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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

THAYNÁ COSTA MARQUES

A CONDIÇÃO ‘NEM-NEM’ DA JUVENTUDE TRABALHADORA BRASILEIRA NO


CONTEXTO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL: INVESTIGANDO A RELAÇÃO
TRABALHO, EDUCAÇÃO E A (DE)FORMAÇÃO PROFISSIONALIZANTE

FORTALEZA – CEARÁ
2020
THAYNÁ COSTA MARQUES

A CONDIÇÃO ‘NEM-NEM’ DA JUVENTUDE TRABALHADORA BRASILEIRA NO


CONTEXTO DO DESEMPREGO ESTRUTURAL: INVESTIGANDO A RELAÇÃO
TRABALHO, EDUCAÇÃO E A (DE)FORMAÇÃO PROFISSIONALIZANTE

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado


Acadêmico em Educação do Programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro de
Educação da Universidade Estadual do Ceará,
como requisito parcial à obtenção do título de
mestre em Educação. Área de concentração:
Formação de Professores.

Orientador(a): Profa. Dra. Betânia Moreira de


Moraes

FORTALEZA – CEARÁ
2020
À juventude trabalhadora pobre e periférica do
Brasil, a qual, em momento de retirada dos
direitos que lhes restam, permanece firme na
luta diária pela sobrevivência.
AGRADECIMENTOS

A Deus, primeiramente. A fé que carrego me ajudou a apreender o que precisei até aqui.
Aos meus pais, Walfredo da Costa Souza e Simone Marques Costa, que sempre priorizaram a
minha educação e, desde o começo, ‘seguraram as pontas’ quando decidi me dedicar à
realização do sonho de seguir a carreira acadêmica. Eles são o que eu tenho de mais valioso.
A minha única e amada irmã, Thaissa Costa Marques, que, apesar de mais jovem que eu, tem
se mostrado uma jovem trabalhadora periférica humanamente consciente e determinada a
combater as injustiças sociais.
Ao meu noivo, Franklin Carvalho Fernandes, que vivenciou todo o árduo, mas gratificante,
processo de construção desta pesquisa comigo. Variadas sensações causaram diversas
oscilações de humor e a paciência dele foi fundamental para que concluíssemos juntos. Eu não
evoluí sozinha.
Aos meus familiares que me motivaram sem sessar nesta empreitada. Minhas tias: Lorena
Marques, Silvanira Marques, Silvânia Marques; meu tio: Elano Marques; minhas primas: Ivna
Marques e Sofia Marques; minha avó: Euzenir Moura Marques. Sem dúvidas, eu não ando só.
À Profa. Dra. Betânia Moreira de Moraes que me orientou durante o processo de objetivação
desta pesquisa.
A Karl Marx, György Lukács, István Mészáros e seus intérpretes clássicos pelos legados por
eles deixados. A compreensão do metabolismo social sobre o método de interpretação
desenvolvido por esses autores possibilitou uma visão clara dos complexos que, de forma
dialética, constituem a sociedade dividida em classes antagônicas e, portanto, incentivou a
fundamentação de uma concepção crítica e transformadora da realidade posta.
Aos professores doutores Frederico Jorge Ferreira Costa, José Deribaldo Gomes dos Santos,
Josefa Jackline Rabelo, Maria das Dores Mendes Segundo e Ruth Maria de Paula Gonçalves
que, com suas experiências, habilidades, competências, carismas, gentilezas, paciências e
sensibilidades, tornaram o processo muito mais confortável e, portanto, prazeroso. É motivador
aprender com eles. Agradeço por eles terem acreditado em mim.
Aos meus colegas de grupos de estudos. Nossos encontros foram, e continuam sendo, de
fundamental importância para o meu avanço intelectual e aprimoramento diante do meu objeto
de estudos. Agradeço por todo suporte e acompanhamento. Esta conquista também é de vocês.
“As relações sociais de produção
capitalisticamente reificadas não se perpetuam
automaticamente. Elas são bem-sucedidas
nisso apenas porque os indivíduos particulares
“interiorizam” as pressões exteriores: eles
adotam as perspectivas globais da sociedade de
mercadorias como se fossem os limites
inquestionáveis de suas próprias aspirações. É
procedendo assim que os indivíduos
particulares “contribuem para manter uma
concepção de mundo” e uma forma específica
de intercâmbio social, que corresponde à
concepção de mundo”.
(István Mészáros)
RESUMO

A presente dissertação apresenta a condição da juventude trabalhadora nem-nem – jovens que


compõem o grupo etário entre 15 e 29 anos que não estão trabalhando e nem estudando – no
contexto de crise e desemprego estrutural. Assume-se o viés ontológico materialista e a
metodologia de cunho teórico-bibliográfico e documental, baseados na contradição
fundamental da relação trabalho e capital, para investigar o fenômeno de uma grande
problemática que atinge a classe trabalhadora: o desemprego no contexto de crise. O objetivo
central deste estudo consiste em analisar a condição ‘nem-nem’ do jovem trabalhador no Brasil
no contexto de crise estrutural do capital tomando como contraponto a problematização da
relação trabalho, educação e formação profissional. Para tanto, revisar-se-á os clássicos em
torno da questão da centralidade do trabalho no processo de reprodução do ser social apontando
Marx (2012, 2013), Engels (1984), Lukács (1978, 2010, 2013), Mészáros (2008, 2011) e seus
intérpretes para evidenciar a relação estrutura e superestrutura de modo a avançar para
atualidade situando o intercâmbio entre o modo de produção vigente e a promoção da educação
direcionada à juventude trabalhadora que tem mantido seu caráter dicotômico. No decorrer do
texto, será examinado, com o apoio em Santos (2017), o desenvolvimento da educação
profissional bem como as forma de oferta dessa modalidade formativa no contexto da luta de
classe e expostas as legislações estabelecidas em função do atendimento às demandas da classe
dominante em cada momento específico da história. Freres, Barbosa, Gomes, Mendes Segundo
e Rabelo (2014, 2015) ajudaram na fundamentação da crítica contextualizada sobre a sociedade
do conhecimento e a reedição da Teoria do Capital Humano recuperando o papel dos grandes
centros de domínio do capital no comando dos processos educativos a partir dos anos 1990 que
muito revelam sobre o objeto aqui delimitado: A formação do jovem trabalhador em condição
nem-nem. Os pressupostos que respaldaram as questões que se buscou responder reverberaram
nos seguintes achados: os estudos aqui apresentados são conduzidos pelas mãos da relação entre
economia política e educação. Apresentam-se, ainda, dados importantes sobre a economia
mundial e as taxas de desemprego nacional e local considerando a articulação entre ciência,
produção material e educação. Confirmou-se, portanto, que os jovens nem-nem, que
caracterizam a convivência em condições de pobreza, resultam da fragilidade processual do
próprio sistema, o qual, para manter os alto níveis de acumulação centrados nas mãos de uma
menor parte de indivíduos, produz, ao mesmo tempo, o desemprego juvenil em larga escala, o
exército industrial de reserva e o lumpemproletariado, os quais, mesmo enquanto mazelas
sociais de superação impossível na dinâmica controlada pelo capital, convertem-se em
combustíveis para a manutenção da ordem.

