha burguesa como vil ferramenta e espreitava o
momento de a despedir com pontapés”, pois ela ousara fazer a contra-revolução para a
Prússia e ainda se vangloriar disso (Marx, 2010, p. 511).
Para as burguesias revolucionárias, a ilusão politicista só se evidencia como tal,
ou seja, só leva ao fracasso, quando é empurrada ao seu limite máximo – no caso da
burguesia francesa, durante o domínio jacobino. Onde a revolução varre as relações
sócio-econômicas feudais remanescentes, a ilusão de que a política gerou a nova
sociedade pode sobreviver sem levar a burguesia ao fracasso porque a nova sociedade
foi efetivamente produzida, ainda que tal tenha se dado no plano das relações materiais.
Na burguesia alemã, retardatária, frágil e contra-revolucionária, a ilusão politicista se
acentua e conduz ao fracasso exatamente porque as velhas instituições não são
eliminadas. Não ocorrendo materialmente a produção da nova sociedade, a suposição de
que é a política que a faz não pode efetivamente se sustentar.
Prisioneira da crença na política por seu atraso e inapetência revolucionária,
acreditando que alterar a forma política era suficiente para garantir sua dominação real,
reduziu mesmo essa transformação à mera posse do aparelho estatal existente e à
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utilização dele para seus próprios fins. O resultado foi sua exclusão do poder político e
o retardamento do desenvolvimento capitalista.
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é sempre o direito de uma das partes em luta, que só pode se afirmar pela força exercida
contra outras partes, pela força que destrói uma ordem social e estabelece outra, ou que
garante a permanência da ordem existente contra as tentativas de a abolir.
O vínculo com a força expõe o direito como instituição própria das sociedades
de classes; são os interesses e necessidades de uma delas que se impõem pela força, seja
contra uma sociedade velha, no momento de nascimento da nova, seja no interior desta.
Marx reitera que “‘Quem tem o poder, tem o direito’. – Os representantes do direito
estão em toda parte do lado do poder” (Marx, 2010, p. 288), não meramente por
oportunismo ou arrivismo, mas graças à conexão objetiva existente entre as relações
sociais e o direito. O oportunismo e o arrivismo, se são mais do que exceções casuais,
participam das características daquelas relações.
Demonstra também que decretar uma lei não é suficiente para a fazer valer. Em
11/11/1848, a ANP adota a resolução, já antes defendida pela NGR, de recusar os
impostos como arma contra o ministério Brandenburg, contra-revolucionário, sucessor
de Hansemann, arma cuja eficácia dependia de o povo a empunhar efetivamente – isto
é, adotar uma posição revolucionária; como isso não ocorreu, a lei não se impõs; os
encarregados de a fazer valer não são desprovidos de ligações de classe, donde a
necessidade de os substituir ou se opor revolucionariamente a eles, quando se pretende
validar lei oposta aos interesses da classe a que se vinculam.
A análise do projeto de lei de abolição dos encargos feudais ilumina tanto a
ilusão burguesa de pretender deduzir suas reivindicações da velha legislação, para evitar
que o povo afirmasse suas próprias exigências sob forma revolucionária, quanto o elo
entre a esfera jurídica e as condições e interesses econômicos, evidenciando que os
direitos feudal e moderno expressam e regulam relações sociais diversas, o que
determina o fracasso da tentativa de justificar relações modernas apelando ao direito
medieval. A posição de classe assumida pelo legislador se manifesta pelos interesses
objetivamente defendidos; nesse caso, os interesses específicos de um dado tipo de
burguesia, de um dado caminho de objetivação do capitalismo.
A proposta apresentada pelo ministro da Agricultura sob o ministério
Hansemann envolvia revogar sem indenização obrigações feudais insignificantes, e
restabelecer a corveia. Entretanto, era preciso revestir essa proposta com “uma
aparência de fundamentação jurídica e econômica”. Para demonstrar que alguns
encargos podem ser abolidos sem indenização e outros não, o ministro afirma que os
primeiros não teriam fundamentos suficientes, e para prová-lo “mergulha nas regiões
mais sombrias do direito feudal”. Como é impossível “extrair, do direito feudal,
oráculos de direito civil moderno, /.../ introduz clandestinamente conceitos modernos
entre as disposições jurídicas feudais”, recorrendo a eles para tratar de alguns dos
encargos, mas não de todos, pois “certamente as corvéias passariam por maus bocados
diante da liberdade do indivíduo e da propriedade” (Marx, 2010, p. 179). A
inconsistência do argumento é clara como o dia, pois, pelo direito moderno, todos os
encargos feudais deveriam ser abolidos, e pelo direito feudal, nenhum.
O projeto se vale do princípio da teoria ententista: passar para o novo a partir
do velho. Nesse caso, passar para relações modernas, burguesas no campo por meio das
leis que expressavam as velhas relações feudais. Isto se evidencia ainda mais
nitidamente em face de outra reivindicação camponesa. Alguns dos encargos que, pelo
projeto do ministério, deveriam ser abolidos naquele momento haviam sido
anteriormente resgatados, num processo em que “os camponeses foram terrivelmente
prejudicados, em benefício da nobreza, por comissões corruptas. Eles reclamam agora a
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revisão de todos os contratos de resgate firmados sob o antigo governo, e têm toda
razão!” (Marx, 2010, p. 180) O ministro, entretanto, não o admite; sua argumentação é
uma defesa da propriedade fundiária, posta por ele como fundamento do estado, de sorte
que qualquer abalo dela seria calamitoso para este; naquela reivindicação, “vê um
atentado ao direito de propriedade que abalaria todos os princípios jurídicos”. O
ministro “ataca a propriedade – é inegável – mas não a propriedade moderna, burguesa,
e sim a feudal. Ele reforça a propriedade burguesa, que se ergue sobre as ruínas da
propriedade feudal, destruindo a propriedade feudal. E é somente por isso que não quer
revisar os contratos de resgate, porque, por meio destes contratos, as relações feudais de
propriedade são transformadas em relações burguesas, porque não pode, portanto,
revisá-los sem ao mesmo tempo violar formalmente a propriedade burguesa. E a
propriedade burguesa é naturalmente tão sagrada e inviolável quanto a propriedade
feudal é atacável.” (Marx, 2010, p. 181)
Ilumina-se o vínculo do direito com as relações materiais: o direito expressa,
regula e garante a propriedade, as relações de produção e intercâmbio existentes, mas
não é capaz de a produzir. O direito feudal e o burguês exprimem relações sociais
fundadas na propriedade privada; cada qual enuncia os interesses gerais da respectiva
sociedade, aqueles cuja manutenção é essencial para a sobrevivência dela.
A análise desse projeto de lei também expõe o princípio do direito moderno: “a
liberdade do indivíduo e da propriedade”, princípio que identifica a liberdade individual
com a condição de proprietário, e que está no centro do interesse geral contemporâneo.
Tal princípio, bem como sua oposição ao feudal, também se depreende do exame da
condição social do júri constituído para julgar alguns líderes dos trabalhadores3. De
acordo com as leis censitárias então vigentes, os jurados eram escolhidos no interior de
uma única classe, a dos privilegiados; a lista inicial estabelecida por esse critério
passava por três clivagens sucessivas dos “representantes judiciais do governo”, até
chegar aos doze componentes finais. Esses métodos, evidentemente, fazem do tribunal
do júri “uma instituição para a afirmação dos privilégios de alguns e de modo algum
para a garantia do direito de todos” (Marx, 2010, p. 347), e relacionam-se com a forma
existente do estado, a qual, como Marx insiste inúmeras vezes, responde a relações de
produção e intercâmbio determinadas. O “direito de todos” supõe a igualdade de todos e
a “liberdade do indivíduo e da propriedade”, enquanto o “privilégio de alguns” supõe
uma sociedade em que a desigualdade entre os homens é a base.
A compatibilidade entre a igualdade jurídica, a garantia do direito de todos, e a
existência das classes é outra faceta da relação entre o estado político pleno e a
sociedade civil plena, isto é, a sociedade burguesa. Já foi indicado que Marx entende o
estado como a coagulação de forças sociais seccionadas do conjunto dos indivíduos,
bem como que a especificidade da forma política assumida depende do patamar de
desenvolvimento alcançado pelas capacidades humanas, que determina o modo
particular daquela separação. Assim, a presença de forças produtivas modernas,
industriais, vincula-se à completa separação entre trabalho vivo e trabalho morto, entre
trabalhadores e meios de trabalho; portanto também à completa separação entre
indivíduo e gênero, entre “homem” e “cidadão”. É no âmbito dessas condições que o
“homem” é determinado como indivíduo livre e proprietário privado, contraposto aos
demais na sociedade civil, e o cidadão se reconhece como ser genérico também na
condição de livre, proprietário privado e, por isso, igual. De sorte que, como Marx já
3
Gottschalk, Anneke e Esser (líderes dos trabalhadores). Ver “O processo contra Gottschalk e
camaradas” (Marx, 2010, p. 347-352).
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destituição dos funcionários, entre eles os juízes, inaugura a revolução, ou seja, não é o
resultado de um processo, mas o primeiro passo dele, é tarefa a realizar no início da
revolução.
Reencontramos aqui a mesma posição já manifesta quando Marc criticara
Camphausen por ter mantido em seus postos todos os funcionários do estado, o que
redundou no reerguimento da contra-revolução. Os juízes são também funcionários de
um determinado estado, portanto parte do corpo real dele. Dado o elo do direito e da
magistratura com uma classe social determinada, bem como sua condição de
garantidores de uma forma específica de propriedade, a conservação dos magistrados
em seus postos transformou o Ministério Público em instrumento da contra-revolução, e
como tal interpreta e aplica de acordo com os interesses desta a legislação em vigor.
É o que ocorre no processo aberto contra a NGR, acusada de incitar à
sublevação4. Em seu discurso de defesa perante o tribunal do júri de Colônia, Marx
mostra que, de acordo com a própria lei, não caberia o enquadramento do jornal no
parágrafo do Code Pénal sobre o qual se fundava a acusação. Analisando-o, mostra que
mesmo a tradução do texto original francês para o alemão, e mais ainda a interpretação
dele, distorcem a letra e o espírito da lei. O Ministério Público ateve-se a esse parágrafo,
diz Marx, porque “é muito mais indeterminado e permite muito mais facilmente
granjear uma condenação /.../. A violação da ‘délicatesse et honneur’, da delicadeza e da
honra, esquiva-se a qualquer medida. /.../ Não resta qualquer outra medida além do noli
me tangere de uma imensa, incomparavelmente arrogante vaidade de funcionário”
(Marx, 2010, p. 435).
Mas o discurso marxiano não se restringe a demonstrar a impropriedade da
acusação vis-à-vis a lei; explicita também que o Code Pénal supõe condições ausentes
na Alemanha contra-revolucionária: “Finalmente, meus senhores jurados, os ‘citoyens’,
os cidadãos a cujo ódio ou desprezo me expõe a acusação de um fato para, de acordo
com o art. 367, ser uma calúnia, estes citoyens, estes cidadãos não existem
absolutamente mais nos assuntos políticos. Existem ainda apenas partidários. O que me
expõe ao ódio e ao desprezo dos membros de um partido, me expõe ao amor e à
admiração dos membros do outro partido” (Marx, 2010, p. 435). Marx entende ser
fundamental essa distinção, não exclusivamente para o julgamento da NGR, “mas sim
para todos os casos em que o Ministério Público pretenda aplicar o art. 367 a polêmicas
políticas” (Marx, 2010, p. 436). A importância do vínculo de classe dos funcionários
judiciários é gritante. Utilizando contra a imprensa esse artigo, os jurados vão aboliriam
a liberdade de imprensa pela legislação penal, pois aos jornais seria interditado
denunciar a arbitrariedade e a vileza oficiais. Relatando um conjunto de fatos
relacionados às prisões de que trata o artigo pelo qual a NGR estava sendo processada –
outras prisões, restrições diversas à liberdade de manifestação e expressão –, ilumina o
apoio explícito à traição do governo contra o povo pelo Parquet, que, assim, agia
partidariamente, e não imparcialmente. Procuradores, promotores, juízes
revolucionários certamente não interpretariam nem aplicariam a lei desse modo. É o que
Marx conclama os jurados a fazer: interpretar a lei no sentido das necessidades sociais
atuais, enquanto o legislador não a atualiza.
Exibem-se, assim, por vários ângulos, os vínculos da lei e da magistratura com
uma classe e com as relações sociais em geral, seja expondo a posição tomada pelo
4
A acusação à NGR baseia-se no artigo “Prisões” (nº 35), em que supostamente haveria uma ofensa ao
procurador-geral Zweiffel e uma calúnia contra os gendarmes que efetuaram a prisão de Gottschalk e
Anneke.
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Como resultado da “conciliação do governo com a Dieta Unificada” (instituição da Prússia pré-março
de 1848), permitiu-se que aquele instituto estamental promulgasse as leis de 6 e 8 de abril,
regulamentando eleições indiretas para a ANP, convocada para a tarefa de passar “à nova Constituição a
partir da Constituição existente”. Ver “A declaração de Camphausen na sessão de 30 de maio” (Marx,
2010, p. 84-88).
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Referências Bibliográficas
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COTRIM, L. Marx: Política e Emancipação Humana – 1848-1971. Tese de doutorado
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ENGELS, F. Revolução e contra-revolução na Alemanha. Lisboa: Avante, 1981.
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Resumo
O presente trabalho expõe resultados parciais de pesquisa exploratória a respeito dos
fundamentos e especificidades do recente fenômeno de desenvolvimento e difusão de
novas tecnologias na esfera produtiva, por muitos chamado de “4ª revolução industrial”.
Inicialmente pretende-se fixar como parâmetro comparativo os fundamentos e
especificidades da terceira revolução industrial, conforme assinalado por Ernest Mandel,
para então apresentar os elementos constitutivos e o “estado da arte” da chamada
“Indústria 4.0”, não só indicando as inovações tecnológicas (bem como os efeitos
esperados de sua difusão), mas as determinações do cenário econômico mundial em meio
ao qual desponta. Ao fim e ao cabo, pretende-se fornecer material para o debate acerca
da facticidade da “nova” revolução industrial a partir dos principais textos sobre o tema.
Palavras-chave: Indústria 4.0; Progresso Tecnológico; Acumulação.
Abstract
These work presents results of exploratory research on the fundamentals and specificities
of the recent development of new technologies in the productive sphere, by many
denominated "4th industrial revolution". Initially we intend to compare the foundations
and specificities of the third industrial revolution, as pointed out by Ernest Mandel, to
present the constituent elements and state of the art of the so-called Industry 4.0, not only
pointing out as technological innovations as they expected them to be, but as
determinations of the world scenario. Thus, it is intended to provide material for debate
on the facticity of the new industrial revolution from the main texts about the subject.
Keywords: Industry 4.0; Technological progress; Capital Acumulation.
Introdução
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quais setores chave concentram sua aplicação? Quais evidências econômicas corroboram
a tese de um novo salto tecnológico?
Para realizar essa primeira aproximação na tentativa de buscar respostas para essas
perguntas, partimos primordialmente das conclusões a que Marx chega no cap. 8 de O
Capital vol. 1. Vamos tomar pressuposta a discussão sobre o desenvolvimento da
maquinaria e grande indústria nos termos do próprio Marx, avançando sobre a discussão
com foco no século XX, já na terceira revolução tecnológica, a partir da abordagem de
Mandel. Com esse aporte, tentaremos enfrentar as considerações que tem sido feitas a
respeito de uma mudança para um novo patamar tecnológico, bem como as causas e
consequências dessa função.
Assim, num primeiro momento, buscaremos sedimentar as especificidades da
terceira revolução tecnológica, sabidamente, a base técnica que se impõe a partir da
segunda metade do século XX e que se arrasta até o presente momento. O objetivo deste
percurso é, num segundo momento, procurar o ponto de inflexão, isto é, qual seria o fator
decisivo para constatar um avanço para uma nova base técnica.
Enfim, procuraremos indícios no cenário econômico que corroborem com as
condições necessárias para o surgimento de um salto deste tipo. Ao final, enfrentaremos
criticamente os principais textos que tem servido de base para sustentar a tese da quarta
revolução industrial.
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manejo da energia nuclear, bem como a derivação direta dos princípios cibernéticos
aplicados à orientação precisa de mísseis automáticos de defesa aérea1).
Mandel salienta que a aplicação desta tecnologia disponível principia pela
indústria química na década de 1950 e se difunde gradativamente por outras esferas com
o intuito de “redução radical dos custos salariais diretos – isto é, a eliminação do trabalho
vivo do processo de produção” (Madel, 1982, 1935). Em meados da década de 50, com o
início da utilização de máquinas de processamento de dados no setor privado da economia
dos EUA, franqueou-se ara diversos setores o campo da inovação tecnológica acelerada
e a busca incessante por superlucros tecnológicos, que é, afinal, o traço distintivo do
“capitalismo tardio”.
Destrinchando as determinações da terceira revolução tecnológica e seu sentido
econômico e social, Mandel destaca dez características principais: aceleração qualitativa
do aumento na composição orgânica do capital (isto é, o deslocamento do trabalho vivo
pelo trabalho morto); transferência de força de trabalho viva ainda ligada ao processo de
produção do tratamento efetivo das matérias-primas para funções relativas à preparação
e supervisão; mudança radical na proporção entre as duas funções da mercadoria força de
trabalho nas empresas automatizadas; mudança radical na proporção entre a criação de
mais-valia na própria empresa e a apropriação de mais-valia gerada em outras empresas
ou em ramos plenamente automatizados; mudança na proporção entre os custos de
produção e o gasto com a compra de novas máquinas na estrutura do capital fixo e,
consequentemente, também nos investimentos industriais; diminuição do período de
produção conseguida por meio da produção contínua e da aceleração radical do trabalho
de preparação e instalação; propensão para acelerar a inovação tecnológica e acentuado
aumento nos custos de pesquisa e desenvolvimento; vida útil mais curta do capital fixo
especialmente da maquinaria; aumento na participação do capital constante no valor
médio da mercadoria; tendência à intensificação de todas as contradições do modo de
produção capitalista.
1
Mandel cita POLLOCK. Frederich. Automation. Frankfurt. 1964.
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O que se pode perceber é, então, que até o momento em que escreve na década de
1970, Mandel afirma que a esfera de produção no capitalismo tardio é caracterizada por
uma unidade contraditória de empresas não automatizadas, semi-automatizadas e
plenamente automatizadas. Inclusive, o autor registra que a indústria produtora de meios
eletrônicos de produção era, à época, particularmente portadora de uma baixa composição
orgânica de capital.
Mandel, citando Rezler (1969), afirma que o campo da terceira revolução
industrial é delimitado por quatro formas de automação: a) transferência de partes entre
processos de produção sucessivos, baseada em dispositivos automatizados (como na
indústria automobilística de Detroit na década de 1970); b) processos em fluxo contínuo,
baseados no controle automático do fluxo e de sua qualidade (como na indústria química,
nas refinarias de petróleo e nos equipamentos de gás e eletricidade na década de 1970);
c) processos controlados por computação em qualquer unidade fabril; d) diferentes
combinações dos três sistemas mencionados. A extensão e a importância que a automação
(nestes moldes) assumiu no período estudado por Mandel pode ser melhor compreendida
com o seguinte dado:
Temos então um traço fundamental a ser explorado como parâmetro para delimitar
a razoabilidade de qualquer afirmação que aponte para o surgimento de um novo salto
tecnológico significativo na dinâmica da acumulação. Devemos buscar pois, na realidade,
informações e dados capazes de demonstrar se de fato ocorreu ou está ocorrendo nos
últimos 40 anos, desde a publicação de “O capitalismo Tardio”, a introdução, em escala
maciça, de processos plenamente automatizados, especialmente no Departamento I (“a
produção automatizada de máquinas automáticas”).
Como, porém, nossa pesquisa sobre estes dados ainda se encontra em
desenvolvimento, restringiremos nosso objeto, focando a análise primeiro nas condições
sócio-econômicas das últimas décadas enquanto pano de fundo para uma nova revolução
tecnológica e, finalmente, nos dados apresentados pelos textos e pronunciamentos que
constituem as principais referências sobre a “4ª revolução industrial” até o momento, bem
como outras obras que consideramos importantes para compreender o problema,
ponderando a razoabilidade de seus argumentos e avaliando a pertinência dos dados e
informações exibidos.
Partimos de três textos chave, talvez os mais mencionados internacionalmente nas
pesquisas, artigos e reportagens a respeito do tema, sendo eles os trabalhos de Frey &
Osbourne (2013), Schwab (2016), McKinsey Global Institute - MGI (2013).
O contexto da acumulação
2
O relatório “Advanced Manufacturing – A snapshot of priority technology areas across the Federal
Governement” do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia dos EUA (NTSC, da sigla em inglês) tem
sido uma das principais fontes oficias para especificar quais são de fato as novas tecnologias que despontam
como centrais na chamada “indústria 4.0”. A sistematização de Schwab é bastante pertinente com o
relatório.
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substancial e uma ruptura na próxima década. A lista do MGI coloca os seguintes termos para
atingir esta classificação: o rápido avanço (por exemplo, a tecnologia de sequenciamento
genético); o amplo alcance (por exemplo, internet móvel); o potencial de criar impacto
econômico (por exemplo, robótica avançada) e o potencial de mudar o status quo (por
exemplo, tecnologia de armazenamento de energia). As estimavas do MGI apontam que o
impacto econômico destas tecnologias – baseado nas quedas em seus preços, na sua difusão
e no melhoramento de sua eficiência – movimentará entre 14 e 33 trilhões de dólares por ano
em 2025.
O peso real que os investimentos nessa empreitada tecnológica já exercem na
economia mundial é realmente impressionante. Só no ano de 2011, o governo alemão
disponibilizou mais de 200 milhões de dólares para criação da plataforma “Industrie 4.0”
(cf. Comissão Europeia, 2017). Os EUA, desde 2014, tem disponibilizado verba federal
que varia de 70 a 110 milhões de dólares por ano3 para o programa da manufatura
avançada. O Japão prometeu totalizar até 2020 investimentos governamentais na casa dos
700 milhões de dólares, conforme seu 5º Plano Básico de Ciência e Tecnologia aponta.
A China, sob o slogan do projeto “Made in China 2025”, direcionou incialmente 24
bilhões de dólares para fundos destinados à inovação (cf. Wübbeke et al. 2016). Esta é
apenas uma pequena amostra de dados4 sobre os países que foram pioneiros. Deve-se
levar em conta a potência dos investimentos privados5 e também as iniciativas de outros
países6 que vem a reboque desta que parece ser uma nova estratégia do capitalismo
globalmente para reverter o quadro econômico que vem se arrastando nas últimas
décadas.
Três fatores inter-relacionados são centrais para compreender as possíveis
consequências do implemento massivo destas novas tecnologias na produção industrial e
em outros setores: o potencial da automação (e a consequente substituição do trabalho
humano por robôs ou tecnologias capazes de supri-lo), o aumento do desemprego e a
queda nos níveis salariais em face do aumento do stock de força de trabalho disponível e
desocupada. Para ilustrar a relação automação x desemprego x queda nos níveis salariais,
não é preciso voltar muito no tempo. A Alemanha experimenta consequências delicadas
decorrentes desta equação. Estudos recentes (cf. Dauth et al., 2017) apontam que no país
que supera todas as regiões do planeta na utilização de robôs7 (atrás apenas da Ásia), o
setor manufatureiro - representante de uma das maiores parcelas de empregos industriais
do país (por volta de 25%) – observou uma perda de 275.000 postos de trabalho pois,
3
Dados disponibilizados pelo próprio site oficial do programa: https://www.manufacturing.gov/funding/
Acesso em 04/01/2018
4
Deve-se considerar a participação destes investimentos no PIB dos mencionados países e a evolução desta
participação em comparação com outros períodos de inovação. O levantamento destes dados é abrangido
pelos objetivos específicos deste projeto.
5
Exemplos como os da Apple - que anunciou investimento de 4 bilhões de dólares em contribuições diretas
para o fundo de manufatura avançada dos EUA (disponível em:
https://www.apple.com/newsroom/2018/01/apple-accelerates-us-investment-and-job-creation/) - e da
SoftBank (uma rede bancária japonesa) – que destinou 28 bilhões de dólares para o seu Vision Fund, um
fundo voltado para investimentos em alta tecnologia (disponível em:
http://money.cnn.com/2017/10/20/technology/softbank-masayoshi-son-vision-fund-
technology/index.html) devem ser considerados para um correto dimensionamento dos investimentos em
pesquisa e desenvolvimento.
6
O Brasil, por exemplo, através do Banco Nacional para Desenvolvimento Econômico, pretende
desembolsar 22 bilhões de reais até 2020 para projetos industriais de alta tecnologia (disponível em:
http://www.valor.com.br/brasil/5218217/bndes-busca-aplicar-r-22-bi-em-projetos-de-alta-inovacao-ate-
2020)
7
Dauth et al. (2017) apontam que desde 1994 a Alemanha apresenta uma utilização de robôs em maior
escala do que nos EUA e em todo o continente Europeu. Em 2014, a diferença nesta escala atingiu uma de
suas maiores marcas: 7.6 robôs para cada mil trabalhadores humanos na Alemanha contra 2.7 no restante
da Europa e 1.6 nos Estados Unidos.
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conforme detalham Dauth et. al. (2017), uma média de dois empregos humanos foram
substituídos a cada robô instalado na produção entre 1994 e 2014. Paralelamente, a maior
potência europeia enfrenta uma das maiores crises relativas ao desemprego e baixos
salários das últimas décadas. Em 2016, o programa conhecido por “Hartz IV”, do governo
federal, registrou a marca de 6 milhões de cidadãos8 em situação de vulnerabilidade social
(2,6 milhões oficialmente desempregados, 1,7 milhões empregados em subempregos e
1,6 milhões de filhos dos assistidos) beneficiários deste que é o atual modelo alemão para
gestão da pobreza, aprofundada ainda mais após a implementação da “Agenda 2010”,
cujo escopo foi a desregulamentação do mercado de trabalho. Dados do relatório do
Instituto de Ciências Econômicas e Sociais da Agência Federal do Trabalho da Alemanha
permitem mensurar os impactos desta regulamentação: os empregos temporários
passaram de 300 mil contratados em 2000 para aproximadamente 1 milhão em 2016,
aumentou de 18% para 22% a proporção de trabalhadores considerados pobres (com
pagamentos inferiores a 979 euros por mês) e, atualmente, 4,7 milhões de trabalhadores
ativos sobrevivem com empregos que pagam menos do que 450 euros por mês.
É preciso colocar a experiência alemã em perspectiva com outros dados
alarmantes. O relatório de riscos globais do Fórum Econômico Mundial sugere que até o
ano de 2020, a automação potencializada pelo novo salto tecnológico colocará em risco
de extinção 47% dos postos de trabalho só nos Estados Unidos (cf. Frey; Osbourne, 2013).
Outro documento produzido pela Oxford Martin School (2016) aponta que o risco da
automação para os empregos nos países em desenvolvimento está estimado em 55% a
85% dos postos de trabalho. Grandes economias emergentes estarão sob alto risco,
inclusive a China (77%) e a Índia (69%), proporções maiores do que o risco médio (57%)
dos países desenvolvidos integrantes da OCDE (Organização para cooperação e
desenvolvimento econômico).
É preocupante, por exemplo, que a própria Organização Internacional do Trabalho já
esteja apontando como possibilidade (e mesmo uma necessidade) em seu relatório “The
future of work we want: a global dialogue” (2017) as recomendações sobre uma “renda básica
cidadã”. Trata-se de uma revitalização de proposta antiga, a dos “serviços universais”
(também chamada de “programa da renda mínima” ou “dividendo social”), que consiste no
fornecimento universal pelo Estado de uma renda mínima para todos os seus cidadãos ou
para parcelas vulneráveis economicamente. A proposta é um tema da moda também entre
magnatas da tecnologia, além de ser seriamente debatida institucionalmente por governos de
vários países como resposta à desigualdade social9. A Renda Básica Universal (RBU)
constantemente tem sido associada como resposta ao implacável aumento do desemprego
que pode ser gerado nos próximos anos em função da automação. A princípio uma saída
interessante como garantia de direitos fundamentais para os trabalhadores ameaçados pelo
desemprego, é preciso ir além da aparência benevolente da RBU e analisar seus fundamentos
dentro de uma lógica que pressupões a compra e venda da força de trabalho, com a
apropriação privada dos lucros decorrentes de sua exploração – ou seja, reconhecendo
8
Cf. CYRAN, Olivier. L’enfer du miracle Allemand. Le Monde Diplomatique – setembro de 2017.
Disponível em: https://www.monde-diplomatique.fr/2017/09/CYRAN/57833 Acesso em 23/01/2018.
9
Sam Altman, presidente da Y Combinator (que possui ativos em importantes empreendimentos como
Airbnb, Reddit e Dropbox, por exemplo), financia, por meio de sua companhia, um projeto em Oakland,
na Califórnia que começou este ano distribuindo entre US$ 1 mil e US$ 2 mil mensais a cem participantes
e pretende expandir para mil este número. A cidade de Utrecht, na Holanda, colocou em prática em janeiro
de 2016 um programa que vai pagar 900 euros para adultos morando sozinhos e 1.300 euros para casais. A
Finlândia também anunciou um projeto piloto semelhante. O governo separou 20 milhões de euros para
financiar uma iniciativa de dois anos, de 2017 a 2019, que vai pagar uma quantia mensal entre 800 e 1000
euros - o valor ainda está em discussão. A ONG americana GiveDirectly que tem como principais doadores
companhias e empresários do Vale do Silício, dá diretamente aos moradores de vilarejos rurais pobres no
Quênia cerca de US$ 22 por mês para cada beneficiário. Atualmente com 100 beneficiários, a expectativa
da ONG é atingir até 16 mil pessoas no próximo ano.
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10
Apesar de que economistas clássicos como Smith e Ricardo já tivessem sido capazes de perceber uma
tendência geral das taxas de lucro caírem a longo prazo, foi Marx quem concebeu a queda tendencial da
taxa de lucro como lei fundamental da economia política no capitalismo. Para entender essa “lei” é preciso
compreender a seguinte expressão l = m/c+v em que l = taxa de lucro, m = taxa de exploração (ou mais-
valor, a parcela do produto do trabalho apropriada pelo capitalista sem remuneração equivalente para o
trabalhador, onde o valor, segundo Marx, é criado na produção capitalista), c = capital constante (ativos
fixos, maquinário e equipamentos para a produção) e v = capital variável (valor referente a remuneração da
força de trabalho, salários). Com o implemento tecnológico, o valor do constante (c) tende a aumentar (pois,
como pressuposto do capitalismo, a produtividade do trabalho se coloca como objetivo permanente).
Mantida constante a taxa de mais-valor (m) e o valor do capital variável (v), pela expressão matemática, a
taxa de lucro (l) tende a cair. Ou seja, em termos gerais, a taxa de lucro desce na razão contrária dos
investimentos em capital constante. Cabe a menção de que o próprio Marx aponta contratendências, isto é,
outros fatores capazes de, sob certas circunstâncias, conter esta tendência. (Cf. Marx, 1986).
11
Segundo o autor, entre 1947 e 2007 a taxa de mais valia sofreu apenas uma pequena depreciação de 3.9%.
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que tem sido trazido pela literatura como inflexões suficientes para comprovar esse novo
salto tecnológico.
e avanços na área da saúde, transporte e informação. Talvez a única coisa valiosa de suas
expectativas seja o que republica de Frey e Osbourne no que diz respeito à potência da
automação para ampliação do desemprego – o que, conforme demonstramos, também não
constitui análise satisfatória.
O que mais chama atenção ao longo das previsões sobre a informatização é o fato
de que se baseiam em estimativas como a do MGI (2013) que sugere que algoritmos
sofisticados poderiam substituir aproximadamente 140 milhões de trabalhadores do
conhecimento em tempo integral em todo o mundo. Poderiam, substituiriam, seriam.
Nenhum dado concreto sobre a implementação atual dessas tecnologias, a não ser
aumento de vendas no mercado de robôs de serviço e menções a protótipos de robôs e
outras tecnologias “disruptivas”, mas cuja difusão não é sequer mencionada, mas apenas
tem comentada o que poderiam fazer caso implementados.
Em síntese, o esforço de Frey e Osborne, embora deva ser valorizado, carece de
evidências concretas sobre essa tendência dos próximos anos de implementação de
serviços informatizados capazes de substituir massivamente a força de trabalho humana.
É talvez, justamente pelo caráter especulativo (embora não totalmente carente de
fundamentos) deste que tem sido o principal trabalho citado pelos comentadores da 4ª RI,
que a falta de dados convincentes sobre a atualidade seja um problema quase generalizado
nas obras sobre o assunto.
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Considerações Finais
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Digital/Our%20Insights/Disruptive%20technologies/MGI_Disruptive_technologies_Ful
l_report_May2013.ashx Aceso em: 20/12/2017.
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I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo investigar a crítica clássica à técnica, mais
especificamente no âmbito jurídico, ou seja, a discussão que envolve direito e técnica na
ciência clássica burguesa. Para isso, em um primeiro momento, faremos uma breve
exposição acerca do desenvolvimento científico clássico da burguesia, retomando alguns
autores e criando assim a contextualização necessária para adentrar, de forma breve, no
âmbito da crítica clássica à técnica. No segundo momento, faremos a análise das obras de
alguns autores, buscando encontrar problematizações que façam à correlação entre a
crítica da técnica e o debate jurídico. Nesse artigo trabalhamos especificamente com as
obras A decadência do ocidente de Oswald Spengler, The theory of business enterprise,
de Thorstein Veblen e Le Bourgeois - Deuxième Livre, de Werner Sombart.
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Sartori (2011, p. 79) atenta para o fato de Heidegger fazer a crítica a esfera
produtiva, porém, tal crítica não vem acompanhada de uma “análise histórica e social da
sociedade civil-burguesa”, sendo, a sociedade civil-burguesa, vista por Heidegger como
uma sociedade em decadente, onde o domina o chamado “homem vulgar” e a
“desenfreada técnica”.
3. O DEBATE JURÍDICO
3.1 Oswald Spengler
Adentrando ao debate jurídico, Spengler (1973, p. 440), em sua obra A decadência
do ocidente, traz a necessidade de uma concepção distinta de direito, que não tenha como
objetivo acumular riqueza, mas criar um “governo genuíno, distante dos proveitos
financeiros”. Aponta que o direito deve ir contra a democracia criada pelas potências
privadas da economia, dizendo que o confronto entre o “Dinheiro e o Direito” será uma
luta histórica, sendo o “Socialismo” o “desejo de criar, muito além de quaisquer interesses
de classe, uma poderosa organização político-econômica, um sistema de nobres cuidados
e deveres destinado a manter o conjunto ‘em forma’ para tal batalha”. O autor coloca a
“Máquina” como a “autêntica dona do nosso século”, estando próxima de “sucumbir a
uma potência mais forte”, o que levará ao término dos triunfos do “Dinheiro”.
Para Spengler (1973, p. 439), a “ditadura do Dinheiro” terá seu fim, pois, como
forma de pensamento, irá se extinguir quando pensar o mundo “até aos seus últimos
confins”. O autor (1973, p. 437) ressalta que a “nossa técnica, porém, há de deixar os
vestígios de sua presença, ainda quando todo o resto estiver desaparecido e olvidado”,
enquanto a “Política” arrastou povos e cidades e a “Economia humana” afetou os mundos
animal e vegetal, mas tão logo seus efeitos se apagaram.
Sua crítica irracionalista ao “Capitalismo” como “ditadura do Dinheiro” traz
portanto o “Direito” como salvação, um direito capaz de colocar ordem e de garantir a
vitória contra os “poderes do dinheiro” (SPENGLER, 1973, p. 440). Enquanto a técnica,
essa se coloca além das formas de pensamento, além da política e da economia, assim, na
visão de Spengler, a técnica permanece, e permanecerá (“sucumbirá”), às novas formas
de organização.
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1 No original: The government has, of course, much else to do besides administering the general affairs of
the business community; but in most of it work, even in what is not ostensibly directed to business ends, it
is under the surveillance of the business interests. [...] The ground of sentiment on which reata the popular
approval of a government for busineaa ends may be summed up under two heads : patriotism and property.
Both of these terms stand for institutional facts that have come down out of & past which differed
substantially from the present situation.
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Sombart (1928) afirma ser a indústria de meios de produção - indústria que produz
máquinas e máquinas para construção de máquinas - a indústria mais importante da época
em que escreve. Coloca como tais indústrias necessito da intervenção de empreendedores
competentes e possibilitam o florescimento amplo do espírito capitalista. Continua o autor
ressaltando os horizontes desconhecidos abertos pelo avanço técnico:
Desde que encontrou a possibilidade de fazer sem a ajuda da
natureza viva e organizando forças; desde que ela conseguiu usar
a energia que o sol acumulou por milhares de anos na terra;
desde que ela aprendeu a realizar seus fins com a ajuda de
substâncias mortas e forças "mecânicas", ela não conhece
limites, torna todos os dias possíveis coisas que a humanidade
sempre considerou impossíveis (SOMBART, 1928, p. 115,
tradução nossa).4
O autor nos diz para levar em conta a extensão do poder técnico de nossa
sociedade para compreender de forma plena a aspiração ao infinito e ao ilimitado que
caracteriza o espírito empreendedor. A forma como funciona a empresa capitalista
moderna reflete as possibilidades fornecidas pelo milagre tecnológico. Para Sombart, o
esforço que os homens de negócio fizeram para resolver os problemas trazidos pelo
progresso tecnológico impulsionou as almas dos grandes empreendedores, sendo uma das
principais características da tecnologia moderna o grande poder de transformação que
possui, trazendo constantemente novas invenções e assim criando novas possibilidades e
novas necessidades de organização técnica e econômica (SOMBART, 1928).
Sombart (1928), vem então apontar que a técnica, assim como traz forças às
manifestações dos sujeitos econômicos, também exerce uma grande influência no modo
de pensar do homem econômico, produzindo uma revolução intelectual, transformando o
pensamento, o tornando mais finalista, consciente e desperto, e favorecendo o
racionalismo. Racionalismo esse que, para o autor, constitui um elemento essencial do
3 No original: Et les choses se passent ainsi, depuis ces siècles reculés jusqu'à nos jours : toute invention
qui vise à donner au processus de la production et des transports un cadre plus vaste et comportant l'emploi
de moyens intermédiaires plus nombreux, toute invention qui a pour effet d'allonger pour ainsi dire le
chemin de la production, agissent comme des stimulants sur ceux dont le goût de l'entreprise n'existe encore
qu'à l'état latent : si le nouvelle forme de la production de biens, telle qu'elle est déterminée parla nouvelle
technique, rend possible l'affirmation, la manifestation de l'esprit d'entreprise, on peut dire aussi qu'elle
provoque cette affirmation et cette manifestation.
4 No original: Depuis qu'elle a trouvé la possibilité de se passer du concours de la nature vivante et de us
forces organisatrices; depuis qu'elle a réussi à utiliser l'énergie que le soleil a, depuis des milliers d'années,
accumulée au sein de la terre; depuis qu'elle a appris à réaliser ses fins à l'aide de substances mortes et de
forces « mécaniques », elle ne connaît plus de limites, rend tous les jours possibles des choses que
l'humanité avait de tout temps considérées comme impossibles, [...].
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espírito capitalista. Salienta como as inovações técnicas sempre tiveram papel importante
na formação do pensamento racional, principalmente no que diz respeito ao racionalismo
econômico, isso porque, o racionalismo econômico se diferencia das ciências do passado,
que eram puramente empíricas. A partir do século XVIII, a técnica começa a buscar a
redução da parcela de experiência pessoal e ampliar a utilização de dados de ciências
naturais:
A identidade da oposição que existe, por um lado, entre a velha
técnica e a tecnologia moderna e, por outro lado, entre a
mentalidade econômica do artesão e a do capitalista, é óbvia.
Agora, essas duas oposições são reduzidas à antinomia que
existe entre o empirismo e o racionalismo. Mas quando vemos a
mesma evolução, do empirismo ao racionalismo, sendo
realizada em dois campos de atividade tão próximos quanto a
tecnologia e a economia, podemos admitir, sem qualquer risco
de estarmos errados, que trata-se de uma relação de causa e
efeito, tendo o racionalismo técnico engendrado e promovido o
racionalismo econômico. Esta conclusão é, além do mais,
totalmente confirmada pelos fatos que nos mostram como o
racionalismo técnico molda a vida econômica e como a
tecnologia baseada na ciência favorece diretamente o
racionalismo econômico. No final, a organização da economia
privada na maioria dos ramos da indústria hoje está exatamente
de acordo com as demandas da tecnologia, e o chefe de uma
empresa não concebe seu sucesso de outra maneira além do que
de acordo com o grau de perfeição da técnica de produção
(SOMBART, 1928, p. 116)5.
5 No original: L'identité de l'opposition qui existe, d'une part, entre la technique ancienne et la technique
moderne et, d'autre part, entre la mentalité économique de l'artisan et celle du capitaliste, saute aux yeux.
Or, ces deux oppositions se ramènent à l'antinomie qui existe entre l'empirisme et le rationalisme. Mais
lorsqu'on voit la même évolution, de l'empirisme au rationalisme, s'accomplir dans deux domaines d'activité
aussi proches que le sont la technique et l'économie, on peut admettre, sans risque de se tromper, qu'on se,
trouve en présence d'un rapport de cause à effet, le rationalisme technique ayant engendré et favorisé le
rationalisme économique.
Cette conclusion a priori se trouve d'ailleurs pleinement confirmée par les faits qui nous montrent à quel
point le rationalisme technique façonne la vie économique, et comment la technique à base scientifique
favorise directement le rationalisme économique. Au fond, l'organisation de l'économie privée, dans la
plupart de ses branches, se conforme aujourd'hui exactement aux exigences de la technique, et le chef d'une
entreprise ne conçoit pas son succès autrement qu'en fonction du degré de perfection de la technique de la
production.
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Na realidade, para o autor, a alegria infantil, é uma expressão das tendências gerais
da modernidade, havendo uma ligação direta entre o entusiasmo com o progresso, que
tanto empolga empresários, e a infantilidade otimista, uma mentalidade colonial, mas
também uma mentalidade de um homem que vive em um século técnico. A ideia de
progresso só faria sentido no século em que o poder técnico domina. Nas palavras do
autor:
Se a ideia de progresso, tão pouco justificada em geral,
tem algum significado, é apenas no domínio do poder
técnico. Embora não saibamos se a filosofia de Kant é
um "progresso" sobre as doutrinas de Platão, ou se as
doutrinas de Bentham estão "em progresso" sobre as de
6 No original: Nous nous sommes enrichis rapidement, la technique nous a débarrassés de la crainte de la
peste et du choléra; à un moment donné nous avions même pu croire que nous touchions à la réalisation
d'une paix perpétuelle : rien d'étonnant si, dans ces conditions, les instincts inférieurs de l'homme, son désir
de jouir sans entraves, son amour du confort et du bien-être l'ont emporté sur ses aspirations idéales. Le
troupeau paît paisiblement dans les grasses prairies.
La suprématie que les intérêts matériels ont acquise à notre époque n'a pu que faciliter l'orientation de
l'entrepreneur capitaliste vers une activité purement lucrative, ayant l'enrichissement pouf seul et unique
but. La chasse au dollar est loin d'être aussi imaginaire que voudraient nous le faire croire, du haut de leurs
tours dorées, certains entrepreneurs-philosophes. C'est eue qui constitue le rouage le plus important dans le
mécanisme de notre économie moderne, et l'amour du gain, que les progrès de la technique n'ont fait
qu'exaspérer, forme le principal élément de l'organisation psychique de l'homme économique de nos jours.
7 No original: Or, un siècle technique. comme le nôtre fournit à cette joie un aliment constant, des occasions
ininterrompues, Qu'il puisse venir à l'esprit d'un entrepreneur qu'il est avantageux ou intéressant de
fabriquer le plus possible de machines, d'avions, etc., et qu'il trouve une certaine satisfaction à réaliser un
pareil programme.
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Assim, a importância dos meios sobre os fins fica evidente, de forma que não se
pergunta mais a que fins servirão os meios desenvolvidos, se esquece qual meta a ser
atingida, os meios monopolizam os interesses.
Estamos entusiasmados em ver um avião subir no ar, sem pensar que este
dispositivo é usado apenas no momento para enriquecer um número
sensacional nosso programa de entretenimento e (no caso mais
favorável) para enriquecer alguns fabricantes. E assim por diante, em
todas as coisas. Temos aqui uma explicação, pelo menos parcial, do
absurdo de toda a nossa tabela de valores e de todas as aspirações
capitalistas de nossos dias, acrescentemos: o que caracteriza o espírito
burguês hoje em dia é sua total indiferença ao problema de qual é o
destino do homem. O homem é quase totalmente eliminado da mesa de
interesses econômicos e os valores dos campos econômicos: a única
coisa de interesse, no entanto, o processo, desde a produção ou o
transporte, ou formação de preços, etc (SOMBART, 1928, p. 119,
tradução nossa).9
CONSIDERAÇÕES FINAIS
8
Si l'idée de progrès, si peu justifiée en général, a un sens quelconque, c'est uniquement dans le domaine
du pouvoir technique. Alors que nous ignorons si la philosophie de Kant constitue un « progrès » sur celle
de Platon ou si les doctrines de Bentham sont en « progrès » sur celles du Bouddha, nous savons, à n'en pas
douter, que la machine à vapeur du modèle de 1913 est en « progrès » sur celle de Watt. En rapport avec
cette transmutation des valeurs se trouve une autre manifestation importante de la vie psychique de l'homme
économique moderne (et de l'homme moderne en général); c'est la transformation du moyen en fin. Sans
doute, l'argent n'a pas peu contribué à cette transmutation des valeurs. Mais la technique y a une grande
part.
9 No original: Nous trépidons d'enthousiasme en voyant s'élever dans les airs un avion, sans penser que cet
appareil ne sert pour le moment qu'à enrichir d'un numéro sensationnel notre programme de distractions et
(dans le cas le plus favorable) à enrichir quelques fabricants. Et ainsi de suite, en toutes choses. Nous avons
là une explication, tout au moins partielle, de l'absurdité de toute notre table de valeurs et de toutes les
aspirations capitalistes de nos jours. Ajoutons encore ceci : ce qui caractérise l'esprit du bourgeois de nos
jours, c'est, nous l'avons vu, son indifférence complète pour le problème de la destinée de l'homme.
L'homme est à peu près totalement éliminé de la table des valeurs économiques et du champ des intérêts
économiques : la seule chose à laquelle on s'intéresse encore, c'est le processus, soit de la production, soit
des transports, soit de la formation desprix, etc.
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Referências
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(Doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) - Faculdade de Direito, Universidade
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SPENGLER, O. A decadência do ocidente. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
SOMBART, W. Le Bourgeois, Deuxième Livre. Payot, 1928.
VEBLEN, T. The Theory of business enterprise. New York: Charles Scribner’s sons,
1915.
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Resumo
A relação entre inovação tecnológica e emprego já preocupava no século XIX dois dos
maiores nomes da economia que existiram: David Ricardo e Karl Marx. Tendo como
pano de fundo a transição violenta da manufatura inglesa para a indústria e revolta dos
trabalhadores contra máquina, os referidos autores formaram seu pensamento no sentido
de afirmar que o emprego de maquinaria na produção seria responsável por demitir
centenas de trabalhadores ingleses, que ao não encontrarem novos empregos de forma
subsequente, acabavam sendo vítimas do chamado “desemprego tecnológico”. No
entanto, a partir da análise dos pensamentos desses autores, ficou demonstrado que a
relação entre tecnologia e emprego não é uma relação estática, mas sim extremamente
dinâmica.
Palavras-chave: tecnologia; emprego; Marx; Ricardo; teoria da compensação.
Abstract
In the nineteenth century, the relation between technological innovation and
employment was already worrying two of the biggest names in the economy: David
Ricardo and Karl Marx. With the background of the violent transition from English
manufacture to industry and workers' revolt against machine, the authors formed their
thinking claiming that the use of machinery in production would be responsible for
laying off hundreds of English workers who, as they did not find new jobs
subsequently, ended up falling victim to the so-called "technological unemployment".
However, from the analysis of the thoughts of these authors, it was demonstrated that
the relation between technology and employment is not a static relationship, but
extremely dynamic.
Keywords: technology; employment; Marx; Ricardo; theory of compensation.
Introdução
Desde o início da Revolução Industrial no século XVIII até os dias atuais tem-
se debatido acerca dos reais efeitos da inovação tecnológica e sua aplicação à produção
de bens e serviços na economia e na sociedade, o que tem demonstrado a existência de
uma ampla gama de correntes de pensamento a respeito do progresso tecnológico.
Nesse sentido, uma das questões mais discutidas é aquela que envolve o avanço
tecnológico e os efeitos que ele gera no campo da força de trabalho, mais
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implantar a maquinaria, já que ela sairia mais cara que pagar os salários dos
trabalhadores.
No entanto, para o economista inglês, poderia haver o chamado efeito de
“compensação” tanto pelo aumento do emprego no setor de máquinas (MILLER, 2002,
p. 76), quanto por novos investimentos numa nova fábrica, por exemplo, na qual os
trabalhadores anteriormente demitidos poderiam ser empregados, o que evitaria o
desemprego tecnológico (COUTO et al., 2011, p. 307):
Se o aumento da produção, em conseqüência da utilização da
máquina, fosse tão grande que proporcionasse, sob a forma de
produção líquida, uma quantidade de alimentos e gêneros de primeira
necessidade tão grande quanto existia antes na forma de produto
bruto, a capacidade de empregar toda a população seria a mesma e,
portanto, não haveria necessariamente nenhuma população excedente
(RICARDO, 1996, p. 290)
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Diante do exposto, podemos concluir que Marx sempre deixou claro em suas
obras que acreditava que a introdução de novas máquinas na produção ocasionava a
demissão de mão de obra humana, ou, pelo menos, o seu deslocamento para outro setor.
De acordo com Couto (et al., 2011, p. 312), Marx demonstrou que o aumento da taxa
desemprego era dependente de quatro variáveis: 1) avanço tecnológico; 2) crescimento
populacional; 3) taxa de acumulação de capital (ou novos investimentos) e 4) redução
da jornada de trabalho. O avanço tecnológico e o crescimento populacional aumentavam
a oferta de trabalho, já que aumentavam o número de trabalhadores disponíveis no
mercado seja pela demissão em massa, seja pelo aumento do número de pessoas
precisando trabalhar, impulsionando a taxa de desemprego; os novos investimentos e a
redução da jornada de trabalho por sua vez, aumentavam a demanda de trabalho, visto
que expandem os setores industriais e limitam o número de horas permitidas para
trabalho, fazendo com sejam necessários mais trabalhadores, reduzindo assim a taxa de
desemprego (COUTO et al., 2011, p. 312).
5. CONCLUSÃO
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indústria pela máquina encontrasse emprego em outro ramo - o que de fato poderia
acontecer - isso ocorreria por intermédio de um novo capital que busca aplicação,
suplementar, e não por aquele capital que já existia e que foi convertido em maquinaria
(MARX, 2013, p. 625).
Há que se falar também do ponto de convergência entre o pensamento de
ambos os autores: as ideias de Ricardo e Marx confluiam no sentido de demonstrar que
a relação entre tecnologia e emprego não é algo que se dá de forma automática,
mecânica. A relação, portanto, não é estática e determinista, mas dinâmica, e seu
resultado a longo prazo nem sempre é o de um aumento na taxa de desemprego de um
país ou região, tendo em vista que existem muitas outras variáveis envolvidas como, por
exemplo, a velocidade de avanço da técnica e do crescimento da economia, associada à
velocidade do crescimento da população e da redução da jornada de trabalho.
Como já ressaltado no decorrer deste artigo, este é um trabalho inicial no
sentido de uma compreensão contemporânea da questão relativa ao “desemprego
tecnológico”. Diante disso alguns questionamentos surgiram, questionamentos esses
que achamos pertinentes colocar aqui e que podem vir a se tornar esforços de pesquisas
futuras e até mesmo de outras pessoas interessadas nesta temática. Sabemos que a taxa
de desemprego tanto no Brasil, quanto em outros países ao redor do globo, aumentou
nas décadas que seguiram a crise iniciada nos anos de 1970, tendo em vista que nem
todo desemprego é tecnológico, o desemprego que se configurou nas décadas de 80, 90
e até o dos anos 2000 poderia ser considerado um desemprego tecnológico? Como a
perspectiva marxista a respeito do desemprego tecnológico poderia contribuir para o
entendimento da questão no cenário atual? Após Ricardo e Marx, outros economistas de
outras escolas, como Schumpeter e os neo-schumpeterianos, teceram comentários sobre
o desemprego tecnológico, quais seriam, portanto, as semelhanças e as divergências
entre esses pensamentos? Marx reconheceu a honestidade intelectual de Ricardo e
afirmou que isso o diferenciava dos economistas vulgares do século XIX, aqueles que
Marx chamava de “apologetas” do sistema capitalista, tomando por base o pensamento
de economistas que vieram pós-Marx, como o já citado Schumpeter e os neo-
schumpeterianos, como esses pensamentos se configurariam diante de uma análise
marxista? Seriam eles também uma forma de apologia do capital ou não? Esses foram
alguns dos questionamentos que surgiram diante da confecção do presente trabalho e
que achamos importante registrar aqui com o intuito de impulsionarmos novas
pesquisas e contribuições.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010406182011000200004&script=sci_abstract
&tlng=p>. Acesso em: 02 de ago. de 2018
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Abstract
The objective of this paper is to determine the function of the system of private credit for
the technical advance in Brazil, considering the period between 2005 and 2014. The study
was executed by means of historical-theoretical analysis and primary data mainly of
Brazilian economy in comparation with Japan, Germany, and United States. The
fundamental assumption is that technical advance is favored by the real accumulation,
which, by its turn, was made possible historically by the growing monetary capital
accumulation available by the credit system. In this research it was verified how the role
played by the credit has been changed throughout capitalism history, but it was rather
decisive to the capital accumulation in developed countries than in the subordinated
Brazilian economy. The results suggest that the functionality of the credit system has been
altered in accordance with the development of the real accumulation, ceasing to be source
of resources for productive investments in central economies. At the same time, the
private credit system for productive investments was absent in the development of
1
Agradecemos à FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais pelo apoio à
pesquisa que gerou o presente artigo.
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capitalism in Brazil, including the period between 2005-2014, and this helps to explain
the low grade of accumulation and, this way, the technological delay that marks country
history
Keywords: technical advance; credit system; accumulation; Brazilian economy.
Introdução
Este artigo tem por objetivo determinar a funcionalidade do sistema de crédito
bancário privado ao avanço técnico do setor não financeiro no Brasil. O foco recai sobre
os investimentos em inovação, especificamente de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D),
entendido este como um indicador mais direto da categoria em análise.
A problemática central se revela no pressuposto a ser questionado de que o sistema
de crédito privado tem funcionalidade universal para o avanço técnico. Nesse
pressuposto, desconsidera-se tanto as alterações históricas dessa funcionalidade quanto
as particularidades das economias nacionais, perdendo de vista as reciprocidades entre os
centros mais avançados e os tecnologicamente subordinados, como a economia brasileira.
É preciso dizer, no entanto, que o presente trabalho não se respalda nos cânones
da chamada Teoria Marxista da Dependência. O reconhecimento da subordinação
econômica não é exclusividade dessa específica linha da tradição marxista. Isto posto,
assume-se as reciprocidades entre as economias que formam o capitalismo global em uma
dinâmica de desenvolvimento desigual e combinado, constituindo um sistema
hierarquizado que tende a congelar e intensificar as “diferenças internacionais na
composição orgânica de capital” (Mandel, 1982:57), conforme retomado adiante. Disso
se depreende o impulso de determinação das formas particulares de desenvolvimento do
capitalismo e das modalidades de integração ao processo global de reprodução do capital
(Paço Cunha; Rezende, 2018). Não obstante a particularidade, reconhece-se o nexo entre
disponibilidade de capital monetário, acumulação real e avanço técnico como modo de
expressão da composição orgânica do capital.
Desse modo, a pesquisa foi realizada, por um lado, por meio de análise teórico-
histórica do desenvolvimento do capitalismo com o intuito de capturar as alterações da
função do sistema de crédito via bancos privados. A análise se respalda pelo movimento
da acumulação de capital que se expressa na formação e consolidação do capitalismo
centrado nas grandes corporações multinacionais. Por outro lado, a pesquisa se deu com
aproximação da realidade brasileira por meio de dados primários comparativos, quando
necessário e possível, às economias da Alemanha, Estados Unidos e Japão.
O período para esta última análise foi delimitado tendo em conta a disponibilidade
dos dados nacionais no Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação e do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A avaliação dos dados não será feita a partir
do uso de instrumentos estatísticos, pois mais que avaliar possíveis correlações entre o
cenário nacional e o internacional, procura-se mostrar o quadro geral do papel do sistema
de crédito no financiamento do investimento nacional em inovação, as tendências de
aproximação e distanciamento desse quadro com aquele dos países mais desenvolvidos e
que possuem um quantitativo maior desses investimentos. Nesse sentido, considera-se a
amplitude de elementos a se levar em conta quando o tema inovação é colocado em tela.
Assim, optou-se, nesta pesquisa, por se utilizar, primordialmente, os dados de P&D como
o indicador central de balizamento, tendo em conta o fato de ser possível encontrar nele
elementos mais diretos acerca da movimentação dos países em termos de produção de
processos inovativos.
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Desse modo, as três seções que seguem apresentarão, respectivamente, uma breve
retomada teórico-histórica acerca da discussão sobre o papel do sistema de crédito na
acumulação de capital no modo de produção capitalista, e, logo em seguida, serão
apresentados os dados coletados que buscam responder aos problemas propostos. Por fim,
há as considerações finais que procuram colocar em evidência os principais achados,
limitações e indicação de futuras pesquisas.
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lucro, já surge mistificado por não revelar o processo de sua constituição efetiva por meio
da apropriação do trabalho excedente (Marx, 1980-1985:1495-96; 1516).
Para o caso em consideração (crédito via sistema bancário privado), é possível
identificar a existência de um processo de acumulação de dinheiro em frações especiais
das classes capitalistas. A propósito de indicar esse aspecto, reforça-se o nexo existente
entre essa acumulação especial e aquela chamada “acumulação real” e, portanto, entre o
juro e o lucro industrial, ambos como forma do mais-valor, sendo ainda o juro uma
alíquota desse mais-valor:
com a produção capitalista, constitui-se uma potência inteiramente nova: o sistema de crédito, que
em seus primórdios insinua-se sorrateiramente como modesto auxílio da acumulação e, por meio
de fios invisíveis, conduz às mãos de capitalistas individuais e associados recursos monetários que
se encontram dispersos pela superfície da sociedade em massas maiores ou menores, mas logo se
converte numa arma nova e temível na luta concorrencial e, por fim, num gigantesco mecanismo
social para a centralização dos capitais (Marx, 2013:702)
É preciso destacar, portanto, que o “sistema de crédito (...) concentra diante dos
capitalistas individuais a massa inorgânica do capital social disponível” (Marx,
2017:231), de modo que “emprestar e tomar dinheiro emprestado converte-se num
negócio específico” (Marx, 2017:454). Não obstante, é esse “sistema de crédito que
constitui a base fundamental para a transformação gradual das empresas capitalistas
privadas em sociedades capitalistas por ações” (Marx, 2017:498-499). É essa
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mostra que, mesmo em seus momentos de excesso, a finança desempenha um papel cognitivo
essencial à reorganização econômica. Ao dar suporte aos esforços de escavar novas oportunidades
para o lucro, ela cria grande instabilidade, provoca depressões e aumenta as tensões
socioeconômicas. Mas, em última instância, ela contribui para a emergência de setor que traz um
novo dinamismo. Em contexto de declínio, a finança cria as condições para um desenvolvimento
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de novas forças produtivas. Entretanto, a realização desse potencial requer mudança institucional
de caráter sócio-político, cujo resultado é contingente (Durand, 2017:115)
De tal modo, esse quadro analítico destaca que a “mudança tecnológica está
inscrita em um movimento sistemático que se move ao passo da dinâmica do lucro”,
explica Durand (2017:117). Entretanto, a discussão da autora (cf. Perez, 2009) se limita
a destacar o financiamento via mercado de ações (capitalização) e não por meio do
sistema de crédito bancário privado.
O sistema de crédito teria perdido sua função histórica atrelado ao avanço técnico?
Com base em literatura marxista e não marxista (cf. Mandel, 1982; Minsky, 2008;
Paço Cunha; Guedes, 2018) – em que prevalecem, aos propósitos presentes, as categorias
da primeira –, é possível traçar uma linha geral das tendências de financiamento produtivo
em três fases que expressam o desenvolvimento do capitalismo monopolista. Encontra-
se síntese razoável das mudanças no relacionamento entre os bancos e o setor produtivo
nas economias centrais nas linhas que seguem:
A primeira fase clássica do capitalismo monopolista testemunha uma fusão entre o capital
produtivo e financeiro sob a dominância do segundo. A formação de capital fixo respondia ao
financiamento bancário por meio do crédito, pelo menos até um momento em que o crescimento
das corporações e dos lucros retidos diminuiu o grau de dependência com relação ao financiamento
bancário para ativos fixos. Alterações institucionais e na dinâmica econômica com os processos
de crise da primeira metade do século XX e de destruição de capitais durante os enfrentamentos
bélicos culminaram em uma segunda fase na qual se dá elevação das taxas médias de lucro,
sobretudo nas principais economias, criando condições para o autofinanciamento e consolidação
da tendência de diminuição da dependência do capital produtivo frente ao financeiro para aquele
período. A redução da taxa média de lucro do final dos anos de 1960 em diante, por decorrência
do aumento da composição orgânica do capital (Dobb) e sobre-acumulação (Mandel), forçou
alterações institucionais e nova liberalização de capitais financeiros na tentativa de reverter as
tendências gerais, implicando tendencialmente para baixo o autofinanciamento das grandes
corporações não financeiras, configurando assim a terceira fase do capitalismo monopolista.
Constitui-se uma fase em que os empréstimos realizados pelas grandes corporações não financiam,
no entanto, a formação de capital fixo, mas o crescimento do patrimônio financeiro das próprias
corporações não financeiras. (Paço Cunha; Guedes, 2018:7-8)
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É possível dizer, a partir disso, que a fase atual não é de queda abrupta do
autofinanciamento, retrocedendo à primeira fase, nem de patamar superior que iguale à
segunda fase. Sendo algo intermediário entre a primeira e a segunda fases, sustenta-se a
constatação de que o sistema de crédito bancário em particular tem menor relevância para
o avanço técnico tanto nas economias centrais quanto na economia dependente brasileira.
O destaque, agora, que precisa ser feito em decorrência desse problema é para a
funcionalidade do sistema de crédito no processo de acumulação dos capitais nas
economias centrais. Uma vez que o grande capital pôde, por assim dizer, caminhar com
suas próprias pernas, o sistema de crédito perdeu a predominância inicial sobre o
investimento para o progresso técnico. Um dos principais efeitos do desenvolvimento do
grande capital foi uma diminuição da funcionalidade do sistema de crédito, embora essa
funcionalidade tenha sido crucial, como vimos, ao próprio processo de desenvolvimento
do capitalismo industrial e de sua fase monopolista centrada na grande empresa. A
história dos trusts (de um Rockfeller, de um JP Morgan etc.), combinando bancos e
indústrias nos Estados Unidos, é emblemática com respeito a essa funcionalidade em
particular (cf. Sklar, 1988; Chandler, 1978; 1998).
Em contraste, esse aspecto é decisivo para uma introdução ao problema do sistema
de crédito no processo de formação do capitalismo no Brasil. A título de registro histórico,
é possível identificar nos anos de 1930 certas necessidades colocadas como condição ao
avanço da produção nacional. Simonsen (1931:48), espelhando-se consideravelmente no
exemplo alemão, escreveu que o “nosso aparelhamento bancário não favorece tampouco
o financiamento da produção, como necessitamos”, acrescentando, em seguida, a
exigência de que fossem
Até aquela data, apenas o Banco do Brasil provinha fontes de crédito ainda que
em extrema carência, como o próprio autor relata (Simonsen, 1931). Anos depois,
entretanto, registrou Bastos a funcionalidade do crédito internacional. O autor fornece
indicações gerais do financiamento bancário da siderurgia no Brasil, responsável por
ampliação do estoque de capital fixo, a partir do final anos de 1930 (para não considerar
os empréstimos estrangeiros durante o período imperial). O Export-Import Bank dos
Estados Unidos e do Japão desempenharam, em momentos distintos, papel como fontes
de financiamento. Sobretudo um banco norte-americano, pois conta-se em “105 milhões
de dólares o financiamento do EXIMBANK à Volta Redonda, no período de 1941 a 1956”
(Bastos, 1959:270). Outras iniciativas posteriores também são contabilizadas, como a
COSIPA que recebeu aportes do também estrangeiro Pan-American Investment (Bastos,
1959:282). São elementos suficientes para ressaltar que as exigências feitas por Simonsen
não foram resolvidas, nas décadas imediatamente seguintes, pelo desenvolvimento de um
sistema bancário interno orientado para o financiamento produtivo.
Para o período entre 1963 e 1973, há registros dos percentuais de empréstimos ao
setor privado industrial no Brasil, tendo por fonte bancos comerciais. Uma análise
superficial mostra tendência regular com inclinação de baixa, variando entre 42.3, para
1963, e 36.5, para 1973. Há, entretanto, variação mais significativa entre 1972, com 38.4,
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e 1980, com 50.5, mas com inclinação de alta (Minella, 1988:160). Há, no entanto,
carência de informações sobre a participação dos empréstimos de bancos privados, ainda
que se tenha notícia de que até a década de 1980 foram fundamentais, com maior força
do que os bancos públicos tangente o financiamento das indústrias, conforme sugerido
pelos percentuais de empréstimos à indústria acima.
Se o sistema de crédito privado interno só pôde exercer alguma funcionalidade
entre 1963 e 1973 no Brasil, os dados mais recentes, como comentado (cf. Paço Cunha;
Guedes, 2018), denotam baixa do financiamento via sistema de crédito privado e alta do
autofinanciamento ainda que com inclinação decrescente da série histórica. Por isso é
possível ter bastante claro que a função desempenhada pelo sistema de crédito privado
nas economias centrais, forjando o capitalismo da grande corporação, não teve a mesma
efetividade em território brasileiro. Num primeiro momento, como se viu antes, marca-se
a ausência completa de um sistema bancário (Simonsen). Em seguida, dominância do
crédito internacional para a siderurgia (Bastos), principalmente. Numa fase entre as
décadas de 60 e 70, alguma acentuação do sistema de crédito privado frente aos públicos
(Minella) para, em fase superior, marcar-se o autofinanciamento produtivo como
predominante para o setor industrial. Esse quadro geral e tardio, que será aprofundado no
tópico a seguir com dados para o período posterior a 2005, expressa que o sistema de
crédito no Brasil não desempenhou papel relevante na formação do capital fixo ou mesmo
em processos inovativos, haja visto a contínua dependência técnica do país frente às
economias centrais.
Dessa forma, em termos histórico-comparativos, nas economias centrais o
financiamento via sistema de crédito privado teve função decisiva para formação do
grande capital monopolista (processo de acumulação) e, logo, do avanço técnico que o
acompanha, embora a dinâmica posterior desse mesmo capital tenha tornado
relativamente (e talvez provisoriamente) obsoleto o sistema de crédito privado frente ao
autofinanciamento para o avanço técnico. Ao mesmo tempo, não se pode dizer que tenha
se tornado relativamente obsoleto para a economia brasileira uma vez que tal sistema
jamais teve aquela mesma função. Quando houve alguma sinalização de efetivo
desenvolvimento do sistema de crédito privado interno no transcorrer das décadas de
1960 e 1970, o capitalismo das grandes corporações internacionais já estava, por assim
dizer, consolidado e entrante em fase de crise, restando as limitadas e insuficientes
experiências desenvolvimentistas (se é que se pode assim denominá-las). Dessa maneira,
estabelece-se uma relação de reciprocidade internacional entre as economias centrais e as
dependentes de modo que o próprio desenvolvimento do sistema de crédito interno ficou
historicamente bloqueado, bem como as possibilidades de criação das grandes
corporações de capital nacional:
Quando a produção capitalista de mercadorias conquistou e unificou o mercado mundial, ela não
criou um sistema uniforme de preços de produção, mas um sistema diferenciado de preços de
produção nacionais variáveis e preços unificados no mercado mundial. Isso permitiu que o capital
dos países capitalistas mais desenvolvidos conseguisse superlucros, pois suas mercadorias podiam
ser vendidas acima de seu ‘próprio’ preço nacional de produção e, no entanto, abaixo do ‘preço
nacional de produção’ do país comprador. Em última análise, esse sistema internacionalmente
hierarquizado e diferenciado de valores diversificados de mercadorias é explicado por um sistema
internacionalmente hierarquizado e diferenciado de níveis variáveis de produtividade do trabalho.
O imperialismo, longe de nivelar a composição orgânica do capital em escala internacional – ou
de conduzir a uma equiparação internacional das taxas de lucro – congelou e intensificou as
diferenças internacionais na composição orgânica de capital e no nível das taxas de lucro (Mandel,
1982:57)
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2014 84 16 1 14 1 85 15 3 12
Fonte: Adaptado de IBGE (2005; 2008; 2011; 2014)
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2
A título de exemplo, pode-se citar um aporte, anunciado em 2017, de 100 bilhões de dólares de um fundo
de investimentos liderado pelo SoftBank que engloba grandes empresas do setor de tecnologia como Apple,
recursos públicos da Arábia Saudita e fundo de investimentos dos Emirados Árabes, em tecnologia da
informação no Japão. (Jones, 2017).
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Aqui é possível ver uma evolução do Brasil, mas que ainda o deixa aquém de
Japão e Alemanha. Há, contudo, um movimento progressivo, isto é, tem aumentado o
crédito bancário para os setores não financeiros ao contrário dos países desenvolvidos
que apresentam, no máximo, uma estagnação. É evidente que nesse aspecto, há uma série
de outros fatores envolvidos, como o endividamento das empresas e o impacto da crise
de 2008. Mas, no que diz respeito ao crédito para o setor produtivo, não é possível colocar
o Brasil num patamar claramente mais baixo do que os países desenvolvidos. Neste ponto,
ao contrário, há uma aproximação maior. Não é suficiente, não obstante, para afirmar a
existência de uma efetiva função do crédito bancário privado no financiamento do avanço
técnico uma vez que o volume não parece ser suficiente, ou não é empregado de fato para
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tal finalidade. Nos países desenvolvidos esse ponto chama mais a atenção, pois mesmo
havendo disponibilidade regular de crédito, o avanço técnico tem sido financiado com
recursos próprios. Mesmo uma compreensão das empresas que mais investem em P&D
segue, de certa forma, as indicações dadas pelos dados já apresentados. Um levantamento
da União Europeia de 2014, o Industrial R&D Investment Scoreboard que faz uma
radiografia dessas empresas, aponta que ao menos quarenta e cinco das cinquenta
empresas que mais investem, passaram por algum processo de fusão ou aquisição.
Segundo relatório divulgado, “em alguns casos grandes mudanças em P&D resultam de
fusões & aquisições (M&As) ou desfusões quando a companhia aprimora seu foco
vendendo ou multiplicando uma ou mais divisões” (EUROPEAN COMMISSION,
2014:32). Das 50 empresas que mais investem em P&D, a farmacêutica Pfizer negociou
49,23 bilhões de euros em fusões e aquisições entre 2007 e 2014. Por outro lado, a
farmacêutica Abbot
desfundiu sua divisão farmacêutica em uma companhia separada agora chamada AbbVie cujas
ações foram listadas em dezembro de 2012. A AbbVie agora tem uma capitalização de mercado
maior que a da Abbott, sua antiga proprietária. O resultado da cisão é que a AbbVie está no 52º
lugar no placar deste ano, enquanto a Abbott está no 95º lugar (no placar do ano passado, a Abbott
estava no 35º lugar) (EUROPEAN COMMISSION, 2014:32).
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Considerações finais
O presente trabalho objetivou determinar a funcionalidade do sistema de crédito
ao avanço técnico por meio da análise teórico-histórica e de dados primários da economia
brasileira entre 2005 e 2014.
A maior limitação da pesquisa pode ser tributada aos dados. Não foi possível, por
exemplo, determinar o peso relativo do sistema de crédito privado para investimentos
produtivos na comparação entre as economias destacadas. Isso teria permitido
compreender melhor a dinâmica dessa modalidade de financiamento. Entretanto, os dados
são muito agregados quando não ausentes.
Ainda mediante a tais limitações, a análise dos dados sugere que o sistema de
crédito via bancos privados não desempenha função para o avanço técnico no Brasil,
repetindo o padrão histórico dessa economia subordinada. A acumulação de capital nos
países centrais bloqueou as possibilidades brasileiras, impedindo inclusive o
desenvolvimento de um sólido sistema de crédito bancário que desenvolvesse a
acumulação interna como pré-condição do avanço técnico.
O estudo histórico do sistema de crédito bancário permite compreender que a
funcionalidade desempenhada mesmo para as economias centrais foi alterada ao longo
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Resumo
O objetivo deste ensaio consiste em analisar a relação entre os micros e pequenos
empreendedores e o grande capital, seja pelo uso mediado pela tecnologia,
especialmente os apps para smartphones ou ainda por atuarem massivamente na esfera
da circulação. Foi realizada uma análise da produção científica brasileira que se
dedica/dedicou ao tema e também foram investigados os relatórios elaborados pelo
Global Entrepreneurship Management (GEM), pelo SEBRAE e pelo IBGE. A análise
consistiu em contrapor as justificativas desenvolvimentistas de empreendedorismo
como motor do crescimento econômico a partir da bipartição entre empreendedor por
necessidade versus por oportunidade. Percebemos que, no Brasil, ambos estão
relacionados muito mais com uma saída para o desemprego do que uma chance de criar
um negócio de alto impacto, não havendo, portanto, sustentação para o empreendedor
inovador schumpeteriano. Por fim, concluímos que há uma relação de dependência
entre grande e pequeno capital, o primeiro se vale do segundo para realizar o valor e/ou
rebaixar o capital variável, contudo, a troca é desigual, visto que o pequeno, como, em
geral, não produz mais-valor, é apenas remunerado pela realização, terminando não
conseguindo acumular.
Palavras-chave: Capital; empreendedorismo; crítica economia política; micro e
pequeno negócio.
Abstract
The purpose of this essay is to analyze the relationship between micro and small
entrepreneurs and great capital, either through the use mediated by technology,
especially smartphone apps or even to act massively in the sphere of circulation. An
analysis of the Brazilian scientific production dedicated to the topic was carried out and
the reports prepared by Global Entrepreneurship Management (GEM), SEBRAE and
IBGE were also investigated. The analysis consisted of opposing the developmental
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INTRODUÇÃO
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são raros, sendo fruto, muito mais de uma série de venturas do que necessariamente,
uma estrada comum. Não por acaso, no Brasil, a maior parte dos negócios são micros e
pequenos, o que faz com que a área da pesquisa de empreendedorismo esteja
intrinsecamente relacionada com os micros e pequenos empreendedores (MPE)
(FILLION, 1999; BARROS; PEREIRA, 2008; WADHWANI, 2010).
Diante desse contexto, nosso objetivo neste ensaio consiste em analisar a relação
entre os micros e pequenos empreendedores e o grande capital, seja por meio da
tecnologia, especialmente os apps para smartphones ou ainda por atuarem
massivamente na esfera da circulação (MARX, 2014).
A mediação da tecnologia tem profunda relação com o que tem sido nominado
Indústria 4.01 ou Quarta Revolução Industrial ou ainda Smart Factory (DREHER, 2016;
COSTA, 2017) assim, o smartphone foi aludido por nós como um ícone desse novo
estágio produtivo, por ser o canal que liga trabalhador-capitalista-consumidor. De
acordo com Schwab (2016) as principais alterações provenientes dessa nova Revolução
Industrial consistem na alteração das expectativas dos clientes; produtos mais
inteligentes e produtivos; novas formas de colaboração e parcerias; uma transformação
do modelo operacional e conversão em modelo digital. Seus pilares são, assim, a
Internet das coisas e serviços (IoT e IoS) e o Big Data (COSTA, 2017). Esse futuro
“inteligente” se anuncia em contradição com a condições de vida e trabalho dos que só
tem a força de trabalho para vender. O processo de valorização do valor encontra seus
obstáculos diante das próprias contradições, e na luta diária contra si mesmo e para si
mesmo o capital se metamorfoseia para continuar vivo e devorando todo o trabalho que
conseguir (MARX, 2013). De maneira, ainda que a compreensão das coisas do mundo
seja post festum, aparentemente a Indústria 4.02 tem modificado e pretende continuar
transformando as relações capitalistas, sem mudar, obviamente, suas bases estruturais:
exploração do trabalhador livre pelos capitalistas e mediação do Estado.
Acerca da circulação, ao seu turno, destacamos que 69% dos micros e pequenos
negócios se destinam a "serviços orientados para o consumidor" (GEM, 2017), o que
nos leva a inquirir o papel do empreendedorismo na aceleração da rotação do capital por
meio da realização do valor executado pelos micros e pequenos negócios; as
possibilidades de extração de mais-valor sem a necessidade de adiantar capital em
decorrência da fragilização das relações capital-trabalho mediadas pelo Estado seja por
meio da terceirização, do teletrabalho, do trabalho temporário ou ainda diretamente
entre grande capital e trabalhador no que tem sido chamado de uberização do trabalho
(FRANCO, FERRAZ, 2017), mediado por dispositivos tecnológicos (especialmente
com os smartphones).
Desconfiamos que a questão possa ser um pouco mais complexa que categorizar
o grupo dos empreendedores como "pequena burguesia" ou "classe média", e embora tal
grupo não se configure numa classe em si – visto que, assim como demais classes
proletárias vivem da própria força de trabalho –, devem ser analisadas em sua
particularidade dentro do capitalismo dependente brasileiro, visto que também exploram
força de trabalho, por outro lado, seu (pequeno) capital da mesma forma é incorporado
1
Não teremos espaço para discutir neste trabalho, restando-nos apenas pontuar que é uma mediação
importante para compreender a complexidade da relação capital-trabalho no mundo hoje.
2
O termo foi cunhado na Alemanha e se refere "a visão do que será uma fábrica no futuro" ou Smart
Factory que "é uma fábrica que faz produtos inteligentes, em equipamentos inteligentes, em cadeias de
abastecimento inteligentes" cf. Costa (2017, p. 7).
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3
"o Sistema Qualis foi instituído com o propósito de avaliar a produção científica dos programas de pós-
graduação stricto sensu, utiliza escalas de pontos para avaliar conjuntamente diferentes critérios, tais
como: normalização, regularidade, projeto gráfico, circulação, visibilidade, origem institucional e
geográfica dos autores, gestão editorial, além da quantidade, proporção e qualidade percebida dos artigos
publicados." (BACELAR; TEIXEIRA, 2016, p. 9).
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pequenos empreendedores têm uma grande contribuição para o PIB (SEBRAE, 2015),
que deveriam, portanto, ser estimuladas.
Marx (2013, 2014, 2017) expõe de maneira totalizante como a valorização do
valor é tanto uma relação social quanto um processo de produção da vida, que não se
limita à esfera da produção - embora tenha nela seu momento preponderante -, sendo
um todo unitário de produção, distribuição, circulação e consumo (MARX, 2011). Ora,
a Indústria 4.0 prevê novas formas de relacionar esses quatro momentos utilizando para
isso a tecnologia digital como meio de produção robusto, ou seja, encontrar caminhos
para ampliar a extração mais-valor, seja reduzindo o capital adiantado, acelerando o
ciclo produtivo ou a circulação, descobrindo novas formas de valores de uso, contudo,
no centro de todo esse movimento está a uberização do trabalho, que marca o novo
estágio da valorização do valor.
Nesse contexto, é importante que analisemos a continuidade (relação capitalista)
sem perder de vista as descontinuidades (Indústria 4.0) e é necessário, igualmente,
investigar a particularidade do capitalismo dependente brasileiro em relação ao cenário
internacional, especialmente os chamados “países centrais” que detém a posse desses
conhecimentos objetivados. Entretanto, o que se vê, como sinalizado no item anterior, é
que pesquisadores brasileiros importam os conceitos gestados nos “países centrais”
como se nos países dependentes a reprodução da vida ocorresse da mesma maneira.
À guisa de exemplo, um dos principais manuais de empreendedorismo utilizados
no ensino do empreendedorismo no Brasil provém de uma tradução dos estadunidenses
Hisrich, Peters e Shepherd (2014), como costuma ocorrer nestes casos, o modelo
estadunidense é adotado como se explicasse todo o continente, especificamente o
empreendedorismo brasileiro. Neste livro, os autores classificam em três os tipos de
iniciativas empreendedoras: 1) estilo de vida – equivalente aos nossos micro e pequenos
negócios; 2) empresa de fundação – equivalente aos nossos médios negócios e que
possuem alguma inovação; 3) alto potencial – as startups, são empresas de crescimento
rápido. Notemos que os autores adicionam mais uma tipologia além da classificação
amplamente aceita do GEM (2017) – oportunidade e necessidade –, façamos, além
disso, duas observações que podem passar despercebidas: i) grandes negócios (o grande
capital) não entra na classificação e ii) os pesquisadores americanos destacam o papel
das empresas de alto potencial, cujo quantitativo e o debate é insipiente no Brasil.
O empreendedorismo brasileiro se relaciona, em maior medida, como uma
opção, muitas vezes a única, para que um enorme contingente de trabalhadores possa se
sustentar e por outro lado, ameniza os embates no qual a mediação do Estado, sob a
justificativa de combate aos índices de desempregos, incentiva o empreendedorismo e
faz parecer que a produção econômica está sob controle. Se nos “países centrais” o
empreendedorismo se apresentou desde a implantação da política neoliberal como uma
possibilidade de baratear a inovação e um meio efeito de combater o desemprego
estrutural (WADHWANI, 2010), no Brasil, mesmo a segunda opção é operada em
circunstâncias perniciosas, o que se convencionou chamar de empreendedorismo
engloba basicamente dois diferentes contextos - um nos “países centrais” e outro nos
países de capitalismo dependente e periféricos - , não seria imprudente afirmar, no
entanto, que as "gradações de empreendedorismos" seriam ainda maiores.
No Brasil, estima-se que 21% da população adulta, 22 milhões de pessoas,
seriam "Trabalhadores por conta própria" (PNAD/IBGE, 2017), um número em
tendência de alta frente às contrarreformas em andamento. Vide tabela 1. Chama
atenção os 10 milhões de empregados sem registro (sem a chancela do Estado) e os 4
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por Nogami e Machado (2011), a partir de um estudo empírico, foi que nos municípios
onde há maior proporção de trabalhadores conta-própria, o índice de desemprego é
menor, mas que este tipo de empreendedorismo, quando comparado ao crescimento do
PIB no local, revela um impacto negativo. Por isso, eles alertam
Em primeiro lugar, o conjunto destes trabalhadores é muito heterogêneo tanto
na natureza das atividades que exercem, quanto na motivação para
empreender. Profissionais liberais misturam-se aos camelôs e artesãos;
empreendedores inovadores (schumpeterianos) a proprietários-gerentes.
Outra limitação é a medição do conjunto de negócios existentes e não do
fluxo de novos negócios. Apesar das limitações, o conceito de empreendedor
equivalente a trabalhador por conta-própria continua sendo muito utilizado na
investigação científica. (BARROS; PEREIRA, 2008, p. 981)
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Nessa rota, fica latente um dos papéis que o Estado cumpre na luta de classe,
pois um dos critérios para categorizar “formal ou informal” é o registro na carteira de
trabalho, que faz com que a atividade seja regida pela Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), cuja proposição consiste em garantir proteção ao trabalhador, que seria
o lado “mais fraco”4 do contrato social mais emblemático do capitalismo: relação
capital-trabalho. Neste sentido, com o aumento do trabalho informal, o que podemos
observar é a crescente fragilidade das já limitadas garantias trabalhistas, o que empurra
os salários de médio para baixo, mas, contudo, retira a mediação do Estado, o que
poderia ser uma possibilidade de percepção da condição de exploração, se, por outro
lado, a extração do mais-valor não estivesse tão sofisticada como no caso dos motoristas
do Uber, por exemplo (além de diversos outros) que por não terem uma relação de
trabalho clássica (patrão, folha de ponto, colegas, etc.) desenvolve uma reprodução da
força de trabalho relativamente apartada da produção geral do mais-valor extraído pelo
capitalista.
Formal ou informal, assim, corresponde à forma como o contrato entre
capitalista e trabalhador é estabelecido, se a compra e a venda da força de trabalho
possuem um registro com fins legais para atender as normas jurídicas do país ele é
formal, se não, ele é informal. Não obstante, nem todo instrumento jurídico que medeia
a compra e a venda da força de trabalho garante acesso a todos os direitos trabalhistas.
Assim, na medida em que a informalidade é ensejada, a relação de troca mercantil da
força de trabalho permanece, contudo, o acesso aos direitos é diferente, assim, de um
modo geral, há perda de direitos de um grupo em relação ao outro, e neste caso
consolida-se a precarização das relações trabalhistas.
O entendimento dos limites da "formalidade" da venda da força de trabalho é
relevante na medida em que se apresenta por um lado, como uma necessidade
contingente da classe trabalhadora, em busca de melhores condições para reproduzir a
própria existência, bem como reduzir o mais-trabalho. Por outro lado, o direito (do
trabalho, inclusive) é forma ideológica de manutenção do modo de produção capitalista
(MASCARO, 2016; SARTORI, 2016) e como Marx (2010) argumenta, um aumento
geral de salário não seria útil aos trabalhadores [tomando a emancipação humana por
horizonte] e mesmo a atuação sindical é prejudicial, na medida em que a luta é por
conseguir meios mais amenos de exploração, e não por emancipação. Formal e
informal, portanto, se relaciona com condições de reprodução da existência e com a
organização e luta da classe trabalhadora.
4
Ao classificar a classe trabalhadora como o lado mais fraco, que precisa da proteção do Estado, a
burocracia estatal cumpre seu papel de conformação na luta de classe, servindo como “juiz de paz”,
aquele que produz o valor – o trabalhador – vê-se impotente diante das leis, da ordem, da necessidade de
reprodução da própria existência, semelhante a situação apontada por Marx (2012) na França de Luís
Bonaparte.
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por não dispor de capital suficiente para mobilizar a reprodução (ou por atuarem na
esfera circulação), como pela composição orgânica do seu (pequeno) capital, que se
destina ao pagamento do capital variável, embora a massa de extração de mais-trabalho
seja inferior aos níveis praticados pelos setores produtivos. Não sendo possível,
portanto, acumular mediante o ciclo do capital, pois não basta produzir, é preciso
reproduzir o capital para que a acumulação aconteça. Observemos no gráfico 1 que as
microempresas apresentam um índice de mortalidade substancialmente superior às dos
outros portes.
Alguém pode questionar porque as MEI tem mortalidade inferior aos pequenos e
a causa principal, ao tomarmos o modo de produção capitalista, é que por trás do CNPJ
do MEI há um trabalhador desempregado ou informal que não tem outra alternativa
para subsistir é o caso do empreendedor por necessidade supra-abordado, isto é, não se
configura numa relação de D-M-D', trata-se, pois, da realização de alguma atividade de
baixa complexidade6 cujo rendimento vem do valor produzido pelo próprio trabalho e
vendido para outros trabalhadores; assim, quando encerram as atividades é porque não
conseguem sequer continuar desempenhando o trabalho que vinham fazendo. Nas
médias e grandes a perspectiva é outra, pois há capital investido, mas isso é outro
assunto. Marx, desde os Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, havia atinado
para a concorrência de forças desproporcionais entre pequenos e grandes que faz do
primeiro o equivalente a um trabalhador. Para ele
O pequeno capitalista, tem, portanto, a escolha: 1) ou consumir totalmente
(aufessen) o seu capital, posto que ele não pode mais viver dos juros;
portanto, deixar de ser capitalista; ou 2) montar ele próprio um negócio,
vender mais barato sua mercadoria e comprar mais caro do que o capitalista
mais rico e pagar um salário elevado; portanto, arruinar-se, dado que o preço
de mercado, mediante a pressuposta elevada concorrência, já está baixo
demais. Se, ao contrário, o grande capitalista quer derrubar o pequeno, tem
perante este último todas as vantagens que o capitalista, como capitalista, tem
perante o trabalhador. Os ganhos menores lhe são compensados através da
6
As 10 atividades com maiores registros no MEI são: Comércio de vestuário e acessórios; barbeiro,
cabeleireiro, manicure/pedicure; pedreiro; cozinheiro (marmitaria, salgados, doceria); lanchonete;
depilador, esteticista, maquiador; promotor de eventos; eletricista; vendedor ambulante de produtos
alimentícios (churrasqueiro, pipoqueiro, sorveteiro); panfleteiro, promotor de vendas. Conforme Central
do MEI disponível em https://centraldomei.com/top-10-cnaes-mais-utilizados-pelo-microempreendedor-
individual-mei/ Acesso em 21 jun. 2018.
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7
Em seus estudos mais desenvolvidos, em O Capital, especialmente no Livro II, Marx aponta que não a
vantagem do grande capitalista não é pela quantidade de capital, i.e., que não é uma questão de grandeza,
mas do ciclo de rotação que envolve tanto a produção quanto a circulação do valor.
8
“É uma organização global sem fins lucrativos com a missão de multiplicar o poder de transformação
dos empreendedores”. Seja lá o isso signifique.
9
Disponível em http://burocraciaparatudo.com.br/
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trabalhador por conta própria ou o tradicional pequeno empresário (estilo de vida) não
pode ser confundido com o empreendedor de alto impacto”, pois, a grande diferença
estaria na capacidade que o segundo tem de contribuir com o crescimento econômico.
Contudo, fica a dúvida: crescimento econômico de quem? Desse capitalista individual
(0,7% das empresas nacionais) ou do país? Seria o primeiro, e mesmo que fosse
crescimento econômico nacional, não seria possível afirmar que representasse um ganho
no desenvolvimento econômico, especialmente pelo capitalismo dependente existente
no Brasil. Mas, e quem ganha com a produção dessas startups?
Considerando que as políticas públicas de fomento ao empreendedorismo no
Brasil, em geral, se direcionam aos micros e pequenos negócios; que parte expressiva
desses negócios estão às margens da legalização estatal mas que estas empresas geram o
maior quantitativo de postos de trabalho da força produtiva, embora não sejam,
necessariamente, os responsáveis pelo crescimento econômico, qual o papel efetivo dos
micros e pequenos empreendedores, considerando que eles por um lado, exploram
outros trabalhadores e por outro lado, precisam fazê-lo em condições de competição
global? Para além de todo imbróglio dessa complexa relação que envolve o pequeno
empreendedor, o Estado e o grande empresário, afirmamos que a concorrência entre os
capitalistas individuais obscurece o movimento geral do capital, o deus mercado se
mostra como justo: reconhecendo os melhores e punindo os despreparados, e nisso a
luta de classes é dissolvida pois aparentemente não há mais classes, todos seriam
capitalistas.
Por isso, assim como em Dom Quixote, a cegueira não o permitiu visualizar que
não eram gigantes, eram moinhos de vento. Os MPE ao tentarem enfrentar a
concorrência no mercado lutam com as armas (e a tática) errada, pois a cegueira - a
atitude empreendedora -, em sua peleja diária pela sobrevivência torna-se um obstáculo
para sua práxis emancipatória, até mesmo para realização de seus "sonhos", o que não
impede que a agressão ao herói seja real e violenta (fechamento das empresas, perda de
dinheiro, tempo de vida dedicado ao capital). Entretanto, se o nosso Quixote - os MPE -
soubesse que o inimigo é outro - o Capital, talvez a luta se desse de outra maneira...
como no conto, o amigo Sancho Pança tenta intervir, que façamos o mesmo.
Referências
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Resumo
Este texto tem por objetivo contribuir com o estudo histórico das teorias administrativas
no Brasil e sua caracterização como ideologia, atuando na resolução de conflitos.
Concentrou-se especificamente na concreção do toyotismo na indústria nacional,
sobretudo no setor metalomecânico, e suas ressonâncias nas décadas finais do século XX.
Desse modo, constatou-se que diferentemente de outros complexos do pensamento
administrativo nas décadas anteriores como o taylorismo e o humanismo, o toyotismo
atuou dirimindo conflitos na particularidade brasileira. Isto se deu fundamentalmente por
intermédio da reestruturação produtiva e dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQ),
importantes para a regressão das pautas sindicais e enfraquecimento da luta sindical
evidenciada pela redução do número de greves num período que sucedeu o momento de
maior vulto do movimento sindical neste país, ao mesmo tempo em que outros elementos
como o direito (mais atuantes em outros momentos) diminuíram a participação nessa
resolução de conflitos.
Palavras-chave: Toyotismo, Materialismo, Ideologia, Sindicalismo
Abstract
This text aims at contributing to the historical study of administrative theories in Brazil
and its characterization as ideology, actuating in conflicts resolution. It was concentrated
especially on Toyotism concretion in national industry, mainly in the metalworking
sector, and its resonances on twentieth century final decades. Therefore, the research
showed that differently from other complexes of the administrative thought in past
decades, as Taylorism and Humanism, Toyotism did acted resolving conflicts in Brazilian
particularity. It happened, fundamentally, by means of productive restructuring and
Quality Control Circle (QCC), which were very important in the regression of union
agendas and in the weakening of union struggle emphasized by a decrease in number of
1
Agradecemos à FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais pelo apoio à
pesquisa que gerou o presente artigo.
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strikes in a period that followed the most massive moment of union movement in this
country. At the same time other elements such as the law (important in other moments)
decreased its participation in this conflicts resolution.
Keywords: Toyotism, Materialism, Ideology, Unionism
Introdução
As recentes pesquisas acerca da atuação das teorias administrativas como
ideologia no Brasil, privilegiando as evidências históricas probantes de sua efetividade
(ou ausência delas) (cf. PAÇO CUNHA; GUEDES, 2015; PAÇO CUNHA; GUEDES,
2017; PAÇO CUNHA et. al., 2017), têm dado fôlego a este velho e sempre renovado
problema, continuando o importante debate iniciado pelos clássicos da crítica marxista
da administração (TRAGTENBERG, 2005; MOTTA, 1984; FARIA, 2004). Recuperar,
historicamente, o traçado dessas teorias é fundamental para situar sua disseminação e
influência no Brasil e articulá-las às determinações econômicas e sociais sem que se faça
necessariamente alguma generalização que distancie o problema das suas bases reais.
A questão candente é demonstrar, por meio da pesquisa concreto-histórica, a
efetividade ou não de tais teorias, particularmente sobre os conflitos sociais no Brasil.
Como veremos adiante, um conjunto de ideias se convertem em ideologia quando são
acionadas por classes sociais no esforço de dirimir e dirigir, por assim dizer, os conflitos
sociais provenientes das condições basilares da sociedade capitalista. A presente linha de
investigação não se realiza pela nomeação, num plano mais teórico, das teorias da
administração como ideologia pelo fato de serem ideias interessadas que distorcem a
realidade (Tragtenberg é o melhor exemplo desse tratamento, cf. Paço Cunha; Guedes,
2015), mas privilegia os elementos probantes da conversão de determinadas ideias em
força material capaz principalmente de dissuadir temporariamente, claro, o conflito que
emana dos antagonismos classistas fundamentais.
Especificamente na presente exposição, pretende-se inquirir se o assim chamado
toyotismo atuou, na realidade brasileira, como ideologia. Não somente guiando a prática
das empresas, portanto, mas sendo um importante instrumento para a resolução dos
conflitos sociais, especificamente entre capital e trabalho. Para isso, elegemos o período
das décadas de 1980 e 1990, que compreenderam a introdução e o amadurecimento desse
ideário administrativo nas indústrias do ABC paulista, como o escopo temporal da
pesquisa. Entende-se também o setor industrial como aquele em que o modelo toyotista
de organização do trabalho é mais permeável e pode atuar de maneira mais profunda e o
ABC como a região mais prolífica da industrialização brasileira, logo, um laboratório
prático da introdução dessas técnicas no período. Em se falando de conflitos sociais, é
possível analisar a efetivação prática do toyotismo em conjunto com o movimento das
lutas operárias que dão o tom dos conflitos e que se materializam através de suas
expressões mais claras: as greves. Portanto, falar-se-á do toyotismo enquanto ideologia
caso ele tenha atuado na contenção dessas greves por ser um critério mais objetivo ainda
que não inteiramente suficiente e, por isso, deve ser complementado com outros aspectos
do próprio período investigado. Dessa forma, o objetivo foi determinar em que medida o
toyotismo se efetivou como ideologia nas indústrias do ABC paulista entre 1980 e 1990,
utilizando como critério básico o comportamento quantitativo das greves para o mesmo
período.
Como importantes recursos metodológicos, foram elementares para a realização
do estudo a avaliação qualitativa de materiais que contenham elementos da história desses
movimentos e da prática das indústrias no período estudado, bem como aqueles que se
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(...) verdade ou falsidade ainda não fazem de um ponto de vista uma ideologia. Nem um
ponto de vista individualmente verdadeiro ou falso, nem uma hipótese, teoria etc., científica
verdadeira ou falsa constituem em si e por si só uma ideologia: eles podem vir a tornar‑se
uma ideologia, como vimos. Eles podem se converter em ideologia só depois que tiverem se
transformado em veículo teórico ou prático para enfrentar e resolver conflitos sociais, sejam
estes de maior ou menor amplitude, determinantes dos destinos do mundo ou episódicos. Não
é difícil perceber isso no plano histórico (LUKÁCS, 2013, p. 467).
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Brasil, ao menos não até 1960 (cf. PAÇO CUNHA; GUEDES, 2017). Considerando que
até os anos de 1960 as teorias administrativas não apresentavam presença significativa na
própria prática das empresas, e, decerto, não se efetivaram como ideologia, cabe agora
debruçar-se sobre a década seguinte (1970), mais precisamente sobre a sua metade final.
De modo geral, é interessante acompanhar a argumentação de Fleury (1979), a
despeito do esquematismo que impõe algum purismo. Ao realizar pesquisa em empresas
de vários setores da Grande São Paulo, com a intenção de verificar o grau de
racionalização do trabalho, pôde colocar de maneira bem sintética o estágio de
desenvolvimento da organização do trabalho ao final dos anos 1970. Os resultados
mostraram que a forma organizativa das empresas pesquisadas, em geral, não se
enquadrava em nenhum modelo estabelecido nas principais correntes teóricas do
pensamento administrativo naquele momento. Designa então a forma de organização
encontrada nas empresas brasileiras como “rotinização” que “não permite a formação de
grupos e separa o planejamento de execução da tarefa até um nível conveniente”.
Contudo, “não estabelece a maneira ótima de produzir; não procede ao selecionamento e
desenvolvimento cientifico do trabalhador; não usa recompensas monetárias como fator
motivacional para aumentar a produtividade” (FLEURY, 1979, p. 24). Depreende-se
assim que, era possível, a esse tempo, falar em uma “racionalização” no principal centro
industrial brasileiro, não obstante suas debilidades em relação ao “taylorismo clássico”
(ou conceitualmente puro).
Se por um lado não houve a atuação da administração para dirimir conflitos
sociais, por outro a repressão do Estado, historicamente, atuou diretamente sobre as
organizações sindicais. Está posto exatamente o contexto de apoio do Estado para lidar
com a eclosão de movimentações contestatórias, o que apresenta resultados úteis ao
empresariado (FARIA, 1980; WEINSTEIN, 2000). Restringindo a amplitude dos
conflitos, desobriga esta fração do capital a oferecer qualquer resposta, como utilizar
práticas oriundas das teorias administrativas, por exemplo, para conter os conflitos. Elas,
portanto, no começo dos anos 1970, permaneciam adormecidas como nos períodos
anteriores em termos de atuação nos conflitos postos.
Todavia, no fim da década de 1970, observou-se o recrudescimento do movimento
sindical, no que ficou conhecido como “novo sindicalismo”. Em 1978, após a deflagração
da greve dos operários nas primeiras indústrias metalúrgicas no ABC Paulista, fica claro
que as empresas se apoiavam deliberadamente no Estado, apostando na repressão do
movimento para a sua resolução, ou no próprio ordenamento jurídico, uma vez que greves
eram ilegais. Mas, como elemento decisivo, havia também a disposição dos sindicatos a
negociar, o que se sobrepunha à inclinação dos operários para a luta e arrefecia os
movimentos, como asseverou Moura (2015). Na verdade, seguindo o autor, o elemento
definitivo que finalizou a greve consistiu no acordo que previa o aumento salarial aos
operários. Então a articulação de fatores como a repressão do Estado com o atendimento
de demandas dos sindicatos selou o fim daquelas contendas. Um prosseguimento do que
já ocorria nos anos anteriores, com a exceção de que neste ano a greve reuniu mais
trabalhadores de mais indústrias, denotando um movimento mais contundente.
No que toca a atuação do Estado, seja pelo aparato jurídico ou repressão policial,
é preciso ressaltar que justamente no ano de 1978, pouco tempo após o término da
primeira grande greve do ABC, há a publicação de um decreto presidencial, não muito
específico, que permitia às empresas cujas “atividades eram essenciais de interesse da
segurança nacional” (BRASIL, 1978) sancionar deliberadamente seus trabalhadores que
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aderissem às greves2. E isso englobava as indústrias que preenchessem esse critério pouco
específico, definido segundo a vontade do Presidente da República. É prudente ressaltar
que este dispositivo não se confunde com a lei antigreve, que já estava em vigor desde a
década anterior. Nota-se que as sanções eram determinadas juridicamente, mas para
serem aplicadas pela própria empresa sem a atuação direta do Estado. Desse modo, o
direito atuava na resolução provisória dos conflitos não apenas nas contendas judiciais ou
pelos braços da polícia, mas também no âmbito interno das empresas. Inclusive, é
justamente em meio à greve de 1979 que se deu o desencadeamento de um grande
contingente de demissões nas indústrias do ABC após a trégua de quarenta e cinco dias,
como explicou Moura (2010), mesmo havendo o acordo de que não haveria demissões
durante a trégua. O desfecho de 1978, em verdade, também foi o que marcou a greve
geral de 1979, que, embora tivesse sido ainda maior, alcançando a mobilização nas ruas
e mais de 200 mil trabalhadores, significou, para estes, uma regressão na luta tendo em
conta seus resultados negativos como a obrigação que impeliu os trabalhadores a pagarem
pelos dias parados, como parte do acordo com o empresariado. Ainda segundo o autor, a
resposta repressiva despontava cada vez mais como uma força para conter os confrontos
o que culmina na própria prisão dos operários em greve e a proibição de manifestações
públicas por parte dos grevistas, como sublinhou o autor supracitado. Aqui também, o
ponto conciliatório se apresenta de maneira diferente, uma vez que comissões de fábrica
independentes conseguem se impor mais e rejeitar algumas propostas de encerramento da
greve colocadas pelos sindicatos, o que não evita o acordo ao final. Moura (2010) ainda
mostra que esse panorama se repete também nas movimentações de 1980, sendo assim o
aspecto mais marcante desse período de retomada da mobilização operária no país.
A repressão policial atuou por diversos momentos durante essas greves, e foi
capaz de frear muitas movimentações dos trabalhadores, inclusive atuando
preventivamente nas fábricas a pedido dos empresários. Além de, evidentemente, existir
essa atuação policial a pedido dos empresários, havia também, nas empresas, guardas
armadas e numerosas não necessariamente mantidas pelas empresas, mas por elas
utilizadas para, por exemplo, obrigar trabalhadores parados a retomar o trabalho. Essas
ações também se davam no entorno das empresas
2
As sanções, chegavam até a demissão, dando total liberdade para a empresa: Art. 3º Sem prejuízo das
sanções penais cabíveis, o empregado que participar de greve em serviço público ou atividade essencial
referida no artigo 1º incorrerá em falta grave, sujeitando-se às seguintes penalidades, aplicáveis individual
ou coletivamente, dentro do prazo de 30 (trinta) dias do reconhecimento do fato, independentemente de
inquérito: I - Advertência; II - Suspensão de até 30 (trinta) dias; III - Rescisão do contrato de trabalho, com
demissão, por justa causa (BRASIL, 1978).
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Em 1981, os operários e operárias da Ford decretam uma importante greve. Em 1983 tem-se
a primeira greve geral da década, a segunda greve geral é deflagrada em 1986, seguida por
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uma terceira em 1987 e por fim a quarta greve geral em 1989. Em 1988 tem-se uma
importante greve com ocupação e enfrentamento armado com o exército na Companhia
Siderúrgica Nacional. Esta greve é seguida pelas greves com ocupações da Belco-Mineira e
da Mannesmann em 1989 (MOURA, 2010, p. 12).
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impostos e exclusão dos incentivos fiscais, redução dos gastos públicos, substituição da
indexação mensal de salários por um índice prefixado, uso de taxa de câmbio flutuante e
o confisco das aplicações financeiras (CONCEIÇÃO, 2006). Gerou-se, no entanto, uma
crise de liquidez que repercutiu negativamente sobre a atividade industrial, pois como
pôde ser visto nas Tabelas 1, 2 e 3, nos primeiros anos da década de 1990 há
simultaneamente a depressão nos níveis de produtividade e emprego, além da maior baixa
na taxa de investimento em capital fixo.
As medidas econômicas de principal relevância nessa transição de década são os
planos de desenvolvimento estratégico das indústrias, em especial o Programa Brasileiro
de Qualidade e Produtividade (PBQP) (SANTOS, 2015). Este tinha, entre seus objetivos,
não apenas a simples transposição das técnicas passadas à técnica japonesa, mas
modificar a relação de confronto entre trabalhadores e capital, para uma relação de
pretensa cooperação. Ademais, os próprios sindicatos demonstravam sensível
potencialidade para a negociação com sua adesão às câmaras setoriais. Essas câmaras
eram instâncias de debates que envolviam governo, capital e trabalho, buscando soluções
para os problemas enfrentados pelo empresariado nacional com a liberalização da
economia e o acirramento da competitividade, durando até 1995 (ANDERSON, 1999).
Entendidos esses, obviamente, como problemas que, quando resolvidos, favoreceriam
não só ao capital, mas a todos os envolvidos. Por conseguinte, na prática, evidentemente,
a igualdade formal nessas instâncias se desfazia. Nos acordos firmados nas câmaras do
setor automotivo, por exemplo, a grande maioria dizia respeito às pautas importantes para
o empresariado como a queda de impostos, o incentivo ao consumo dos automóveis
produzidos em território nacional e financiamento da produção por bancos públicos
(ANDERSON, 1999). Pautas de trabalhadores eram minoritárias e apareciam em
demandas protocolares de aumento de salários. De forma precisa, podemos acompanhar
que “Pode-se, ainda, questionar o potencial democrático desse tipo de instrumento
analisando-se a capacidade de intervenção dos sindicatos na elaboração de políticas
públicas, já que grande parte das questões de interesse dos trabalhadores (vale dizer, as
propostas de longo prazo) não foi resolvida” (GALVÃO, 1998, p. 91. Há também um
importante sinal da fragmentação das lutas, pois as câmaras eram divididas em setores da
metalurgia. No entanto, aqueles firmados no setor automotivo foram expandidos aos
outros inadvertidamente, sem necessariamente se considerar suas especificidades. E isto
aconteceu com o aval do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, que não se
movimentou em relação aos setores excluídos:
as empresas tentavam reajustar os salários e dar o aumento real apenas para os trabalhadores
dos grupos contemplados na câmara setorial, montadoras e autopeças, excluindo outros,
como máquinas e eletroeletrônicos. Embora tenham cedido reajustes até outubro de 1992,
somente trabalhadores das montadoras e da indústria metal-mecânica obtiveram o aumento
real. Coube ao SMABC apenas sugerir que os operários das outras indústrias mantivessem a
mobilização, para conseguirem semelhantes benefícios (SANTOS, 2015, p. 94-5).
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apassivadora e que não encontra solução para a fragmentação das lutas, seguindo, na
verdade, um movimento contrário, de aliança desvelada com o próprio capital.
Para superar os efeitos da recessão profunda, durante a década, houve o incentivo
para as empresas implementarem novas medidas de administração, de reestruturação
produtiva sendo a indústria automotiva o principal objetivo dos entes federativos.
os programas que visavam subsidiar a modernização das indústrias tinham como objetivo dar
as condições institucionais para que as empresas adotassem o novo modelo de produção,
espelhado nas novas formas de gestão da produção japonesa, que se difundira para os países
centrais, sendo responsável pela redução dos custos de produção e considerável aumento da
produtividade (SANTOS, 2015, p. 87).
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manutenção a fábrica com menor corpo efetivo de operários. Nesse sentido, Lima (2002)
destaca que havia, inclusive nas fábricas da Toyota no Brasil, importantes disparidades
salariais entre as unidades de Indaiatuba (região de Campinas) e São Bernardo do Campo.
Depreende-se assim que o toyotismo entrou no Brasil por intermédio de sua atuação em
empresas do ABC, mas se consolidou efetivamente com o impulso governamental fora
dele, nas unidades fabris que se instalavam no decorrer dos anos 1990, tendo o ABC
absorvido seus impactos mais tardiamente.
Isto, contudo, não significa que o ABC passou ileso à consolidação toyotista no
Brasil. O que pode ser acompanhado, por exemplo, na Tabela 5, que representa esse
processo ao demonstrar, através dos anos, como a consolidação de um novo modelo de
produção pressiona os custos com mão de obra aliada às políticas governamentais (como
a aceleração da abertura as importações, as medidas fiscais e monetárias restritivas)
influenciaram diretamente no aumento do desemprego. Principalmente, pela redução de
postos de trabalho na região do ABC paulista, como podemos observar a seguir:.
Nível de
Massa salarial
Produção anual (em emprego
versus receita
unidades) líquida em (%)
Por
Ano Total empregado (média anual)
1980 1.179.419 8,80 133.641 18,60
1981 780.883 6,60 118.776 19,60
1982 859.295 7,80 109.780 18,40
1983 896.469 8,30 107.493 16,10
1984 864.654 8,10 106.618 13,00
1985 966.708 8,10 119.357 13,60
1986 1.056.332 8,30 127.133 17,30
1987 920.071 7,70 120.121 12,30
1988 1.068.756 9,40 114.019 10,10
1989 1.013.252 8,80 114.955 10,10
1990 914.466 7,70 118.183 11,00
1991 960.219 8,70 110.954 12,50
1992 1.073.861 10,00 107.682 10,40
1993 1.391.435 13,10 106.227 8,80
1994 1.581.389 14,80 106.613 12,90
1995 1.629.008 15,10 107.874 10,20
1996 1.804.328 17,40 103.545 9,40
1997 2.069.703 19,60 105.641 8,50
1998 1.573.106 16,10 97.452 8,70
1999 1.345.515 15,9 84.632 8
Fonte: RODRIGUES, 2002, p. 145
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modo a noção de hierarquia, como os próprios CCQs objetivavam. O trabalhador por sua
vez, temendo os altos índices de desemprego, opta pela colaboração dentro da fábrica e
recusa envolvimentos com sindicatos, levando em consideração, como mostrou Santos
(2015), o risco de se juntar a uma instituição ineficiente em termos de movimento
combativo, se submetendo assim as mazelas geradas pelo modelo enxuto de produção.
A queda no quantitativo de greves é um aspecto importante que mostra um refluxo
do movimento operário no ABC na década de 1990. Mas é ainda mais notória a redução
das pautas defendidas pelos sindicatos, que se voltaram às questões mais específicas, e
certamente mais restritas, do cotidiano laboral. A agenda sindical
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A resistência dos sindicatos, apontada como um dos fatores que mais afetou o
desenvolvimento dos Círculos nas organizações brasileiras na década passada, não foi
considerada uma oposição relevante nos casos estudados. Mesmo outros fatores, como a crise
econômica e as demissões, citados na literatura como um impedimento à consolidação do
CCQ nas empresas durante a década de 80, parecem não se ter constituído em obstáculo ao
seu desenvolvimento na visão das empresas (FERRO; GRANDE, 1997, p. 84).
Considerações finais
A década de 1990 é o período em que, de fato, “medidas toyotistas” (não puras)
encontram condições materiais amplamente favoráveis para penetrar profundamente as
raízes da indústria e do capital brasileiros. Os indicadores econômicos apontavam a
tendência para a acentuação da exploração do trabalhador, ainda que não necessariamente
concorrente com o aumento da taxa de investimento que se manteve oscilante,
sublinhando o caráter defensivo do toyotismo pelo capital produtivo nacional. Os
sindicatos e o movimento operário em geral perdem a força, principalmente pela
fragmentação das lutas, com as unidades fabris sendo pulverizadas, a produção
horizontalizada, desconcentrando a localização dos trabalhadores e ocorrendo a própria
diminuição do quantitativo de operários. Há também a opção de luta através de instâncias
de debates, evidentemente conservadoras e que permitem menor participação aos
trabalhadores. Esses pontos relacionados aos sindicatos configuram uma atuação do
toyotismo como ideologia, primeiramente por serem produto da atuação da reestruturação
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21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo, dentro de seus limites, compreender a
relação existente entre o pensamento de Karl Marx e a tradição romântica. Para tanto,
utilizará dos debates do velho mouro sobre a situação das comunas rurais na Rússia e da
interpretação que o sociólogo brasileiro/francês Michael Lowy faz desses escritos de
Marx associando-os a uma espécie de “romantismo revolucionário”. No plano de fundo
desse objetivo central, o presente trabalho compreende também o desenvolvimento do
interesse de Marx tanto pela literatura sobre as comunas rurais russas quanto pelos
aspectos sociais daquele país.
Palavras Chave: Marxismo; Romantismo; Pré-Capitalismo; Via Russa
Abstract: This work has as its objective, within its limits, to understand the relation
existing between the thought of Karl Marx and the romantic tradition. To do so, he will
use Marx's debates about the situation of rural communes in Russia and the interpretation
that the Brazilian/French sociologist Michael Lowy makes of these writings of Marx
associating them with a kind of "revolutionary romanticism." In the background of this
central objective, the present work also includes the development of Marx's interest in the
literature on Russian rural communes and also on the social aspects of that country.
Keywords: Marxism, Romantism, Pré-capitalism, Russian Road
1
A primeira publicação dos rascunhos e das cartas está na obra Dilemas do Socialismo: Marx, Engels e os
Populistas Russos, de 1982 sob organização de Rubem César Fernandes pela editora Paz e Terra.
Recentemente, foi publicada também na recém publicada Marx e a via Russa, de Teodor Shanin, que
contém, dentre outros textos, os rascunhos e cartas de Marx a Zasulitch.
2
“Podemos dividir a organização da obra Lutas de Classes na Rússia em três partes: a primeira com a
Literatura de Refugiados V, que reúne textos de Engels publicados em 1875 (...) A segunda parte da obra
podemos atribuir à Carta à redação da Otechestvenye Zapiski – relevante revista de São Petersburgo
alinhada aos populistas russos – de autoria de Karl Marx, com a intenção de ser enviada à redação da revista.
(...) A terceira parte de Lutas de Classe na Rússia diz respeito ao debate de Marx com a revolucionária Vera
Ivanovna Zasulitch, integrante do grupo revolucionário russo “Emancipação do Trabalho”. Na edição, o
texto que antecede a discussão entre os revolucionários é uma introdução produzida por David Riazanov2
com o título “Vera Zasulitch e Karl Marx” (ÁLVARES, 2015).
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Michael Löwy – cujo título é Dialética revolucionária contra a ideologia burguesa de
“Progresso” [marcação do autor] – à obra Luta de Classes na Rússia. Para Löwy, a partir
dos textos de Marx sobre a Rússia é possível encontrar
Löwy desliza em cada elemento dessa passagem: nem se trata de uma “dialética
tipicamente romântico-revolucionária entre o passado e o futuro”, nem esses autores
produziram “trabalhos sobre o comunismo primitivo”, nem Maurer e Morgan eram
“românticos” e tampouco esses dois aurores foram “frequentemente” citados por Marx e
Engels. O desenvolvimento desse trabalho apresentará contraposições a cada elemento
dessa passagem de Löwy. Mas, para isso, é necessário compreender o que Lowy entende
enquanto “romantismo-revolucionário”.
No ano de 1992 veio a público a obra Révolte et Mélancolie: le romantisme à
contre-courant de la modernité, de autoria do sociólogo aqui em questão, Michael Löwy,
juntamente com o linguista Robert Sayre3. Tal obra propõe uma interpretação mais
abrangente do romantismo não o reduzindo meramente a uma corrente literária-artística
– o que já não seria pouco – como também o apresentando como um movimento de
resistência e reação ao modo de vida na sociedade capitalista moderna (LOWY; SAYRE,
2015, p.38). Lowy e Sayre elaboraram uma extensa tipologia desse movimento, “variando
da direita para a esquerda do espectro político” (LOWY; SAYRE, 2015, p.85-86),
distinguindo-o entre: 1) Restitucionista; 2) Conservador; 3) Fascista; 4) Resignado; 5)
Reformador; 6) Revolucionário e/ou Utópico4.
A peculiaridade dessa tipologia, “foi também estabelecer, no interior do
romantismo “Revolucionário e/ou Utópico”, suas diversas tendências: a) Jacobino-
democrática; b) Populista; c) Socialista utópico-humanista; d) Libertária; e) Marxista5.
Para Löwy (2015, p.112-113) – e Sayre, embora certamente essa é uma
abordagem do sociólogo, afinal está presente em outras de suas obras – o que distingue o
romantismo-revolucionário-marxista de outras correntes com sensibilidade romântica é a
preocupação central com alguns problemas essenciais do marxismo, a saber: “a luta de
classes, o papel do proletariado como classe universal emancipadora, a possibilidade de
utilizar as forças produtivas modernas em uma economia socialista”, entre outros
aspectos. E assim, cita alguns autores que, pela visão dos autores, compartilhariam dessa
abordagem romântica-revolucionária-marxista, dentre eles: E. P. Thompson, Raymond
Williams, György Lukács, Ernest Bloch, Walter Benjamin, Marcuse, Lefebvre, e William
Morris (esse que seria seu exemplo mais autêntico). Mas para além desses intelectuais,
Löwy e Sayre dedicam todo um capítulo de Revolta e Melancolia ao suposto romantismo
de Marx.
3
As edições brasileiras são duas: em 1995 pela Paz e Terra; e em 2015 uma reimpressão pela Editora
Boitempo.
4
Com exceção do tipo “Revolucionário e/ou Utópico”, o presente artigo não se aprofundará nas demais
tendências, afinal, a análise do romantismo como um todo não é o objeto desse artigo. Para mais, vide:
LOWY, Michael; SAYRE, Robert. Revolta e Melancolia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015, p.85-112.
5
Com exceção do tipo “Revolucionário e/ou Utópico”, o presente trabalho não pretende se aprofundar nas
demais tendências do romantismo de Löwy e Sayre, afinal, a análise desse movimento como um todo não
é o objeto desse trabalho. Para mais, vide: LOWY, Michael; SAYRE, Robert. Revolta e Melancolia. São
Paulo: Boitempo Editorial, 2015, p.85-112.
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Para fins de compreensão, consideremos que exista um amálgama no que se
refere às assim chamadas “fontes do marxismo”. A literatura marxista, a partir de Engels,
atribuiu a três as fontes importantes que influenciaram o pensamento de Marx: o
Idealismo Alemão, o Socialismo Utópico Francês e a Economia Política Inglesa. Para
Michael Löwy, existe uma quarta fonte que influencia o pensamento de Marx, o
Romantismo6. Essa influência do pensamento romântico no trabalho de Marx teria
ocorrido desde os primeiros trabalhos do velho mouro, embora Löwy admita que “após
converter-se à dialética hegeliana, ao materialismo e à filosofia da práxis (1840-1845),
Marx rompe com esse primeiro romantismo juvenil” (2015, p.120). Até mesmo Löwy
sabe muito bem que “no Manifesto Comunista (1848), Marx taxa de “reacionário”
qualquer sonho de voltar ao artesanato ou a outros modos pré-capitalistas de produção”
(p.120). Entretanto, independentemente dessa análise dos primeiros anos de produção
teórica de Marx, Löwy ainda admite uma influência do pensamento romântico em Marx:
6
Em Revolta e Melancolia, Löwy afirma que “o romantismo é uma das fontes esquecidas de Marx e Engels,
uma fonte que talvez seja tão importante para o trabalho deles quanto o neo-hegelianismo alemão ou o
materialismo francês” (2015, p.120-121). Além dessa passagem, Löwy afirma categoricamente em um
vídeo que considera o Romantismo como a quarta fonte de Marx, Engels e do pensamento marxista. Vide:
https://www.youtube.com/watch?v=oIT1Oho1srk. Teodor Shanin também não escapa desse “amálgama”
em apontar que, em sua visão, existe também uma quarta influência ao pensamento de Marx, mas, diferente
de Lowy, Shanin se refere ao populismo russo (SHANIN, 2017, p.52)
154
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o partido comunista (p.68-69). Percebam que a Rússia sequer foi mencionada nessa seção.
Existe, entretanto, um motivo.
O prefácio à edição russa do Manifesto Comunista de 1882, assinado por Marx
e Engels, é um documento especialmente interessante. Esse trabalho, de apenas seis
parágrafos, constitui, para Kevin Anderson (2010, p.197), como a única publicação de
Marx que estava em consonância com os trabalhos que o velho mouro vinha
desenvolvendo no decorrer da década de 70 e início da década de 80 do Século XIX até
sua morte, sobre sociedades pré-capitalistas para além da Europa ocidental7. A Rússia
passou por transformações significativas desde a publicação do Manifesto em 1848 até o
prefácio à edição russa do Manifesto, já em 18828. E essas transformações foram
ressaltadas pelo prefácio, que exprimia o fato de que, na época da publicação original do
Manifesto, “a Rússia se constituía na última grande reserva da reação europeia”; era a
Rússia um dos países que “proviam a Europa de matérias-primas, sendo ao mesmo tempo
mercado para venda de seus produtos industriais” e, de uma maneira ou de outra, era pilar
da ordem europeia vigente (MARX; ENGELS, 2010, p.73). Mas foi após a publicação do
Tomo I de O Capital que a Rússia figurou como um elemento determinante na vida de
Marx, não apenas pelo interesse teórico que aquele país de dimensões continentais
possuía, como também um interesse político, afinal, Marx era o responsável dentro do
Comitê Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores de estabelecer relações com
a Rússia.
Teodor Shanin aponta para quatro eventos que aparecem como marcos na
experiência política e intelectual para o pensamento de Marx no período pós publicação
de O Capital (ou seja, após 1867): O primeiro, a Comuna de Paris, de 1871, que ofereceu
uma lição dramática e um tipo de poder revolucionário nunca visto antes; segundo um
grande avanço no campo da produção de conhecimento, que foi a descoberta da “pré-
história”, que trouxe as sociedades “primitivas” para dentro de um espaço de estudos
históricos e etnológicos; terceiro a ampliação do conhecimento das sociedades rurais não
capitalistas inseridas em um mundo capitalista; e quarto a Rússia e os russos deram a
Marx uma potente combinação: a rica evidência sobre as comunidades rurais e a
experiência revolucionária direta, tudo isso junto com a teoria e a prática do populismo
revolucionário russo (SHANIN, 2017, p.31).
O desenvolvimento dos estudos de Marx sobre a Rússia se deu,
concomitantemente, ao desenvolvimento do capitalismo naquele país.
Naquela época, ao passo em que Marx desenvolvia suas investigações, por volta
de 3/5 das terras cultiváveis da Rússia europeia estavam nas mãos das comunas
camponesas. O modo de funcionamento da divisão da propriedade nessas comunas se
7
Mesmo assim, com uma peculiaridade que não pode deixar de ser notada, como demonstra a japonesa
Haruki Wada: “o manuscrito do prefácio, marcado ‘Londres, 21 de fevereiro de 1881, foi rascunhado por
Engels; Marx fez apenas uma correção mínima e colocou sua assinatura. Diante do fato de que o manuscrito
que temos hoje tem uma passagem no fim que foi escrita uma vez, rasurada, e não reescrita, é possível vê-
lo como uma cópia limpa que Engels transcreveu ainda de outro manuscrito. Todos esses fatores nos levam
a concluir que Marx, que estava desanimado na época, pediu a Engels para fazer um rascunho e o assinou.
Que Marx não ficou totalmente satisfeito com o resultado pode ser deduzido da carta que ele mandou a
Lavrov com o manuscrito: ‘se esta peça, que é para a tradução do russo, for para ser publicada como está,
em alemão, ainda precisa de toques finais em seu estilo’” (2017, p.116). Mesmo o único texto produzido
por Marx como resultado das investigações finais de sua vida é dotado de uma complexidade quanto à sua
produção.
8
Interessante adensar a esse ponto, o fato de que os estudos russos que Marx avançou até ali, “foram
interrompidos por um tempo considerável pela Comuna de Paris e, depois da derrota, pela luta interna
dentro da internacional. Foi só depois do congresso de Haia de setembro de 1872 que ele voltou à teoria e
à questão russa” (WADA, 2017, p.84)
155
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conformava da seguinte maneira: cada família detinha apenas um pequeno pedaço de
terra, que concernia a uma casa e um jardim, além de seus animais e equipamentos. O uso
da terra cultivável era atribuído para uma família pela comuna em termos de longo prazo,
os prados eram redefinidos todo ano e com frequência eram trabalhados coletivamente.
Já os pastos e florestas eram de uso comum. Muitos serviços vitais eram realizados
coletivamente: o pastoreio da aldeia, as guardas locais, o cuidado com os órfãos, entre
tantos outros. A divisão dos cargos eram decididas através de uma assembleia dos chefes
de família. Em grande parte dessas comunas, essa assembleia era também responsável
por dividir, periodicamente, as terras cultiváveis entre as famílias. (SHANIN, p.38-39)
Durante toda a extensão da década de 70, bem como do início da década de 80
do Século XIX até sua morte, Marx investigou extensamente a literatura russa - sobretudo
no que concernia à questão da propriedade comunal da terra. O próprio Marx relatou que
em sua biblioteca continha aproximadamente 200 livros no idioma russo9, o que é
impressionante considerando o fato de que no início do ano de 1870 Marx sequer tinha
domínio sob tal idioma. O ponto de partida para que Marx aprendesse o idioma russo se
deu devido ao fato de que seu amigo Nicolai Danielson (1844-1918), importante populista
russo e um dos principais expoentes do marxismo naquele país, presenteou Marx com a
obra A situação da classe operária na Rússia, de autoria de Flerovsky, em outubro de
1869. Relatos datam que em fevereiro do ano seguinte Marx já iniciara suas investigações
sobre o livro russo. Em carta a Engels no dia 10 de fevereiro de 1870, Marx afirma que
“em qualquer circunstância, esse é o livro mais importante que apareceu desde o seu A
situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, em referência ao livro de Engels de 1844
(SAYER, 2017, p.211-212). Também em uma carta a Engels, nessa mesma época, a
esposa de Marx mencionou que “ele começou a estudar russo como se fosse uma questão
de vida ou morte”, e, assim, aliando “o útil ao agradável”, o modo pelo qual se deu o
aprimoramento de Marx junto ao idioma foi através de leituras de autores que debatiam
tais temas, como Herzen e principalmente Tchernichevski.
Na edição francesa de O Capital algumas modificações ocorreram na exposição
final da obra, provavelmente em função dessas novas leituras. Foi retirado, por exemplo,
o “assim chamado” do título do capítulo 24 de O Capital, constando apenas o Acumulação
Primitiva. Além disso, foi suprimida uma nota na qual Marx criticava Herzen, autor russo
que se alinhava com as perspectivas do conhecido grupo Populistas Russos. Também,
uma das passagens clássicas do capítulo 24 foi substituída. Onde se lia que:
Passou-se a ler:
9
“[após Marx retornar a] Londres, compila a lista dos ‘livros russos em minha estante’ – perto de 200
títulos” (SAYER, 2017, p.241).
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Uma implicação óbvia dessa correção é que a forma inglesa de expropriação dos
camponeses é aplicável apenas à Europa ocidental, ou seja, a Europa oriental e a Rússia
poderiam ter um desenvolvimento diferente (WADA, 2017, p.88). No ano de 1877 veio
a acontecer a guerra russo-turca, o que deu aos socialistas a esperança de desencadear
uma revolução na Rússia. Essa expectativa pode ser notada, por exemplo, em uma carta
que Marx enviou a Sorge, no dia 27 de setembro daquele ano, dizendo:
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concernia às suas características coletivas. Se não houvesse uma reinvenção desse modo,
não se trataria de uma perspectiva revolucionária, afinal, como o próprio Marx menciona,
“não é do passado, mas unicamente do futuro, que a revolução social do Século XIX pode
colher a sua poesia” (MARX, 2011, p.28). Ao tempo em que a perspectiva de Löwy do
anticapitalismo romântico busque um retorno às formas que precederam o capitalismo,
uma dura conclusão aqui já nos é inevitável, a saber: “romantismo-revolucionário” nada
mais é do que um oximoro.
A compreensão do romantismo em Löwy não parte do modo pelo qual esse
movimento se conforma na realidade, mas sim de uma suposição ideal do que o autor
acredita que esse movimento é. O movimento romântico, em Löwy, aparece como um
modelo acabado na medida em que, a partir desse modelo, são incluídos, ou não, autores
que estudam determinados assuntos ou que, em seus textos, apresentam determinadas
influências que se aproximam da sua perspectiva romântica. É importante mencionar,
nesse aspecto, como já salientava Marx e Engels (2010, p.119), que “o método
materialista se converte em sua antítese quando é utilizado não como fio condutor na
investigação histórica, mas como um modelo acabado a que há que adaptar os fatos
históricos”. Dessa forma, ao considerar o mero interesse de investigação em formas pré-
capitalistas como uma prática romântica, Löwy abre o precedente para considerarmos não
só que existe uma vertente romântica no pensamento de Marx como também que, a
antropologia, em si, seria um campo de conhecimento essencialmente romântico. A
história, consequentemente, também seria. O marxismo, que em grande medida busca a
gêsese do objeto ao rastrear o seu nexo interno, também teria sua vertente romântica. Esse
que vos fala, mesmo ao criticar o romantismo como intuito desse texto, seria um
romântico por estar interessado em investigar as formas pré-capitalistas no pensamento
de Marx. Cairíamos portanto em um círculo vicioso ao caracterizarmos tudo como
romântico, exceto o que não é. Quando Löwy caracteriza toda a extensão dos movimentos
que se opõem à modernidade como “românticos”, ele se assemelha à ironia que Jorge
Luis Borges (2000, p.76) traz ao mencionar a enciclopédia chinesa do doutor Franz
Kuhn, um modo curioso de classificação dos animais que se dividiriam em categorias,
dentre elas, “os que estão incluídos nessa classificação” e os “etcétera” (os que pertencem
ao imperador, e os que de longe parecem moscas).
Por isso que, embora Marx constate que Sismondi – o mais renomado dos
economistas românticos clássicos – tenha identificado contradições no modo de produção
capitalista, essa constatação não impossibilitou que, no Manifesto Comunista, Marx
critique especificamente o chamado “socialismo pequeno-burguês”, principalmente
através da figura de Sismondi. É interessante notar que na seção “literatura socialista e
comunista” do Manifesto, o tópico que mais se assemelha à crítica romântica é esse
mencionado, o “socialismo pequeno-burguês” – mesmo porquê é o tópico em que o nome
de Sismondi é citado. Porém a abrangência que Löwy deu a sua concepção de
Romantismo faz com que o assim chamado “socialismo feudal”, também criticado por
Marx, esteja incluído nas concepções de romantismo revolucionário do sociólogo
brasileiro/francês, afinal, a partir da “velha fraseologia da restauração”, Marx e Engels
(2010, p.59-60) apresentam que o surgimento do socialismo feudal se deu “em parte
lamento, em parte pasquim; em parte ecos do passado, em parte ameaças ao futuro” e “se
por vezes a sua crítica amarga, mordaz e espirituosa feriu a burguesia no coração, sua
impotência absoluta em compreender a marcha da história moderna terminou sempre
produzindo um efeito cômico”. Ao tempo em que Löwy agrega o socialismo pequeno-
burguês junto do socialismo feudal como se ambos fizessem parte do assim chamado
“romantismo revolucionário”, Marx e Engels, em uma seção do Manifesto na qual o
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intuito era exatamente criticar a literatura socialista, atribuiu a essas duas formas a
alcunha de “socialismo reacionário”.
Marx produziu intermináveis passagens críticas ao romantismo. Nos Grundrisse,
em uma passagem que é importante a Lukács para sua crítica ao anticapitalismo
romântico, Marx diz que:
Já em O Capital, Marx faz duras críticas aos românticos Adam Müller – o chama
de “romântico sicofanta” (MARX, 2013a, p.1158) - e Edmund Burke – novamente, “esse
sicofanta, que a soldo da oligarquia inglesa desempenhou o papel de romântico contra a
revolução francesa” (p.1482). E mesmo se considerarmos o ponto de vista – equivocado
– de Löwy de que Lewis Morgan seja um pensador romântico, Marx, inclusive nos
próprios rascunhos à Vera Zasulitch, remete a Morgan como “um autor norte-americano
nem um pouco suspeito de tendências revolucionárias e que em seus trabalhos contou
com o apoio do governo de Washington” (MARX, 2013b, 2013, p.91). As críticas de
Marx ao romantismo é um trabalho ainda a ser feito. E será árduo a quem o realizar,
afinal, suas considerações críticas partem desde um texto de juventude como O manifesto
filosófico da escola histórica de direito, de 1842, até as formulações críticas que podem
ser extraídas em suas últimas investigações. Mas, por hora, algumas observações já
podem ser obtidas até então.
Considerações finais
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contrapartida, procurou se distanciar, em toda a extensão de sua obra, dessa perspectiva.
E nesse aspecto, nenhuma outra evidência no que diz respeito à diferença de abordagem
desses autores, fica tão bem expressa quanto nos textos em que Marx tratou da Rússia, e
na interpretação que Michael Löwy faz desses textos de Marx.
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Resumo
O objetivo do artigo é demonstrar que o processo de acumulação atrófica no Brasil
tornou-se impeditiva, pelo menos até 1950, de formas de organização do trabalho no setor
têxtil orientadas para a intensificação do trabalho por meio de expedientes como o
taylorismo e o fordismo. Ao analisar os indicadores da acumulação de capital para o setor
têxtil, verifica-se simultaneamente crescimento da composição técnica do capital embora
queda na produtividade do capital e da força de trabalho.
Palavras-chave: acumulação; setor têxtil; organização do trabalho.
Abstract
The objective of this paper is to show that an atrophic accumulation process in Brazil
become restrictive, at least until 1950, to forms of organization of labor based on labor
intensification through means as Taylorism and Fordism. Analyzing some capital
accumulation data of textile sector, we can see simultaneously a technical composition of
capital growth despite of a downgrade of capital and labor productivity.
Keywords: accumulation; textile sector; organization of labor.
1. Introdução
O presente trabalho apresenta um estudo acerca da acumulação de capital no
Brasil, particularmente no setor têxtil, procurando contribuir para o debate acerca da
organização do trabalho.
Conforme mostraremos na próxima sessão, o debate a respeito das influências do
taylorismo e do fordismo na primeira metade do século XX esbarra na dificuldade de
acesso direto às modalidades de organização do trabalho e, por isso, limita-se no mais das
vezes ao discurso do empresariado daquele período.
A contribuição principal do artigo é explorar a unidade entre, de um lado, a base
técnica e a organização do trabalho e, de outro, o processo de acumulação ao fundo. Uma
vez que o acesso a dados diretos é impedido concretamente, propõem-se uma inversão,
investigando o estágio da acumulação de capital como condição de possibilidade para
mudanças técnicas que, por sua vez, condiciona a organização do trabalho. O argumento
principal está baseado nessa relação de modo que a investigação do estágio de
acumulação tem muito a dizer sobre as possibilidades das condições técnicas e do
trabalho. Nesse sentido, a pesquisa é precipuamente baseada em dados da economia
brasileira extraídos do IBGE e de fontes secundárias como pesquisas já realizadas.
Para levar o objetivo adiante, dividiu-se a exposição em quatro partes além desta
curta introdução. Na primeira está contida uma problematização dos elementos aqui
1
Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG pelo apoio
financeiro ao projeto que gerou o presente artigo.
162
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2. Problematização
Qual foi a medida da conversão das teorias da administração em força material no
Brasil? Essa é uma questão que permeia, direta ou indiretamente, considerável volume de
estudos que circulam entre as áreas da administração e da história, com diferentes
inclinações e graus de investida sobre a realidade concreta.
A começar pela literatura atinente à história, pode-se destacar pelo menos duas
tendências.
Uma primeira tendência é o estudo historiográfico realizado por diferentes
pesquisadores interessados, em geral, pelo assim chamado processo de “racionalização”
levado adiante no Brasil a partir dos anos de 1920. É o caso de Antonacci (1993) e Rago
(1985), por exemplo, que, ao investigarem o ideário do empresariado no período,
identificaram ampla disseminação de aspectos do taylorismo. A limitação está no próprio
objeto analisado, pois o fato da disseminação no ideário do empresariado, embora seja
uma pista, não significa que a realidade se conformasse a ele. Uma segunda tendência
enfatiza o esforço do empresariado em estabelecer um fordismo no Brasil (cf. Vianna,
1978). No geral, possui uma tentativa ainda limitada ao plano do ideário do empresariado,
mas, ao contrário da primeira tendência, encontra poucos elementos e precisa concluir
que não houve modificações convincentes na organização do trabalho no sentido de um
taylorismo ou fordismo no Brasil daquele período. Zanetti e Vargas (2007) sustentam
que, aquilo que se assemelhava aos enunciados teóricos de Ford, por exemplo, não passou
de palavreado do empresariado dos anos de 1930 em defesa de seus interesses com
respeito às leis trabalhistas e protecionismo governamental, como nos casos de Pupo
Nogueira e Roberto Simonsen, respectivamente. Não propuseram, porém, boas razões
explicativas para o fato identificado de não haver se desenvolvido um taylorismo ou
fordismo no Brasil. Adicionalmente, Vargas (1985) contrastou as práticas gerenciais no
Brasil com a pureza da descrição original do taylorismo pelo próprio Taylor. Assumiu,
assim, que quando foi possível falar sobre um taylorismo no Brasil, dava-se já em um
contexto de sua ultrapassagem pelo toyotismo a partir da década de 1970. Em mesmo
sentido de uma pureza conceitual, Fleury (1983) argumenta haver no Brasil do início da
década de 1980 não mais do que uma “rotinização” do trabalho em contraste com as
especificações gerais do taylorismo tal como prescrito por seu autor original.
Não obstante as importantes contribuições, prevalece o fato de que “ainda há
muito para ser pesquisado no que concerne ao processo de trabalho tal como se dava nos
estabelecimentos fabris daquele período” (Zanetti; Vargas, 2007:134).
Sobre a literatura mais ligada à administração, considerou-se as teorias da
administração como ideologias e, em grande medida, manteve-se a investida em um plano
mais lógico, procurando indicar o ímpeto de tais teorias em distorcer a realidade. Esse é
o caso dos proeminentes críticos das teorias da administração como ideologia, e esta,
como falsidade (cf. Paço Cunha, Guedes, 2015, para um tratamento mais longo sobre o
problema). Se, por um lado, a contribuição principal está em certa explicitação do caráter
apologético de tais teorias (com a ressalva de procurarem proteger certas tendências mais
sociológicas), por outro lado, o limite ao plano lógico, nunca elevando-se ao concreto-
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As teorias que expressam mais nitidamente os problemas práticos de determinado momento nos
ciclos de acumulação possuem mais potencial de funcionar como ideologias, pois precisam
acomodar uma nova e às vezes drástica modificação na organização do trabalho como resposta às
alterações nos padrões de acumulação. Como esses padrões tendem a dominar amplos setores
produtivos por efeito da concorrência entre os capitais individuais, movimentam massas humanas,
implicam inúmeros efeitos e acionam reciprocidades dos aparelhos estatais como resposta às novas
condições produtivas. Os conflitos provenientes dessas modificações alcançam níveis para além
de casos singulares, demandando uma resposta num plano mais elevado de cobertura. Entram
nessa equação não apenas teorias da administração, mas também a política, o direito etc.
(ibdem:1003)
o nexo causal entre a efetivação desses ideários [“humanismo”] e as condutas humanas por eles
esperados é muito mais suscetível a resistências passiva e ativa, e ao acaso, do que modificações
objetivas na organização técnica do trabalho (taylorismo, fordismo...) como resposta a um estágio
específico dos padrões de acumulação (ibdem:1004)
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das máquinas e pela ampliação da escala da maquinaria que deve ser supervisionada pelo
mesmo operário, ou do campo de trabalho deste último” (Marx, 2013:484). Certamente,
o chamado “estudo dos tempos e movimentos” está associado à aceleração do ritmo de
trabalho, reduzindo os movimentos desnecessários, assim como a aceleração da linha de
montagem fordista. Mas ambos os casos, entretanto, não constituem elementos de
intensificação no interior do sistema de máquinas tendo em vista que o trabalho, sob tais
regimes de intensificação, permanece ainda a força que manipula os instrumentos e
ferramentas, seja nas tarefas muito simples sobre as quais se dedicou Taylor, seja sobre a
montagem do automóvel que fez época sob a direção de Ford (cf. Sartelli; Kabat, 2014).
Tais formas de intensificação são relativamente dispensáveis uma vez que se estabelece
o sistema de máquinas ao qual a força de trabalho é adaptada, ou seja, essas formas são
típicas da manufatura moderna e não da grande indústria (Moraes Neto, 2003).
Da mesma forma que os pontos de inflexão são difíceis de determinar com
exatidão, também se diz que as modalidades aludidas (manufatura, manufatura moderna,
grande indústria, grande indústria moderna) coexistem e desempenham funções
particulares no conjunto articulado do modo de produção capitalista.
Devemos reter, entretanto, que a unidade entre base técnica e a organização do
trabalho (como o processo de trabalho se efetiva por divisão e combinação das funções
do trabalhador coletivo, seja como aspecto elementar ou como secundário), reflete e
repousa sobre o processo de acumulação de capital que condiciona e resulta do próprio
avanço técnico. Também em termos sintéticos – e limitado ao aspecto técnico da
composição do capital e fazendo abstração das taxas de sua rotação –, a acumulação é
resultado da tendência imanente ao processo capitalista de maior expansão possível do
valor. Para tanto, são necessários investimentos de parte do mais-valor extraído na
continuidade ampliada da produção. Seguindo de perto as determinações apreendidas por
Marx (2013:656), “para acumular é necessário transformar uma parte do mais produto
em capital”, isto é, converter o resultado de um ciclo de rotação do capital em condição
para um ciclo ampliado refletido no crescimento da massa de capital constante (meios de
produção) e variável (força de trabalho) invertido na produção. O crescimento dessa
massa, dada a necessária apropriação da maior quantidade possível de mais-valor, não é
proporcionalmente distribuído entre meios de produção e força de trabalho. A diminuição
do tempo socialmente necessário de produção precisa ser refletida em um crescimento
maior do componente constante do capital, sendo este um resultado igual à maior
produtividade do trabalho social, ou seja, o movimento de uma maior massa de meios de
produção por um quantum menor de força de trabalho barateada nesse processo. A
produtividade do trabalho social surge, assim, como poderosa alavanca do processo de
acumulação e essa produtividade pode ser conseguida em grande medida pelo avanço
técnico correspondente aos meios de produção que, por sua vez, reflete o estágio da
acumulação de capital.
Sob a transição entre a manufatura e a grande indústria, e depois sobretudo nesta
última, se dá o processo de acumulação. O crescimento da massa de capital disponível
para novos investimentos se reflete na aceleração progressiva das modificações técnicas.
Na grande indústria esse processo fica inteiramente revelado pelo grau de importância
que os meios de produção assumem como aspecto elementar em contraste com a força de
trabalho para a manufatura. É possível dizer que a grande indústria é, em si mesma, um
determinado estágio de acumulação do capital. Determinado estágio da acumulação pode
revelar, portanto, a unidade entre a base técnica e a organização do trabalho mais ou
menos correspondente.
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1910 1915 1920 1925 1930 1935 1940 1945 1950 1955
Apesar da incompletude dos dados para alguns anos e da medida em quilos (uma
vez que faltavam registros alfandegários sobre preço à época), é possível identificar um
comportamento mais restrito das importações, sobretudo das máquinas produzidas nos
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3
O autor denominou de composição orgânica aquilo que é composição técnica. Enquanto esta expressa a
relação meramente quantitativa entre meios de produção e número de trabalhadores, composição orgânica
expressa a relação de valor entre capital constante e variável. Como o autor não apresenta a relação em
termos de valor, mas em termos quantitativos, fizemos essa correção que em nada obscurece sua
contribuição. Mesmo porque, a determinação da relação de valor certamente esbarra em grandes
dificuldades adicionais.
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5. Considerações finais
O objetivo do presente trabalho foi estudar a acumulação de capital no setor têxtil
brasileiro como fator explicativo do baixo desenvolvimento técnico e, por isso, de uma
organização do trabalho em que o processo de trabalho não foi intensificado por
expedientes como o taylorismo.
Há aqui uma série de questões que podem ser retomadas em futuras pesquisas. A
primeira delas é o aprofundamento da discussão sobre grande indústria não ser um
território propício para esse tipo de expediente. Uma segunda questão se manifesta na
baixa tendência do setor têxtil de constituir verdadeiros trusts (Schumpeter, 1997:89, nota
84), limitando ainda mais a expansão continuada de expedientes como esses. Mas há
outras questões de impasses. Se o empresariado não precisava de intensificação do
trabalho, possivelmente seus lucros tinham outra base. É possível se perguntar pela
extensão da jornada de trabalho nesse setor. É ainda mais possível perguntar pelos níveis
salariais, uma vez que uma remuneração restrita pode compensar os baixos ganhos em
termos de produtividade do capital e do trabalho, garantindo taxas satisfatórias de
exploração econômica do trabalho.
Não obstante, a estratégia indireta de pesquisa levada a cabo neste trabalho
mostrou-se bastante promissora em seu sentido explicativo, pois na linha do
desenvolvimento histórico o grau de acumulação de capital implica necessariamente a
alteração da organização do trabalho (cf. Albuquerque, 1990; Marx, 2013) em que, se
fosse esta a chave explicativa, teríamos a dificuldade de saber por que razão a mudança
na organização do trabalho seria levada adiante a despeito da acumulação de capital. Por
outro lado, se não pudéssemos encontrar no setor industrial mais desenvolvido elementos
da organização do trabalho naquele período, restaria apenas algumas poucas
multinacionais a serem investigadas e, por isso, não teríamos sentido explicativo a não
ser desses casos isolados. Ou seja, estaríamos sempre aquém de poder determinar o grau
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Referências
IBGE. Estatísticas do séc. XX. Formação bruta de capital fixo e estoque de capital.
Disponível em
<https://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/economia/contas_nacionais/2_fbkf.xls>
acesso em 20 de dezembro de 2017.
LOUREIRO, Felipe P. Nos fios de uma trama esquecida: a indústria têxtil paulista nas
décadas pós-Depressão (1929-1950). (Dissertação de mestrado). USP, 2006.
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MELLO, João Manuel C. de. O capitalismo tardio. 8ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.
PAÇO CUNHA, E.; GUEDES, L. T. “Teoria das relações humanas” como ideologia na
particularidade brasileira (1929-1963). Farol – Revista de Estudos Organizacionais e
Sociedade, Belo Horizonte, v. 3, n. 8, 925-986, dez. 2016.
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VIANNA, L.W. Liberalismo e sindicato no Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1978.
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Matheus Almeida
Universidade Federal de Minas Gerais
matheus.da.almeida@gmail.com
Resumo
O presente artigo promove um debate a respeito do Estado e das formas que ele
historicamente assume, relacionando-as com os regimes da acumulação capitalista,
buscando demonstrar quais são as determinações que esses regimes geram naquelas
formas. Para cumprir tal intento, partimos da análise marxista – expressa no uso do
materialismo histórico-dialético e do universo teórico desta perspectiva – a respeito do
Estado e de sua conceituação, procedendo com a investigação acerca da teoria dos
regimes de acumulação, para, por fim, verificar como o Estado se manifesta em cada
fase do desenvolvimento capitalista. Concluímos com esta pesquisa que os regimes de
acumulação são a determinação fundamental das formas estatais no capitalismo.
Abstract
This paper aims to discuss State and its different forms throughout the different capital
accumulation regimes, in order to demonstrate which are the determinations that those
regimes generate in those forms. To do so, we shall begin at the marxist analysis -
expressed by historical dialectical materialism and the theoretical universe of this
perspective - about State and it’s concept, proceeding with the investigation around
capital accumulation regimes theory, so, at last, we may verify how the State manifests
itself in each period of capitalist development. We conclude with this research that
capital accumulation regimes are the fundamental determination of State forms in
capitalism.
Introdução
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relação indissociável com o capitalismo, de modo a desvelar o que vem a ser este
fenômeno analisado.
Partindo desta mirada, veremos quais formas o Estado assume historicamente
no capitalismo, conhecendo as suas características e as suas relações com as lutas de
classes de modo geral. Será traçado o seguinte percurso expositivo: discutir brevemente
o conceito de Estado partindo da perspectiva marxista, não sem antes mencionar
diferentes concepções sobre o Estado que se distinguem daquela defendida por Marx;
apresentar, de forma igualmente breve, os elementos gerais sobre a questão da
acumulação de capital e da teoria dos regimes de acumulação de capital; e, por fim,
relacionar as mudanças no Estado de acordo com as mutações de regimes de
acumulação, o que gera transformação nas formas estatais.
Com isto, veremos o resultado daquilo que se objetiva neste trabalho: conhecer
cada uma das principais formas estatais existentes na história do capitalismo,
relacionando-as com os regimes de acumulação existentes em suas respectivas épocas,
além de verificar algumas das produções intelectuais a respeito do Estado que emergem
em cada um destes períodos.
1
Cf. ALMEIDA, 2017.
2
O que faria concluir, como na tese trotskista, que os problemas existentes são “problemas de direção”,
bastando alterar o dirigente estatal para que o Estado seja burguês ou “proletário”.
180
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(Althusser), ou qualquer outra. Em outras palavras, o Estado é definido por aquilo que
ele faz (na realidade, pela parte das suas ações que o analista escolhe considerar), e não
por aquilo que ele é, por sua essência. Bourdieu critica, associando equivocadamente
esta concepção ao marxismo, a substituição da definição do Estado a partir do seu ser
pela consideração isolada de suas funções como uma abordagem funcionalista
(BOURDIEU, 2014).
Em verdade, tal concepção se encontra mais precisamente nas obras de Engels
e Lênin do que em Marx, não podendo ser confundidas com as ideias deste autor
(ALMEIDA, 2017; WRIGHT, 2015). No fundo, considerar o Estado a partir de sua
função, além de uma abordagem funcionalista ou semelhante ou funcionalismo,
representa um fetichismo da prática, em que por “prática” se entende uma determinada
ação, em contraposição a um determinado discurso. Assim, o Estado seria repressivo
porque ele age com repressão, mas, ao mesmo tempo, poderia se tornar pacífico se
agisse de forma pacifista, etc. Tal concepção se limita ao nível da aparência das ações, e
neste sentido, é profundamente distinta do marxismo.
c) O Estado-etéreo: Presente geralmente nas ideologias liberais e
neoliberais, conservadoras ou progressistas, mas também em algumas tendências
reformistas, esta visão representa o Estado como algo acima da sociedade em que ele
governa, como que pairando no ar, sem materialidade. Esta concepção parte e manifesta
nada mais do que uma forma de fetichismo do Estado, transformando o aparato estatal
em algo que possui vontade própria, como uma espécie de autômato. Trata-se de uma
concepção burguesa sobre o Estado burguês, que o legitima como gestor da sociedade
capitalista, uma vez que estaria além dos conflitos sociais.
d) O Estado-indelimitável: Tentando não cair em uma percepção que define
o Estado como algo monolítico, demarcado apenas nas suas instituições centrais
(geralmente somente os poderes legislativos, executivos e judiciários) ou nos indivíduos
que são imediatamente identificados como representantes estatais, esta ideologia
compreende o Estado como algo presente em todas as relações sociais em uma
sociedade de classes. O Estado, neste olhar, seria constituído tanto de seu “centro”
quanto de suas “margens” (DAS e POOLE, 2008), isto é, todo e qualquer indivíduo ou
organização que estabeleça relações positivas ou negativas com o Estado.
Tal concepção transforma o Estado em algo indelimitável, impensável e, no
limite, até mesmo incognoscível, já que se algo é tudo é também nada, tornando-se
impossível de ser pensado, classificado e conceituado. Esta abordagem é
frequentemente utilizada por autores pós-colonialistas e pós-estruturalistas, e expressa
outra forma de fetichismo do Estado, tornando-o algo ininteligível de forma rigorosa, e
confundido Estado com sociedade, ou seja, as relações sociais que compreendem o
Estado com o conjunto das relações sociais.
3
Marx entende por ideologia uma falsa consciência sistematizada, ou uma consciência complexa que
inverte a realidade (MARX e ENGELS, 2007).
181
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A acumulação de capital
4
Os autores associados à teoria da derivação, neste sentido, promovem um resgate e desenvolvimento da
concepção de Marx “segundo o qual as formas políticas poderiam ser entendidas apenas por meio da
anatomia da sociedade civil” (CALDAS, 2015, p. 86).
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somente chegou a pensar o desenvolvimento do capital até o seu tempo. Porém, se Marx
não pôde analisar o capitalismo depois dele, ele nos forneceu importantes elementos de
suas tendências. Assim, a história da humanidade, para a perspectiva marxista, é a
história do desenvolvimento e sucessão de diferentes modos de produção. A história do
capitalismo, como já colocado anteriormente, é a história da sucessão de regimes de
acumulação.
Enquanto a sucessão de modos de produção significa a transformação radical
de uma forma de sociedade em outra, o desenvolvimento dos regimes de acumulação
significa apenas uma mutação no interior de uma permanência, pois diversos elementos
da sociedade capitalista se alteram, mas o seu essencial permanece inalterado. A
alteração de regimes de acumulação gera transformações no interior da sociedade
capitalista, o que implica na manutenção da sociedade capitalista sob determinadas
formas renovadas.
Deste modo, partimos da teoria dos regimes de acumulação, tal como
elaborada por Viana (2009, 2015), em diálogo crítico com autores como David Harvey,
Rostow, Sweezy, Gunder Frank, Samir Amin, Rabah Benakouche, Lipietz, etc. Segundo
Viana, “um regime de acumulação é um determinado estágio do desenvolvimento
capitalista, marcado por determinada forma de organização do trabalho (processo de
valorização), determinada forma estatal e determinada forma de exploração
internacional” (VIANA, 2009, p. 29-30). Sendo assim, o regime de acumulação é, em
síntese, um determinado estágio da luta de classes (VIANA, 2009).
Em outras palavras, “o regime de acumulação (...) é a forma que o capitalismo
assume durante o seu desenvolvimento” (VIANA, 2009, p. 31). A teoria dos regimes de
acumulação, portanto, permite compreendermos as continuidades e descontinuidades do
capitalismo, desde o seu processo de gênese até os dias atuais. O mesmo pode ser dito
sobre o Estado capitalista, que tem sua dinâmica fundamentalmente determinada por
tais mutações dos regimes de acumulação. Isto porque cada regime de acumulação gera
formas de regularização que lhes são correspondentes, e o Estado capitalista é a
principal instituição regularizadora da sociedade capitalista (VIANA, 2009).
Se um regime de acumulação se constitui pela tríade relacional entre
organização do trabalho, forma estatal e relações internacionais, é preciso conhecermos
quais são os regimes de acumulação e como estes três elementos se manifestam em cada
regime, antes de adentrarmos propriamente no debate específico sobre cada forma
estatal.
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As formas estatais
O Estado Absolutista
6
Nancy Fraser (2017) identifica o neoliberalismo progressista nos EUA a governos como os de Bill
Clinton (1993-2001) e Barack Obama (2009-2017).
7
C. J. Polychroniou (2013) descreve a forma do neoliberalismo discricionário na realidade da Grécia
pós-crise de 2008, enquanto Nildo Viana (2016) entende que esta foi a forma que o neoliberalismo
brasileiro assumiu com o governo de Michel Temer.
8
Os governos petistas de Lula e Dilma se constituíram por uma combinação entre neoliberalismo e
neopopulismo (ALMEIDA, 2018).
9
O neoliberalismo conservador se manifesta na maioria dos governos neoliberais, como o de Thatcher no
Reino Unido e de Trump nos EUA.
10
Viana (2015) menciona a existência de outros regimes de acumulação não hegemônicos no capitalismo
mundial, como o regime de acumulação bélico (vigente durante o período do nazi-fascismo nos países
sob este regime), o regime de acumulação estatal (existente nos países de capitalismo de Estado,
equivocadamente identificados como socialistas, como URSS, Cuba, Coréia do Norte, Iugoslávia etc.), e
os regimes de acumulação subordinados (vigentes nos países de capitalismo subordinado, como os da
América Latina).
186
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11
Refiro-me exclusivamente ao monarquismo absolutista, específico do Estado Absolutista, e não a
outras formas de governos monarquistas anteriores ou posteriores.
12
Não custa lembrar que a acumulação primitiva se inicia no século 16, portanto um século antes do
Estado Absolutista, com o colonialismo e a expropriação e cercamento (enclosures) de terras na
Inglaterra.
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O Estado Liberal
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Deus13. Dentre os jovens hegelianos, Ferdinand Lassalle (1825-1864) foi um dos mais
influentes no que se refere à consagração de uma determinada interpretação a respeito
do Estado. Lassalle foi o formulador da ideia de “socialismo de Estado”, concepção
estatista que foi historicamente confundido com a proposta de abolição do Estado de
Marx14.
Marx e Engels nos anos 1840 já haviam rompido com o hegelianismo, e
afirmam no Manifesto Comunista que o Estado nada mais é que um “comitê para gerir
os negócios comuns de toda a classe burguesa” (MARX e ENGELS, 2006, p. 86), ou,
como diria Engels mais tarde em Do socialismo utópico ao socialismo científico, um
"capitalista coletivo ideal" (ENGELS, 1999, p. 117).
Em 1875 é fundado em um Congresso realizado na cidade de Gotha “o Partido
Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (SAPD, da sigla em alemão), que em 1890
teve seu programa e nome alterado para Partido Social-Democrata da Alemanha (o
SPD, da sigla alemã)” (ALMEIDA, 2017). A socialdemocracia alemã, de forte
influência lassalliana, passou a assumir a hegemonia do movimento socialista
internacional, e com isto, direcionou a luta dos trabalhadores com relação ao sufrágio
universal.
A luta operária, no entanto, que desde as revoluções de 1848 se encontrava em
refluxo na Europa, viveu uma efervescência com a Comuna de Paris de 1871, que
representou a primeira tentativa de revolução proletária na história do capitalismo, e
após isso voltou a cair em refluxo, período este em que SAPD e o SPD se originaram.
Neste momento, o regime de acumulação Extensivo já estava em declínio,
juntamente com o Estado Liberal, devido às crises provocadas pela queda da taxa de
lucro dos anos 1870 e pela ascensão das lutas operárias que culminou na Comuna de
Paris. Os trabalhadores há anos batalhavam pela redução da jornada de trabalho, por
melhores condições de trabalho e contra a exploração do trabalho infantil e feminino,
assim como pelo reconhecimento das suas organizações de classe (partidos e
sindicatos).
Com o fortalecimento da socialdemocracia, a luta pela inserção dos
representantes dos trabalhadores na democracia eleitoral (sufrágio universal) também
veio à tona, o que gerava dificuldades para os capitalistas reproduzir a acumulação de
capital, devido ao conjunto destas lutas de classes dentro e fora da esfera produtiva. É aí
que um novo regime de acumulação, e com ele, uma nova forma estatal, é desenvolvido
pelo capital.
O Estado Liberal-Democrático
13
É neste sentido que Marx parte, na Introdução da Crítica da filosofia do direito de Hegel, da crítica da
religião como pressuposto para a crítica da política, da economia, da filosofia etc. (MARX, 2010).
14
Para uma discussão sobre as razões pelas quais a concepção de Estado de Marx foi confundida com a
de Lassalle, assim como com outras concepções distintas que passaram a ser associadas ao marxismo e
deforma-lo, cf. ALMEIDA, 2017.
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O Estado Integracionista
15
Várias outras correntes existiam no movimento socialista internacional. As mais radicais no interior do
marxismo ficaram conhecidos pela terminologia “esquerdista” dada por Lênin contra seus adversários, em
sua famigerada obra Esquerdismo, doença infantil do comunismo. Sob esta classificação se encontravam
tanto Comunistas Conselhistas (Karl Korsch, Paul Mattick, Anton Pannekoek, Herman Gorter, Otto
Rühle etc.), a Liga Spartacus (Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht, Clara Zetkin, Franz Mehring etc.) a
Esquerda Extraparlamentar Inglesa (Sylvia Pankhurst, Guy Aldred etc.), a Esquerda Comunista Italiana
(Amadeo Bordiga etc.), entre outros.
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O Estado Neoliberal
16
Não por coincidência, o texto inaugural do debate derivacionista se chama Die Sozialstaatsillusion (“A
ilusão do Estado Social”), de Rudolf Wolfgang Müller e Christel Neusüβ (CALDAS, 2015).
194
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gerais podem sofrer variações, que não chegam a ser significativas17. No regime de
acumulação integral, a produção mercantil atinge novos patamares, não somente com os
produtores descartáveis, a obsolescência planejada, produtos digitais e as mercadorias
para mercadorias (capa para celular, roupa para pets etc.), mas a cultura e as ideias se
tornam cada vez mais mercantilizadas. Um mercado de ideologias é produzido e
reproduzido sem cessar.
É neste momento, por exemplo, que surgem ideologias como a do “fim da
história”, de Fukuyama, e do “Estado impensável” dos pós-estruturalistas. A defesa de
revoluções totais é abandonada em lugar das revoluções segmentares. A compreensão
de um poder central (como o Estado e o capitalismo) é dissipada em função do poder
microfísico. O regime de acumulação integral produz, na dimensão cultural, o
paradigma hegemônico do pós-vanguardismo nas artes e do pós-estruturalismo nas
ciências (VIANA, 2015). Surge, com isto, uma “nova gramática da dominação”
(BOURDIEU e WACQUANT, 2002).
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
17
Para conhecer, por exemplo, a especificidade do neoliberalismo brasileiro durante os governos do PT,
cf. ALMEIDA, 2018.
196
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18
Há uma tradução deste artigo em português em: POLYCHRONIOU, C. J. A tragédia da Grécia: Uma
acusação à teoria económica neoliberal, à elite política interna e ao duo UE/FMI. Disponível em
<http://resistir.info/grecia/polychroniou_mar13.html#asterisco>. Acesso em 10 de julho de 2018.
197
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VIANA, Nildo. Estado e Acumulação de Capital. In: Revista Enfrentamento, ano 12, nº
21, jan./jun. 2017, p. 48-58.
WACQUANT, Löic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
WRIGHT, Chris. Contra “O Estado e a Revolução”, de Lênin. In: Revista Marxismo e
Autogestão, Goiânia, v. 2, nº 3, 2015, p. 176-192.
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Resumo
O artigo objetiva estabelecer a relação entre desenvolvimento tecnológico, informação e
capitalismo. Parte do entendimento sobre o trabalho humano para chegar ao conceito de
modo de produção e sua relação dialética de mútua determinação com a tecnologia.
Discute-se criticamente o fetichismo tecnológico e a transformação da informação em
mercadoria decorrente de sua privatização e monopolização. A contradição entre o
caráter social e compartilhável da informação frente a sua mercantilização pelo capital
revela que o capitalismo coloca-se como obstáculo ao livre fluxo do conhecimento e,
consequentemente, do desenvolvimento das forças produtivas condizentes com relações
sociais fundadas na cooperação e no compartilhamento, apontando, enfim, para a
necessidade de sua superação. Por fim, verifica-se o fetichismo tecnológico e
informacional como decorrente do fetichismo da mercadoria.