Palavras-chave: Formação profissionalizante. Juventude trabalhadora. Desemprego estrutural.


Condição nem-nem.
ABSTRACT

This dissertation presents the condition of working youth ‘neet’ (neither-nor) – young people
who make up the age group betwee 15 and 29 years old and are not in employment, education,
or training – in the crisis and structural unemployment contexts. It assumes the materialistic
ontological bias and the theoretical-bibliographic and documentar methodology, based on the
fundamental contradiction of the work-capital relationship, to investigate the phenomenon of a
major problem which reaches the working class: uneployment in the context of crisis. The
central objective of this study is to analyze the ‘neet’ (neither-nor) condition of the young
worker in Brazil in the context of the structural crisis of capital taking as a counterpoint the
problematization of the relationship between work, education and vocational training. To this
end, the classics around the issue of the centrality of work will be reviewed in the processo of
reproducing the social being pointing out Marx (2012, 2013), Engels (1984), Lukács (1978,
2010, 2013), Mészáros (2008, 2011) and their interpreters to highlight the structure and
superstructure relationship in order to move to the presente time situating the exchange
betweem the current mode of production and the promotion of education aimed at working
youth that has maintained its dual character. In the course of the text, will be examined, with
the support in Santos (2017), the development of vocational education as well as the way of
offering this formative modality in the context of class struggle and exposed the laws
established in accordance with the demands of the ruling class at each specific moment in
history. Freres, Barbosa, Gomes, Mendes Segundo e Rabelo (2014, 2015) helped in the
foundation of contextualized criticism about the knowledge society and the reissue of the
Theory of Human Capital reclaiming the role of large capital-area centres in charge of education
processes from the 1990s that much reveal about the object delimited here: The formation of
the young worker in ‘neet’ (neither-nor) condition. The assumptions that supported the
questions sought to answer reverberated in the following fidings: the studies presented here are
conducted by the hands of the relationship between political economy and education. Important
data about the world economy and the uneployment rates for national and local will be
presented whereas the linkage between science, material production and education. It is
confirmed, therefore, that the young ‘neet’ (neither-nor), who characterize the coexistence in
conditions of poverty, resulto f procedural weakness in the system itself, which, in order to
maintain the high levels of accumulation centered in the hands of a minor part of individuals,
produces, at the same time, youth unemployment on a large scale, the industrial army of
reservation and the lumpemproletariado, who, even while social ills of overcoming impossible
in the dynamics controlled by capital, become fuel for the maintenance of order.

Keyworlds: Vocational training. Youth worker. Structural unemployment. A condition ‘neet’


(neither-nor).
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Nível de instrução dos jovens a partir dos 25 anos de idade no Brasil em
2018 ............................................................................................................... 92
Tabela 2 - Relação entre nível escolar e taxa de emprego para a faixa etária entre 25
e 64 anos de 2018 .......................................................................................... 93
Tabela 3 - Justificativas para os jovens brasileiros estarem desocupados/não
conseguirem emprego de 2018 .................................................................... 94
Tabela 4 - Taxas de emprego dos jovens no Brasil relativas ao nível de
escolaridade .................................................................................................. 95
Tabela 5 - Nível de escolaridade dos jovens brasileiros por faixa etária de
2019 ............................................................................................................... 95
Tabela 6 - Taxa de emprego no Brasil a partir do nível de escolaridade e dividida por
gênero de 2018 ............................................................................................. 96
Tabela 7 - Proporção de jovens brasileiros entre 15 e 17 anos na condição nem-nem
que estão na situação de atraso escolar/distorção idade/série ou
abandonaram a escola de 2018 ................................................................... 96
Tabela 8 - Escolaridade dos jovens brasileiros: médias local, regional e nacional
divididas em três grupos etários diferentes em 2019 ................................ 99
Tabela 9 - Variações na proporção de jovens na condição nem-nem no Ceará dividida
em três grupos etários diferentes em 2012, 2018 e 20 .............................. 100
Tabela 10 - Variações na proporção de jovens na condição nem-nem no Ceará dividida
em três grupos etários diferentes e por gênero em 2012, 2018 e
2019 .............................................................................................................. 101
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento


BM Banco Mundial
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CF Constituição Federal
CONAE Conferência Nacional pela Educação
EB Educação Básica
EM Ensino Médio
EPT Educação Para Todos
ES Ensino Superior
FMI Fundo Monetário Internacional
FTP Formação Técnica e Profissional
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação Básica
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará
IF Itinerário Formativo
LDB Lei de Diretrizes e Bases para a Educação
MEC Ministério da Educação
MT Ministério do Trabalho
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PC Pedagogia das Competências
PNAD(C) Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílio (Contínua)
PNE Plano Nacional da Educação
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 14

2 Base ontológica e determinação histórica da relação entre trabalho e


educação .................................................................................................... 25

2.1 Processos educativos obedientes aos ditames dos senhores do capita ... 34

2.2 O banco mundial no comando das reformas educacionais dos países


periféricos: novo século, novas/velhas formas de programar a
educação .................................................................................................... 41

2.2.1 Paradigmas educacionais para o Novo Milênio: o monitoramento das regras


de produção da vida material/espiritual em nome da reprodução do
capital ......................................................................................................... 47

3 FORMAÇÃO MÉDIO-PROFISSIONALIZANTE NO BRASIL: A LUZ


NO FIM DO TÚNEL CADA VEZ MAIS DISTANTE PARA OS
JOVENS BRASILEIROS ........................................................................ 58

3.1 Formação profissional da juventude trabalhadora no brasil: o lugar


ocupado pelo ensino profissionalizante ................................................... 60

3.2 Ensino profissionalizante integrado ao ensino médio repercute no ensino


superior: profissionalização em destaque no brasil .............................. 67

4 O CAPITAL EM CRISE E O DESEMPREGO ESTRUTURAL: A


CONDIÇÃO “NEM-NEM” ASSOLANDO O PRESENTE E O
FUTURO DA JUVENTUDE TRABALHADORA BRASILEIRA ....... 79

4.1 Os ‘corretivos’ do capital edificando trilhas que desembocam no


desemprego ................................................................................................ 79

4.2 A condição nem-nem como consequência do processo de acumulação do


capital ......................................................................................................... 89

4.2.1 As marcas do desemprego na vida dos jovens trabalhadores cearenses que


compõem a condição nem-nem .................................................................. 98

5 CONCLUSÃO ......................................................................................... 105

REFERÊNCIAS ..................................................................................... 111


14

1 INTRODUÇÃO

A educação para além do capital visa uma ordem social qualitativamente diferente.
Agora não é só factível lançar-se pelo caminho que nos conduz a essa ordem como o
é também necessário e urgente. (MÉSZÁROS, 2008, p. 71).