Abstract
The article aims to establish the relationship between technological development,
information and capitalism. Part of the understanding about human work to arrive at the
concept of mode of production and its dialectical relation of mutual determination with
technology. Critical discussion of technological fetishism and the transformation of
information into merchandise stemming from its privatization and monopolization. The
contradiction between the social and shareable character of information and its
commodification by capital reveals that capitalism poses itself as an obstacle to the free
flow of knowledge and, consequently, to the development of the productive forces that
are in harmony with social relations founded on cooperation and sharing, pointing,
finally, to the need for its overcoming. Finally, there is technological and informational
fetishism as a result of the commodity fetishism.
Introdução
A transformações propiciadas pelo desenvolvimento tecnológico ocorrido a
partir da segunda metade do século XX como resultado da confluência entre
telecomunicações e informática – o que inclui revoluções na microeletrônica, nos
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de forças produtivas, mas de forças destrutivas, desde que com isso exista a
possibilidade de manutenção ou renovação dos processos de reprodução ampliada do
capital. Que o digam as guerras, a mercantilização de uma natureza tornada escassa e o
processo que nos interessa diretamente no presente artigo: o monopólio da informação.
Para o entendimento contextualizado do desenvolvimento tecnológico que
pretendemos desenvolver nesse texto, no entanto, recorreremos a uma abordagem
inicialmente abstrata sobre o trabalho que, por sua vez, nos levará ao debate sobre os
modos de produção e, por fim, à contextualização mais concreta das mudanças
tecnológicas. Municiados desse entendimento, avançaremos para a compreensão do
desenvolvimento tecnológico e da informação num contesto capitalista.
Iniciamos chamando a atenção para aquilo que Foladori (2001) distingue como
conteúdo e forma do metabolismo social. É que o atendimento das necessidades
humanas é realizado por meio do trabalho, entendido como uma atividade
teleologicamente orientada, segundo uma prévia ideação, que se utiliza de mediações
para sua consecução. Essa dinâmica constitui-se, então, o conteúdo do metabolismo
social, que se desenrola historicamente por meio de diferentes articulações entre as
mediações que os seres humanos estabelecem com a natureza e entre os demais seres
humanos, o que, por sua vez, é identificado como as formas em que acontece
concretamente o metabolismo social. Em síntese:
O trabalho humano inter-relaciona uma atividade física com um meio
ambiente externo e com os meios de trabalho transmitidos por processos de
trabalho anteriores. (...) Assim a produção pode ser desagregada em sua
forma e seu conteúdo. O conteúdo é a relação do trabalhador com os meios
de produção e o ambiente; seria uma relação genérica, aistórica. Esse
conteúdo toma corpo em cada atividade específica como uma relação técnica
na qual o que importa é o conhecimento do processo de trabalho. Assim
considerados, conteúdo e relação técnica são sinônimos. Entretanto, a forma
é a maneira como os diferentes indivíduos se relacionam entre si para
produzir. Inclui as relações de propriedade e/ou apropriação dos meios de
produção e da natureza externa e determina notavelmente o processo de
produção (Foladori, 2001, p. 104).
Com essa análise também concorda Romero (2005) que se coloca criticamente
contra a “concepção de neutralidade das forças produtivas em relação às relações de
produção” e, consequentemente crítico “da ideia de um hipotético desenvolvimento
autônomo das forças produtivas frente às relações sociais de produção” (Romero, 2005,
p. 21).
Ao desenvolvimento tecnológico não será possível, portanto, furtar-se às
202
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1
Seguimos orientação de Duayer (2011) que, em tradução recente dos Grundrisse de Marx,
justificou o uso da expressão “mais-valor” em lugar daquela mais até então mais usual, qual seja: mais-
valia. No intuito de uniformizar esse uso no decorrer do texto, tomamos a liberdade de também
“atualizar” a grafia em autores que haviam originalmente utilizado a expressão mais-valia.
2
Na impossibilidade de reproduzir aqui a dinâmica de transformação de valores em preços de
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produção, remetemos ao Livro III de O Capital, bem como a introdução ao tema apresentada por
Carcanholo (2011).
3
Lembrando que o entendimento da força de trabalho como “custo” é inerente à lógica do
capital que, de maneira fetichista, incorpora-a ao capital total na forma de capital variável, velando-a
como produtora do valor.
204
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Capitalismo e informação
Marx já considerava a transmissão de informações como parte do processo de
produção:
Existem, porém, ramos autônomos da indústria, nos quais o processo de
produção não é um novo produto material, não é uma mercadoria. Entre eles,
economicamente importante é apenas a indústria da comunicação, seja ela
indústria de transporte de mercadorias e pessoas propriamente dita, seja ela
apenas de transmissão de informações, envio de cartas, telegramas, etc.
(Marx, 1983, p. 43).
205
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Essa artificialidade fica mais clara nos embates sobre as patentes que são
travados no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Bensaïd faz esse
alerta ao indicar que
A privatização não visa mais apenas os recursos naturais ou os produtos do
trabalho. Ela cobiça cada vez mais os conhecimentos e os saberes. É isso que
está em jogo nas negociações e nos debates realizados na Organização
Mundial do Comércio sobre os serviços, a propriedade intelectual e a
patenteabilidade (Bensaïd, 2017, p. 50).
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Situação essa que leva Bensaïd a considerar que estejamos vivenciando um novo
período de cercamentos (enclosures) tal qual aquele relacionado aos primórdios do
modo de produção capitalista. Agora não somente as terras, mas os conhecimentos, as
informações, revelando que “A lei do valor não consegue mais medir a desmesura do
mundo senão por desatinos e violências globais cada vez maiores” (Bensaïd, 2017, p.
54), o que, no caso da informação, é feito pelo patenteamento e pela censura, pelas
cláusulas de confidencialidade, enfim, por seu monopólio. E essa lógica revela rompe
até mesmo com princípios liberais de propriedade relacionados ao trabalho:
Podemos privatizar uma ideia, apesar de um software não ser nada mais que
um elemento da lógica aplicada ou, em outros termos, uma parcela de
“trabalho morto”, isto é, trabalho intelectual acumulado? Seguindo a lógica
da apropriação privativa, chegaríamos ao ponto de patentear fórmulas
matemáticas para submetê-las ao direito de propriedade? A socialização do
trabalho intelectual começa com a prática da linguagem que, evidentemente,
constitui um bem social comum inapropriável da humanidade. Os conflito em
torno do direito de propriedade intelectual tendem a desmontar o direito
liberal clássico e sua legitimação da propriedade pelo trabalho (Bensaïd,
2017, p. 56).
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de sua monopolização pelo capital são ainda mais evidentes quando se verificam
os controles econômicos – mercantilização - e extraeconômicos – pagamento por
acesso, patenteamento etc. - que lhe impedem o livre fluxo.
Feitas essa consideração sobre as contradições relativas à tecnologia e à informação,
é preciso reconhecer que ainda não respondemos à indagação central desse tópico.
Vamos reformulá-la de modo mais específico à nossa temática: tendo em vista a
radicalidade das contradições postas pelo capital no que tange à tecnologia e à
informação, por que a superação da forma mercantil não se realiza? Para buscarmos
responder à questão formulada é preciso primeiramente enfatizar o que já
desenvolvemos acima, ou seja, que tanto a tecnologia quanto a informação tornaram-se
mercadoria no modo de produção capitalista, o que, por sua vez, leva- nos à
necessidade de buscar a resposta não em uma generalidade da tecnologia ou da
informação, mas tão somente na própria forma mercadoria. É isso que faremos
brevemente a seguir.
Ou seja, as mercadorias irão refletir aos homens o caráter social de seus próprios
– dos homens - trabalhos. Porém, elas o fazem como se esse caráter social fosse uma
propriedade natural dessas coisas-mercadorias ao relacionarem-se como coisas-
mercadorias entre si. O que era uma relação entre produtores de mercadorias assume a
forma de uma relação entre as próprias mercadorias que, por serem coisas e não seres
humanos, coloca-nos diante do fetichismo da mercadoria: “Assim se apresentam, no
mundo das mercadorias, os produtos da mão humana. A isso eu chamo de fetichismo,
que se cola aos produtos do trabalho tão logo eles são produzidos como mercadorias e
que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias” (MARX, 2013, p. 143). Ou,
ainda nas palavras de Marx: “É apenas uma relação social determinada entre os próprios
homens que aqui assume, para eles, a forma fantasmagórica de uma relação entre
coisas” (MARX, 2013, p. 142-3). Nessa processualidade em que as coisas apresentam-
se como sujeitos das relações sociais, aos homens resta, em contrapartida, tão somente
relacionarem-se como coisas: estamos diante da reificação.
Salientemos, contudo, que não estamos diante de um equívoco por parte de dos
produtores de mercadoria quando não se percebem relacionando-se entre si quando
levam suas mercadorias a serem trocadas no mercado. A determinação do valor é feita
justamente a posteriori no mercado quando os tempos individuais de trabalho tornam-se
tempos sociais de trabalho necessário, uma operação que escapa ao produtor mercantil.
E mais, uma relação da qual o produtor torna-se dependente para ter validado seu
trabalho individual naquela forma de trabalho socialmente necessário. Ou seja, não
estamos diante de um desvio de percepção, mas tão somente da aparência efetiva das
relações sociais sobre a forma mercantil. Marx pode nos esclarecer mais uma vez:
Os objetos de uso só se tornam mercadorias porque são produtos de trabalhos
privados realizados independentemente uns dos outros. O conjunto desses
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Chamemos a atenção para o trecho que grifamos: “aparecem como aquilo que
elas são”, em que Marx nos oferece da dialética entre ser e parecer, que também pode
ser identificada como a relação entre essência e aparência. Por ser uma lógica dialética é
preciso que abandonemos a linearidade do princípio da não-contradição. Pelo contrário,
aqui ser e parecer andam simultaneamente juntos e separados. Isso é que nos permite
verificar que a mercadoria é uma relação social e, ao mesmo tempo, é uma relação entre
coisas. Afinal, ainda que fruto da divisão social do trabalho humano, as mercadorias só
se colocam frente a si quando levadas pelos produtores ao mercado para confrontarem-
se como coisas. Assim sendo, ela não deixa de ser resultado do trabalho humano, mas
essa sua condição de trabalho humano é revelada quando se comparam os valores dos
diferentes trabalhos privados no mercado e simultaneamente velada quando esses
trabalho aparecem como características inerentes ás próprias mercadorias. Portanto, a
relação mercantil faz com que a aparência da relação entre as mercadorias seja
determinante, o que leva Marx à afirmação destacada: “aparecem como aquilo que elas
são. É a troca mercantil que faz com que assim seja.
Tendo feito esse percurso, podemos retornar a nosso tema para verificar a
presença do fetichismo no desenvolvimento tecnológico e na informação. Assim sendo,
podemos concluir:
1- Que os autores e os sujeitos sociais que sucumbem ao fetichismo do
desenvolvimento tecnológico e da informação estão tão somente reproduzindo
em seus âmbitos específicos o fetichismo da mercadoria em geral. Ou seja, já
que tecnologia e informação são tornados mercadorias pelo capital, seria
impossível que não reproduzissem o caráter fetichista próprio da forma
mercantil. Afinal, o fetichismo, tal como já indicamos a partir de Marx: “é
inseparável da produção de mercadorias” (MARX, 2013, p. 143).
2- O fetichismo continua mostrando-se eficaz no velamento que permite a
manutenção da tecnologia e da informação sob o controle do capital na condição
de mercadoria e, portanto, pelos quais se deve pagar um preço. Explicando de
outra maneira: tecnologia e informação ao dirigirem-se ao mercado na condição
de mercadoria cumprem o papel fetichista que contribui fundamentalmente para
a reprodução das relações sociais capitalistas.
3- No entanto, o crescimento das formas extraeconômicas de controle do
desenvolvimento tecnológico e da informação explicita a contradição entre, de
um lado, a privatização e o monopólio e, do outro, as potencialidades
cooperativas e compartilháveis de ambos. Contradições essas que revelam a
caducidade do modo de produção capitalista e a necessidade de sua superação
por uma forma social superior. Ou seja, a manutenção cada vez mais violenta da
tecnologia e da informação na condição de mercadoria têm se mostrado um
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Referências
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Resumo
Abstract
INTRODUÇÃO
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massa do povo (MARX, 2013). Para Marx (2013) o modo de produção capitalista, a
acumulação e a propriedade privada, exigem o aniquilamento da propriedade fundada
no trabalho próprio.
Com relação à Lei geral da acumulação capitalista importa destacar que o
aumento do capital exerce influência sobre o destino da classe trabalhadora, tendo em
vista que a composição do capital sofre diversas alterações durante o processo de
acumulação capitalista. A referida composição do capital pode ser analisada sobre dois
aspectos: o do valor e o da matéria.
Marx (2013) entende que a composição do capital de valor ocorre sob o
aspecto do valor e se determina pela proporção em que o capital se reparte em capital
constante e em capital variável. Com relação ao aspecto da matéria todo capital se
divide em meios de produção e força viva de trabalho, tem-se então a composição
técnica.
A acumulação de capital é vista como a multiplicação do proletariado, já que a
acumulação reproduz de um lado a relação capitalista em escala ampliada – mais
capitalistas – e de outro, mais assalariados. Segundo John Bellers (1696) apud Marx
(2013), o trabalho dos pobres é a mina dos ricos. Isso ocorre uma vez que os pobres
realizam o trabalho que tornam os ricos cada vez mais ricos, em virtude da exploração
dos trabalhadores.
O aumento do preço do trabalho decorre da acumulação do capital. A força de
trabalho é comprada para satisfazer às necessidades pessoais do comprador. O objetivo
perseguido pelo comprador é a valorização do capital, em que são produzidas
mercadorias que contém mais trabalho do que ele paga. A referida produção de mais
valor - excedente – é a lei absoluta desse modo de produção (MARX, 2013).
Com a acumulação do capital desenvolve-se o modo de produção capitalista e
aumenta, consequentemente, o número de capitalistas. Cada capital individual é uma
concentração maior ou menor dos meios de produção e possui comando sobre um
exército maior ou menor de trabalhadores. Cada acumulação é um meio para uma nova
acumulação. Juntamente com a acumulação como já dito anteriormente desenvolve-se a
concorrência e o crédito que são fundamentais para o processo de centralização. A
centralização e a concentração se distinguem (MARX, 2013). A concentração de capital
é um processo crescente de concentração por intermédio da acumulação.
Segundo Marx (2013), a centralização de capital é um processo que ocorre pela
alteração na distribuição de capitais já existentes e pela modificação do agrupamento
quantitativo dos componentes do capital social, que é o valor a integralizar ou a ser
integralizado. Pode-se dizer que a centralização complementa o processo de
acumulação, pois possibilita aos capitalistas industriais ampliar a escala de suas
operações.
Ao comparar a centralização com a acumulação verifica-se que a acumulação é
um processo mais lento. A centralização precisa alterar apenas o agrupamento
quantitativo dos componentes do capital social. Assim, salienta-se que a centralização
possibilita mais avanços em curto espaço de tempo.
Diante do exposto, resta claro que a concentração dos meios de produção, a
centralização de capital e a acumulação capitalista provocaram diversas mudanças na
vida das camadas operárias. Tais mudanças ultrapassaram o trabalho desempenhado
pelos operários nas fábricas e atingiram a saúde, a moradia e a alimentação dos mesmos,
além de modificarem a relação afetiva entre os indivíduos, pontos estes que serão
abordados de forma mais detalhada no decorrer deste artigo.
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1
As Casas de Trabalho foram estabelecidas na Inglaterra no século XVII. Segundo a Lei dos Pobres
(1834), só era admitida uma forma de ajuda aos pobres: o alojamento em casas de trabalho com um
regime prisional; os operários realizavam trabalhos improdutivos, monótonos e extenuantes; as casas de
trabalho foram designadas pelo povo de “bastilhas dos pobres”. Disponível em: <
https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/w/workhouses.htm>. Acesso em: 07 abr. 2018.
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2
A “reserva técnica” era constituída de pequeno número de unidades em cada conjunto, que não eram
sujeitas aos critérios formais de distribuição, medida que se apresentavam candidatos com “cartucho
político”, a Fundação fazia uso de tal estoque (AZEVEDO, 2011, p.12).
3 FGTS, um tipo de poupança compulsória constituída por depósitos correspondentes a 8% dos salários
dos trabalhadores formalizados para financiar moradias destinadas à população de baixa renda. SBPE,
fundo de poupança voluntária, para financiar o setor de classes média e alta (Arretche, 1990; Azevedo e
Andrade, 1982, p. 113).
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CONCLUSÃO
Objetivou-se com este artigo iniciar um estudo sobre a conexão envolvida entre
o direito à moradia e a questão trabalhista no Brasil. Defendeu-se a hipótese de que a
moradia serviu de instrumento de troca e de controle de classes pelo Estado que buscava
apoio, tanto durante o governo de 1946 quanto durante 1964.
Assim, para demonstrar a veracidade da hipótese, partiu-se inicialmente, para
uma análise do modo de produção capitalista, do processo de acumulação de capital, de
centralização e de concentração de capital na Inglaterra e dos reflexos desse sistema
capitalista na vida das pessoas, abarcando desde a relação de trabalho, a alimentação, o
vestuário, a moradia e os relacionamentos, em virtude das transformações tecnológicas.
Como fora demonstrado ao longo do artigo, a industrialização trouxe uma série
de avanços, mas a modernidade separou o indivíduo, produzindo isolamento,
competitividade, provocando exploração de trabalho nas fábricas e a precariedade das
moradias, do vestuário, da alimentação e de higiene.
Foi necessária a análise da Europa, em especial, da Inglaterra, berço do
capitalismo, para compreender a lógica do capital e em seguida, analisar as
particularidades brasileiras. Apesar do foco da investigação ter sido indicado como entre
1930 e 1970, traçou-se um breve estudo sobre a República Velha, englobando o
nascimento e a consolidação do capitalismo industrial no Brasil, para compreender o
trabalho e assim, a dominação que era exercida sobre os trabalhadores.
Observa-se que a dominação exercida sobre os trabalhadores assalariados, no
que se refere à ideologia, a política e a vida acontece desde as vilas operárias. Foram
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apontados ao longo do artigo aspectos cruciais sobre a relação entre moradia e trabalho
e, mais precisamente, sobre a sua utilização como instrumento de troca e de controle.
Desde as vilas operárias identifica-se tal postura, nas medidas adotadas por
Vargas durante o seu governo também, como a criação MTIC, Lei do Inquilinato e CLT
– verifica-se o cunho eminentemente populista; na FCP não foi diferente, a “Política
Habitacional” apresentou uma serie de problemas, acontecia a “reserva técnica”, que
nada mais era do que uma forma de cooptar voto e apoio político e o BNH, também não
alcançou o que se propôs com relação à aquisição de moradias pela população de baixa
renda, uma vez que a classe média e a classe alta foram as mais beneficiadas com a
referida política.
Acredita-se que cabem estudos mais aprofundados sobre os aspectos jurídicos,
econômicos e políticos conexos com a moradia e o trabalho. Em apenas um artigo seria
impossível analisar, de forma pormenorizada, todos os pontos cruciais que foram
indicados. Além disso, pontos importantes, que embora não seja objeto de estudo
diretamente, mas que se relacionam com a formação do capitalismo tardio no Brasil,
infelizmente precisaram ser deixados de lado.
REFERÊNCIAS
COSTA, D. B.; AZEVEDO, U. C. de. Das senzalas às favelas: por onde vive a
população negra brasileira. Revista Socializando, Fortaleza, ano 3, n. 1, p. 145-154.
2016. Disponível em: <http://www.fvj.br/revista/wp-
content/uploads/2016/07/Socializando_2016_12.pdf>. Acesso em: 06 maio 2018.
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Larissa Ormay
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
Universidade Federal do Rio de Janeiro
lrssa@protonmail.com
Resumo
Este artigo resume a tese de doutorado de mesma autoria, que propõe a analogia entre a
renda da terra descrita por Karl Marx e a “renda informacional” obtida a partir de direitos
de propriedade intelectual. Em primeiro lugar, expõe-se o desenvolvimento teórico
realizado na pesquisa para, em seguida, analisar-se sua aplicação a um caso concreto
sobre o conflito entre o acesso e a apropriação privada do conhecimento científico
envolvido na criação de tecnologias quânticas. Por fim, conclui-se que o trabalho
científico é subsumido ao capital em um processo de acumulação marcado pelo rentismo
informacional.
Palavras-chave: Propriedade intelectual; Renda; Capitalismo informacional.
Abstract
This article summarizes the author's doctoral thesis, which proposes the analogy between
the rent of the land described by Karl Marx and the “informational rent” achieved by
intellectual property rights. The theoretical development carried out in the research is
exposed to analyze its application to a concrete case about the conflict between free access
and the private appropriation of the scientific knowledge involved in the creation of
quantum technologies. At the end, it is concluded that the scientific labor is subsumed to
capital in a process of accumulation marked by informational rentism.
Keywords: Intellectual property; Rent; Informational capitalism.
Introdução
229
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1
O Acesso Aberto é um movimento criado com a Declaração sobre Ciências e a Utilização do
Conhecimento Científico, ou Declaração de Budapeste, emitida na Conferência Mundial sobre Ciência
promovida pela Unesco no ano de 1999 em Budapeste. Em consonância com os termos expressos nesse
documento, o Acesso Aberto se traduz na disponibilidade online ao acesso livre e irrestrito para todos aos
resultados de pesquisa científica publicados em forma de artigos ou preprints.
230
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2
Outros inúmeros autores têm sugerido termos e conceitos que dialogam com as transformações das
forças produtivas na virada do século XX para o XXI, como, por exemplo, acumulação flexível
(HARVEY, 1992), capitalismo digital (SCHILLER, 2000), capitalismo virtual (DAWSON, FOSTER,
1998), capitalismo de alta tecnologia (HAUG, 2003), capitalismo informático (FITZPATRICK,
2002), capitalismo comunicativo (DEAN, 2005), capitalismo cognitivo (NEGRI, VERCELLONE,
2008), mundialização do capital (CHESNAIS, 1996) e capital-imperialismo (FONTES, 2010).
231
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232
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Renda informacional
3
Explicar o que é De acordo com Marx (2014), a reprodução simples equivale ao primeiro período de
rotação do capital, quando o capitalista consome o mais-valor. A reprodução passa a ser ampliada ou
expandida em um segundo momento, de acumulação propriamente dita, quando uma determinada fração
do mais-valor total é empregado para a aquisição de mais capital, de maneira a aumentar a escala de
produção.
233
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4
Diferente é o monopólio de mercado, que é praticado pelo capitalista e pode ser de dois tipos:
concentração e centralização (MARX, 2013, p. 701).
234
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conhecimento gerado pelo trabalho informacional. Ocorreria uma captura, pelo detentor
do monopólio, do valor gerado pelo trabalhador informacional.
Uma série de autores marxianos tem se debruçado sobre a questão. Dantas (2008)
sustenta que a renda informacional é a renda obtida por monopólio juridicamente
assegurado sobre algum conhecimento submetido a um direito de propriedade. Zeller
(2008) defende que a renda baseada em DPIs é uma renda de monopólio porque resulta
de uma escassez sistemática de oferta criada pelo monopólio da propriedade do
fornecedor de um produto-chave, como o conhecimento, que não enfrenta concorrência
direta de produtos de substituição. Leda Paulani (2016, p. 530) afirma que a “renda do
saber” seria uma renda absoluta porque se baseia pura e simplesmente na propriedade.
Jakob Rigi (2014) apresenta diferentes situações possíveis em que à propriedade
intelectual ora se atribuem rendas informacionais análogas às rendas diferenciais da terra,
ora às rendas absolutas da terra. Eleuterio Prado (2005) propõe que o rentismo em questão
advém da impossibilidade de se medir o tempo de trabalho empregado na produção de
conhecimento.
Subsunção do trabalho
Na correlação entre renda da terra e renda informacional, importa reconhecer que
a diferença central entre a terra e o conhecimento é que a primeira não é trabalho, ao passo
que o segundo, sim. O conhecimento é trabalho morto, e a informação, trabalho vivo
(DANTAS, 2006). Desse modo, a apropriação do conhecimento mediante o seu
cercamento para fins rentistas se traduziria como subsunção do trabalho.
Conforme Wilden (2001) e Dantas (1999), a informação é um processo que
produz signos, apresentando simultaneamente um aspecto quantitativo que descreve o ser
natural – expresso pela unidade de medida “bit” (binary digit) – e um aspecto qualitativo
referente ao ser social – descrito pela semiótica em termos de produção de sentido e
significado.
No indivíduo humano, como observam Fuchs e Hofkirchner (2001), o processo
informacional começa com a recepção de signos do ambiente pelo funcionamento do
sistema cognitivo. Todo o processo informacional passa pelo: 1) ciclo sintático (que
produz percepção), em que os signos são recebidos e concebidos no nível de dados; 2)
ciclo semântico (que produz conhecimento), em que se realiza a interpretação pela
introjeção e projeção e 3) ciclo pragmático (que produz sabedoria), com a realização de
processos de descrição e prescrição voltados à avaliação e à decisão5.
Por todo esse processamento vivo que constitui a própria informação,
concordamos com Dantas (2006) que o trabalho informacional humano é, por natureza,
sígnico. O signo é “aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém”
(PEIRCE, 1977, p. 46), como, por exemplo, palavras, desenhos, imagens sonoras e
visuais. Tal representação é fruto de um trabalho de mediação que envolve uma relação
dinâmica e indissociável entre o contexto, o objeto e o intérprete. O signo é a reunião da
relação entre o interpretante – a imagem mental – e o objeto – aquilo que é percebido pela
5
Rafael Capurro (2003) discrimina três aspectos da informação correspondentes ao que identifica como
paradigmas epistemológicos da Ciência da Informação: o físico, em que a informação se confunde com um
objeto físico que um emissor transmite a um receptor; o cognitivo, em que a informação significa conteúdo
intelectual que existe somente em espaços cognitivos; e o social, em que a informação só pode ser
considerada como tal no contexto social. O conceito de informação que mobilizamos nesta tese, conforme
os autores mencionados, pretende abarcar todos esses três paradigmas indicados por Capurro, já que
perpassa níveis ontológicos diversos, entre o ser natural e o ser social.
235
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6
No conceito de Marx, o trabalho já o é, por definição, “criativo” ou “cognitivo”. O trabalho humano
sempre possui o elemento da subjetividade que pode produzir aleatoriedades em forma de mercadorias. A
diferença do trabalho informacional para o trabalho “simples”, segundo Dantas (2006), é que o primeiro se
caracteriza por sua aleatoriedade e o segundo por sua redundância.
236
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Como o trabalho vivo é o que cria valor, de acordo com a teoria do valor-trabalho,
o valor econômico resulta da aplicação da subjetividade ao trabalho. A automação da
produção (trabalho morto) representaria a absorção da subjetividade pelas máquinas, ou
a objetivação do processo de trabalho, sendo a própria subjetividade expropriada. Por
outro lado, a própria subjetividade é reconstruída. O capital captura o valor da produção
de subjetividade “em ambos os sentidos do genitivo: a constituição da subjetividade, de
um comportamento subjetivo particular (uma classe trabalhadora que é hábil e dócil) e a
transformação da potência produtiva da subjetividade, sua capacidade de produzir
riqueza” (READ, 2003, p. 102). Nesse sentido, “o comum não é uma mera duplicação do
conceito de cooperação: é simultaneamente a fonte e o produto da cooperação, o lugar da
composição do trabalho vivo e seu processo de autonomia, o plano de produção da
subjetividade e da riqueza social” (ROGGERO, 2014, p. 13).
Portanto, o cercamento do conhecimento para obtenção de rendas informacionais
redunda na própria subsunção real do trabalho, isto é, na completa captura de relações
sociais pelo capital.
7
Conforme matéria jornalística da revista IEEE Spectrum. Disponível em:
https://spectrum.ieee.org/computing/hardware/google-plans-to-demonstrate-the-supremacy-of-quantum-
computing. Acesso em 16 de outubro de 2017.
237
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8
Por se traduzir em um monopólio de utilização do conhecimento, a patente é aqui classificada como um
cercamento, apesar de posições divergentes que enxergam na descrição das patentes uma forma de
compartilhamento do conhecimento empregado.
238
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9
No ambiente de "competição científica" em busca de "capital simbólico" (BOURDIEU, 2004), a
publicação se faz necessária, daí porque os cientistas se sujeitam a efetuar um trabalho gratuito cujo valor
é apropriado pelas editoras privadas como renda. As editoras controlam o prestígio, pois seus periódicos
dominam os fatores de alto impacto. Então os pesquisadores são compelidos a publicar nesses veículos para
o bem de suas carreiras, ainda que existam alternativas em acesso aberto.
239
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Considerações finais
240
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Referências
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244
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245
APONTAMENTOS PARA A CONVERGÊNCIA ENTRE A LEI DA QUEDA
TENDENCIAL DA TAXA DE LUCRO E O JOGO DE SOMA ZERO DE
ROBERT BRENNER
Resumo
O objetivo deste artigo é explicitar as importantes contribuições de Robert Brenner e
dos autores ligados à Teoria da Queda Tendencial da Taxa de Lucro para o estudo da
longa estagnação da economia capitalista, iniciada na década de 1970, e para as crises
que eclodiram desde então. Enquanto o primeiro ressalta os efeitos da intensificação da
competição intercapitalista e a saturação do mercado, o que teria culminado num “jogo
de soma zero”, os segundos, a partir da análise marxiana, ressaltam como o aumento da
composição orgânica do capital geraria uma tendência de queda para a taxa média de
lucro. Assim, apesar de suas diferenças, ambas as abordagens iluminam diferentes
aspectos da dinâmica econômica capitalista, apresentando importantes elementos de
convergência explicativa.
Palavras chave: Brenner; Taxa de Lucro; Crise
Abstract
The purpose of this article is to demonstrate the important contributions of Robert
Brenner and the authors of the Theory of the Tendency of the Profit Rate to Fall to the
study of the long stagnation of the capitalist economy begun in the 1970s and the crises
that have erupted since so. While the former highlights the effects of the intensification
of inter-capitalist competition and market saturation, which would have culminated in a
"zero-sum game"; the seconds, from the Marxian analysis, emphasize how the increase
in the organic composition of capital would generate a declining tendency of the
average rate of profit. Thus, despite their differences, both approaches illuminate
different aspects of the capitalist economic dynamics, presenting important convergence
elements.
Keywords: Brenner; Rate of Profit; Crisis
1. INTRODUÇÃO
246
Os teóricos da tradição marxista desenvolveram, desde a morte de Marx, uma
série de explicações para o fenômeno das crises: algumas inclusive radicalmente
divergentes entre si. Para mencionar algumas delas, podemos citar autores como
Anselm Jappe e Robert Kurz, que atribuem, à gradativa redução da participação dos
homens no processo produtivo, uma crise do valor (JAPPE, 2006); Harvey (1992), que
atrela a longa estagnação iniciada nos anos 1970 a um processo de superacumulação de
capital; autores como Chesnais (2015), Dúmenil e Lévy (2011), que concebem a crise
2007-8 a partir do fracasso das políticas neoliberais e a hegemonia do capital financeiro;
teóricos que ou atrelam a crise a um achatamento dos lucros por meio de uma expansão
dos salários (“profit squeeze”) ou vão na direção contrária, atribuindo a crise a uma
queda dos salários por meio da expansão dos lucros - o que culminaria numa crise de
subconsumo -; até uma posição como a de Mészáros (2002), que atribui grande
protagonismo ao que chama de “taxa decrescente de utilização”.
Dessa forma,
247
Porém, alguns esclarecimentos finais devem ser adicionados. A análise dos
elementos de convergência de ambas as abordagens será realizada a partir do poder
explicativo demonstrado, por elas, diante dos nexos reais. Não temos, portanto, a
pretensão de construir um modelo teórico com poder explicativo universalizante. Em
outras palavras, o critério de verificação da validade analítica do Jogo de Soma Zero e
da LQTTL é a dinâmica econômica - a capacidade que tais abordagens demonstram em
jogar luz sobre ela, não critérios a priori.
Por fim, acreditamos que a investigação que aqui realizamos também se mostra
importante quando se identificam convergências entre elementos de análise particulares
a cada uma dessas abordagens. Podemos citar, por exemplo, a análise cuidadosa que
Brenner realiza quanto ao papel da atuação dos gestores econômicos e gestores políticos
do capital (PAÇO CUNHA) para o desenrolar da dinâmica econômica. Embora sua
análise seja bastante reveladora, um passo adiante poderá ser dado quando
incorporarmos a ela os elementos da Lei do Valor, que são ignorados por Brenner, mas
devidamente considerados pelos adeptos da LQTTL.
A principal causa, embora não a única, do declínio na taxa de lucro tem sido
uma tendência persistente para o excesso de capacidade nas indústrias
248
manufatureiras globais. O que aconteceu foi que, uma após a outra, novas
potências industriais entraram no mercado mundial - a Alemanha, o Japão, os
NICS do nordeste asiático, os Tigres do sudeste asiático e, finalmente, o
Leviatã chinês. Essas economias de desenvolvimento posterior produziram os
mesmos bens que já estavam sendo produzidos pelos desenvolvedores
anteriores, apenas mais baratos. O resultado foi uma oferta excessiva, em
comparação com a demanda, em uma indústria após a outra, e isso forçou a
queda dos preços e, dessa forma, dos lucros. As corporações que
experimentaram o aperto em seus lucros, além disso, não abandonaram suas
indústrias. Elas tentaram manter o seu lugar apostando na sua capacidade de
inovação, acelerando o investimento em novas tecnologias. Mas é claro que
isso só piorou o problema do excesso de capacidade. Devido à queda em sua
taxa de retorno, os capitalistas estavam obtendo excedentes menores em seus
investimentos. Eles, portanto, não tiveram escolha a não ser retardar o
crescimento de plantas, equipamentos e empregos (BRENNER, 2009a).
Historicamente, foi possível constatar que muitas dessas empresas, mesmo com
a completa depreciação do capital fixo, optaram por renovar os investimentos e
seguirem competindo no mesmo setor. Isso se deve ao fato de tais empresas, “após anos
de experiência, construíram inestimáveis ativos intangíveis de propriedade nas suas
próprias linhas, mas não em outras - informações sobre mercados, relacionamento com
fornecedores e clientes e, acima de tudo, conhecimento técnico” (BRENNER, 2006, p.
154). Portanto, por um lado, elas ainda possuíam vantagens que não seriam conservadas
caso optassem por investir em novas indústrias, por outro, caso o fizessem, teriam ainda
que enfrentar as barreiras de entrada numa conjuntura muito menos favorável.
O rápido aumento na renda discricionária, que facilitou a realocação de meios
de produção para novas indústrias durante a maior parte da época do pós-
guerra, chegou ao fim, e as linhas alternativas que ofereciam taxas adequadas
de retorno tornaram-se correspondentemente escassas. O problema tornou-se
ainda mais formidável porque tinha um aspecto estrutural importante. Uma
parte desproporcional da queda na demanda resultou da desaceleração
desproporcionalmente grande do crescimento do setor manufatureiro.
Obrigadas a enfrentar um novo padrão de necessidades econômicas, as
empresas enfrentaram maiores dificuldades em descobrir exatamente onde a
demanda lentamente crescente era encontrada ou de fato criada, um problema
que se tornou muito mais oneroso em função das suas capacidades reduzidas
em financiarem pesquisa e desenvolvimento (ibid., p. 155).
Dessa maneira, cercada cada vez mais por barreiras, a economia mundial
acaba, no início da década de 1970, tomando a forma “de um jogo de soma zero”. Nas
palavras do autor,
249
as mercadorias japonesas e alemãs ganham competitividade e, portanto, se apoderam de
fatias de mercado até então ocupadas por empresas norte-americanas. Por outro lado,
com a desvalorização do dólar em relação a essas moedas, as empresas norte-
americanas voltam a se tornar mais competitivas, retomando as fatias de mercado por
elas perdidas na fase de alta do dólar. Assim, enquanto a taxa de lucro cresce em
determinada região, ela é necessariamente esmagada em outra.
Portanto, enquanto nos 25 anos subsequentes à 2ª Guerra Mundial as indústrias
estadunidenses pouco dependiam de créditos para realizar investimentos; a partir da
década de 1970, quando a taxa de lucro da atividade industrial cai vertiginosamente e o
ritmo de crescimento dos salários despenca -, verifica-se a expansão da atividade
financeira e especulativa como forma de expandir o consumo e compensar a queda do
poder de investimentos resultante do achatamento dos lucros. “Foi o crescimento sem
precedentes da dívida de todos os tipos - governamental, corporativa e dos
consumidores - que manteve o emprego e a utilização da capacidade e, em última
instância, assegurou a estabilidade durante a maior parte da crise” (ibid., p. 158). Em
outras palavras, a expansão do crédito e a formação de bolhas surgem como respostas à
insuficiência do consumo das famílias e do consumo empresarial diante da
superprodução e da expansão da ociosidade industrial, ainda assim serão incapazes de
retirar a economia mundial do jogo de soma zero.
250
Marx ao longo dos três livros d’O Capital. Diante da inviabilidade de se realizar tal
empreendimento nos limites deste trabalho, recorreremos a uma breve apresentação
realizada por Andrew Kliman como forma de minimizar esse problema.
Para Kliman, a LQTTL pode ser apresentada nos seguintes termos: “Marx
sustentou que, à medida que a produção capitalista se desenvolve, os capitalistas tendem
a adotar técnicas mais produtivas e economizadoras de trabalho; ou seja, eles se voltam
cada vez mais para métodos de produção que substituem os trabalhadores por
máquinas” (2011, p. 14). Assim, “quando a produtividade aumenta, menos trabalho é
necessário para produzir um produto, desse modo ele pode ser produzido de forma mais
barata. Como resultado, seu preço tende a cair. E quando os preços tendem a cair, o
mesmo acontece com os lucros e a taxa de lucro” (2017, p. 226). Em outras palavras,
como somente o trabalho é capaz de produzir valor novo, uma vez reduzida, em termos
valorativos, a relação da quantidade de trabalho empregada para cada meio de produção
(aumento da composição orgânica do capital), a massa de valor encarnada em cada
mercadoria individual é cada vez menor. Dessa forma, a massa de valor total gerada
tende a crescer num ritmo cada vez mais lento, reduzindo o valor a ser apropriado por
cada capitalista individual.
Entretanto, é importante enfatizar que a LQTTL não se baseia simplesmente
numa análise de capitais individuais, mas sim analisando o capital social total. Tal
esclarecimento é importante posto que, a primeira vista, parece um absurdo afirmar que
tornar-se mais produtivo corrobora com a queda da taxa de lucro. Para contornar essa
falsa intuição, Kliman coloca a questão a partir de duas analogias (2011, p. 15): “se
você está em um estádio e se levanta, você pode ver melhor; mas se todos se levantarem
de uma só vez, nem todos verão melhor. Se você obtiver um mestrado, você terá um
emprego melhor e ganhará mais dinheiro; mas se todos tiverem um mestrado, nem
todos conseguirão empregos melhores e ganharão mais dinheiro”. Ou seja, obviamente
que, para um capital individual, é mais lucrativo tornar-se mais produtivo. No entanto,
quando a maioria dos capitais se torna mais produtiva, a massa de mais-valor total a ser
repartida por eles se torna menos volumosa.
É claro que as empresas capitalistas não conhecem nem se importam com
valor ou mais-valor medidos em termos de tempo de trabalho. Eles sabem e
se preocupam com os preços e lucros monetários. Por isso, pode ser útil
reafirmar a lei de Marx em termos de preço e lucro. Quando a produtividade
aumenta, mais coisas físicas e efeitos físicos (serviços) são produzidos por
hora de trabalho. De acordo com a teoria de Marx, no entanto, o aumento da
produtividade não faz com que mais valor novo seja criado. A mesma
quantidade de valor é “espalhada” entre mais itens, então o aumento na
produtividade faz com que os valores de itens individuais diminuam. Em
outras palavras, as coisas podem ser produzidas de forma mais barata. E
porque elas podem ser produzidas de forma mais barata, seus preços tendem
a cair? Em um ambiente competitivo, as empresas devem reduzir os preços
que cobram quando os custos de produção diminuem. Se não o fizerem,
correm o risco de uma perda significativa de quota de mercado ou mesmo de
falência, quando os concorrentes reduzem os seus preços em resposta aos
custos de produção reduzidos. No entanto, mesmo os monopólios que
desfrutam de custos mais baixos geralmente tendem a reduzir seus preços,
porque a redução nos custos permite que o lucro de cada item aumente
mesmo se seu preço for menor, e a redução no preço permite que eles
vendam mais itens. (ibid., p. 15-6).
251
Embora com uma fundamentação distinta, fica patente a proximidade desse
ponto de chegada com a conclusão da análise de Brenner. Contudo, antes de
avançarmos nisso, é preciso, primeiramente, apresentar aqueles fatores, identificados
por Marx (2016), que atuam em direção contrária à tendência de queda da taxa de lucro,
sem eliminar a sua tendência declinante.
A contratendência que provavelmente exerce maior resistência é a de que as
inovações tecnológicas, ao mesmo tempo em que agem em favor da diminuição do
valor encarnado em cada unidade de produto, também atuam em favor da diminuição do
valor encarnado nos meios de produção; assim sendo, mesmo que a massa de mais-
valor gerada seja menor (numerador), o capital total investido necessário para a
produção desse mais-valor (denominador) pode ser ainda menor, impedindo que a taxa
de lucro (o resultado dessa divisão) tenha o seu valor reduzido. Contudo, Carchedi
(2017), analisando o comportamento dessas determinações no longo prazo, identificou
que, na verdade, diante da complexificação tecnológica, o valor dos meios de produção
tende a crescer, ou seja, “uma só máquina pode custar menos, mas a totalidade do preço
das máquinas que substituem essa máquina aumenta não só em termos absolutos como
também em relação ao preço de saída”.
252
Gráfico 3. Taxa de exploração e taxa de lucro, 1947-2010)
Por outro lado, caso o nível de exploração tivesse se mantido constante, a taxa
de lucro norte-americana teria tido a seguinte trajetória:
253
Por fim, a terceira contratendência que aqui destacamos é o aumento da taxa
média de exploração obtida com a compressão dos salários. O resultado disso é que,
por um lado, o poder aquisitivo das massas se reduz e, por outro, que o valor
excedente produzido não pode ser investido em sectores produtivos devido ao
facto de a taxa de lucro cair nestes sectores. Em consequência, o capital
emigra para sectores improdutivos, como o comércio, as finanças e a
especulação. Os lucros destes sectores são fictícios, são deduções dos lucros
obtidos na esfera produtiva (ibid.).
Assim, uma vez que as contratendências não têm sido capazes de mitigar a
queda da taxa de lucro, Roberts (2016, p. 21) nos mostra, a partir do trabalho de Esteban
Maito (gráfico abaixo), a magnitude dessa queda:
254
Fonte: Roberts (2016, p. 21)
Gráfico 7. Taxa de lucro em todo o mundo e no G7, 1963-2008 (índice 1963 = 100)
255
em 1947 para 231 milhões em 2010, ao passo que os trabalhadores por meios de
produção se reduziram de 75 em 1947 para 6 em 2010” (gráfico abaixo).
256
Portanto, “uma queda na taxa de lucro leva a crises apenas indiretamente e de
maneira retardada. A queda leva primeiro ao aumento da especulação e ao acúmulo de
dívidas que não podem ser pagas, e estas são as causas imediatas das crises” (2011, p.
22). Ou seja, não se trata de uma relação mecânica e livre de mediações entre a queda
na lucratividade e a deflagração de uma crise econômica.
257
Imagine, por exemplo, uma empresa que possa gerar US $ 3 milhões em
lucro anualmente. Se o valor do capital investido no negócio for de US $ 100
milhões, a taxa de lucro dos proprietários será de apenas 3%. No entanto, se,
como resultado da destruição do valor do capital, novos proprietários
puderem adquirir o negócio por apenas US $ 10 milhões em vez de US $ 100
milhões, sua taxa de lucro - o retorno que receberão em seu investimento -
será de 30% (KLIMAN, 2011, p. 23).
Por fim vale adicionar que, para Carchedi (2017), o desaparecimento dos
capitais menos eficientes não significa apenas a mitigação do problema da
258
superprodução e da capacidade ociosa, significa também “o desaparecimento dos
capitalistas mais fracos, os que proporcionalmente utilizam mais trabalho do que meios
de produção. Quando a cadeia de investimentos se fecha, há menos trabalhadores
empregados, produz-se menos mais-valia e a taxa média de lucro cai”. Ou seja, se por
um lado o excesso de competição reduz o lucro dos capitais individuais, por outro, a
redução dessa competição - via eliminação dos capitais individuais menos produtivos -
acarreta a redução da massa total de mais-valor, o que também contribui para a queda da
taxa de lucro.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pudemos demonstrar, ao longo deste trabalho, como, a partir de uma análise
centrada nos movimentos subjacentes à taxa de lucro, não só aparecem importantes
convergências entre o pensamento de Brenner e os autores da LQTTL, mas também
como elas iluminam diferentes elementos da dinâmica econômica. Essa convergência
aparece não somente na investigação da causalidade das crises econômicas, mas
também na funcionalidade dessas crises para incitar um novo ciclo expansivo.
Devemos, porém, ao menos mencionar que, ao identificarmos tais
convergências, de forma alguma pretendemos apagar as importantes divergências
existentes entre os autores. Como analisado por Kliman (2007, capítulo 7), Brenner
incorpora nos seus trabalhos o teorema de Okishio que pretende provar a falsidade da
LQTTL. Kliman enfatiza em tom crítico que, para Brenner, “a teoria da queda da taxa
de lucro (...) voa na face do senso comum” (KLIMAN, 2007, p. 113). A partir disso ele
demonstra como Brenner confunde os efeitos individuais do aumento da composição
orgânica do capital (o que, via de regra, gera um lucro prêmio para a empresa de maior
composição), com os efeitos generalizados (quando a taxa de mais-valor gerada tende a
cair).
Feita essa ressalva, esperamos ter demonstrado como ambas as análises jogam
luz sobre diferentes elementos da dinâmica capitalista, contribuindo para o
entendimento da longa estagnação iniciada na década de 1970 e as crises que eclodiram
desde então.
REFERÊNCIAS
BARAN, P.A; SWEEZY, P.M. Capitalismo monopolista. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar,
1974.
259
______. What is good for Goldman Sachs is good for America: the origin of the current
crisis. In: La economia de la turbulencia global. Madrid: Akal, 2009b.
CARCHEDI, Guglielmo. O esgotamento da actual fase histórica do capitalismo.
2017. Disponível em: < http://resistir.info/crise/carchedi_04jan17.html>. Acesso em 15
de agosto de 2017.
______. Tendency of the Rate of Profit to Fall: Long-term Dynamics. In: BRENNAN,
David M.; KRISTJANSON-GURAL, David; MULDER, Catherine P.; OLSEN, Erik
K.(Org.). Routledge Handbook of Marxian Economics. London and New York:
Routledge, 2017.
ROBERTS, Michael. Andrew Kliman and The Failure of Capitalist Production. 2011.
Disponível em: <https://thenextrecession.wordpress.com/2011/12/08/andrew-kliman-
and-the-failure-of-capitalist-production/>. Acesso em 30 de agosto de 2017.
______. The Marxist theory of economic crises in capitalism – part two. 2015b.
260
Disponível em: <https://thenextrecession.wordpress.com/2015/12/29/the-marxist-
theory-of-economic-crises-in-capitalism-part-two/> Acesso 30 de agosto de 2017.
261
OS EXTREMOS DA MERCANTILIZAÇÃO DA VIDA SOCIAL NA
CONTEMPORANEIDADE DO CAPITALISMO. UMA ANÁLISE A LUZ DO
FETICHISMO DA MERCADORIA.
Victor César Fernandes Rodrigues.
UNESP – Franca
victor.rotciv_@hotmail.com
Resumo.
O presente trabalho tem por finalidade situar a problemática marxiana do fetichismo da
mercadoria no contexto contemporâneo do capitalismo. Sua proposta é a de reivindicar,
por um lado, que a criação incessante de necessidades é inerente à forma social do capital,
pois essa criação incessante de necessidades tem por finalidade a valorização do valor em
detrimento da satisfação das pessoas, e é precisamente por isto que o fetichismo se põe
de forma objetiva, na inversão social que opera. Por outro lado, pretende situar que
atualmente a criação incessante de necessidades está produzindo o recrudescimento do
fetichismo e reproduzindo cada vez maior submissão das pessoas aos imperativos do
mercado.
Palavras-chave: fetichismo; Mundo do Trabalho; Mercantilização da vida social.
The present work aims to situate the Marxian problematic of commodity fetishism in the
contemporary context of capitalism. His proposal is to claim, on the one hand, that the
incessant creation of needs is inherent in the social form of capital, since this incessant
creation of needs has the purpose of valuing value to the detriment of the satisfaction of
people, and it is precisely for this reason that fetishism is put in an objective way, in the
social inversion that operates. On the other hand, it intends to situate that currently the
incessant creation of needs is producing the recrudescimento of fetichismo and
reproducing more and more submission of the people to the imperatives of the market.
1
O referido livro de Lukács é um marco deste período de crise política do marxismo da II Internacional,
por haver situado o que havia sido marginalizado, mas de forma alguma o único. A obra de Isaak Rubin;
“Teoria Marxista do Valor”, também publicada em 1923, demonstra possuir um caráter extremamente
melhor sistematizado do que o livro de Lukács, com relação ao tema do fetichismo. A obra de Lukács,
262
desdobramento ulterior das formulações marxianas, contidas em obras as quais só
começaram a vir a público muito posteriormente.2 De fato, a temática do fetichismo, em
Marx, possui diversas posições distintas.3 A lista de autores marxistas que pensaram a
questão é vasta,4 ao cabo da qual é mais que suficiente para legitimá-la. Nossa tarefa,
neste trabalho, consiste no seguinte: trazer a questão do fetichismo para a atualidade; de
descortinar o fetichismo da mercadoria em relação às múltiplas refrações de seus
mecanismos referenciais. Principalmente, trazer a possibilidade de equacioná-la como
importante categoria para a compreensão do capitalismo contemporâneo e das atuais
inovações tecnológicas.
Vivemos em um mundo onde a mistificação operada pelo fetichismo da
mercadoria vem invadindo a todas as esferas. Ao cabo das quais vem estimulando a
retomada desta questão particular, no exame reticente de seus efeitos objetivos/subjetivos.
No marco dessa generalização “profana” da mercantilização nos encontramos todos. Indo
das novas circunstâncias de externalidade com a realidade e entre si mediante vidraças
oculares conectadas virtualmente5 à disseminação teleguiada de recursos automobilísticos
autônomos,6 a personificação das coisas e reificação das pessoas atingiu o cume
estatutário de a tudo incluir como estratos de seu império sacrossanto.
contudo, parece ser um catalisador de diversos desdobramentos filosóficos sobre o tema, tal a importância
de sua obra, em relação a de Rubin. Dado os limites deste pré-projeto, o contexto desta crise ficará em
suspenso. Mas é possível dizer, em linhas gerais, que a questão da reificação e do fetichismo emergem
precisamente através desta referida crise política da II Internacional, que congrega estes dois autores, e que
coincide com a inauguração do Instituto para Pesquisa Social (Institut für Sozialforschung) fundado por
Felix Weil em 3 de fevereiro de 1923. E que em autores como Adorno e Horkheimer, ganharam nova
postura e veredicto.
2
“[...] Quanto a este ponto, há que ressaltar, [...] que os materiais marxianos acessíveis até os anos trinta
não permitiam, com efeito, o estabelecimento do real perfil da empresa de Marx: até então permaneciam
inéditos, entre outros, dois conjuntos de elaborações sem cujo conhecimento é simplesmente impossível a
compreensão quer da evolução do pensamento de Marx, quer da estrutura mesma da sua teoria social –
trata-se dos Manuscritos de 1844, publicados em 1932, e dos Elementos Fundamentais para a Crítica da
Economia Política (1857-58), dados à luz entre 1939 e 1941. (NETTO. J. 1981. p. 31-2)
3
Pode-se dizer, quanto a este ponto, que somente no decurso de 1857-1873; tanto na “Contribuição à Crítica
da Economia Política”, especificamente no capítulo “O rendimento e suas Fontes”; quanto nos
“Grundrisse”, passando pelos Manuscritos de 1861-1865, ela vai tomando certa “formatação”, a qual terá
sua cristalização teórica n’O Capital, particularmente em sua segunda edição de 1873.
4
Em linhas gerais, pode-se apenas mencionar: KONDER. L. “Marxismo e Alienação” Ed. Civilização
Brasileira. 1965. ARTETA. A. 1993 “Marx: valor, forma social y alienación.” Madrid: Ed. Libertarias.
BEDESCHI. G. 1975 “Alienación y fetichismo em el pensamiento de Marx.” Madrid: Ed. Corazón.
GODELIER. M. “Economía, fetichismo y religión en las sociedades primitivas”. 3º Ed. México: Ed. Siglo
Veintiuno. 1980. LAMO DE ESPINOSA. E. “La teoria de la cosificación: de Marx a la Escuela de
Francfort.” Madrid: Ed. Alianza. 1981. MÉSZÁROS. I.. “A teoria da alienação em Marx.” Ed. Zahar. 1981.
RUBIN. I. “Ensaios sobre a teoria marxista do valor.” 1987. Ed. Polis. FAUSTO. R. “Marx: lógica e
política.” São Paulo, Editora Brasiliense, 1987. DUSSEL. E. “El fetichismo en las cuatro redacciones de
El capital (1857-1882).” Madrid. Ed. Verbo Divino. 1993. ANTONIO. R. “Teoría econômica y ciencias
sociales: Alienación, fetichismo y colonización.” Equador Debate. 2008.
5
O Google Glass é um dispositivo semelhante a um par de óculos, que fixados em um dos olhos,
disponibiliza uma pequena tela acima do campo de visão. A pequena tela apresenta ao seu utilizador: mapas,
opções de música, previsão do tempo, rotas de mapas, e além disso, também é possível efetuar chamadas
de vídeo ou tirar fotos de algo que se esteja a ver e compartilhar imediatamente através da internet. Não é
difícil imaginar, porém, serem também utilizados para compras via QR-CODE ou mediante implantes via
lentes de contatos. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=P42H8iOxWOE
6
Já estão sendo testadas em diversas regiões carros inteiramente autônomos, uma espécie de “internet de
bordo”. Maiores informações, ver em: https://tecnoblog.net/178274/carros-autonomos-google-ruas-
california/. Não é difícil imaginar o quanto esta tecnologia modificará radicalmente o design de estradas,
263
Do futuro interativo tendencial entre algoritmos e seres humanos, liquefazendo
ainda mais os espaços humanos da comunicação interpessoal7 aos complexos
exoesqueletos adaptados à operários fabris8, da tecnologia do grafeno9 à privatização da
natureza e ambientalização dos discursos midiáticos10, persiste o regime
“fantasmagórico” que paira por sob nós, convertendo nossas mais íntimas capacidades
criativas e nossas candentes necessidades sociais em meros suportes de uma vida
inautêntica orquestradas e medidas por cálculos de mercado.11 As dimensões alcançadas
pela mercantilização da vida social hoje, traz a chancela o caráter expansivo desta
questão, em Marx.
A própria necessidade de primeiro transformar o produto ou a atividade dos indivíduos
na forma de valor de troca, no dinheiro, e o fato de que só nessa forma coisal adquirem
e comprovam seu poder social, demonstra duas coisas: 1) que os indivíduos produzem
tão somente para a sociedade e na sociedade; 2) que sua produção não é imediatamente
social, não é o resultado de associação que reparte o trabalho entre si. Os indivíduos estão
subsumidos à produção social que existe fora deles como uma fatalidade; mas a produção
social não está subsumida aos indivíduos que a utilizam como seu poder comum.
(MARX. K. 2011. p. 106. Grifo meu)
incluída a mobilidade urbana, além da extinção gradativa de empregos no setor de transporte e distribuição.
No mais, é o retrato da velocidade inovadora 4.0 com que o imperativo do lucro recobra seu significado e
direção, em se tratando da substituição de precariados uberizados e da consequente perda de controle social
do processo de produção.
7
“Programas como o Siri da Apple oferecem um vislumbre da capacidade de uma subárea da IA
(Inteligência Artificial) que está em rápido avanço: os assistentes inteligentes. Os assistentes pessoais
inteligentes começaram a surgir há apenas dois anos. Atualmente, o reconhecimento de voz e a inteligência
artificial progridem em uma velocidade tão rápida que falar com computadores se tornará, em breve, a
norma, criando algo que os tecnólogos chamam de computação ambiental; nela, os assistentes pessoais
robotizados estão sempre disponíveis para tomar notas e responder às consultas do usuário. Cada vez mais,
nossos dispositivos se tornarão parte de nosso ecossistema pessoal, nos ouvindo, antecipando nossas
necessidades e nos ajudando quando necessário — mesmo que não tenhamos pedido.” (SCHWAB. K.
2016. p. 17)
8
Maiores informações, ver em: https://exame.abril.com.br/tecnologia/fiat-indica-futuro-do-trabalho-com-
uso-de-exoesqueletos/
9
“O Grafeno [...] já é conhecido como um dos elementos que vão revolucionar a indústria tecnológica como
um todo devido a sua resistência, leveza, transparência e flexibilidade, além de ser um ótimo condutor de
eletricidade” Fonte: https://canaltech.com.br/produtos/grafeno-conheca-o-material-que-vai-revolucionar-
a-tecnologia-do-futuro-25436/ O Grafeno promete radicalizar nossa relação com as mercadorias e
incrementar seu fetichismo.
10
“Ao incorporar a fala ambientalista o discurso do mercado, amparado em uma simpática receptividade
midiática, se apropria do discurso ambiental e o despolitiza e descontextualiza, conjurando seu potencial
transformador [...] acaba convertendo a própria preocupação ambiental em novo fator de reprodução do
capital, mercantilizando a própria causa, seja na forma de produtos ditos ecologicamente corretos ou na
utilização imagética e estilizada na publicidade para associar a produtos e atividades uma imagem
ecológica”. Apud. ZANGALLI. J. Guimarães JR, 2011. In: https://digitalis-
dsp.sib.uc.pt/bitstream/10316.2/38052/3/A%20mercantilizacao%20da%20natureza.pdf
11
Diz-se e se pode voltar a dizer que a beleza e a grandeza deste sistema residem precisamente neste
metabolismo material e espiritual, nesta conexão que se cria naturalmente, na forma independente do saber
e da vontade dos indivíduos, e que pressupõe precisamente sua indiferença e sua independência recíprocas.
(MARX, K. 1987, p. 87. Grifo meu. Tradução minha).
264
por Marx na análise da mercadoria. Antes, elas constituem as formas de ser do
capitalismo, conformam suas determinações de existência12 e irradiam luminosidade
própria nesse modo de produção na exuberância de suas dimensões categoriais nucleares
na tríade fetichista da sociabilidade burguesa13; a mercadoria, o dinheiro e o capital.14 A
problemática da reificação e do fetichismo estão mais vivas hoje do que nunca; é o que
tentaremos demonstrar nas páginas que seguem, cujo horizonte mira enfrentar as
consequências que assume para os sujeitos sociais, participantes desses processos de
fundo. Em suma, o fetichismo é apenas um “termo” empregado por Marx para situar uma
análise estrita da mercadoria ou compõe o estatuto setorial da positividade capitalista
(NETTO, 1981) cuja estrutura discriminatória corresponde na reificação das pessoas e
personificação das coisas expressivas de seu regime?
O fetichismo, para Marx, atua como inversão objetiva, que não apenas inverte o
relacionamento social das objetivações humanas regidas pela forma valor, mas distorce
simultaneamente a relação humana posta sob tal regência; o modo de produção domina
os sujeitos que perdem o controle sobre suas objetivações e passam os mesmos a se
relacionarem materialmente entre si através única e exclusivamente da mediação dessas
coisas, das quais lhes escapam os rastros com os quais vieram a ser; característica que se
agrava na atual fase do capitalismo, em especial no “cântico de louvor” da exibição
espetacular que expressam os mais variados sentimentos com relação ao universo
digitalizado das relações humanas. No “mundo das mercadorias”, os homens lidam com
estas coisas-valores na proporção em que se relacionam entre si15, e somente na dimensão
desta relação devêm reconhecíveis como tais16; na proporção de uma relação social entre
coisas e uma relação reificada entre pessoas,17 confirmadas pela opressão estabelecida
12
“[...] as categorias expressam formas de ser, determinações de existência [...] ” (MARX. K. 2011. P. 85)
13
“[...] A reificação das relações de produção entre as pessoas é agora complementada pela “personificação
das coisas”. A forma social do produto do trabalho, sendo resultado de incontáveis transações entre os
produtores mercantis, torna-se um poderoso meio de exercer pressão sobre a motivação dos produtores
individuais de mercadorias, forçando-os a ajustar seu comportamento aos tipos dominantes de relações de
produção entre as pessoas nessa dada sociedade. O impacto da sociedade sobre o indivíduo é levado adiante
mediante a forma social das coisas. Esta objetivação, ou “reificação” das relações de produção entre as
pessoas sob a forma social de coisas, dá ao sistema econômico maior durabilidade, estabilidade e
regularidade. O resultado é a “cristalização” das relações de produção entre as pessoas.” (RUBIN. I. 1987.
p. 37)
14
“[...] É apenas uma relação social determinada entre os próprios homens que assume, para eles, a forma
fantasmagórica de uma relação entre coisas.” (MARX. K. 2013. p. 147. Grifo meu)
15
“Na economia capitalista verifica-se o recíproco intercâmbio de pessoas e coisas, a personificação das
coisas e a coisificação das pessoas. Às coisas se atribuem vontade e consciência, e, por conseguinte, o seu
movimento se realiza consciente e voluntariamente; e os homens se transformam em portadores ou
executores do movimento das coisas.” (KOSIK. K. 1976. p. 174)
16
“[...] A separação do produtor dos seus meios de produção, a dissolução e a desagregação de todas as
unidades originais de produção etc., todas as condições econômicas e sociais do nascimento do capitalismo
moderno agem nesse sentido: substituir por relações racionalmente reificadas as relações originais em que
eram mais transparentes as relações humanas.” (LUKÁCS. G. 2003. p. 207)
17
“A metamorfose da relação mercantil num objeto dotado de uma “objetivação fantasmática” não pode,
portanto, limitar-se à transformação em mercadoria de todos os objetos destinados à satisfação das
necessidades. Ela imprime sua estrutura em toda a consciência do homem; as propriedades e faculdades
dessa consciência não se ligam mais somente à unidade orgânica da pessoa, mas aparecem como “coisas”
que o homem pode “possuir” ou “vender”, assim como os diversos objetos do mundo exterior. E não há
nenhuma forma natural de relação humana, tampouco alguma possibilidade para o homem fazer valer suas
“propriedades” físicas e psicológicas que não se submetam, numa proporção crescente, a essa forma de
objetivação.” (LUKÁCS. G. 2003. p. 223)
265
entre a classe possuidora e a classe despossuída, em níveis distintos,18 a qual conforma a
historicidade de seu estatuto.19
Na sociedade burguesa, quanto mais se desenvolve a produção capitalista, mais as
relações sociais de produção se alienam dos próprios homens, confrontando-os como
potências externas que os dominam. Essa inversão de sujeito e objeto, inerente ao capital
como relação social, é expressão de uma história da auto-alienação humana. Resulta na
progressiva reificação das categorias econômicas, cujas origens se encontram na
produção mercantil. (IAMMAMOTO. M. 2014. p. 48)
Um processo social que atua a margem dos produtores como uma fatalidade;
passam os sujeitos a meros suportes de uma relação entre coisas.20 Em contrapartida, os
sujeitos sociais, que somente obtendo tais coisas sustém sua própria vida, são dados
destinos funestos em “mundos impróprios”, que sequer lhes pertencem. A seguir,
veremos como estas características fetichistas da sociabilidade burguesa se intensificaram
na contemporaneidade, a qual verteu sob o selo da mercadoria múltiplos aspectos da
realidade social e promete verter ainda mais.
Segundo Netto;
[...] Na idade avançada do monopólio, a organização capitalista da vida social preenche
todos os espaços e permeia todos os interstícios da existência individual: a manipulação
desborda a esfera da produção, domina a circulação e o consumo e articula uma indução
comportamental que penetra a totalidade da existência dos agentes sociais particulares –
é o inteiro cotidiano dos indivíduos que se torna administrado, - um difuso terrorismo
psico-social se destila de todos os poros da vida e se instila em todas as manifestações
anímicas e todas as instâncias que outrora o indivíduo podia reservar-se como áreas de
autonomia. (NETTO. J. 1981 p. 81. Grifo meu)
Se a forma social das coisas, que são produtos do trabalho humano, aparece aos
homens com a mística qualidade de ocultar suas mediações sociais, ao passo de converter
as relações materiais dos homens com os produtos de seu trabalho em uma relação social
das próprias coisas; se a própria forma fetichista deste estatuto inverte as relações sociais
dos produtos do trabalho na própria base em que são produzidas, há razões para dizer que
na contemporaneidade do capitalismo está-se operando o recrudescimento fetichista deste
estatuto na tendência de tornar as próprias coisas conectadas entre si em uma “internet
das coisas” (IoT), cuja miniaturização nano tecnológica identifica cada coisa em um
18
“A classe possuinte e a classe do proletariado representam a mesma autoalienação humana. Mas a
primeira das classes se sente bem e aprovada nessa autoalienação, sabe que a alienação é seu próprio poder
e nela possui a aparência de uma existência humana; a segunda, por sua vez, sente-se aniquilada nessa
alienação, vislumbra nela sua impotência e a realidade de uma existência desumana.” (MARX. K.
ENGELS. F. 2003. p. 48)
19
“Como o trabalho vivo – no processo de produção – está já incorporado ao capital, todas as forças
produtivas sociais do trabalho apresentam-se como forças produtivas do capital, como propriedades que
lhe são inerentes, da mesma forma que, no caso do dinheiro, o caráter geral do trabalho, na medida em
que este cria valor, aparecia como propriedade de uma coisa. [...] a combinação social, na qual as diversas
forças de trabalho funcionam tão somente como órgãos particulares da capacidade de trabalho que constitui
a oficina coletiva, não pertence a estas, mas se lhes contrapõe como ordenamento (arrangement)
capitalista, é-lhes imposta.” (MARX. K. 1978. p. 83. Grifo meu)
20
“[...] O homem não aparece, nem objetivamente, nem em seu comportamento em relação ao processo de
trabalho, como o verdadeiro portador desse processo; em vez disso, ele é incorporado como parte
mecanizada num sistema mecânico que já encontra pronto e funcionando de modo totalmente independente
dele, e a cujas leis deve se submeter.” (LUKÁCS. G. 2003. p. 204)
266
banco de dados, os quais se conectam virtualmente, tornando o fetichismo das
mercadorias ainda mais expressivo,21 precisamente pela migração desta tecnologia em
pessoas,22 mostrando a atualidade da questão. Mas os aspectos peculiares da crise
contemporânea do capital são mais engenhosos, não é por acaso que a tecnologia
Blockchain de Bitcoin, por exemplo, a “moeda virtual” destes tempos, tem sido
recorrentemente exposta como o futuro do dinheiro,23 ao mesmo tempo em que expressa
o grau alcançado pelo fetichismo, em se tratando de um dinheiro que parece “surgir do
nada”, ou simplesmente através da “mineração virtual”.24
O Bitcoin é o blockchain mais conhecido neste momento, mas essa tecnologia logo dará
origem a inúmeros outros. Se, agora, a tecnologia do blockchain registra transações
financeiras feitas com moedas digitais (o Bitcoin, por exemplo), futuramente ele servirá
para registrar coisas bem diferentes, como nascimentos e óbitos, títulos de propriedade,
certidões de casamento, diplomas escolares, pedidos às seguradoras, procedimentos
médicos e votos — essencialmente, quaisquer tipos de transação que podem ser
transformadas em código. (SCHWAB. K. 2016. p. 22)
267
Unidos, por exemplo, pode-se alugar uma “barriga de aluguel” indiana, por US$ 6.250.
Casais ocidentais que buscam uma mãe de aluguel estão recorrendo sistematicamente a
essa terceirização dos ventres maternos na Índia.28
Na sociabilidade burguesa, tudo aquilo que puder ser submetido à forma-
mercadoria, cedo ou tarde será garantido por todos como aceitável; nessa “síndrome de
estocolmo” tão característica dos nossos tempos. A transversalidade da fetichização das
relações sociais constitui propriamente o elo condutor da conversão dos seres humanos e
da natureza em meras coisas quantitativamente avaliadas segundo o custo benefício dos
mercados na busca desenfreada por maiores lucros em detrimento dos seres vivos. A
inversão, portanto, entre a personificação das coisas e a reificação das pessoas comparece
setorialmente no capitalismo contemporâneo, e nos mostra que a rigor, não há limites
para esse regime estatutário. Ademais, é extremamente problemático relegar o tema do
fetichismo, em Marx, a um tema qualquer, pois a rigor, é na atualidade do capitalismo
que ele recobra seu sentido crítico preciso e elementar. Mas nada se compara ao direito
de poder lançar toneladas de gás carbônico na atmosfera, desde que sejam pagos os preços
estabelecidos pelo mercado de emissões.29 Quer dizer, nada se compara a possibilidade
de estatuir um “regime fantasmagórico” em todas as mais distantes e inóspitas treliças da
sociedade, como diz Netto: “do útero a cova.”30
A planificação global – aqui necessariamente vertical e burocrática – cobre a vida como
um todo: da distribuição ecológica ao conteúdo do lazer, do controle da mobilidade da
força de trabalho ao continuum instrução formal/informal, etc. A organização capitalista
da grande indústria moderna modela a organização inteira da sociedade macroscópica,
impinge-lhe os seus ritmos e os ciclos, introduz com a sua lógica implacável o relógio-
de-ponto e os seus padrões em todas as micro-organizações. (NETTO. J. 1981. p. 82)
28
“O subaluguel comercial tem sido legal na Índia desde 2002, como é em muitos outros países, incluindo
os Estados Unidos. Mas a Índia é o líder em torná-lo uma indústria viável, em vez de um tratamento de
fertilidade raro. Os especialistas dizem que poderia decolar pelas mesmas razões que a terceirização em
outras indústrias foi bem sucedida: um amplo laboratório trabalhando para taxas relativamente baixas.”
(Tradução minha). Fonte: http://usatoday30.usatoday.com/news/world/2007-12-30-3457229192_x.htm
29
A União Europeia administra um mercado de emissões de gás carbônico que torna permissível comprar
e vender o direito de destruir a camada de ozônio. Maiores informações, ver em:
https://www.nanotechdobrasil.com.br/point-carbon-estima-volume-do-mercado-de-carbono-norte-
americano-deve-dobrar-este-ano/
30
“[...] Exclusivamente os recursos heurísticos contidos nas formulações sobre o fetichismo podem abrir a
via à sua compreensão, porque o que aqui se universalizou, na imediaticidade da vida social, são os
processos alienantes e alienados peculiares ao modo de produção capitalista, os que se encontram na base
do mistério da forma mercadoria – que, então, dominam toda a organização social. Tais processos não
envolvem apenas os produtores diretos: penetram e conformam a totalidade das relações de produção social
e das relações que viabilizam a sua reprodução. Sob o salariato não se encontra mais apenas a classe
operária, mas a esmagadora maioria dos homens; a rígida e extrema divisão social do trabalho subordina
todas as atividades, “produtivas” e “improdutivas”; a disciplina burocrática transcende o domínio do
trabalho para regular a vida inteira de quase todos os homens, do útero à cova.” (NETTO. J. P. “Capitalismo
e Reificação” Ed. Ciências Humanas. São Paulo. 1981. p. 82)
31
“Os voluntários são pagos para não fazerem as coisas, mas para que as coisas sejam feitas a eles.”
(Tradução minha). Fonte: http://www.newyorker.com/magazine/2008/01/07/guinea-pigging
268
contemporânea. Vivemos em um período histórico em que os valores de mercado
administram a todas as relações, em que nos tornamos meros suportes da “fantasmagoria”
agora digitalizada e que se abate sobre nós, sem que tenhamos o menor controle. A atual
crise do capital está operando o recrudescimento desse regime. Pior para aqueles não
podem pagar pelos “serviços” oferecidos; por aposentadoria, por educação, saúde, etc.
Pior para aqueles que dependem das políticas sociais, via Estado, para manterem-se vivos.
Em um mundo onde fazer apostas sobre a vida de idosos ou doentes tornou-se um nicho
de mercado32, onde os valores de mercado passaram a governar todas as esferas da vida
social, falar de privatização, terceirização e flexibilização, hoje em dia, é quase um lugar
comum, se não associadas às dimensões que alcançaram o fetichismo, a alienação e a
reificação, nessa sociedade que nos toca viver. Tal a contribuição genuína desta questão
para a atualidade.
Basta verificar a ascensão que tem tido o mercado de empresas de segurança
privada, em todo o mundo;33 o aumento exponencial e aparentemente irreversível do
marketing orquestrado pelos grandes conglomerados farmacêuticos para comercialização
de remédios em escala toyotista34, em suma, o terrorismo psicossocial da forma-
mercadoria destilada em todos os poros da sociabilidade contemporânea, em que as
condições do trabalho necessárias a essa exuberante proliferação de coisas são apagadas
e dão lugar a um fetichismo persistente35, o qual tem no avanço da “digitização da
indústria e da economia” um fetichismo tecnológico estrutural que tende a uma 4º
revolução industrial e uma nova fase na acumulação do capital jamais antes vista.
Não é à toa, com efeito, que retomar a discussão sobre a reificação, posta pelo
fetichismo, hoje em dia, é se deparar com os mais impensáveis disparates a que podem
chegar o equivalente universal36 e a racionalização inerente à plataforma econômica de
transformação das relações entre pessoas em relações entre coisas,37 já que nem de longe
a humanidade parece preocupada em reivindicar o controle racional de suas objetivações.
Mais do que qualquer coisa, a crítica ao fetichismo assiste por sua vez à teorização de
Marx em sentido amplo, precisamente pelo fato de constituir uma forma de ser específica
do modo de produção capitalista e de suas relações sociais postas em sua atual fase.
32
Informações, ver em: http://www.nytimes.com/2009/09/06/business/06insurance.html?mcubz=1
33
Ver em: http://www.economist.com/node/86147
34
Maiores Informações: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI338549-17805,00-
EXPLORE+OS+REMEDIOS+MAIS+CONSUMIDOS+DO+MUNDO.html
35
“As vitrines vistosas nas lojas e o marketing das tecnologias de ponta são um contraste bastante gritante
às imagens de crianças carregando sacos de pedras e de mineiros, enfiadas em túneis apertados,
permanentemente em risco de sofrerem danos nos pulmões” [...] “É um enorme paradoxo da era digital que
algumas das mais ricas e mais inovadoras empresas do mundo possam comercializar aparelhos
incrivelmente sofisticados sem lhes ser exigido que demonstrem de onde vêm as matérias-primas com que
são fabricados os seus componentes” Fonte: https://anistia.org.br/noticias/trabalho-infantil-e-exploracao-
na-republica-democratica-congo-alimentam-producao-mundial-de-baterias/
36
O que se quer dizer é que atualmente parece surgir uma pressão econômica “canibalística” para ocupar
os últimos recursos da natureza no intuito de transformá-los em mercadorias, por fazer até mesmo da
"natureza interna" do ser humano, (engenharia genética) o território da valorização do capital e, com isso,
da propriedade privada. Vê-se o totalitarismo operado pelo fetichismo, cuja inversão social comparece
tendo em vistas as saídas para a crise do capital. Hoje estamos vendo a intensificação dos fetiches para
múltiplos níveis.
37
Faixas inteiras e milimetricamente demarcadas contornam a paisagem no Xingu e serpenteiam a
reificação da natureza em imagens que saltam as vistas. Ver em:
https://jornalistaslivres.org/2017/08/imagem-que-falta/
269
Num futuro previsível, os empregos de baixo risco em termos de automação serão aqueles
que exigem habilidades sociais e criativas; em particular, as tomadas de decisão em
situações de incerteza, bem como o desenvolvimento de novas ideias. Isso, no entanto,
pode não durar. Considere uma das profissões mais criativas — escrever — e o advento
da geração automatizada de narrativas. Algoritmos sofisticados podem criar narrativas
em qualquer estilo apropriado para um público específico. O conteúdo soa tão humano
que um teste recente efetuado pelo jornal The New York Times mostrou que, ao ler duas
peças semelhantes, é impossível dizer qual delas foi criada por um autor humano e qual
foi produzida por um robô. A tecnologia avança de forma tão veloz que Kristian
Hammond, cofundador da Ciência da Narrativa, uma empresa especializada em geração
automatizada de narrativas, prevê que, por meados da década de 2020, 90% das notícias
poderão ser geradas por um algoritmo, a maior parte delas sem qualquer intervenção
humana (exceto a criação do algoritmo, claro). (SCHWAB. Klaus. 2016. p. 34)
38
“Desemprego fica em 12,2% em janeiro de 2018 e atinge 12,7 milhões de pessoas. Índice é maior do que o registrado no
trimestre encerrado em dezembro, quando a taxa foi de 11,8% e ficou estável sobre 3 meses anteriores; IBGE diz que taxa só
não caiu por razões sazonais.” Fonte: https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/desemprego-fica-em-
122-em-janeiro-de-2018.ghtml
39
“[...] Podemos entender a uberização como um futuro possível para empresas em geral, que se tornam
responsáveis por prover a infraestrutura para que seus “parceiros” executem seu trabalho; não é difícil
imaginar que hospitais, universidades, empresas dos mais diversos ramos adotem esse modelo, utilizando-
se do trabalho de seus “colaboradores just-in-time” de acordo com sua necessidade. Mas, se olharmos para
o presente da economia digital, com seus motoristas Uber, motofretistas Loggi, trabalhadores executores
de tarefas da Amazon Mechanical Turk, já podemos ver o modelo funcionando em ato, assim como
compreender que não se trata apenas de eliminação de vínculo empregatício: a empresa Uber deu
visibilidade a um novo passo na subsunção real do trabalho [...] e que tem possibilidades de generalizar-se
pelas relações de trabalho em diversos setores.” (ABÍLIO. C. L. “Uberização do trabalho: subsunção real
da viração.” 2017.) Fonte: https://blogdaboitempo.com.br/2017/02/22/uberizacao-do-trabalho-
subsuncao-real-da-viracao/
40
“[...] Suponha que a ONU ou outro organismo internacional estabelecesse uma cota anual de refugiados
para cada nação, atribuindo aleatoriamente quantidades de refugiados a cada país, permitindo que as nações
comprem e vendam suas obrigações. Provavelmente, um país rico, como o Japão, cumpriria sua obrigação,
pagando uma cota anual de refugiados que não quisesse à Rússia ou a Uganda para ficar com eles. A Rússia
ou Uganda ganha uma nova fonte de renda nacional, e o Japão atende suas obrigações em relação aos
refugiados, terceirizando-os.” Fonte: http://www.nytimes.com/1994/08/13/opinion/share-the-
refugees.html?mcubz=1
41
Maiores informações, ver em: http://especiais.correiobraziliense.com.br/tecnologia-e-mudancas-no-
mercado-de-trabalho-fazem-profissoes-acabarem
42
Ver em: http://old.brasileiros.com.br/2016/08/o-brasil-e-o-pais-que-mais-mata-por-arma-de-fogo-no-
mundo/
43
“Num mundo de 840 milhões de famintos, as despesas militares dos países superam US$ 1,7 trilhão
em três anos, o equivalente a US$ 260 dólares por habitante do planeta”. Fonte:
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/91/ricos-poderosos-e-sem-limites-2814.html
44
Maiores informações, ver em: https://www.theatlantic.com/magazine/archive/2004/09/private-military-
contractors/303424/
270
mostra-se um instrumento de contenção da queda da taxa de lucro e tem-se revelado um
forte mecanismo de contra tendência do sistema.
As formulações sobre o fetichismo, nesta ótica, deixam de ser pertinentes a mistérios
singulares (o enigma da mercadoria, do dinheiro, etc.) para se converterem no recurso
heurístico do mistério macroscópico: a positividade como pseudo-objetividade posta pelo
capitalismo tardio. Elas passam a constituir os requisitos de uma análise genética (a
transformação progressiva do fetichismo da mercadoria para as formas de todas as
instâncias e agências sociais, com a mercantilização geral da vida) e sistemática (o
modus operandi pelo qual as manifestações reificadas se estruturam na pseudo
objetividade da positividade) da cultura da sociedade burguesa constituída. (NETTO. J.
1981. p. 89)
45
“[...] Na agricultura, a transgenia permite a criação de animais de grande porte com características
comercialmente interessantes, cuja produção por técnicas clássicas de cruzamentos e seleção são
extremamente demoradas. Assim, existem vacas transgênicas que produzem mais leite, ou leite com menos
lactose ou colesterol, porcos e gado transgênicos com mais carne e ovelhas transgênicas que produzem mais
lã.” Fonte: “ANIMAIS TRANSGÊNICOS – NOVA FRONTEIRA DO SABER”. Lygia da Veiga Pereira in
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252008000200017
46
“[...] sempre que se confronta com a economia política, ele (Marx) se defronta com a problemática do
fetichismo. Resumindo: independentemente das etapas evolutivas da sua reflexão, todas as vezes em que a
economia política é o âmbito em que se coloca o objeto da operação crítica de Marx, põe-se lhe a
problemática do fetichismo.” (NETTO. P. J. 1981. p. 54)
47
“[...] No valor de troca, a conexão social entre as pessoas é transformada em um comportamento social
das coisas; o poder [Vermögen] pessoal, em poder coisificado.” (MARX. K. 2011. p. 105)
48
“O Uber concordou em fazer algumas mudanças em seu modelo de negócios, afirmou o presidente-
executivo, Travis Kalanick, em mensagem após o acordo. Alguns motoristas reclamavam que o Uber
arbitrariamente desligava motoristas de suas plataformas.” Fonte:
http://exame.abril.com.br/negocios/uber-paga-ate-us-100-mi-para-encerrar-processo-de-motoristas/
49
Fonte: http://pioneiro.clicrbs.com.br/rs/geral/cidades/noticia/2017/07/motoristas-da-uber-e-usuarios-
do-aplicativo-trocam-reclamacoes-em-caxias-9833886.html
271
sustentação desse regime de coisas (algoritmos)50 na proporção de se tornarem eles
próprios um mero ícone certificado, qualificado e vigiado por seus clientes-consumidores.