O processo de globalização que alastrou a perspectiva de recuperação dos países


periféricos através de paradigmas educacionais formulados pelos grandes centros de comando
do capital – Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI), nas últimas décadas
do século XX, promoveu a revitalização da Teoria do Capital Humano (TCH) e, através da
dimensão capitalista embutida na relação ciência e produção, apostou-se em exaltar a chamada
sociedade do conhecimento em nome da hegemonia estadunidense e, portanto, da nova ordem
do capital em crise estrutural.
Atrelado ao contexto da crise estrutural que, conforme Mészáros (2011), cerca a
dinâmica reprodutiva do capital – essa crise é agudizada pelas relações de produção mediadas
a partir dos interesses do próprio sistema capitalista, o qual, desta forma, ameaça o
desenvolvimento saudável da humanidade a fim de permanecer como lógica vigente – o sistema
educacional dos países ditos em desenvolvimento – considerados incompetentes na gerência de
seus recursos – foi incumbido de solucionar o problema da pobreza. A educação, portanto,
assumiu o papel redentorista das mazelas sociais devendo se efetivar a partir das referências
educacionais estabelecidas pelos líderes da economia mundial.
A erradicação do analfabetismo e a universalização da educação em cada etapa do
processo ensino/aprendizagem, assim como outras propostas para materializar uma educação
redentorista e de qualidade, centralizaram-se nas metas normatizadas em planos reformistas
para a educação a partir de 1990 em Jomtien – Tailândia – e, posteriormente, em Nova Deli e
Dakar, por meio de conferências que almejavam a democratização do conhecimento em uma
sociedade marcada por desigualdades sociais.

Observa-se que o conjunto de documentos aqui analisados advoga a falaciosa tese de


que estaríamos vivenciando a era da globalização e que os países pobres, para inserir-
se no mundo competitivo, deveriam modelar e administrar esse processo de modo a
garantir a dita equidade e a pretensa sustentabilidade social e econômica. É nesse
processo de globalização – em que até se admite o crescimento significativo dos
conflitos, tensões e guerras – que a educação é conclamada a desempenhar um papel
importante na prevenção dos conflitos num futuro abstrato e na construção da paz e
da estabilidade douradora (RABELO, JIMENEZ, MENDES SEGUNDO, 2015, p.
24).
15

Os retóricos discursos de uma educação salvadora das nações periféricas por meio de
metas cronologicamente ajustadas não foram capazes de superar os problemas da pobreza e,
nem tampouco, das desigualdades, as quais têm se mostrado cada vez mais agudas como reflexo
de um sistema educacional mal objetivado. A educação, enquanto complexo social, é parte de
uma superestrutura societária e, portanto, desenvolve-se em articulação com todos os outros
complexos sociais significando que, na lógica da sociedade moderna, os processos educativos
são realizados em meio ao colapso erguido na parte destrutiva da história dos homens.
Neste contexto, deparamo-nos com o acentuado crescimento do desemprego juvenil em
larga escala no território brasileiro nos últimos anos fazendo surgir a necessidade de nos
debruçarmos sobre este fenômeno que, por sua gravidade, tornou-se um problema social que
viola a trajetória de vida de milhares de jovens no início de suas carreiras profissionais o que
pode causar efeitos catastróficos para eles e para toda uma geração que, como veremos ao longo
dessa desta dissertação, levará uma enorme parte de suas vidas para serem recuperadas.
Para tanto, a centralidade desta pesquisa é demarcada pela intenção em compreender a
condição recém-denominada ‘nem-nem’, a qual corresponde aos jovens que, vivenciando a
faixa etária de 15 a 29 anos, não estão estudando ou trabalhando. Essa que, conforme Cardoso
(2013), pode ser também denominada ‘Geração Nem-Nem’ – considerando sua gravidade na
última década deste século – tornou-se um problema social relevante chegando a atingir, a partir
de 2008, não apenas os jovens da classe pobre, mas também os da classe média na Europa.
Esse período corresponde ao momento no qual trabalhadores europeus sofreram com a
enorme crise financeira proveniente do setor imobiliário estadunidense, a qual se agravou com
a falência do banco Lehman Brothers – o dia 15/09/2008 ficou marcado historicamente como
Segunda-feira negra1 – fazendo despencar as bolsas de valores de diversos países no mundo
todo.
Partindo do que já foi dito sobre os jovens que se encontram mergulhados nesse
problema, delimitamos como perspectiva de análise compreender a realidade dos jovens

1
Segunda-feira negra corresponde a denominação dada a data 15/09/2008 que ficou marcada na história da
economia mundial por ser o dia em que o maior banco dos Estados Unidos – Lehman Brothers – decretou falência
em razão do colapso na rede imobiliária americana resultando no desemprego de mais de dez milhões de pessoas
(MURARO, 2009). É importante frisarmos que eventos como este já haviam ocorrido anteriormente no próprio
Estados Unidos – 21/10/1987, também chamado de segunda-feira negra, devido à estrondosa queda das bolsas de
valores mundiais – como também na Europa – 1993, dia que ficou conhecido como quarta-feira negra, e em
fevereiro de 1995 que foi nomeado de sábado e domingo negros conforme o que apontou Mészáros em sua obra
A crise estrutural do capital (2011, p. 42-43). Frisamos ainda que os EUA vêm recuperando as taxas de emprego
e de ocupação. Isso tem permitido que esse país centro do capitalismo conquiste a situação do pleno emprego. No
entanto, às custas das condições precarizadas do trabalho realizadas nos países capitalistas periféricos, ou seja, às
custas das altas taxas de desemprego no Brasil por exemplo.
16

cearenses com a intensão evidenciar que a falta de interesse do Estado pelas questões que
afetam a juventude geram consequências degradantes tanto na geração atual e quanto nas que
estão por vir e nós não precisamos ir muito longe para apontá-las.
Apoiados no discurso de Mészáros (2011, p. 41) ao destacar que “a supremacia
econômica é capaz de produzir as formas mais inesperadas de mistificação ideológica”,
sentimo-nos seguros em afirmar que temos vivenciado, além da crise econômica, uma algazarra
governamental fantasiada de medidas preventivas necessárias para o bem-estar do povo
brasileiro, mas que não passam de articulações explícitas dos líderes de Estados neoliberalistas,
impulsionados pelo atual presidente dos Estados Unidos, em encurralar qualquer ameaça
ideológica contrária a sua doutrina desenvolvimentista que prima pela hegemonia
estadunidense a qualquer custo.
No Brasil, a condição nem-nem tem alvejado fundamentalmente os jovens da classe
trabalhadora ainda desde a primeira década do século XXI, mas com menor proporção, tento
ganhado intensidade diante da crise política e econômica que se espalhou pelo país a partir de
2014. As famílias de baixa renda, portanto, são as que mais têm sentido o amargo sabor do
desemprego e, principalmente, do desemprego protagonizado pelos jovens brasileiros em
tempos de ascensão da miséria. Isso revela uma heterogeneidade territorial já que esse
fenômeno tem se mostrado mais evidente nas regiões mais pobres do país.
Enquanto problema geracional, essa condição já delimitada como problema estrutural
de difícil reordenamento – incrementada pela crise estrutural do capital e suas inúmeras
tentativas de driblar as barreiras que impedem o desenvolvimento confortável das suas
perspectivas – caracteriza o aumento nas taxas de desemprego enquanto fenômeno resultante
de seu próprio caráter crítico atual. A realidade posta irradia a vulnerabilidade da classe
trabalhadora e as articulações tendenciosas do capital em crise têm gerado efeitos catastróficos
na vida dos jovens corroborando, ademais, com prejuízos que permanecerão em outros
momentos da vida desses indivíduos o que contribui para a permanência e agravamento das
desigualdades que nos afligem.
A falta de oportunidades a todos corrobora para a efetivação de processos seletivos cada
vez mais rigorosos. Neste contexto, o mercado da qualificação tem se fortalecido e as escolas
de preparação profissional para jovens e adultos têm aproveitado para angariar lucros com
promessas de emprego garantido. Porém, não depende do sistema educacional e, nem tampouco,
dos indivíduos à mercê das condições impostas pelo mercado que todos se realizem
profissionalmente. A decisão de ascensão individual e coletiva não está nas mão de cada um
individualmente nem no complexo da educação exclusivamente.
17

O metabolismo social sobre os ditames do capital submete a suas prerrogativas os


complexos estruturados nesta dinâmica e controla, a partir da premissa de acumulação privada
da riqueza, as relações entre os indivíduos limitando-as em relações de produção. São
aprofundados, como efeito da própria lógica de contradição da sociedade capitalista em nome
do desenvolvimento econômico, a reprodução das disparidades entre classes sociais, o
desemprego, a pobreza, a condição nem-nem.
Este trabalho surge com base nas análises realizadas sobre as conferências mundiais
pela educação desde Jomtien, 1990, até a configuração atual dos inúmeros planos, projetos e
programas para a educação, os quais fulguram derivações das metas estabelecidas na década de
noventa do século passado, porém ainda não alcançadas.
Pretendemos aqui nos aproximar do fenômeno resultante da crise econômica atual
vivenciada pelo capital e sua correspondente balburdia governamental: a condição nem-nem.
Para além de esmiuçarmos as causas e efeitos dessa conjuntura, buscamos apreender mais sobre
a formação da classe trabalhadora e os limites atribuídos ao modelo formativo especificamente
para essa classe: a educação profissional e técnica de nível médio ou educação profissional e
tecnológica, estabelecidas e meticulosamente materializadas a fim de que os indivíduos que a
compõem permaneçam trabalhadores.
Esperamos, também, encontrar na premissa formação para o trabalho – formalizada
nos documentos oficiais para a educação brasileira (Constituição Federal de 1988 – CF; Lei de
Diretrizes e Bases para a Educação – LDB; Plano Nacional pela Educação – PNE) em uma
sociedade na qual temos reconhecido uma hiper-mistificação da formação profissional que tem,
ao mesmo tempo, iludido e impedido os jovens brasileiros de ingressar ou permanecer no
mercado de trabalho estando esses qualificados ou não para as limitadas vagas disponibilizadas
pelo mercado.

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida


familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa,
nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais. § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática
social (LDB, 1996).

Nossa perspectiva de análise busca contribuir com a assertiva de que a educação não é
capaz de solucionar os demais problemas sociais alicerçados pelos vislumbres mercadológicos.
Pois, como destacou Freres e Rabelo (2015), essa não é sua função e, ainda, os problemas que
marcam a sociedade de classes não são resultantes do modo precarizado como os processos
educacionais se desenvolvem, mas da própria materialidade social.
18

Essa defasagem que caracteriza a educação é mais um reflexo da preocupação dos


agentes do capital em adequar tudo à lógica do mercado. É neste cenário que este importante
complexo social precisa estar organizado – de modo a compactuar com reprodução ampliada
do capital – enquanto tem seu papel ressignificado. A transmissão dos conhecimentos, valores
e habilidade produzidos e acumulados historicamente pelo homem dão lugar à
transmissão/apropriação de “conhecimentos fragmentados, aligeirados, superficiais,
mercantilizados, adequando a educação às necessidades do capital, expressas tanto nas políticas
de emprego quanto nas políticas educacionais vigentes no cenário atual” (FRERES, RABELO,
2015, p. 67).
Não deixarmos aqui de reconhecer o importante papel da educação para a difusão de
uma ideologia revolucionária, a qual, em tempo de capital em crise e facínora reação contra os
trabalhadores, precisa reagir e combater a retirada dos direitos que nos restam.
Para afirmarmos o método ontológico materialista em nossa pesquisa – o qual nos
permite compreender as conexões reais entre os elementos que compõem e controlam a
sociedade em momentos específicos da história – partiremos de exames aprofundados sobre a
relação trabalho e educação deixados pelos legados de Marx e Engels e seus intérpretes
clássicos e contemporâneos – Lukács (2013), Mészáros (2008) – para melhor nos apropriarmos
da concepção de sociedade moderna sobre o contexto da crise estrutural perante o qual o
capitalismo tem articulado mediações, a fim de se manter como modo de produção
perpetuamente consolidado.