Mais exatamente, a “gpesização” da vida humana estabelece o grau alcançado pelo
controle dos corpos, em um mundo pleno de sutilezas.
Passam os próprios trabalhadores, tanto aqueles que buscam uma fonte de renda
alternativa em jornadas indefinidas, regida por demandas repentinas e incertas, quanto
àqueles que consomem de seus serviços a meros ícones personificados, os quais se
encontram duplamente convertidos sob o imperativo da lógica da reificação de suas
relações recíprocas em detrimento das relações sociais das coisas de que necessitam e põe
a funcionar. Ambos se convertem em perfis virtuais, números de um cadastro
personificado, numa “religião da vida cotidiana”51 na qual estão e estamos refém. Suas
atividades são sensíveis, elas retroalimentam a circulação de mercadorias em suas
distribuições espaços-temporais, mas são alimentadas por programas executados por
softwares e seus algoritmos suprassensíveis.52 Nessa modalidade de organização do
trabalho, são os próprios trabalhadores que personificam a qualidade, a fiscalização e a
gestão dos serviços ofertados pelos startups; torna-se ainda mais difícil mensurar as
mediações sociais do processo. Quais estão sendo as implicações éticas desse tipo de
organização produtiva? Quais estão sendo os efeitos e consequências desse cultivo de
logotipos de startups e marcas digitais, dispersas numa multidão vigilante que avalia e dá
certificação dos serviços prestados?
E quanto aos direitos, serão estritamente mediados pelo mercado? Acaso tais
questões não foram visualizadas por Marx quando tratou da crítica ao fetichismo da
mercadoria?53
[...]. Inclusive, se levarmos em conta a relação simplesmente formal – a forma geral da
produção capitalista, compartilhada tanto por sua modalidade menos desenvolvida
quanto por sua modalidade mais desenvolvida – os meios de produção, as condições
objetivas de trabalho, não aparecem subsumidas ao operário, mas este subsumido a elas.
O capital utiliza o trabalho. Já essa relação é, em sua simplicidade, personificação das
coisas e coisificação das pessoas. (MARX. K. 1987 p. 86-7. Grifo meu)
50
“O valor converte, antes, todo produto do trabalho num hieróglifo social.” (MARX. K. 2013. 209)
51
[...] essa personificação das coisas e essa reificação das relações de produção, essa religião da vida
cotidiana [...] (MARX. K. 1985. Livro III. Tomo II. p. 280)
52
“O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete
aos homens os caracteres sociais de seu próprio trabalho como caracteres objetivos dos próprios produtos
do trabalho, como propriedades sociais que são naturais a essas coisas e, por isso, reflete também a relação
social dos produtores com o trabalho total como uma relação social entre os objetos, existente à margem
dos produtores. É por meio desse quiproquó que os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas
sensíveis-suprassensíveis ou sociais.” (MARX. K. 2013. p. 206. Grifo meu)
53
“[...] Por um lado, o valor, o trabalho passado que domina o trabalho vivo, é personificado no capitalista;
por outro, o trabalhador aparece inversamente, como mera força de trabalho objetiva, como mercadoria.
Dessa relação às avessas se origina necessariamente, mesmo já na própria relação de produção simples, a
correspondente concepção às avessas, uma consciência transposta, que é ainda mais desenvolvida pelas
transformações e modificações do processo de circulação propriamente dito.” (MARX. K. 1985. Livro III.
Tomo I. p. 36)
272
das formas mercantilizadas em múltiplos interstícios da vida humana e social na
contemporaneidade.
2) O ESPAÇO FIGURAL 4.0 DA INDÚSTRIA E A QUESTÃO DO
FETICHISMO.
Simplificadamente, podemos dizer que a despeito da chamada “reestruturação
produtiva” a partir de meados da década de 1960, as quais se combinam com as mais
atuais análises sobre a flexibilização da produção e dos postos de trabalho, que o advento
da 4º Revolução Industrial,54 traz a chancela uma variedade imensa de variáveis,55 que
podem tornar este estudo não mais situado na ponta da crítica. Resumidamente falando,
as três revoluções industriais do passado; a primeira por volta de 1760 e 1840, do tempo
de Marx, motivada pelo empenho em tecnologias de engenharia mecânica, máquinas a
vapor e ferrovias; a segunda, no fim do século XIX e início do século XX, que
combinaram o avanço da eletricidade, linhas de montagem e difusão da produção em
massa, a exemplo do fordismo; a terceira, nossa mais conhecida, forjada a partir de
meados da década de 1960, com o advento da informática e da tecnologia da informação,
automatização, a exemplo do toyotismo, e em seguida, a Internet, em princípio dos anos
de 1990, hoje se confronta com um novo paradigma 4.0 de inovação, ainda ligeiramente
suspenso na maior parte das análises acerca do “Mundo do Trabalho”.
Isto significa que a temática do fetichismo da mercadoria, expressa por Marx na
segunda edição de 1873, no livro primeiro d’O capital, traz consigo algo mais do que
apenas uma conceituação qualquer, ante o prisma tecnológico de seu tempo. Para nós, o
século XXI e seu modelo de logística digitalizado, exemplificado nas páginas anteriores,
ainda que brevemente, põe como central esta temática e ainda é capaz de iluminar os
limites teóricos das formulações em torno da chamada revolução industrial 4.0. O
dispositivo de “re-encantamento” que traz consigo são taxativos, como se tudo estivesse
prestes a melhorar instantaneamente56, em se tratando do esforço apologético por apoiar
ao capital em sua equação com o trabalho,57 e delegar a segundo plano os chamados
“tecnófobos”, como se tudo pudesse ser reduzido a questão da técnica desprendida das
relações de propriedade privada e dos monopólios a ela associadas. Em um país desigual
como o Brasil em relação ao acesso à Internet, para citar apenas um exemplo, além da
assimetria evidente entre campo e cidade e o descompasso decorrente entre as condições
de acesso a equipamentos que tornem permissíveis o ingresso na “sociedade da
informação”, há ainda o agravamento do atraso do setor empresarial brasileiro em relação
54
Não há segurança em afirmar a origem deste termo, com relação as abruptas mudanças na entrada do
século XXI na indústria como um todo. Utilizo aqui a referência de Klaus Schwab, em seu livro: “A Quarta
Revolução Industrial”, publicada em 2016, pela Edipro.
55
À guisa de exemplo: http://www.valor.com.br/video/5561016011001/robos-transformam-o-setor-de-
logistica?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=Timeline
56
“Hoje, o foco mundial em tecnologia e inovação é impulsionado por um desejo desesperado de encontrar
uma solução mágica para os problemas econômicos e sociais e políticos relacionados à raça
humana. Embora existam muitos problemas importantes a serem resolvidos, e embora as inovações
continuem em muitos campos, há uma expectativa irracional de que mudanças e inovações dramáticas, pelo
menos na escala das revoluções industriais ou da computação antiga, estão no horizonte.” Maiores
informações, ver em: https://www.independent.co.uk/voices/there-s-no-such-thing-as-the-fourth-
industrial-revolution-a7441966.html
57
Ver em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/570969-os-robos-ficam-do-lado-do-capital-na-
equacao-marxista
273
à 4º Revolução Industrial, muito menos enquanto possibilidade real e muito mais
enquanto “promessa” externa, isto é, meramente apologética.58
Algumas das estimativas colocadas no espaço calculável de tais inovações
ratificam o conteúdo aparentemente vanguardista e cosmopolita da 4º Revolução
Industrial, sem que as consequências humano-societárias sejam colocadas com rigor e
sem problematizar o estatuto geopolítico desigual de suas implementações. Ora, em que
condições a implementação em larga escala de impressoras 3D59, por exemplo, para a
indústria manufatureira como um todo nos países centrais reproduziria como efeito nas
58
“Pesquisa mostra que 32% das empresas não ouviram falar do tema. [...] Segundo a pesquisa, realizada
pela Fiesp em parceria com o Senai-SP, somente 41% das indústrias utilizam o lean manufacturing, ou
sistema de produção enxuta. E 32% dos entrevistados não tinham ouvido falar em quarta revolução
industrial, Indústria 4.0 ou Manufatura Avançada, nomes diferentes para a mesma mudança na forma de
produzir, com base em tecnologia e dispositivos autônomos que se comunicam entre si ao longo da cadeia
de valor.” Fonte: http://www.fiesp.com.br/noticias/fiesp-identifica-desafios-da-industria-4-0-no-brasil-e-
apresenta-propostas/
59
“[...] A tecnologia possui uma ampla gama de utilizações, desde as grandes (turbinas eólicas) até as
pequenas (implantes médicos). No momento, seu uso limita-se principalmente às indústrias automotivas,
aeroespaciais e médicas. Ao contrário dos bens manufaturados produzidos em massa, os produtos impressos
em 3D podem ser facilmente personalizados. Conforme as restrições atuais em relação a tamanho, custo e
velocidade são progressivamente superadas, a impressão em 3D irá se tornar mais difundida e incluirá
componentes eletrônicos integrados, tais como placas de circuito e até mesmo células e órgãos humanos.
Os investigadores já estão trabalhando em 4D, um processo que criaria uma nova geração de produtos
capazes de fazer modificações em si mesmos de acordo com as mudanças ambientais, como calor e
umidade. Essa tecnologia poderia ser usada nas roupas ou nos sapatos, bem como em produtos relacionados
à saúde, por exemplo, implantes projetados para se adaptarem ao corpo humano.” SCHWAB. Klaus; “A
Quarta Revolução Industrial”, 2016, Ed. Edipro. p. 25
274
periferias geográficas do capital senão o recrudescimento da concorrência desigual e
combinada, as quais intensificariam o atraso ou obrigariam a adequação subalternizada
às inovações esperadas? Em tempos de austericídio programado para duas décadas,
restariam alternativas?
Por tais razões estruturais, por outro lado, qualquer expectativa “otimista” acerca
das habilitações necessárias para o presente século; investimento em capacidades
cognitivas, técnicas etc., que não leve em consideração a circunstância específica dessa
nova fase do capital mundial e consequentemente deste cenário industrial revolucionário
estará fadada a cometer os maiores disparates; relativizando a mercantilização 4.0 das
relações humanas e enviesando o discurso do capital mediante apologia fetichista refém
de um materialismo tosco acrítico e anti-humanista, a peculiaridade desta revolução e a
forma de seu rebatimento no Brasil passa ao largo das análises empresariais e político-
partidárias, como se estivessem “desconectados”.
Há um cenário desafiador para os países de baixa renda, isto é, saber se a quarta revolução
industrial levará a uma grande “migração” das fabricantes mundiais para as economias
avançadas, algo bastante possível caso o acesso a baixos salários deixe de ser um fator de
competitividade das empresas. [...] Caso esse caminho se feche, muitos países terão de
repensar seus modelos e estratégias de industrialização. Se e como as economias em
desenvolvimento podem aproveitar as oportunidades da quarta revolução industrial será
uma questão importantíssima para o mundo; é essencial que sejam feitas mais pesquisas
e reflexões para compreendermos, desenvolvermos e adaptarmos as estratégias
necessárias. (SCHWAB. K. 2016. p. 38)
60
“A premissa deste livro é que a tecnologia e a digitalização irão revolucionar tudo, fazendo com que
aquela frase tão gasta e maltratada se torne verdadeira: “desta vez será diferente. ” (SCHWAB. K. 2016. p.
15)
61
Não é difícil imaginar o quanto as impressoras 3D terão um impacto extremado nesta direção, em que
pese a possibilidade de imprimir desde órgãos; ver aqui: https://www.youtube.com/watch?v=4kYtsfkIrOk
às armas de última geração; e aqui: https://www.youtube.com/watch?v=w1UNdh-3vuU
62
A implementação da indústria 4.0 para os próximos anos é exclusiva à China, EUA, Japão e Alemanha.
63
[...] o reflexo religioso do mundo real só pode desaparecer quando as relações cotidianas da vida prática
se apresentam diariamente para os próprios homens como relações transparentes e racionais que eles
estabelecem entre si e com a natureza. A configuração do processo social de vida, isto é, do processo
material de produção, só se livra de seu místico véu de névoa quando, como produto de homens livremente
socializados, encontra-se sob seu controle consciente e planejado.” (MARX, Op. cit., p. 154. Grifo meu).
275
desigualdade entre os países natural e o estatuto da propriedade privada intocável, dada a
finalidade de incremento da taxa de lucratividade entre as grandes potências como métrica
para a retomada do crescimento para sair da crise. Todavia, é certo que esta inovação não
virá desprovida de catástrofes, a julgar pelo acirramento competitivo entre os países que
prometem tais inovações.
Na esteira deste discurso reiterado, os avanços relacionados à Inteligência
Artificial (IA) realizam com a mais autêntica veracidade o quanto a irreversibilidade
emergente deste processo ameaça sucumbir uma quantidade imensa de empregos e
modificar substancialmente nossas relações sociais a ponto disto de nenhuma maneira ser
considerado do ponto de vista do controle consciente e planejado de tal inovação, tal o
nível da abstração automática que a forma social da produção mercantil 4.0 requer para
sua manifestação e consequente publicidade; mistificar, com novo estilo, a tecnologia
como resultando do capital e não herdeira de força humana acumulada por milhares de
gerações.
CONCLUSÃO.
No geral, nossa intenção se caracterizou pelo esforço de apreender a temática do
fetichismo sob as seguintes plataformas, dentre elas; 1) O fetichismo constitui uma
categoria objetiva da realidade burguesa. Este primeiro ponto diz respeito ao fato de que
a reflexão marxiana sobre o caráter fetichista da mercadoria não se esgota no primeiro
capítulo de sua magna obra, tal como também não é um mero conceito articulador de uma
temática reclusa. Com efeito, a crítica do fetichismo compõe um complexo social
objetivamente determinado, a qual se estrutura pela abstração objetiva dos trabalhos
quando estes se socializam de maneira indireta através do mercado. Este caráter indireto
ao mesmo tempo torna legítimo o elemento por detrás das “leis econômicas”, qual seja;
a violência e a opressão. 2). Essa igualdade dos trabalhos a uma forma abstrata oculta a
desigualdade na exploração da força de trabalho, aspecto que compõe em paralelo lutas
sociais estabelecidas sob um regime jurídico encoberto pelo fetichismo.64 A dominação
e a exploração não aparecem à primeira vista, mas estão envolvidas pela “teia de aranha”
social das relações mercantis, a qual incorpora aos sujeitos sociais no ordenamento
fetichista de controle metabólico motivado pela manutenção de “coisas” mercantis em
detrimento das relações humanas dos sujeitos entre si,65 que se agrava e persiste na atual
fase do capitalismo. E finalmente, 3). De propor uma apreensão das relações sociais
configuradas na fase tardia do capitalismo a luz da mercantilização abundante da vida
social, em cujo cerne encontra-se o debate acerca da função social da tecnologia no
64
Tal como sinaliza Pachukanis: “As relações dos homens no processo de produção envolvem, assim, num
certo estágio de desenvolvimento, uma forma duplamente enigmática. Elas surgem, por um lado, como
relações entre coisas (mercadorias) e, por outro, como relações de vontade entre unidades independentes
umas das outras, porém, iguais entre si: tal como as relações entre sujeitos jurídicos. Ao lado da propriedade
mística do valor aparece um fenômeno não menos enigmático: o direito. Simultaneamente, a relação
unitária e total reveste dois aspectos abstratos e fundamentais: um aspecto econômico e outro jurídico.”
(PACHUKANIS, 1988, p. 75)
65
Por debaixo dessa abstração anônima, que opera economicamente, se justapõe uma forma jurídica e uma
forma política, em que a relação social entre as classes é “apagada”. Isto é, por trás do fetichismo
encontram-se relações de poder e dominação, ao mesmo tempo lutas e resistências entre as classes sociais.
Relações estas que nunca se mostram tal como são, por a própria sociabilidade burguesa funcionar apoiada
em mecanismos de mistificação e fetichismo inerentes a essa ocultação. Tal a dimensão ideológica no trato
marxiano do problema do fetichismo.
276
capitalismo e das mudanças abruptas que nos reservam o futuro em se tratando do
relacionamento contraditório entre a maquinaria e os seres humanos.
Na maquinaria, o trabalho objetivado se contrapõe materialmente ao trabalho vivo como
o poder dominante e como subsunção ativa deste a si […] A acumulação do saber e da
habilidade, das forças produtivas gerais do cérebro social, é desse modo absorvida no
capital em oposição ao trabalho, e aparece consequentemente como qualidade do capital
[...] Ademais, na medida em que a maquinaria se desenvolve com a acumulação da ciência
social, da força produtiva como um todo, o trabalho social geral não é representado no
trabalhador, mas no capital. O saber aparece na maquinaria como algo estranho, externo
ao trabalhador; e o trabalho vivo é subsumido ao trabalho objetivado que atua
autonomamente.” (MARX, 2011, p. 932-3. Grifo meu).
Espera-se com isto salientar que o tema do fetichismo alcança uma posição
contundente nos tempos hodiernos, a julgar pelo fato desta tematização assistir a um
processo social que se encontra sintetizado por Marx, quando de sua elaboração. Isto
demonstra, por outro lado, ser a forma social deste capitalismo que tende a modificar-se
estruturalmente nos próximos anos e as condicionalidades periféricas do empresariado
brasileiro neste cenário e sua consequente apatia com relação ao que se passa “lá fora” a
forma mais fetichista de gestão política e econômica dos interesses envoltos na soberania
nacional e mistificada o suficiente a ponto de não atentar-se para a aberrante catástrofe
esperada aos países que não anteciparem estratégicas factíveis para esta tendente
industrialização 4.0.
Quais os desafios implicados para o Brasil em torno desta questão? Quais as
consequências produtivas serão impostas às economias periféricas com o advento do
Grafeno, da Impressão 3D, da Inteligência Artificial, etc., que não agravem o estatuto da
dependência e não fortaleçam às desigualdades geopolíticas? Seria possível um projeto
industrial de vanguarda no âmbito político para os próximos anos, que tivesse a sabedoria
de antecipar o inevitável ou sucumbiremos a contemplação do desenvolvimento alheio
como parte de nosso espetáculo dramático, para cujos “emplastros” agrário-exportadores
ofereceremos às grandes potências como expressão de nossa submissão voluntária e de
nossa participação dependente? Mais exatamente, haveria certa ressonância entre a
subjetividade reificada dos setores empresariais brasileiros isentos de um projeto de
nação e o fetichismo circunscrito na naturalização de um destino subalterno inevitável,
ou no caso, a superação deste “místico véu de névoa”, desse estado de nação subalterna
encontrar-se relacionada ao investimento decidido em capacidades humanas
fluentemente adaptadas à 4º Revolução Industrial?
Esta problemática constitui, em síntese, parte do escopo em que julgamos
exponencial nesta pesquisa em tela, qual seja: medir a dinâmica termostática da
mercantilização da vida social no universo produtivo das indústrias 4.0, sondando as
consequências humano-societárias que elas liberam para o conjunto da humanidade,
porém partindo do agravamento de seu rebatimento em um país dependente e ainda
lastreado pelo atraso industrial como o Brasil. Nossa situação periférica torna o tema do
fetichismo da mercadoria e suas refrações contemporâneas parte de um processo
agravado pela dependência, em que os rebatimentos da indústria 4.0 aqui desenvolverão
o subdesenvolvimento se não forem devidamente analisados antecipadamente e tomados
em sério no que tange aos efeitos contraditórios que prometem para as relações sociais
universalmente.
277
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GT 2
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I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo
Abstract
This work analyzes the genesis and social function of Law, as ideology,
specifically the Estado Novo legal-criminal project from the ideas of Nelson Hungria,
codifier and essential jurist of that historical period. We use not only immanent analysis
as a way of apprehending the internal ties and the logic of his ideas, but we also appeal
to historical research to understand the totality of the economic and therefore social
relations in which his thought arises and acts.
Introdução
Uma vez que se nos confronta como meta a análise da ideologia de um autor
(CHASIN, 1978), inescusável se torna firmar, desde já, que não há nenhuma ideologia
inocente (LUKÁCS, 1959). Sendo assim, o procedimento que aspira à compreensão de
objeto de tal espécie (ideológico), necessariamente deve se pautar pela busca da
determinação da gênese e função social (CHASIN, 1978) deste objeto enquanto
ideologia. Mais do que isso, analiticamente deve-se proceder à crítica imanente (IDEM)
que constitui fator indispensável na exposição e no desmascaramento das tendências,
se queremos pôr em evidência de um modo real e concreto o caráter reacionário das
diversas ideologias (LUKÁCS, 1959) sendo também indispensável a demonstração no
terreno dos fatos e filosoficamente de sua incoerência interna, seu caráter contraditório
(IDEM).
Partimos assim da formulação sintética que,
logo à primeira aproximação, implica reconhecer que o tratamento
analítico de uma questão ideológica qualquer (como qualquer outro fenômeno
sócio-histórico) só pode ser dirimido se nos situarmos no terreno
das relações entre o todo e as partes, na imprescindibilidade de relacionar
a ideologia (parte) ao todo da existência social. (CHASIN, 1978)
Disso salta que, a pesquisa sobre os fatos que importam à esfera jurídica, a
despeito de seu caráter evidentemente jurídico, não pode tomar o Direito como complexo
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“É que a questão não é buscar o lugar certo das idéias, mas a idéia “certa”, própria dos lugares, na medida
em que as idéias não são pedras subsumidas à lei da gravidade, sem que sejam, contudo, passíveis de fuga
aos critérios universais do verdadeiro” (CHASIN, 1959, p.).
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Entretanto, a classe dos industriais não irrompeu, como nos casos clássicos de
desenvolvimento do capitalismo (Inglaterra e França, por exemplo) em uma revolução
radicalizada com bases populares. Na verdade, por aqui o que ocorreu foi um caminho
sem ruptura, conciliando o novo e o velho, o capital agroexportador e o capital industrial
em ascensão. Mesmo com a intensa participação estatal no processo em tela, o capitalismo
autêntico não consegue romper com os limites da sua atrofia. O ponto em que nos
interessa frisar aqui é como a contingência histórica proporcionou a objetivação de um
capitalismo verdadeiramente atrófico: em termos gerais, a passagem ao capitalismo de
fato no Brasil não ocorreu com a completa ruptura com o sistema agroexportador e nem
pretendeu lançar o país à condição de economia emancipada no cenário econômico
global. Pelo contrário, o desenvolvimento histórico acabou,
com os desdobramentos de suas determinantes estruturais do capitalismo
brasileiro, consubstanciando um tipo de capital atrófico, subordinado e
induzido de fora [...]. Pela Via Colonial da objetivação do capitalismo, a
reprodução do país hospedeiro sempre se faz na condição de subalternidade, o
receptor tem de ser reproduzido sempre enquanto receptor. (RAGO, 2010, p.
81)
Uma delas está nas concessões que o patronato foi obrigado a realizar, face às
pressões grevistas, e que significavam, na prática, a passagem de uma posição
de simples negação de uma série de reivindicações trabalhistas, para sua
aceitação e, até certo ponto, implementação (são os exemplos das 8 horas de
trabalho e de medidas de regulamentação do trabalho da mulher e do menor).
Ou seja, o empresariado é forçado a reconhecer, ao menos teoricamente, a
questão do trabalho no Brasil, embora considerado toda a sua especificidade
em relação à Europa. Neste campo, a vigência de normas que regulamentassem
as relações de trabalho, consagradas por uma legislação social, vai sendo ao
longo dos anos firmada. Estes fatos têm importantes desdobramentos, uma vez
que indicam, de um lado, a aceitação da legislação social como instrumento de
controle da classe operária e não mais como simples armadilha que se voltaria
contra seu criador [a própria burguesia] e, de outro, traduzem a delimitação de
um novo papel do Estado na questão (Gomes, 1979, p. 154)
2
Cf. PAÇO CUNHA, Elcemir. A função do direito na via colonial e RODRIGUES, Arthur Bastos. A
apreensão caiopradiana do Direito na Via Colonial. In: Anais do Colóquio Internacional Marx e o Marxismo
2017. Niterói, agosto de 2017.
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antes serviam de arma para o proletariado na luta contra à burguesia, agora, cada vez mais
se mostravam como arma de defesa para a promoção dos interesses desta classe3. O que,
em verdade, não é nenhuma surpresa histórica pois também no exemplo da via clássica
de objetivação do capitalismo, a esfera jurídica serviu “à generalização das novas
condições produtivas” (PAÇO CUNHA, op. cit., p. 15), estabelecendo os parâmetros
gerais no interior dos quais funciona a extração do valor. Mas significou “também um
modo de regulação do mercado do trabalho” (idem).
Esse movimento concomitante da forma política e jurídica segue o compasso da
da industrialização brasileira pós-anos 1930, quando “os incrementos no contingente
obreiro são muitas vezes maiores que o stock operário anterior” (OLIVEIRA, 2003, p.
37-9). Assim, a legislação social implementada pouco a pouco alcançava seu
correspondente à verbalização ideológica das classes dominantes [...] de propiciar a
formação de um enorme “exército de reserva” propício à acumulação (Oliveira, 2003, p.
37-9).
Os conflitos sociais que brotam dessa realidade em que uma multidão de
indivíduos livres não incorporados ao mercado de trabalho nas cidades brasileiras do
período de entificação capitalista não podem, entretanto, ser socorridos apenas pela
legislação trabalhista. Diferentes mecanismos foram acionados pela burguesia industrial
visando efetivar “sua proposta domesticadora, desmobilizando categorias e/ou tendências
pela persuasão – acenando leis sociais de amparo ao trabalhador – ou pela força quando
aquela se mostrava insuficiente” (SILVA, 1990, p. 125). Enquanto a política servia de
palco para os conflitos entre os setores dominantes (a fração agroexportadora da
burguesia e a fração industrial), o direito se ocupava das contradições existentes entre
capital e trabalho não só através dos direitos sociais (PAÇO CUNHA, 2017). Nesse
sentido, lançamo-nos à tarefa de investigar por quais outros canais operou o direito na
forja do projeto social da burguesia nacional
Sabemos que
A Revolução de 1930 marca o fim de um ciclo e o início de
outro na economia brasileira: o fim da hegemonia agrário-exportadora e o
início da predominância da estrutura produtiva de base urbano-industrial.
Ainda que essa predominância não se concretize em termos da participação
industrial na renda interna senão em 1956, quando pela primeira vez a renda
do setor industrial superará a da agricultura. (OLIVEIRA, 1972)
Ainda assim, pode-se dizer que o período marca o “ponto alto” da objetivação do
capitalismo (industrial, por excelência) no país. Entretanto, a classe dos industriais não
irrompeu, como nos casos clássicos de desenvolvimento do capitalismo (Inglaterra e
França, por exemplo) em uma revolução radicalizada com bases populares. Na verdade
No Brasil, bem como na generalidade dos países coloniais ou dependentes, a
evolução do capitalismo não foi antecedida por uma época de ilusões
humanistas e de tentativas mesmo utópicas de realizar na prática o ‘cidadão’
e a comunidade democrática. Os movimentos neste sentido, ocorridos no
século passado e no início deste século, foram sempre agitações superficiais,
sem nenhum caráter verdadeiramente nacional e popular. Aqui, a burguesia se
ligou às antigas classes dominantes, operou no interior da economia retrógrada
3
Importante ressaltar a importância e a amplitude das lutas operárias do início do século XX na conquista
por melhores condições de vida e trabalho, neste sentido, mas o, por parte da classe dominante, “o espírito
é sempre o mesmo: transformar uma questão política, de correlação de forças entre o trabalhador e o
patrão, numa questão jurídica e técnica, com suas regras e normas só acessíveis aos especialistas,
incluindo-se nesta categoria os vogais. É por isso que a Justiça do Trabalho, prevista já na Constituição
de 1934, só foi possível ser instituída durante o Estado Novo, quando os sindicatos já estavam totalmente
atrelados e os trabalhadores amordaçados, sem condições de resolver por suas próprias mãos os conflitos
de trabalho. Se toda essa análise, realizada ao longo desta pequena obra, for verossímil, a conclusão
que se impõe é óbvia: a legislação trabalhista, no seu espírito e no processo de seu implemento,
carrega as marcas das lutas operárias mas também as de sua derrota” (Munakata, 1981, p. 105).
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Nada disso, porém, quer dizer que a burguesia nacional não cuidou de promover
um arremedo politicista, estabelecendo uma nova diretriz para o Estado brasileiro e o
governo de Getúlio Vargas é o que melhor substancializa esse novo projeto sócio-
econômico nacional. De fato, com o novo sempre pagando tributo ao velho, o Estado
Novo brasileiro pós-revolução de 1930 não se incumbiu propriamente da extinção das
velhas formas agrárias e da estrutura de poderes que a economia colonial agroexportadora
criou, mas sim se revelou uma acomodação de contrários, um pacto de renovação entre
os setores dominantes agrário e industrial. Mas nesse projeto houve o protagonismo do
setor industrial na elaboração de novos fundamentos políticos, jurídicos e administrativos.
Ponto relevantemente discutido nesse sentido é a direção assumida por industriais
e gestores empresariais (como Jorge Street, Pupo Nogueira e Roberto Simonsen, por
exemplo) na elaboração do que viria a ser o direito social brasileiro (da Consolidação das
Leis Trabalhistas ao sistema previdenciário e de assistência social, até mesmo
planejamentos urbanísticos, envolvendo questões como a moradia)4, exercendo grande
influência no governo diretamente ou através de entidades patronais como a CIESP
(Centro das indústrias do estado de São Paulo) e o IDORT (Instituto de Organização
Racional do Trabalho).
Dessa maneira e por outras que não cabem neste trabalho, o Direito se mostrou
como uma das mais importantes mediações na objetivação do capitalismo nacional. O
Estado Novo é a maior prova disso, pois sob o seu lema de “racionalização” e
“supremacia do interesse coletivo” (o que alguns sintetizam por “corporativismo”),
lançou as bases para a solidificação de uma consistente burocracia e elevou ao patamar
de “direitos” o que antes era disputa privada entre trabalhadores e patrões (direitos
trabalhistas), caridade eclesiástica (serviços e assistência social), “queda de braço”
comercial (sistema tributário centralizado, legislação concisa de comércio internacional)
e espasmos industrializantes independentes (uma sólida política de desenvolvimento
industrial baseada na substituição de importações e desenvolvimento da indústria de base
nacional).
Somente pensando na totalidade do projeto inaugurado pelo Estado Novo é
possível compreender os alicerces em que se estriba o Direito Penal brasileiro. Por óbvio,
e de importante destaque, a legislação penal anterior ao período é digna de análise detida
e seu legado é fundamental para a compreensão da renovação que a legislação de 40
promoveu.
4
Sobre o tema ver: DEAN, A industrialização de São Paulo (1880-1945). São Paulo: Difusão Europeia do
Livro, 1971; DINIZ; BOSHCI. Empresariado nacional e estado no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1978;
GOMES, Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil 1917-1937. Rio de Janeiro: Campos,
1979 ; MUNAKATA, A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1981; RAGO, Do cabaré
ao lar: a utopia da cidade disciplinar, Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985 ; WEINSTEIN,
(Re)Formação da classe trabalhadora no Brasil (1920-1964). São Paulo: Cortez, 2000.
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ganhar contornos mais bem definidos e potencializar-se com as resoluções da Carta, que
tratou de ordenar o cotidiano social da colônia da forma mais adequada à reprodução do
sistema colonial ainda em princípios de consolidar-se, ou seja, sob os termos de um rígido
controle das classes subalternas (força de trabalho) pelo grupo regente (é o que se percebe
do fato de que escravos, gentios e peões homens livres eram suscetíveis da pena de morte
e as pessoas de mór qualidade eram poupadas dessa espécie de pena, cabendo-lhe
sobretudo penas pecuniárias e o degredo). Entretanto, mesmo com a tentativa portuguesa
de centralizar a administração política da colônia, o predomínio de formas de punição
domésticas exercidas desregulamentadamente por senhores contra seus escravos [...],
constituirá remarcável vinheta nas práticas penais (idem). Também as práticas punitivas
contra indivíduos de nações indígenas resistentes ao empreendimento colonial obedecem
aos mesmos padrões, ainda que sua situação não seja idêntica ao do escravo negro:
observa-se a existência de uma divisão entre leis sobre os índios amigos e leis contra o
gentio bravo (ibid., p.416). Para os primeiros encontra-se, por exemplo, nas missões
setentrionais do século XVII, uma atenuação dos castigos (idem) com fundamento
principalmente no viés evangelizador da religião, para os segundos, a mais brutal
escravização (idem), como já apontava o Regimento de Tomé de Souza.
Se essas experiências anteriores revelam que as formas institucionalizadas de
punição cumprem o papel de lubrificar as engrenagens sociais para o impulso definitivo
da exploração colonial, é sob o regime das Ordenações Filipinas que o principal eixo
criminalizante e punitivo do período colonial se fixaria, embora coexistissem, sem
prejuízo, formas de punição difusas nas mãos dos senhores locais que o escravismo
necessariamente implica (ibid., p. 417). A vigência da matéria penal promulgada com as
Filipinas sobreviveria inclusive após o período do Estado nacional brasileiro, apenas
prostrando-se, em termos legais, ao código penal de 1830 e às limitações da nova ordem
constitucional que viria a ser inaugurada.
Desse breve percurso histórico insta ressaltar o já anotado: as formas jurídico-
penais presentes na colônia eram extremamente descentralizadas e intercortadas por
fatores como a religião e os regionalismos, principalmente. Isso nos leva a perceber que
a violência e, de modo geral, os usos punitivos do mercantilismo concentrado no corpo
do suspeito ou condenado (ibid., p. 411) ainda se encontram muito mais tangentes à
própria reprodução material da vida na colônia no que diz respeito às punições contra
negros escravizados (exercida pelos seus proprietários diretos) e indígenas, mas também,
conforme afirmado, resvalam nas formas tradicionais e religiosas. Em outras palavras, é
apenas mais tarde em 1830 que o crime (e a consequente punição) começa a dissipar de
fato o seu caráter religioso e moral, passando a ser visto como um ente eminentemente
jurídico (MAIA; NETO, 2011, p. 189).
As razões para essa transformação não são de difícil apreensão, pois é justamente
no decorrer do século XXVIII que se aprofunda o conflito entre o capitalismo mercantil
[...] e o nascente capitalismo industrial (ZAFFARONI; BATISTA, op. cit., p. 421). Após
a ascensão revolucionária da burguesia, especialmente na França, o eco do liberalismo
ressoará por todo o mundo e, pouco a pouco, o capitalismo mercantil monárquico lusitano
(idem) entrará em crise, mas não sem enfrentar politicamente as ofensivas liberais dos
proprietários rurais, que se tornam sob o império a força política e socialmente
dominadora (PRADO Jr., 1973, p. 143). Essa situação culminará em amplas tentativas
por parte da monarquia lusitana em centralizar a administração da nação como forma de
reafirmar sua predominância enquanto classe regente, porém a própria unidade e
consolidação do Estado imperial servirá a muitos propósitos dos proprietários rurais,
muitas das vezes sequer se opondo aos seus interesses (basta perceber que o próprio
Código de Processo Penal de 1832 permitirá a estruturação de um sistema em que a
administração do poder punitivo permaneceria fortemente nas mãos das autoridades
locais). Some-se aos conflitos (e acomodação de interesses) políticos entre as classes
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regentes o fato de que a crise financeira agravada pela queda nos preços internacionais
do açúcar produziu entre as classes subalternas
insatisfações que se materializarão em inúmeras sedições: a partir de 1831 os
cabanos no Paraná, a setembrada de 1832 em Pernambuco, a revolução
farroupilha de 1835 no sul [...], a sabinada também na Bahia em 1837, a
balaiada no Maranhão em 1839 [...]... (ZAFFARONI; BATISTA, op.cit., p.
423).
constitucionais supramencionadas, não têm como objeto o direito dos negros ou das
outras classes subalternas, mas sim a proteção jurídica dos próprios indivíduos
pertencentes à classe dos grandes proprietários de terra7. O escravismo, como se viu,
ainda visceral à estrutura sócio-econômica do império, conservaria o seu reconhecimento
legal, sendo que a nova codificação característica do período de consolidação do Estado
nacional do Brasil apenas anunciaria um movimento de reorganização da administração
das desordens sociais, buscando centralizar e burocratiza-la. Não é por acaso que
Daqueles pelourinhos rústicos – madeiros com pouco mais de dois metros –
que Debret viu “fincados em todas as praças mais frequentadas” do Rio, e
registrou numa gravura, a fustigação urbana se deslocaria para o interior de um
estabelecimento estatal [...]. (ZAFFARONI; BATISTA, op. cit., p. 426)
portador de livre arbítrio e um ser perfectível, tendo, por isso mesmo, a pena uma função de correção do
criminoso para sua reinserção no convívio social. (MAIA; NETO, op. cit., p. 189).
7
Não estamos aqui a dar prioridade ontológica às ideias no que diz respeito à transformação social. É óbvio
para nós que essas ideias só puderam emergir na Europa em razão das revoluções burguesas, sintomas do
alvorecer do modo de produção capitalista e da derrocada dos empecilhos da feudalidade.
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“As queixas características da Baixa Idade Média quanto aos delitos contra a propriedade e outros crimes
graves cometidos por criaturas desesperadas, sem meios de subsistência, dão lugar a queixas sobre o ócio
de mendigos [...]. Frequentemente trabalhadores tornavam-se mendigos quando queriam férias por um
período longo ou curto de tempo, ou quando recuperavam o fôlego enquanto procuravam emprego melhor
ou mais agradável.” (RUSCHE; KIRSCHHEIMER, op.cit., p. 66)
9
Cf. Código Criminal do império do Brasil (1862). Edição anotada por Josino do Nascimento Silva. Rio
de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert Editores.
10
Nesse sentido, Santos (1996, p. 20-21) afirma que, no fim do período colonial (1822), as cidades entre
as quais avultaram São Luís do Maranhão, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo somaram perto
de 5,7% da população total do País, onde viviam então 2.850.000 habitantes. (...) Em 1872, apenas três
capitais brasileiras contavam com mais de 100.000 habitantes: Rio de Janeiro (274.972), Salvador
(129.109) e Recife (118.671). [...] São Paulo tinha então uma população de 31.385 pessoas. Outro autor,
Zorraquino (2005, p. 29), informa que em 1872, a população total do Brasil aproximava-se dos 10,10
milhões de habitantes. A porcentagem da população urbana variava, segundo vários autores, entre 6% e
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mais de 10%, para, finalmente, em 1890, segundo Santos, serem três as cidades com mais de 100.000
moradores: Rio de Janeiro com 522.651, Salvador com 174.412 e Recife com 111.556. Três outras cidades
passavam da casa dos 50.000 (São Paulo: 64.934; Porto Alegre: 52.421; e Belém: 50.064) (SANTOS,
op.cit.), levando-se em conta que em 1890, a população total do Brasil chegou aos 14,33 milhões de
habitantes (com um incremento de perto de 42% em relação a 1872). (ZORRAQUINO, op. cit., p. 30)
11
Como exemplo, a Casa de Correção de Recife, que, entre 1860 e 1870, tinha se tornado uma verdadeira
fábrica, condição que não sustentaria por muito tempo com a concorrência dos calçados fabricados no
presídio de Fernando de Noronha, diretamente gerenciado por militares, o que com certeza influenciou na
preferência pelos seus produtos. Esta experiência com as oficinas na Casa de Detenção do Recife
demonstrou a falta de uma política prisional que sustentasse legalmente os vários discursos de valorização
do trabalho como elemento reformador do criminoso. Apesar de o trabalho ser visto como “forma de
redenção” para o preso, o governo provincial debatia-se em questões que diziam respeito meramente à
sua sustentabilidade financeira e complementação para o parco orçamento da Casa de Detenção. (MAIA;
NETO, op. cit. 198)
291
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12
Os dados dão conta de que, em 1855, na Casa de Correção de Fortaleza, dentre os réus 84,10% eram
trabalhadores livres e apenas 1,25% eram cativos, conforme se demonstram Filho, Mariz e Fontelles Neto
(op. cit., p. xxx) com base em relatórios da antiga Secretaria de Polícia da Província do Ceará.
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O novo ciclo econômico que se inicia no Brasil com o fim da escravidão traz
consigo outros problemas sociais. Desemprego e desordem urbana ganham dimensões
muito maiores e contornos diferentes daqueles pré-novecentistas. A legislação penal de
1890 passa a se ocupar detidamente da vadiagem. Em junho de 1893, o decreto n° 145,
também na mesma esteira, determina que a pena de prisão correcional será cumprida em
colônias fundadas pela União ou pelos Estados para a reabilitação de mendigos válidos,
vagabundos ou vadios, capoeiras ou desordeiros.
É interessante o fato de que, a partir desse momento, um regime carcerário começa
a se desenvolver para acomodar a crescente preocupação com os pequenos crimes e com
a resultante repressão policial de práticas antes toleradas (CHAZKEL, op. cit., p. 7-8).
Juridicamente, surge a figura das contravenções penais, infrações consideradas de menor
potencial ofensivo e com penas menores do que os fatos considerados crimes. Novas
colônias penais surgem para abrigar pessoas condenadas por contravenções,
especialmente a impopular Colônia Correcional de Dois Rios (idem). Os impactos dessa
nova realidade se revelam nos números da Casa de Detenção do Rio de Janeiro, cujos
registros de entrada, na década de 1890, demonstram que instituição alojou mais
indivíduos condenados por contravenções do que por qualquer infração mais séria. Em
1890, 60% das pessoas trazidas para a Detenção foram detidas por embriaguez,
vadiagem e comportamento desordeiro (idem).
A legislação penal de 1890 estrutura de modo mais amplo e sistemático as
condutas criminalizadas e a forma de combater e puni-las. Mas a realidade da escassez de
estabelecimentos para o cumprimento das penas permanece a despeito das mudanças.
Ainda que a maioria dos crimes previsse a prisão celular como pena (modalidade que
envolvia trabalhos dentro do presídio) não existiam estabelecimentos desse tipo para o
cumprimento (DI SANTIS; ENGBRUCH, 2016, s/p). Se tomamos como exemplo o ano
de 1906 no estado de São Paulo, podemos observar que foram condenados 976 presos no
estado de São Paulo à prisão celular, mas existiam apenas 160 vagas, portanto 816
presos (90,3%) cumpriam pena em condições diversas àquela prevista no Código Penal
vigente (idem).
O período que se inaugura com república observa também, em seu projeto
jurídico-penal, a premência de outra questão: a repressão aos opositores e agitadores,
especialmente, os movimentos de trabalhadores e os grupos anarquistas e comunistas –
tendência que seguirá como marca decisiva da legislação penal da primeira metade do
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século XX. Basta observar atentamente o Título I do livro que trata dos crimes em espécie
no Código Penal de 1890, cujo nome sugestivo é “Dos crimes contra a existência política
da república”, para perceber a preocupação aguda do Estado brasileiro em deter qualquer
sorte de oposição política. A densidade de uma pequena amostra do número de presos na
Colônia Penal de Clevelândia (Oiapoque - Amapá), que iam desde anarco-sindicalistas
ao tenentistas e comunistas, não nos deixa mentir: dos 946 presos lá internados entre
1924 e 1927, 491 morreram, ou seja, mais da metade (SALVEMINI, 2003, p. 112).
De modo geral, o período que se estende de 1890 a 1937 é marcado por uma série
de rígidas intervenções do Estado na organização da vida cotidiana do país. As reformas
higienistas realizadas no antigo centro do Rio de Janeiro e a criminologia de matriz
lombrosiana de Nina Rodrigues13 são grandes exemplos de como a modificação das bases
econômicas na transição do capitalismo de matriz agroexportadora para o capitalismo
industrial se adaptou para forjar um novo tipo de indivíduos, habituados a uma nova
sociabilidade, marcada pela voracidade da exploração do trabalho industrial. Mas os
detalhes desse momento histórico, sobretudo quando contrastados com o período após
1937, serão objeto de análise mais detida à frente.
13
Cf.
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Exemplo maior disso são os decretos nº 19.445 de 1930 e nº 21.946 de 1932, por
meio dos quais Getúlio Vargas indultou todos os condenados e acusados por vadiagem e
capoeiragem.
A despeito de que subsista no ideário dos juristas de 1940 a questão do trabalho,
ela permanece apenas como espantalho, posto que a não efetivação de um sistema
carcerário voltado para a massificação do trabalho industrial continua contradizendo a
vontade dos legisladores. A realidade é que, em termos de reprodução material da vida, a
própria compulsão econômica torna-se por si só capaz de empurrar os indivíduos para o
trabalho assalariado, conforme se verá. Por isso,
O próprio Nelson Hungria se insurge, pois
[...] as medidas de segurança referidas no artigo 88, § 1º, III do Código Penal,
tem finalidade exclusivamente “reeducativa”. Também aqui a reeducação tem
como base central o trabalho individualizado, a que se aliam, naturalmente,
outros métodos “ortopsíquicos” ou de pedagogia corretiva [...]. Já não se trata
de lidar com anormais orgânicos ou constitucionais, mas com indivíduos que,
em geral, insuficientemente dotados de resistência volitiva e sob a desnorteante
influência de circunstâncias diversas, notadamente o meio inferior em que
cresceram ou vivem, o adquirido hábito de aversão ao trabalho regular e a
carência de orientação educativa [...]. (HUNGRIA, 1951, p.).
Por mais que essa constatação de Hungria pudesse dar indícios da predominância
da finalidade disciplinadora no projeto jurídico-penal de 1940 em virtude da centralidade
do fator trabalho também no instituto da liberdade vigiada (já que segundo o art. 767 do
Código de Processo Penal de 1941, para ser beneficiário da liberdade vigiada, era
condição obrigatória que o condenado devesse tomar ocupação, dentro de prazo
razoável, se for apto para o trabalho), o que é mais relevante na afirmação do autor, em
verdade, é o fato de que execução das penas voltadas para o disciplinamento e a própria
construção das unidades onde se cumpririam essas penas nunca se efetivou
satisfatoriamente, nem mesmo no momento de objetivação do capitalismo nacional.
Para entender as razões dessa mudança no tratamento do Direito Penal com
relação a esse aspecto disciplinador do modo de vida, é necessário perceber que, com o
desenvolvimento das relações de produção no capitalismo, educação, tradição e hábito
(MARX, op.cit, p. 283) passam a atuar sobre os trabalhadores de modo que, com o passar
do tempo, eles mesmos reconhecem as exigências desse modo de produção como “leis
naturais” (ibid., 284). A violência extraeconômica (do Direito Penal, por exemplo)
permanece sendo empregada no cotidiano da dominação de uma classe pela outra no
capitalismo, mas ela perde a sua intensidade, pois a coerção muda exercida pelas relações
econômicas sela o domínio do capitalista sobre o trabalhador (ibid. 283).
Um paralelo entre dois momentos históricos pode nos ajudar a compreender a
questão: se nos tempos da escravidão a importância de um sistema punitivo e
disciplinador da força de trabalho centralizado na figura do Estado era secundária em
razão de que a disciplina se aplicava pelo exercício punitivo dos próprios senhores de
escravos dentro da unidade agrícola (o tronco e a chibata), já nos tempos do trabalho
assalariado industrial, um sistema punitivo cujo escopo fosse o adestramento das massas
para o trabalho fabril também seria igualmente secundário, visto que a existência de um
grande exército industrial de reserva (oriundo da abolição da escravidão) em condições
de reprodução miseráveis (decorrentes dos baixos patamares de remuneração repostos
pela superexploração, como se verá) é em si mesma mecanismo de controle da força de
trabalho, pois, no limite, a particularidade da indústria nacional implica uma atrofia
incapaz de absorver o gigantesco contingente de mão de obra disponível.
Quanto a persistência do tema do trabalho no ideário dos juristas e da existência
de fato de algumas oficinas de formação profissional dentro das instituições, Rusche e
Kirschheimer apontam para uma tendência mais ou menos genérica de que o trabalho
carcerário permaneça um problema central, a despeito do fato de haver perdido seu
significado econômico nos países de capitalismo industrial altamente desenvolvido
(Rusche e Kirschheimer, op. cit., p. 209). No Brasil, a cronologia do cárcere e do Direito
se expressa em termos similares: surgem os preceitos do trabalho carcerário na legislação
de 1830 sem que a materialidade das relações sociais comporte a sorte deste tipo de
projeto jurídico-penal; a partir de 1890 a punição se alça de fato ao status de mecanismo
necessário de adestramento para a nova rotina do trabalho assalariado (trabalhando muito
mais na forja das individualidades do que na produtividade da força de trabalho) que se
choca com as contradições da recém abolida escravidão e, finalmente, aos fins de 1930,
ainda que persista a noção de trabalho ressocializador no ideário e na legislação, a
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21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
Aqui se vê bem justificada a Lei de Segurança Nacional de 1935 que, embora não
tenha Hungria participado de sua elaboração, acabou por tornar-se, para ele, objeto de
elogio. Assim, assevera:
Caiu, assim, a barreira que a tradição liberal criara entre a criminalidade
política e a criminalidade comum. Era preciso abolir a superstição liberal de
que a revolução é um direito implícito do indivíduo, e o Estado Novo não
recuou sequer diante da extrema ratio: a decretação da pena de morte contra
os rebeldes de armas na mão. Revogaram-se as prerrogativas do delinquente
político: já não se reservam para este sanções privilegiadas; extinguiu-se a
custódia honesta; instituiu-se um tribunal especial, com regras de processo
derrogativas da justiça normal de modo a assegurar a punição pronta, rigorosa
e inexorável dos delitos políticos. (HUNGRIA, 1941-A).
A própria letra do Código Penal de 1940, do qual Hungria foi coautor, nos ajuda
a compreender melhor a abrangência e a relevância dos chamados Crimes Contra
Economia Popular. Se examinamos os tipos penais descritos no Título III – Dos crimes
contra a propriedade imaterial ( que abrange o capítulo II - Crimes contra o privilégio
de invenção, capítulo III - Crimes contra as marcas de indústria e comércio e capítulo IV
- Crimes de concorrência desleal) e Título IV - Crimes contra a organização do trabalho,
conseguimos perceber o sentido cristalino de uma legislação voltada para a regulação do
mercado, não só homogeneizando patamares de concorrência entre industriais e
comerciantes, mas também coibindo a amplitude de movimentos de trabalhadores que
interferissem na produção (o que, certamente, limita o próprio poder de negociação dos
trabalhadores, visto que, tendo sido restringida a sua capacidade de cessar a produção
industrial, seu poder de barganha nas negociações com o patronato decai – isso sem
mencionar a ampla margem criada pelos tipos penais do título IV no sentido da
criminalização dos movimentos de trabalhadores).
Além destes dois aspectos determinantes ao progresso do projeto econômico
nacional materializados no pensamento de Hungria (repressão aos delitos políticos e o
ideário do trabalho), podemos ainda identificar mais uma questão sintomática dos
imperativos da objetivação do capitalismo hipertardio na construção do novo projeto
jurídico-penal brasileiro na década de 1940: a administração política da pobreza.
Como os novos imperativos da industrialização permitem que o cárcere fixe condições
de vida degradantes em face da superpopulação endêmica deste momento histórico e, ao
mesmo tempo, a objetivação do capitalismo começa a dispensar a violência do Direito
enquanto demiurgo de uma nova sociabilidade apta ao cotidiano industrial, o cárcere e o
Direito Penal como um todo começam a cumprir um papel um tanto diferente no caso
brasileiro.
O direito e a política, enquanto alternativas para a resolução dos conflitos sociais
emergentes, pugnam alternadamente pela assistência e pela repressão criminalizante, tal
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I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 23 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
Tal sorte de indícios nos permite afirmar com alguma tranquilidade muito que, se
o próprio ideólogo da legislação penal de 1940 não hesita em afirmar que o risco da
permanente situação de mazela social conduz a “propaganda comunista” e que a
legislação trabalhista e a educação tem o condão de tornar menos miserável a vida dessa
parcela da classe trabalhadora, poucas dúvidas podem restar a respeito do papel através
do qual o cárcere integrará a sistemática do projeto jurídico-penal da burguesia brasileira.
Assim, como na Inglaterra observada por Marx, o Estado brasileiro também não vai além
das medidas administrativas e beneficentes, restringindo-se a administrar, política e
jurídico-penalmente o pauperismo, para diluir a densidade dos conflitos sociais a favor
da classe dominante.
Conclusão
14
(cf. Gomes, 1979; Weinstein, 2000)
300
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intervir na realidade, ainda que a forma como ele apreenda tais fenômenos seja
necessariamente distorcida.
Daí porque o pensamento de Hungria possa ser considerado ideologia. Expoente
de um projeto jurídico-penal típico de um momento de objetivação industrial, seu
pensamento se defronta com os conflitos da realidade, não os podendo negar, tendo,
ainda, que dar respostas práticas para solucioná-los,
A partir de elementos do próprio pensamento de Hungria, pode-se notar que
questão penal se não se torna central, como se poderia objetar, expressa em seu
movimento fatores determinantes na construção da modernidade no Brasil. Se em 1830 o
Código Criminal do Império inaugura novas formas punitivas amparadas por um discurso
focado no trabalho, a realidade não concorre à efetivação dessas, pois a função
disciplinadora das punições encontra-se dissolvida nas próprias unidades agrícolas de
produção, nos termos da violência aparente do escravismo. Mas as mudanças econômicas
em curso por todo o mundo impulsionam transformações sociais que vão culminar com
a abolição da escravidão e no Brasil, em 1890, com a proclamação da República. A partir
daí, com o surgimento decisivo da direção industrializante na economia brasileira, o
Direito Penal passa a desempenhar um papel um tanto diferente.
A exemplo de experiências europeias, o Direito Penal se encarrega de integrar à
nova rotina do trabalho industrial as individualidades ainda marcadas pelo ritmo colonial
de produção. Acentua-se a preocupação da legislação com novos delitos, plenamente
identificáveis com as práticas do proletariado nascente, recém liberado da escravidão
(como por exemplo a mendicância e a capoeira). Os conflitos entre capital e trabalho se
acentuam, a luta dos sindicatos se agrava nos centros urbanos e outros movimentos de
rebelião pelo interior do país colocam na ordem do dia a contestação da nova ordem. A
solução impetrada é a repressão impiedosa, expressão clara do bonapartismo brasileiro,
determinando a perseguição, a morte e a prisão de agitadores nos cantos mais hostis do
país e a expulsão de imigrantes considerados “subversivos”.
Mas se o Direito Penal, com todas as suas agências repressoras, socorre à forja de
uma nova sociabilidade durante o início do século XX, quando o próprio processo
econômico se torna, ele mesmo, capaz de compelir as massas ao cumprimento voluntário
da nova rotina da vida industrial, essa função perde o protagonismo. Assim, no momento
de objetivação do capitalismo no país, quando a burguesia industrial toma as rédeas do
jogo político, outras funções do Direito Penal tornam-se mais evidentes. É nesse sentido
que o cárcere expressa também a condição de superexploração da força de trabalho no
país, fixando como tendência no período os baixíssimos patamares remuneratórios e, por
outro lado, também se revela como alternativa política de administração do pauperismo
– tudo isso não só se prova pelo pensamento de Hungria, como é o ambiente mesmo em
que ele produz esse pensar, pensar este que se volta como alternativa prática de
intervenção na realidade enquanto projeto jurídico-penal.
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Resumo
Analisa-se nesse trabalho acadêmico a relação entre a lei e a produção das cidades no
Baixo Amazonas tendo o espaço urbano como lócus privilegiado para a compreensão do
fenômeno jurídico em sua condição estruturante do processo de acumulação. Por meio do
pensamento jurídico crítico, compreendemos que a forma jurídica corresponde às
concretas relações sociais, sendo sua finalidade garantir a imposição da sociabilidade do
capital. Essa análise se faz por intermédio da recente experiência de alteração da lei de
parcelamento, uso e ocupação do solo (Lei Complementar 07/2012) do município de
Santarém/PA, localizado na região do Baixo Amazonas. Verifica-se que a intensificação
do processo de urbanização na cidade de Santarém tem exigido novos aparatos legais para
legitimar as ações do poder público e do mercado que, muitas vezes, ocorrem à margem
da lei. Conclui-se, portanto, que o Direito assume papel central na estruturação desse
processo por meio do reconhecimento oficial das práticas do mercado e na criação de uma
equivocada ideia de que a legislação urbanística, ao operar a noção do dever ser, é capaz
de limitar a atuação do setor privado por meio da proteção dos interesses coletivos.
Abstract
This article analyzes the relation between the law and the production of cities in the Lower
Amazon, assuming the urban space as a privileged locus for the understanding of the
juridical phenomenon in its structuring condition of the accumulation process. By means
of critical legal thinking, we understand that the legal form corresponds to the concrete
social relations, and its purpose is to guarantee the imposition of the sociability of
capital. This analysis is done through the recent experience of the Land use and
Subdivision Law alteration (Complementary Law 07/2012) of the municipality of
Santarém / PA, located in the region of Lower Amazonas. It is verified that the
intensification of the process of urbanization in the city of Santarém has demanded new
legal devices to legitimize the actions of the public power and of the market that, often,
occur outside the law. It is concluded, therefore, that the Law assumes central role in the
structuring of this process by means of the official recognition of market practices and
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the creation of a mistaken idea that urban legislation, when operating the notion of being,
is able to limit the private sector through the protection of collective interests.
Keywords: Cities Production; Right critical; Lower Amazon; Urban Law; Santarém-PA.
INTRODUÇÃO
A pretensão desse trabalho acadêmico é analisar a relação entre a lei e a produção
das cidades no Baixo Amazonas tendo o espaço urbano como lócus privilegiado para a
compreensão do fenômeno jurídico em sua condição estruturante do processo de
acumulação. Por meio do pensamento jurídico crítico, compreendemos que a forma
jurídica corresponde às concretas relações sociais, sendo sua finalidade, garantir a
imposição da sociabilidade do capital. Essa análise se faz por intermédio da recente
experiência de alteração da lei de parcelamento, uso e ocupação do solo (Lei
Complementar 07/2012) do município de Santarém, no Estado do Pará, localizado na
região conhecida como Baixo Amazonas.
Para essa análise faz-se necessário, num primeiro momento, compreender o
espaço urbano no sistema de produção capitalista utilizando-se dos estudos realizados por
Jean Lojkine na década de 80 e pela recente abordagem de David Harvey no âmbito da
geografia urbana crítica.
É de extrema importância ainda pensar as especificidades da produção do
espaço urbano nas cidades nos países periféricos, em especial, na região do Baixo
Amazonas na qual situa-se a cidade de Santarém valendo-se aqui dos estudos sobre a
economia política da urbanização de Paul Singer realizados na década de 70.
Compreendido o papel do espaço urbano no processo de acumulação, passamos
a questão-problema norteadora desse trabalho: mas, afinal, qual o papel do Direito na
produção das cidades? A abordagem realizada aqui toma o fenômeno jurídico na sua
(intrínseca) relação com os processos econômicos e se faz por intermédio do pensamento
jurídico crítico marxista.
Para compreendermos a relação entre lei e a produção das cidades, valemos não
só da investigação teórica como também da recente experiência pela qual passou a cidade
de Santarém, o maior centro urbano do Oeste do Pará. Localizada às margens do rio
Amazonas no percurso entre a cidade de Manaus e Belém, duas grandes capitais da região
norte do Brasil, Santarém é a terceira maior cidade do Estado, sendo referência para vários
municípios, em especial, aqueles da região conhecida como Baixo Amazonas.
A intensificação da pressão do setor do agronegócio pela ampliação de
infraestruturas para o escoamento da produção de monoculturas e do mercado imobiliário
para o aumento da lucratividade dos seus negócios na região, tem causado muitos
impactos na vida cotidiana das santarenas e dos santarenos nas últimas décadas. O
processo de urbanização pelo qual passa a cidade de Santarém, sede da região
metropolitana de mesmo nome, encontra na lei (e no Estado) especial aliada às mediações
necessárias para que a sociabilidade do capital seja hegemônica na região em
contraposição aos outros modos tradicionais de reprodução da vida.
Trata-se, portanto, de uma investigação teórica e empírica que se vale das técnicas
de pesquisa de revisão bibliográfica, análise documental, legislativa e observação direta.
Não menos importante ressaltar que, a conclusão desse trabalho dependeu,
fundamentalmente, das inúmeras contribuições diretas e indiretas recebidas durante o I
Seminário Crítica da Economia Política e do Direito realizado no mês de maio de 2018
na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
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Paul Singer diz ainda que tanto a concentração urbana bem como a centralidade
das metrópoles são falsos problemas para compreender a urbanização, uma vez que
eventuais melhoras decorrem de um aperfeiçoamento do planejamento urbano, nos
limites do sistema de produção capitalista (SINGER, 2014, p.78). A questão central nessa
análise dever ser a concentração do capital, pois esta revela contradições centrais do
capitalismo uma vez que são superadas momentaneamente e, logo após, ressurgem de
forma mais grave (SINGER, 2014, p. 78-79).
No âmbito das relações entre cidade e campo, Paul Singer destaca ainda que se
trata de um processo no qual o capitalismo penetra numa economia não capitalista de
subsistência, desintegrando esta economia para integração àquela (SINGER, 2014, p. 79).
Contudo, na América Latina, a penetração do capitalismo na economia rural não
provocou uma revolução agrícola, pois na maioria dos países a agricultura permanece
tecnologicamente atrasada (SINGER, 2014, p. 80). Essa análise, em especial, favorece a
uma melhor compreensão da dinâmica econômica das cidades na Amazônia onde
processos modernos se articulam com processos tradicionais e a separação entre espaço
urbano e espaço rural é muito tênue.
Karl Marx publica essas críticas na Gazeta Renana, jornal prussiano do século
XIX no qual foi editor. Na Gazeta Renana de nº 303, de 30 de outubro de 1842, Marx
expõe ainda as contradições do Estado que atua na defesa dos interesses dos proprietários.
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desconsiderando-se a ideia de que o fenômeno jurídico ocorre por meio de uma submissão
incondicional à uma autoridade externa (PACHUKANIS, 2017, p. 110).
Para Pachukanis, a superação do sistema de produção capitalista passa
necessariamente pelo fim do momento jurídico. Portanto, não se trata apenas da
ressignificação do conteúdo do direito burguês por meio da criação de um direito
proletário, uma vez que o aniquilamento do direito significa a supressão do momento
jurídico das relações humanas (PACHUKANIS, 2017, p.78).
No âmbito do pensamento jurídico crítico, portanto, é no modo de produção
capitalista que o Direito se universaliza e se propõe a regular todos os campos da vida
social, embora, quanto mais se desenvolva, mais difícil se torna verificar essa relação com
a circulação mercantil, assumindo, cada vez mais, uma aparência de transcedentalidade.
No planejamento e das gestões da cidade, as leis são fundamentais para
legitimarem as ações do poder público e do mercado na criação de espaços capazes de
atender as necessidades da acumulação. Conforme já ressaltado por Henri Lefebvre na
obra “A revolução urbana”, o urbanismo não é uma técnica neutra manejada pelos
arquitetos e planejadores urbanos e sim um instrumento político instituído pelo Estado na
tentativa de criar homogeneização do espaço que se realiza por meio de uma concepção
abstrata e fragmentada (LEFEBVRE, 2002, p. 150). No capitalismo, o espaço abstrato
apresenta as seguintes peculiaridades:
O capitalismo e o neocapitalismo produziram o espaço abstrato que contém o
“mundo da mercadoria”, sua “lógica” e suas estratégias à escala mundial, ao
mesmo tempo que a potência do dinheiro e a do Estado político. Esse espaço
abstrato apoia-se em enormes redes de bancos, centros de negócios, de grandes
unidades de produção. E também no espaço das autoestradas, dos aeroportos,
das redes de informação. Nesse espaço, a cidade, berço da acumulação, lugar
da riqueza, sujeito da história, centro do espaço histórico, explodiu
(LEFEBVRE, 2002, p. 51).
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exemplo, a ocupação Vista Alegre do Juá que reúne cerca de três mil famílias (REIS at
al., 2017).
É nesse lugar histórico-social específico que foi apresentado no mês de setembro
de 2017 o Projeto de Lei 1621/2017 proposto pelo vereador Antônio Rocha, presidente
da Câmara Municipal. O PL 1621/2017 teve por objetivo a alteração da Lei de
Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei Complementar 07/2012).
Entre as alterações propostas pelo projeto de lei, destaca-se a mudança do
zoneamento do município, ampliando-se a zona urbana para áreas onde já existem
condomínios de alto padrão irregulares, o que poderia provocar a supervalorização do
preço da terra. Além disso, o PL 1621/2017 propunha a flexibilização da regulamentação
do uso e ocupação do solo permitindo, por exemplo, a atividade extrativista e mineral em
áreas de Zona de Proteção Ambiental.
A alteração dos limites dos gabaritos das construções foi uma das inovações mais
polêmicas, sendo questionada por diversos segmentos uma vez que permitia a
verticalização de grande parte da área central da cidade e, especialmente, da vila de Alter
do Chão, principal ponto turístico de Santarém, com edifícios de até 19 mestros. Ressalta-
se que nessa vila já existem construções iniciadas fora do padrão definido pela legislação
urbanística municipal e usos incompatíveis com as restrições definidas pela Lei
Complementar 07/2012.
Nesse sentido, a declaração do vereador Antônio Rocha é bastante significativa:
“A gente espera que esse projeto venha legalizar aquilo que nós precisávamos. Queríamos
construir uma casa, não podíamos, queríamos construir um muro, não podíamos. A
prefeitura não dava licença e as pessoas construíam por conta própria1.”
Destaca-se que o referido Projeto de Lei, em que pese o impacto das mudanças
propostas, foi desacompanhado de quaisquer estudos técnicos que justificassem tais
alterações. Esse fato, aliado à ausência de amplo debate participativo que envolvesse a
população local, ensejou a Recomendação Conjunta n.º 02/2017 do Ministério Público
do Estado Pará que advertiu ao Município de Santarém que suspendesse o Projeto de Lei
afim de que garantir: a realização estudos técnicos interdisciplinares; a apresentação e
execução de um plano de atividades informativas e consultivas com a população; a
realização de audiência pública com outras instituições como INCRA, ITERPA,
FUNAIS, dentre outras e, por fim, a realização de Consulta Prévia, livre e informada às
populações tradicionais atingidas pelas mudanças.2
Outra questão que motivou críticas de diversos segmentos da sociedade foi o
fato de que a discussão sobre a alteração da legislação urbanística se deu ao largo do
processo de revisão do Plano Diretor da cidade iniciado em julho de 2017. Sendo o Plano
Diretor o principal instrumento de política urbana, conforme definido pela Constituição
Federal no artigo 182, a lei de parcelamento, uso e ocupação do solo deveria ser alterada
sob a luz desse instrumento, e não o contrário. Além disso, o processo de elaboração e
revisão dos Planos Diretores deve ser, obrigatoriamente, participativo, o que poderia
dificultar, ao menos no âmbito da produção legislativa, o exercício da “democracia direta
1
Câmara aprova construções em áreas de APP e no entorno de rodovia que dá acesso a Alter do
Chão. Portal G1 Santarém. 12 de dezembro de 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/pa/santarem-
regiao/noticia/camara-aprova-construcoes-em-areas-de-app-e-no-entorno-de-rodovias-que-dao-acesso-a-
alter-do-chao.ghtml Acesso em jul. 2018.
2
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SANTARÉM (MPPA). Recomendação Conjunta n.º 02/2017
Outubro, 2017 . Disponível em: http://www.mppa.mp.br/upload/RECOMENDACAO%20%2002-
2017%20REFORMA%20LPUOS%20-%20PA%200114770312017.pdf Acesso em jul.2018.
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Artigo Lei Complementar 07/2012 Projeto de Lei 1621/2017 Lei Complementar 11/2017
IX- Bacia do Lago
Verde em Alter do Chão.
Art. 19, II Art.19, II. Área Portuária II- Art. 19, II: Área Portuária II- REDAÇÃO ORIGINAL
Define a Zona iniciando na Av. Borges Leal, iniciando na Av. Borges Leal,
Portuária II seguindo até o limite da área seguindo pela margem do Rio
de proteção ambiental do Tapajós e Rio Amazonas até o
Maicá. Rio Ituqui.
Art. 21: VI – áreas de interesse de a) A partir dos limites do a) NÃO FOI APROVADO
Define a zona proteção estética que visa Mirante do Tapajós na Rua b) No entorno da orla fluvial,
de interesse impedir a construção de Adriano Pimentel, no perímetro excluindo os limites do entorno
institucional prédios nas seguintes compreendido entre a Rua do Mirante (alínea a), na
poligonais: Francisco Correa e Rua Inácio poligonal compreendida entre a
a) A partir dos limites do Correa, onde as edificações Travessa Antônio Bastos, entre a
Mirante do Tapajós na Rua deverão ter gabarito de até 02 Avenida Fernando Guilhon e
Adriano Pimentel, no (dois) pavimentos e altura de até Avenida Borges Leal; Avenida
perímetro compreendido entre 13 (treze) metros, incluindo as Borges Leal e Travessa Antônio
a Rua Francisco Correa e Rua construções auxiliares situadas Bastos e Rua São Silvestre; Rua
Inácio Correa, onde as acima do teto do último São Silvestre entre Avenida
edificações deverão ter pavimento (caixa d’água, casa Borges Leal e travessa
gabarito de até 02 (dois) de máquina, hall de escada) e os Presidente Kennedy, Rua
pavimentos e altura de até 10 elementos de composição da Violeta Imperial entre Travessa
(dez) metros, incluindo as referida fachada (platibanda e Presidente Kenedy e Travessa
construções auxiliares frontões), conforme Mapa em Acácia Prateada, Travessa
situadas acima do teto do anexo XI; Acácia Prateada entre Avenida
último pavimento (caixa Presidente Vargas e Avenida
d’água, casa de máquina, hall b) No entorno da orla fluvial, Rui Barbosa; Aveia Rui Barbosa
de escada) e os elementos de excluindo os limites do entorno entre Travessa Acácia Prateada
composição da referida do Mirante (alínea a), na e Avenida Mendonça Furtado,
fachada (platibanda e poligonal compreendida entre a Avenida Mendonça Furtado
frontões), conforme Mapa em Travessa Antônio Bastos, entre a entre Avenida Rui Barbosa e
anexo XI; Avenida Fernando Guilhon s e Rua Rosa Paso; Rua Rosa
b) No entorno da orla fluvial, Avenida Borges Leal; Avenida Passos entre Avenida Mendonça
excluindo os limites do Borges Leal e Travessa Antônio Furtado e Avenida Marechal
entorno do Mirante (alínea a), Bastos e Rua São Silvestre; Rua Rondon; Avenida Marechal
na poligonal compreendida São Silvestre entre Avenida Rondon entre Rua Rosa Passos e
entre a Travessa Antônio Borges Leal e travessa Rua Belém; Rua Belém entre
Bastos, entre a Avenida Presidente Kennedy, Rua Avenida Marechal Rondon e
Fernando Guilhon s e Avenida Violeta Imperial entre Travessa Avenida Álvaro Adolfo;
Borges Leal; Avenida Borges Presidente Kenedy e Travessa Avenida Álvaro Adolfo entre
Leal e Travessa Antônio Acácia Prateada, Travessa Rua Belém e Rua Antônio
Bastos e Rua São Silvestre; Acácia Prateada entre Avenida Simões; Rua Antônio Simões
Rua São Silvestre entre Presidente Vargas e Avenida entre Avenida Álvaro Adolfo e
Avenida Borges Leal e Rui Barbosa; Aveia Rui Barbosa Rua Uruará entre Rua Nova
travessa Presidente Kennedy, entre Travessa Acácia Prateada e Olinda, com edificações com
Rua Violeta Imperial entre Avenida Mendonça Furtado, gabarito de até 27 (vinte e sete)
Travessa Presidente Kenedy e Avenida Mendonça Furtado metros de altura, incluindo as
Travessa Acácia Prateada, entre Avenida Rui Barbosa e construções auxiliares situadas
Travessa Acácia Prateada Rua Rosa Paso; Rua Rosa acima do teto do último
entre Avenida Presidente Passos entre Avenida Mendonça pavimento (caixa d’água, casa
Vargas e Avenida Rui Furtado e Avenida Marechal de máquinas, hall de escada) e os
Barbosa; Aveia Rui Barbosa Rondon; Avenida Marechal elementos de composição da
entre Travessa Acácia Rondon entre Rua Rosa Passos e referida fachada (platibandas e
Prateada e Avenida Mendonça Rua Belém; Rua Belém entre frontões).
Furtado, Avenida Mendonça Avenida Marechal Rondon e c) Nas demais zonas não
Furtado entre Avenida Rui Avenida Álvaro Adolfo; incluídas beste artigo, as
Barbosa e Rua Rosa Paso; Rua Avenida Álvaro Adolfo entre edificações terão gabaritos e
Rosa Passos entre Avenida Rua Belém e Rua Antônio alturas de acordo com a taxa de
Mendonça Furtado e Avenida Simões; Rua Antônio Simões ocupação do solo e índice de
Marechal Rondon; Avenida entre Avenida Álvaro Adolfo e aproveitamento e legislação
Marechal Rondon entre Rua Rua Uruará entre Rua Nova vigente devidamente
Rosa Passos e Rua Belém; Rua Olinda, com edificações com
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Belém entre Avenida gabarito de até 27 (vinte e sete) autorizada pelos órgãos
Marechal Rondon e Avenida metros de altura, incluindo as competentes.
Álvaro Adolfo; Avenida construções auxiliares situadas
Álvaro Adolfo entre Rua acima do teto do último d) NÃO FOI CRIADA
Belém e Rua Antônio Simões; pavimento (caixa d’água, casa
Rua Antônio Simões entre de máquinas, hall de escada) e os
Avenida Álvaro Adolfo e Rua elementos de composição da
Uruará entre Rua Nova referida fachada (platibandas e
Olinda, com edificações com frontões).
gabarito de até 19 (dezenove c) Na vila de Alter do Chão onde
metros de altura, incluindo as as edificações deverão ter
construções auxiliares gabarito de até 19 (dezenove)
situadas acima do teto do metros de altura, incluindo as
último pavimento (caixa construções auxiliares situadas
d’água, casa de máquinas, hall acima do teto do último
de escada) e os elementos de pavimento (caixa d’água, casa
composição da referida de maquinas, hall de escada) e os
fachada (platibandas e elementos de composição da
frontões). referida fachada (platibandas e
c) Nas demais zonas não frontões).
incluídas beste artigo, as d) Nas comunidades de Pontas
edificações terão gabaritos e de Pedras, Tapari, Carapanari e
alturas de acordo com a taxa Pajuçara, as edificações deverão
de ocupação do solo e índice ter gabarito de até 19 (dezenove)
de aproveitamento. metros de altura, incluindo as
construções auxiliares situadas
acima do teto do último
pavimento (caixa d’água, casa
de máquinas, hall de escada) e os
elementos de composição da
referida fachada (platibandas e
frontões)
e) nas demais zonas não
incluídas neste artigo, as
edificações terão seus gabaritos
e alturas de acordo com a taxa de
ocupação do solo e índice de
aproveitamento.
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V – pedestrianismo; florestas públicas e áreas funcionamento deverão
VI - enduro equestre; protegidas. obrigatoriamente ser licenciados
VII – escalada; § 3º. Só será permitida a pela instância ou órgãos de
VIII – safári fotográfico; extração mineral fora de corpos acordo com a legislação
IX – arvorismo; hídricos, em área que vigente.
X – tirolesa e similares; corresponda a 50% (cinquenta § 2º. As áreas definidas como
XI – trilhas; por cento) da extensão total do ZEPA estão sujeitas as
XII – praias; imóvel aprovado no Cadastro legislações pertinentes as
§ 1º. Só serão permitidas Ambiental Rural – CAR. florestas públicas e áreas
construções destinadas ao § 4º. Para os imóveis que ainda protegidas.
comércio e prestação de possuem mata nativa, só será § 3.º Em caso de área rural, só
serviços de apoio ao esporte e permitida a extração minerais será permitida a extração
lazer, tais como: em áreas que corresponda no mineral realizada de acordo
I – venda de alimentos e máximo a 20% (vinte por cento), com espaço de uso alternativo
bebidas não alcóolicas; da extensão total do imóvel do solo definida pelo Cadastro
II – venda de artesanato; aprovada no Cadastro Ambiental Rural – CAR.
III – apoio às atividades Ambiental Rural – CAR. § 4º. Em caso de áreas em zona
esportivas de recreação; 5§º. Só será permitida a extração urbana ou de expansão urbana,
IV – serviços públicos: de substâncias minerais de as atividades de extração de
informações, seguranças e utilização imediata na minério deverão obedecer os
similares. construção civil e critério de licenciamento
§ 2º. Os equipamentos acima beneficiamento associado. ambiental previstos na
descritos deverão seguir legislação específica.
projeto para execução e § 5º. Não será permitida
localização definido em nenhuma atividade degradante,
conformidade com essa lei. que cause impacto ambiental ao
§ 3º. Os projetos de tais obras demande supressão vegetal, na
dependerão de aprovação área de savana ou campos,
prévia de órgãos competentes, localizados na APA Alter do
conforme legislação ambiental Chão e Eixo Forte;
municipal, estadual e/ou § 6º. As construções a partir do
federal. limite definido como Área de
Preservação Permanente (APP)
deverão obedecer aos disposto
no Código Florestal – lei nº.
12.651/2012.
§ 7º. Nas áreas de savana ou
cerrado amazônico localizados
na APA Alter do Chão e Eixo
Forte, não será permitida
nenhuma atividade utilizadora
dos recursos ambientais
consideradas efetiva ou
potencialmente poluidoras ou
aquelas que, sob qualquer
forma, possam causar
degradação ambiental, exceto, a
realização de pesquisas
científicas e o desenvolvimento
de atividades de educação e
interpretação ambiental, da
recreação em contato com a
natureza e de turismo ecológico.
§ 8º. Na área da APA de Alter do
Chão serão admitidas atividades
de extração mineral e agricultura
familiar de acordo com os
seguintes parâmetros:
I – criação animal nos incisos a)
a i), de acordo com o seguinte:
a) Não é permitida a construção
de cercas e currais para criação
de animais de médio e grande
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porte, com distância inferior a
cem metros (100 m) da margem
de igarapés, lagos, enseadas e
rios.
b)Os criadores se
responsabilizam por
investimento em cercas
eficientes para a confecção dos
seus animais, tais como bovinos,
suínos, equinos, caprinos, bem
como recolhê-los em currais
durante a noite.
c) É proibido o fechamento de
vias públicas para a criação de
animais.
d) É de responsabilidade dos
criadores construir tanques ou
bebedouros próprios e impedir o
acesso de bovinos, suínos,
equinos e caprinos para beber
água em igarapés, praias,
enseadas e lagos.
e) Os trabalhadores que utilizam
animais para transporte estão
autorizados a circular no
exercito da função,
responsabilizando-se pelo
destino adequado dos objetos de
seus animais. Os proprietários
de animais domésticos ficam
igualmente responsáveis pela
destinação dos dejetos dos seus
animais.
f) Não é permitida a criação de
búfalos na APA Alter do Chão.
g) A única técnica de pecuária
intensiva permitida na APA de
Alter do Chão é a que conta com
o pastoreio rotativo em piquetas
tipo Voisin.
h) Devem ser incentivados
sistemas de criação de aves em
regime de semi- confinamento
(conhecidos como galinha
caipira).
I – Agricultura familiar nos
inciso a) a e), de acordo com o
seguinte:
a) Devem ser asseguradas e
efetivadas práticas de
conservação do solo.
b) As derrubadas de vegetação
para uso agrícola só serão
permitidas respeitando-se os
limites da Área de Conservação.
c) Não é permitida a
monocultura em larga escala na
APA Alter do Chão e entorno,
bem como o cultivo de
transgênico e o uso de
agrotóxicos, devendo ser
incentivado o uso de insumos
orgânicos quando necessário.
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d) a agricultura tradicional deve
respeitar o limite de um hectare
por ano por família em sistema
rotativo.
e) os órgãos e instituições
competentes devem manter um
cadastro de agricultores famílias
que possibilite o monitoramento
da área plantada.
III- Mineração nos incisos a) a
c), de acordo com o seguinte:
a) É proibida a exploração
mineral em áreas de savana e
APPs.
b) Nas outras áreas, o Poder
Executivo poderá expedir
licenças de exploração de
minérios de segunda classe, tais
como seixo, pedra, areia, barro e
piçarra.
c) A extração de argila para uso
artesanal em pequena escala
deverá ser regulada por meio de
cadastramento dos artesãos de
cada comunidade e a definição
de local adequado para extração.
Art. 40: A vegetação existente nessa A vegetação nessa área deve ser
Dispõe sobre a área deve ser preservada e preservada e ampliada, salvo as
vegetação em ampliada. supressões para obras para
área de ZPA instalação dos equipamentos
previstos do art. 39 da
presente lei que estejam
localizados em áreas
consolidadas.
Art. 41: Em edificações existentes, Nas áreas da APA, serão Nas áreas de APA, serão
Dispõe sobre as com uso inadequado, serão permitidos loteamentos chácaras permitidos loteamentos de
obras em área de permitidas apenas obras de de recreio que atendam às chácaras de recreio que atendam
ZPA. manutenção relativas à dimensões mínimas de dois mil às dimensões mínimas de dois
segurança, conservação e e quinhentos metros quadrados mil e quinhentos metros
higiene, ficando proibido o (2.500,00 m²) de área e quadrados (2.500,00 m²) de área
acréscimo de área construída cinquenta metros (50,00 m) de e cinquenta metros (50,00) de
e/ou pavimentada. testada. testada.
Parágrafo Único: caso a área Parágrafo único: caso a área
venha a ser considerada como venha a ser considerada como
urbana, seguirá os parâmetros urbana ou de expansão urbana,
previstos no capítulo II desta lei. seguirá os parâmetros previstos
no capítulo II deste título.
Art. 42: Na ZEPA não será permitida a Não serão permitidas REDAÇÃO ORIGINAL
Dispõe sobre a construção de edificações de construções em áreas em áreas
construção de usos habitacionais de APP definida pela Lei nº.
edificações de permanentes. 12.651/2012 Código Florestal,
usos em uma largura mínima de:
habitacionais I – 30 (trinta) metros, para os
permanentes cursos d’água de menos de
10(dez) metros de largura;
II – 50 (cinquenta) metros, para
os cursos d’água que tenham 10
(dez) e 50 (cinquenta) metros de
largura;
III – 30 (trinta) metros, nas áreas
no entorno dos lagos e lagoas
naturais, em zona urbana;
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§1º. Também não serão
permitidas construções em área
de savana ou campos
amazônicos que estejam
localizados na APA Alter do
Chão e Rodovia Everaldo
Martins, desde que a área de
savana seja delimitada por ato
do Poder Executivo.