A aproximação com o nosso objeto, assegurados pelo viés onto-marxiano, permite-nos


assimilar que o capital em crise formula corriqueiras estratégias, media relações, em prol do
seu fortalecimento. Essa ideologia conhece suas próprias fragilidades e promove uma luta
constante para perpetuar sua consolidação.

O capital, quando encontra um ponto de saturação em seu próprio espaço e não


consegue simultaneamente encontrar canais para a nova expansão, na forma de
imperialismo e neoliberalismo, não tem alternativa a não ser deixar que sua própria
força de trabalho local sofra as graves consequências da deterioração da taxa de lucro.
De fato, as classes trabalhadoras de algumas das mais desenvolvidas sociedades “pós-
industriais” estão experimentando uma amostra da real perniciosidade do capital
“liberal” (MÉSZÁROS, 2011, p. 70).

Como vimos argumentando, as conferências que reformularam as políticas educacionais


a partir da década de 1990 são alguns dos mecanismos estabelecidos pelos centros de comando
19

do capital na perspectiva de reprodução do sistema capitalista. Essas estratégias intensificam o


processo de alienação do trabalhador.

Marx mergulhou na totalidade da sociedade burguesa buscando entender o


desenvolvimento do capitalismo desde a sua gênese até a fase inicial de difusão processual
desse modo de produção. Ressalta-se, portanto que o filósofo, sociólogo, historiador,
economista, jornalista e revolucionário socialista alemão não se deteve, apenas, às questões
econômicas para explicar a história da sociedade. Entretanto, sofreu inúmeras críticas – foi
considerado determinista – por combater através do seu legado o sistema de exploração da mão
de obra e expropriação da humanidade do trabalhador.

Suas teses se consolidaram diante da perspectiva de assimilação das complexas relações


de causa, efeito e contradições que interligam as múltiplas facetas dos sistemas sociais, os quais
juntos compõem e se desenvolvem para consolidar, cada dia mais intensamente, outro sistema
muito maior: o sistema do capital. Nesse sistema, a infraestrutura – composta pela economia
política – é a base sobre a qual se ergue a superestrutura composta pelos complexos sociais:
educação, cultura, saúde, religião e outros.

Os resultados de anos de estudos da sociedade capitalista originaram diversas respostas,


dentre as quais Marx constatou que o sistema impedia o homem de desenvolver suas
potencialidades, ou seja, de se tornarem indivíduos livres e iguais.

O método desenvolvido em Marx nos garante compreender a crise estrutural como


sombra que pairou sobe o capitalismo e não mais foi embora. Essa crise reflete, portanto, em
todos os complexos sociais sobre os quais a sociedade se desenvolve. Daí, é plausível afirmar
a precarização pela qual a educação tem passado.

As estratégias que a lógica vigente tem elaborado para extrair vantagens desse sistema
educacional em crise estão gerando resultados agudamente preocupante. Exemplo disso é o
crescente número de jovens brasileiros, como já nos referimos, que não encontram
oportunidades de trabalho e, portanto, faltam as condições para o financiamento dos estudos
em níveis mais elevados, após concluírem o nível básico de educação, resultando na espera,
muitas vezes sem perspectiva, de qual decisão tomar, de como (sobre)viver.

A familiaridade com o nosso objeto, construída como consequência das análises,


respaldam-nos afirmar que o conjunto da vida em sociedade, considerando os aspectos
espirituais e políticos, é determinado prioritariamente pela forma de produção e reprodução da
vida material. Essa concepção nos remete à definição do materialismo histórico-dialético
20

enquanto método de análise da sociedade desenvolvido em Marx e recuperado por Lukács como
uma ontologia do ser social, na qual foi elaborada uma abordagem onto-histórica para
compreensão da materialidade do mundo dos homens.

Através desta vertente, sustentamo-nos em intérpretes clássicos e contemporâneos do


legado deixado por Marx: Lessa (2008), Freres (2015), Freres e Barbosa (2015), Jimenez (2015),
Mendes Segundo (2015), Rabelo (2015), Tonet (2016), Santos (2017), por exemplo, para
abraçarmos com a maior precisão possível o contexto de uma educação vitimada pelas
imposições da sociedade do lucro e, destarte, o dualismo incorporado pelo fazer educativo na
reprodução da lógica do capital. E neste ínterim, lançamos mão dos achados desses autores para
bem delimitarmos nossa questão de pesquisa: a conexão entre qualificação profissional a partir
do ensino médio, como uma das estratégias ideológicas do capital face sua crise estrutural
direcionada ao complexo da educação, a qual culmina na reedição da Teoria do Capital Humano
que encontrou força na tese da sociedade do conhecimento e complementou o projeto
pedagógico para a formação da juventude trabalhadora, e o crescente fenômeno do desemprego
entre os jovens brasileiros, particularmente a denominada condição nem-nem.
Nossa pesquisa assume, portanto, o cunho teórico-bibliográfico e documental para
esclarecer os aspectos relevantes sobre o processo histórico do interesse dos grandes centros de
comando do capital pelos processos educacionais nos países periféricos a partir da década de
1990 incluindo o Brasil após o terceiro ano de realização do evento, sobre o qual nos
delimitamos para alcançar melhor compreensão diante dos efeitos em curso gerados pelas
propostas educacionais que corroboram para o modo como a educação tem sido conduzida
hodiernamente.
A fim de tornarmos os dados mais condensados, permitimo-nos inteirar do processo de
valoração do conhecimento sobre o indivíduo e da promoção de uma dicotomia escolar –
propedêutica ou profissionalizante – imposta pelos ditames do modo de produção capitalista e
seus ideais reformistas e progressistas.
Dessa concepção formativa, é válido sublinhar o roteiro construído para orientar a
formação técnica dos jovens brasileiros, a Pedagogia das Competências, a qual, enquanto
currículo pautado na premissa da produtividade e da empregabilidade, prega a formação do
profissional flexível, pronto para dar conta da produção incrementada pelas tecnologias de
ponta. Esse currículo tomou como bases teóricas e estruturais outros paradigmas educacionais
impulsores do capitalismo no ápice de sua consolidação: a tese sociedade do conhecimento e
a TCH, as quais ajudaram a constituir os marcos históricos do desenvolvimento da produção
21

que prioriza a acumulação das riquezas em poucas mãos e a impulsionar a dimensão que a
ideologia do capital surtiu sobre os mais variados complexos da sociedade, em específico, a
educação.
Ao percebermos a crescente busca por vagas de empregos e o aumento acelerado no
número de pessoas desempregadas divulgados diariamente pelos mais diversos meios de
comunicação, ocorreu-nos a reflexão sobre o efeito contrário da promoção de uma educação
universalizada e a defesa da formação qualificada dos jovens para se tornarem aptos a adentrar
o mercado de trabalho – formalizada em documentos oficiais os quais têm orientado a
manifestação de variados modelos de educação média no território brasileiro – mas que parece
não encarar precisamente que o problema do desemprego juvenil, em larga escala, não depende,
como é correntemente veiculado, única e exclusivamente da formação do jovem trabalhador.
Diante disso, o questionamento que impulsiona a realização desta pesquisa se delimita
em esclarecer por que o sistema capitalista e seus ditames para educação, vislumbrando o
desenvolvimento econômico diante de sua atual crise, deposita no individuo a responsabilidade
por seu sucesso ou seu fracasso. Sob essa lógica, partirá de cada um o interesse pela formação
que já o é predestinada conforme a sua herança social, independente se o mercado está ou não
preparado para acolher todos que dele dependem, eximindo assim o próprio sistema da
promoção de todas as mazelas sociais como o desemprego, a pobreza, as desigualdades.
Para assimilarmos de modo essencial o que o nosso objeto tem a nos revelar,
estipulamos como objetivo primordial desta pesquisa analisar a condição ‘nem-nem’ do
jovem trabalhador no Brasil no contexto de crise estrutural do capital tomando como
contraponto a problematização da relação trabalho, educação e formação profissional.
Intencionados em articular o objeto de estudos aqui escolhido com o complexo da
educação diante do rigor que a pesquisa solicita, nossos objetivos específicos são: 1) Examinar
as reformas educacionais e os paradigmas elaborados pelos centros de comando do capital, os
quais foram direcionados à formação dos trabalhadores no Brasil; 2) Desenvolver um debate
sobre a formação da juventude brasileira articulada com o ensino profissionalizante para atender
as demandas mercadológicas em contexto de crise estrutural; 3) Demarcar a face da juventude
que constitui a geração nem-nem no Brasil e, mais especificamente, no Ceará evidenciando as
marcas do desemprego estrutural como problemática referente a essa parcela da população
submetida ao processo de expansão e acumulação do capital.
Com essas ponderações em quadro, desenvolvemos o segundo capítulo que está
intitulado Trabalho e Educação: arranjo acerca da relação entre transformação social e formação
profissional. Nesse capítulo, realizamos um resgate teórico da ontologia do ser social a partir
22

de Lukács (2013), destacando a categoria trabalho como fundamento da esfera social e,


portanto, de onde partem todos os complexos componentes das estruturas do mundo dos
homens. À vista disso, destacamos a relação entre o trabalho e o complexo da educação na
perspectiva de, por meio do recrutamento histórico do que foi construído até hoje dessa relação,
compreender como tem se desenvolvido o complexo da educação a partir dos paradigmas
impostos pelos grandes centros de comando do capital.
Nesse propósito, ratificamos, em diálogo com Mendes Segundo (2005), o debate
referente às estratégias articuladas pelo Banco Mundial para a educação desenvolvida no Brasil
a partir da análise dos documentos disponibilizados pelo site oficial do Banco Mundial, os quais
estabelecem bases para a normatização das reformas educacionais no cenário nacional a partir
da década de 1990 – partimos das principais conferências mundiais de educação: Jomtien
(1990), Nova Deli (1993) e Dacar (2000) levando em conta os acordos firmados também na
Bolívia (2001-2003) e em Brasília (2004) – os quais se apoiaram no projeto neoliberal de
mundialização financeira do modo capitalista de produção.
No terceiro capítulo – Formação médio-profissionalizante no Brasil: a luz no fim do
túnel cada vez mais distante para os jovens brasileiros – apontamos o histórico da formação
média e superior dos jovens brasileiros articulada aos modelos de educação técnica e
tecnológica direcionados a esse público como mecanismo de manutenção de um dos elementos
essenciais de consolidação do modo de produção capitalista: trabalhadores formados de forma
elementar sobre as premissas da produtividade e da flexibilidade. Tendo isso em mente, não
nos distanciamos das metas e projetos elaborados enquanto paradigmas para estas etapas da
educação que apresentam estruturas específicas como podemos destacar os currículos baseados
nas competências, as escolas estruturadas de maneira distinta e o público alvo – classe
trabalhadora e seus filhos – demonstrando a evidente dicotomia educativa presente ainda na
atualidade.
Para isso, sustentamo-nos em Santos (2017), Freres, Gomes e Barbosa (2015) e em
outros autores que aportam essa temática para encorpar as constatações referentes ao percurso
histórico da formação médio-profissionalizante no Brasil e os elementos que a constituem
apoiados no viés crítico sobre a difusão ideológica do capital ao propagar a formação técnica
do jovem trabalhador como solução para a problemática do desemprego e fuga da condição de
pobreza.
O quarto capítulo ergueu-se sobre a questão do desemprego juvenil no Brasil enquanto
mazela social que tem recrutado cada vez mais jovens na condição do pauperismo como
resultado contrário às difusões propagandísticas de qualificação profissional. Delimitamos
23