§ 2º. A supressão de vegetação
nativa e construções em Área
de Preservação Permanente e
áreas de savana de que tratam
este artigo poderão ser
autorizadas,
excepcionalmente, nas
hipóteses de utilidade pública
conforme previstas no art. 3º ,
VIII da Lei 12.651/2012 –
Código Florestal.
Art. 43: As atividades a serem - REVOGADO
Dispõe sobre as desenvolvidas na ZEPA
atividades na deverão ocorrer sem riscos
ZEPA de poluição sonora, do ar, da
água, do solo e do subsolo.
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Estado no tratamento da água
servida à população e no
tratamento dos esgotos
domésticos. Enquanto isso não
acontece, fica na
responsabilidade de cada
proprietário realizar o adequado
tratamento dos afluentes,
domésticos ou não, pelos
produtores das emissões e/ou
rejeitos;
a) as propriedades já existentes
deverão se adequar, no prazo
máximo de 1 (um) ano após a
sanção desta Lei.
II – Deve ser coibido o
lançamento de efluentes
poluidores e de resíduos nos
cursos d’água e área adjacentes
aos mesmos;
a) Deve ser assegurada junto ao
Poder Público a construção de
poços profundos e
microssistemas com a finalidade
de abastecimento da população
local, sendo de responsabilidade
da administração dos mesmos a
fiscalização do uso irregular e
abusivo.
b) O Poder Público, com o apoio
das organizações comunitárias,
deve identificar, monitorar e
divulgar as áreas de balneário,
assim como recuperar e
conservar os cursos d’água
urbanos e rurais, especialmente,
os cursos d’água que formam os
lagos da APA.
III- Não é permitida em toda
área da APA a construção de
fossas negras (sem
permeabilidade de fundo);
IV – O Poder Público,
juntamente com as organizações
comunitárias da APA Alter do
Chão, devem buscar
alternativas apropriadas para
cada localidade e deve ser
incentivada a construção de
fossas ecológicas e banheiros
secos.
a) Nos casos de construções
públicas, esse tipo de tratamento
é obrigatório.
b) É proibida a construção de
qualquer tipo de fossa a menos
de trinta metros (30m) da
margem de rios, lagos, igarapés
ou qualquer fluxo natural de
água no maior cheio registrada,
tomando-se sempre cuidado
com a elevação do nível de água
no lençol freático, sendo que a
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profundidade total máxima
recomendada é de três metros e
meio (3,5 m).
Art. 53, § - - Nas áreas definidas como ZEIS,
único: conforme definido pela
Dispõe sobre as legislação vigente, serão
Zonas Especiais admitidas atividades esportivas,
de Interesse de recreação, comerciais,
Social (ZEIS) extrativista mineral, vegetal e
animal, hoteleira, de loteamento
e de turismo capazes de atender
o convívio harmônico entre o
homem e o meio ambiente.
Fonte: elaboração própria.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O resgate da experiência santarena de revisão da legislação urbanística possibilita
inúmeras considerações sob diferentes perspectivas. Embora o estudo interdisciplinar da
legislação seja necessário para compreender quais são os possíveis alcances das
alterações aprovadas, nesse espaço privilegiou-se verificar a relação da lei com a
produção das cidades no Baixo Amazonas por intermédio do pensamento jurídico crítico.
Num primeiro momento, o processo de urbanização foi aqui compreendido
enquanto fundamental para a produção do espaço de acordo com as necessidades da
acumulação. Posteriormente, apreendeu-se o fenômeno jurídico enquanto mediação
necessária à produção do valor e à imposição da sociabilidade capitalista, valendo-se da
máxima do “dever ser”. Portando, entende-se o Direito enquanto o “reconhecimento
oficial do fato” (MARX, 1985) e não como uma instituição imparcial capaz de garantir
os interesses coletivos frente aos interesses privados.
Nesse sentido, é necessário ressaltar que à crítica ao processo alteração da
legislação urbanística de Santarém por meio do PL 1621 não significa o saudosismo à
legislação anterior. Esta é igualmente produto do avanço da sociabilidade do capital para
a região do Baixo Amazonas. O uso do espaço pela população local, como os povos
tradicionais, por muito tempo, não dependeu do direito positivo. Esse uso não se
respaldava no reconhecimento da propriedade privada individual e, muito menos, da sua
titulação, sendo esta uma necessidade do capital para inserir no mercado aquelas terras
ainda não disponíveis.
Na experiência ilustrada, restou evidente que as “garantias legais” frente aos
interesses da acumulação são muito frágeis. Os interesses econômicos encontram no
Estado e na Lei especiais aliados. Na experiência santarena, a Lei Complementar 11/2017
reconheceu práticas que já estão ocorrendo na cidade. O art. 41, por exemplo, torna legal
os loteamentos que estão surgindo na Área de Proteção Ambiental Municipal Alter do
Chão.
Importante ponderar ainda que a crítica ao Direito e ao Estado por intermédio do
pensamento jurídico crítico marxiano e marxista, contudo, não compreende que
mudanças no conteúdo das leis e/ou de governo poderia subordinar aquelas instituições
aos interesses coletivos. Tanto a forma política quanto a forma jurídica são derivadas da
forma mercadoria e reportam-se a mesma lógica de reprodução do capital (MASCARO,
2013, p. 39).
Embora não tenha sido pretensão do presente artigo verificar a atuação dos
diversos segmentos sociais no processo legislativo e o peso da articulação política feita
por esses segmentos na modificação do projeto de lei original, é importante ressaltar que
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o resgate aqui realizado de maneira sucinta não dá conta de toda complexidade que
envolve o caso. Destaca-se, por exemplo, o protagonismo dos grupos do Distrito de Alter
do Chão na negociação realizada com os vereadores e a centralidade que a questão da
verticalização assumiu no debate público sobre a modificação da legislação urbanística.
Conclui-se, portanto, que o processo de urbanização no Baixo Amazonas tem
exigido novos aparatos legais a fim de legitimar as práticas do mercado e que permitam
a expansão do processo de acumulação, integrando esse território, no qual práticas
tradicionais ainda resistem às necessidades do capital nacional e internacional. Nesse
sentido, o Direito assume papel central na estruturação desse processo e na criação de
uma equivocada ideia de que a legislação urbanística é capaz de limitar a atuação do setor
privado por meio da proteção dos interesses coletivos.
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Conflitos fundiários urbanos: uma análise da disputa pelo uso da moradia por meio do
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SANTARÉM. Lei Complementar nº 11/2017. Altera a Lei Complementar 007/2012, de
28 de setembro de 2012, que dispõe sobre parcelamento, uso e ocupação do solo.
Santarém, PA, 2017.
______. Projeto de Lei nº 1621/2017. Altera a Lei Complementar 007/2012, de 28 de
setembro de 2012, que dispõe sobre o parcelamento, uso e ocupação do solo. Santarém,
PA, 2017.
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Resumo
A forma jurídica como uma das estruturas de regulamentação social específica do modo
de produção capitalista é dinamizada pela complexa relação entre o direito e a economia.
Dentro do vasto campo das contribuições do marxismo para a pesquisa em direito, a
relação entre direito e economia surge como um dos fundamentos do complexo jurídico.
Neste sentido, a necessidade de diferenciação entre a gênese e o desenvolvimento da
interação entre o desenvolvimento das forças produtivas e as suas respectivas relações de
produção, em especial o direito é importante ponto de referência para o desenvolvimento
da pesquisa em direito. A exposição dos elementos básicos desta diferenciação é a
finalidade deste modesto trabalho, indicando possíveis elementos de orientação no estudo
investigativo das relações concretas e contraditórias (entre o reflexo e a incongruência)
dos complexos jurídico e econômico.
Palavras-chave: Direito; econômia; ontologia do ser social; totalidade social.
Abstract
The legal form as one of the structures of social regulation specific to the capitalist mode
of production is dynamized by the complex relationship between law and the economy.
Within the vast field of contributions of Marxism to research in law, the relationship
between law and economics emerges as one of the foundations of the legal complex. In
this sense, the need to differentiate between the genesis and the development of the
interaction between the development of productive forces and their respective relations
of production, especially the law, is an important point of reference for the development
of research in law. The exposition of the basic elements of this differentiation is the
purpose of this modest work, indicating possible orientations in the investigative study of
the concrete and contradictory relations (between the reflection and the incongruity) of
the legal and economic complexes.
Keywords: Law; economy; the ontology of the social being; social totality.
Introdução
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como elemento próprio da práxis jurídica. O direito busca por meio da subsunção da
práxis individual ao imperativo geral orientar a conduta de uma forma em que a essência
dos compromissos de classe e da reprodução do modo de produção mantenha sua
efetividade como elemento de regulação social, sem referir-se diretamente a eles. Ele, o
pôr teleológico no direito, parte de uma condição pressuposta como existente e busca
estabelecer uma orientação adequada e esta condição. Este aspecto é bem destacado por
Lukács quando afirma que o direito em “oposição à economia, não visa absolutamente a
produzir algo novo no âmbito material; ao contrário, a teleologia jurídica pressupõe todo
o mundo material como existente e busca introduzir nele princípios ordenadores
obrigatórios, que esse mundo não poderia extrair de sua própria espontaneidade
imanente” (Lukács, 2012, p. 386).
A forma jurídica como regulamentação social específica vai constituir
paulatinamente uma nova divisão social do trabalho em que um grupo de especialistas
será responsável pelo mandato social do complexo jurídico. Neste sentido, a paulatina
autonomização da esfera jurídica em relação aos demais complexos sociais, em especial
frente ao complexo econômico vai caracterizar a incongruência presente entre a base
econômica e a esfera do direito.
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Bibliografia citada
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LUKACS, Giörgy. Para uma ontologia do ser social I – São Paulo: Boitempo,2012.
_______. Para uma ontologia do ser social II – 1. Ed. – São Paulo: Boitempo,2013.
MARX, KARL. Prefácio. In: Para Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril
Cultural, 1982a. (Col. Os Economistas).
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Resumo
O presente artigo analisa a crítica ao Direito realizada Karl Marx através da seleção de
trechos específicos da obra Crítica ao Programa de Gotha. Se trata de uma crítica
baseada principalmente nas noções de distribuição justa do fruto do trabalho e igual
direito e sua assimilação pelo movimento operário alemão, na qual o autor trava um
embate com as ideias de Ferdinand Lassalle, precursor da social democracia alemã. A
crítica ao Direito assume então os contornos da crítica de uma aliança entre a classe
trabalhadora e o Estado para a realização da sociedade comunista.
Palavras-chave: Direito; Reformismo; Socialismo; Estado
Abstract
This article analyses the critique of Right made by Karl Marx through the selection of
specific passages from the Critique of the Gotha Programme. It refers to a critique based
mostly on the notions of fair distribution of the proceeds of labor and equal right and its
assimilation by the German working class movement, in which the author sets a clash
with the ideas of Ferdinand Lassalle, precursor of the German social democracy. The
critique of right shapes into the critique of the alliance between the working class and
the State to the construction of the communist society.
Keywords: Right; Reformism; Socialism; State.
Introdução
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contra o socialismo aliado ao Estado”(LÖWY, 2012 In: MARX, 2012, p.10). Foram
enviadas a Wilhelm Bracke por correspondência, para que chegasse ao conhecimento
dos partidários da SDAP – partido do qual Bracke era dirigente.
O manuscrito ficou desconhecido do público por muitos anos, sendo enfim
publicado em 1891, por Friedrich Engels, executor testamentário de Marx - falecido em
1883. Engels, para quem o texto em questão demonstrava o posicionamento de Marx
em relação aos princípios econômicos e estratégicos da militância de Lasalle, justifica a
linguagem impetuosa do manuscrito no fato de à época ele e Marx estarem de tal forma
envolvidos no movimento político alemão que “o retrocesso (...) anunciado nesse
projeto de programa só podia nos perturbar violentamente” (ENGELS, 2012 In: MARX,
2012,p.18), além de acreditar que os anarquistas, na figura de Bakunin, poderiam de
maneira oportunista atribuir a eles a responsabilidade do programa.
1
O caráter ideológico de um conceito não elimina aquelas relações reais e matérias que esse exprime”.
(PACHUKANIS, 2017, p. 89).
2
Cf. NAVES, 2014, p. 11-12.
3
Cf. Pachukanis, 2017.
4
Cf. Lenin, 2010.
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classe operária alemã, o que não deveria deixar margens para uma estratégia baseada no
socialismo aliado ao Estado.
Sobre esse ponto, Marx tece algumas considerações. Em primeiro lugar, desconstrói a
noção de que o trabalho é a fonte de toda riqueza. A natureza é a fonte dos valores de
uso, e o trabalho se realiza com “os objetos e os meios a eles pertinentes” (MARX,
2012, p. 23). O trabalho, portanto, é a exteriorização da força de trabalho, a única capaz
de gerar valor (MARX, 2013, p.116-119). Porem uma vez que o homem estabelece uma
relação de propriedade com a natureza, essa seria eliminada da equação deixando o
trabalho em local privilegiado na função de geração de riquezas.
Para o autor, isso não ocorre por acaso, uma vez que interessa a burguesia a ideia
de que o trabalho não apenas é natural ao homem, mas, não possuindo outra mercadoria
que não seja a própria força de trabalho se vê “escravo daqueles que se apropriaram das
condições objetivas de trabalho “ e “só pode trabalhar com a sua permissão” (MARX,
2012, p.24).
Ou seja, o trabalho não ocorre no abstrato e só se pode afirmar que o trabalho é
fonte de toda riqueza ocultando a apropriação dos meios objetivos para a sua realização,
e em última instancia, ocultando a própria exploração da força de trabalho.
Nesse momento, podemos relembrar o que Marx chamou n’O Capital de “duplo caráter
do trabalho” pois:
Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força humana de trabalho
em sentido fisiológico, e graças a essa sua propriedade de trabalho
humano igual ou abstrato ele gera o valor das mercadorias. Por outro
lado, todo trabalho é dispêndio de força humana de trabalho numa
forma especifica, determinada a realização de um fim, e nessa
qualidade de trabalho concreto e útil, ele produz valores de uso.
(MARX, 2013, p.124).
Assim, para Marx, “trabalho útil” só poderia ser o trabalho que gere o efeito
visado, podendo ser realizado por um selvagem que abate um animal para se alimentar
ou se defender. Mas o programa associa esse trabalho útil como sendo possível apenas
em sociedade, o que nos levaria a um ponto crucial da política lassalliana: fruto integral
do trabalho que pertence inteiramente a todos os membros da sociedade, pois apenas
através dela ele se realiza. Esses elementos serão melhor desenvolvidos no terceiro
ponto do programa, porem Marx se atenta agora ao fato de a fraseologia do parágrafo
deveria ser substituída por uma demonstração de como a sociedade capitalista fornece
as bases e as condições materiais para que se rompa de vez como a própria exploração
do trabalho, pois essa é a tarefa de um programa que se diz revolucionário.
Podemos prosseguir para o próximo ponto do programa a ser analisado
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Alguns pontos são cruciais nesse momento, pois além de retomar a ideia de fruto
integral do trabalho e igual direito, o programa anuncia também a perspectiva de
cooperativa de trabalho e de justiça, expressa na ideia de “distribuição justa”.
A respeito do fruto do trabalho, que não especifica se se trata de seu produto ou
valor, Marx é categórico “’Fruto do trabalho’ é uma noção vazia, posta por Lassalle no
lugar de conceitos econômicos determinados” (MARX, 2012, p.27). Fruto do trabalho
tomado como produto do trabalho é produto social total do qual deveriam ser realizadas
deduções decorrentes de necessidades econômicas que de forma alguma poderiam ter
como base de cálculo a justiça (MARX, 2012, p. 28). De modo que o fruto integral se
transforma em fruto parcial (MARX, 2012, p.29) que seria revertido aos membros da
sociedade.
A ideia de que se possa desprender um conceito de justiça abstrato ignora que
cada classe, ou cada qual, possui a sua própria noção de justiça, pois os próprios
burgueses considerariam sua distribuição como justa, tendo como base o atual modo de
produção. Afinal, “as relações econômicas são reguladas por conceitos jurídicos, ou, ao
contrário, são as relações jurídicas que derivam das relações econômicas? ” (MARX,
2012, p.27).
A formula lassalliana, ao colocar ênfase na distribuição de maneira isolada,
ignora a produção. A distribuição dos meios de consumo - inclusive os frutos do
trabalho - é uma consequência da distribuição dos próprios meios de produção (MARX,
2012, p. 32). Ela pede uma distribuição mais justa sem considerar o nexo essencial
entre a distribuição e as relações de produção. Tratar a distribuição de maneira
independente da produção é o que Marx e Engels chamaram de Socialismo Vulgar,
herança da economia burguesa. (MARX, 2012, p. 33)
Consequentemente, o produtor individual, após realizadas as devidas deduções
receberia como fruto do trabalho o equivalente ao que contribuiu. Nesse momento, ao
tratar da ideia de igual direito se torna evidente que o igual direito não rompe com a
noção de equivalência, pois a mesma quantidade de trabalho que o produtor individual
deu a sociedade é recebida de volta em outra forma, sendo que o que ele dá a sociedade
nada mais é que sua quantidade individual de trabalho (MARX, 2012, p. 29-30).
“Ele recebe da sociedade um certificado de que forneceu um tanto de trabalho
(depois da dedução de seu trabalho para os fundos coletivos) e, com esse certificado
pode retirar dos estoques sociais de meios de consumo uma quantidade equivalente a
seu trabalho” (MARX, 2012, p.30). Aqui o trabalho continua sendo igual padrão de
medida, e impera o princípio que regula a troca de mercadorias “segundo o qual uma
quantidade de trabalho em uma forma é trocada por uma quantidade igual de trabalho
em outra forma” (MARX, 2012, p.30).
A distribuição justa do fruto do trabalho é, ao final, a lógica da troca de
equivalentes aplicada a um trabalho cooperativo, e “o igual direito é ainda, de acordo
com seu princípio, o direito burguês” (MARX, 2012, p.30), ou seja, a forma social que
regula a troca de mercadorias. Ainda que aqui exista um progresso em relação a
sociedade capitalista, o direito “continua marcado por uma limitação burguesa”.
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Ou seja, Marx não nega que o novo traz consigo os elementos do velho, mas
alerta que nem por isso se pode criar esperanças em um direito proletário ou socialista,
pois mesmo no trabalho cooperativo, o igual direito segue indiferente as diferenças
individuais e as diferenças de classe, de modo que ele é um “direito da desigualdade”.
Afinal, uma vez que o trabalho segue sendo o padrão de medida, os trabalhadores por
questões de idade, físicas, talentos, etc., acabam fornecendo a sociedade uma quantidade
desigual de trabalho e recebendo uma quantia desigual do fundo social. Porém
O direito, por sua natureza, só pode consistir na aplicação de um igual
padrão de medida; mas os indivíduos desiguais só podem ser medidos
segundo um padrão igual de medida quando observados do mesmo
ponto de vista, quando tomados apenas por um aspecto determinado,
por exemplo, quando, no caso em questão, são considerados apenas
como trabalhadores e neles não se vê nada além disso, todos os outros
aspectos desconsiderados. (MARX, 2012, p. 31).
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subvenção do Estado, que aceitaria pacificamente ser controlado pelo povo trabalhador.
Retomando as glosas críticas marginais de 1844, temos que o “suicídio é contra a
natureza” (MARX, 2010c, p. 61) de modo que uma vez que a transformação da
sociedade passa necessariamente pela destruição do Estado capitalista, seria no mínimo
ingênuo acreditar que esse tomaria parte ativa no processo.
“Entre a sociedade capitalista e a comunista, situa-se o período da transformação
revolucionária de uma na outra. A ele corresponde também um período político de
transição, cujo Estado não pode ser senão a ditadura revolucionária do proletariado”
(MARX, 2012, p.43) ou, como desenvolvido por Lenin
O proletário necessita do Estado só por um certo tempo. Sobre a
questão da supressão do Estado, como objetivo, não nos separamos
absolutamente dos anarquistas. Nós sustentamos que, para atingir esse
objetivo, é indispensável utilizar provisoriamente, contra os
exploradores, os instrumentos, os meios e os processos do poder
político, da mesma forma que, para suprimir as classes, é
indispensável a ditadura provisória da classe oprimida. (1987, p. 75)
Temos então um programa que abre mão de categorias da economia política para
explicar a exploração da força de trabalho e sua superação e que propaga uma crença
idealista da aliança do proletário ao Estado, ignorando o período necessário da ditadura
do proletariado, que serviria, entre outros, para organizar a resistência à reação
necessária da classe capitalista contra a revolução proletária.
No capitalismo, a única mercadoria que o proletário dispõe para trocar por
valores de uso é a própria força de trabalho (cf. MARX, 2013), tendo sido separado dos
meios de produção, assim a distribuição justa do fruto de trabalho de Lassalle na qual o
trabalho é o padrão igual de medida não supera a noção da troca de equivalentes, na
qual o trabalhador se torna um equivalente vivo (cf. NAVES, 2014). E sobre as
condições pelas quais se pode superar essa “maldição histórica” que se deve debruçar a
classe operária, ao invés de anunciar um Estado livre que já se encontra realizado, e não
passa, em essência, do próprio Estado capitalista.
Existe uma diferença crucial entre reconhecer os limites de uma sociedade de
transição, que ainda carrega consigo as marcas da antiga, e trabalhar para seu
desmantelamento, e entre apostar na melhoria dessas bases para a construção de uma
nova sociedade. Sobre isso, Marx não poderia ser mais claro
Numa fase superior da sociedade comunista, quando tiver sido
eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do
trabalho e, com ela, a oposição entre trabalho intelectual e manual;
quando o trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se
tornado a primeira necessidade vital; quando, juntamente com o
desenvolvimento dos indivíduos, suas forças produtivas também
tiverem crescido e todas as fontes da riqueza coletiva jorrarem em
abundancia, apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá
ser plenamente superado e a sociedade poderá escrever em sua
bandeira “De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo
suas necessidades!” (MARX, 2012, 31-32)
Conclusão
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Bibliografia
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MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia Alemã. Tradução por Rubens Enderle.
São Paulo: Boitempo, 2007.
MARX, Karl. Critica ao Programa de Gotha. Tradução por Rubens Enderle. São Paulo:
Boitempo, 2012
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LivroI: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
MARX, Karl. Glosas Críticas Marginais ao Artigo “O Rei da Prússia e a Reforma
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NETTO, José Paulo. Introdução ao Estudo do Método de Marx. São Paulo: Expressão
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NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e direito: um estudo sobre Pachukanis. São
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SARTORI, Vitor Bartoletti. Direito e Fetichismo: Forma jurídica, Forma-Mercadoria e
Alienação na Sociedade Civil-Burguesa. In: Cadernos de Direito e Marxismo. São
Paulo: Expressão Popular, 2011
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I Seminário Crítica da Economia Política e do Direito
21 e 22 de Maio de 2018, Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo
A partir das reflexões acumuladas no marco da teoria social crítica, o presente trabalho
busca indicar pistas para pensar a democracia no Brasil de hoje. Para tanto, pautar-se-á
em perspectivas de análises que, apesar de distintas, são complementares e necessárias
ao aprofundamento do debate. As referidas perspectivas se constituem no horizonte de
estudo de autores marxistas que tocam no problema em voga – viabilidade da
radicalização da democracia brasileira – por focos distintos, no âmbito da emancipação
humana e da emancipação política. A questão central deste estudo é compreender a
potencialidade da democracia, a partir do marco da teoria crítica, no contexto de
radicalização da questão social.
Palavras-chave: democracia; emancipação humana; emancipação política.
Abstract
From accumulated reflexes accumulated no framework of critical social theory, or
present work seeks to indicate clues to think democracy not Brazil de hoje. For this
purpose, we plan for analytical perspectives that, although different, are complementary
and necessary to the debate. As referred to perspectives, it is not a study horizon of
Marxist authors who do not have an issue - viabilidade da radicalização da democracia
brasileira - by different focuses, not a field of human emancipation and political
emancipation. A central focus of this study is to understand the potential of democracy,
based on the framework of critical theory, not the context of radicalization of the social
questão.
Keywords: democracy; human emancipation; political emancipation.
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INTRODUÇÃO
2
OSÓRIO, Jaime. O Estado no centro da mundialização – A sociedade civil e o tema do poder. São
Paulo: Outras Expressões, 2014.
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(...) países como o nosso, onde não vigora, nem nunca vigorou,
uma democracia de proprietários minimamente coerente e
estável. Para nossos proprietários seria demasiado, forte demais
para sua fraqueza de base, tanto que sempre fecharam o círculo
recíproco entre “sociedade civil” e “sociedade política” de
forma autocrática. Seja pela institucionalização desta através de
fachadas liberais (pense-se na República Velha), seja através do
bonapartismo (pense-se no Estado Novo e na forma de
dominação instaurada pelo golpe de 1964 (CHASIN, 2012, p.
26)
3
Reflexão trabalhada pelo autor citado a partir do estudo de Renato Lemos, referenciada na obra de
Florestan Fernandes. LEMOS, Renato L. C. Contrarrevolução e ditadura: ensaio sobre o processo político
brasileiro pós-1964. Marx e o marxismo, v.2, n.2, jan./jun.2014.
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De acordo com Naves (2010) a democracia não apreende nenhum interesse4 das
massas, e recria as circunstâncias de seu subdesenvolvimento ao capital.
4
Cabe sinalizar a distinção necessária entre interesses e necessidades de uma classe social. Enquanto as
necessidades sociais atuam de modo mais espontâneo e no limite da reprodução das condições de
existência da classe trabalhadora, seu interesse somente se realiza com a superação de todas as classes,
isto é, com a transformação das condições objetivas de modo a impedir toda forma de exploração do
homem sobre o homem (REIS, 2016).
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Em seu estudo sobre o capitalismo tardio, Mandel assevera que o Estado burguês
“tem sua estrutura determinada pelos princípios de separação dos poderes e de uma
burocracia profissional” (MANDEL, 1982, p. 347):
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outras palavras, a efetivação de uma gestão pública democrática requer o apoio de uma
política econômica capaz de priorizar as demandas das massas populares – somente
assim uma política social poderá ter êxitos, do ponto de vista democrático. Caso
contrário, a política social enfrentará obstáculos estruturais vinculados à política
econômica e, portanto, não conseguirá expandir direitos na ordem social vigente.
Nessa mesma pista, Paula (2005, p.58) coloca a necessidade de
problematizarmos uma nova visão de desenvolvimento nacional capaz de “[...] formular
um projeto nacional e mobilizar capacidade política e administrativa para implementá-
lo”.
Um segundo elemento a tratar, como enfatizado por Souza Filho (2011), é o
binômio descentralização-participação. A descentralização, por si mesma, não se traduz
diretamente em democratização; ao contrário, ela poderá traduzir-se de forma
democrática caso expresse um processo de participação no controle das ações públicas e
se for conduzida pelo governo federal, que deve garantir aos níveis sub-nacionais apoio
técnico e financeiro.
Para Paula (2005), a esse respeito, torna-se imperativo criar organizações
administrativas efetivas, abertas à participação popular e com autonomia para agir em
favor do interesse coletivo. Trata-se de afirmar uma gestão pública que não centraliza o
processo de decisão no aparelho de Estado, antes procura se nutrir de distintos canais de
participação social, em todas as esferas governamentais.
Esse segundo elemento nos impulsiona a tratar um terceiro componente
fundamental: “(...) a articulação do poder público com as organizações da sociedade
civil” (SOUZA FILHO, 2011, p.232). Para o autor supracitado, tal articulação se coloca
em dois campos. O primeiro diz respeito ao processo democrático e de controle das
ações públicas no âmbito da formulação e fiscalização da política pública, que só pode
efetivar-se via intervenção de organizações da sociedade civil nos espaços públicos,
sejam eles formais ou informais. O segundo refere-se à execução de serviços sociais,
isto é, as instituições prestadoras de serviços sociais devem abrir espaços para a
manifestação e posicionamento dos usuários em relação aos serviços prestados. De igual
modo, podemos pensar a execução de serviços em co-gestão entre Estado e
organizações da sociedade civil, haja vista que existem variadas instituições não estatais
que atuam na prestação de serviços sociais5.
Na análise de Paula (2005, p.161), a “administração pública co-gestionária (...)
funcionaria pelas alternativas criadas pela engenharia institucional para a participação
popular na definição de programas, projetos e gestão de serviços públicos”. Como
reiterado pela autora, isso exige reformular a organização do Estado e reinventar novos
arranjos institucionais que impulsionem práticas democráticas. Algumas experiências,
segundo Paula (2005), podem contribuir para o fortalecimento de tais práticas, quais
sejam: os fóruns temáticos, os conselhos gestores de políticas sociais e orçamento
participativo6.
Em vias de finalização, de acordo com Souza Filho (2011), um último elemento
a indicar é a questão do poder nos processos de formulação e execução das políticas
5
Todavia, esse processo de articulação do poder público com as organizações da sociedade civil não pode
retirar do Estado o papel central de responsabilidade sobre o desenvolvimento das políticas sociais, pois
ele é o único capaz de implementar ações que propiciem a universalização e o aprofundamento de direitos
(SOUZA FILHO, 2011, p. 232).
6
Sobre as experiências citadas, ver Paula (2005).
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sociais. Em geral, aqueles que trabalham com tais políticas tendem a não reconhecer a
luta por poder presente no seu âmbito. Assim sendo, para que possamos construir um
projeto de democracia comprometido com as massas populares, far-se-á necessário
considerar a luta por poder no campo da política social, o que significa pensá-la como
um espaço de luta e não como um campo da benemerência, da caridade e da filantropia
social.
Esse último elemento, salvo equívoco, nos impulsiona a pensar o perfil dos
gestores públicos, uma vez que lidam diretamente com a administração das políticas
sociais. Seguindo a reflexão de Paula (2005, p.170), entendemos que o gestor público
comprometido com o projeto de democracia de massa é aquele que possui “[...]
habilidades de negociar e capacidade de operar na fronteira tênue entre a técnica e a
política, desenvolvendo ações voltadas para os problemas da democracia, da
representação e da participação”. “O gestor público que pretenda atuar nessa
perspectiva pode e deve cumprir o papel de ator importante na luta pela hegemonia em
torno de uma ordem democrática” (SOUZA FILHO, 2011, p. 224).
Com base na reflexão apresentada, tornam-se evidentes a necessidade e a
possibilidade de pensarmos e agirmos no campo da democracia – embora limitada pela
sociabilidade do capital – numa perspectiva articulada a movimentos de superação da
ordem capitalista. Isso implica apreender, tanto do ponto de vista teórico quando do
ponto de vista prático-político, os elementos que procurarmos apresentar. Entendemos
que, apesar de limitados, eles são fundamentais para vislumbrarmos a efetividade do
projeto de democracia de massa. Se a curto prazo a tarefa é afirmar esse projeto, no
campo da emancipação política, a longo prazo, o que nos importa reivindicar é a sua
radicalidade, sob o horizonte da emancipação humana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
CHASIN, José. Democracia política e emancipação humana. In: Verinotio, n° 15, ano
VII, p. 22-27, 2° semestre 2012.
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Resumo
O trabalho consiste em um estudo do artigo Let Us Never Blame a Contract Breaker, de
Richard Posner, considerado um dos pais fundadores da Análise Econômica do Direito.
Posner sustenta que, após a celebração do contrato, o que importa do ponto de vista social
não é o cumprimento dos termos contratados por si só, mas a eficiência da alocação de
recursos em um ponto de vista extracontratual. A relação contratual, assim, caracteriza-
se pelo momento da calculabilidade da capacidade de cumprir o contrato (ability to
comply). Para Posner, aquele que viola o contrato não deve ser censurado – daí o título:
“let us never blame” – pela sociedade ou desencorajado pelo Estado. Sob a perspectiva
da crítica marxista ao direito, o que se revela na sinceridade posneriana são dois
fundamentos do fenômeno jurídico que se condicionam mutuamente: (i) a calculabilidade
da violação do contrato e (ii) a adeontologicidade do fenômeno jurídico. Concluímos
apontando que o principal desafio que se coloca adiante é, colocando o uso destas
primeiras notas em um contexto de pesquisa mais amplo, identificar as conexões entre a
violação contratual (específico) e a violação do direito (geral).
Palavras-chave: Violação contratual; Violação do direito; Evguiéni Pachukanis; Crítica
marxista ao direito; Richard Posner; Análise Econômica do Direito (Law & Economics).
Abstract
This work is a study about the paper Let Us Never Blame a Contract Breaker, from
Richard Posner, considered one of the founding fathers of Economic Law Analysis or
Law & Economics. Posner contends that, after the conclusion of the contract, what
matters from the social point of view is not the fulfillment of the contractual terms, but
the efficiency of the resources allocation from an extra-contractual point of view. The
contractual relation, therefore, is characterized by the moment of the calculability of the
ability to comply. For Posner, the one who violates the contract should not be blamed –
what explains his paper title – by society or discouraged by the state. From the perspective
of the Marxist Critique of Law, there are two grounds of the juridical phenomenon
revealed in Posnerian sincerity that condition one another: (i) the calculability of breach
of contract and (ii) the adeontologicity of the legal phenomenon. We conclude by pointing
out that the main challenge is to put the use of these first notes in a broader context of
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research, to identify the connections between breach of contract (specific) and violation
of law (general).
Keywords: Breach of contract; Violation of law; Evguiéni Pachukanis; Marxist Critique
of Law; Richard Posner; Law & Economics.
INTRODUÇÃO
Em trabalho recente, com base na teoria marxiana-pachukaniana, realizamos um
estudo inicial sobre o problema da violação na Análise Econômica do Direito, tomando
em especial obras de Ronald Coase e John Brown. Concluímos provisoriamente que a
tecnicidade aparece como parte da concepção destes autores sobre a violação de normas
jurídicas (UCHIMURA e LIMA, 2018). Aqui, pretendemos dar continuidade ao exercício
da crítica marxista às concepções de violação presentes nesta emergente corrente de
pensamento.
Em termos de método, nas palavras Evguiéni Pachukanis, trata-se de exercer a
crítica à jurisprudência burguesa, a qual
deve, antes de tudo, adentrar no território inimigo, ou seja, não
deve deixar de lado as generalizações e as abstrações que foram
trabalhadas pelos juristas burgueses e que se originam de uma
necessidade de sua própria época e de sua própria classe, mas, ao
expor a análise dessas categorias abstratas, revelar seu verdadeiro
significado – em outras palavras, demonstrar as condições
históricas da forma jurídica (PACHUKANIS, 2017, p. 80).
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suma, da obra máxima de um autor que representa, “ainda hoje, a mais importante
sistematização de uma teoria marxista do direito” (PAZELLO, 2015, p. 134).
Assumimos neste trabalho que estudar a obra Teoria Geral do Direito e
Marxismo é fundamental para aqueles que pretendem, como seu autor, enfrentar o direito
“como um fenômeno social objetivo” (PACHUKANIS, 2017, p. 98). Entretanto, a tarefa
é evidentemente mais ampla do que o aprendizado das lições do livro de 1924, como
reconhece Pachukanis no trecho já citado. A construção da crítica marxista ao direito
pressupõe tanto a investigação rigorosa do pensamento marxiano sobre o direito –
considerando, inclusive, as importantes obras de Marx com as quais Pachukanis não teve
contato (cf. SARTORI, 2015) –, quanto o desenvolvimento de questões sobre as quais
nosso autor jogou apenas uma luz inicial.
Dentro das limitações de viabilidade em que se insere, o presente trabalho volta-
se à investigação da violação do direito, questão assim referida por Pachukanis no
capítulo sétimo de Teoria Geral do Direito e Marxismo . Sabe-se que o autor, em seus
estudos na Alemanha, entre 1910 e 1914, preparou uma tese de doutorado sobre as
“Estatística das violações das leis de segurança do trabalho”. Infelizmente, não se conhece
o teor do trabalho ou, sequer, se este chegou a ser depositado (NAVES, 2017). Ainda
assim, o interesse de nosso autor pelo tema, anos antes da elaboração e publicação de sua
obra máxima, já indicava que a violação do direito viria a ser um momento do fenômeno
jurídico relevante para o desenvolvimento da crítica marxista da teoria geral do direito.
Pachukanis dedica ao sétimo capítulo de Teoria Geral do Direito e Marxismo
o título “Direito e violação do direito”. Em termos de organização da obra, esta é a última
das sete seções, além da introdução e dos prefácios das reedições. Trata-se, assumindo
que Pachukanis realiza a exposição de sua análise do simples ao complexo, de um dos
momentos de maior concretização histórica do fenômeno jurídico abordados na obra.
Tendo começado pela identificação do elemento mais simples do fenômeno jurídico, o
sujeito de direito, Pachukanis chega aqui a um momento de maior complexidade do
fenômeno jurídico, em que é necessária a mobilização articulada das categorias
desveladas no decorrer de sua obra para a realização da crítica. De fato, afirma o autor:
“a relação jurídica adquire historicamente seu caráter específico antes de tudo em fatos
de violação de direito” (PACHUKANIS, 2017, p. 166).
Nesta seção, Pachukanis trata das formas da relação entre dano e reparação em
estágios primitivos de desenvolvimento até a forma da troca equivalente que, com o
desenvolvimento capitalista, passa a caracterizar a condenação penal. Neste caminho, é
interessante observar com atenção a seguinte passagem: “A lei e a pena por sua violação,
em geral, estão intimamente associadas uma à outra e, dessa maneira, o direito penal como
que assume o papel de representante do direito em geral, é a parte que substitui o todo”
(PACHUKANIS, 2017, p. 167). Ao afirmar que “o direito penal como que assume o papel
de representante do direito em geral”, Pachukanis identifica o direito penal como um ramo
metonímico do fenômeno jurídico, ou seja, uma parte que representa o todo. A análise
que se realiza neste capítulo, portanto, não se refere apenas aos delitos, mas à violação
direito em geral, tema em parte desenvolvido recentemente por Uchimura e Coutinho
(2018). Abre-se, com isso, a possibilidade de investigar a violação do direito, com as
devidas mediações, em distintos momentos, como o contratual, o legal, o judicial etc. (cf.
PAZELLO, 2015).
Colocada esta possibilidade, o presente trabalho volta-se a investigar a violação
do direito em um dos mais fundamentais momentos do desenvolvimento da forma
jurídica: o contrato. Como se afirma na célebre passagem d’O Capital sobre o processo
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de troca, as mercadorias precisam de “um ato de vontade comum” (MARX, 2017, p. 159)
de seus guardiões para serem trocadas. Este ato, prossegue Marx, constitui a “relação
jurídica, cuja forma é o contrato, seja ela legalmente desenvolvida ou não”. Com isso,
para a crítica marxista ao direito, o contrato, expressando a relação jurídica fundamental
entre sujeitos de direito, ou seja, a troca de mercadorias, figura como “o modelo
fundamental de todas as relações jurídicas” (KASHIURA JÚNIOR, 2014, p. 176).
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O que fazer diante de uma situação em que “uma parte é tentada a quebrar o
contrato simplesmente porque o lucro com a violação excederia suas expectativas de lucro
na conclusão do contrato”? Para o autor, se este ganho cobrir também as expectativas de
lucro da vítima da violação, a violação deveria ser incentivada: “[n]otem como o direito
precisa ser cuidadoso para não exceder indenizações compensatórias se não quiser
impedir violações eficientes do direito” (POSNER, 1986, p. 107-8).
Imaginemos o caso de um contrato em que “A” se compromete a entregar um
produto a “B” em determinado prazo. O fato de um vendedor violar um contrato ao deixar
de entregar um produto combinado, para o autor de Economic Analysis of Law, é um
indício de que “há outra transação que aumenta mais o valor do que a conclusão da
venda”. Neste caso, Posner é enfático: “nós queremos encorajar a violação” (POSNER,
1986, p. 118).
Com a análise desta obra, é possível perceber as linhas gerais da caracterização
do fenômeno da violação contratual por Posner. É em seu artigo mais recente sobre o
tema, entretanto, que Posner apresenta conceitos que merecem uma atenção maior de
nossa parte: o artigo Let Us Never Blame a Contract Breaker, publicado em 2009 no
periódico Michigan Law Review. O título da publicação abordada é, por si só, bastante
sugestivo. Posner realiza uma espécie de convite negativo ao leitor (“let us never”),
desafiando a tradução à língua portuguesa. Em termos aproximativos, resultaria em algo
como Nunca Reprovemos Um Violador de Contratos.
O objetivo do artigo é basicamente, discutindo a eficiência dos remédios
jurídicos para a violação de contratos, justificar a aplicação da reparação integral como
forma de responsabilidade civil para este tipo de situação. Posner analisa a questão a partir
das três linhas gerais características da AED: orientação pragmática, eficiência
econômica e tematização dos limites da organização estatal.
Já no início do texto, Posner apresente a seguinte tese: “conceitos de falta ou
culpa, ao menos quando entendidos mais em termos morais do que transladados para
termos econômicos ou outros termos práticos, não são acréscimos úteis à doutrina do
direito contratual” (POSNER, 2009, p. 1349). A partir do critério econômico da
eficiência, defende a inaplicabilidade de remédios como as indenizações punitivas
(punitive damages) – pelos quais se arbitraria na condenação um valor superior aos danos
causados como forma de desencorajar novas violações – ou a determinação do
cumprimento de determinada obrigação assumida (especific performance).
Assumindo que os arranjos contratuais constituem uma questão de barganha e
que os custos desta barganha são sociais e não meramente privados, Posner argumenta
que as violações de contrato eficientes deliberadas são eficientes – “efficient breaches are
efficient” (POSNER, 2009, p. 1353). Por trás da aparente tautologia, na mesma linha de
sua exposição em Economic Analysis of Law, o autor pretende enfatizar que as violações
eficientes do direito devem ser encorajadas pela organização estatal, uma vez que
permitem uma alocação de recursos mais eficiente e, com isso, resultam na elevação do
produto social.
Para desenvolver este argumento, Posner retoma a posição de Oliver Holmes,
para o qual o contrato nada mais seria que “uma opção de executar ou pagar”. Com isso,
a violação do contrato “não é um ato errado, mas meramente dispara o dever de pagar
danos liquidados ou outros danos” (POSNER, 2009, p. 1349). As indicações de Holmes,
entretanto, são bastante incipientes. Em seu artigo, Posner dá maior verticalidade à
reflexão sobre a concepção do contrato como opção.
O argumento se desenrola da seguinte forma:
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1
Mais adiante, Posner chega a falar em uma “teoria contratual da opção [option theory of contract]”
(POSNER, 2009, p. 1351).
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é, admite-se que regras jurídicas enquanto incentivos – em algum caso concreto – podem
ser simplesmente ignoradas pelos agentes envolvidos” (GICO JÚNIOR, 2010, p. 21).
A postura de Posner que decorre desta perspectiva não é meramente descritiva.
Ao analisar a violação eficiente do contrato, a atenção se volta às consequências. Aparece
o incremento do produto social como questão a ser considerada pela atuação da
organização estatal. Vejamos como o autor trata disso em um exemplo:
Assim, a hipótese de que “B” não viole o contrato com “A” para contratar com
“C” é caracterizada por Posner como um “custo de oportunidade”. Este custo, como
vimos na citação, representa perda de valor excedente, o que para o autor estadunidense
representa não um custo privado, mas sim um custo social. A eficiência na violação é
concebida a partir disto como uma questão que afeta toda a sociedade, e que por isso não
2
Para o autor estadunidense, aí estaria um dos motivos pelos quais o sistema common law – baseado mais
nos costumes e nas decisões judiciais do que na regulação legal – seria superior ao civil law em termos
de promoção de atividades comerciais.
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REFERÊNCIAS
BIRMINGHAM, Robert L. Breach of contract, damage measures, and economic
efficiency. Rutgers Law Review, v. 24, 1970, p. 273-292.
KASHIURA JÚNIOR, Celso Naoto. Sujeito de direito e capitalismo. São Paulo: Outras
expressões; Dobra Universitária, 2014.
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POSNER, Richard A. Let Us Never Blame a Contract Breaker, Michigan Law Review,
Michigan (Estados Unidos da América), 2009, p. 1349-61.
POSNER, Richard. Economic analysis of law. 3. ed. Nova Iorque: Wolter Kluwer &
Business, 1986.
ROSA, Alexandre Morais da. Crítica ao discurso da Law and Economics: a exceção
econômica do direito. Em: ROSA, Alexandre Morais da; LINHARES, José Manuel
Aroso. Diálogos com a Law & Economics. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 2.
ed. p. 149-279.
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Resumo
Teoria geral do direito e marxismo, de Evguiéni Pachukanis, foi publicada em 1924.
Para Naves (2017, p. 21), cem anos depois não fomos muito além daquele “livro
seminal”. A obra marca o debate marxista sobre direito, suscitando polêmicas e distintas
interpretações. Dentre elas: forma jurídica e forma mercadoria se identificariam na
produção de mercadorias, em sua circulação ou em ambos os fenômenos? A forma
jurídica do direito transborda ou não sua dimensão legal? Houve direito em sociedades
anteriores à do capital? Existirá em sociedade humanamente emancipada? Este artigo
pretende: (a) registrar algumas de tais relevantes polêmicas; (b) esboçar a hipótese de
que a proposição da igualdade, da equivalência, é o que distingue o direito no
capitalismo. A noção universalizada de igualdade não se limita ao direito. Impacta
profissões, lutas sociais e/ou classistas, interpretações sobre a desigual sociedade em
que vivemos.
Palavras-chave: direito(s); equivalência; necessidades humanas; marxismo;
emancipação humana.
INTRODUÇÃO
Em 2017 as editoras Boitempo (PACHUKANIS, 2017b) e Sundermann
(PACHUKANIS, 2017a) lançaram, no Brasil, “Teoria geral do direito e o marxismo”,
de Evguiéni B. Pachukanis – a segunda foi denominada “A teoria geral do direito e o
1
Por Crítica marxista do Direito não nos referimos a uma perspectiva específica de abordagem. Mesmo
no interior do marxismo há distintas interpretações sobre o tema e acerca de como Marx dialogava com o
fenômeno do Direito e algumas de suas expressões (a exemplo dos direitos humanos – cf. Ruiz, 2014).
Ademais, crítica pode significar reconhecer, dialeticamente, aspectos não necessariamente negativos,
opressores ou autoritários – a exemplo do que se apreende de críticas literárias, artísticas e outras.
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marxismo e ensaios escolhidos 1921-1929”. Havia ao menos uma edição brasileira pela
Acadêmica (PACHUKANIS, 1988). Publicada originalmente em 1924, a obra
autodenominada por seu autor de “esboço”, “impulso” ou “estímulo” ao debate, tornou-
se central para um relevante debate entre marxistas: a crítica do direito2.
Confirmando suas características preliminares de um profícuo debate, o livro
de Pachukanis permite distintas interpretações e provoca desdobramentos por vezes
díspares. Seus comentadores dialogam sobre aspectos como a possível extinção do
direito em uma sociedade socialmente emancipada3; uma possível maior atenção de
Pachukanis à esfera da circulação de mercadorias ao invés de sua produção; o que
caracteriza centralmente a relação entre a forma mercadoria e a forma jurídica, dentre
outras possíveis polêmicas (por exemplo: o direito é fenômeno tipicamente capitalista?).
Pretendemos reforçar uma hipótese nestas polêmicas. É razoável deduzir que
se o aparato jurídico tem peso decisivo para a organização de determinada sociedade, a
forma jurídica se adéque ao essencial do modo de produção correspondente. Pachukanis
desvela o quanto o capitalismo estabelece uma fenomenal associação entre forma
jurídica e forma mercadoria – apontada por Marx (2017) como central na sociedade do
capital. Isto nos parece distinto de afirmar que a forma jurídica surja no capitalismo.
Várias de suas expressões estiveram presentes em sociedades anteriores – inclusive
dimensões apreciadas por Pachukanis, como ideologia, norma, violações do direito ou
daquelas que ele identifica como centrais na forma direito (tribunais, pessoas em litígio
etc.). O que nos parece específico no direito sob o capitalismo (essencial na associação
entre as formas jurídica e da mercadoria) é a noção de igualdade/equivalência.
A contribuição central do autor ao analisar a associação burguesa entre forma
jurídica (em suas distintas expressões) e forma mercadoria é, ao mesmo tempo, uma das
grandes novidades históricas do discurso econômico/político/ideológico da burguesia
pós-revoluções do século XVIII. Trata-se da ideia da igualdade perante a lei. Não é
única e tão somente um processo ideológico (...), porquanto é um processo
real em que as relações humanas tornam-se jurídicas, que caminha par a par
com o desenvolvimento da economia mercantil-monetária (e capitalista, na
história europeia) e que acarreta profundas e múltiplas transformações de
caráter objetivo. (PACHUKANIS, 2017b, p. 62, grifos nossos)
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burguesa como discurso acentua seu caráter de aparente igualdade, quando a essência
de tal sociedade é, necessariamente, a exploração de uma classe por outra, com a
consequente apropriação privada (por pouquíssimos) da riqueza socialmente produzida.
Interpretar o direito unicamente a partir da lógica que a burguesia lhe confere
impacta lutas sociais, suas possibilidades e horizontes. Também o faz com profissões6.
Partiremos de reflexões da obra pachukaniana, identificando e abordando, onde
couberem, polêmicas acerca de sua contribuição. Ao final abordaremos a perspectiva
que vemos mais promissora para lutas e debates acerca do direito.
6
Se defender direitos é ser servil a um Estado monopolizado por interesses das classes dominantes, seria
ilusória a existência de projetos profissionais libertários, ainda que com os limites que lhes são próprios.
7
Cf. Pachukanis, 2017b, p. 7.
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direito”. Negri (2017b, p. 50-51), marxista italiano, ao analisar duas ondas8 de interesse
pela teoria pachukaniana, defende que ela “sugere um esclarecimento dos impasses que
atualmente desestabilizam o funcionamento dos ordenamentos jurídicos no mundo
globalizado”. Vincent (1976), filósofo marxista francês, diz não haver “razão para
considerarmos que os problemas fundamentais apresentados por Pachukanis estejam
ultrapassados” (In PACHUKANIS, 2017b, p. 219). Milovanovic (2003), professor de
direito criminal em Chicago (EUA), registra o quanto ao final dos anos 1970, na Europa
e na América do Norte, ao redescobrir a obra de Pachukanis e submetê-la a “cuidadosa
análise crítica”, teóricos do direito teriam concluído “que oferecia uma alternativa às
interpretações tradicionais marxistas, que veem a lei pura e simplesmente como
vinculada aos interesses da classe dominante” (In PACHUKANIS, 2017b, p. 220). No
Brasil, Pazello (2014, pp. 144-5) afirma que embora haja em O Capital, de Marx, 700
referências ao direito (se consideradas formas análogas, quase mil), Pachukanis é a
primeira e ainda mais importante sistematização marxista do direito. Para Naves (2017,
p. 15), diferente do que fizeram outros juristas marxistas (inclusive seu contemporâneo
e interlocutor, Stutchka), Pachukanis se propõe a responder por que “certa relação social
precisa se manifestar como direito”, apreendendo “que é na forma que repousa o
segredo mais íntimo do fenômeno jurídico” (grifo original)9.
No prefácio à terceira edição de seu livro, em 1927, Pachukanis admite tal
impacto. Diferente de três anos antes, afirma que “o último ano não foi em vão para a
teoria marxista do direito” e que já haveria “material suficiente para uma disciplina
jurídica”, ainda que reafirme seu livro como um rascunho “por meio dos quais se pode
tentar elaborar um manual marxista para a teoria geral do direito” (PACHUKANIS,
2017b, p. 57, grifo nosso). Ao informar que não incorporou alterações advindas de tais
debates, diz que o faria “se este esboço permanecer (...) a experiência inicial de uma
crítica marxista dos principais conceitos jurídicos” (loc. cit., grifo nosso).
Esta breve resenha demonstra o quão significativa é, para a crítica marxista do
direito, a obra central de Pachukanis. Rivera-Lugo, professor de direitos humanos na
Universidade Autônoma de San Luis Potosí, no México, propõe em 2014 um resumo
dos elementos que constituiriam a teoria esboçada por Pachukanis. Aponta sete aspectos
centrais: (a) sem desconsiderar seu caráter ideológico10, uma teoria marxista do direito
precisa se concentrar na crítica da forma jurídica como “reflexo de relações sociais
específicas”; (b) a genealogia da forma legal e da subjetividade jurídica estaria “nas
relações de troca de mercadorias”, determinantes da produção social capitalista; (c) à
forma jurídica equivaleria a forma mercadoria – o que implicaria a necessidade de partir
da última para uma apreensão do direito; (d) daqui decorreria a constituição do sujeito
jurídico: aquele que participa do processo de troca de mercadorias, das quais é produtor
ou possuidor (entre as mercadorias trocadas se encontra sua própria força de trabalho);
8
Segundo Negri, nos anos 1970 o principal interesse foi apreciar o direito existente na revolução
bolchevique inaugurada em 1917. Quatro décadas depois as atenções superariam a “primeira onda”,
voltando-se para os “núcleos teóricos próprios da disciplina jurídica construída por Pachukanis” (loc. cit).
9
Naves (idem, p. 13) registra, ainda, que “Muito resenhado, o livro foi considerado ‘um dos melhores
trabalhos marxistas sobre o direito’, (...) ‘correta aplicação do método do materialismo dialético no campo
do direito’”. A fonte de tais afirmações é SHARLET, Robert. Pashukanis and the commodity Exchange
theory of Law, 1923-1930: a study in soviet marxist legal thought. Universidade de Indiana, 1968.
10
Lyra Filho (1999) também aborda o caráter ideológico do direito. Após apreciar polêmicas e distintas
definições sobre ideologia, afirma existirem três “ideologias jurídicas”: o jusnaturalismo (a ideia do
direito natural), o juspositivismo (a interpretação do direito enquanto previsões legais) e a dialética (que
consideraria os interesses de classes e grupos sociais em disputa na definição do que seja o direito).
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(e) o princípio da igualdade no direito conferiria juridicidade à forma do valor; (f) mais
que o caráter abstrato dos direitos de cada sujeito jurídico, o que prevaleceria seria o
“balanço real das forças” – donde decorreria o caráter de regulação social da forma
jurídica, visando “submissão à ordem capitalista prevalecente”; por fim, (g) uma teoria
marxista do direito deveria assumir a necessidade de “extinção progressiva da forma
jurídica como modo predominante de regulação social”: uma sociedade humanamente
emancipada exigiria “outro modo não jurídico de regulação social”, com convivência
social “fundada em práticas escoradas em uma nova consciência ética do comum”, que
substituiria a “normatividade clássica e coativa do direito” (In PACHUKANIS, 2017b,
pp. 217-8, grifos sempre nossos). Ao menos nos trechos grifados encontram-se distintas
interpretações sobre a obra pachukaniana, como passamos a abordar.
11
“Podemos alcançar uma determinação clara e acabada apenas se tomarmos como base a análise da
forma do direito completamente desenvolvida, que oferece uma interpretação tanto das formas que lhe
precederam quanto de sua forma embrionária.” (Idem, p. 86, grifos nossos). O que parece ser específico
da sociedade capitalista, portanto, é uma determinada forma assumida pelo direito.
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Miéville (2017, pp. 203-4) cita Arthur12 ao identificar que Pachukanis relaciona
tal momento “intimamente ao surgimento da mercadoria na mediação das trocas
materiais” – o que pode permitir uma interpretação de que o direito tenha surgido da
relação de trocas equivalentes de mercadorias, típica da sociedade do capital. O mesmo
autor, contudo, apresenta reflexões que complexificam tal identificação, demonstrando
o quanto elas não se resumem à temporalidade da existência do direito:
A concepção de Pachukanis de que o direito existe para atender a certos
interesses conflitantes, e que o embrião do sistema jurídico é o sujeito que
afirma uma pretensão, pode ser questionada porque não leva em consideração
a coerção estatal. Pode-se dizer que ela ignora o fato de que sua teoria não
compreende formas anteriores como “a paz do Rei”. Ela não foca nas
relações de dominação e subordinação encontradas em sociedade de classes
baseadas em distintas relações de propriedade13. (ARTHUR, 2017, p. 31,
grifo nosso)
12
Referência a Introduction, pp. 13-5, de Chris Arthur, em Law and Marxism, de Pachukanis. Não há ano
e editora na citação, reproduzida à p. 204 do texto de Miéville, extraído de sua obra Between Equal
Rights: A Marxist Theory of International Law (Leiden, Brill, 2005) – cf. Miéville, 2017, p. 201.
13
Pachukanis já havia sido confrontado com esta interpretação: “A outra reprimenda que me fez o
camarada Stutchka, justamente a de que eu reconheço a existência do direito apenas na sociedade
burguesa, eu aceito, mas com algumas ressalvas. De fato, sustentei e continuo a sustentar que a mais
desenvolvida, universal e acabada mediação jurídica engendra-se a partir das relações entre os produtores
de mercadoria; que, portanto, toda teoria geral do direito e toda ´jurisprudência pura´ é uma decisão
unilateral, que abstrai de todas as outras condições, da relação entre as pessoas que surgem no mercado no
papel de produtores de mercadorias. Mas, com efeito, uma forma desenvolvida e acabada não exclui
formas atrasadas e rudimentares; pelo contrário, as pressupõe.” (PACHUKANIS, 2017b, p. 65).
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14
Quase todos os habitantes das sociedades feudais faleciam no exato local em que haviam nascido
(HOBSBAWM, 2010). O não desenvolvimento das forças produtivas implicava relações sociais distintas.
Leis e discursos religiosos compunham um mesmo processo de subordinação. “Direitos” existiam para
senhores feudais, “escolhidos por Deus”. A remota mobilidade social também decorria de tais fatores.
Para explicações mágicas da vida tratava-se de um destino divino reservado à maioria das populações:
contentar-se com o sofrimento terreno para obter seu “pedaço” no céu. Tais versões – polêmicas mesmo à
época de Jesus (cf. ASLAN, 2013) – foram tensionadas por lutas sociais e pelo envolvimento de
segmentos religiosos com processos revolucionários socialistas posteriormente (cf. LÖWY, 2016).
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15
Melkevic utiliza sinônimos para aspectos pacificadores ou conflituais. “Irenogênese contém o radical
grego ´ireno´, que é relativo a ‘paz’; já polemogênese contém o radical ‘polemos’, que se refere a guerra.
Em português, estudos especializados utilizam as expressões ‘irenologia’ e ‘polemologia’, ciências da paz
e da guerra, respectivamente” (MELKEVIC, 2015, p. 67), informam os redatores da Verinotio.
16
Referências a Pachukanis, 1988, p. 20.
17
Referência a Adoratski, V. V. Sobre o Estado. Moscou: Academia Socialista da URSS, 1923, p. 41.
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18
Registre-se que Engels e Kaustky (2012) fazem apreciações no mesmo sentido.
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19
Como abordamos em Ruiz (2014), a crítica ao “direito” à propriedade precisa ser qualificada. Para
Marx, está em jogo a propriedade dos meios de produção de riquezas. Em Para a questão judaica
(MARX, 2009), propriedade, igualdade, liberdade vêm acompanhadas de pronomes demonstrativos –
evidenciando a crítica à perspectiva burguesa da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789. No Manifesto do Partido Comunista (MARX & ENGELS, 2008), o questionamento é
feito à propriedade privada que exclui nove décimos dos seres humanos do acesso à mesma propriedade.
20
A citação é extraída de Engels, Friedrich. Lineamenti di una critica dell´economia política del 1844, em
Scritti. Roma, Manigni, 1899. O tradutor da obra de Pachukanis (2017b) registra que a citação consta de
Marx, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
21
Cf. Negri, 2017a, p. 29; Pachukanis, 2017b, p. 139; Marx, 2011, p. 43.
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mais forte também se configura um direito – ainda que “sob outra forma” – na
sociedade que apresenta o direito como “igual”.
Rivera-Lugo (2017, p. 217), como vimos, afirma que uma sociedade comunista
exigiria um modo não jurídico de regulação social, e que neste momento a convivência
social estaria fundada em novas práticas sociais, em uma “nova consciência ética do
comum”. É legítimo esperar que uma sociedade sem classes, com formas de produção
que não sejam exploradoras do trabalho alheio, resulte em nova “consciência ética”.
Contudo, “Ao invés de ‘eliminar toda a desigualdade social e política’, [em] uma nova
sociedade, ‘com a supressão das diferenças de classe desaparece por si mesma toda a
desigualdade social e política resultante dessas diferenças´” (MARX, 2004, p. 116,
grifo nosso). A experiência histórica reivindicada como socialista e as possibilidades
teleológicas que se apresentam para o futuro recomendam a prudência apontada por
Marx (Idem, p. 120) para pensar o que será a sociedade humanamente emancipada.
Naves (2017, p. 15, grifo original) também identifica em Pachukanis a defesa
da necessidade de extinção do direito em uma sociedade sem classes. Ela decorreria do
fato de que “ao contrário de tantos juristas marxistas”, o autor russo respondeu à
pergunta sobre por que certa relação social (a do capital) precisa se manifestar como
direito. Segundo ele, Pachukanis “pôde compreender que é na forma que repousa o
segredo mais íntimo do fenômeno jurídico”. Afirma que as referências do autor russo ao
direito pré-burguês não abalam a identificação entre direito e capital (tese que vê como
fundamental), que interdita “toda a possibilidade de que o direito possa ir para além do
capital” (Idem, pp. 17-8). Argumenta que algo pode perfeitamente “ser chamado de
direito sem que realmente o seja”22. Pachukanis perceberia que “só há direito se houver
uma relação de equivalência subjetiva autônoma, mas esta inexiste se o elemento
religioso ou político estão igualmente presentes nesse mesmo objeto, pois a religião e a
política são formas sociais não equivalentes” (loc. cit., grifos originais). Ainda assim, ao
argumentar que a leitura de sua obra é tarefa urgente, Naves defende que ela “nos dá os
meios, no retorno a Marx que ela opera, de quebrar as formas do direito que nos
encerram na liberdade burguesa da compra e da venda, apontando na direção da
ultrapassagem efetiva do mundo das mercadorias” (Idem, p. 22, grifo nosso).
Kashiura Jr. e Naves (2012, p. 7) afirmam que a identificação da norma como o
aspecto central do direito é natural e a-histórica. Perguntam: “por que a relação que
envolve o escravo e o seu senhor não exige mediação jurídica e, ao inverso, a relação
entre o trabalhador assalariado e o capitalista não pode dar-se senão juridicamente?”. A
seguir, afirmam que a relação entre trabalhador assalariado e capitalista exige mediação
jurídica “porque só pode dar-se como uma relação de troca mercantil” – o que, nas
relações feudais ocorria “por intermédio da força” (Idem, p. 12)23.
22
Kashiura (2015, p. 71) reforça o mesmo argumento de Naves (2014), afirmando que “aquilo que
comumente se designa como ‘direito antigo’ ou ‘direito feudal’ não pode ser definido como ‘direito
menos desenvolvido’ ou ‘direito com outro conteúdo’, [mas] tão-somente como não-direito”.
23
“A análise nos moldes do método delineado por Marx permite ainda a Pachukanis compreender que a
forma jurídica é, ela mesma, histórica, ou seja, o direito não se apresentou como tal, apenas com
diferentes conteúdos, em todos os períodos históricos. A forma jurídica mesma tem condições de surgir
apenas num contexto determinado, numa formação social determinada. Em A teoria geral do direito e o
marxismo resta claro que a forma jurídica é uma forma social eminentemente burguesa, isto é, uma forma
social que alcança desenvolvimento pleno apenas na sociedade capitalista” (Idem, p. 11). Ora, existir em
diferentes sociedades e modos de produção e, nelas, assumir “diferentes conteúdos” não faz com que um
determinado fenômeno seja a-histórico. Pensemos no trabalho e em sua profunda inter-relação com a
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forma jurídica que o direito assume no capital. Identificar distintas características ao longo da história,
ainda que a partir de sua forma mais evoluída (o trabalho assalariado) não elimina a criticidade da análise.
24
“Durante a Grécia antiga, por exemplo, tinham direitos apenas os cidadãos. Esses eram humanos. Os
escravos, como “coisa”, não eram [sequer] sujeitos de direito. Eram apenas objetos dos direitos alheios”
(DORNELLES, 2007, p. 11; grifos e conteúdo entre colchete de nossa responsabilidade).
25
À Crítica ao Programa de Gotha, em 1875, Marx adiciona o intertítulo Observações sobre o Programa
do Partido Operário Alemão. Para Antunes (2004, p. 10), trata-se de “um esboço de como pode se
estruturar, a partir de uma nova modalidade de trabalho, uma sociedade capaz de superar o capital, em
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sociedade comunista? Por outras palavras: que funções sociais análogas às atuais
funções do Estado subsistirão?” (MARX, 2004, p. 119).
Ainda sobre a Crítica ao Programa de Gotha: (a) o texto foi um dos últimos
redigidos por Marx – distante, portanto, de uma etapa possivelmente idealista, menos
ancorada na análise da materialidade da vida; (b) herdeiro de todo seu impressionante
percurso político, militante e teórico, Marx defende a extinção do direito burguês,
adjetivando o direito que certamente deixaria de existir. Uma questão similar à que
Marx dirige ao Programa de Gotha é promissora: que funções análogas ao direito tal
qual o conhecemos deixarão de existir em uma sociedade humanamente emancipada?
A dicotomia entre o fim ou não do direito e do Estado tende a impactar, teórica
e politicamente, a sociedade que eventualmente supere as classes. Ela pode eliminar a
dialética dos processos sociais, como se o comunismo fosse um “fim da história"26 às
avessas (RUIZ, 2014). Há que se atentar para a contundente afirmação marxiana, citada
anteriomente em diálogo com Rivera-Lugo, acerca de que contradições deixam de
existir com a superação das sociedades de classe: segundo Marx, são aquelas resultantes
das diferenças de classes.
Assim como podemos chamar de direito aquilo que não é, podemos deixar de
fazê-lo com aquilo que, em leituras distintas, são. O que resta é saber: é possível afirmar
que há, em Marx e em Pachukanis, possibilidades para esta segunda interpretação? Em
outras palavras: é possível identificar naquilo que classes e segmentos subalternizados,
ao longo de suas lutas, denominam de “direito”, dimensões não legais que guardem
potencial ontológico e emancipatório?
busca de sua emancipação humana e social”. Marx a redige cerca de nove anos após finalizar o Livro 1 de
O Capital. São, então, reflexões de um Marx maduro, propositivo e participante dos debates de sua época.
26
A ampla rejeição às teses de Fukuyama (1992) serve de alerta para o risco de inverter sua lógica.
27
Sartori (2010) demonstra que Lukács, dentre outras dimensões centrais, identifica teleologias
secundárias (as das relações entre seres humanos) e mediação jurídica. Em Flores (1989) o direito para a
Escola de Budapeste está especialmente nas teleologias primárias (relações entre ser humano e natureza).
28
Pëtr Ivanovic Stutchka, Comissário do Povo para a Justiça após a revolução de outubro de 1917.
380
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29
Os itálicos remetem ao exemplo de Marx acerca da identificação da mais-valia (MARX, 2008, p. 677).
30
Segundo o próprio Pachukanis (2017b, p. 98), “O direito como um fenômeno social objetivo não pode
esgotar-se na norma nem na regra, seja ela escrita ou não”.
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Ao resgatar a centralidade do ser humano para uma apreciação sobre o que seja
o direito, Pachukanis estabelece a centralidade ontológica do ser humano enquanto ser
social (LUKÁCS, 2012; 2013) para a devida apreensão das formas sociais que se
apresentam na vida concreta.
Deveria nos servir de alerta o fato de que, no âmbito das lutas sociais e/ou de
31
classes , direitos não significam apenas o que está reconhecido pelo Estado ou, mesmo,
pelo conjunto da sociedade. Passe livre; universalidade no acesso ao ensino superior;
direito ao aborto; direito à comunicação (como possibilidade de produzir e distribuir
conteúdo a milhões de pessoas) são reivindicados como direitos32.
Esta linha de raciocínio parece-nos ser concretizada na relação entre direito e
necessidades humanas que Flores (1989) identifica em autores até então marxistas da
Escola de Budapeste – leitura da qual nos aproximamos. Ela considera que
subalternizados chamam de direitos são necessidades que apenas seres humanos, em sua
relação com a natureza e com a materialidade da vida concreta, são capazes de
reconhecer. Trata-se do processo ininterrupto, através do qual transformamos a natureza
e nos autotransformamos33. Nesta lógica, todos os direitos são humanos e sociais:
Nessa coimplicação dialética [...] medida pelo postulado ilustrado do uso
racional e efetivo das capacidades humanas, se apoia a ideia de direitos
humanos entendidos como bens sócio-históricos produzidos pela humanidade
em seu processo de evolução e desenvolvimento. Os direitos humanos não
podem ser considerados sem que seja feita uma referência ao esforço
humano, consciente ou inconsciente, para criar objetivações e projetar
racionalmente metas e objetivos. Qualquer consideração sobre essas normas e
regras fora da relação com o trabalho – como atividade humana específica –
conduzirá a resultados insatisfatórios, quer sejam metafísicos ou puramente
formais, quer dizer, a reduções que afetam diretamente todo o processo de
sua execução. (FLORES, 1989, p. 57, grifo original34)
31
Há lutas sociais não exclusivas das contradições entre classes, como as contra racismo, machismo,
homofobia, discriminações e opressões das mais diversas ordens. Elas se inter-relacionam, como
demonstram estatísticas nacionais acerca dos salários que mulheres (brancas e negras) e homem negros
recebem pelo mesmo trabalho desenvolvido por homens brancos. Lutas permanecerão existindo. E, como
Marx, não nos referimos exclusivamente àquelas resultantes da existência de distintas classes sociais.
32
“Direitos não são algo dado por uma esfera sobrenatural, (...) advindos da natureza ou de uma suposta
igualdade inata entre todos os seres humanos. São resultado de lutas históricas, de conflitos de interesses,
de ações dos movimentos sociais, do Estado, dos poderes públicos, das classes e de segmentos
heterogêneos e internos a elas. Talvez por isso falar de direitos sociais e de direitos humanos como partes
distintas de um determinado fenômeno se demonstre equivocado” (RUIZ, 2014, pp. 244-5).
33
“A própria primeira necessidade satisfeita, a ação da satisfação e o instrumento já adquirido da
satisfação conduzem a novas necessidades – e esta produção de novas necessidades é o primeiro ato
histórico” (MARX & ENGELS, 2009, pp. 41-2).
34
Utilizamos, nas citações a Flores, versões por nós traduzidas para o português do original em espanhol,
submetidas a cuidadosa revisão de Gustavo Repetti, a quem novamente registramos nosso agradecimento.
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Pachukanis (2017b, pp. 79-80) destaca que Marx revela que tal condição
fundamental se enraíza na própria economia. A existência da forma jurídica é
“justamente a igualação dos dispêndios do trabalho segundo o princípio da troca de
equivalentes, (...) o profundo vínculo interno entre a forma do direito e a forma da
mercadoria”. Esta relação se expressará no contrato: “Histórica e concretamente, (...) o
conceito de ato jurídico deriva do de contrato. Fora do contrato, os próprios conceitos
de sujeito e de vontade no sentido jurídico existem apenas como abstração sem vida”
(Idem, p. 127). Pachukanis identificará que “A ideia de equivalente, essa primeira ideia
puramente jurídica, tem sua fonte na forma da mercadoria” (Idem, p. 167). E retornará à
centralidade do ser social no que se refere ao direito (Idem, p. 168, grifo nosso):
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contra outro direito, ambos igualmente apoiados na lei da troca de mercadorias’. (...)
Entre direitos iguais, quem decide é a força” (MARX, 2017, p. 309).
Na Crítica ao Programa de Gotha, (MARX, 2004, p. 108-110), Marx critica a
manutenção do caráter burguês do direito no texto proposto (“o direito igual ainda
continua onerado por uma limitação burguesa”); para ele, todo direito é “baseado na
desigualdade”; há distinção entre indivíduos, que “não seriam indivíduos distintos se
não fossem desiguais”. Suas reflexões evoluem para a famosa proposição: “De cada um
segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!”.
Lembremo-nos que Marx anuncia, na mesma obra (2004), que só livre do jugo
do capital, da “escravizante subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho” é que
todas as potencialidades humanas poderão ser efetivamente desenvolvidas. A
desconsideração prévia de necessidades humanas em sociedades com modos de
produção algo alternativos ao do capital já resultou no contrário de uma vida
humanamente emancipada35. Em outras palavras, nada nos garante que o mais amplo
universo de necessidades produzidas pelos seres sociais em uma sociedade sem classes
estará de imediato atendido. As desigualdades que deixarão de existir, relembramos, são
as próprias das sociedades de classes. As demais persistirão objeto de disputas e, quiçá,
lutas – em torno da satisfação de necessidades que sequer somos capazes de imaginar,
posto que impedidas pela sociabilidade do capital. O oposto pode significar, a nosso
ver, decretar um novo fim da história (embora às avessas) ou a morte da dialética.
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35
Cf. Melkevic (2015), Hobsbawm (1995) e Ruiz (2014), este especialmente em sua seção final.
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Resumo:
A partir da teoria da forma jurídica e seus elementos, pretende-se compreender a centralidade
dada por Pachukanis à categoria sujeito de direito e o modo pelo qual o autor tenta aproximar
a crítica ao Direito à crítica da economia política realizada por Marx, principalmente da
categoria de pessoa trabalhada pelo autor alemão, indagando se há uma mera continuidade
ou se trata de uma inovação do autor soviético. A resposta se constrói com uma análise que
permite compreender melhor a influência de Pachukanis no momento revolucionário
soviético e ao Direito após este contexto.
Palavras-chave: Marx; Pachukanis; sujeito de direito.
Abstract: From the theory of juridical form and its elements, we intend to understand the
centrality given by Pachukanis to the category of subject of law and the way in which the
author tries to approximate the criticism to the Law to the critic of the political economy
realized by Marx, mainly of the category of a person worked by the German author, asking
whether there is a mere continuity of a suspected Marxist method or is it an innovation of the
Soviet author. The answer is constructed with an analysis that allows to understand better
the influence of Pachukanis in the Soviet revolutionary moment and the Law after this
context.
Keywords: Marx;Pachukanis; subject of right
1. INTRODUÇÃO
Evguiéni Pachukanis, em sua obra Teoria do Direito e Marxismo, busca desenvolver
historicamente categorias centrais para a Teoria do Direito. Dentre as categorias abordadas,
como a norma jurídica, a relação jurídica, dentre outras, o sujeito de direito tem uma
importância fulcral para a compreensão da forma jurídica. Busca-se assim compreender se
há uma relação entre a noção de pessoa presente em Marx com o conceito de sujeito de
direito, entendendo ser necessária a relação entre sujeitos de direitos essencial para a que
coisas se relacionem umas com as outras como mercadorias (MARX, 2013).
Por mais que parte das interpretações sobre o tema entendam que Pachukanis foi,
em sua crítica ao direito, fiel ao suposto método presente em O Capital elaborado por Marx
à crítica da economia política, como Naves (2000 e 2014), Kashiura (2009, 2014) há
divergências (SARTORI, 2015; SARTORI, no prelo a;b), que acreditam que a relação de
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pessoa e sujeito de direito elaborada pelo autor soviético não pode ser feita de forma
automática e imediata — partindo de Chasin (2009) e Lukács (2012) —. Ou seja, em sua
obra, Pachukanis compreendeu que a categoria sujeito de direito se derivaria imediatamente
da análise da forma mercadoria (PACHUKANIS, 2017, p.61). A primeira vertente, ligada a
uma leitura althusseriana (ALTHUSSER, 1979, 1987, 1999 e 2002) enxerga que há uma
fidelidade ao método de Marx, sendo correta tal análise de derivação imediata e estando ela
já presente em O capital.
O presente trabalho, então, procura se inserir em tal debate, analisando a correlação
entre a noção de sujeito de direito e a noção de pessoa presentes em Marx e Pachukanis.
Longe de tentar retirar as importantes contribuições de Pachukanis como marxista, busca-se,
aqui, compreender um caráter de inovação do autor, e não mera continuidade das obras do
autor alemão. Ou seja, se é possível conferir centralidade às categorias do direito, Pachukanis
é o grande responsável por essa análise (SARTORI, no prelo a,b), e não propriamente Marx.
A Teoria Geral do Direito de Pachukanis certamente contribuiu e ainda contribui
para as análises do Direito e sua especificidade burguesa. Buscando uma análise dos
elementos que compreendem a forma jurídica, retirando a centralidade da norma, e focando,
dessa maneira, na categoria do sujeitos de direito. Tais categorias imbricadas entre si e que
trazem um caráter inovador ao autor soviético. E este caráter devendo ser exaltado para
melhor compreensão da obra no contexto que ela se realiza, compreendendo o principal
teórico marxista do direito de forma adequada e, questionando alguns de seus pontos, abre-
se a possibilidade para ir além de suas análises.
Porém, este não será o ponto de divergência aqui tratado. O que se tentará
demonstrar no decorrer deste tópico é que na obra de Pachukanis há uma clara tentativa de
levar a análise de Marx para o Direito: o autor soviético claramente parte do modo como
Marx inicia o Capital para iniciar sua análise em Teoria Geral do Direito e Marxismo. Por
mais que a existência ou não do método marxiano e sua correta utilização por Pachukanis
seja questionável, o trabalho focará sua divergência discordando de que “a concepção de
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Para realizar tal análise e crítica à forma jurídica da forma explicitada, há uma clara
remissão ao O Capital. Tendo em vista que tanto a “teoria geral do direito” como a “economia
política” começam com a mercadoria (PACHUKANIS, 2017, p.75), há uma similaridade de
origem em ambas, permitindo uma análise parecida. Assim, a teoria geral do direito
percorreria uma história paralela, mesmo que não autônoma, em relação à economia política,
sendo forma jurídica igualmente capaz de refletir um desenvolvimento histórico real da
sociedade burguesa (PACHUKANIS, 2017, p.76). Ou seja, o direito forneceria uma base
igualmente sólida de estudos, assim como a economia política. Sua história percorreria um
caminho análogo/paralelo à forma mercadoria, possibilitando o estudo do desenvolvimento
da sociedade burguesa:
Do mesmo modo que a riqueza da sociedade capitalista assume forma de uma
enorme coleção de mercadorias, também a sociedade se apresenta como uma
cadeia ininterrupta de relações jurídicas. (PACHUKANIS, 2017, p.83)
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que este é a forma jurídica e seus elementos — para uma análise da teoria geral do direito,
sendo esse o pilar de sua crítica e análise.
Mesmo que aqui se pretenda questionar a maior centralidade dada ao direito feita
por Pachukanis, deve-se frisar que o autor não comete o mesmo erro de autores como Anton
Menger, por exemplo, que visaram se desligar das discussões a respeito da economia política,
dando completa autonomia e centralidade ao direito, conferindo grau de “ornamentos” para
discussões acerca da economia política (ENGELS; KAUSTKY, 2012, p.22). Por mais que
destaque a importância da forma mercadoria, Pachukanis não se esquece da esfera produtiva
e da importância da crítica realizada à economia política:
Do mesmo modo, o direito considerado em suas determinações gerais, como
forma, não existe somente na cabeça e nas teorias dos juristas especialistas. Ele
tem, paralelamente, uma história real, que se desenvolve não como um sistema de
ideias, mas como um sistema específico de relações, no qual as pessoas entram não
porque o escolheram conscientemente, mas porque foram compelidas pelas
condições de produção. (PACHUKANIS, 2017, p.83)
Do mesmo modo, não se pode falar que o autor soviético defendia um Direito do
proletariado, como presente no Programa de Gotha. Portanto, tanto para Marx (MARX,
2012, p.31), como para Pachukanis, não se trata de um aproveitamento do direito, mas de sua
supressão, por mais que ainda exista na fase de transição: “Exigir do direito proletariado seus
próprios, novos, conceitos gerais é uma tendência que parece revolucionária par excellence.
Contudo, na realidade, proclama a imortalidade da forma do direito”. (PACHUKANIS, 2017,
p.77). Ou seja, mesmo com uma grande centralidade do direito conferida por Pachukanis em
sua crítica, não se trata em nenhum momento de uma legalidade revolucionária .
Mesmo considerando que: “ambos destacam a abordagem acrítica e anti-histórica
da tradição com a qual debatem; procuram, assim, trazer a gênese real e efetiva das categorias
que analisam” (SARTORI, no prelo b, p.13), que se pretende expor a seguir é que Pachukanis
não pode ser interpretado como uma mera continuidade de Marx, apresentando diversos
caráteres divergentes e com grau de inovação. Ou seja, ainda que destaque a importância da
esfera produtiva e das críticas realizadas por Marx à economia política, demonstrando
conhecimento das obras do autor alemão, não basta a mera remissão à economia política para
a compreensão do Direito de forma a compreender todo seu movimento real e efetivo e a
utilização correta do método (SARTORI, 2016). Dessa maneira, busca-se fazer um paralelo
entre as categorias de pessoa (de Marx) e de sujeitos de direito (de Pachukanis) a fim de se
compreender se há uma relação direta e imediata entre os autores. Assim, se abordará a seguir
as teorias de ambos, remetendo a sua devida contextualização histórica.
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de mercadorias” . Dessa maneira, ainda que divergentes as teorias sobre o que seria a forma
do Direito giravam em torno da centralidade normativa. Tanto no neokantismo como no
sociologismo se vê o Direito como um sistema normativo. Enquanto para o neokantismo o
direito é um conjunto de normas amparadas pela sanção, o sociologismo jurídico buscava
compreender o conteúdo material no qual se preenchem as normas. Em ambos os
movimentos, se perde o que há de específico no Direito e este “serviria” para qualquer
momento histórico.