como intervalo temporal de análise do nosso objeto – a geração nem-nem – a última década, na
qual temos vivenciado diversos conflitos sociais provenientes das conturbações políticas e
econômicas que têm protagonizado nossa história. Para tanto, debruçamo-nos inicialmente
sobre o legado deixado por Marx (2013), o qual nos permite assimilar que a composição do
capital implica na acumulação que corresponde a lei para o seu desenvolvimento e, destarte, a
disparidade de classes sociais é condição indispensável.
Nesse processo, o capital atingiu patamares extremos de produtividade, enquanto
privilégio de uma minoria detentora dos meios para objetivar a produção incluindo a força de
trabalho tratada como mercadoria, e, concomitante a isso, propagou-se a precarização da vida
dos trabalhadores. Neste processo, o próprio sistema doo capital chegou ao ponto de não
conseguir manter o seu curso estabilizado e, como consequência da sua fragilidade processual,
mergulhou em crise profunda e, junto dela, projetaram-se vários outros elementos derivados
das suas estratégias de acumulação e reprodução ao custo da vida dos trabalhadores:
desemprego; exército industrial de reserva; lumpemproletariado; nem-nem.
Obedecendo com crucialidade ao que nos propusemos destacar no quarto capítulo, buscamos
averiguar e desvelar a condição nem-nem enquanto problemática social que tem assolado os
jovens brasileiros na faixa etária de 15 a 29 anos apontando, portanto, o contexto de crise
estrutural como pressuposto para esta mazela social que tem afligido milhares de pessoas e
repercutirá também nas próximas gerações.
Para delimitarmos o percurso histórico dos jovens nem-nem, interessamo-nos em reunir
obras contemporâneas formuladas por autores que tecem análises sobre essa temática. Seguindo
por este caminho, dedicamo-nos a buscar dados nas agências nacionais e internacionais de
pesquisas que se baseiam nas condições socioeconômicas e de mercado de trabalho da
juventude tanto em território nacional quanto, de forma mais aprofundada, no Ceará –
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE); Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua
(PNAD); Sistema de Indicadores Sociais (SIS); Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica
do Ceará (IPECE-Informe) – que contribuíram para a concretude de nossas intenções e, desta
forma, aproximar-nos do real com o rigor científico pertinente à materialização dessa
dissertação.
Ao nos ater aos jovens trabalhadores que compõem a condição nem-nem, enquanto
objeto desta pesquisa, pudemos apreender a condição nem-nem, enquanto fenômeno que tem
exigido maior atenção dos elaboradores das políticas públicas, atinge o agora da juventude
trabalhadora e semeia consequências arrasadoras para o futuro desse público. Pois, o jovem
24

trabalhador componente das camadas menos privilegiadas da sociedade que não estuda e não
trabalha hoje dificilmente responderá ás exigências mercadológicas no futuro.
Na dinâmica expropriadora do capital, essa juventude trabalhadora é compreendida
como público designado a desempenhar as funções manuais no processo de produção e,
portanto, ineliminável desse processo. No entanto, o modo como essa parcela da sociedade é
qualificada para exercer as funções que lhes são designadas parte da responsabilização
individual de cada jovem sedento por um cargo. A esses indivíduos é direcionada a
responsabilidade do aprender por própria iniciativa e buscar maneiras de se auto qualificarem
para atender as demandas contratuais do momento. As exigências são, de geração para geração,
impostas e respeitada de forma alienada.
É por este caminho que o capitalismo estimula a concentração de trabalhadores
(des)ocupados ao mesmo tempo que propagandeia a necessidade de diversos modelos
formativos que, na realidade, não promovem a capacitação plena de todos os indivíduos, mas
apenas criam a esperança da fictícia garantia de estabilidade através da contratação.
Nossos pressupostos nos permitiram confirmar que os jovens nem-nem, que
caracterizam a convivência em condições de pobreza, resultam da fragilidade processual do
próprio sistema, o qual, para manter os alto níveis de acumulação centrados nas mãos de uma
menor parte de indivíduos – os detentores dos meios de produção – produz, ao mesmo tempo,
o desemprego juvenil em larga escala, o exército industrial de reserva e o lumpemproletariado,
os quais, mesmo enquanto mazelas sociais de superação impossível na dinâmica controlada
pelo capital, convertem-se em combustíveis para a manutenção da ordem.
25

2 BASE ONTOLÓGICA E DETERMINAÇÃO HISTÓRICA DA RELAÇÃO ENTRE


TRABALHO E EDUCAÇÃO

Somente o trabalho tem, como sua essência ontológica, um claro carácter de transição:
ele é, essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto
inorgânica (ferramenta, matéria-prima, objeto de trabalho etc.) como orgânica, inter-
relação que pode figurar em pontos determinados da cadeia a que nos referimos, mas
antes de tudo assinala a transição, no homem que trabalha, do ser meramente biológico
ao ser social (LUKÁCS, 2013, p. 44).

No presente capítulo, apresentaremos a relação entre trabalho e educação exaltando a


essência ontológica do ser social através do trabalho e a construção dos demais complexos
sociais derivados das interações entre os indivíduos adentrando, ademais, no processo histórico
da formação humana expresso em variadas formas de desenvolver a educação como reflexo dos
limites materializados em cada sociabilidade. Neste interim, propomo-nos a visitar as obras
clássicas de Marx assim como as dos seus intérpretes contemporâneos para melhor
estabelecermos uma ligação pertinente entre a teoria marxista e o nosso objeto. Posteriormente,
partiremos para uma reflexão sobre como os processos educativos se efetivaram no curso da
história sem desconsiderarmos os processos de divisão do trabalho e do conhecimento que
culminaram em agudizar as disparidades sociais no mundo moderno mostrando que o complexo
da educação não é objetivado de forma isolada na sociedade e nem tampouco espontânea. Pelo
contrário é realizado como dispositivo de instrução dos conhecimentos e habilidades
historicamente adquiridos, predominantemente, conforme as necessidades sociais e os
interesses da classe dominante. Finalizaremos, todavia, esse capítulo evidenciando as reformas
educacionais lideradas pelo Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI),
de onde partiram os paradigmas de incremento aos sistemas educacionais dos países capitalistas
periféricos a partir da década de 1990 evidenciando o seu caráter real, apostando no retorno da
Teoria do Capital Humano, tendo esta ganhado uma nova roupagem em nome do
desenvolvimento econômico apoiado na ampliação da estrutura de gestão das políticas públicas
neoliberal e consolidação da ideologia capitalista, demarcando com veemência os seus efeitos
degradantes deste modo de produção sobre a classe trabalhadora.
Damos início as nossas análises apoiados na teoria lukacsiana centrada no trabalho
enquanto modelo de onde parte a condição humana. Essa categoria, muito bem desenvolvida
por Lukács (2013) ao se debruçar em Marx, é o momento predominante do ser social e promove
o desenvolvimento das potencialidades do homem, o qual, auto determinou-se ao se fixar na
natureza e transformá-la, complexificando-se enquanto a complexificava. Por meio da práxis,
26

o homem efetivou historicamente a sua essência produzindo sempre o novo a fim de responder
às necessidades biológicas e sociais postas, diferenciando-se das outras espécies, cuja atividade
vital repousa sobre a realização do mesmo na reprodução da vida.
O processo de formação da essência humana se inicia na realização do trabalho, pelo
próprio homem, na busca por satisfazer suas necessidades mínimas de sobrevivência para estar
em condições de construir a sua própria história permitindo, assim, a aquisição de muitas outras
habilidades e a ampliação dos seus horizontes ao interagir com a natureza e, dialeticamente,
transformá-la.
O caráter ontológico do trabalho foi expresso pelo homem na criação de si por meio da
objetivação de utensílios, os quais tornaram a mão mais livre e, com isso, segundo Engels
(1984), a relação homem-natureza com iniciativa de transformá-la foi se tornando mais e mais
complexa.
Impulsionado pela prática do trabalho – que ganhou sentido no interior de uma
totalidade social sem o esgotar – o homem se destacou pela criação de instrumentos elaborados
que facilitaram sua sobrevivência e esse dinamismo só foi possível pela ação que pôs em
movimento o seu pôr teleológico objetivando uma práxis social impulsionada pela necessidade.