O Direito, então, teria como essência a norma e sua forma seria abstrata e eterna na
historicidade. Entretanto, em uma análise do “método” materialista-histórico amparado pela
investigação da análise pela mercadoria (MARX, 2013, p.113), Pachukanis parte da análise
das categorias mais abstratas para se compreender a forma jurídica. A partir de sua
investigação, então, o autor toma a categoria dos sujeitos de direito como central para
compreensão da forma jurídica. Neste tópico, demonstrar-se-á as razões que levaram o autor
a partir deste ponto como marco zero de sua crítica, ou seja, a razão pela qual o sujeito de
direito, para Pachukanis, tem importância central, assim como a própria mercadoria para o
autor alemão
O autor soviético vai trazer a compreensão que é na sociedade capitalista, que tem
por fim a circulação de mercadorias a partir da exploração do trabalho, o Direito terá sua
forma mais completa e intensificada. Assim, a sociedade fundamentada no modo de produção
capitalista pode ser vista não apenas como uma “enorme coleção de mercadorias”, mas como
uma cadeia ininterrupta de relações jurídicas. (PACHUKANIS, 2017):
(...) “ideia do direito” nada mais é do que a expressão unilateral e abstrata de uma
das relações da sociedade burguesa, a saber, da relação entre proprietários
independentes e iguais, uma relação que é a premissa “natural” do ato de troca
(PACHUKANIS, 2017, p. 234)
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A forma jurídica assume centralidade que advém das relações reificadas que
dependem, simultaneamente, da capacidade dos indivíduos nelas presentes serem sujeitos de
direito, assim como dependem do próprio valor de mercadoria: “O vínculo social da produção
apresenta-se, simultaneamente, sob duas formas absurdas: Como valor de mercadoria e como
capacidade do homem de ser sujeito de direito”. (PACHUKANIS, 2017, p.121). Tendo como
premissa que “o fetichismo da mercadoria se completa com o fetichismo jurídico”
(PACHUKANIS, 2017, p.124), o autor partirá de uma análise do sujeito de direito assim
como Marx partiu da mercadoria, fazendo com que derivasse imediatamente (PAÇO
CUNHA, 2015) seu ponto de partida do termo pessoa presente em O capital:
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Dada a forma jurídica por sua aparência abstrata, os sujeitos de direito se colocam
como livres e iguais para a circulação de mercadoria, como já supramencionado. De modo
que as relações de produção da sociedade seriam “edificadas” sob a divisão do trabalho e a
troca. Sendo que esta última existirá a partir do momento que existem sujeitos para a
mediação entre as coisas, de modo que a personificação do indivíduo pela linguagem jurídica
dá ao fetiche da mercadoria sua invisibilidade na visibilidade. Em outras palavras, a
personalidade jurídica cria o sujeito e este que circula a mercadoria produto do seu próprio
trabalho. O sujeito de livre e igual é necessário para todo o processo produtivo. Nesse sentido,
a liberdade e igualdade são mazelas, somos livres na medida em que somos escravos e iguais
na possibilidade de sermos desiguais:
O sujeito como titular e destinatário de todas as pretensões possíveis e a cadeia de
sujeitos ligados por pretensões recíprocas são o tecido jurídico fundamental que
corresponde ao tecido econômico, ou seja, às relações de produção da sociedade,
que repousa na divisão do trabalho e na troca”. ( PACHUKANIS, 2017, p.109)
As categorias expostas por Pachukanis, entretanto não são vistas de modo imediato
em Marx. Para o autor alemão há importância da esfera de troca para o fetichismo da
mercadoria e para que mercadorias se relacionem umas com as outras como mercadorias,
porém, a centralidade dada por Pachukanis à forma jurídica e a derivação do termo pessoa
como sujeitos de direito não pode ser vista em Marx, e, se pode ser feita, não há tal
imediatidade (SARTORI, no prelo a;b e PAÇO CUNHA, 2015), perpassando, antes, pelo
aspecto religioso e pelo sujeito automático. Ou seja, partindo de O capital e,
consequentemente, da teoria do valor, (NASCIMENTO, 2015) o autor soviético realiza uma
analogia/derivação direta e imediata entre a forma mercadoria, o fetichismo e o Direito, o
que se pretende demonstrar como uma interpretação equivocada e que não reproduz
fielmente o que foi esboçado em Marx, como será abordado no tópico a seguir.
b) A categoria pessoa em Marx: Os sujeitos de Direito e a continuação das premissas
do autor alemão.
Partindo do mesmo método de Marx em O Capital, Pachukanis busca os elementos
mais abstratos da forma jurídica levando em conta a teoria do valor. O autor busca relacionar
o termo pessoa com sujeito de direito, sendo isto essencial para sua formulação teórica.
Dessa maneira, busca-se compreender quais interpretações e analogias (se possíveis) temos
como mais adequadas: teria o sujeito de direito alguma essencialidade/centralidade em
Marx?
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Afinal, qual o papel do Sujeito de Direito em Marx? A questão perpassa por muitos
outros pontos mais centrais, como a analogia com a religião e o sujeito automático (valor)
que é possível se observar na esfera de circulação:
O sujeito (…) que se mostra em O capital na esfera de circulação de mercadorias
é aquele que conforma o “ponto de partida e o ponto final” de todo processo de
valorização na medida em que oculta sua relação com a esfera propriamente
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Levando tudo isso em conta, a melhor analogia, em Marx, remete-se a religião e não
ao Direito. Isso porque no processo de troca uma relação entre pessoas “cuja vontade reside
nas coisas” e que, principalmente, de forma autonomizada, as pessoas presentes nesse
processo não percebem a real natureza de suas relações e de seus produtos de trabalho, agindo
o próprio valor como um Deus.
Há que se levar em conta, que para o autor soviético o sujeito de direito é conferido
de qualidades dadas pela linguagem jurídica, quais sejam a liberdade e igualdade. E ambas,
convergem para que haja uma disposição do trabalho. Porém, a possibilidade de dispor de si
mesmo, de dispor de sua pessoa (SARTORI, no prelo a) a questão, novamente, não se dará
com a derivação do sujeito de direito de forma automática e direta vez que “o produtor direto,
o trabalhador, somente pôde dispor de sua pessoa depois que deixou de estar vinculado à
gleba e de ser servo ou dependente de outra pessoa”. (MARX, 2013, p.786). Há, também, em
Marx maior contato com o sujeito automático e a forma social do valor neste aspecto, pois o
indivíduo.
O aspecto contratual da venda da força de trabalho não é o aspecto jurídico o
dominante (SARTORI, no prelo b). Em verdade, há, em Marx, destaque para a esfera
produtiva, que obriga a pessoa a dispor de sua força de trabalho, não o caráter de ser sujeito
de direito em uma relação jurídica contratual vendendo-a:
Ou seja, também sob este aspecto, não é possível, imediatamente, derivar a
noção de sujeito de direito a partir da obra marxiana. Se Pachukanis diz que
as relações naturais, com o desenvolvimento social, são substituídas pelas
jurídicas, em Marx, a questão é distinta, até mesmo porque o autor alemão
vem a enfatizar “educação, tradição, costume”, de modo a deixar claro que
não se tem o reconhecimento da base real da sociedade capitalista em uma
simples passagem da religião ao Direito, mas por via de diversos aspectos
relacionados à imposição da relação capital e, portanto, da lei do valor. (
SARTORI, no prelo a, p.20)
Portanto, seja qual forma a perspectiva analisada, não se pode encontrar a mesma
centralidade conferida por Pachukanis ao sujeito de direito. Há, sim, em Pachukanis caráter
inovador perante Marx, tendo mais aproximações entre o autor e Engels, do que o próprio
Marx. E compreender dessa maneira é dar mais elucidação aos conceitos basilares e ideias
do autor soviético, bem como trazer maior compreensão dos processos envolta da Revolução
Russa.
Em Pachukanis, pode ser observada uma clara substituição das relações pessoais e
patriarcais características do feudalismo por relações jurídicas, característica extremamente
importante para a dominação impessoal do capitalismo. Ou seja, o Direito aparece como
substituto das relações pessoais feudais marcadas pelo aspecto religioso, havendo não mais
uma relação pessoal direta, mas uma relação jurídica entre sujeitos de direito.
Em Marx há um destaque de importância da religião na Idade Média, uma vez que
esse período histórico foi dominado pelo catolicismo. (MARX, 2013). Porém, como visto
durante todo o trabalho, não há centralidade do Direito em Karl Marx. A forma jurídica está
presente em sua obra, sem dúvidas, porém não de forma central para o fetichismo da
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5. CONCLUSÃO
Partindo de uma necessidade imperiosa de se criar uma nova organização jurídica e
legislativa eminente ao contexto da Revolução Russa de 17 (NAVES, 2014,p. 24) Pachukanis
foi um dos mais influentes juristas soviéticos. Participando “como personagem principal de
todas as polêmicas de seu tempo” (LEANDRO MASCARO, 2002, p.139), o autor deve ser
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compreendido na medida do seu tempo e do seu caráter inovador enquanto marxista. Após
a Revolução de 1917, a U.R.S.S, dentre os incontáveis desafios e tarefas organizacionais,
tinha que solucionar os problemas jurídicos.
Os principais dificuldades iniciais eram: “a influência do pensamento jurídico
burguês, e na necessidade política de colocar em funcionamento o novo aparelho judiciário”
(NAVES, 2014,p. 25). Ademais, uma mera organização nova do judiciário e de todo o Direito
não bastava: era necessário que essa organização refletisse os ideias, até então
preponderantes, dos revolucionários. Ou seja, era necessário que o aparelho jurídico
permitisse a participação das massas, por meio de, por exemplo, tribunais populares
(NAVES, 2014, p.25). É esse o cenário em que se encontra o autor soviético. Portanto, estes
fatos devem sempre ser levados em conta para que as críticas e abordagens sobre ele não
sejam vazias ou ingênuas. Como um jurista de seu tempo, bastante influenciado por autores
como Marx e Engels, Pachukanis se posicionou e elaborou uma crítica ao Direito.
Portanto, as particularidades e inovações deste autor devem ser levadas em conta,
tendo em vista a grande importância de seus estudos. Porém, o que se vê, repetidamente, em
grande parte na academia nacional é a visão de Pachukanis como uma espécie de
continuidade de Marx:
Podemos dizer que a concepção de Pachukanis corresponde inteiramente às
reflexões que Marx desenvolve, sobretudo nos Grundrisse e em O Capital, a
propósito do lugar central que ocupa a análise da forma para compreender as
relações sociais capitalistas. (NAVES, 2000, p.40)
Ainda que o autor soviético tenha como base inicial a forma mercadoria, assim como
Marx, sua teoria da forma jurídica e os elementos destas, principalmente no que concerne aos
sujeitos de direito não é uma mera reprodução ou continuidade de Marx, não existindo, já em
Marx, tal analogia ou possibilidade de uma derivação direta. Do termo pessoa na esfera de
circulação, não há, imediatamente, a noção de sujeito de direito, ou seja, não há a centralidade
dada por Pachukanis à forma jurídica.
O que se vê é que, caso possível tal derivação, suas devidas mediações deveriam ter
sido melhor explicitadas, pois, em Marx, há maior enfoque a noção de relações sociais
reificadas sendo que a dialética entre pessoas e coisas (SARTORI, no prelo a) é o central no
tocante ao termo pessoa. Ademais, uma possível analogia seria com a religião, não
propriamente com o Direito. Portanto, seja na esfera de circulação de mercadorias, com as
pessoas (“guardiões”) trocando mercadorias, seja no momento em que a pessoa dispõe de sua
força de trabalho, o sujeito de direito, e a forma jurídica, não se mostram centrais como em
Pachukanis, apresentando este uma interpretação, inclusive, mais próxima da pensada por
Engels e sua valorização do Direito. Portanto, resume-se:
Pachukanis, pois, é bastante perspicaz: traz as raízes de uma categoria decisiva da
teoria do Direito para o centro de sua crítica ao mesmo. No entanto, sejam quais
forem as vantagens de sua teoria, ela não deriva diretamente da análise presente
em O capital. (SARTORI, no prelo a, p.25)
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Sujeito de Direito para Pachukanis, logo em seguida se fez uma análise sobre a categoria de
pessoa para Marx. Fortalecendo essa “nova” visão interpretativa acerca do grande autor
soviético, passando a ser analisado com caráter de inovações e tendo em vista as diferenças
em relação à Marx, há novas possibilidades de estudos acerca das influências diretas desse
autor no momento revolucionário soviético e da construção do Direito após este contexto,
juntamente, com sua essencialidade burguesa e influências no capital.
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Resumo: O presente texto tem por objetivo investigar o desenvolvimento teórico de uma
metáfora no pensamento de Marx, a qual denominamos aqui por “metáfora da serpente”.
Parte-se do desenvolvimento dessa metáfora desde os textos de juventude de Marx até
seus escritos nos anos finais de sua vida. Por fim, propomos uma hipótese sobre o modo
pelo qual Marx utiliza tal metáfora.
1
Esse texto em questão é uma espécie de embrião para um futuro texto a ser desenvolvido com maior
profundidade. Como não foi possível desenvolver nesse instante um texto mais profundo sobre essa
temática, acho necessário assumir toda a responsabilidade do texto. Para o propósito futuro de desenvolver
um texto mais aprofundado do que esse, agradeço as sugestões e críticas desenvolvidas tanto por Ivan
quanto por Vera Cotrim.
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estilo literário de Marx não aparece de maneira tão “refinada”, por assim dizer, quanto
em O Capital.
Dentre os elementos da estilística de Marx, a metáfora cumpre um papel
fundamental. Ludovico Silva (2012, p.11) aponta que “a ciência nada perde, só ganha, se
ao seu rigor demonstrativo se acrescer um rigor ilustrativo; nada contribui mais para a
compreensão de uma teoria que uma metáfora adequada ou uma analogia que a calce”, e
tal utilização fica muito evidente nas diversas metáforas de Marx que foram frutos de
demasiados estudos. Dentre elas, alguns destaques:
1) a tão mencionada “metáfora do edifício”: Marx (2008, p.49), no Prefácio de
59 afirma que o conjunto das relações de produção forma a “estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual eleva uma superestrutura jurídica e política, e à qual
correspondem formas sociais determinadas de consciência” e complementa dizendo que
“a transformação que se produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta ou
rapidamente toda a colossal superestrutura”. Ludovico Silva (2012, p.49), em linhas
gerais, condena o perigo de se apresentar como metáfora algo que, para uma grande
tradição do marxismo – principalmente intelectuais influenciados por Althusser a partir
da publicação do ensaio Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado e da obra A Favor
de Marx – constitui uma explicação científica acabada;
2) A contundente “metáfora do parto”. Marx (2013, p.821), em uma passagem
de O Capital, menciona que “a violência é a parteira de toda sociedade velha que está
prenhe de uma sociedade nova. Ela mesma é uma potência econômica”. Engels (1990),
utilizando da metáfora de Marx, também questiona sobre o papel da violência que
“desempenha também, na história (...) um papel revolucionário; sabemos que ela é,
também, para usar uma expressão de Marx, a parteira de toda a sociedade antiga, que traz
em suas entranhas uma outra nova”. Mônica Hallak, a partir dessa metáfora, menciona
que a questão que se levanta é: qual o papel da violência no contexto de transição, ou até
mesmo “até que ponto a nova sociedade necessita de parteira para vir a ser?2”.
3) as diversas “metáforas teológicas”, dentre elas, destaque para a relação que
Marx estabelece entre a assim chamada “acumulação primitiva3” que “desempenha na
economia política aproximadamente o mesmo papel do pecado original na teologia”. Para
Enrique Dussel, que analisou exaustivamente as metáforas teológicas na obra de Marx,
“o capital é a forma de pecado original de nosso tempo, como relação social de dominação
a priori; um, o rico, já possui dinheiro (acumulação primitiva), o outro já é pobre antes de
celebrar um contrato de assalariado - a priori do pecado estrutural (DUSSEL, 1993,
p.168).
O objetivo desse artigo é, através de uma leitura imanente, analisar a gênese e o
desenvolvimento de uma metáfora de Marx, a saber, a metáfora da “troca de peles”. Para
tanto, começaremos nossa trajetória em um dos textos iniciais de Marx enquanto ainda
era colunista na Gazeta Renana, o Debates sobre a lei referente ao furto da madeira, de
2
Disponível em: http://www.herramienta.com.ar/coloquios-y-seminarios/violencia-e-metafora-do-parto.
3
Sempre que trato do tema da “acumulação primitiva”, julgo ser necessário fazer uma advertência:
provavelmente a melhor tradução para o termo “Ursprüngliche” seja “original/originária”. A utilização de
“primitiva” é problemática por alguns aspectos. Em primeiro lugar, o termo “primitivo” – e seus derivados
- não possui uma relevância no que pese a totalidade da obra de Marx; e em segundo lugar, com advento
dos estudos históricos evolucionistas, o termo “primitivo” passou a adquirir uma conotação pejorativa. A
opção da tradução pela expressão “acumulação primitiva” em detrimento à expressão “acumulação
originária” pode parecer tão problemática quanto se, nas traduções bíblicas, a expressão “pecado original”
fosse substituída por “pecado primitivo”. Vale mencionar, também, que a origem do termo se encontra em
Adam Smith que escreve acerca de uma “previous accumulation” em sua obra Riqueza das Nações. A
opção, portanto, em utilizar o termo “acumulação primitiva” não parte de uma insistência, mas sim, na
constatação de que essa é forma mais passível de ser compreendida por eventuais interlocutores.
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1842; em seguida, passaremos por Sobre a questão judaica, de 1843 na qual a metáfora
é novamente utilizada; posteriormente avançaremos analisando a utilização da metáfora
nos textos em que Marx trata da revolução de 1848-1849; em seguida voltaremos nossos
olhares para os Grudrisse, já em 1857-58; depois analisaremos as metáforas nas quais
Marx se utiliza das serpentes em O Capital, 1868; para, enfim, chegarmos aos esboços da
carta de Marx à Vera Zasulitch, já em 1877, momento esse em que a metáfora adquire
uma centralidade no texto. Por fim, como conclusão, apresentaremos uma hipótese sobre
a utilização de Marx da metáfora das serpentes.
É notório como que Marx, na exposição desse texto, não se apresenta, até então,
como um autor crítico ao direito – como podemos observar em suas obras a seguir,
principalmente após a Crítica da filosofia do Direito de Hegel. Pelo contrário, Marx é um
defensor do assim chamado direito consuetudinário. Para além dessa questão central do
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texto, é essa a primeira vez em que podemos observar a utilização, por Marx, de uma
metáfora que o guiaria em trabalhos durante toda a sua trajetória teórica, através da qual
nosso autor levou tentou levar a cabo seu desejo de fazer uma “crítica impiedosa a todo
o existente”. Marx, em defesa da apropriação pelos pobres da madeira seca caída no solo
dos bosques, diz que a ligação orgânica de tal material com a árvore viva “é tão pequena
quanto a pele descascada com a cobra”.
O processo que é cientificamente chamado de “ecdise” constitui um momento
fundamental para o ciclo biológico das serpentes, pois, periodicamente, necessitam passar
por esse fenômeno de troca de pele. Esse movimento físico faz com que o réptil possa
expandir seu corpo e crescer, de modo a se reconstituir enquanto um animal4. O fato,
porém, é que após esse procedimento, a serpente não possui mais nenhuma ligação
orgânica com a pele que de si foi descartada. Do mesmo modo, podemos constar que
também não há nenhuma ligação orgânica entre a árvore e o galho seco que dela se
dissociou. Assim, o argumento de que a utilização desse galho seria um atentado ou modo
pelo qual a árvore se constituiu, é tão frágil quanto argumentar que um condutor deva
responder por crime contra animais se, por exemplo, o veículo que ele conduzia passar
por cima de uma pele descartada de uma serpente. Esse foi apenas um dos argumentos
que Marx desenvolveu para criticar o tratamento que o Estado prussiano dava aos pobres
que se utilizavam dessa lenha para sua sobrevivência, a saber, criminalizando-os.
As intervenções de Marx enquanto era colaborador da Gazeta Renana acabaram
por obter um certo destaque, o que deu a ele as credenciais para assumir a direção do
periódico em outubro de 1842. Conduzido por Marx, o jornal acentuou sua orientação
crítica, o que não agradou os seus demais integrantes. No dia 18 de março, em
consequência, Marx se afasta do periódico e, no fim daquele mesmo mês, no dia 31 de
março, o periódico foi fechado pelas autoridades prussianas5. Já no ano seguinte, em
1843, Marx vive um tempo com Jenny, que tornaria sua esposa no dia 19 de junho daquele
ano. A segunda metade desse ano é importante para a trajetória intelectual de Marx, pois
ele se propôs, naquela época, a dois projetos imediatos: 1) uma revisão de parte do
pensamento de Hegel; 2) a criação de um periódico que pretendia vincular a filosofia com
a intervenção social. É verdade que as inquietações de Marx para com o pensamento de
Hegel vinham de 1842, mas é só no segundo semestre de 1843, em que Marx e Jenny
residiam em Kreuznach, que Marx elabora sua Crítica da filosofia do direito de Hegel
(NETTO, 2017). Se por um lado esse manuscrito também não chegou a ser publicado
enquanto seu autor era vivo – tendo ido a público apenas no ano de 1927 -, o projeto de
criação de um novo periódico obteve êxito.
Tratam-se dos Anais Franco-Alemães, que, sob responsabilidade de Marx e de
Arnold Ruge, foram publicados em 1844 e trouxeram, em sua primeira – e única – edição,
dois artigos fundamentais de Karl Marx, através dos quais já é possível observar um
momento de inflexão na obra desse autor, tanto sob a perspectiva de sua relação com o
pensamento hegeliano, quanto em seu tratamento dado ao direito, por exemplo. Um
desses artigos é o Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel, que, apesar de sua
relevância – sendo ainda um dos textos mais lidos e discutidos de Marx – não levou em
4
Essa substituição de células não é uma especificidade das cobras, podendo ser observado em diversos
outros animais, como lagartos, iguanas, camaleões, entre outros. O ser humano, inclusive, também passa
por um evento com finalidade semelhante, porém tendo no processo, suas peculiaridades. O humano,
diferente das serpentes, descartam suas células pouco a pouco,
5
Vale notar que as autoridades prussianas não eram tão hostis a Marx quanto a maioria dos biógrafos
insinua. Na verdade, Heinrich (2018) aponta que “depois de terem fechado a Gazeta Renana, elas [as
autoridades prussianas] inclusive entraram em contato com ele para lhe oferecer um cargo (oferta que Marx,
aliás, recusou)”.
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conta a magnitude do trabalho crítico que Marx vinha desenvolvendo a Hegel no ano
anterior. Um segundo artigo de Marx publicado nos Anais Franco-Alemães, é uma
resposta a Bruno Bauer intitulado Sobre a questão judaica. Em função desse projeto,
Marx deixa a Alemanha em outubro e se estabelece em Paris, onde travará relações com
o influente socialista francês P. J. Proudhon e com o poeta Heinrich Heine (NETTO,
2017) – esse que exerceu influência no estilo literário de Marx, como veremos adiante.
Em seu texto Sobre a Questão Judaica, Marx reflete sobre as condições
determinadas aos judeus que viviam na prússia. Criticando a sugestão de uma
emancipação política por parte dos judeus elaborada por Bruno Bauer, um dos principais
jovens hegelianos, Marx reconhece que essa proposta representa um grande progresso,
porém “não chega a ser a forma definitiva da emancipação humana em geral”. Assim, a
“emancipação política é a redução do homem, por um lado, a membro da sociedade
burguesa, a indivíduo egoísta independente, e, por outro, a cidadão, a pessoa moral”;
processo esse que se distingue da emancipação humana que só seria plenamente realizada
“quando o homem individual real tiver recuperado para si o cidadão abstrato e se tornado
ente genérico na qualidade de homem individual na sua vida empírica, no seu trabalho
individual, nas suas relações individuais”, ou seja, “quando o homem tiver reconhecido e
organizado suas forças próprias como forças sociais e, em consequência, não mais separar
de si mesmo a força social na forma da força política” (MARX, 2010, p.54). Durante sua
exposição, e no que se refere aos nossos propósitos aqui, Marx disserta:
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Não que seja incomum encontrar críticas a Proudhon na obra de Marx, mas essa
carrega consigo uma especificidade: ao tratar do contexto francês, Marx não poderia
deixar de dialogar com autores críticos pertencentes a esse contexto. Quando Marx diz
que Proudhon chegara à conclusão de que o “banco necessariamente se despiria da sua
velha pele de cobra e se metamorfosearia em um banco popular proudhoniano”, a
especificidade da metáfora da serpente aparece nesse momento como sua mais perfeita
forma relacionada à “transformação”, ou, mesmo nas palavras de Marx, a uma espécie de
“metamorfose”. Isso já nos dá inicialmente um embrião do papel que essa metáfora,
embora utilizada em momentos distintos na obra de Marx, pode nos oferecer. Mas, para
que compreendamos esse sentido, é necessário que nos voltemos aos momentos
posteriores em que Marx a utiliza enquanto um recurso estilístico.
A utilização que Marx faz novamente dessa metáfora aparece de maneira mais
sutil nos Grundrisse. Nessas circunstâncias, já não se trata especialmente de um momento
no qual tal utilização se manifeste de maneira tão refinada quanto nas anteriores. Nesses
escritos, já nos ano de 1858, que são fundamentais para a compreensão da crítica à
economia política, Marx afirma que:
“Deve estar inteiramente claro agora que isso é uma inépcia enquanto for
mantida a base do valor de troca e, além disso, que a ilusão de que o dinheiro
metálico falsearia a troca resulta de um total desconhecimento de sua natureza.
Por outro lado, é igualmente claro que, na medida em que aumenta a oposição
às relações de produção dominantes e que essas próprias relações pressionam
de maneira mais violenta para a mudança da antiga pele, a polêmica se dirige
contra o dinheiro metálico ou contra o dinheiro em geral como a manifestação
mais evidente, mais contraditória e mais difícil em que o sistema se manifesta
tangivelmente. (MARX, 2011, p.291)”.
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noção, tão cara à dialética marxiana, de “movimento”: seja da história, seja de categorias
econômicas ou mesmo das abstrações que se movem no seio tanto da investigação quanto
da exposição de Marx. São vários os momentos em que Marx, n’O Capital, faz uso desse
recurso estilístico sob pretexto semelhante ao supracitado:
A segunda metade de sua circulação ela percorre não mais em sua própria pele
natural, mas na pele do ouro. Desse modo, a continuidade do movimento recai
inteiramente do lado do dinheiro, e o mesmo movimento que, para a
mercadoria, engloba dois processos antitéticos, também engloba, como
movimento próprio do dinheiro, sempre o mesmo processo, a sua troca de lugar
com uma mercadoria sempre distinta. (MARX, 2013, p. 256)
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O ponto principal dessa breve investigação é o seguinte: qual o sentido que essa
metáfora da troca de peles da serpente possui na obra de Marx? Para esse estudo
preliminar, podemos sugerir que a utilização da metáfora, em todo o decorrer da obra de
Marx, esteve relacionado à ideia de “movimento”: ora da história, ora das abstrações, ora
das próprias categorias econômicas investigadas. Nesse sentido, esse recurso estilístico
está absolutamente vinculado à dialética de Marx. Talvez por esse motivo podemos aqui
apresentar uma hipótese acerca do porquê que o velho mouro utilizou essa metáfora. A
nossa hipótese é que Marx se baseou em Hegel que, na Fenomenologia do Espírito,
afirmou que:
“Mas agora ela se infiltra - espírito invisível e imperceptível - através das partes
nobres de lado a lado, e logo se apodera radicalmente de todas as vísceras e
membros do ídolo carente de consciência, e, "uma bela manhã, dá uma
cotovelada no tipo, e - bumba! - o ídolo está no chão". Numa bela manhã, cujo
meio-dia não é sangrento, se a infecção penetrou todos os órgãos da vida
espiritual. Só a memória conserva - como uma história acontecida não se sabe
como - a modalidade morta da figura precedente do espírito. E, dessa maneira,
a nova serpente da sabedoria, erigida para a adoração, apenas se despojou, sem
dor, de uma pele murcha (HEGEL,1990, p.71).”
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Resumo
Este trabalho investiga o direito nos textos econômicos tardios de Marx, de 1857 em
diante. O objeto derivado, portanto, apenas poderia ser a via clássica de objetivação do
capitalismo. Desta investigação pudemos concluir que há em Marx duas etapas do
movimento do direito, com dois traços principais cada. No primeiro momento, temos a
revogação dos restos do direito feudal, que obstava a acumulação nascente, e a
instituição de um direito viabilizador do capitalismo, que atualiza seus pressupostos
objetivos. Este é o direito para a compulsão ao trabalho, que o estende tão
compulsoriamente quanto a legislação posterior o encurta. No segundo momento, com o
amadurecimento do modo de produção capitalista, o funcionamento de suas leis
imanentes leva, por sua vez, a dois traços. De um lado, a auto-proteção da classe
trabalhadora e sua revolta crescente levam à instituição de uma jornada normal de
trabalho, o que é, simultaneamente, freio racional à rapacidade cega do capital e
expressão da manutenção de um pressuposto objetivo da acumulação. De outro, e
posteriormente, temos a generalização destas condições de concorrência, o que
normaliza as condições de extração do mais-valor relativo e leva o capitalismo desta via
a um patamar superior.
Palavras-chave: Karl Marx. direito. via clássica.
Abstract
This paper investigates law in Marx’s late economic texts, from 1857 onwards. Our
object could only thus be the objectification of capitalism in its classical path. From this
investigation we conclude that there are in Marx two stages in law, with two main
features each. At first, we have the abolition of the remnants of feudal law, which
hindered the nascent accumulation, and the institution of a law harmonic to capitalism,
which actualizes its objective presuppositions. This is the legislation to compulsion to
work, which extends work as compulsorily as later legislation shortens it. Later, with
the maturing of the capitalist mode of production, the operation of its immanent laws
leads, in turn, to two traits. On the one hand, the self-protection of the working class and
its growing agitation lead to the institution of a normal working day, which is, at the
same time, a rational bridle to the blind unrestraint of capital and expression of the
maintenance of an objective assumption of accumulation. On the other hand, we have
the generalization of these conditions of competition, which normalizes the conditions
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of extraction of the relative surplus value and takes capitalism to a higher level.
Keywords: Karl Marx. law. classic path.
INTRODUÇÃO
Sustentamos neste artigo que os textos econômicos marxianos a partir de 1857,
com os Grundrisse, contêm, ainda que dispersas, análises sobre a determinação material
do direito e particularmente sobre o desdobramento de seu movimento. Nos textos
objeto de nossa investigação, é notável a presença majoritariamente da via clássica, que
compreende Inglaterra e França. É neles incontestável o predomínio de análises sobre o
caso inglês. Compreensivelmente, se Marx se incumbia de “desvelar a lei econômica
do movimento da sociedade moderna” (MARX, 2013, p. 79), nada mais natural que se
pôr a descobrir suas tendências imanentes em seu maior desenvolvimento concreto.
Marx captura que a tendência geral do movimento do direito na via clássica
compreende dois grandes momentos, com dois traços principais cada.
No primeiro momento, quando da objetivação do modo de produção
capitalista, o direito feudal inglês era um óbice à acumulação capitalista nascente. Tal
direito devia ser neutralizado para que o processo pudesse se desenrolar. Aqui se
inserem os achados marxianos referentes à acumulação primitiva, à fase impúbere do
capitalismo. Este processo de dissolução da feudalidade e do direito que lhe
correspondia tomou a forma da acumulação primitiva, como exposta por Marx.
Este primeiro momento, assim, guarda dois traços principais em relação ao
direito. De um lado, revoga-se toda a legislação feudal, que agora é um empecilho à
produção material. Por outro lado, coloca-se um novo direito sanguinário para viabilizar
o modo de produção nascente, um movimento em virtude do qual transformam-se “em
trabalhadores assalariados livres a massa da população que se tornara sem propriedade e
livre” (MARX, 2011, p. 645), ou seja, cria-se uma classe trabalhadora adequada à
produção moderna. Este é o direito para a compulsão ao trabalho, que o estende tão
compulsoriamente quanto a legislação fabril o encurta.
Os dois traços deste momento são o fim do direito feudal e a instituição de um
direito da acumulação primitiva, por assim dizer. Este direito da fase ascendente da
burguesia rearticula o direito romano, em vista da incompatibilidade da burguesia
nascente em relação ao direito feudal local, e se prova mediação na luta desta classe
contra a Idade Média. Tomados em conjunto, ambos os traços são sintomas distintos da
necessidade de atualização de um pressuposto básico do modo de produção capitalista, a
saber, a existência de uma força de trabalho adequada.
No segundo momento, com o amadurecimento do modo de produção
capitalista, um novo direito deve surgir para a proteção da relação de capital em face da
revolta crescente dos trabalhadores e simultaneamente para a auto-proteção da classe
trabalhadora. Este direito, porém, é face da produção social de uma força de trabalho
adequada à acumulação capitalista, de tal modo que a legislação capitalista é
simultaneamente hostil ao trabalhador e freio racional à rapacidade cega do capital. Este
novo direito prescinde da violência explícita, uma vez que o trabalhador pode ser
deixado às leis imanentes da produção. Com o desenvolvimento destas, toda a
legislação anterior caduca e pode ser revogada ou ignorada, por perder seu sentido
econômico. A compulsão do momento anterior perde sua razão de ser. A categoria
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1 Tradução livre: “Nas guildas medievais, o mestre era impedido de se tornar um capitalista pelos
regulamentos da guilda, que restringia a um número muito baixo de trabalhadores o que era permitido
empregar a qualquer momento.”
2 Tradução livre: “E de fato as leis sobre o aprendizado seriam repelidas logo após a emergência da
maquinaria.”
3 Tradução livre: “O trabalho fabril deixa ao trabalhador apenas o conhecimento de certos movimentos
manuais; com isso, portanto, as leis sobre o Aprendizado são descartadas.”
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4 Tradução livre: “(...) o direito romano, mais ou menos modificado, foi adotado pela sociedade
moderna porque a representação jurídica que o sujeito da livre concorrência faz de si corresponde à
da pessoa romana (não que eu tenha qualquer intenção de cá adentrar na vital questão de que a
representação jurídica de certas relações de propriedade, por mais que delas surgindo, não são nem
podem ser com elas de todo congruentes).”
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posto que, nos contextos de revolução social da via clássica, era necessário lançar mão
do direito para direcionar a acumulação a um patamar superior. Por isso o caráter da
legislação terrorista do trabalho na Inglaterra pôde ser tão monstruoso. Passada esta
etapa de revolução social, foi facultado ao direito assumir funções mais comedidas.
Com isso consideramos apenas que uma tendência do capital se pode
modificar, a depender das circunstâncias concretas. Quando a luta de classes chegou a
tal ponto que o movimento histórico mostrou ser a limitação legal da jornada de
trabalho a alternativa mais viável na constituição de uma classe trabalhadora adequada à
acumulação, temos aí uma atuação consciente sobre a realidade que pode apreender a
realidade material e se tornar um passo em direção ao reino da liberdade. Ao mesmo
tempo, esta jornada normal de trabalho é uma necessidade imanente da produção
capitalista, afinal impede a transformação do sangue de crianças em capital. Como
afirma Marx, “[u]ma jornada de trabalho normal parece, assim, ser do próprio interesse
do capital” (MARX, 2013, p. 338).
Naturalmente, esta legislação acerca da jornada normal de trabalho não nasce
pronta dos manuais dos juristas. É evidente aqui que “as relações jurídicas (…) não
podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito
humano” (MARX, 2008, p. 49):
Vimos que essas determinações minuciosas, que regulam os limites, as
pausas do trabalho com uma uniformidade militar, de acordo com o sino do
relógio, não foram de modo algum produto das lucubrações parlamentares.
Elas se desenvolveram paulatinamente a partir das circunstâncias, como leis
naturais do modo de produção moderno. Sua formulação, seu
reconhecimento oficial e sua proclamação estatal foram o resultado de longas
lutas de classes (MARX, 2013, pp. 354–355).
Com a maioridade do modo de produção capitalista, o direito é chamado a
cumprir duas funções: por um lado, deve ser uma barreira de auto-proteção da classe
trabalhadora; por outro, serve como um compromisso, de modo que a nova acomodação
resultante permita a continuidade da relação de capital.
Para tanto, as circunstâncias inglesas viram dois momentos: primeiro, a
violência direta de um direito predatório, encarnada no que chamou Marx de “legislação
sanguinária” (MARX, 2013, p. 805) e de “leis grotescas e terroristas” (MARX, 2013, p.
808), no processo de constituição do capitalismo, a acumulação primitiva; segundo, a
instituição do direito do trabalho ou direito social, decorrente da luta de classes à época,
cujo efeito principal é a redução da jornada normal de trabalho por meio do direito,
sendo assim um freio racional à avidez do capital pela acumulação, cuja rapacidade
desmedida exauria a classe trabalhadora.
Assim, com as contraditórias alianças com médicos, juízes e fiscais de fábrica,
inclusive figurando em litígios para a aplicação judicial e compulsória de multas a
desvios, temos este impulso, que eventualmente se transformará numa jornada normal
de trabalho: “Os inspetores de fábrica apelaram aos tribunais” (MARX, 2013, p. 360);
“(…) os inspetores de fábrica ingleses, ao contrário, declararam que o ministro não
dispunha de poder ditatorial para suspender as leis e deram continuidade aos processos
judiciais contra os rebeldes pro-slavery [pró-escravidão]” (MARX, 2013, p. 360). A
citação seguinte, contudo, é absolutamente vital:
Assim que a revolta crescente da classe operária obrigou o Estado a reduzir à
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6 Tradução livre: “Foi antes de tudo a legislação forçosa aprovada desde o Estatuto de Eduardo III que
estabeleceu o dia útil (buscando ao mesmo tempo rebaixar os salários), mas precisamente no caminho
oposto à legislação fabril de hoje em dia. A legislação anterior corresponde ao período de formação
da produção capitalista, cujas condições apenas amadureceram gradualmente; a legislação posterior
corresponde ao domínio do modo de produção capitalista, que eliminou todos os obstáculos que se
mantêm em seu caminho e criou as circunstâncias em que as ‘leis naturais’ poderiam funcionar
livremente. A legislação anterior era uma forma de determinar o dia útil para forçar os trabalhadores
a realizarem todos os dias uma certa quantidade de trabalho, através de uma forma de compulsão que
ficava fora da compulsão das leis da economia; estas são as leis contra a alegada ‘indolência e
acomodação’ das classes trabalhadoras. A legislação posterior, em contraste, consiste em leis contra o
excesso de trabalho, intervenções no ‘funcionamento natural’ das leis da economia. O contraste entre
esses dois tipos de leis mostra a maneira pela qual a produção capitalista reforça o trabalho — as leis
anteriores obrigam os trabalhadores a trabalhar, estes aplicam os limites do dia útil.”
7 Tradução livre: “Em séculos anteriores também, no período que precede a produção capitalista,
igualmente encontramos regulação forçada, isto é, regulação por leis, por parte dos governos. Mas o
objetivo era forçar os trabalhadores a trabalhar por um determinado período de tempo, enquanto os
regulamentos atuais têm o objetivo oposto, para forçar o capitalista a fazê-los funcionar por um
período de tempo definido. Em face do capital desenvolvido, é apenas uma compulsão do governo
que pode limitar o tempo de trabalho. No estágio em que o capital só está entrando em seu
desenvolvimento, a compulsão do governo entra em direção a transformar forçosamente o
trabalhador em um trabalhador assalariado.”
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séquitos, o confisco dos bens das igrejas, a supressão das guildas e o confisco
de suas propriedades, a expulsão violenta da população do campo por meio
da transformação da terra agrícola em pastagens, o cercamento das áreas
comuns etc., tinham posto os trabalhadores como simples capacidade de
trabalho. Mas eles preferiram, é claro, a vagabundagem, a mendicância etc.,
ao trabalho assalariado, e primeiro tiveram de ser violentamente habituados a
ele. Algo parecido se repete com a introdução da grande indústria, das
fábricas funcionando com máquinas (MARX, 2011, p. 645).
Este processo, em suma, guarda uma série de “abusos desmedidos”, e cria as
condições para o momento seguinte, de limitação legal:
Até aqui, nosso tratamento do impulso de prolongamento da jornada de
trabalho, da voracidade de lobisomem por mais-trabalho, limitou-se a uma
área em que abusos desmedidos — que, no dizer de um economista burguês
da Inglaterra, não ficam aquém das crueldades dos espanhóis contra os peles-
vermelhas da América — fizeram com que o capital fosse submetido aos
grilhões da regulação legal (MARX, 2013, p. 317).
Como se vê, “[a]propriar-se de trabalho 24 horas por dia é, assim, o impulso
imanente da produção capitalista” (MARX, 2013, p. 329).
Demonstramos, com isso, como as determinações do direito não estacionam, e,
a depender das circunstâncias concretas, revestem caracteres muito distintos. A
legislação terrorista, inclusive, teve de dar respostas ao pauperismo, à “questão social”.
ara nossos propósitos, basta provar que a materialidade põe a questão do pauperismo em
relevância, de modo que é facultado ao direito tutelá-la:
A pobreza enquanto tal começa com a liberdade dos agricultores — o
agrilhoamento feudal ao solo ou ao menos à localidade havia até então
poupado à legislatura o trabalho de ocupar-se com os vagabundos, pobres etc.
Eden acredita que as diferentes guildas comerciais etc. teriam alimentado
também seus próprios pobres (MARX, 2011, p. 615).
Tal reação ao pauperismo varia enormemente, desde uma legislação
assistencial, na figura da Lei dos Pobres e suas emendas, ao arrocho do direito penal e
da política criminal, isto é, retroceder aquém das medidas do direito social.
Para ser bem-sucedido, o capítulo deve fazer ver de que formas a materialidade
ao mesmo tempo assenta as condições objetivas da existência do direito e impõe um
espectro mais ou menos amplo de limites dentro do qual este se pode movimentar, ainda
que de forma desigual, a depender das circunstâncias concretas. O processo de ruína do
modo de produção feudal, assim, compele certo movimento do direito para a revogação
de todas as ordenações que solidificavam a feudalidade. Igualmente, a constituição
deste novo modo de produção carecia da importante mediação do direito, de modo que
houve uma legislação sanguinária para a compulsão ao trabalho. Por fim, a modificação
da materialidade e a maturidade do modo de produção moderno requerem, ao mesmo
tempo, a criação de um direito para a proteção da força de trabalho e mesmo para a
assistência aos excluídos desta força de trabalho, ou seja, leis de assistência ao exército
industrial de reserva. Todos estes momentos, ressalte-se, convivem numa reciprocidade
complexa, mais ou menos tensa. Portanto, o movimento inglês corre numa velocidade
desigual, dada sua organização jurídica casuística, ao passo que na França pode se
operar num só lance.
Que Marx não estacione numa determinação conceitual arqueada
subjetivamente provam seus enunciados sobre a jornada normal de trabalho. A atuação
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Não poderia ser mais claro o fato de que o direito está concretamente ligado às
circunstâncias de cada país, como a concorrência mundial, o estágio da luta de classes, a
organização jurídica, se casuística e de common law ou de inspiração romano-germânica
(civil law) etc. Não obstante, posto que a materialidade, no processo de objetivação do
capitalismo, impunha circunstâncias mais ou menos similares, o desenvolvimento da
legislação fabril no continente europeu pôde seguir o caminho inglês:
The governments on the Continent (France, Prussia, Austria, etc.) were com-
pelled, in proportion with the development there of capitalist production,
hence of the factory system, to follow the English example by limiting the
working day d’une manière ou d’une autre. They have for the most part, with
certain modifications, copied, and inevitably so, the English factory
legislation9 21 (MARX; ENGELS, 1988, p. 220).
Como as atuações do Estado e do direito são complexas, é possível extrair
determinações contraditórias do movimento concreto. Ao mesmo tempo em que o
direito pode ser uma reação de proteção dos trabalhadores, ainda que “sempre hostil a
ele[s]”, pode também ser um freio racional contra os excessos da grande indústria:
As investigações profundamente conscienciosas da Child. Empl. Comm.
[Children’s Employment Commission] demonstram, de fato, que em algumas
indústrias a regulamentação da jornada de trabalho não fez mais do que
distribuir uniformemente, ao longo de todo o ano, a massa de trabalho já
empregada; que tal regulação foi o primeiro freio racional aplicado aos
volúveis caprichos da moda, homicidas, carentes de sentido e por sua própria
natureza incompatíveis com o sistema da grande indústria (...). Entretanto, o
capital, como ele mesmo reiteradamente declara pela boca de seus
representantes, só consente em tal revolucionamento “sob a pressão de uma
lei geral do Parlamento” que regule coercitivamente a jornada de trabalho
(MARX, 2013, pp. 550–551).
O aspecto do direito como freio racional, segundo nos parece, não recebe a
devida atenção na literatura marxista. Ao mesmo tempo em que demonstra claramente
os efeitos que o direito tem sobre a materialidade, não deixa de ser um momento da
produção social de uma classe trabalhadora adequada à acumulação capitalista e da
eliminação de excessos da grande indústria. Ao mesmo tempo, é evidente que isto não
exclui outra determinação marxiana, segundo a qual:
A legislação fabril, essa primeira reação consciente e planejada da sociedade
à configuração natural-espontânea de seu processo de produção, é, como
vimos, um produto tão necessário da grande indústria quanto o algodão, as
self-actors e o telégrafo elétrico (MARX, 2013, p. 551).
O direito desempenha os papéis concretamente, simultânea e
contraditoriamente, de um freio racional ao impulso do capital e de elemento essencial à
reprodução deste mesmo capital.
Por outro lado, tutelar legalmente uma jornada normal de trabalho generaliza as
condições de extração de mais-valor relativo e normaliza a concorrência. Quanto a isto,
como afirma Marx, “a igual exploração da força de trabalho é o primeiro direito
9 Tradução livre: “Os governos do continente (França, Prússia, Áustria etc.) foram compelidos,
proporcionalmente ao desenvolvimento da produção capitalista, e, portanto, do sistema fabril, a
seguir o exemplo inglês, limitando o dia de trabalho d’une manière ou d’une autre [de um jeito ou de
outro]. Eles, em sua maior parte, com certas modificações, inevitavelmente copiaram a legislação da
fábrica inglesa.”
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10 Tradução livre: “[O]s Factory Reports ingleses unanimemente demonstram duas coisas: 1) que desde
a introdução da Lei das 10 Horas (mais tarde modificada para 10h 1⁄ 2) os pequenos e gradativos
melhoramentos na maquinaria se deram numa escala maior e mais contínua do que em qualquer
período anterior, e 2) que a velocidade e o número do maquinário que o trabalhador individual tem de
supervisionar aumentou deveras a intensidade do trabalho, as demandas sobre os nervos e músculos
do trabalhador. Ademais, os mesmos Reports não deixam dúvidas sobre os seguintes dois fatos: 1)
que sem a legislação trabalhista, a limitação da jornada de trabalho absoluta, a grande revolução no
funcionamento da indústria não haveria ocorrido, posto que implementada pelo limite externo fixado
pela legislação à exploração do trabalhador; 2) que o experimento não seria possível, isto é, não seria
possível tão bruscamente com um resultado tão favorável, sem o alto nível de desenvolvimento
tecnológico já alcançado e os meios de assistência dados pelo nível da produção capitalista adquiridos
em geral.”
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11 Tradução livre: “Deve-se sempre observar que, logo que um fenômeno econômico concreto esteja em
questão, as leis econômicas gerais nunca podem ser aplicadas de forma simples e direta.”
12 Tradução livre: “Esta é a razão pela qual, com a introdução da Lei das dez horas, não houve apenas
um crescimento na produtividade dos ramos da indústria inglesa em que foi introduzida, mas também
um aumento, em vez de uma queda, na quantidade de valor que produziram, e mesmo em salários.”
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6
/5 or more hours of labour13 (MARX; ENGELS, 1988, pp. 337–338).
Os efeitos materiais da lei das dez horas (e meia) aparecem elencados ainda a
seguir:
Todos conhecem a Lei das dez horas, ou antes, a Lei das dez horas e meia,
em vigor desde 1848. Foi uma das maiores mudanças econômicas que
testemunhamos. Foi uma alta súbita e compulsiva de salários, não apenas a
alguns negócios locais, mas aos principais ramos da indústria, pelos quais a
Inglaterra domina os mercados do mundo (...). Bem, qual foi o resultado
[desta lei]? Um aumento dos salários em dinheiro dos operários das
indústrias, apesar da diminuição da jornada de trabalho, um grande aumento
no número de operários ocupados nas indústrias, uma queda constante nos
preços dos seus produtos, um maravilhoso desenvolvimento nas forças
produtivas do seu trabalho, uma extraordinária expansão progressiva dos
mercados para suas mercadorias (MARX, 2010b, pp. 81–82).
Consideradas as citações imediatamente acima, é preciso concluir que os
efeitos materiais da legislação fabril, a qual instituiu a jornada normal de trabalho de
dez horas (e meia), necessitaram da produção material mais desenvolvida da Inglaterra,
de modo que o trabalho social inglês seja mais complexo que seu correspondente
continental. Deve-se igualmente concluir que a busca generalizada pelo mais-valor
relativo era uma possibilidade historicamente aberta pelo desenvolvimento anterior,
que, por sua vez, leva o modo de produção capitalista a um novo patamar de
acumulação, dado o rápido avanço das forças produtivas. Esta possibilidade histórica,
porém, não necessariamente se encontra aberta em outras vias de objetivação do
capitalismo, e portanto legislações similares em conteúdo podem ter efeitos materiais
significativamente distintos.
É curioso notar que esta legislação que regula a jornada normal de trabalho e
aumenta os salários é um momento posterior àquelas que os rebaixam forçosamente:
(...) a partir de Henrique VII (quando começa simultaneamente a limpeza da
terra das bocas supérfluas mediante a transformação da lavoura em
pastagens, o que perdura por mais de 150 anos, pelo menos as reclamações e
a interferência legislativa; portanto, crescia o número das mãos colocadas à
disposição da indústria), o salário na indústria não era mais fixado, mas só na
agricultura (...). Com o trabalho livre, ainda não está plenamente posto o
trabalho assalariado. Os trabalhadores ainda encontram apoio nas relações
feudais; sua oferta ainda é muito pequena; por isso, o capital ainda é incapaz
de, como capital, reduzir o salário ao mínimo. Daí as determinações
estatutárias do salário. Enquanto o salário ainda é regulado por meio de
estatutos, não se pode dizer nem que o capital como capital subsumiu a
13 Tradução livre: “Os Factory Reports mostram que, nos ramos da indústria que foram cobertos (até
abril de 1860) pela lei fabril e em que, portanto, a semana de trabalho foi reduzida por lei a 60 horas,
os salários não caíram (comparando 1859 com 1839), mas antes aumentaram, enquanto eles caíram
positivamente durante este período em fábricas onde “o trabalho de crianças, jovens e mulheres”
ainda era “sem restrições” (...). O fenômeno de que a Lei das dez horas não tenha reduzido os lucros
dos fabricantes ingleses, apesar do encurtamento do dia útil, é explicado por dois motivos: 1) A hora
de trabalho inglesa está acima da continental, relacionando-se a ela como trabalho mais complexo em
relação a trabalho simples. (Daí a relação do fabricante inglês com o estrangeiro é a mesma que a
relação de um fabricante que introduziu novo maquinário com seu competidor) (...). 2) O que se
perde através da redução do tempo de trabalho absoluto é obtido na condensação do tempo de
trabalho, de modo que, de fato, 1 hora de trabalho é agora igual a 6 ⁄ 5 ou mais horas de trabalho.”
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CONCLUSÃO
Em suma, é preciso expor abrangentemente o que Marx aduz em seus textos
econômicos tardios acerca do direito. Como se deve concluir da argumentação acima, o
direito está em reciprocidade com a esfera material, a economia, e seus limites objetivos
são expandidos ou limitados pela materialidade. A produção material constitui o ponto
de arranque e momento preponderante, a determinação material, ainda que isto não deva
jamais ser tomado mecanicamente, a ponto de anular o efeito de “retorno” do direito.
Assim, ainda que não haja um conceito de direito em Marx, o direito mesmo seria
impossível não houvesse pressupostos materiais. Há determinações materiais sem as
quais não haveria um desenvolvimento superior, como o direito.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHASIN, José. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo:
Boitempo, 2009.
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Resumo: Em suas análises sobre a república social francesa, Marx descobriu seu caráter
contraditório na medida em que esta consistiu na relação entre um domínio irrestrito da
classe burguesa alçada ao parlamento e a forma política republicana do regime.
Analisaremos, a partir dos textos do pensador sobre o referido período, as
consequências disso para o ordenamento jurídico francês da época, notadamente, o
estado de sítio de Paris, as repressões de 1848 e 1849, a Constituição da república, e a
supressão do sufrágio universal.
Palavras-chave: ditadura burguesa; república francesa; ordenamento jurídico.
Abstract: In his analysis of the french social republic, Marx discovered its
contradictory character in its relation between irrestrict domination by the bourgeoisie
in the parliament and the regime’s republican political form. We shall analyse, through
studies of Marx’s texts about the refered period, the consequences of this relation to the
french legal ordinance at the time, notably, the state of emergency in Paris, the 1848 and
1849 repressions, the Constitution of the republic, and the supression of universal
suffrage.
Keywords: bourgeois dictatorship; french republic; legal ordinance.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por intuito explorar como se colocou a questão do
direito nas análises históricas de Marx sobre a república francesa de 1848, mais
especificamente, como este se inseriu na relação contraditória entre domínio burguês
irrestrito e a forma republicana com que o regime político francês da época se
apresentou. Veremos as consequências disso para o ordenamento jurídico francês, entre
as quais, adianta-se, encontram-se as repressões de 1848 e 1849, o estado de sítio de
Paris, e a supressão do sufrágio universal em 1850. Não entraremos, contudo, no golpe
de Luís Bonaparte de 1851. A ênfase será o direito francês diante da ditadura burguesa
1
O tema deste artigo foi extraído de pesquisa de monografia apresentada como trabalho de conclusão de
curso intitulada “A relação entre Estado e sociedade civil-burguesa na França republicana: Constituição,
estado de sítio e ditadura de classe na obra de Karl Marx” (MACIEL, 2017).
2
Estudante de graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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própria ação do homem torna-se um poder que lhe é estranho e que a ele é
contraposto, um poder que subjuga o homem em vez de por este ser
dominado (MARX; ENGELS, 2007, p. 37).
A divisão do trabalho, então, tem por consequência a separação entre interesse
individual e interesse coletivo, com o que a ação do homem aparece como um poder
externo a ele e independente dele. A passagem deixa claro que isso não se coloca como
mero estado de consciência, mas objetivamente, ou seja, na medida em que há divisão
do trabalho, a existência humana é cindida em interesse do indivíduo e interesse
coletivo, o que impõe a subjugação do homem por sua própria atividade enquanto algo
estranho a ele. É a partir daí que se compreende o Estado:
(...) é precisamente dessa contradição do interesse particular com o interesse
coletivo que o interesse coletivo assume, como Estado, uma forma autônoma,
separada dos reais interesses singulares e gerais e, ao mesmo tempo, como
comunidade ilusória, mas sempre fundada sobre a base real [realen] dos laços
existentes (Ibid).
A passagem não só revela a raiz do Estado no trabalho estranhado, como o faz
nos mesmos termos de Sobre a questão judaica: o Estado se funda sobre a cisão entre
interesses particular e coletivo, e assume a forma do segundo desconectado do primeiro
enquanto “comunidade ilusória”. Explicitou-se, pois, a origem do Estado na divisão do
trabalho e no estranhamento, e seu caráter capitalista. Isso é necessário já que, no que
tocam os textos marxianos acerca da república francesa, trataremos das classes sociais
da sociedade capitalista (MACIEL, 2017, pp. 31-32) e retomaremos o tema do Estado
enquanto dissociado da vida real dos homens. Antes disso, contudo, passaremos por
como as reflexões de Marx sobre a política se desenvolvem antes da década de 1850 em
virtude do movimento do próprio objeto.
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é parcial (MUSETTI, 2014, P. 157), pois somente é progresso na medida em que abole
as relações sociais anteriores (SARTORI, 2012, p. 33). Dessa forma, uma vez
consolidado, o capitalismo perde seu caráter progressista, e a classe capitalista,
dominante, se torna força conservadora comprometida com a manutenção dessa ordem
(MACIEL, 2017, p. 36). De acordo com Marx, isso tem início principalmente em 1848
com a repressão às jornadas de junho (MACIEL, 2017, p. 36; SARTORI, 2012, p. 33),
movimento de contestação do capital que será descrito adiante. O papel do Estado, com
isso, também se transforma:
Ele [o Estado] fora sempre o poder para a manutenção da (...) ordem
existente da sociedade e, portanto, da subordinação e exploração da classe
produtora pela classe apropriadora. Mas assim que essa ordem foi aceita
como uma necessidade incontroversa e incontestada, o poder estatal pôde
assumir um aspecto de imparcialidade (...). Com a entrada da própria
sociedade em nova fase, a fase da luta de classes, o caráter de sua força
pública organizada – o poder estatal – teve de mudar (...) e cada vez mais
desenvolver seu caráter de instrumento de despotismo de classe, de
engrenagem política voltada a perpetuar a escravização social dos produtores
da riqueza por seus apropriadores, do domínio econômico do capital sobre o
trabalho (MARX, 2011a, p. 170).
O “aspecto de imparcialidade” assumido pelo Estado e descrito por Marx em
Sobre a questão judaica se perde, e seu caráter de classe se revela, por mais que o
capital dede sempre tenha sido a base da nova sociedade (MACIEL, 2017, p. 36). Nesse
sentido, dirão Marx e Engels, no Manifesto Comunista (2017), que o “Estado moderno
não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”
(MARX; ENGELS, 2017, p. 24). Isso não anula o que o pensador disse em seu texto de
1843, mas torna este insuficiente (MACIEL, 2017, p. 36). A cisão entre Estado e
sociedade civil-burguesa permanece na medida em que um comitê é uma esfera
representativa (SARTORI, 2012, p. 33). A indissociabilidade entre os dois, contudo, é
agora muito mais evidente, já que o Estado se subordina diretamente aos interesses da
classe burguesa (MACIEL, 2017, p. 37; SARTORI, 2012, p. 33).
Expostos os traços gerais do esgotamento do caráter progressista da classe
burguesa e sua conversão em classe conservadora e as consequências disso para o
tratamento do Estado, passemos às análises marxianas da república social francesa, para
que possamos ver como isso se deu concretamente no referido país, e quais as
implicações disso para o direito.
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da França não está na Carta da qual temos referido, mas nas leis orgânicas
emanadas sob esta base (MARX, 2012a, pp. 38-39).
A Constituição, dessa forma, na medida em que se insere numa sociedade
caracterizada pela contradição entre domínio burguês irrestrito e forma política
republicana, nada pode além de sancionar essa contradição (MACIEL, 2017, p. 55). Ela
deve reconhecer uma dominação que “conseguia se manter na realidade apenas
mediante a invalidação de todas as fórmulas [republicanas], mediante a violência sans
phrase [sem retoques]” (MARX, 2012b, p. 75). Ela é uma cria republicana que
possibilita a supressão dos princípios republicanos (MACIEL, 2017, p. 55).
O texto constitucional, pois, admite a própria revogação por meio de legislação
infraconstitucional, o que faz com que, na prática, as liberdades constitucionais não
saiam do papel, de forma que as leis que as regulamentam se convertem na “verdadeira
‘Constituição’”. Em outras palavras, as leis que visam regulamentar a Constituição se
inserem na contradição acima referida, e tem por função viabilizar a anulação das
fórmulas republicanas, de forma que são essas mesmas leis que, ao sancionar a ditadura
burguesa, constituem a verdade da Constituição, a qual teve a sua “existência ordinária”
suprimida.
A segurança pública é definida por Marx em Sobre a questão judaica como:
(...) conceito social supremo da sociedade burguesa, o conceito da polícia, no
sentido de que o conjunto da sociedade só existe para garantir a cada um de
seus membros a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua
propriedade (MARX, 2010, p. 50).
É evidente seu caráter de defesa dos interesses da burguesia, e seu
aparecimento enquanto hipótese de limitação das liberdades constitucionais na república
francesa vem mostrar seu compromisso com o despotismo burguês (MACIEL, 2017, p.
56). De acordo com Musetti:
Marx reitera a oposição entre o caráter abstrato das liberdades do cidadão e o
seu suporte material na figura do indivíduo proprietário, recordando que a
subordinação das liberdades à manutenção da segurança pública representa a
adequação do gozo dos direitos, supostamente incondicionais, aos parâmetros
da sociedade [civil-] burguesa (...). O regime legal estabelecido pela
Constituição alicerça-se na materialidade do poder burguês exercido através
da propriedade, que impõe seus limites em nome da proteção da segurança
pública (MUSETTI, 2014, pp. 200-201).
Marx reitera:
Assim, a Constituição constantemente remete a leis orgânicas futuras que
devem detalhar aquelas notas marginais e regular o gozo dessas liberdades
irrestritas de tal maneira que não entrem em choque umas com as outras nem
com a segurança pública. Mais tarde, essas leis orgânicas foram
implementadas pelos amigos da ordem e todas aquelas liberdades foram
regulamentadas de tal modo que a burguesia, ao gozar delas, não ficasse
chocada ao ver as demais classes gozarem dos mesmos direitos. Quando ela
proibiu “aos outros” essas liberdades ou lhes permitiu gozá-las sob condições
que implicavam outras tantas armadilhas policiais, isso ocorreu apenas no
interesse da “segurança pública”, isto é, da segurança da burguesia, como
prescreve a Constituição (MARX, 2011b, p. 42).
O compromisso de classe do texto constitucional é evidente: as liberdades
burguesas são garantidas, enquanto as das demais classes, por sua vez, podem ser
revogadas por leis orgânicas (MACIEL, 2017, p. 56). Musetti resume: “Ao garantir os
direitos do cidadão em termos universais e restringir sua efetivação prática a um
pequeno grupo de proprietários, a república burguesa negava a si própria, garantia
formalmente a liberdade e suprimia sua realização” (MUSETTI, 2014, p. 202). É dessa
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forma, pois, que a Constituição sanciona a contradição entre domínio burguês irrestrito
e forma política republicana.
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5. CONCLUSÃO
As análises de Marx sobre o Estado político nos revelaram que este consiste na
cisão entre a vida real dos homens e sua vida numa comunidade ilusória, ao mesmo
tempo em que essa vida real, cuja essência é a sociedade civil-burguesa, subordina o
Estado, mero meio para realização de seus fins. A emancipação política opõe Estado e
sociedade civil-burguesa e os declara indissociáveis nessa relação de subordinação. Seu
fundamento se encontra na sociedade capitalista na medida em que nesta se coloca um
estranhamento que isola o homem das forças sociais, que aparecem como se fossem
independentes dele e a ele opostas.
Marx não para por aí, e analisa as transformações por que passa o Estado na
medida em que a sociedade capitalista, que lhe dá base, se consolida, no que a classe
burguesa, dominante, se torna força preocupada com a manutenção dessa nova ordem, e
a partir do que o Estado se encontra diretamente subordinado a seus interesses.
No que toca a república francesa proclamada em 1848, a consequência disso é
um regime político que nasce da repressão à tentativa de subversão da ordem do capital
na Insurreição de junho. Seu berço foi contrarrevolucionário, e o que se seguiu foi um
regime que só podia ser o domínio irrestrito da classe burguesa alçada ao poder político.
Ao mesmo tempo, contudo, no âmbito político, mantinha-se uma república, garantidora
de liberdades, e, por isso, incompatível com esse domínio, motivo pelo qual o traço
distintivo do regime francês foi a relação contraditória entre despotismo burguês e
forma política republicana.
O ordenamento jurídico francês se inseriu nessa sociedade, e suas formas
concretas devem ser explicadas a partir dela. Primeiramente, decretou-se o estado de
sítio para garantia da ordem no momento de redação da Constituição: o direito
republicano só pode nascer com a anulação das próprias fórmulas republicanas. Em
seguida, vem à luz um texto constitucional que, ao mesmo tempo, prevê liberdades e a
possibilidade de revogação dessas mesmas liberdades quando gozadas pelas classes
dominadas e representarem, aos olhos da burguesia, ameaça a seu domínio. Sob o
Partido da Ordem, houve a aberta violação à Constituição quando se reprimiu a
manifestação pacífica da Nova Montanha, partido de oposição, que se colocou
justamente em defesa do texto constitucional. A burguesia que comanda o Estado se
mostrou disposta a desrespeitar o ordenamento jurídico e reprimir atos em sua defesa,
tidos por ameaça a seu despotismo, mesmo que compatíveis com a ordem do capital.
Por fim, revogou-se o sufrágio universal, uma vez que este possibilitava que as classes
dominadas elegessem representantes para o parlamento, a partir do que poderiam entrar
em embate direto com a burguesia e colocar seu domínio em cheque. A
incompatibilidade entre despotismo burguês e regime político republicano teve por
consequência a prevalência do primeiro e a violação aberta da Constituição francesa.
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REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS
CHASIN, José. Marx – A determinação ontonegativa da politicidade.
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abr. 2013.
MACIEL, Lucas de Oliveira. A relação entre Estado e sociedade civil-
burguesa na França republicana: Constituição, estado de sítio e ditadura de classe
na obra de Karl Marx. 2017. 87 fls. Monografia apresentada como trabalho de
conclusão de curso de graduação em Direito – Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 2017.
MARX, Karl. A Constituição da república francesa aprovada em 4 de
novembro de 1848. In: Novos Rumos, Marília, v. 49, n. 2, pp. 31-40, Jul.-Dez., 2012a.
______. A guerra civil na França/Karl Marx; seleção de textos, tradução e
notas Rubens Enderle; [apresentação de Antonio Rago Filho]. – São Paulo:
Boitempo, 2011a.
______. As lutas de classes na França / Karl Marx ; tradução Nélio Schneider.
- 1.ed. - São Paulo : Boitempo, 2012b.
______. Crítica do Programa de Gotha / Karl Marx; seleção, tradução e notas
Rubens Enderle. - São Paulo: Boitempo, 2012c.
______. Manuscritos econômico-filosóficos. – 1. ed. São Paulo: Boitempo,
2004.
______. O 18 de brumário de Luís Bonaparte/Karl Marx; [tradução e notas
Nélio Schneider; prólogo Herbert Marcuse]. – São Paulo: Boitempo, 2011b.
______. Sobre a questão judaica / Karl Marx; apresentação [e posfácio]
Daniel Bensaïd; tradução Nélio Schneider, [tradução de Daniel Bensaïd, Wanda
Caldeira Brant]. – São Paulo: Boitempo, 2010.
______; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente
filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do
socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846) / Karl Marx, Friedrich
Engels; supervisão editorial, Leandro Konder; tradução, Rubens Enderle, Nélio
Schneider, Luciano Cavini Martorano. – São Paulo: Boitempo, 2007.
______. Manifesto comunista. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich; LÊNIN;
Vladímir Ilitch. Manifesto Comunista; Teses de abril / Karl Marx e Friedrich Engels;
Vladímir Ilitch Lênin; Com textos introdutórios de Tariq Ali. – 1 ed., pp. 21-51, São
Paulo, Boitempo, 2017.
MUSETTI, Felipe Ramos. Da república social à ditadura bonapartista: a
crítica da política em O 18 de brumário de Luís Bonaparte. 2014. 290 f. Dissertação
(Mestrado em Filosofia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2014.
SARTORI, Vitor Bartolleti. Apontamentos sobre estado, sociedade civil-
burguesa e revolução em Marx. Verinotio – revista on-line de filosofia e ciências
humanas, n. 14, ano VIII, pp. 28-39, out. 2012.
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Resumo
Este artigo problematiza a construção dos direitos sociais no Brasil a partir da crítica
marxiana ao direito, para conhecer verdadeiramente o papel realizado por eles no início
do capitalismo industrial no nosso país. Para tanto, utilizou-se de pesquisa documental
mediante revisão de literatura de autores da historiografia, de formuladores dos direitos
sociais e da crítica marxiana ao direito. Após especial ênfase à obra Direito Social
Brasileiro de Cesarino Júnior, foi demonstrada a instrumentalidade ideológica dos
direitos sociais pátrios. Ao final, constatou-se que eles são incapazes de resolver as
mazelas sociais e a necessidade da busca de outros caminhos para a superação da ordem
do capital.
Palavras-chave: Direitos Sociais; Marxismo; Direito Social Brasileiro de Cesarino
Júnior.
Abstract
This article problematizes the construction of social rights in Brazil from the Marxian
critique of law, to truly know the role played by them at the beginning of industrial
capitalism in our country. For that, it was used documentary research by reviewing the
literature of authors of historiography, formulators of social rights and Marxian
criticism of law. After special emphasis on Cesarino Junior’s the Brazilian Social Law,
it was demonstrated the ideological instrumentality of the social rights of the country. In
the end, it was found that they are incapable of solving social ills and the need to search
for other ways to overcome the order of capital.
Keywords: Social rights; Marxism; Brazilian Social Law of Cesarino Júnior.
Introdução
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históricas nas quais foram criados tais direitos. Procurando revelar a função do direito
na formação dos mesmos, seus criadores e a quem realmente serviram.
Em especial, trabalhar-se-á com a problematização da construção sistêmica
realizada por um dos grandes autores dos direitos sociais e trabalhistas à época, qual
seja Antônio Ferreira Cesarino Júnior, em sua obra Direito Social Brasileiro.
Para cumprir esse objetivo, será exposta a relação entre o direito e a economia
diante da particularidade da formação do capitalismo brasileiro com o intuito de
esclarecer como o direito atua nesse período da história nacional.
Adota-se a perspectiva crítica marxiana do direito, por meio de uma revisão de
literatura de nomes como Marx, Lukács e Chasin.
Ao final, são apresentadas considerações críticas acerca dos problemas
encontrados na construção dos direitos sociais no Brasil e mais especificamente na obra
de Cesarino Júnior, Direito Social Brasileiro.
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Nesse sentido, para o autor húngaro, o direito só existe com essa incongruência
(traço ontológico do direito), ele é heterogêneo à economia, tornando-se uma prática
social própria. Ele não nasce como direito, mas torna-se heterogêneo, tendo suas
particularidades e se configura o direito como conhecemos. Cria-se portanto, uma lógica
própria, mas o direito não é autônomo.
Importante frisar que a relação de heterogeneidade entre direito e economia
não são dois momentos distintos, e sim um processo único, segundo o qual se tem o
surgimento e posteriormente a heterogeneidade. As relações materiais econômicas são a
base do direito e a relação econômica tem a preponderância sobre os demais complexos.
Ao buscar a reflexão da gênese do direito, pode-se enxergar melhor o grande
papel realizado pelo direito no capitalismo, o de regulação. Na Crítica ao Programa de
Gotha, Marx já demonstrava a instrumentalidade do direito perante as relações
econômicas, ao dizer “O direito nunca pode ultrapassar a forma econômica e o
desenvolvimento cultural, por ela condicionado, da sociedade”. (MARX, 2012, pags.
32/33).
Outro ponto importante em relação à crítica ao direito e sua descaracterização
referente à base econômica, é a aferição de que o direito atua como ideologia em meio
aos conflitos sociais, ao acomodar as contradições existentes no seio do capitalismo. A
ideologia, de acordo com Ester Vaisman, tem a dimensão de eficácia, na qual ela
engendra movimentos da realidade e a dimensão da duração, no sentido de
profundidade, conseguindo atingir a eficácia em maior medida (VAISMAN, 2010).
Assim, no desenvolvimento dos próximos capítulos, demonstrar-se-á como foi a
participação ideológica do discurso jurídico nas relações sociais da formação do
capitalismo brasileiro.
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calcula, haveria mais carne e mais açúcar para exportar e mais divisas para
ganhar. É muito possível que essa atitude tenha sido, em princípio, a causa do
retardado desenvolvimento do mercado interno no Brasil e da ausência de
interesse, tão amiúde notada pelos observadores pela produção em massa e
pelos pequenos lucros marginais. (DEAN, 1971, p. 87)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CESARINO JÚNIOR, A.F. Direito social brasileiro. São Paulo: Freitas Bastos, 1957.
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social. vol. 2. São Paulo, 2013.
PUPO NOGUEIRA, O. A indústria em face das leis do trabalho. São Paulo: Escolas
Profissionais Salesianas, 1935.
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ABSTRACT: The present article aims correlate the criticism of political economy done
for Karl Marx in XIX century, in beginning of capitalism with the article “The crisis of
Democratic Capitalism” of Wolfgang Streeck with goals to get key concepts of marxism
as the production of surplus-value work, nowadays it exist in a new aspect of capitalism,
the tensions between capitalism and democracy, of State of law with economic system.
The normative expectations of society in law and democracy as counterbalance to the
economic system that has failed, because the market buys the political system, and the
law is a kind of updating, justifying the modus operandi of the economic system.
Streeck only updates Marx who in one hundred years after still works the law of
economic system, in a peculiar way, conciliating democracy and capitalism.
KEY-WORDS: Surplus value; Crisis; Democratic Capitalism; Law; Economy.
I - INTRODUÇÃO
1
Ver: BAUMAN, Zygmunt. A riqueza de poucos beneficia todos nós?. 1 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
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2
IANNI, Octávio. A sociedade global. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p. 53.
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Um evento novo que surgia no séc. XVIII em diante, era estranho aos
economistas, à origem das riquezas, de como era possível à riqueza gerar, ou produzir.
Diante disso, os liberais clássicos em suas análises concluíram que o fundamento de
riqueza de uma nação era pelo trabalho, ou seja, a constante do trabalho efetivado era
fundamento de sua riqueza, só se gera riqueza por trabalho, é um elemento objetivo que
circunda. Diferentemente dos Fisiocratas que entendia que a base, a riqueza de uma
nação se dava pelo desenvolvimento agrícola, pelo desenvolvimento que a terra
produzia, e assim se media a quantidade de potencial econômico com que uma
determinada sociedade tinha importância. Os liberais clássicos, a partir da terminologia
de que a riqueza das nações e sociedade se dava pela constante do trabalho efetivado,
em termos práticos, significava um modelo justo de competição, quem trabalhava mais,
como consequente, gerava mais riqueza, e o inverso era igualmente aplicado, quem
trabalha menos teria como consequência menor quantidade de riqueza. Isso dado, ainda
não resolvia o problema de que o modelo econômico liberal de justa competição e livre
mercado atravessavam sempre pela contradição de que enquanto uns trabalhavam para
tentar gerar riqueza, outros, sem muito esforço, manifestava riqueza absurdamente
maior. A desigualdade era justificada à época, pois o argumento que se assumia era de
que, se manifesta muita riqueza, consequentemente efetivou muito trabalho. É nesse
ponto que reside à crítica de Karl Marx, ele, a partir dos conceitos de valor como
trabalho, expande essa ideia a termos que os clássicos não passaram, pois é nesse ponto
que reside a diferença questionada entre poucos com muito e muitos com pouco.
Da transição do medievo para a modernidade três figuras são importantes para
a compreensão, sendo a separação do trabalhador com a terra, com os meios de
produção e recursos de subsistência. Antes, todos esses produtos ou coisas eram de
propriedade do trabalhador, agora na modernidade não, era impossível para um
camponês sustentar o ônus de competir com um industrial que desfrutava das melhores
ferramentas de trabalho e com o trabalho racionalizado mecânico, produzir em grande
escala em tempo recorde a época. Emerge nesse sentido a figura do trabalhador livre, ou
seja, aquele despossuído de relação com o senhor feudal. Em síntese, separação do
trabalhador e suas condições objetivas de trabalho, emerge o termo separação entre
trabalho e capital. Assim, as ferramentas de trabalho eram consideradas estranhas ao
trabalhador:
3
GOMES, David Francisco Lopes. A constituição de 1824 e o Problema da Modernidade. Tese de
doutorado - UFMG. Belo Horizonte, pág. 191. 2016.
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do trabalhador livre, sem as condições objetivas de trabalho, o que lhe resta apenas é a
sua capacidade de produzir o bem - que não será seu - ou seja, a sua força de trabalho.
A mercadoria para Marx perpassa por uma longa discussão sobre o que a
compõe. Vai dizer primeiro que “A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma
coisa que, por meio de suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de um tipo
qualquer”4. A mercadoria deve ser analisada sob o ponto de vista da qualidade - a
utilidade do bem - e a quantidade. Valor de uso, aquele que expressa à qualidade do
bem a sua utilidade e o Valor de Troca. Consequentemente, chega-se a outro conceito
que é o valor, como veremos. Como valor de troca é aquilo que é trocável, é o valor
embutido em cada produto que permeia a troca entre eles, por exemplo, certa
quantidade de trigo é trocada por y de seda ou z de soja, isso revela que na troca, é valor
quantitativo que se leva em consideração, ou seja, expressa valor em sentido numeral,
não objetivo e dado. A insuficiência do conceito de valor de troca é dada então, pois se
trocarmos certo produto com outro, mostra-se que há certa quantidade de grandeza
equivalente entre ambos, tanto um produto quanto o outro é permeável por outro
conceito que permite trocá-los equivalentemente:
Qualquer que seja sua relação de troca, ela é sempre representável por uma
equação em que uma dada quantidade de trigo é igualada a uma quantidade
de qualquer de ferro, por exemplo, 1 quarter de trigo= a quintais de ferro. O
que mostra essa equação? Que algo comum e de mesma grandeza existe em
duas coisas diferentes, em 1 quarter de trigo e em a quintais de ferro. Ambas
são, portanto, iguais a uma terceira, que, em si mesma, não é nem uma nem
outra. Cada uma delas, na medida em que é valor de troca, tem, portanto, de
ser redutível a essa terceira.5
4
MARX. O Capital, Livro I. 2013, pág. 113.
5
MARX, O Capital, Livro I. 2013, pág. 115.
6
MARX, O Capital, Livro I. 2013, pág. 116.
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riqueza das nações perpassa agora por uma troca injusta da mercadoria força de trabalho
à mercadoria vendida expressa em valor do produto que o próprio trabalhador realizou.
Se, a lei geral das trocas reside a equivalência, ou seja, determinado produto só
é trocado por outro produto se em ambos há minimamente uma equivalência justa. Um
produto só pode ser trocado por outro se há a mesma quantidade de valor em ambos.
Há, nessa perspectiva de que os objetos trocados por dinheiro residem a lei das trocas:
M-D-M, ou seja, Mercadoria que é trocada por Dinheiro, e que de novo troca-se por
Mercadoria, e assim se segue infinitamente. Nas trocas em geral o processo é recorrente,
uma mercadoria é trocada por dinheiro que troca-se outra mercadoria, assim
sucessivamente, porém se a lei geral de equivalência das trocas é mantida, não se
explica por agora a origem das riquezas, ou como se gera riqueza, há eventualmente
discordância com relação a preço, que é outra categoria, e que de modo algum se
confunde com valor das mercadorias. Se as trocas infinitas de M-D-M há equivalência
entre um e outro, não se pode retirar daí a origem da riqueza, mesmo se alterasse a
ordem para D-M-D.
Desse quadro, sem tem como conclusão que só se pode conceber riqueza, se
nesse processo de D-M-D haja um desvio, ou seja, que haja uma mercadoria que suporte
gerar mais dinheiro do que ela foi comprada. Nesse contexto da nossa argumentação os
pontos argumentados se unem. Se, no processo de transição do medievo para a
modernidade o que sobrou para os trabalhadores foi somente a sua força de trabalho, e
se, a mercadoria é objeto de troca na sociedade capitalista de produção para a obtenção
de dinheiro, consequentemente, o que o trabalhador faz com o seu único produto
disponível é vendê-lo em sentidos mercantis a quem detém os meios que dele foi
retirado na transição. Vendê-lo para conseguir dinheiro, e assim, comprar os produtos
por ele próprio produzido, num círculo vicioso. A conclusão lógica de Marx é: a força
de trabalho é também uma mercadoria. Se ela é mercadoria, ela segue a lógica descrita
anteriormente, a mercadoria carrega dois elementos, o valor de uso e valor. E não
somente, a mercadoria força de trabalho é a mercadoria que suporta ser comprada a
valor inferior do que o produto que ela produz. É comprada por menos e produz um
produto de valor maior. O que em primeiro momento justificaria agora a alteração no
quadro D-M-D em que suporta a riqueza, ficaria assim D-M-D+X.
Assim, como uma mercadoria qualquer, a força de trabalho é valorada pelo
tempo de trabalho médio gasto para produzi-la, o conceito de valor, descrito acima. E
qual seria então o tempo de trabalho médio para produzir uma mercadoria força de
trabalho? Para Marx, aí reside o essencial, o tempo médio de trabalho gasto na força de
trabalho são os recursos de subsistência, ou seja, aqueles que garantem a força de
trabalho, a pessoa a ser valorada como mercadoria, vide:
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(...) O que importa neste ponto é que sua conceituação emerge como a
questão fundamental que se põe “no umbral da sociedade moderna”. A
definição dos conceitos que revelam a lógica interna do modo de produção
capitalista – como modo de produção constante de mais-valor – só pode
assumir uma tal fundamentalidade para a porta de entrada em direção à
sociedade moderna se esta, como sociedade moderna, puder ser definida
como sociedade capitalista. A sociedade moderna não seria somente uma
sociedade que corresponde ao modo de produção capitalista, mas uma
sociedade cujos traços caracterizadores são determinados por esse modo de
produção.9
7
MARX. O Capital, Livro I. 2013, pág. 245.
8
MARX. O Capital, Livro I. 2017, pág. 590.
9
GOMES, David Francisco Lopes. A constituição de 1824 e o Problema da Modernidade. Tese de
doutorado - UFMG. Belo Horizonte, pág. 199. 2016.
10
MARX, 2008, pág. 106 apud GOMES, 2016, pág. 200.
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Na verdade, creio que não os trente glorieuses, mas as várias crises que se
seguiram representam a condição normal do capitalismo democrático — uma
condição pautada por um conflito endêmico entre mercados capitalistas e
políticas democráticas, que recrudesceu com o término do alto crescimento
econômico dos anos 1970.11
11
STREECK, 2012, pág. 36.
12
Ibidem, pág. 36.
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No final dos anos 1960 isso se traduziu em uma onda mundial de militância
trabalhista, impulsionada por um vigoroso senso de direito político a um
padrão de vida ascendente e livre do medo do desemprego.16
É por isso que a inflação pode ser descrita como um reflexo monetário do
conflito distributivo entre uma classe trabalhadora que demanda garantia de
13
Ibidem, pág. 37.
14
Ibidem, pág. 40.
15
Ibidem, pág. 40.
16
Ibidem, pág. 40.
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emprego, bem como uma maior participação na renda nacional, e uma classe
capitalista que busca maximizar o retorno sobre o seu capital.17
A partir disso, a política econômica adotada foi de cortes profundos nos gastos
públicos e nas políticas sociais, principalmente a partir de 1994 no governo Bill Clinton
nos EUA. Clinton adotou uma estratégia de “apaziguamento social” nas palavras de
Streeck, que constituiu em:
17
Ibidem, pág. 41.
18
Ibidem, pág. 41.
19
Ibidem, pág. 41- 42.
20
Ibidem, pág. 45.
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Em síntese, o endividamento que era do Estado, uma dívida pública, passa a ser
privada, por uma opção política, e teve como reflexo:
O cidadão comum irá pagar — pela consolidação das finanças públicas, pela
bancarrota de Estados estrangeiros, pelas crescentes taxas de juros da dívida
pública e, se necessário, por mais um resgate de bancos nacionais e
internacionais — com suas economias particulares, com cortes em benefícios
públicos, com redução de serviços públicos e com impostos mais altos.23
21
Ibidem, pág. 46.
22
Ibidem, pág.46.
23
Ibidem, pág. 51.
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passa de ilusões, os instrumentos hoje dos mercados para sua dominação ainda perpassa
pelo direito moderno, pelo Estado e pela democracia. Digo isso, pois Streeck mostra
todo o caminho percorrido e como os Estados assumem a agenda mercantil de fazer
chegar àqueles que não têm nada a ver, as contas das irregularidades do mercado.
IV - CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
24
MARX, O Capital, L. I p. 820.
25
MARX, A Guerra Civil na França, 2011, pág. 55.
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Boitempo, 2005.
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Resumo
No presente trabalho, propomos uma investigação preliminar acerca da obra de
Pachukanis sobre a burocratização no aparato de estado soviético. Inicialmente, faremos
uma breve discussão sobre as condições históricas que possibilitaram a expansão das
forças burocráticas dentro do estado soviético e, particularmente, sobre as tentativas
anteriores de explicar e enfrentar o processo de burocratização em curso. Então,
discutiremos o que é o oposto do direito para o jurista soviético, que é, para nós, a
criatividade das massas empregada em sua ação política. Finalmente, resumiremos os
seus trabalhos sobre a burocracia no estado soviético. Aqui, poderemos ver como a sua
crítica ao burocratismo é conectada à sua análise estrutural da forma jurídica, além de
sua noção do oposto ao direito.
Palavras-chave: Evgeny Bronislavovitch Pachukanis; Burocracia; Teoria Crítica do
Direito; História da URSS.
Abstract
In this paper, we propose a preliminary investigation on Pashukanis’ work about the
bureaucratization in the Soviet state apparatus. Firstly, we’ll make a brief discussion
about the historical conditions that made possible the expansion of the bureaucratic
powers inside the Soviet state and, particularly, about the previous attempts to face and
explain the process of bureaucratization. Then, we’ll discuss what is the opposite of law
in Pashukanis’ account. In this work, we understand that it is the political creativity of
the masses. Finally, we shall summarize Pashukanis’ works about the bureaucracy in
the Soviet state. There, we can see how his critique to the bureaucratism is connected to
his structural analysis of the juridical form and his notion of the opposite of law.
Keywords: Evgeny Bronislavovich Pashukanis; Bureaucracy; Critical Law Theory;
Soviet History.
Introdução
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pesquisa de caráter exploratório, voltada a uma perscrutação inicial acerca das obras
pachukanianas que versem sobre essa temática.
Por certo, nossas perguntas de pesquisa, além de sondarem o que Pachukanis
realmente compreendia do processo, dependem de outros elementos externos aos textos
assinados pelo autor em foco. Mais especificamente, pretendemos compreender o que
há de particular (se é que há algo assim) nas opiniões de Pachukanis sobre a burocracia.
Isso, por certo, conduz-nos à necessidade de tentar esquematizar muito brevemente o
contexto de burocratização na URSS e as tentativas anteriores de combate-la. Por
questões de espaço, demos primazia à obra de Lêni, dada a relevância do pensamento
dele para a construção de medidas efetivamente aplicadas em solo soviético contra o
fenômeno burocrático. Esse resgate consistirá na primeira seção de nosso trabalho.
Em um segundo momento de busca da particularidade da crítica pachukaniana à
burocracia, precisamos nos voltar à sua teoria da forma jurídica como um todo. Nela,
encontraremos os elementos metodológicos fundamentais para entender a burocracia
como uma forma histórica inserida na existência social, para além de mero conceito
abstrato conectado a algumas variáveis elaboradas de maneira solipsista. No caso,
parece-nos especialmente frutífero indicar que a burocracia é uma forma social ligada
ao processo de administração da vida que aparta as massas da vida pública. Essa
concepção vai de encontro ao que denominamos como o outro oposto do direito em
Pachukanis, que consiste justamente na criatividade política das massas populares.
Consequentemente, na segunda seção, indicaremos elementos que corroboram essa
nossa tese.
Por fim, entraremos nos texto em que o jurista soviético aborda diretamente o
problema político de enfrentamento ao processo de burocratização em curso. A partir
dos outros dois debates acima apontados, poderemos ter relances que indicam, para
além do significado inicial que pode ser depreendido de cada texto, o que há de inédito
e de peculiar na posição de Pachukanis acerca da explicação e do combate ao fenômeno
burocrático.
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“A atividade criadora viva das massas: esse é o fator fundamental da nova vida
pública. Deixem os trabalhadores criarem o controle operário em suas fábricas
[...]. O socialismo não é criado por decretos vindos de cima. Sua alma é
estranha ao automatismo oficial-burocrático; o socialismo vivo, criador, é
produto das próprias massas do povo” (LÊNIN, [1917B]).
1
Inclusive, já tivemos a oportunidade de defender que a priorização da atividade criativa das massas
consiste em um elemento central do pensamento político de Lênin. Para entrar em contato com essa
discussão, Cf. PAZELLO; PISTELLI FERREIRA, 2017.
2
“La rápida fusión del Estado y del Partido hace coexistir, y luego entrar en simbiosis, al aparato político
de origen plebeyo con la antigua burocracia zarista cuyos hábitos adopta rápidamente: el funcionamento
rutinario, el engreimiento y la corrupción” (MARIE, 2003, p. 253).
3
Esse processo foi ainda mais agravado a partir da Nova Política Econômica, que gerou uma nova
camada da população, formada por comerciantes e donos de negócios, que, por sua vez, aproveitaram-se
dessa falta de convicção dos burocratas comunistas para se aliar com eles e, por meio de acordos escusos
e corrupção, garantir que seus interesses seriam atendidos. Para uma análise historiográfica desse
processo, Cf. MARIE, 2003, p. 253-254, GRANT; WOODS, [1969], HEAD, 2008, p. 84-85, LEWIN,
1970, p. 153.
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Em outras palavras, a rebelião popular dos de baixo significa uma ação política
que rejeita qualquer limitação jurídica4 e é justamente essa autoatividade e auto-
organização das massas que constitui o oposto do jurídico em uma teoria marxista não
tecnicista. Aqui, há aquela constatação feita por Robespierre, em citação de Stutchka
(1988, p. 89): “os povos não julgam como tribunais; não promulgam sentenças:
fulminam; não condenam o rei: reduzem-no a nada; e esta justiça é melhor que a justiça
dos tribunais”. Portanto, oposta ao direito é a revolução no sentido puro da palavra, uma
vez que, nas palavras de Lenin, em texto de grande influência para Pachukanis, "o juízo
burguês evita todos os meios não parlamentares de luta, todas as ações abertas das
massas, todas as revoluções no sentido puro da palavra" (LENIN, 1968, p. 330, tradução
nossa).
Por isso, o texto assinalado nos conduz, mais uma vez, a uma leitura da transição
e do oposto do direito que não é meramente técnica, de modo a colocar em questão as
leituras unilaterais do antidireito em Pachukanis. Mais que isso, o tom de sua crítica
aproxima-se, por exemplo, da exposição de Edelman sobre o direito de greve e o
processo de legalização da classe operária, no qual ele delineia um quadro que capta o
antagonismo inconciliável entre a livre manifestação proletária e o enquadramento de
sua prática política dentro dos marcos legais formulados pelo direito: “de um lado, o
direito [...]; de outro, o ‘fato’ das massas [...]; de um lado, um poder legal; de outro, um
poder bruto, elementar, inorganizado” (EDELMAN, 2016, p. 56). A autoatividade das
massas, assim, surge como inverso do direito tanto no jurista soviético quanto no
pensador francês: “as massas levam uma vida muito problemática no direito. É claro
que elas existem, mas o preço de sua existência é sua própria negação como massas”
(EDELMAN, 2016, p. 32). Com as palavras de Pachukanis, poderíamos dizer: esse
preço é a sua transformação em um instrumento cego das classes privilegiadas, incapaz
de construir seus próprios órgãos de revolta.
Como considerações finais dessa seção, cumpre dizer que essa ênfase na
autoatividade das massas traz como consequência a formação, no arsenal teórico
pachukaniano, de uma série de conceitos que lhe permitirão criticar o processo de
burocratização em curso na União Soviética. Isso é o que veremos na seção a seguir,
nos textos em que o jusfilosófo soviético trata diretamente do problema da burocracia.
4
Aqui, parece-nos que Pachukanis ressoa uma grande influência causada pela teoria de Lênin acerca da
criatividade das massas. Para mais elementos acerca desse pensamento, Cf. PISTELLI FERREIRA, 2016,
p. 491-494, e LÊNIN, 1968.
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Portanto, para o jurista soviético, não basta colocar os meios de produção sob
controle do Estado; é necessário “tomar de assalto [пойти штурмом] essa última
fortaleza, esse aparelho de estado soviético, e tomá-la com todos os meios, tanto com
um ataque frontal [...] quanto com um cerco” (PACHUKANIS, [1930], apud. NAVES,
1996, p. 114, tradução nossa). Como bem percebe Naves, há, nesse trecho, uma crítica
implícita ao momento atual da URSS, uma vez que:
5
Em pesquisas bibliográficas (LOEBER, 1979, e NAVES, 1996), encontramos indicações da existência
dos seguintes artigos de Pachukanis voltados justamente ao debate sobre a burocracia: i) Советский
государственный аппарат в борьбе с бюрократизмом [O aparato estatal soviético na luta contra o
burocratismo] (1929); ii) Ленин и борьба с бюрократизмом [Lenin e a luta contra o burocratismo]
(1930); iii) Барацьба с бюрократізмам на сучасным этапе [Luta contra o burocratismo na presente
etapa] (1934, escrito em bielorrusso); iv) Реконструкция госаппарата и борьба с бюрократизмом [A
reconstrução do aparato estatal e a luta contra o burocratismo] (1935). Pelas considerações de Makeev
(2016), podemos indicar mais dois artigos que abordam o tema discutido (em especial por considerarem
os sovietes como espaços de combate ao burocratismo e de inserção das massas no controle da vida
política e administrativa): i) Диктатура пролетариата и современный ревизионизм [A ditadura do
proletariado e o revisionismo moderno] (1930); ii) Пролетарское государство и построение
бесклассового общества [O Estado proletário e a construção de uma sociedade sem classes] (1932).
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do poder de Estado, e que esse poder é agora exercido contra elas (NAVES,
1996, p. 120).
Mais uma vez, os elementos apresentados nos conduzem a uma visão que vai
muito além do tecnicismo na explicação da transição para a sociedade comunista. Aqui,
o burocratismo aparece profundamente conectado a qualquer iniciativa que distancie as
massas do povo da gestão do Estado e da produção da vida.
No terceiro aspecto, apontamos seus desentendimentos com interlocutores que
têm a tendência de ressaltar o problema técnico do aparato burocrático e não seus
aspectos políticos, o que o fez defender posições “contra a ‘juridização’ dos sovietes,
contra a representação dos sovietes como uma ‘forma jurídica’ da ditadura do
proletariado, porque [...] os sovietes não apenas uma instituição juridicamente
formulada: eles são uma forma organizativa criada pela atividade criativa [творчество]
de vários milhões oriundos das massas e que os congrega no trabalho estatal”
(PACHUKANIS, 1932, p. 21). Tal como defende Loeber (1979, p. 160), “não era
suficiente o aperfeiçoamento (усовершенствование) do sistema de administração. O
que era necessário era uma ‘decisiva intervenção’ das massas”, porque “os burocratas
mostravam incompreensão, indiferença e mesmo resistência em relação às tentativas de
envolvimento das massas”.
Essa compreensão, cumpre adendar, ia em completo enfrentamento às novas
linhas políticas acerca do burocratismo que estavam sendo adotadas pela liderança
partidária: a participação e o envolvimento da população ia cada vez mais dando lugar à
priorização da eficiência técnica e da produtividade6.
Considerações Finais
6
“Muitas resoluções do Estado e do partido sobre envolver as massas na administração do Estado e
contra o burocratismo foram redigidas entre 1917 e 1930, mas apenas duas resoluções desse gênero foram
adotadas de 1930 até a morte de Stálin, em 1953, de acordo com uma bibliografia soviética sobre direito
do Estado [Sovetskoe gosudarstvennoe pravo. Bibliografiia 1917-1957]. [...] Em sua luta contra o
burocratismo, as lideranças stalinistas eram movidas, ao que parece, não tanto pelo objetivo de alcançar a
participação das massas na administração estatal, mas mais por sua preocupação com uma eficiência
administrativa e uma racionalidade econômica” (LOEBER, 1979, p. 162, tradução nossa).
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Destarte, acreditamos que essa nova ênfase nos permite entender melhor as
considerações de Pachukanis sobre a burocracia, as quais, como mostramos
anteriormente, não se destacam por um exagerado tecnicismo, mas exatamente pelo seu
contrário: uma férrea defesa da inserção das massas na gestão do Estado e da economia,
entendida como um processo de cunho essencialmente político e, portanto, alheio a
qualquer juridização.
Todos esses elementos, no fim das contas, demonstram eixos de análise
incongruentes com a redução do processo de transição à mera técnica e à dinâmica de
planificação. Tratam-se de ideias, em última instância, incompatíveis com a virada
burocrática ocorrida com a consolidação do poder staliano, o que, em alguma medida,
permite-nos supor que esses textos podem entrar na lista de motivações que culminaram
na execução de Pachukanis em 1937, acusado de sabotagem e atividade
contrarrevolucionária contra a URSS.
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Resumo
O presente artigo parte de um questionamento relativamente trivial na teoria marxista:
qual é a postura mais adequada da crítica materialista-dialética frente ao fenômeno
jurídico? Considerá-lo como mera ideologia ou como um ente ideológico, mas que
possui reflexo numa relação social objetiva? Diante dos posicionamentos de Pachukanis
em "Teoria Geral do Direito e Marxismo", que afirmam uma determinada
correspondência entre a forma jurídica das relações do Direito Privado e as relações
econômicas mercantis, este trabalho visa a corroborar a tese do pensador soviético por
meio de um resgate das noções marxianas de "mercadoria" e "fetichismo", e das
asserções tipicamente jusnaturalistas do Direito e do Processo enquanto "relações
jurídicas". Por fim, valer-se-á de uma análise marxiana do pensamento jurídico-liberal à
forma do contratualismo hobbesiano, destacando a importância do filósofo inglês no
estabelecimento da lógica economicista das relações jurídico-estatais e no processo de
fundamentação, através de pensamentos proto-juspositivistas ― mesmo que ainda
inseridos em uma contingência jusracionalista ―, do futuro Estado de Direito Liberal.
Palavras-chave: Relação Jurídica; Relação Econômica; Ideologia; Direito Privado.
Abstract
The present article starts from a relatively trivial question in the Marxist theory: what is
the most adequate position of the materialist-dialectic criticism before the legal
phenomenon? To consider it as mere ideology or as an ideological entity, but which
reflects in an objective social relation? Faced with the positions of Pashukanis in ¨The
General Theory of Law and Marxism”, which affirm a certain correspondence between
the legal form of Private Law relations and mercantile economic relations, this paper
aims to corroborate the Soviet thinker’s thesis by means of a ransom the Marxian
notions of “commodity” and “fetishism”, and the assertions of Law and Process as
“legal relationships”, typical from a natural law concept. Finally, this paper will avail a
Marxian analysis of legal-liberal thinking applied to the form of Hobbesian
contractualism, highlighting the importance of the English philosopher in the
establishment of the economic logic of legal-state relations and in the process of
grounding, through proto legal-positivist thoughts ― even if still inside in a natural law
contingency ―, of the future State of Liberal Right.
Keywords: Legal Relationship; Economic Relationship; Ideology; Private Law.
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INTRODUÇÃO
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Mas o que são essas formas ideológicas? Diferentemente do que muitos pensam,
devido a uma leitura apressada d’A ideologia alemã, ideologia não é simples “falsa
consciência”, interpretação esta que pode levar um equívoco crasso à filosofia
marxiana, i. e., que em Marx a ideologia é irrelevante para o movimento do real efetivo
[Wirklichkeit] e, portanto, deve-se desconsiderar as consequências, e.g., da arte, da
religião e do direito na transformação do mundo ― donde nasce o espantalho do
“economicismo” em sua aparência mais usual. Contudo, o filósofo alemão tem essa
questão em um âmbito mais quisto. Para ele, pode-se dizer que formas ideológicas são
aquelas pelas quais os homens são capazes de tomar consciência das contradições postas
7 “O principal defeito de todo materialismo existente até agora (o de Feuerbach incluído) é que o objeto
[Gegenstand], a realidade, o sensível, só é apreendido sob a forma do objeto [Objekt] ou da
contemplação, mas não como atividade humana sensível, como prática; não subjetivamente. Daí o lado
ativo, em oposição ao materialismo, [ter sido] abstratamente desenvolvido pelo idealismo”. MARX;
ENGELS, 2016, p. 533.
8 Cf. MARX, 2016, p. 25.
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sociedade civil-burguesa: sua forma política, que promove a ilusão de que a lei baseia-
se na vontade livre, “separada de sua base real”16; e sua forma desvelada, i.e., seu
vínculo necessário com o processo histórico e com as demandas econômicas ― de
propriedade privada ― do capitalismo. Se, para a filosofia marxiana, “o Estado é a
forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses
comuns e que sintetiza a sociedade civil inteira de uma época”17, os próprios pais do
materialismo histórico concluem que “todas as instituições coletivas são mediadas pelo
Estado, adquirem por meio dele uma forma política”18. Mas o que isso significa?
Primeiramente, que a política e o Estado são indissociáveis às vistas do filósofo alemão.
Em segundo lugar, que a política e o direito pressupõem, necessariamente, a sociedade
civil-burguesa e, por isso, mesmo que percebam as contradições inerentes à ela, não são
capazes de destruí-las19. Por fim, que “o direito nunca pode ultrapassar a forma
econômica e o desenvolvimento cultural, por ela condicionado, da sociedade”20.
É a partir do mencionado caráter duplo do direito burguês que essa forma
ideológica comunica-se com o fetichismo da forma-mercadoria, qual exposto por Karl
Marx no capítulo I do primeiro volume d’O capital. Contudo, para que a semelhança
entre ambos apresente-se de forma mais palatável, viajaremos ao mundo das
mercadorias a fim de resgatar alguns conceitos importantes na própria obra marxiana.
No que consiste, então, o caráter fetichista da mercadoria? O filósofo alemão
responde a essa pergunta a partir de um retrospecto da noção de forma-mercadoria.
Tendo estas ― as mercadorias ― uma dupla identidade frente às relações de troca entre
elas mesmas, a saber, valor de uso e valor21, graças à exclusão das diferenças
qualitativas de atividades humanas diversas para que se obtenha uma unidade de medida
similar a todas as mercadorias22 e, portanto, seja possível equipará-las, os produtos do
trabalho humano aparecem, de imediato, como entidades capazes de refletir aos homens
“os caracteres sociais de seu próprio trabalho como caracteres objetivos dos próprios
produtos do trabalho, como propriedades sociais que são naturais a essas coisas”23. Esse
véu ilusório, que surge da forma-mercadoria per si, faz com que “uma relação social
determinada entre os próprios homens”24 acabe assumindo “a forma fantasmagórica de
uma relação entre coisas”25. Em outras palavras, a forma-mercadoria mostra-se
incontinenti como uma “coisa viva” que se relaciona com outras mercadorias devido às
suas propriedades naturais.
Portanto:
“condicionada pelas propriedades do corpo da mercadoria” (MARX, 2017b, p. 114), valor é uma
condição que só aparece na relação de troca entre mercadorias, uma vez que depende do trabalho humano
abstrato, i.e., conceito que ignora as propriedades qualitativas de diferentes objetos com a finalidade
última de igualá-los em uma equação quantitativa (MARX, 2017b, p. 116).
22 Trabalho humano abstrato.
23 Cf. MARX, 2017b, p. 147.
24 Ibidem.
25 Ibidem.
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“[...] o leitor que se dispuser a me seguir terá que se decidir a se elevar do particular ao geral.” (MARX,
2017a, p.50).
Evguiéni B. Pachukanis tenta elaborar sua Teoria Geral do Direito marxista
tendo em consideração o método marxiano de análise da forma econômica e, também,
as próprias análises marxianas da forma jurídica. Neste ponto, Pachukanis não precisou
“ter descoberto a América”33. Sua abordagem, que intenta aproximar a forma do direito
da forma da mercadoria, se por um lado é corajosa e brilhante, é confessamente não
original. Na verdade, para o jurista soviético, a filosofia do Direito, cuja base é a
categoria do sujeito, é a própria filosofia da economia mercantil realizada abstratamente
a prover as condições mais gerais pelas quais as trocas possam ocorrer, como já
ressaltado, em função da lei do valor e, em última instância, também a fornecer as
condições pelas quais a exploração do trabalho, então transformado em mercadoria,
aconteça sob a forma do “contrato livre”34.
A já explorada concepção de Stutchka, e mesmo a concepção imperativista do
Direito de Karl Renner (PACHUKANIS, 2017, p.73-74), peca por não perceber a
autonomia formal do direito em relação à política ― assim como outros pecam por
submeter completamente a superestrutura jurídica à superestrutura política. Em razão da
estreiteza dessas análises, o direito sempre passa como uma espécie de momento estatal
coercitivo, ou como mero interesse de classe. Isso ocorre ao mesmo tempo em que,
como já tratado no tópico precedente, simplificações grosseiras do conceito marxiano de
“ideologia” são levados à baila, dificultando o trabalho da crítica. Em verdade, o
princípio da subjetividade jurídica, tomado por muito desses teóricos do direito
pretensamente marxistas como simples produto da hipocrisia burguesa, ideológico e
destituído de importância para a análise crítico-teórica, não existe num vácuo: ele atua
estruturalmente incorporado à sociedade burguesa no momento em que ela nasce como
que da cabeça do sistema feudal-patriarcal e o aniquila; sua elaboração doutrinária é
necessária para uma sociedade que rompe os laços de servidão e cria uma sociedade
[civil-burguesa] atomizada, donde se faz possível precisamente que os homens se
reconheçam como proprietários de mercadorias e não como partes de um todo orgânico
e harmônico da medievalidade. O movimento histórico da forma econômica e da forma
jurídica ― ou mais precisamente, das formas embrionárias de ambas em direção às suas
“formas realizadas” ― sugere a Pachukanis que “a forma do direito, expressa por meio
de abstrações lógicas, é um produto da forma jurídica real ou concreta, uma mediação
real das relações de produção”35. Na verdade, na transação comercial, mediada pela
forma jurídica do contrato, não é nenhuma “ideia” que se forma sobre algo, mas um fato
econômico objetivo a que se liga uma forma jurídica objetiva sob o imperativo da lei do
valor.
Mas quais seriam os objetos par excellence de uma Teoria Geral do Direito? Os
conceitos jurídicos mais fundamentais e abstratos, ou o seu desenvolvimento, mais
acertadamente36. Tais conceitos são aplicados a todos os ramos do direito, independente
do conteúdo. São produtos posteriores de uma criação consciente. Porém, o que fazem
Piotr Stutchka, Mikhail Reisner e Karl Renner com seus enfoques conteudístico-
psicológicos ou imperativistas do direito? Qualquer coisa que não uma Teoria Geral do
Direito! A pergunta pertinente, então, não se encerra num questionamento vazio sobre
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qual seria o objeto de uma hipotética Teoria Geral do Direito marxista, mas sim se tal
empreendimento seria viável. Ocorre que o direito é conceito complexo, não podendo
ser definido, ao menos sem que com isso se colabore com a ideologia burguesa,
segundo as regras da lógica escolástica ― i.e., não pode ser apreendido, tal qual
conceito atemporal, per genus et differentia specifica. Na verdade, a Teoria Geral do
Direito pachukaniana não toma, como em Stutchka, a função de reformular conceitos
gerais e abstratos para um posterior “direito proletário”, esse não é o seu intento. Seu
objetivo é:
Adentrar no território do inimigo, ou seja, não [se] deve deixar de lado as
generalizações e as abstrações que foram trabalhadas pelos juristas burgueses
e que se originaram de uma necessidade histórica de sua própria época e de
sua própria classe, mas, ao expor a análise dessas categorias abstratas, revelar
seu significado verdadeiro, demonstrar as condições históricas da forma
jurídica.
PACHUKANIS, 2017, p. 80 (grifos nossos).
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45 Ibidem, p. 97.
46 Ibidem.
47 Ibidem, p. 99.
48 Cf. PACHUKANIS, 2017, p. 100.
49 PACHUKANIS, 2017, p. 102.
50 Ibidem, p. 103-104.
51 Ibidem, p. 104.
52 Ibidem, p. 113.
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para preservar sua própria natureza, isto é, sua vida”. HOBBES, 2015, p. 110-111.
71 “A lei natural (lex naturalis) é a norma ou regra geral estabelecida pela razão que proíbe o ser humano
de agir de forma a destruir sua vida ou privar-se dos meios necessários a sua preservação”. HOBBES,
2015, p. 111.
72 Cf. HOBBES, 2015, p. 111 e 120.
73 Cf. MATOS, 2006, p. 16.
74 Cf. MATOS, 2006, p. 16.
75 Ibidem, p. 17.
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76 “Ao direito positivo repugna qualquer metafísica ou consideração axiológica capaz de obscurecer os
limites reais, efetivos e empíricos da experiência jurídica, que se resume no direito posto, ou seja,
existente”. MATOS, 2006, p. 17.
77 Cf. MARX, 2017b, p. 242.
78 Cf. MARX, 2012, p. 31.
79 Cf. MARX; ENGELS, 2016, p. 76.
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cumprimos nossos acordos, eles deixam de existir, já que são simples meios para se alcançar determinada
finalidade. Entretanto, Hobbes acaba por transformar o instrumento em fim: o contrato social que mantém
o Estado-Leviatã jamais se extingue, a não ser para dar lugar a outro”. MATOS, 2006, p. 23-24.
83 De acordo com a tradição judaico-cristã, o vale da sombra da morte era um local onde se
abandonavam os leprosos à própria sorte. No Novo Testamento (Lc. 10:30-35), era o caminho que levava
de Jerusalém a Jericó.
84 Cf. MARX, 2017b, p. 785.
85 Ibidem.
86 Ibidem.
87 Ibidem.
88 Cf. MARX; ENGELS, 2016, p. 44.
89 Cf. MARX, 2017b, p. 788-790.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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O momento em que vivemos, de certo modo, é sui generis. Para qualquer pessoa
honesta, não há dúvida do fato segundo o qual o (des)governo atual é aquele das camadas
mais corruptas do aparelho estatal brasileiro; não há como deixar de perceber também
que a manobra utilizada para convencer acerca da “legitimidade” do vice é bastante
tecnocrática: passa pela apologia dos “amargos remédios” a serem trazidos com as
chamadas “reformas”, supostamente necessárias. Claro, isto faz bastante sentido se a
reprodução do capital é a única alternativa colocada ao presente. No entanto, não é o caso,
em verdade. O caráter civilizatório desta “relação social mediada por coisas” (Marx) é tal
que, para a manutenção da normalidade, defende-se importantes “reformas”, que
ninguém com mente sã deixa de perceber se tratar de contrarreformas. Tratar-se-iam de
modificações substanciais na previdência social e na CLT, de modo que grande parte
daqueles “freios racionais” (Marx) trazidos pela legislação social seriam derrubados de
um golpe só. Este sempre foi o desejo burguês e, em verdade, os “freios racionais” são
também uma exigência do capitalismo mesmo.
O momento, porém, é de bastante difícil compreensão porque as manobras
políticas – como a derrubada de Dilma – que trouxeram o vice ao planalto, geralmente,
ocorrem em um cenário defensivo por parte das camadas mais conservadoras da
sociedade. Hoje, acreditamos, tem-se o oposto: trata-se de uma ofensiva por parte do
capital contra o trabalho, e ela somente é possível depois de anos de governismo e de
“governabilidade” por parte daqueles que chamavam para si de “esquerda”. Ou seja, o
terreno foi fertilizado para o “golpe”. E isto aconteceu por meio das mãos de uma
“esquerda” que realizou o trabalho sujo da direita: fez com que movimentos sociais
aderissem à governabilidade, acabou com o caráter combativo do novo sindicalismo e
trouxe consigo um cenário em que, de um modo ou de outro, o MST é somente uma
sombra do que já foi. Ou seja, o cenário é aquele em que o petismo é derrotado pelos seus
deméritos e pela sua ausência de radicalidade. Diante dos imperativos de valorização do
valor, o moralismo petista não foi só a “impotência colocada em ato” (Marx e Engels),
mas o verniz por meio do qual se solapou aqueles que poderiam se colocar contra o modo
de produção capitalista e, portanto, contra a lei do valor.
É neste cenário em que radicalização da direita se torna bastante clara: de
Bolsonaro ao discurso conservador que permeia partidos da ordem como o PSDB e o
PMDB, a questão se mostra de modo direto e, até agora, não foi possível à esquerda
aparecer com uma alternativa real ao petismo. Sequer parece ser possível enterrar os
mortos – o grito esperançoso de “Lula 2018” atesta isso. O real morto-vivo, porém, há
tempos, não é problematizado, o capital. Diante deste ponto cego da política, é que é
necessário nos colocarmos, até mesmo porque somente com uma mudança substantiva é
possível que busquemos o “controle racional e planejado” (Marx), necessário para nos
opormos aos mais diversos fetichismos, da mercadoria, do dinheiro, do capital, entre
outros.
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II
III
Os anos 70, porém, com sua efervescência, trouxeram, na esteira de 1968, as mais
diversas revoltas e demandas qualitativas que pareciam ser incompatíveis com a
sobrevivência do próprio capitalismo e da “equalização” (Marx) trazida pela imposição
da lei do valor. No plano da produção, a demanda por autogestão, bastante forte
principalmente em solo italiano, parecia poder romper com o domínio do capital,
colocado em sua figura fordista. Com ela, a participação do trabalhador na produção trazia
o virtual desaparecimento de uma figura que corporificava a repressão à classe
trabalhadora, aquela do contramestre. E, assim, certo ganho da organização dos
trabalhadores frente à esquerda oficial (ligada aos PCs) era evidente; ao mesmo tempo,
há de se reconhecer que, uma questão essencial – a supressão da própria relação-capital
e, com ela, do assalariamento – parecia ter sido deixada em segundo plano, de modo que
a história das décadas de 70 e de 80 é também aquela de gestão da crise do sistema
capitalista por meio da autorganização dos trabalhadores no nível da fábrica. Ou seja, a
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chamada acumulação flexível traz, dentre outras coisas, o envolvimento muito maior (se
compararmos com o fordismo) do trabalhador com a produção capitalista, de maneira que
a introjeção dos imperativos de “autovalorização do valor” (Marx) aparecesse ao passo
que a atividade fabril incorporava de modo muito mais pungente a personificação de uma
espécie de “sujeito automático” (Marx). Neste sentido, tais questões, tratadas por Karl
Marx no primeiro livro de O capital, e ligadas à sua teoria do valor, em verdade, aparecem
de modo muito mais avassalador com a assim chamada “acumulação flexível”.
A figura daquela classe trabalhadora adaptada, pelo hábito e pela educação, à
reprodução do capital colocada pela “autovalorização do valor” - questão tratada por
Marx no capítulo sobre a “assim chamada acumulação primitiva” - aparece como uma
realidade de modo muito mais direto. No momento em que muitos (como André Gorz,
por exemplo) apontavam a falência da lei do valor tratada no capítulo I da obra magna de
Marx, ela se mostra, em verdade, de modo muito mais evidente. E, assim, a crise da
década de 70 trouxe, depois de diversas lutas sociais e ajustes, uma reorganização das
relações de trabalho; com isto, demandas pontuais da classe trabalhadora são
incorporadas na medida em que o essencial à luta desta classe – a própria supressão do
capital – fica subordinada às lutas imediatas e setorizadas que aparecem depois de maio
de 1968 com muito mais destaque que antes. Ou seja, o processo de valorização do valor
acaba sendo deixado intocado.
Claro, este processo não é simples. E, para que ele se implementasse, foi preciso
que após um momento breve de lutas ascendentes dos trabalhadores, estes fossem
derrotados por meio dos mais vis modos que o capitalismo é capaz. O neoliberalismo de
Tatcher e de Reagan foi uma resposta neste cenário e significou não só a financeirização
da economia, mas a derrota dos sindicatos e das camadas historicamente mais combativas
da classe trabalhadora. Ou seja, o processo que começa com a incorporação pontual de
demandas dos trabalhadores e, assim, com um “reconhecimento oficial” (Marx) pelo
Direito de reivindicações pontuais - e, portanto, de um modo meandrado, de “conquistas”
- termina, de certo modo, com a repressão brutal dos instrumentos mediante os quais os
trabalhadores organizaram suas lutas historicamente. A crise da URSS, bem como a
burocratização dos PCs, fez isso no que toca a forma partido político. A situação do
capitalismo mundial associada a uma ofensiva espoliativa neoliberal tornou infinitamente
mais fracos os sindicatos. A questão que preocupa, porém, diz respeito ao modo pelo qual
esta derrota havia sido imposta à classe trabalhadora: por meio da incorporação de suas
demandas em um primeiro momento e a partir do reconhecimento oficial e jurídico de
aspectos parciais de suas críticas ao modo de produção capitalista. De certo modo, mesmo
que de maneira bastante meandrada, a desregulação que começa a ser implementada na
década de 70 aparece como uma espécie de autogestão às avessas; trata-se de uma
“autogestão” subsumida ao processo de valorização do valor. Trata-se de uma luta
legítima (pelo controle da produção) que, ao não se colocar de modo radical o suficiente,
viu-se refém daquilo que deixou entre parênteses. Ao passo que a posição socialista
“tradicional” foi deixada de lado, também deixou-se de criticar do modo devido o
verdadeiro alvo, o capital e, com ele, a autovalorização do valor. Este, de certo modo, é o
percurso da derrota dos trabalhadores nos países centrais.
IV
No âmbito internacional, portanto, embora não só, a derrota dos trabalhadores que
se consolida com o neoliberalismo mais vil de um Reagan e de uma Tatcher parte de um
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processo que começa com o reconhecimento de demandas bastante legítimas por meio,
também, de lutas “por direitos”, e termina com o solapamento dos meios para estas
próprias lutas. Ou seja, a falta e uma radicalização socialista – falta esta também possível
devido ao papel subserviente dos PC s – teve um preço muito destacado aos trabalhadores.
E, com isso, a crise do movimento comunista (Claudin) tem sua face também no âmbito
europeu e americano com a crise de representatividade dos partidos e dos sindicatos
tradicionais da esquerda comunista e socialista.
No caso da América latina e do Brasil em especial, claro, a questão é bastante
diferente, embora passe pelo processo de valorização do valor; não só porque falar de
“anos de ouro do capitalismo” é, de imediato, uma piada ruim...mas também porque a
crise dos anos 70 nos atinge de modo que é a ditadura militar que, com o tempo, entra em
crise sem que qualquer demanda dos trabalhadores seja atendida de imediato; antes, a
base mesma do regime militar é o arrocho salarial (Chasin). E, deste modo, pode-se
mesmo dizer que a busca por democracia só poderia aparecer quando “param as
máquinas”; ou seja, neste momento, as demandas imediatas dos tralhadores colocavam
em xeque a própria base da existência da ditadura e, assim, a luta pela “redemocratização”,
que teve como principal combustível as greves de 1978-79 continha um potencial bastante
grande, no limite, contrário à própria conformação do capitalismo no Brasil, um
capitalismo em que a reprodução do capital nunca trouxe os trabalhadores ao cenário
político e em que a radicalidade foi, de certo modo, condição para a sua sobrevivência
enquanto classe.
O cenário da redemocratização, pois, efetivamente, poderia trazer muito. No
entanto, sob o ímpeto “primeiro democracia e depois o resto” (Chasin), esvazia-se
justamente aquilo de mais interessante na derrocada da ditadura. A constituinte que
redunda na constituição de 88 se dá de tal modo que a transição “lenta, gradual e segura”
é sacramentada e o modo pelo qual o capitalismo se conforma no Brasil resta intocado:
tanto é assim que praticamente todas as pessoas que fizeram parte do governo militar
permaneceram em posições públicas de relevo. Da ditadura, pois, restava “tudo, menos a
ditadura” (Thales Ab Saber) de modo que a “esfera pública” brasileira estava fechada às
demandas populares. O aparato político e jurídico da ditadura eram mantidos no que toca
a organização do Estado, de tal feita que, da mesma maneira que antes, embora com
nuances, a institucionalização reconhece oficialmente o modo pelo qual as lutas dos
trabalhadores não foram tidas como centrais e uma demanda supostamente transclassista
(“democracia”) significou o abandono das maiores potencialidades de 1978-79. O
resultado é a “nova república” (sic), que nasce velha e traz, na, letra, uma constituição
bastante progressista, que parece abrir espaço para as mais diversas demandas da
“sociedade civil”. Com o aparato político e jurídico da ditadura – e, claro, com o processo
de reprodução do capital subjacente a isto - tem-se uma constituição inspirada na
constituição dirigente portuguesa e na constituição da república de Weimar (o fato de que
ambos os modelos terem redundado em derrotas retumbantes não pode ser analisado aqui,
infelizmente, e é sempre esquecido…). Ou seja, diante disto, a esfera jurídica parecia
oferecer a porosidade que a política não oferecia: MST, PT, CUT utilizaram-se muito da
“luta por direitos” para se opor ao neoliberalismo que veio depois da “redemocratização”
com Collor e com FHC; usos “contrahegemônicos” do Direito pareciam ser uma solução
possível, de modo que o “terreno do Direito” parece ser bastante progressista no caso
nacional. A luta, pois, ainda se coloca como política, certamente, mas o “atalho” jurídico,
com a ajuda da “sociedade civil” e de juristas progressistas, parece ser bastante plausível,
inclusive, estrategicamente. No ponto cego de tudo isto está a reprodução do próprio
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PMDBismo é uma constante na “nova república”; isso mesmo: o partido mais fisiológico
do cenário político brasileiro foi a maior constante nos governos da atual “república”...e,
com isso, questões estruturais mínimas foram deixadas de lado para que os interesses
locais e patrimonias de caciques políticos não fossem afetados. Ou seja, diante do modo
pelo qual se tem a reprodução brutal do capitalismo no Brasil – e, portanto, da valorização
do valor -, colocou-se a política institucional. Esta última ficou de joelhos ao capitalismo
de extração colonial. Sequer problemas bem básicos foram questionados, como é o caso
da taxação de grandes fortunas e a progressão tributária mais cuidadosa. A maneira pela
qual se deu o crescimento dos anos do petismo não podia ser menos sólida: com base, de
um lado, na contínua exportação de commodities (repetindo, portanto, a espoliação que
vem sendo realizada desde 1500); doutro, com a concessão de crédito subsidiado às
famílias, principalmente as mais pobres, e ao “campeões” do capital nacional, que
usufruíram de muitos benefícios via BNDS.
No que se nota que o “crédito”, claro, não vem das árvores. Obviamente,
relaciona-se ao capital financeiro, e fortalece este setor. Ou seja, o
“neodesenvolimentismo” não tocou em nada da produção, da distribuição e da circulação
e, assim, manteve intacta uma forma agressiva de autovalorização do capital; não gerou
sequer um novo equilíbrio de classes incentivando a proatividade dos “de baixo”; antes,
com o incentivo ao consumo e, portanto, ao endividamento, fortaleceu o capital financeiro
e só conseguiu melhores condições materiais aos mais pobres devido ao modo pelo qual,
com o superciclo das commodities, desenvolveu-se certo fluxo de capital para o Brasil.
No limite, portanto, o modo pelo qual o melhor do petismo veio foi o prenúncio do que
vivemos agora: tratava-se da renovação daquilo de mais velho no Brasil, da subordinação
ao mercado externo e ao endividamento. Isso se dá até mesmo porque o mercado interno
foi incentivado somente com o crédito, e não com qualquer redistribuição real e efetiva
da renda.
A pobreza diminuiu nos anos do petismo, não há dúvidas. Mas a própria
distribuição de renda restou intocada. Isto não seria tão grave se, para isso, não tivessem
sido mobilizadas todas as energias da “esquerda”. O petismo as retirou – para fazer um
trabalho que o próprio FMI aprovou – das esquerdas e da reorganização do aparato
sindical. Aliás, com isso, fez com que os sindicatos, não só se envolvessem na gestão de
fundos e, portanto, do capital financeiro (Francisco de Oliveira), mas também, para isso,
deixassem de lado toda a combatividade do novo sindicalismo. Assim, aquele que tinha
sido o grande responsável pela derrocada da ditadura acopla-se à ordem em que resta tudo
da ditadura, menos ela mesma. Com isso, claro, o petismo se transforma em uma forma
política que sequer questiona a distribuição de renda nacional; ela busca o “investiment
grade” e, com ele, procura uma política de conciliação de classes que tenha como
momento preponderante a remuneração do capital financeiro. Se é possível que isso se
sustente em determinadas circunstâncias, passadas estas últimas, é necessário que haja
uma reconfiguração da política econômica. Em verdade, foi o que aconteceu a partir de
2015. E o pior: um ministro da fazenda como Joaquim Levy acabou se tornando alguém
defendido pela “esquerda”. O petismo conseguiu fazer o que nenhuma direita conseguiria:
fez com que a militância politizada defendesse, mesmo que com ressalvas, um salgado
“ajuste fiscal”. Novamente, a autovalorização do valor se impõe. Agora, com as vestes de
um trabalhismo que estava pronto para se colocar contra os trabalhadores sempre que
necessário à governabilidade. Neste cenário, a esquerda está destroçada e aí que aparecem
as contrarreformas trabalhista e previdenciária.
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VI
Bibliografia:
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GT 3
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Resumo
No presente ensaio nos propusemos analisar como o sistema prisional brasileiro contribui
para a acumulação de capital por meio do sistema financeiro. Partimos da crítica a
economia política, com o intuito de tecer a crítica sobre os estudos do encarceramento no
Brasil. A discussão se construirá através da teoria marxiana, com o auxílio de observação
in loco e entrevistas semiestruturadas a fim de realizar o movimento de superação da
aparência de um sistema público de segurança e adentrar nas reais contradições da relação
capital-trabalho. Neste movimento, observamos que o Estado exerce um papel duplo no
processo de valorização do valor do trabalho encarcerado na medida que, além de ditar
as regras quanto à produção de valor por esses indivíduos, também possui controle quanto
à esfera da circulação, visto que toda a remuneração a estes trabalhadores encarcerados é
depositada em um banco público. Dessa forma, este ensaio se desdobra na compreensão
sobre as mediações que perfazem o sistema prisional, especialmente pela sua relação,
cada vez mais estreita, com a reprodução do capital mediado pelo Estado, além de lançar
luz sobre os interesses reais que movem o encarceramento no Brasil.
Abstract
On this essay we sought to analyze how the brazilian prison system contributes for the
accumulation of capital by making use of the financial system. We come from a critic to
the political economy point of view, with the intention of making critics over the studies
on incarceration in Brazil. This discussion will take form based on the marxian theory,
with the support of an in loco observation and semi-structured interviews aiming to make
a movement that will overcome the appearances of a public safety system and penetrate
in the real contradictions of this capital-labour relation. On this movement, we’ve
observed that the State has a double role in the valorisation of the labour-value of
incarcerated individuals as it dictates the rules over the value production of these
individuals, it also has control over the circulation sphere since all the pay given to these
imprisoned individuals is deposited in a public bank. On that, this essay unfolds in the
direction of a comprehension over the mediations that complete this very prison system,
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especially on its relationship, each day closer, with the reproduction of capital mediated
by the State, aside that to unveil the true intentions that lay underneath the incarceration
process in Brazil.
1. Introdução
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nem tão pouco, a humanização destes indivíduos, como pode ser vistos nos trabalhos
empíricos apresentados pelos autores Costa (2001), Costa e Bratkowski (2007), Pires e
Palassi (2008), Barbalho e Barros (2010), Wanderer (2012), Rocha, Lima, Ferraz e Ferraz
(2013), Lauermann e Guazina (2013), Cordeiro, Silva Coelho, Kanitz e Gonçalves
(2014), Gonçalves e Ferreira (2014), Neto (2015), Biar (2015), Souza, Correa e Rezende
(2015), Silva e Saraiva (2016), Correa e Souza (2016), Amaral, Barros e Nogueira,
(2016).
A discussão apresentada por esses autores perpassam na produção de sentidos e
significados do trabalho, o encarceramento em massa, a má utilização do ordenamento
jurídico e a facilitação da mediação do estado nessas relações trabalhistas. As respostas
encontradas pelos autores a respeito do trabalho, são concentradas e o que os autores
Costa e Bratkowski (2007), Pires e Palassi (2008), Cordeiro, Silva Coelho, Kanitz e
Gonçalves (2014) e Silva e Saraiva (2016), e estes autores trazem o que este trabalho
representa aos privados de liberdade, em suma são fugas do ambiente carcerário, para eles
são trabalhos sem sentidos e exercidos apenas pela remição de pena e o ganho financeiro
( quando há), e alienantes aos que querem sobreviver no mundo fora dos muros
carcerários. Por outro lado, temos também a produção de autores que seguem uma linha
mais crítica e conseguem apontar a essência dos problemas do atual sistema prisional
brasileiro como Herivel (2013), Salla (2004) e Brant (1994), quando argumentam que
para mudar a realidade social no qual o indivíduo está inserido é necessário fornecer a ele
uma forma alternativa de subsistência e, assim, não será necessário cometer crimes.
Amparados principalmente pelas perspectivas qualitativas da psicodinâmica do
trabalho e da sociologia clínica, os estudos que assumem a ótica do trabalhador
encarcerado ainda não se debruçaram sobre o contexto de (re)articulação do capital e de
que forma as novas adaptações impactam no ambiente laboral, tanto para os privados de
liberdade como para os trabalhadores do sistema prisional.
Este ensaio se propõe analisar como o sistema prisional brasileiro contribui para
a acumulação de capital por meio do sistema financeiro. Nossa contribuição para o debate
sobre o tema reside na inserção da teoria marxiana para a compreensão do fenômeno e o
desvelar da contradição da relação capital-trabalho num campo que, hegemonicamente,
aparta o olhar crítico de suas reflexões.
A discussão aqui apresentada se construirá a luz da teoria marxiana, com vistas a
superar a aparência de um sistema público de segurança e adentrar nas reais contradições
da relação capital-trabalho. Segundo Ferraz e Ferraz (2016) utilizar a ciência burguesa
em seu devir social é apenas reforçar a lógica funcionalista e a reprodução do capital,
enquanto a ciência crítica adota um discurso que defende os interesses das classes
trabalhadoras. Diante disso, utilizamos o método dialético por ser capaz de emanar as
contradições apresentadas na discussão e na coleta de dados, que ocorreu por meio de
visitas em 17 unidades prisionais no estado de Minas Gerais, entrevistas semiestruturadas
com agentes penitenciários, presos, gestores prisionais, gerentes de produção e um
analista do Banco do Brasil. A partir dessas coletas e de sua contraposição à materialidade
das relações do Sistema Prisional Brasileiro, nos comprometemos a ir à essência do
fenômeno e demonstrar que, por meio da mediação do Estado, o trabalho encarcerado é
utilizado para a alavancagem do sistema de acumulação capitalista por meio do sistema
financeiro.
Dessa forma, este ensaio se justifica por contribuir para a compreensão sobre as
mediações que perfazem o sistema prisional, especialmente pela sua relação cada vez
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mais estreita com a reprodução do capital mediado pelo Estado, além de lançar luz sobre
os interesses reais que movem o encarceramento no Brasil.
O trabalho está organizado em três partes, a contar por esta introdução. Na
segunda parte, apresentamos uma breve explanação sobre o funcionamento do sistema
prisional brasileiro e o trabalho encarcerado, os desdobramentos acerca da
(não)remuneração do trabalhador encarcerado; em sequência é realizada a discussão
sobre o Estado como mediador entre o trabalho encarcerado e o capital, e os impactos
dessa mediação na circulação de capital ao se pensar a seguinte questão: “para onde foi o
valor produzido pelo trabalho dos indivíduos encarcerados?”. Por fim, tem-se as
considerações finais acerca das discussões apresentadas neste ensaio.
O sistema prisional brasileiro é regido pela lei de execução penal 7210/84 e a partir
dela existem vários desdobramentos revestidos de políticas públicas para capacitar,
empregar e regular a força de trabalho carcerária. No entanto, a materialidade dessas
relações revela um interesse oculto na execução desta lei, isto é, do Estado burguês em
que tudo se transforma em mercadoria.
Acerca da categoria trabalho, Marx aponta:
O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a
natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação,
medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza [...]
A fim de apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua
própria vida põe em movimento as forças naturais pertencentes
a sua corporeidade [...] Agindo sobre a natureza externa e
modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao
mesmo tempo, sua própria natureza. (MARX, 2013, p. 255)
Assim, o trabalho possui um duplo caráter visto que o ser humano, ao transformar
a natureza, transforma a si próprio. O trabalho é categoria central para a compreensão da
história da humanidade (MARX, 2010), todavia, na sociedade hodierna, este se apresenta
de forma alienada, cuja precarização das condições de vida e trabalho dos trabalhadores
ocorre devido e simultaneamente ao desenvolvimento do sistema capitalista de produção.
A forma de trabalho assalariado, tal qual conhecemos, surgiu em decorrência das
mutações do mundo do trabalho ao longo dos séculos e obtém como mediador o mercado
de trabalho, isso porque até mesmo o trabalho humano se reduz à categoria de mercadoria,
quando a força de trabalho é vendida em troca de sua forma preço, o salário. Segundo
Marx (2013), a criação do trabalhador livre e assalariado foi concebida por meio de uma
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violenta disputa sanguinária, na qual o Estado mediou por meios dos aparatos legais a
regulamentação e exploração desses trabalhadores, alavancando a exploração do trabalho
pelo capital diante da submissão dos assalariados aos capitalistas. Tal submissão ou, nas
palavras de Marx, a subsunção, é fruto da desapropriação dos meios de produção dos
trabalhadores.
Cabe ressaltar que há indivíduos "fora" do mercado, visto que mesmo aqueles que
não ocupam um posto formal de trabalho também atuam de uma forma ou de outra na
circulação do valor, ou seja, mesmo os indivíduos encarcerados fazem parte do ciclo
produtivo do capital. Os autores Melossi e Pavarini (2006) defendem que para cada
sistema de produção se descobre um sistema de punição que corresponde diretamente às
relações produtivas, sendo que o capital, em sua lógica destrutiva de expansão, também
se apropria de força de trabalho encarcerada. Uma das formas aparentes do trabalho no
sistema prisional é a denominada laborterapia - o trabalho como um meio ressocializador
dos privados de liberdade para uma nova reinserção à sociabilidade humana. Porém,
quando analisamos a concreticidade da lógica da socialização pelo trabalho observamos
alguns desdobramentos que nos permitem questionar o interesse último da lei que o
regula. O que a reprodução da vida no cárcere tem revelado é a utilização da força de
trabalho dos presos como exploração de mão de obra barata (senão escrava) e, com a
superpopulação carcerária, forma-se um exército industrial de reserva para as iniciativas
privadas e públicas.
Quanto à questão da superpopulação, ocorre tanto pela desigualdade social e pela
falta do tratamento judiciário, quanto pela falta de estrutura para acolhimento dos
indivíduos encarcerados, acarretando más condições de sobrevivência que culminam, por
sua vez, na promoção de relações sociais desumanizantes, à despeito de medidas que
deveriam preparar esses indivíduos à ressocialização com condições dignas de
reprodução da própria vida. Diante de precárias condições de sobrevivência nos presídios,
a possibilidade de conseguir um trabalho dentro do sistema prisional se apresenta como
se fosse uma “conquista” aos encarcerados, dada a possibilidade de utilizarem da
circulação propiciada pelo trabalho como forma de ocupar o ócio, realizar trâmites ilegais
para obtenção de artigos de consumo, ao mesmo tempo em que estão abreviando suas
sentenças (SALLA, 2006). Nesse sentido, os indivíduos encarcerados são atraídos para a
realização do trabalho pelo discurso remição de pena, conforme descrito no artigo 126º
da LEP, §1º, que dispõe: três dias trabalhados equivalem a remissão de um dia de pena
(BRASIL, 1988).
Os trabalhos dentro das unidades prisionais possuem naturezas distintas como a
de manutenção da unidade prisional, ou do município; trabalhos intramuros, isto é, os
presos são contratados para trabalharem em empresas privadas dentro do complexo
penitenciário; e trabalhos externos, no qual estes podem ter vínculos empregatícios
mediante autorização judicial. No que se refere às oficinas de trabalho que existem dentro
das unidades prisionais, estas são de três tipos: agropecuária, industrial e serviços, ou
como denominado pelo Departamento Penitenciário (Depen), primeiro, segundo e
terceiro setor, respectivamente. Atualmente são empregados 14.408 mil presos no
primeiro setor, 17.511 mil presos no segundo setor e 17.099 mil presos no terceiro setor,
além de 46.901 mil presos nos trabalhos enquadrados como manutenção no sistema
prisional, segundo dados do Depen (2017).
De acordo com o que está disposto na lei 7210/84, os presos devem atender a uma
série de medidas para execução do trabalho externo, como ter cumprido ⅙ da pena,
atendimento de medidas de cautela sobre fuga e disciplina e também prévia autorização
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Quanto aos trabalhos de manutenção nas unidades prisionais, estes são relatados
pelos presos como os melhores lugares para se ocupar, pois assim podem circular sem
interferências entre as diversas áreas da prisão (SALLA, 2006). As atividades de
manutenção estão ligadas à limpeza, recolhimento e separação do lixo, lava-jato das
viaturas oficiais, dos agentes e da comunidade, cozinha e entrega de marmitex (MINAS
GERAIS, 2013), entre outras atividades como pedreiro, bombeiro hidráulico, eletricista
e serviços gerais. Essa atividade laborativa em especial é obtida como um prêmio dentro
do cárcere, pois só podem executá-las aqueles que têm bom comportamento, sendo a
responsabilidade de seleção e capacitação incubida aos trabalhadores da administração
local.
1
O cálculo foi feito da seguinte maneira (R$ 702,75 / 30 dias) / 8 horas por dia.
2
O cálculo foi feito da seguinte maneira (R$ 351,37 / 30 dias) / 8 horas por dia.
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3
É a soma de dinheiro descontada do valor bruto do pagamento do preso, retido em fonte como imposto.
fazendo uma analogia, é como se fosse o FGTS do preso, mas ele só pode gastar esse dinheiro se
comprovado judicialmente os gastos com tratamentos médicos do preso e da família na ausência do SUS
(sistema único de saúde), ou após a prescrição completa de sua condenação.
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Vale ressaltar, que além da privação da liberdade resultante da pena legal pelo
delito cometido, esses indivíduos são novamente punidos na medida em que as regras de
remuneração da venda de sua força de trabalho são diferentes e mais precárias que as
concernentes aos demais trabalhadores assalariados no país, ao não receberem pelas
pausas no trabalho, pelo horário das refeições e nos finais de semana. Dentre os descontos,
tem-se ainda o custo da manutenção da unidade que pode ser deduzido dos salários. Aqui,
o "pagar para trabalhar" não é apenas uma anedota.
Na condição de trabalho interno e externo há 95 mil presos no país, representando
15% da população carcerária empregada nos complexos fabris intramuros carcerários.
Segundo os dados do Depen (2017), há presos que recebem menos que o estabelecido em
lei, e em raras exceções presos que recebem mais, conforme a tabela 1.
A partir dos dados da tabela 1, é possível perceber que embora a lei de execução
penal preveja um mínimo salarial de remuneração ao trabalhador encarcerado, tem-se que
mais de 74,6 mil presos não recebem o mínimo estipulado, o que corresponde a
aproximadamente 75% de presos na modalidade supracitada. Ainda de acordo com os
dados, apenas 22% dos presos recebem entre ¾ e 1 salário mínimo e pouco mais de 3%
recebem mais de 1 salário, sendo estes últimos os pequenos empresários ou autônomos,
cuja declaração de imposto de renda é obrigatória, entraremos em pormenores no item
seguinte.
Aos trabalhadores da manutenção das unidades prisionais, que atualmente são
46.901 mil presos em todo o território nacional, é vedada a remuneração, segundo o Art.
30º4 da LEP 7210/84, o mesmo vale para os trabalhadores internos que desenvolvem
trabalhos sociais como as oficinas de agroindústrias, cujos produtos de seu trabalho, de
forma geral, são direcionados às entidades carentes do município, e aos trabalhadores
externos que estão envolvidos com trabalhos de manutenção referentes à reformas de
escolas em períodos de férias, serviços de limpeza externa nos prédios públicos, reformas
de hospitais, e batalhões de polícia e, no geral, a limpeza da cidade.
Nas penitenciárias agrícolas todo o trabalho é considerado de manutenção,
levando em consideração que os presos que possuem a responsabilidade pela produção
em massa dos alimentos e dos animais, cabendo aos agentes penitenciários a venda da
produção. Todo o dinheiro gerado com a venda dos produtos é repassado para o Estado
via recolhimento DAE.
Outro trabalho que é considerado como manutenção são as várias formas de
artesanatos em cela, porém, estas possuem um diferencial, visto que não são incentivadas
4
Art. 30. As tarefas executadas como prestação de serviço à comunidade não serão remuneradas.
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nas unidades prisionais. Segundo Ribeiro e Cruz (2002, p. 12) “a lei reconhece a limitação
econômica que o artesanato apresenta e, por isso, postula que o estabelecimento deve
procurar limitar sua realização tanto quanto o possível, salvo em regiões de turismo”. O
que os autores deixam implícito nas suas explanações é que o artesanato gera renda para
a família e não para o Estado, diferentemente da produção agrícola, por exemplo. A
limitação econômica gerada é intrinsicamente relacionada com a perda do controle da
circulação do que é produzido intramuros carcerários.
Diante das distintas modalidades de trabalho nas penitenciárias do país, podemos
inferir os interesses particulares do Estado ao mediar ou propriamente utilizar o trabalho
encarcerado para gerar e se apropriar do valor produzido pelos presidiários, dado a
natureza do encarceramento, na qual estes, desprovidos de liberdade, são submetidos a
condições de vida e subsistência precárias e desumanas. Assim, num local onde as leis
trabalhistas não perpassam seus muros, o Estado e capitalistas parceiros valorizam seu
capital às custas de um trabalho muitas vezes não remunerado dos presidiários,
devolvendo a estes, em contraposição ao senso comum sobre o tema, muito menos do que
proporcionam ao sistema.
Ao passo que vamos desvendando como o Estado se beneficia em sua mediação
nas relações sociais do Sistema Prisional, vamos indagando também seus interesses
ínfimos na esfera da circulação do que é produzido e recolhido. A seguir discutiremos a
mediação do Estado no que tange ao trabalho encarcerado e como o mais valor produzido
por este se torna capital.
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Físicas) irregulares (Minas Gerais, 2013), e segundo os dados do DEPEN (2017) apenas
58.419 mil pessoas privadas de liberdade obtém a posse do seu CPF, este número
representa apenas 8% da população encarcerada em todo o território brasileiro, sem
mencionar nos demais documentos que são necessários para abrir uma conta no banco.
Quando questionado aos presos se já haviam, em algum momento, feito tal
solicitação de apuração dos salários recebidos em conta, a resposta foi ‘não’, e podemos
atribuir isso a falta de informação, ou a burocracia criada para dificultar o acesso de
pessoas que fazem pouco uso do sistema bancário, isso sem trazer para nossa discussão
que essas pessoas evitam serem submetidos à julgamentos sociais e maus olhares por
carregarem o estigma social de ex-presidiário. Então, tudo que resta é sacar o que estiver
disponível, sem que seja feita a validação do saldo em conta.
Ao mesmo tempo, contudo, o Estado cobra mensalmente que as empresas façam
esses repasses via DAE, caso não o façam, os presos são impedidos de sair da unidade
prisional, impedindo assim a produção e a valorização do capital do empregador. Esta
política de punição aos capitalistas faz com que eles cumpram rigorosamente os
pagamentos. No entanto, esta verba não é repassada aos presos com tanta rigorosidade,
como exemplo, em uma visita feita em unidades do Estado de Minas Gerais no verão de
2018, o último pagamento feito pelo Estado havia sido efetuado em julho de 2017. E
então fica o questionamento, para onde foi este dinheiro neste meio tempo? Outros
autores como Ribeiro e Cruz (2002) já haviam problematizado este assunto
anteriormente, o que nos leva a indagar a mediação do Estado na esfera da circulação
desse dinheiro.
Segundo a LEP, o dinheiro (do salário) recolhido pelo Estado e depositado no
banco só pode ser retirado pelo preso quando estiver o regime progredido para semi-
aberto ou liberto interino, ou ainda em outras ocasiões de extrema necessidade mediante
a autorização judicial, o preso pode utilizar desse dinheiro para tratamentos médicos dele
ou da família (1º grau, definido pelo Código Civil), desde que comprovem os gastos, não
sendo permitido a utilização da quantia para pagamento da fiança ou indenização ao
Estado, em outras palavras, ele não pode comprar sua própria liberdade.
Na prática observada, as regras não valem a todos, uma vez que, durante as visitas
e as entrevistas foram interrogadas as pessoas privadas de liberdade sobre o recebimento,
e elas informam que é o agente penitenciário que faz tudo, desde a contratação de sua
força de trabalho - fazendo a mediação Estado/Capitalista - até o recebimento, que muitos
não têm acesso ao cartão porque não foram buscar, porque as unidades não disponibilizam
um carro para tal, porque a empresa que leva para fazer o cartão, não oferece a mesma
“gentileza” para buscar, há muitos que estão com os documentos irregulares e por isso
não podem abrir a conta no banco, mas iniciam os trabalhos recebendo apenas a folha de
remição e em seguida começam a receber os salários que lhes é de direito, contudo,
podemos prever as demoras em realizar todos estes processos burocráticas a uma parcela
da classe trabalhadora que é esquecida no meio social ou relegada às margens da
sociedade.
Em teoria, a família ou a pessoa que possua a procuração legítima responsável
pelo preso pode realizar o saque, no entanto, deve ser portador do cartão, e como
explicado anteriormente, a realidade é um pouco mais complicada.
Como mencionamos a pouco, a (baixa ou inexistente) remuneração paga aos
indivíduos encarcerados é administrada pelo Estado. O preso não pode fazer uso do
salário e tampouco possui fácil acesso à consulta do saldo de sua conta. Dessa forma,
pensemos aqui em todos os problemas de lentidão dos processos, como o fato de muitos
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desses presos não serem devidamente representados por defensores público e etc. Nesse
caminho, a maior permanência de um encarcerado que trabalha pode significar mais
tempo de dinheiro capitalizado no sistema financeiro, então, indagamos o interesse do
Estado em mediar essas relações, uma vez que os bancos passam a utilizar esse dinheiro
entesourado como capital.
Sobre o entesouramento, como explana Marx (2014, p. 265).
Trata-se de uma distribuição constantemente variável do tesouro existente na
sociedade, que ora funciona como meio de circulação, ora se aparta
novamente, como tesouro, da massa de dinheiro circulante. Com o
desenvolvimento do sistema de crédito, que segue necessariamente um curso
paralelo ao desenvolvimento da grande indústria e da produção capitalista, esse
dinheiro atua não como tesouro, mas como capital, porém não nas mãos de seu
proprietário, e sim de outros capitalistas, a cuja disposição ele é colocado.
2.4 Circulação de capital: para onde foi o valor produzido pelo trabalho dos
indivíduos encarcerados?
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3. Considerações Finais
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de sua liberdade, também privado o direito de vender por si só sua força de trabalho,
tornando-se uma própria mercadoria que produz outras mercadorias (ISSA, 2017), muitas
vezes através de um trabalho precariamente remunerado, ou mesmo gratuito.
Assim o que a materialidade do fenômeno estudado nos mostra é a utilização da
força de trabalho dos presos como exploração de mão de obra abaixo do seu valor mínimo
necessário para reprodução da força de trabalho, assemelhando-se, portanto, à escravidão
moderna e, com a instituição de um sistema punitivo estrutural (RUSCHE;
KIRCHHEIMER, 2004), enfatizando que a superpopulação carcerária e as péssimas
condições e relações de trabalho postas, propiciam a formação de um exército industrial
de reserva para as iniciativas privadas e públicas.
Entendemos, portanto, que o trabalho encarcerado representa uma importante
engrenagem ao capital e a extração de mais valor, tanto pelo Estado, quanto por
capitalistas parceiros ao sistema prisional, à despeito de medidas que deveriam preparar
os detentos à ressocialização com condições dignas de reprodução da própria vida.
Todavia, fica obscuro a estes e a sociedade que, além da privação da liberdade
resultante da pena legal pelo delito cometido, esses indivíduos são novamente punidos na
medida em que as regras de remuneração da venda de sua força de trabalho são diferentes
e muito mais precárias que as concernentes aos demais trabalhadores assalariados no país.
Nesse contexto, o trabalho carcerário, como já apontado por Antero (2008), se transfigura
em trabalho escravo temporário pois, muito mais que um descumprimento das leis
trabalhistas, essa relação de trabalho não concede ao preso nem ao menos o direito de
vender por si só a sua força de trabalho.
Neste movimento, ainda observamos que o Estado exerce um duplo papel sobre o
processo de valorização do valor através do trabalho encarcerado na medida que, além de
ditar as regras quanto à produção de valor por esses indivíduos, também possui controle
quanto à esfera da circulação, visto que toda a remuneração, quando existente, a estes
trabalhadores encarcerados é depositada em um banco de economia mista, com
participação majoritária da União sobre as ações. Uma vez dentro desta instituição
bancária, a remuneração destes trabalhadores, cujo controle e acesso é dificultado, pode
ser transformada em capital financeiro e utilizada das mais diversas formas, assim como
quaisquer outras poupanças.
Por fim, pontuamos algumas limitações inerentes à pesquisa e que podem
representar questões potenciais para futuros estudos. A primeira refere-se ao
entendimento aprofundado de como a superpopulação carcerária forma um exército
industrial de reserva, através da mediação do Estado, para iniciativas públicas e privadas.
Em segundo lugar, faz-se necessário debruçar-se sobre o papel do Estado na esfera da
circulação, visto às dificuldades encontradas em evidenciar a utilização precisa da
remuneração dos trabalhadores encarcerados, depositadas em um banco estatal, através
apenas da utilização de entrevistas e dados secundários. Posteriormente, aconselhamos
que na agenda de pesquisa para estudos futuros seja contemplado outros estados a fim de
maximizar o olhar crítica para a realidade concreta do sistema prisional brasileiro, nos
desvencilhando dos números expostos pela mídia e pelo ordenamento jurídico atual.
Referências Bibliográficas
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SILVA, Clara Luísa Oliveira; SARAIVA, Luiz Alex Silva. Alienation, segregation and
resocialization:meanings of prison labor. Rev. Adm. (São Paulo), São Paulo , v. 51, n. 4,
p. 366-376, Dec. 2016 .
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Resumo
O presente trabalho analisa o cenário econômico do Reino Unido no período anterior ao
plebiscito que culminou na saída do Estado da União Europeia, bloco econômico de
tendências notadamente neoliberais. A análise vislumbra explicitar o papel da
financeirização como fator que influenciou a população a ser favorável ao “BREXIT”. A
partir disso, é mostrada a semelhança dos impactos da financeirização no Reino Unido
com o cenário jurídico-político brasileiro nos últimos anos. Através da suscitação dos
impactos da financeirização e da liberalização nas economias nacionais, propõe-se a
questionar como é imperativo que o Brasil observe as experiências do Reino Unido, no
âmbito da política econômica, como exemplo a não ser seguido, evitando assim replicar
os erros lá introduzidos.
Abstract
This paper analyses the economic scenario of the United Kingdom in the years before the
referendum that culminates in the exit of the state from the European Union, economic
bloc that has clear neoliberal tendencies. The analysis aims to enlighten the role of the
financialization, as a factor of influence to the population favorable to the “BREXIT”,
being displayed from this aspect the similarities between the impacts of the
financialization and the liberalization in the United Kingdom in comparison to Brazil’s
political-juridical scenario in the latest years.
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1 De acordo com relatos da época, as principais questões sobre as quais os eleitores se basearam para votar
no plebiscito foram a economia, a defesa, o papel do Reino Unido em assuntos internacionais, a segurança
e a paz futuras. (O dia em que os britânicos, com apoio de Thatcher, decidiram permanecer na Europa,
2014)
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well beyond support for the commercial and financial dominance of the City
of London as it operated until its deregulation in the mid-1980s to promote it
as the leading international centre for international financial capital. (JESSOP,
2016, p. 3)
2 Em relação ao mercado financeiro "Thanks to ‘light touch regulation’, these policies have made
the City the home for many of the most egregious financial scandals in 2007–2015, regardless of the
nationality or primary seat of the financial institutions involved" (JESSOP, 2016, p. 3)
3 O aumento efetivo da produtividade não apenas o aumento no índice de preços
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Camden and City of London, Westminster, Kensignton & Chelsea and Hammersmith &
Fulham e Wandsworth, onde cerca de 75% dos eleitores de cada uma das zonas foram
favoráveis a permanência no bloco econômico (BARR, 2016). Por sua vez, nas zonas
eleitorais majoritariamente contrárias à permanência do Reino Unido na União Europeia
destacam-se os resultados obtidos em Ashfield (69,8%), Boston (75,6%), Great Yarmouth
(71,5%) e Stoke-on-Trent (69,4%) (BARR, 2016).
7 O período de análise dessa seção foi a partir do ano de 2007 até 2015, anos que antecederam
respectivamente a crise financeira de repercussão mundial iniciada nos Estados Unidos e o "BREXIT".
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O final dos anos 80 no Brasil marcou o fim do paradigmático período militar. Nos
anos 90 o país teve pela primeira vez, desde a ditadura, representantes governamentais
eleitos diretamente através do voto, universalizado a partir da então recente constituição
de 1988. Aquele momento na realidade brasileira foi influenciado pelas consequências do
regime militar ditatorial, dessa forma durante as campanhas dos candidatos e governos
dos cargos eletivos à época, visava-se reestabelecer o país a partir da nova ordem
institucional democrática.
No âmbito da economia nacional eram manifestamente perversos os impactos
econômicos da ditadura, devido à política econômica adotada pelo governo autoritário
caracterizada pelo largo controle e repressão estatal.
The most significant achievement of the neoliberal decade was the elimination
of high inflation [...] However, the 1994 real plan was not only an anti-inflation
programme. It also included policies consolidating the neoliberal transition.
These policies, explained in the previous section, included high interest rates,
financial, trade and capital account liberalisation, the privatisation or closure
of state-owned productive and financial enterprises, fiscal and labour market
reforms, de-indexation, currency overvaluation and the closure of several state
agencies and departments. (MOLLO, SAAD-FILHO, 2006, p.103)
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No âmbito social os impactos do atual regime fiscal são também alarmantes, pois
fomentam a perpetuação da desigualdade que historicamente caracteriza a sociedade
brasileira. A perpetuação justifica-se, pois, a partir da sua instauração do novo regime
fiscal houve a redução de despesas com educação e saúde públicas, que tem como
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principal usuário a população mais pobre do país onerada também com a redução da
possibilidade de aumento de sua renda, através da nova metodologia de reajuste do
salário-mínimo (ALESSI, 2016).
8 Setores que promovem diretamente a expansão da capacidade produtiva no curto e longo prazo.
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9 No Brasil, a virada para a austeridade é a marca do segundo governo Dilma Rousseff, que iniciou
adotando a estratégia econômica do candidato derrotado no pleito de 2014, ou seja, realizando um duro
ajuste fiscal e monetário na esperança de que o setor privado retomasse a confiança e voltasse a investir
[...] o corte de gasto em conjunturas como a de 2015 não é garantia de melhores indicadores fiscais, pelo
contrário, as contas públicas pioraram por conta da própria interrupção de investimentos públicos e
contingenciamento de verbas para áreas importantes como saúde e educação. (ROSSI; DWECK, 2016).
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às perdas da maioria das populações locais. O ponto a ser observado a partir do paralelo
traçado é perceber como a financeirização age em contextos distintos de forma análoga
mesmo considerando as particularidades locais, especificamente, considerando o
ordenamento jurídico brasileiro e suas provisões que, em tese, tem potencial para retardar
a atuação desarrozoada do livre mercado.
Por fim, como apresentado por Mollo e Saad-filho (2016) destaca-se na realidade
brasileira a severidade e a complexidade dos problemas socioeconômicos, o que mais
uma vez reforça a incapacidade de o mercado solucionar tais questões espontaneamente.
Nesse sentido, cumpre ao país, de forma urgente, observar os impactos da
liberalização decorrentes da financeirização em perspectiva comparada, sobretudo do
Reino Unido, pois este adotou políticas semelhantes às adotadas/ pretendidas a serem
aplicadas na realidade nacional servindo como fonte empírica do insucesso das medidas
adotadas nesse tocante, fomentando assim a perspectiva crítica sobre a ascensão da
financeirização.
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10 years ago' says IFS: The Institute for Fiscal Studies finds spending is no lower as a
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Resumo
Mediante as teorias que observam no desenvolvimento das finanças a origem para um
estágio do sistema capitalista em que estas exercem hegemonia, dominação ou autonomia
em relação ao capital produtivo, apresenta-se aqui a comparação dos montantes de lucros
dos setores financeiro e industrial nacionais, como forma de questionar a consideração
abstrata das taxas de lucro como meios suficientes para a afirmação da suposta hegemonia
entre as mencionadas frações do capital.
Palavras-chave: Acumulação de Capital; Hegemonia Financeira; Taxa de Lucro.
Abstract
Through the theories that observe in the development of finance the origin for a stage of
the capitalist system in which they exercise hegemony, domination or autonomy in
relation to productive capital, here is presented the comparison of the amounts of profits
of the national financial and industrial sectors, as question of the abstract consideration
of rates of profit as sufficient means for the assertion of the supposed hegemony between
the mentioned fractions of capital.
Keywords: ; Financial Hegemony; Profit Rate.
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo interpretar a dinâmica dos setores financeiro
e produtivo no Brasil, durante os anos de 1998 a 2014, especificamente no que concerne
ao comportamento de suas respectivas taxas anuais de lucro, bem como, aos montantes
destes em relação ao PIB, com vistas a contribuir para a discussão a respeito da existência
de uma suposta hegemonia financeira incidente sobre a ordem produtiva nacional.
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nas décadas de 1890, 1930, 1970 e 2000 podem ser reconhecidas como tais, e estabelecem
que aquelas que originaram-se a partir de momentos de queda desta taxa – a saber, a
primeira e a terceira – corresponderam ao surgimento subsequente de hegemonias
financeiras, enquanto, as demais - não correlacionadas a esta tendência -, expressam os
desdobramentos implicados pela corrida para fora da economia real, isto é, pelo
distanciamento em relação à acumulação de capital. Essa percepção é evidenciada pela
Figura 1, a seguir.
Figura 1 – Taxa de lucro da economia não residencial privada dos Estados Unidos
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consumidas, que têm por encargo valorizá-los sob a forma de aplicação em ativos
financeiros (...) mantendo-os fora da produção de bens e serviços” –, através da qual faz-
se notar sua determinação parcial enquanto “subproduto da acumulação industrial do
período da ‘idade de ouro’”, considerando o fato de que parcelas dos lucros não
reinvestidos da indústria, bem como das rendas familiares não consumidas, foram
capacitadas à valorização por tais meios (CHESNAIS, 2005, p. 37).
No que concerne a tais etapas, observa movimentos incipientes já nas décadas
de 1950 e 1960, chamando atenção para os investimentos de excedentes líquidos de
rendas familiares em títulos de seguro de vida e o avanço dos depósitos salariais em conta
corrente, nas economias avançadas. Ressalta também a criação do mercado de
eurodólares em 1958, do qual resulta a “City” de Londres como “primeira base de
operação internacional do capital portador de juros” (CHESNAIS, 2005, p. 38)
Considerando a reciclagem dos petrodólares em 1976 e sua decorrente
abundância de capital líquido, reconhece a condição para o endividamento público dos
países do terceiro mundo, e deste a crise da dívida instaurada pela alta repentina das taxas
de juros norte-americanas e pela elevação do dólar, o que por sua vez, acarretou a
imposição de políticas de ajuste estrutural a estas economias. Especificamente em relação
à dívida pública, reconhece-se sua função enquanto mecanismo de transferência de
recursos reprodutível no tempo, dada sua capacidade de recriar-se sem cessar sobre as
contas nacionais, de sorte que para sua liquidação seja sempre necessário emitir novos
títulos. Todavia, é nas economias centrais que o autor reconhece a contribuição maior
para o desenvolvimento do capital portador de juros, já que por esta o financiamento
público pôde servir como meio de valorização para os excedentes dos investidores
financeiros estrangeiros, à época, montantes vultosos centralizados nas mãos dos
investidores institucionais. Disso resulta sua configuração como meio rentável, senão,
mais seguro, para a acumulação financeira (CHESNAIS, 2005).
Com isso, afirma que os recursos centralizados pela dívida passam a ser
dominados pelos mercados financeiros, nos anos 1980, dada sua capacidade de “garantir
aos investidores (...) a possibilidade, em tempo normal, de revender seus ativos a qualquer
momento” (CHESNAIS, 2005, p. 42), o que, em outras palavras, equivale à “plena
restituição da liquidez enquanto instituição” (CHESNAIS, 2003, p. 49).
Desta, passa-se a uma nova etapa da acumulação financeira consubstanciada nos
mercados de ações, em que a pressão impessoal das finanças começa a incidir sobre os
grupos industriais, criando novas normas de rentabilidade e pressões acentuadas sobre os
salários, sejam estas relativas à produtividade e flexibilidade do trabalho ou às formas de
determinação dos salários propriamente ditos (CHESNAIS, 2005).
Coadunando com o estabelecido, pontua que o poder da finança concentrada
pôde ser reconstituído e munido de capacidade para impor-se frente aos demais governos,
passando a ditar a repartição de renda e o ritmo e a orientação do investimento. Em suas
palavras: “os investidores financeiros receberam como presente dos governos (...) um
recurso importante para o financiamento dos déficits orçamentários. O sistema lhes
ofereceu taxas de juros elevadas e uma grande segurança de rendas”, com isso “recursos
financeiros imensos permaneceram, em grande parte, reféns da finança e conduziram à
acumulação de ativos financeiros muito elevados pelas instituições financeiras não-
bancárias” (CHESNAIS, 2003, p. 48-9).
Como medida da amplitude destes eventos, o autor aponta para a evolução do
volume de ativos financeiros possuídos pelos investidores institucionais, conforme
evidenciado pela Figura 4, a seguir.
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Figura 4 – Ativos financeiros dos países da OCDE, por tipo de investidor institucional.
Para o autor, o anunciado regime configura-se então, como “uma ‘produção’ dos
países capitalistas avançados, com os Estados Unidos e o Reino Unido à frente”, em que
o seu laço com a globalização dá-se, não pela apreensão da economia mundial em sua
totalidade sistêmica, mas antes, pela generalização ampliada das políticas de liberalização
e desregulamentação dos fluxos de capital e relações comerciais, através de um processo
comandado pelos Estados Unidos, em que a adesão dos demais países se torna
compulsória e inflexível (CHESNAIS, 2003, p. 52).
Nesse sentido, destaca-se,
A “mundialização financeira” possui, de modo evidente, a função de garantir
a apropriação, em condições tão regulares e seguras quanto possível, das
rendas financeiras – juros e dividendos – numa escala mundial. Sua arquitetura
(...) tem a finalidade de permitir a valorização de um capital de investimento
financeiro em todos os países capazes de acolher capitais de investimento
estrangeiro. Foi, portanto, preciso levar esses países a se dobrar frente às
injunções da liberalização financeira capitaneadas pelo FMI. (...) A nova
interpenetração entre “finança” e “indústria” exige que os grupos possam
usufruir de uma liberdade total de localização de áreas de abastecimento, de
produção e de comercialização, portanto, de uma liberalização completa do
IDE e das trocas (CHESNAIS, 2003, p. 53).
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A taxa de lucro, posta em si, como mera razão, pretensa a uma utilização
simples, pouco revela a respeito da existência da hegemonia financeira. Assim, sem
descartar a sua influência sobre a dinâmica da acumulação e da circulação, deve-se somar
a esta, a análise dos montantes de lucro aferidos como proporção do produto interno bruto,
visando a contemplar o real impacto da atuação das instituições capitalistas frente à
economia como um todo, possibilitando com isso novas considerações a respeito da
existência ou não de uma relação hegemônica entre o que na verdade representa parcelas
do capital social total.
3 DESENVOLVIMENTO
Os dados utilizados tomam por base a “Pesquisa Industrial Anual – Empresa”,
realizada pelo IBGE, bem como, os “Relatórios Contábeis Anuais de Entidades
Supervisionadas” divulgados pelo Banco Central do Brasil, dos quais extraem-se as
rubricas necessárias para o cálculo dos montantes e taxas de lucro de cada segmento
econômico. Opta-se aqui por utilizar duas metodologias para o cálculo da taxa de lucro,
uma como expressão do resultado contábil anual – baseada nas demonstrações de
resultado do exercício -, e a outra, como a razão entre o resultado aferido e montante de
capital próprio. Esta ambivalência analítica se dedica a apurar eventuais distorções que
possam surgir em consequência das diferentes estruturas de capital adotadas pelas
empresas de cada setor, uma vez que ocupam funções distintas na ordem capitalista.
Para a comparação dos montantes de lucro, utilizou-se como medida a expressão
percentual destes sobre o produto interno bruto nominal, análise a partir da qual põe-se
em questionamento a existência fática da hegemonia financeira na economia brasileira.
Os resultados são evidenciados conforme as figuras 6 e 7, a seguir, pelos quais
apreende-se que quando, calculados os montantes de lucro em razão das receitas, a curva
individual do setor financeiro sobrepõe-se à do setor industrial. Entretanto, quando
confrontados os seus respectivos montantes de lucro frente ao PIB, esta sobreposição se
inverte, demonstrando o maior peso das massas de lucros industriais em relação ao setor
financeiro.
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25.0%
22.5%
20.0%
17.5%
15.0%
12.5%
10.0%
7.5%
5.0%
2.5%
0.0%
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Resultado SFN/Receita SFN Resultado IND/Receita IND
Fonte: elaborado a partir de dados do IF.data (BC, 2018) e da Pesquisa Industrial Anual (IBGE, 2017)
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Resultado SFN / PIB Resultado IND / PIB
Fonte: elaborado a partir de dados do IF.data (BC, 2018) e da Pesquisa Industrial Anual (IBGE, 2017)
Conclui-se assim, que, ainda que o setor financeiro tenha aferido taxas de resultado
maiores que as da indústria, enquanto fração da economia geral, seus resultados foram
menores. Essa situação coloca em questão os reais dimensionamentos que podem assumir
o termo hegemonia financeira. Mediante tais resultados e tomando por base as asserções
feitas por Lapavitsas (2009) e Prado (2017), entende-se aqui que o sistema financeiro
exerce forte influência sobre a ordem produtiva, porém, é ainda a produção, o setor
econômico que absorve em maior grau os montantes de valor realizados.
Referências
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Resumo
Abstract
The objective of this essay is to analyze the diverse transformations of the productive and
institutional environment of the Brazilian sociopolitical context that allow to verify the
manifestation of an ideology based on the broad concept of entrepreneurship, focused on
the conformation of the worker in precarious working relations. In the conceptual
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Introdução
Na atualidade, não há um consenso quanto à definição do que sejam o
empreendedorismo e o agente empreendedor. No ambiente social, muitos se referem ao
empreendedorismo como sinônimo de abertura de um novo negócio. Nesse sentido,
seriam empreendedores todos aqueles que assumissem como atividade produtiva a
condução de um negócio por eles mesmos concebidos. Os relatórios do Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), por exemplo, adotam este conceito
padrão para apresentar a evolução do número de empreendedores no Brasil.
Já para outros, a abertura de uma empresa (ou inauguração de uma atividade
produtiva equivalente) não é suficiente para que uma pessoa seja considerada
empreendedora. Além disso, é necessário que este novo negócio apresente alguma
inovação relevante, considerada principalmente em se tratando de algum componente de
marketing ou de produção – inovação do produto, do nicho de mercado, do
relacionamento com o cliente, dos serviços agregados e/ou da organização do processo
produtivo. Este conceito se aproxima mais da contribuição consolidada de Schumpeter
(1934) sobre o tema.
Uma terceira vertente trata da atitude empreendedora, caracterizada como algo
que prescinde da condução centralizada de alguma atividade produtiva. Nesta definição,
até mesmo empregados e prestadores autônomos de serviço podem ser considerados
empreendedores, desde que ajam motivados para a realização pessoal, busquem
continuamente novas formas de ganhar dinheiro, sejam criativos e mobilizem esforços
para a excelência no trabalho – independentemente dos estímulos externos. Partindo dessa
definição, surgiu o conceito de intraempreendedor, conforme veremos mais adiante.
Cada uma dessas três vertentes é utilizada pelos emissores comunicacionais de
acordo com a conveniência situacional, podendo variar displicentemente no discurso de
um único emissor. Em comum, elas reforçam que o empreendedor deve ser capaz de
“agregar valor” – a si mesmo ou à entidade organizacional –, o que se mostra de grande
conveniência à dinâmica capitalista. Sobretudo, precisamos salientar que o que se
convencionou chamar de empreendedorismo, aparentemente cumpre uma função
“coringa” de representar os desígnios do capital em diferentes graus de desenvolvimento
das forças produtivas.
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Como Marx (2008) explica, é por meio das ideologias que os indivíduos tomam
consciência das contradições, de maneira que é relevante compreender como um
fenômeno tão abrangente como o empreendedorismo atua sobre a produção do
pensamento social – antes condicionado pelas próprias relações materiais, contudo,
dialeticamente, sobre tais relações as ideologias exercem influência. Defendemos, assim,
que como causa e consequência de uma ideologia do empreendedorismo, voltada à classe
trabalhadora, há uma mudança valorativa quanto ao que é ser um trabalhador informal,
que de sujeito antes tido por excluído e fracassado, passa a ser visto como perseverante e
desbravador (FRANCO; FERRAZ, 2017). Isto, de certo modo, contribui à generalização
da informalidade no ambiente produtivo, à intensificação da exploração da força de
trabalho, à redução da distância das condições de trabalho formal e informal, além de
eximir do Estado o papel de garantir uma ocupação minimamente digna a todos os
trabalhadores, isto é, que possibilite ao menos a reprodução da própria força de trabalho.
O ensaio está estruturado em outras cinco partes. Na segunda, apresentamos uma
breve teorização acerca da ideologia. Na terceira, situamos a apreensão conceitual acerca
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Em 1974, foi promulgada a lei 6.019/74, que dispõe sobre o trabalho temporário
nas empresas urbanas. Tal lei pode ser considerada como um importante marco para a
flexibilização e desregulamentação das relações de trabalho no país, partindo da
interpretação de que o trabalho temporário pode ser considerado como uma das
modalidades de terceirização (CHAMBERLAIN, 2012). Essa lei sofreu profundas
modificações ao longo do tempo e, no ano de 2017, foi aprovada o aumento do prazo
máximo do contrato temporário, passando de 90 para 180 dias – conforme veremos em
seção posterior deste ensaio.
Partindo para a década de 1980, muitos analistas econômicos, quando fazem uma
análise da conjuntura macroestrutural deste período no Brasil, a tratam como a “década
perdida”. Isso se deve em função das baixas taxas de crescimento produtivo, inflação
descontrolada e grande dependência do país em relação aos órgãos de controle financeiro
mundial. Nesse contexto, como se é possível supor, piora a situação das condições de
trabalho precárias para a maior parte da classe trabalhadora.
Entre 1980 e 2005, o Brasil ceifou 1/5 do poder aquisitivo do trabalhador, e a
produtividade praticamente não se expandiu fortemente, o que termina
revelando a clara opção pela manutenção do atraso nas relações de trabalho.
Menos tempo de trabalho na empresa combina com menor salário, insuficiente
formação profissional, contida inovação técnica e produtividade estancada
(POCHMANN, 2016, p.409).
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representava um guia quanto aos rumos que o empresariado deveria seguir para a
descaracterização da CLT.
Num âmbito geral, os governos petistas subsequentes não só não foram capazes
que conter os processos de reestruturação produtiva e precarização das relações laborais,
como contribuíram para o avanço a mitigação das forças das centrais sindicais, haja vista
a proliferação de “sindicatos fantasmas” e cooptação das centrais sindicais ao aparato
governamental. Deste modo, os sindicatos dos trabalhadores seguiram como um fim em
si próprio, atuando quase sempre dentro das margens permitidas pela classe burguesa
(SOARES, 2013).
Em 2012, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentou em Brasília
um relatório denominado “101 Propostas para Modernização Trabalhista”, cujo objetivo,
segundo o seu portal online, era o de “abrir as discussões para reduzir os altos custos do
emprego formal, que a CNI vê como um dos mais graves gargalos ao aumento da
competitividade das empresas brasileiras”. Como se fossem os trabalhadores que
impedissem a inovação, quando são as mãos e cérebros que a realizam. As propostas
enunciadas pela CNI, que não encontraram o aval da então presidente da república Dilma
Rousseff, seguem a passos largos no congresso nacional após a destituição da chefe de
Estado via processo de impeachment – incentivado fervorosamente pelo capital nacional
e internacional. Neste sentido, Michel Temer assume o governo em 2016 levando a cabo
as resolutivas legais de flexibilização trabalhista. Ofensivas por diversas frentes
percorrem numa velocidade incomparável nos trâmites do aparato político, com a
aprovação da terceirização das áreas-fim das empresas e da Reforma Trabalhista.
Pelo exposto, percebemos que o formal e o informal, o moderno e o arcaico, o
urbano e o rural, o centro e a periferia, ao longo da formação do mercado de trabalho
brasileiro, constituíram-se como polos indissociáveis, complementares, reciprocamente
influenciados. Contudo, defendemos neste ensaio a existência de uma nova
particularidade da precarização no mercado de trabalho no Brasil e acreditamos ser
necessário demarcar a diferença dessa precarização das situações anteriores. Até então, a
transição de trabalhadores entre esfera do formal e do informal era mais frequente entre
os estratos de rendas mais baixos. Atualmente, amparada por uma ideologia do
empreendedorismo, a precarização vigente segue a tendência de crescimento
generalizado da instabilidade nas relações de trabalho, que se pauta em novos valores
sociais, contribuindo ao movimento de redução das ocupações formais e das próprias
diferenças qualitativas entre o formal e o informal, conforme aprofundamos na próxima
seção.
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salário do trabalho. Presente em todos os estados brasileiros, emprega mais de 4,5 mil
funcionários, tem mais de 12 mil consultores, 336 postos de atendimento próprio e mais
452 em parceria. O Sebrae “apoia as empresas com cursos, palestras, treinamentos,
promoção de feiras de negócios, publicações e consultoria” (SARFATI, 2013, p. 33).
A entidade é sustentada pelo fundo público, que direciona sua atuação e
corrobora com a reprodução dos objetos discursivos acerca do empreendedorismo,
enquanto contribui com o combate ao desemprego, visto que busca atuar na redução da
mortalidade dos micros e pequenos negócios e no estímulo aos novos negócios. Todavia,
o fato de 60% das novas empresas não ultrapassarem os cinco anos de existência (IBGE,
2014) talvez não tenha como principal motivo os “problemas de gestão”, como é apontado
em relatórios sobre a mortalidade dessas empresas, mas a própria dinâmica capitalista na
qual as grandes corporações têm vantagens esmagadoras sobre as menores – compras em
escala, aporte de capital, influência política etc.
Não obstante toda essa estrutura, ao se ampliar o escopo e observar as condições
concretas de vida dos indivíduos que são restringidos a empreender, apenas uma camada
dos que centralizam a condução de atividades produtivas efetivamente procuram o Sebrae
– normalmente, os com maior escolaridade e maior gama recursos (GEM, 2017). Ou seja,
as franjas de trabalhadores “conta-própria” mais pauperizadas usualmente não acessam
tal apoio.
Com a agenda neoliberal fortificada pelo estado brasileiro após 1990, a redução
do emprego formal na indústria de bens, aliada à nova forma de organização do trabalho
neste setor, houve o crescimento do número de pessoas atuando em formas diversas de
organizações laborais. Exemplos são: trabalhadores em contratos temporários de
empresas terceiradas; freelancers; trabalhadores impelidos a se transformarem em pessoa
jurídica (o fenômeno da “pejotização”); trabalhadores “sócios” em cooperativas de
fachada; trabalhadores atuando como consultores independentes do marketing multinível;
e, mais recentemente, trabalhadores semiautônomos motoristas de aplicativos de
mobilidade urbana.
Os índices de desemprego e de informalidade, de certa forma, puderam ser
mascarados a partir da iniciativa criada pelo governo, em 2008, do cadastro de
Microempreendedor Individual (MEI), numa estratégia de “formalização do informal”.
Ao mesmo tempo em que o MEI pode significar um sistema mínimo de proteção às
pessoas que atuavam na informalidade (oferecendo benefícios como auxílio maternidade,
auxílio doença e aposentadoria), ele ratifica o consentimento do Estado com o trabalho
precário, visto que estes trabalhadores apresentam grande instabilidade em suas
atividades laborais (sofrendo maiores impactos com a sazonalidade das demandas) e, em
geral, auferem baixa rentabilidade com o trabalho.
Wissmann e Leal (2017, p. 7) também levantam a hipótese de que “a política de
institucionalização do MEI como uma tentativa de redução da informalidade pode, na
verdade, ter como efeito um movimento de formalização da precariedade do trabalho”, o
que contribui “para o consentimento social quanto à vulnerabilidade crescente da classe
trabalhadora”. Basta destacar que o teto de faturamento anual do MEI até 2017 era de
R$60.000 anuais (atualmente, é de R$ 81.000,00) e a renda familiar média de 59% deles
não chegava a quatro salários mínimos (SEBRAE, 2018). Considerando as baixas taxas
rentabilidade dessas atividades, essa aparente política pública acaba deslocando o
problema estrutural do mercado de trabalho para a esfera individual, enquanto as
mobilizações coletivas permanecem abafadas.
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Considerações finais
Nosso objetivo neste ensaio consistiu em analisar as diversas transformações do
ambiente produtivo e institucional do contexto sociopolítico brasileiro que permitem a
constatação da manifestação de uma ideologia pautada no conceito amplo de
empreendedorismo, voltada à conformação do trabalhador em relações de trabalho
precárias. Dentre as principais conclusões, podemos indicar que o conceito de
empreendedorismo, para além da plurissignificação ainda pouco aprofundada pelos
pesquisadores (isso não é por acaso), se manifesta materialmente de modos particulares
nas diversas franjas de classe.
No Brasil, onde o fenômeno se relaciona, em maior medida, com os trabalhadores
informais (conta-própria) e com os micros e pequenos negócios, o empreendedorismo
contribui com a reestruturação produtiva do capital, na medida em que os pequenos
empreendimentos servem de substitutos aos empregados anteriormente contratados pelas
grandes empresas e que a redução das garantias institucionais de proteção ao trabalho se
traduz em força de trabalho mais barata. No contexto de atuação do Sebrae, da Lei do
MEI e da Reforma Trabalhista, torna-se institucionalizado que os trabalhadores devem se
acostumar com a falta de segurança jurídica, conformando-se com a assunção de riscos,
trabalhos temporários, inconstantes e/ou terceirizados.
Se a esfera do formal não deve tomar a aparência explícita de estar cada vez mais
escassa, as forças político-econômicas têm atuado para a própria redução da distância
entre o formal e o informal. Assim, no novo contrato social, passam a ser valorizadas as
supostas autonomia, liberdade de horário e ausência de chefe. Todos, de um jeito ou de
outro, podem tomar a aparência de empreendedores, enquanto a subsunção ao grande
capital, a desigualdade social e a exploração do trabalho se camuflam e permanecem
constantemente presentes.
A produção do conhecimento nacional segue enaltecendo o empreendedorismo
como importante fator para combate ao desemprego e para o desenvolvimento econômico
do país, embora não haja evidencias empíricas de que os pequenos negócios, mesmo
absorvendo a maior parte do mercado de trabalho, sejam suficientes para a melhoria das
condições de vida do trabalhador, em geral. Não se trata de defender o retorno da mão de
obra à grande indústria, mas de demostrar o modo como a ideologia do
empreendedorismo tem contribuído à precarização do trabalho, tal como propomos na
tese que embasou este ensaio.
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UMA ANÁLISE MARXISTA ACERCA DO TRABALHO DOMÉSTICO NO
BRASIL
ABSTRACT
Human labor drives the process of formation, reproduction, transformation and existence
as a gender; thus constituting creative activity. The complex of labor relations, at present,
pervades issues pertaining to the provision of services, productive work, unproductive
labor, work that is intermediated by a capitalist (or several) and also work that is offered
directly by the worker. We propose, through this theoretical essay, to discuss the problem
of domestic work in contemporary Brazil and to understand the economic and social
determinations that imply the forms of exploitation of this type of work. The development
of the research was based on selected bibliography and secondary dice. It is concluded,
in the line of argument, with a hypothesis that domestic work is important in the
replacement and the workforce of the working class and thus thematic on the production
and circulation of capital.
INTRODUÇÃO
A compreensão do atual estágio histórico-social, e por consequência a
compreensão do movimento real, passa fundamentalmente por categorias que expliquem
como se dão as relações sociais de trabalho. O trabalho humano impulsiona o processo
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de formação, reprodução, transformação e da existência enquanto gênero; constituindo-
se, assim, como atividade criadora. Marx analisa que “o que diferencia as épocas
econômicas não é ‘o que’ é produzido, mas ‘como’, ‘com que meios de trabalho’[...]”
(MARX, 2013, p.257). Nesta perspectiva, cabe refletir sobre o atual estágio do sistema
capitalista e como o avanço tecnológico implica na relação capital-trabalho de modo
concreto.
Marx chama atenção para o caráter ontológico do trabalho e como o processo de
trabalho se dá por meio de intercâmbio entre o ser humano e a natureza. O trabalho, em
Marx (2013), remete à transformação da natureza pelo ser humano ao mesmo tempo em
que transforma a si próprio. Ainda sobre o trabalho, na perspectiva marxiana, compete
destacar as condições sociais determinadas, por meio das quais ocorre a exploração do
trabalho. Partindo da centralidade do trabalho para compreensão do modus operandi do
sistema capitalista, cabe determinar as categorias e os níveis de abstrações capazes de
explicar e transformar o real.
Na formação histórico-social do Brasil, o trabalho doméstico constitui uma fonte
de emprego para os extratos mais pauperizados da classe trabalhadora. A sociedade
brasileira é fortemente marcada pelo processo e colonização para exploração de bens
naturais e escravidão, o trabalho doméstico, no país, constituiu ao longo da história, um
dos exemplos mais marcantes da perpetuação do trabalho em condições análogas à
escravidão.
Muitos marxistas brasileiros dedicam espaço em livros, comentários em textos
sobre o trabalho doméstico em um nível de abstração que não abarca as nuances
nacionais. São exemplos Iasi (2011) e Carcanholo (2007). Um estudo de orientação
marxista que trata do tema, trabalho doméstico no Brasil, de forma a observar mais de
perto as particularidades do país e essa forma particular de trabalho, foi realizado pela
Saffioti e publicado em 1978.
Na produção cientifica estudos quantitativos e descritivos das condições para
execução do trabalho doméstico e aspectos subjetivos das trabalhadoras que executam
esse tipo de trabalho são encontrados com facilidade, tais estudos geralmente são de
caráter positivista e até mesmo pós-moderno.
METODOLOGIA
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Este estudo é fruto de uma empreitada para compreender o trabalho doméstico no
Brasil contemporâneo. A presente pesquisa constitui o primeiro escrito dessa tarefa e
reúne algumas inquietações, perspectivas de análise e acúmulos sobre a temática.
Para alcançar o objetivo proposto foi preciso, em um primeiro momento,
caracterizar o trabalho doméstico no Brasil atual e pontuar alguns aspectos histórico-
econômicos. A caracterização das condições, atuais, de execução do trabalho doméstico
remunerado se deu por meio de dados secundários obtidos do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) divulgados na Síntese de Indicadores Sociais no eixo
Trabalho, do ano de 2016. Sobre a questão do trabalho doméstico sempre surge a
polêmica se este gera ou não valor e mais-valor, se pode ser enquadrado na categoria
econômica de trabalho improdutivo e ou trabalho produtivo. Nesse sentido, iniciou-se
essa discussão por meio de elementos apresentados na bibliografia selecionada a respeito
dos pontos elencados.
Na fundamentação, dessa pesquisa, trabalhou-se com bibliografia, selecionada e
artigos. A bibliografia que dispomos, contou com Marx, mais especificamente d’o
Capital: Critica da Economia Política, livro I O processo de produção e capitalista; Cotrim
(2012) que é a publicação de sua dissertação mestrado Carcanholo identificado dois
textos, na modalidades de artigo. Tanto Carcanholo (2007) quanto Cotrim (2012)
empenharam-se em estudar a opinião de vários autores de orientação marxista sobre as
categorias econômicas trabalho produtivo e improdutivo, capital social, valor e mais-
valor. Saffioti (1978 e 2013). Saffioti (1978), trata-se da apresentação e discussão de
dados sobre a realidade e características de trabalhadoras domésticas do município de
Araraquara interior de São de Paulo, pesquisa realizada entre aos anos de 1974 e 1976.
Saffioti (2013) discute questões pertinentes aos sujeitos na formação econômica do
sistema capitalista e no Brasil. Iasi (2011), capítulo de livro, um texto que aborda a
polemica entorno da geração de valor ou não do trabalho doméstico.
A Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad, 2018) adota o
conceito de trabalho doméstico estabelecido pela legislação brasileira, “[...] é uma pessoa
maior de 18 anos que presta serviços a uma pessoa ou família de uma forma continuada
e sem fins lucrativos. Sua atuação acontece em uma residência ou ‘casa de família’”
(Fenatrad, 2018). A realidade de trabalho das trabalhadoras domésticas se dá por meio de
contratos diários, semanais e mensalistas, geralmente em casas e ou apartamentos com e
sem carteira de trabalho assinada.
Para fins deste estudo o trabalho doméstico é entendido como um conjunto de
tarefas da ordem do cuidado, limpeza e higiene realizadas na esfera privada do lar.
Servindo a uma família ou indivíduo. E uma atividade que exercida de forma remunerada.
Enquanto atividade concreta, o trabalho doméstico, consiste em: limpeza de ambientes;
preparo de alimentos e cuidado direto de indivíduos que não são explorados como força
de trabalho, isso em função da idade ou consequência de adoecimento.
DISCUSSÃO
O trabalho doméstico tem por função geral contribuir para a reposição e
manutenção humana, por consequência da mulher trabalhadora e do homem trabalhador.
Em uma sociedade regida pelo modo de produção capitalista, o trabalho doméstico, foi
condenado pela divisão social do trabalho à individualização, ou seja, restrição da
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responsabilidade das atividades domésticas à indivíduos (IASI, 2012 e SAFFIOTI, 2013).
São expressões da responsabilização do indivíduo para com o trabalho doméstico a
precariedade de serviços públicos como creches, restaurantes populares e políticas para
idosos. Todos esses exemplos de serviços que ganham descaso social têm sua
responsabilização imputada sob os ombros da mulher trabalhadora.
Ainda, analisando como o trabalho doméstico, no arranjo de sociedade onde
impera o modo de produção capitalista, é atribuído aos indivíduos Marx pondera como
isso é vantajoso para o capitalista. Dado que, “a manutenção e reprodução constantes da
classe trabalhadora continuam a ser uma condição constante para a reprodução do capital.
O capitalista pode abandonar confiadamente o preenchimento dessa condição ao impulso
de autoconservação e procriação dos trabalhadores” (MARX, p,647, 2013). E é isso que
ocorre desde o surgimento desse sistema até os dias atuais, e de forma desempenhada
quase que totalitariamente pelas mulheres da classe trabalhadora.
O trabalho doméstico constitui parte importante na reposição e manutenção da
força de trabalho. Segundo Iasi (2011), o trabalho concreto que produz o valor
corporificado na manutenção e reposição da força de trabalho é o trabalho doméstico. E
isso vale para a força de trabalho que é empregada tanto de forma produtiva quanto
improdutiva. Por sua vez, a força de trabalho reposta é vendida ao capitalista na forma de
mercadoria.
Marx, no capítulo 13 Maquinaria e grande indústria, ao discutir o crescimento do
contingente de operários na grande indústria apresenta em números que ao somar “[...]
os ocupados em todas as fábricas têxteis [...] ao pessoal das minas de carvão e de metais
teremos 1.208.0442 (MARX, p.519, 2013)”. Dando sequência aos cálculos “[...] se
agregarmos o pessoal de todas as metalúrgicas e manufaturas de metais, o total será de
1.039.605; em ambos os casos, pois um número menor do que o de escravos domésticos
modernos (MARX, p.519, 2013)”. Os dados que Marx apresenta provem do censo de
1861 da Inglaterra e do País de Gales. À época havia cerca de 1,208,648 desempenhando
tipos de trabalho enquadrado como trabalho doméstico, denominado por Marx como
“escravos domésticos modernos”.
Marx, conclui que
“[…] o extraordinário aumento da força produtiva nas esferas da grande
indústria, acompanhado como é de uma exploração intensiva e
extensivamente ampliada da força de trabalho em todas as outras esferas da
produção, permite empregar de modo improdutivo uma parte cada vez maior da
classe trabalhadora, e desse modo, reproduzir massivamente os antigos
escravos domésticos, agora rebatizados de ‘classe serviçal’, como criados, damas de
companhia, lacaios, etc” (MARX, p.518, 2013).
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questionamento: “[…] e se parte desses serviços ou mercadorias produzidas não é
comprada no mercado e é produzida no seio da própria família?” Como resposta chegou
à conclusão de que o trabalho doméstico estrito à reposição da força de trabalho de
famílias de trabalhadoras produtivas, é por consequência serviço produtivo. “[…] o labor
realizado para obtê-los constitui trabalho produtivo, produz valor e esse valor vai em parte
ser apropriado pelo capital que empregar aquela família de trabalhadores produtivos”
(CARCANHOLO, 2007, p.08). O trabalho não remunerado interlar significa maior
quantidade de lucro para o capitalista. No texto que dispomos, até o momento, o autor
não problematiza de forma específica o trabalho doméstico diretamente assalariado.
Fazemos o questionamento e trabalho doméstico que é vendido no mercado?
Saffioti (1978 e 2013) no entanto, não considera que o trabalho doméstico como
produtivo e isso para quaisquer espécie, seja vendido pela própria prestadora ou pela
intermediação de um capitalista. Cabe destaque que, à época em que Saffioti escreve, as
relações de trabalho eram diferentes e era pouco usual a presença de um intermediário na
venda de trabalho do trabalho doméstico para residências. Contudo, Saffioti mostra-se
como uma fonte relevante e demonstra ser um movimento interessante a busca por
entender as categorias e níveis de abstração com que trabalha; além do fato do rico dos
aspectos de gênero e questões raciais que pode ser encontrada em suas obras.
Cotrim (2012, p.156), compreende o trabalho doméstico como “[...] algo
imaterial, que satisfaz necessidades e que é veículo de valor”. A autora ainda alerta para
o aspecto de que, mesmo que parte do valor produzido pelo trabalho doméstico, seja
agregado a uma mercadoria quaisquer e, por conseguinte, trocado no mercado isso não
altera em absoluto a característica do trabalho de que partiu, desse modo, continua a ser
improdutivo. Pelas inferências da autora, entendemos, a defesa do pensamento que o
trabalho doméstico não pode incidir na geração de mais valor, mesmo que esse seja
prestado para um trabalhador produtivo.
Ainda segundo Cotrim (2012) o fato de um serviço ser vendido e consumido de
forma individual implica em esse serviço assumir um determinado preço, contudo isso
não caracteriza geração de valor. A autora exemplifica que “[…] o caso dos serviços
pessoais realizados por trabalhadores domésticos, cuidadores de crianças,
acompanhantes, etc. Essas atividades advêm da forma social capitalista de produção que
geram um contingente de indivíduos excluídos do trabalha assalariado [...]” (COTRIM,
p.171, 2012). Cabe atentar para o aspecto de que é afirmado que a disponibilidade para
execução de tais tarefas de cuidados de forma assalariada ocorre em função de extratos
da classe trabalhadora não encontrarem empregabilidade de outra forma, e não diz
respeito à necessidade desses tipos de serviços por parte das pessoas.
Dando sequência ao pensamento, a autora, acrescente um elemento à questão
“além dos serviços consumidos individualmente, há também mercadorias e serviços sem
valor consumidos pelo capital” (COTRIM,p.171, 2012). Da mesma forma esses serviços
e mercadorias não são socialmente necessários, assim não implicam em valor de uso
social. De modo que,
quando realizado sob o comando do capital, as empresas capitalistas que empregam esse trabalho
improdutivo gerador de mercadorias ou serviços sem valor tomam parte na distribuição da mais-
valia social de modo análogo, embora não idêntico, ao capital comercial: ao vendê-los,
aproximam-se da taxa média de lucro proporcional ao capital desembolsado para sua produção,
incorporando mais-valia contida em outras mercadorias” (COTRIM,p.171-2, 2012).
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Partindo dos elementos apresentados por Cotrim, 2012, pode-se depreender que o
trabalho doméstico quando ofertado de forma direta para o consumidor não gera valor e
é improdutivo. E quando é intermediado por empresas capitalistas gera valor mas
permanece improdutivo.
A manutenção e a reposição da força de trabalho é o produto do trabalho
doméstico. Iasi (2011) e Cotrim (2012), concordam que a categorização de uma forma de
trabalho como produtivo ou improdutivo não é algo fixo. Tendo em vista que, o fator
diferenciador dos processos de trabalho não diz respeito à forma concreta de trabalho,
mas sim ao complexo de circunstancias produtivas. Fato que já alertado por Marx.
Para Iasi o trabalho doméstico gera valor e esse valor incorpora-se à força de
trabalho. E assim expressasse no valor da força desse trabalho. Ainda diz que “[...]
existem vários serviços que, ao serem vendidos como mercadorias, revelam seu valor”
(IASI, 2011, p.139). Por fim, Iasi (2011, p.140), defende que “[...] gera novo valor, ainda
que não gere mais-valor [...]”. Entende-se que o trabalho doméstico cria e transfere valor.
Compreensão desse trabalho particular a depender das relações as quais esta
inserido. Carcanholo defende que o trabalho doméstico está relacionado diretamente com
o tipo de trabalho que a família exerce, podendo até assumir geração de mais-valor caso
trate-se de uma família operária. Compete pontuar que Marx aponta que família não é um
conceito fechado, mas sim um arranjo estabelecido conforme as condições sociais
vigentes.
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remuneração. A maioria das trabalhadoras que tinham sua carteira assinada eram brancas
representando 43,3% do total (IBGE, 2016).
Salta aos olhos que o trabalho domestico e uma ocupação laboral exercida
predominantemente por mulheres, sendo majoritariamente composta por mulheres pretas
e pardas. O fato de predominar as mulheres nesse tipo de trabalho se dá, segundo Saffioti
(1978 e 2013), e Iasi (2011), em função do sistema capitalista ter incorporado e
intensificado aspectos da divisão social do trabalho de organizações patriarcais de
sociedade. Assim, a predominância de mulheres nada tem a ver com questões biológicas,
mas sim sociais. Aspectos patriarcais são propagados e intensificados no capitalismo por
meio de uma ideologia em que a moral sexual sociabiliza as mulheres para a pratica do
cuidado e para o ambiente privado e do lar. No que diz respeito `a quantidade de mulheres
negras em tal tipo de trabalho ocorre em função da formação histórico-social do
capitalismo brasileiro. O Brasil, é marcado pelo processo de colonização para extração
de riquezas naturais e escravização de povos africanos. O trabalho doméstico, no país,
constituiu ao longo da história, um dos exemplos mais marcantes de perpetuação de
trabalho em condições análogas à escravidão.
CONCLUSÕES
Podemos observar certas tendências, na sociedade capitalista contemporânea
como: a redução da responsabilidade social e aprofundada particularização da
responsabilidade pela velhice; o não uso de certas tecnologias disponíveis em função do
baixo preço da mão de obra; grande presença do setor financeiro nas relações de trabalho.
O que acaba, por resultar em novas formas de estabelecer a exploração do trabalho. Todos
os elementos listados impactam muito na categoria trabalho doméstico e nas condições
de vida da mulher pertencente à classe trabalhadora.
Carcanholo e Cotrim preocupam-se de onde vem o dinheiro para pagar a
trabalhadora doméstica, esses autores apresentam que é por meio da transferência de
renda. Consideramos que essa é uma questão de grande importância para compressão da
questão do trabalho doméstico dentro do modo de produção capitalista.
Reflexões sobre o trabalho doméstico gerar ou não valor interessantes foram
apresentadas como a ideia de que determinantes do trabalho doméstico estariam
atrelados/condicionados ao tipo de trabalho realizado pelas famílias servidas. Uma
reflexão que merece ser aprofundada e amadurecida em estudos futuros.
Tendo em vista o atual estágio do capital e o avanço/expansão do setor do
financeiro Cotrim chama atenção para como empresas capitalista têm aparecido como
intermediadoras de algumas relações de oferta de serviços e mercadorias improdutivos.
E como esse fato incide na distribuição da taxa média de lucros.
Para linha de argumentação trabalhamos com a hipótese de que o trabalho
doméstico é importantíssimo na reposição e reprodução da força de trabalho da classe
trabalhadora e assim possui implicações na produção e circulação do capital. Que o
trabalho doméstico constitui importante fonte de empregabilidade para mulheres
pertencentes aos extratos mais pauperizados da classe trabalhadora.. E que pela questão
histórica-econômica da colonização brasileira as mulheres que recorrem ao trabalho
remunerado no trabalho doméstico são majoritariamente pretas e pardas.
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A presente pesquisa constitui um importante ponto de partida na empreitada de
compreensão da problemática do trabalho doméstico, no Brasil contemporâneo, e
entender as determinações econômicas e sociais que implicam nas formas de exploração
desse tipo de trabalho. Muitas questões foram equacionadas e outras surgiram. Resta
seguir nessa perspectiva e desenvolver mais estudos sobre a temática.
REFERÊNCIAS
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Resumo
Abstract
On this essay we sought to analyze how the brazilian prison system contributes for the
accumulation of capital by making use of the financial system. We come from a critic to
the political economy point of view, with the intention of making critics over the studies
on incarceration in Brazil. This discussion will take form based on the marxian theory,
with the support of an in loco observation and semi-structured interviews aiming to
make a movement that will overcome the appearances of a public safety system and
penetrate in the real contradictions of this capital-labour relation. On this movement,
we’ve observed that the State has a double role in the valorisation of the labour-value of
incarcerated individuals as it dictates the rules over the value production of these
individuals, it also has control over the circulation sphere since all the pay given to
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these imprisoned individuals is deposited in a public bank. On that, this essay unfolds in
the direction of a comprehension over the mediations that complete this very prison
system, especially on its relationship, each day closer, with the reproduction of capital
mediated by the State, aside that to unveil the true intentions that lay underneath the
incarceration process in Brazil.
1. Introdução
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Quanto aos trabalhos de manutenção nas unidades prisionais, estes são relatados
pelos presos como os melhores lugares para se ocupar, pois assim podem circular sem
interferências entre as diversas áreas da prisão (SALLA, 2006). As atividades de
manutenção estão ligadas à limpeza, recolhimento e separação do lixo, lava-jato das
viaturas oficiais, dos agentes e da comunidade, cozinha e entrega de marmitex (MINAS
GERAIS, 2013), entre outras atividades como pedreiro, bombeiro hidráulico, eletricista
e serviços gerais. Essa atividade laborativa em especial é obtida como um prêmio dentro
do cárcere, pois só podem executá-las aqueles que têm bom comportamento, sendo a
responsabilidade de seleção e capacitação incubida aos trabalhadores da administração
local.
1
O cálculo foi feito da seguinte maneira (R$ 702,75 / 30 dias) / 8 horas por dia.
2
O cálculo foi feito da seguinte maneira (R$ 351,37 / 30 dias) / 8 horas por dia.
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3
É a soma de dinheiro descontada do valor bruto do pagamento do preso, retido em fonte como imposto.
fazendo uma analogia, é como se fosse o FGTS do preso, mas ele só pode gastar esse dinheiro se
comprovado judicialmente os gastos com tratamentos médicos do preso e da família na ausência do SUS
(sistema único de saúde), ou após a prescrição completa de sua condenação.
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Vale ressaltar, que além da privação da liberdade resultante da pena legal pelo
delito cometido, esses indivíduos são novamente punidos na medida em que as regras
de remuneração da venda de sua força de trabalho são diferentes e mais precárias que as
concernentes aos demais trabalhadores assalariados no país, ao não receberem pelas
pausas no trabalho, pelo horário das refeições e nos finais de semana. Dentre os
descontos, tem-se ainda o custo da manutenção da unidade que pode ser deduzido dos
salários. Aqui, o "pagar para trabalhar" não é apenas uma anedota.
Na condição de trabalho interno e externo há 95 mil presos no país,
representando 15% da população carcerária empregada nos complexos fabris intramuros
carcerários. Segundo os dados do Depen (2017), há presos que recebem menos que o
estabelecido em lei, e em raras exceções presos que recebem mais, conforme a tabela 1.
A partir dos dados da tabela 1, é possível perceber que embora a lei de execução
penal preveja um mínimo salarial de remuneração ao trabalhador encarcerado, tem-se
que mais de 74,6 mil presos não recebem o mínimo estipulado, o que corresponde a
aproximadamente 75% de presos na modalidade supracitada. Ainda de acordo com os
dados, apenas 22% dos presos recebem entre ¾ e 1 salário mínimo e pouco mais de 3%
recebem mais de 1 salário, sendo estes últimos os pequenos empresários ou autônomos,
cuja declaração de imposto de renda é obrigatória, entraremos em pormenores no item
seguinte.
Aos trabalhadores da manutenção das unidades prisionais, que atualmente são
46.901 mil presos em todo o território nacional, é vedada a remuneração, segundo o Art.
30º4 da LEP 7210/84, o mesmo vale para os trabalhadores internos que desenvolvem
trabalhos sociais como as oficinas de agroindústrias, cujos produtos de seu trabalho, de
forma geral, são direcionados às entidades carentes do município, e aos trabalhadores
externos que estão envolvidos com trabalhos de manutenção referentes à reformas de
escolas em períodos de férias, serviços de limpeza externa nos prédios públicos,
reformas de hospitais, e batalhões de polícia e, no geral, a limpeza da cidade.
Nas penitenciárias agrícolas todo o trabalho é considerado de manutenção,
levando em consideração que os presos que possuem a responsabilidade pela produção
em massa dos alimentos e dos animais, cabendo aos agentes penitenciários a venda da
produção. Todo o dinheiro gerado com a venda dos produtos é repassado para o Estado
via recolhimento DAE.
Outro trabalho que é considerado como manutenção são as várias formas de
artesanatos em cela, porém, estas possuem um diferencial, visto que não são
4
Art. 30. As tarefas executadas como prestação de serviço à comunidade não serão remuneradas.
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incentivadas nas unidades prisionais. Segundo Ribeiro e Cruz (2002, p. 12) “a lei
reconhece a limitação econômica que o artesanato apresenta e, por isso, postula que o
estabelecimento deve procurar limitar sua realização tanto quanto o possível, salvo em
regiões de turismo”. O que os autores deixam implícito nas suas explanações é que o
artesanato gera renda para a família e não para o Estado, diferentemente da produção
agrícola, por exemplo. A limitação econômica gerada é intrinsicamente relacionada com
a perda do controle da circulação do que é produzido intramuros carcerários.
Diante das distintas modalidades de trabalho nas penitenciárias do país,
podemos inferir os interesses particulares do Estado ao mediar ou propriamente utilizar
o trabalho encarcerado para gerar e se apropriar do valor produzido pelos presidiários,
dado a natureza do encarceramento, na qual estes, desprovidos de liberdade, são
submetidos a condições de vida e subsistência precárias e desumanas. Assim, num local
onde as leis trabalhistas não perpassam seus muros, o Estado e capitalistas parceiros
valorizam seu capital às custas de um trabalho muitas vezes não remunerado dos
presidiários, devolvendo a estes, em contraposição ao senso comum sobre o tema, muito
menos do que proporcionam ao sistema.
Ao passo que vamos desvendando como o Estado se beneficia em sua mediação
nas relações sociais do Sistema Prisional, vamos indagando também seus interesses
ínfimos na esfera da circulação do que é produzido e recolhido. A seguir discutiremos a
mediação do Estado no que tange ao trabalho encarcerado e como o mais valor
produzido por este se torna capital.
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pensemos aqui em todos os problemas de lentidão dos processos, como o fato de muitos
desses presos não serem devidamente representados por defensores público e etc. Nesse
caminho, a maior permanência de um encarcerado que trabalha pode significar mais
tempo de dinheiro capitalizado no sistema financeiro, então, indagamos o interesse do
Estado em mediar essas relações, uma vez que os bancos passam a utilizar esse dinheiro
entesourado como capital.
Sobre o entesouramento, como explana Marx (2014, p. 265).
Trata-se de uma distribuição constantemente variável do tesouro existente na
sociedade, que ora funciona como meio de circulação, ora se aparta
novamente, como tesouro, da massa de dinheiro circulante. Com o
desenvolvimento do sistema de crédito, que segue necessariamente um curso
paralelo ao desenvolvimento da grande indústria e da produção capitalista,
esse dinheiro atua não como tesouro, mas como capital, porém não nas mãos
de seu proprietário, e sim de outros capitalistas, a cuja disposição ele é
colocado.
2.4 Circulação de capital: para onde foi o valor produzido pelo trabalho dos
indivíduos encarcerados?
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fetichizada, mais irracional do capital, por ser a que mais esconde o nexo entre a origem
do lucro (o trabalho) e ele próprio (MARX, 2017). “Aqui deparamos com D - D’,
dinheiro que engendra mais dinheiro, valor que valoriza a si mesmo, sem o processo
mediador entre os dois extremos” (MARX, 2017, p. 381).
Assim, de acordo com Carcanholo (2013), o desenvolvimento do sistema de
crédito permite que o dinheiro e o capital apareçam cada vez mais desmaterializado, ou
seja, que a riqueza real se distancie cada vez mais da riqueza patrimonial (ativos reais,
títulos e também dinheiro na forma papel-moeda ou depósitos bancários). Tem-se assim
a produção de um capital fictício, “parte da riqueza nominal ou patrimonial, não
constituída diretamente por bens reais, que se comporta como capital”
(CARCANHOLO, 2013, p. 147). Os bancos, dessa forma, tanto criam crédito adicional,
ou seja, aquele que têm por detrás uma riqueza substantiva por estar atrelada a esfera da
produção, quanto capital que nada possui de substantivo, como por exemplo, quando
financiam a especulação.
Tivemos que fazer tal digressão para demonstrar com se dá a complexa relação
entre indivíduos encarcerados, Estados, sistema bancário e capitalistas. A remuneração
dos trabalhadores carcerários é depositada via DAE no Banco do Brasil, instituição
brasileira de economia mista com participação majoritária da União sobre as ações. Tal
fato amplia o controle e diminui os limites impostos para a realização do valor pelo
Estado extraído do trabalho dos presos visto que, direta ou indireta, a remuneração
destes trabalhadores pode ser transformada em capital financeiro e utilizada das mais
diversas formas. Diante do exposto e realizando um paralelo com o trabalho carcerário,
temos que o Estado, a partir de trabalho humano dos presos extraído em condições
degradantes, possui não apenas um papel importante na esfera da produção, como
também da circulação do valor produzido por esses indivíduos.
3. Considerações Finais
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portanto, ser livre proprietário de sua capacidade de trabalho. Porém nesta relação há
uma terceira base que é o Estado (burguês).
Diante do exposto, observamos que, na medida em que o Estado media a relação
entre capital e trabalho no sistema prisional, temos que o detento tem, além da privação
de sua liberdade, também privado o direito de vender por si só sua força de trabalho,
tornando-se uma própria mercadoria que produz outras mercadorias (ISSA, 2017),
muitas vezes através de um trabalho precariamente remunerado, ou mesmo gratuito.
Assim o que a materialidade do fenômeno estudado nos mostra é a utilização da
força de trabalho dos presos como exploração de mão de obra abaixo do seu valor
mínimo necessário para reprodução da força de trabalho, assemelhando-se, portanto, à
escravidão moderna e, com a instituição de um sistema punitivo estrutural (RUSCHE;
KIRCHHEIMER, 2004), enfatizando que a superpopulação carcerária e as péssimas
condições e relações de trabalho postas, propiciam a formação de um exército industrial
de reserva para as iniciativas privadas e públicas.
Entendemos, portanto, que o trabalho encarcerado representa uma importante
engrenagem ao capital e a extração de mais valor, tanto pelo Estado, quanto por
capitalistas parceiros ao sistema prisional, à despeito de medidas que deveriam preparar
os detentos à ressocialização com condições dignas de reprodução da própria vida.
Todavia, fica obscuro a estes e a sociedade que, além da privação da liberdade
resultante da pena legal pelo delito cometido, esses indivíduos são novamente punidos
na medida em que as regras de remuneração da venda de sua força de trabalho são
diferentes e muito mais precárias que as concernentes aos demais trabalhadores
assalariados no país. Nesse contexto, o trabalho carcerário, como já apontado por
Antero (2008), se transfigura em trabalho escravo temporário pois, muito mais que um
descumprimento das leis trabalhistas, essa relação de trabalho não concede ao preso
nem ao menos o direito de vender por si só a sua força de trabalho.
Neste movimento, ainda observamos que o Estado exerce um duplo papel sobre
o processo de valorização do valor através do trabalho encarcerado na medida que, além
de ditar as regras quanto à produção de valor por esses indivíduos, também possui
controle quanto à esfera da circulação, visto que toda a remuneração, quando existente,
a estes trabalhadores encarcerados é depositada em um banco de economia mista, com
participação majoritária da União sobre as ações. Uma vez dentro desta instituição
bancária, a remuneração destes trabalhadores, cujo controle e acesso é dificultado, pode
ser transformada em capital financeiro e utilizada das mais diversas formas, assim como
quaisquer outras poupanças.
Por fim, pontuamos algumas limitações inerentes à pesquisa e que podem
representar questões potenciais para futuros estudos. A primeira refere-se ao
entendimento aprofundado de como a superpopulação carcerária forma um exército
industrial de reserva, através da mediação do Estado, para iniciativas públicas e
privadas. Em segundo lugar, faz-se necessário debruçar-se sobre o papel do Estado na
esfera da circulação, visto às dificuldades encontradas em evidenciar a utilização precisa
da remuneração dos trabalhadores encarcerados, depositadas em um banco estatal,
através apenas da utilização de entrevistas e dados secundários. Posteriormente,
aconselhamos que na agenda de pesquisa para estudos futuros seja contemplado outros
estados a fim de maximizar o olhar crítica para a realidade concreta do sistema prisional
brasileiro, nos desvencilhando dos números expostos pela mídia e pelo ordenamento
jurídico atual.
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Referências Bibliográficas
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Resumo
O objetivo deste ensaio foi realizar algumas considerações sobre a gestão do risco, que
inclui avaliar como ela acontece atualmente e sua função na produção capitalista. Para
tanto, inicialmente, apresentamos uma definição do termo ‘risco’ e expomos brevemente
como a literatura trata o termo, adiante é realizada uma contextualização ao mercado
segurador brasileiro. Adiante, discutimos introdutoriamente a função do risco e do
mercado segurador na reprodução do capital a partir da crítica da economia política
marxiana. O principal apontamento que pudemos constatar com este trabalho é o
questionamento da maneira como a gestão do risco é abordada nas literaturas existentes
específicas ao tema, como um elemento intrínseco à natureza humana sem levar em
consideração sua particularidade no modo de produção capitalista. Para o capitalista
individual, os custos da prevenção das principais causas de perdas é, geralmente,
associado à diminuição do lucro. Mas na prática, Marx demonstra que este custo vem da
repartição da massa de mais-valor produzido. Marx também ressalta que, neste sistema
de produção, os trabalhadores são a parcela que estão mais expostas aos riscos e é a porção
menos protegida pelo mercado segurador. Por fim sugerimos a necessidade de pesquisas
futuras que aprofundem a temática.
Palavras-chave: Gestão de risco; seguros; crítica da economia política.
Abstract
The aim of this paper is to clarify some considerations about risk management, evaluating
how it actually occurs and its function in capitalist production. Initially, we present a
definition of the term 'risk' and we briefly explain how the literature treats the term. Also,
we bring a contextualization to the brazilian insurance market. Later, we discussed the
role of risk and the insurance market in the reproduction of capital according to the
marxian critique of political economy. The main point that we can observe with this work
is the questioning of how risk management is approached in existing literature, specific
to the theme, as an intrinsic element to human nature without taking into account its
particularity in the capitalist mode of production. For the individual capitalist, the costs
of preventing the major causes of losses are usually associated with a decrease in profit.
However, in practice, Marx demonstrates that this cost comes from the distribution of the
mass of plus-value produced. Marx also points out that, in this production system,
workers are the most exposed to risks and they are the portion less protected by the
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insurance market. Finally, we suggest the need for future research that deepens the theme.
Keywords: Risk management; insurance; critique of political economy.
INTRODUÇÃO
Atualmente existem inúmeras definições para a palavra “risco”. Uma delas, que
consideramos apropriada para a compreensão do presente ensaio, é que o risco é
caracterizado pela sua forma quantificável de estabelecer a probabilidade de um
acontecimento em um determinado evento futuro e sua gravidade, capaz de causar perdas
financeiras ou de vidas (DAMODARAM, 2008). Esta definição nos leva ao objetivo deste
trabalho, que é realizar algumas considerações acerca da gestão do risco atual e sua função
na produção capitalista.
O artigo está divido em três seções. Na primeira, expomos a forma como o risco
é abordado na literatura, incluindo um breve histórico sobre o assunto. Na segunda,
trouxemos um panorama do mercado segurador brasileiro, com o intuito de contextualizar
melhor e exemplificar a dinâmica dos mercados seguradores. Na terceira, abordamos a
função da gestão do risco a partir da crítica da economia política marxiana. Por fim,
apresentamos as principais conclusões e algumas propostas de estudos futuros.
1 “Empréstimo ou hipoteca contraída pelo proprietário de um navio para financiar sua viagem.”
(BERNSTEIN, 1997, p. 95)
2 Contrato de seguro.
3 Marx (2017) ressalta que no período de expansão das navegações, as relações salariais ainda
variavam bastante, inclusive pela existência do trabalho escravo.
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os armadores4 incluíam na sua taxa de lucro o custo adicional para cobrir o seguro, assim
como os desgastes do navio, dado o grande risco de suas atividades e necessidade de se
garantir os lucros obtidos.
Em linhas gerais, muitos estudiosos reafirmam a importância dos mercados
seguradores para o desenvolvimento capitalista. Kugler e Ofoghi (2005) trazem um dado
interessante, em 1964 foi realizada a primeira conferência da UNCTAD (United Nations
Conference on Trade and Development), onde foi reconhecido que os mercados de
seguros são essenciais para o crescimento e desenvolvimento econômico dos países.
Além disso, o Comitê Europeu de Seguros (CEA, 2006) traz algumas informações
interessantes. Com alguns dados, eles demonstram a interdependência da economia e do
mercado de seguros que, concomitantemente, de acordo com a referência, são capazes de
produzir desenvolvimento e estabilidade, na medida em que proporciona a redução do
capital necessário para funcionamento das empresas e promove um ambiente de trabalho
mais seguro.
Nesse mesmo sentido, Arena (2008) irá dizer que as atividades de seguro, tanto
como intermediário financeiro, quanto transferidor de riscos e indenizações, contribuem
para o desenvolvimento econômico ao gerenciar os riscos de maneira eficiente e por
mobilizar a formação de poupança que, segundo ele, gera investimentos. Han et al.
(2010), além dos fatores já supracitados, apontam que uma das contribuições do mercado
de seguros para a economia está na possibilidade de substituição dos programas de
seguridade social por repartição simples5.
Além de fatores socioeconômicos, essenciais para a reprodução do capital, como
podemos ver nos autores acima citados, não podemos excluir da análise o crescente
desenvolvimento das técnicas estatísticas ligadas aos cálculos de probabilidade que
proporcionam avanços essenciais para auxiliar na gestão do risco. Tanto é que Berstein
(1997) afirma que o desenvolvimento da análise de risco permite ao usuário optar entre
alternativas e facilita a tomada de decisões, sendo, ainda para o autor, o seu
desenvolvimento um dos principais catalisadores que impulsionam a sociedade ocidental
moderna. Na posição de Berstein (1997) é possível perceber o patamar decisivo que as
técnicas estatísticas possuem neste cenário.
Para compreender um pouco mais sobre os mercados seguradores e suas
dinâmicas, trazemos a seguir algumas informações do mercado segurador nacional, de
forma que podemos perceber algumas características deste mercado já trabalhadas nesta
seção.
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No mesmo ano esta confederação entrou com uma ação no Supremo Tribunal
Federal, alegando inconstitucionalidade da Lei 13.169/15, que propõe o aumento da
alíquota da contribuição social de 15% para 20% para as seguradoras, sociedades de
capitalização e instituições financeiras. Eles alegaram que já existia a Lei 11.727/08, que
no passado, aumentou a alíquota da Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) de
8% para 15% para as instituições financeiras (CNseg, 2016, p.123). Ainda de acordo com
a confederação,
“a prevenção é um instituto processual aplicável quando há coincidência total
ou parcial de objetos e visa evitar o risco de decisões contraditórias ou
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Para uma análise atenta a realidade, consideramos ser preciso ir além da análise
fenomênica da gestão de risco e de seguro, entendendo esses elementos como um
desdobramento da sociabilidade burguesa e do movimento de acumulação do capital, que,
por um lado, visa antecipar riscos e reduzir perdas às custas das taxas de mais-valor, e por
outro, revela a potencialidade da ciência estatística em demonstrar tendências do
movimento de acumulação do capital. Diante disso, indicamos ser necessário analisar o
desenvolvimento do mercado de seguros sob dois prismas, o primeiro que é enquanto
forma das classes capitalistas em preservar bens adquiridos, e segundo enquanto um
mercado autônomo e lucrativo que contribui para o movimento de reprodução do capital.
Marx (2017), n’O Capital volume III, relaciona o desenvolvimento do mercado
de seguros com o desenvolvimento da produção capitalista. Como se não bastasse ser o
próprio Estado uma forma de assegurar o grande capital (MARX e ENGELS, 1978), seja
através das mediações políticas e do direito ou pelo fundo público, em relação ao segundo,
Marx (2013), n’O Capital volume I, diz que a dívida pública tornou-se uma das principais
alavancas da acumulação primitiva e que, podemos dizer, ainda hoje é fonte de rentismo
financeiro. Marx (2014), n’O Capital volume II chega a apontar que as seguradoras
podem distribuir, entre a classe capitalista, as perdas de capitalistas individuais, mas sem
impedir que as perdas se caracterizem como perdas sob o ponto de vista do capital social
total. Em uma crítica dirigida à Girardin, Marx e Engels (1978) tratam de apontar a não
“independência” do seguro frente a produção capitalista.
Marx (2011, p.394), nos Grundrisse, é categórico quando diz que “os riscos da
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O que Marx está nos dizendo é que o risco é tratado pelos economistas vulgares
como algo externo ao próprio movimento de valorização, e não como a necessidade do
capitalista em reduzir suas perdas. A partir de Marx é possível enxergar a gestão do risco
como potencializada a partir das relações sociais capitalistas. É no processo de
valorização do valor que as “perdas” devem ser antecipadas e prevenidas.
Para Marx (1980), no primeiro volume das Teorias do Mais Valor, na concepção
burguesa o lucro é o prêmio do risco. Isso porque, para o capitalista, o salário é o
adiantamento seu ao trabalhador. Para Marx (1980) o que acontece é exatamente o
contrário, o capitalista sempre se apropria da mercadoria trabalho antes de remunerá-la.
Marx (1980) aponta que o capitalista acredita correr dois riscos a partir do
“adiantamento” que ele supostamente realiza. O primeiro, é o risco de não vender as
mercadorias produzidas no mercado de trabalho e, consequentemente, não transformá-
las em dinheiro. O segundo, é precisar vender as mercadorias produzidas a baixo do
preço de custo. Acontece que o capitalista, ao comprar a força de trabalho, a compra
abaixo do seu valor, sendo assim, o suposto risco que ele corre ao tentar transformar
mercadorias em dinheiro, tem como maior ensejo, vender as mercadorias acima de seu
valor.
Vale retomar que Marx (2017, p. 63), n’O Capital III, aponta que “o mais-valor
contido na mercadoria não se realiza mediante sua venda, mas emana da própria venda.”.
Ou seja, no quadro de não venda da mercadoria, é o trabalhador que será despedido. Ou
ainda, na hipótese de venda da mercadoria abaixo do preço de mercado, a tendência é a
retração do salário abaixo da média. Nesse quadro o risco com que corre o trabalhador,
é muito mais elevado que o suposto risco do capitalista.
Marx (1985), no terceiro volume das Teorias do Mais Valor, faz uma análise à
decomposição do lucro proposta de Ramsay. Ramsay que diz que é “possível decompor
o lucro do empresário em: (1) salário do empresário; (2) seguro contra o risco; (3) ganho
suplementar.” (RAMSAY apud MARX, 1985, p.1400). Marx (1985) irá apontar que, no
que se refere à (2), ele não se decompõem do lucro do empresário. Para tanto, ele cita
Corbet que, como Ramsay, aponta que, “o seguro que cobre o risco apenas reparte as
perdas dos capitalistas por igual ou de maneira mais geral pela classe toda” (MARX,
1985, p.1400). Entretanto Marx ressalta que
Desse prejuízo repartido por igual tem de deduzir-se o lucro das companhias
de seguros, dos capitais que, empregados no negócio de seguros, encarregam-
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Nosso objetivo neste trabalho, como sugere o próprio título, foi trazer alguns
apontamentos, ainda que incipientes e aqui reconhecemos, a respeito da gestão do risco e
do sistema de seguros atualmente e qual a sua função na lógica do sistema de produção
capitalista. Para tanto trouxemos algumas definições do termo ‘risco’ que são encontradas
na literatura, uma contextualização abordando um pouco do mercado de seguros nacional,
e a potencialidade de se abordar, em pesquisas futuras, de modo mais profundo, tais
temáticas a partir de alguns conceitos presentes na crítica da economia política marxiana.
A principal consideração realizada é justamente o questionamento de como o risco
e a gestão de risco são tratados hoje, na literatura específica ao tema, como um elemento
que está intrínseco a natureza humana, e quando analisado no contexto do modo de
produção capitalista relega ao capitalista a personificação da assunção do risco no
processo produtivo. Do ponto de vista do processo de produção capitalista, é preciso
dizer, existem sim alguns riscos que se caracterizam dessa forma, como por exemplo, um
terremoto que tenha destruído uma indústria. Mas o capitalista, do ponto de vista do
individual, trata de se prevenir de alguns riscos essenciais para a valorização do valor,
como por exemplo, a não venda de mercadorias, sendo esse o seu principal risco no
processo de valorização. Tal risco tende a ser abordado como um custo que reduz o lucro
do capitalista individual, quando, na realidade, como demonstrou Marx, este custo vem
da repartição da massa de mais-valor produzido. Por fim chamamos atenção também que,
no modo de produção capitalista, os trabalhadores são a parcela que, na verdade, estão
mais expostos à riscos e são a porção menos protegida pelos mercados seguradores.
Analisar mais profundamente e particularmente o contexto segurador brasileiro
sob a luz da crítica da teoria política marxiana é uma proposta para estudos futuros, que
pelo estágio ainda incipiente da pesquisa aqui exposta, não pôde ser realizado. É
importante e, por isso, necessária uma abordagem a respeito dessa importante temática
que revela sua real função, indo até a raiz, no movimento de reprodução do capital.
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RESUMO
Neste ensaio, será apresentado o pensamento de Duménil e Lévy, acerca das finanças e
dos gestores, e se discutirá o que é estabelecido pelos autores, procurando-se também
colocar assuntos que não são tão explorados por eles. Os autores franceses elaboram uma
discussão sobre o capitalismo no período neoliberal, apresentando um panorama anterior
ao período e desenvolvendo uma discussão acerca da financeirização, que foi estabelecida
a partir dos anos 1970. Para os autores, um fato essencial para o desenvolvimento do
capitalismo atual é a atuação dos gestores, sendo que a partir dos anos 1970 os gestores
financeiros se sobressaíram. Os gestores são vistos pelos autores como uma nova classe,
formando uma configuração tripolar de classe, junta às classes capitalista e popular, e
detendo uma posição relevante na sociedade. A partir disso, a discussão, aqui apresentada,
converge a problematização da classe gerencial e do desenvolvimento que os autores dão
aos gestores e às finanças. Junto a isso, adiciona-se a discussão sobre os gestores no
Estado e a sua rotação, transitando entre o setor privado e o governo, que não é visada
pelos autores, mas coloca-se como importante para a identificação da realidade atual do
capitalismo.
ABSTRACT
In this essay, the thought of Duménil and Lévy, about finance and managers, will be
presented, and will be discussed what is established by the authors, trying also to put
subjects that are not so explored by them. The French authors elaborate a discussion on
capitalism in the neoliberal period, presenting a panorama before the period and
developing a discussion about the financialization, which was established from the 1970s.
For the authors, an essential fact for the development of current capitalism is the
performance of managers, and from the 1970s financial managers excelled. Managers are
seen by the authors as a new class, forming a tripolar class configuration, joined to the
capitalist and popular classes, and holding a relevant position in society. From this, the
discussion, presented here, converges the problematization of the managerial class and
the development that the authors give to the managers and to the finances. Alongside this,
we add the discussion about managers in the State and their rotation, transiting between
the private sector and the government, which is not targeted by the authors, but it is
important to identify the current reality of capitalism.
1
Agradeço à Fapemig – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, pelo apoio ao projeto
que tornou possível a presente publicação.
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1. INTRODUÇÃO
Acerca do capitalismo atual ocorrido a partir dos anos 1970, Duménil e Lévy
contribuíram fazendo um apanhado de como o neoliberalismo, a financeirização e a
globalização surgiram como consequência deste processo. Junto a isso, os autores
exploram também como os gestores aumentaram sua influência junto aos grupos no
poder, transformando-se em uma nova classe.
Após a crise dos anos 1970, o capitalismo buscou uma nova adaptação, que
segundo Duménil e Lévy se deu com a segunda hegemonia do capital financeiro,
adaptando a economia de forma a beneficiá-lo. Assim, a financeirização da economia
buscou criar uma maior liberdade para que o capital conseguisse acelerar o processo de
acumulação, cabendo ao neoliberalismo um aprofundamento destes mecanismos ao fazer
com que a globalização tornasse os mercados interligados e de maior liberdade
econômica.
Após a crise de 1929, com o keynesianismo primando pela regulação do capital,
o neoliberalismo se contrapôs procurando o aumento da acumulação sem que houvesse
interferências impostas. Portanto, Duménil e Lévy exploram como a busca pelo mercado
livre e o combate a intervenção do Estado aos negócios fizeram com que o neoliberalismo
ganhasse força a partir dos anos 1970, pela queda da lucratividade sofrida anteriormente.
O capital financeiro esteve em uma melhor posição no neoliberalismo, após a
crise de lucratividade dos anos 1970, quando ocorreu a financeirização da economia pela
busca contínua de acumular o capital cada vez mais, buscando nos gerentes uma
adaptação na sua forma acumulativa, o que traz a esfera financeira uma contribuição em
sua administração. Assim, no neoliberalismo, para os autores, as faixas mais altas da dos
gestores formaram este novo aparelho administrativo visando às altas remunerações e
serem proprietários ativos, sendo impossível o desenvolvimento do neoliberalismo sem a
aliança destes com os proprietários.
Através deste novo panorama, houve a separação da cúpula administrativa,
representada por estes gerentes de alto escalão, dos administradores comuns das
empresas. Com a servidão dos gerentes aos proprietários, para os autores em debate, há o
surgimento da classe gerencial, pois estes gerentes começam a ter objetivos e interesses
próprios que determinam suas ações em seu campo de influência. Os autores veem o
controle saindo das mãos dos proprietários e indo para as dos gerentes, fazendo com que
os gerentes adquirissem autonomia em relação aos negócios das empresas.
Porém, existem problemas a serem colocados, quando os autores colocam os
gestores como uma nova classe, e ao não colocarem a rotação dos gestores do capital do
Estado com o setor privado com devida importância neste cenário. Duménil e Lévy
acabam por não explorar o aspecto representativo destes gestores de alto escalão no
Estado e como se dá sua volta às empresas, ocorrendo outra forma de beneficiação do
capital. Assim, apesar dos autores contribuírem com o aspecto da financeirização, da crise
financeira decorrida em 2008 e da posição dos gerentes no capitalismo contemporâneo,
há que se apontar problemáticas em aspectos de classe e da rotação dos gestores.
Portanto, neste trabalho, procurar-se-á mostrar e discutir as contribuições e
limitações no pensamento de Duménil e Lévy. Para tanto, através deste ensaio, indicar-
se-á como se dá o desenvolvimento da obra dos autores apontando conjuntamente a
relação dela com outras contribuições existentes na literatura, não tirando o foco dos dois
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do neoliberalismo, de 2008, não se relacionam com a taxa de lucro, sendo duas crises de
hegemonia financeira. Os autores continuam dizendo que, apesar do período da Grande
Depressão ter uma baixa lucratividade, ele não teve queda da taxa de lucros, e por isso,
como a crise atual (de 2008), não pode ser tida como uma crise de lucratividade,
comportando-se como crises estruturais.
Nas crises anteriores, de 1890, 1929 e 1970, duram cerca de uma década, cinco
anos depois da crise de 2008, ela ainda não acabou, ocupando-se agora da “crise da dívida
soberana” que vem dos passivos dos governos dispararem (DUMÉNIL; LÉVY, 2014).
Os países ao norte da Europa, segundo os autores, conseguiram manter um crescimento
forte após a crise, porém, os localizados ao sul acabaram sofrendo um impacto grande
com a crise, com a principal política europeia sendo o corte de gastos com a política de
bem-estar, limitando o poder de compra dos trabalhadores.
Em seu texto, Duménil e Lévy (2014) apontam que, pela tendência neoliberal, o
mercado financeiro continua a atuar de modo a distribuir dividendos a acionistas, levando
a expansões que levam a desequilíbrios crescentes, ao mesmo tempo que países possuem
déficits insustentáveis levando a governos através da política keynesiana também ter
déficits.
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deles, aumentando a diferença cada vez mais. Ou seja, a globalização foi um fator
essencial para o setor financeiro, levando as classes altas conseguirem maior lucro com a
liberalização dos mercados financeiros.
Financeirização e globalização foram instrumentos para a obtenção de altas
rendas. Em nítido contraste com as limitações impostas aos mecanismos
financeiros após a Segunda Guerra Mundial, o neoliberalismo teve forte
impacto de estímulo sobre a expansão dos mecanismos financeiros.
Fundamental para a análise da crise é o fato de esses mecanismos terem entrado
numa fase de expansão ainda mais extraordinária após o ano 2000. Essa
explosão foi o efeito combinado do crescimento dos mecanismos já existentes
e da introdução de procedimentos inovadores. O livre comércio, a livre
movimentação de capitais em todo o mundo (investimentos externos) e a
globalização dos mecanismos monetários e financeiros são os pilares da
globalização neoliberal. Essas tendências para a globalização foram tão
ameaçadoras quanto a financeirização. No geral, financeirização e
globalização significaram a construção de uma estrutura financeira frágil e
pouco funcional. Um efeito combinado adicional desses mecanismos foi o
potencial estabilizador prejudicado das macropolíticas. Num mundo do livre
comércio e livre movimentação do capital, é difícil controlar taxas de juro,
empréstimos e taxas de câmbio (DUMÉNIL; LÉVY, 2014, p. 44).
Duménil e Lévy (s/d) ainda colocam que, a classe capitalista sempre busca
maximizar sua renda, porém, com o neoliberalismo houve uma grande transformação
social, aonde o livre comércio fez com que os trabalhadores competissem consigo
mesmos em todo o mundo e os capitais se dispunham com liberdade para circularem ao
redor do mundo.
Assim, a desregulamentação agiu de forma a contribuir com a financeirização e
a globalização no período neoliberal. Chesnais (2005) indica que a acumulação
financeira, através de crédito, mercado de ações, entre outras formas, foi requisitada como
forma de aumentar o capital, e esta liberdade financeira era necessária para que isto
ocorresse. Já Kliman (2015) atenta que a transição de investimento do capital produtivo
para o capital financeiro se deu pela taxa de lucro no setor produtivo estar baixa, o que
mostra que a configuração do capitalismo se alterou vista a atender a requisição de maior
acumulação de capital, por um panorama social.
Segundo Duménil e Lévy (2014), os anos de 1980, 1990 e 2000 vieram com uma
sequência de eventos até desembocar na crise de 2008. Primeiro com recessões e baixas
taxas de crescimento, que foram combatidas com investimentos principalmente nas
tecnologias da informação. Porém, através desse investimento todo também foi criada
uma bolha no mercado de ações que levou a recessão norte-americana de 2001. Brenner
(2003) corrobora na análise deste período mostrando, a partir de um panorama histórico,
o desenvolvimento das consecutivas crises conforme as bolhas foram sendo criadas como
tentativa de ultrapassar cada uma. Para a recuperação da recessão de 2001, segundo
Duménil e Lévy (2014), novo investimento foi feito, só que agora no setor imobiliário,
enquanto o investimento na produção estava baixo ainda, o que levou ao aumento das
dívidas com empréstimos hipotecários, que causou inadimplências, colapsando
instituições financeiras e falindo bancos.
Isto ocorreu porque, segundo os autores, com o acesso a empréstimos fáceis, o
valor das casas começou a aumentar. Consequentemente, o aumento das residências levou
a um aumento dos empréstimos por três motivos: primeiro, devido ao aumento dos preços
dos imóveis era preciso aumentar os empréstimos; segundo, com o valor mais alto das
residências gerando garantia, novos empréstimos em refinanciamentos eram possíveis; e
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terceiro, os emprestadores viam no aumento do preço das casas uma garantia viável por
inadimplência. Com a expansão nesse mercado de construção de residências, houve uma
quantidade enorme de casas a venda que abaixou o preço das casas, e quando não haviam
mais compradores para elas houve o colapso financeiro.
Assim, para Duménil e Lévy (2014), a “crise do mercado imobiliário e o
correspondente colapso da pirâmide de instituições financeiras foram como uma onda
sísmica que desestabilizou uma frágil estrutura financeira global. Foram o gatilho, e não
a causa da crise” (p. 46). Porém, conforme visto por Duménil e Lévy (s/d), não é uma
crise de financeirização ou somente financeira, mas é a “crise do neoliberalismo”, aonde
os aspectos da globalização estão incluídos nos aspectos da financeirização, incluindo-se
também a busca por altas rendas. “As causas da crise podem, assim, ser descritas em
termos de ‘excesso’: excesso de financeirização significou uma estrutura financeira frágil;
e excesso de globalização, uma economia mundial incontrolável” (DUMÉNIL; LÉVY,
2014, p. 45).
Portanto, vê-se que a análise de Duménil e Lévy detém muitas contribuições
acerca de todo o panorama criado e a partir do desenvolvimento da financeirização e do
neoliberalismo, colocando como a globalização teve uma função importante. Os autores
mostram, através de análises, todo o teor que o período neoliberal teve na sociedade
capitalista com modificações sociais e econômicas na realidade mundial. Porém, Prado
(s/d) mostra que é preciso ter cuidado com o apontamento dos autores sobre a importância
política do capital financeiro, pois existem explicações mais plausíveis que indicam as
mudanças no processo de acumulação do capital, acerca também no modo de produção
com indústrias indo para países com mão-de-obra mais barata por exemplo, como fatores
importantes desta mudança de configuração do capitalismo.
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Para Duménil e Lévy (2011), neste panorama, constituiu-se uma nova burguesia
distante da produção, aonde a propriedade se relaciona apenas a retenção de ações e
títulos, com um caráter financeiro. Assim, segundo eles, com a revolução gerencial houve
como divisão de tarefas uma concentração de poder, renda e inciativa por parte dos
gerentes, enquanto a execução ficava a cargo de funcionários de menor escalão. Duménil
e Lévy dizem que as “classes superiores” passam a se comportar como as capitalistas e
as gerenciais. Ainda, segundo Duménil e Lévy, os funcionários do governo também
tiveram um grande papel em políticas como o New Deal, fazendo com que eles possam
ser inseridos na classe gerencial.
Duménil e Lévy vão na mesma direção, com a determinação do maior poder dos
gerentes e o surgimento da classe gerencial, que autores como Galbraith, Berle e
Burnham, que indicam o estabelecimento dos gestores em uma nova posição indicando
uma diferenciação tamanha que os faz diferente das classes capitalista e popular.
Galbraith (1983), por exemplo, identifica uma passagem do controle dos proprietários
para os administradores, que ficaram com um poder relacionado a sua ação dentro da
empresa, como acerca da distribuição de lucros. Berle (s/d) coloca que os gestores passam
a ter poderes como dar ou negar emprego, influenciar os padrões de salário, determinar
em que local implementará as atividades da empresa e determinar em que ritmo
acontecerá o aumento do capital da empresa. Por sua vez, Burnham (1967) aponta os
gestores como os novos diretores das empresas, levando-os a concentração do poder e do
controle, dominando a sociedade segundo seus interesses.
A classificação dos gestores como classe se torna problemática quando se vê
questões como, por exemplo, uma função diferente das outras duas classes, colocando os
gestores com interesses próprios e identidade própria. Paço Cunha (2016) indica que não
existem identidades diretas entre a classe e a fração de classe, e coloca que:
Em outras palavras, o fato de os gestores atuarem tendencialmente ao lado das
classes dominantes e portarem uma consciência por vezes contraditória aos
interesses da classe do trabalho não os constitui objetivamente “fora” da classe
do trabalho, da categoria força do trabalho. Isso é particularmente
correspondente na medida em que reflete a grande massa dos mais de 700.000
formandos anualmente em administração no Brasil, sem falar de outras
formações correlatas. Estaria toda essa massa circunscrita a uma “elite” que
gerencia as coisas do Estado e do capital? Em parte, sim; na maior parte, não
(p. 55).
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Com isso, a administração financeira ganhou uma posição relevante nesse novo
cenário, sujeitando os proprietários aos gestores financeiros. Além disso, Duménil e Lévy
(2014) colocam que os gerentes buscam altas remunerações para que se transformem em
proprietários, indicando que estes participam deste novo panorama com interesses
próprios também.
Ainda, diferenciando os momentos tidos pelos gestores, os autores colocam que:
Os objetivos dos gerentes dependem da ordem social em que opera a gerência.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a gerência visava basicamente ao
crescimento (nas corporações e nas definições de políticas) e à mudança
técnica. No neoliberalismo o objetivo principal tornou-se o mercado de ações
e a renda do capital. Consequentemente, existe uma relação recíproca entre a
prevalência de uma configuração específica de poder e a preeminência de um
ou outro componente de gerência. A conjuntura histórica do New Deal
conferiu certo grau de preeminência aos funcionários do governo. Orientou o
desenvolvimento da gerência para essa direção particular. O compromisso do
pós-guerra estimulou as capacidades gerenciais sob todos os aspectos, mas
com ênfase particular na tecnologia e na organização. O neoliberalismo
influenciou as tendências gerenciais em favor do componente financeiro da
gerência (DUMÉNIL; LÉVY, 2014, p. 87).
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Assim, há a busca do próprio capital por sua expansão, sendo que o controlador
do capital, antes tido pelo capitalista individual, mas agora pelo gestor, comporta-se
apenas como uma ferramenta do capital, personificando-se como ele para que busque sua
sobrevivência, acumulando-o e expandindo-o. Visto isso, o capital busca por sua
expansão por si próprio, e o seu controlador, seja o capitalista ou o gerente, será apenas
um meio para seu próprio fim.
Com isso, os gestores se justificam, mesmo com um novo posicionamento na
sociedade, como representantes do capital, sendo orientados para perseguir sua expansão.
O gestor veio de um processo de expansão do capital, que requereu por um controlador
mais especializado que o próprio capitalista, levando a sociedade se adaptar nesses novos
parâmetros sociais visto a nova organização do capital. Junto a isso, a financeirização se
demonstra como uma nova configuração do capital, visto que este solicitou uma maior
forma de expansão, já que as taxas de lucro do setor produtivo estavam em baixa, o que
levou ao gestor financeiro ser a nova ferramenta, com devida importância, do capital.
Prosseguindo, Duménil e Lévy (2011) dá três cenários para o desenrolar do
capitalismo após a crise do neoliberalismo:
(1) a third financial hegemony, in continuation of the second but with the
required adjustments; (2) neomanagerialism, the continuation of the alliance at
the top of social hierarchies, but under the leadership of managerial classes,
and (3) a scenario similar to the postwar compromisse (p. 12).
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Ou seja, o Estado foi uma peça importante para que o neoliberalismo tivesse as
desregulações financeiras e outros fatores necessários para seu desenrolar, levando as
classes altas uma maior renda. Duménil e Lévy (2014), continuam dizendo que:
Não se pode negar o fato de que, no neoliberalismo, grande ênfase é dada aos
mecanismos do "mercado livre", mas em todos os países, os Estados agiam em
favor do estabelecimento da nova ordem social, uma condição necessária para
a imposição do neoliberalismo. Os defensores do neoliberalismo se opõem a
excessiva intervenção do Estado sempre que os governos coloquem limites à
liberdade dos negócios, protejam os direitos dos trabalhadores, imponham
impostos sobre as altas rendas, e assim por diante. O neoliberalismo rejeitou o
Estado do compromisso social-democrático, não o Estado em geral. Estados
neoliberais – como emanações e instrumentos das hegemonias e compromissos
prevalentes no topo das hierarquias sociais - negociaram deliberadamente
acordos visando à liberdade de comércio e à livre movimentação de capital que
limitavam sua capacidade política (p. 98).
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Assim, os gestores no Estado são vistos, por Duménil e Lévy, como importantes
na esfera de sua governança, porém não é atribuída nenhuma identificação de como ele é
atribuído socialmente, mas somente é vista pelos autores sua posição social.
Lenin (2012), por exemplo, verifica no início do século XX, no período que
Duménil e Lévy indicam como a fase da primeira hegemonia financeira, que os gestores
de grandes empresas financeiras acabam indo para o Estado, conquistando benefícios para
as empresas financeiras. Dreiffus (1981) mostra a presença de gestores ligados a empresas
bancárias e industriais no Brasil durante a ditadura militar iniciada em 1964, mostrando
que com os representantes do capital se encaminhando para o Estado é visto a
consolidação de interesses próprios do capital.
A partir dessa presença de gestores do capital no Estado, é visto em diversos
trabalhos, como de Dulci (2009), Dowbor (2009), Stiglitz (2002), Shive e Forster (2016),
Dias et al (2015), Monteiro (2007), Coroado (2014), Boschi e Ravena (s/d) e Bastos
(2016), algo intitulado como “porta-giratória”, que seria um movimento de rotação do
gestor entre o setor privado e o governo, levando-o a ir da empresa privada para o governo
e depois retornando para o setor privado. Esta rotação é vista como a capacidade das
empresas utilizarem seu representante dentro do Estado, e após sua saída haveria a
conquista de todo o conhecimento e as relações adquiridas na sua atuação lá. Shive e
Forster (2016), por exemplo, indicam que uma experiência anterior no governo não só foi
procurada mais de 2001 para 2015, como também estes gestores que passaram pelo
governo costumavam ter seus salários mais altos. Além disso, os autores viram que as
empresas que contratavam estes gestores tiveram menor riscos perante ao mercado
financeiro, o que demonstra a valorização destes gestores pelas empresas.
No que comporta a representação do capital pelos gestores, Mészáros (2015)
coloca que o meio político é utilizado em favor da expansão do capital, levando a atuarem
no Estado quem está condizente com os interesses do capital e que será um verdadeiro
representante dele. Portanto, vê-se que os gestores do capital se fazem presentes também
no Estado, levando para lá a sua mesma função, representar o capital perante seus
interesses. A rotação destes gestores, através da “porta-giratória”, mostra-se como um
instrumento que satisfaz ainda mais o capital, pois leva os gestores a colaborarem tanto
na hora de ir para o Estado o representar, como também em sua volta, trazendo benefícios
ao capital adquiridos durante sua estadia no Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Duménil e Lévy se mostram como autores que buscam pesquisar a fase atual do
capitalismo, para isso colocam a financeirização e o neoliberalismo como elementos
fundamentais. Os autores possuem méritos quando enxergam a posição dos gestores no
cenário atual, com a financeirização levando os gestores financeiros a terem maior
prestígio. Além disso, os dados que trazem apontando as questões sobre a crise de 2008,
a crise do neoliberalismo como intitulam, também se mostram benefícios trazidos em suas
análises.
Assim, os autores franceses demonstram como se desenvolveu a financeirização
e o neoliberalismo, trazendo dados, principalmente da economia dos Estados Unidos, que
identificam ainda mais este processo. Mostrando também, como a crise se desenrolou o
como o governo se comportou através de políticas aplicadas ou não aplicadas durante o
período neoliberal.
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Porém, haja o desenvolver feito por eles sobre a posição adquirida pelos
gestores, existem certas problematizações a serem feitas sobre esta posição dos gestores
e principalmente sobre a dita classe gerencial. Isto porque, Duménil e Lévy não se
atentam nos gestores como ferramenta técnica do capital, levando-os a adquirirem a
posição de seu controlador, no lugar dos proprietários, porém como forma de beneficiar
o próprio capital, buscando sua acumulação e expansão. O que os mostra condizente aos
interesses dos próprios proprietários, já que estes gestores buscam pelo lucro, sendo
muitos gestores com salários ligados a lucratividade, e não afetam a relação capital-
trabalho, que é uma relação de dominação capitalista fundamental.
Também, a partir da identificação pelos autores da classe gerencial, eles não
veem que esta classe possui interesses semelhantes a classe capitalista, já que representam
o capital e visam ao lucro. Além de a divergência de interesses entre a massa
administrativa e os gestores do capital não ser tão observada pelos autores.
Os gestores no Estado é outra questão mal explorada por Duménil e Lévy e são
importantes para a identificação da atuação dos governos. A rotação dos gestores do
capital no Estado se comporta como uma ferramenta importante para que o capital seja
plenamente representado, fazendo com que estes gestores tragam ao capital maior
acumulação. Assim, os gestores do capital se comportam como representantes do capital
no Estado, além de serem seus representantes na manutenção das empresas.
Por fim, é evidente a contribuição de Duménil e Lévy para a discussão do cenário
atual do capitalismo. A identificação da financeirização, do neoliberalismo e dos gestores
pelos autores contribui para a compreensão da realidade e a sua discussão. Porém, é
importante colocar que, para que haja uma contribuição aperfeiçoada, é preciso identificar
a mudança da configuração do capital como primordial, com no período de
financeirização o capital se encaminhando para as finanças pela sua busca por maior
expansão. Assim, a relação capital-trabalho e a identificação da acumulação do capital e
suas formas de atuação, no Estado e nas empresas através de seus representantes, devem
ser levadas em consideração para a melhor compreensão da realidade.
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