O homem permanece irrevogavelmente um ser vivo biologicamente determinado,


compartilhando o ciclo necessário de tal ser (nascimento, crescimento, morte), mas
modifica radicalmente o caráter de sua inter-relação com o meio ambiente, pelo fato
de surgir, através do pôr teleológico no trabalho, uma interferência ativa no meio
ambiente, pelo fato de, através desse pôr, o meio ambiente ser submetido a
transformações de modo consciente e intencional (LUKÁCS, 2013, p. 203).

Neste contexto de satisfação consciente das necessidades em razão de se manter vivo –


“A consciência que efetua um pôr teleológico é a de um ente social real, que, como tal,
necessariamente também tem de ser, ao mesmo tempo e de modo inseparável, um ser vivo no
sentido biológico" (LUKÁCS, 2013, p. 290) – o homem consolidou de forma gradativa os laços
societários, nos quais os indivíduos, auxiliando-se mútuo e coletivamente, perceberam que
efetivar interações com a natureza em grupo facilitava a realização das atividades cotidianas e,
conforme as relações entre eles se fortaleciam, surgia a necessidade de dizer algo uns aos outros
emergindo, destarte, o desenvolvimento do órgão vocal: a linguagem.
Lukács (2013, p. 161) nos mostra, neste sentido, que “O domínio crescente do homem
sobre a natureza se expressa diretamente, portanto, pela quantidade de objetos e relações que
ele é capaz de nomear”. No salto ontológico realizado pelo homem, a linguagem assumiu o
caráter de complexo social.
27

Concordarmos com Engels (1984), por conseguinte, diante da constatação que a


linguagem é, também, um elemento determinante na materialização da vida social dos homens
por se desenvolver simultaneamente com o desenvolvimento do trabalho, a partir do qual os
indivíduos se aperfeiçoaram enquanto produtores e, logo, complexificaram tanto a relação
homem-natureza quanto as relações entre os próprios homens. Todavia, é importante lembrar
que a realização da linguagem só foi permitida a partir do trabalho, o qual permanece como
auto atividade criadora do ser do homem.

[...] com o desenvolvimento da mão, decorrente do trabalho, o homem foi alargando


os seus horizontes e descobrindo nas coisas outras propriedades até então
desconhecidas. Por outro lado, multiplicando-se as circunstâncias e contingências de
atividade em comum para mútuo auxílio e as vantagens para cada indivíduo, o
desenvolvimento do trabalho contribuiu enormemente para que os homens
consolidassem seus laços societários. Numa palavra, os homens, num determinado
momento da sua evolução, tiveram necessidade de dizer algo uns aos outros. Dessa
necessidade, nasceu o órgão vocal (OAKLEY apud CASSIN, 2008, p. 2).

O exercício do trabalho promoveu o desenvolvimento do cérebro humano e, portanto, o


soerguimento das habilidades humanas o que possibilitou, através da convivência social e do
surgimento da linguagem, o aprimoramento deste gênero na produção da vida material.

Com o trabalho, portanto, dá-se ao mesmo tempo – ontologicamente – a possibilidade


do seu desenvolvimento superior, do desenvolvimento dos homens que trabalham. Já
por esse motivo, mas antes de mais nada porque se altera a adaptação passiva,
meramente reativa, do processo de reprodução ao mundo circundante, porque esse
mundo circundante é transformado de maneira consciente e ativa, o trabalho torna-se
não simplesmente um fato no qual se expressa a nova peculiaridade do ser social, mas,
ao contrário – precisamente no plano ontológico – converte-se no modelo da nova
forma do ser em seu conjunto (LUKÁCS, 1978, p. 6).

Lukács nos permitiu assimilar que a linguagem se constituiu, também, como uma
mediação entre o homem e a natureza bem como entre os próprios homens por ser o momento
no qual o ser social se apropria e expressa o significado das coisas demonstrando, neste sentido,
a sua essencialidade na (e para a) reprodução dos seres e expressando os seus níveis de
complexidade.
Avançamos na constatação de que a base da sociedade são as relações que se
estabelecem entre os seres sociais, os quais se transformam ao mesmo tempo em que
transformam a natureza em um processo de satisfação das necessidades.
Diferentemente da concepção cronológica da realidade que antecede a sociedade – a
natureza, sem o homem, foi a reposição dela mesma por centenas de anos, sem grandes
28

modificações – a perspectiva ontológica do homem revela que, através do trabalho e da


reprodução desse, os indivíduos de modo societário transformam a natureza enquanto se
transformam, tornando-a gradativamente mais dinâmica e complexa. O trabalho, que é uma
ação mediada pela teleologia2 e pela causalidade3, é a criação, a invenção; é produzir o novo
em unidades interativas diversificadas.
O homem, ao realizar o salto ontológico, distanciou-se de sua gênese biológica, mas não
a abandonou absolutamente como comenta Lukács (2010, p. 36) em

[...] o ser humano pertence direta e – em última análise – irrevogavelmente também à


esfera do ser biológico, que sua existência – sua gênese, transcurso e fim dessa
existência – se funda ampla e decididamente nesse tipo de ser, e de que também tem
de ser considerado como imediatamente evidente que não apenas os modos de ser
determinados pela biologia, em todas as suas manifestações de vida, tanto interna
como externamente, pressupõem, em última análise, de forma incessante, uma
coexistência com a natureza inorgânica, mas também que, sem uma interação
ininterrupta com essa esfera, seria ontologicamente impossível, não poderia de modo
algum desenvolver-se internamente e externamente como ser social.

A forma originária do trabalho, ou seja, o estatuto ontológico conferido a ele – essa


importante categoria não pode ser desconsiderada no processo de definição da essência humana
– promoveu, como afirmamos anteriormente, a evolução das suas habilidades que se
expressaram na forma de outros complexos – a linguagem, a arte, o aperfeiçoamento das
técnicas e a evolução dos outros sentidos – e, desta forma, a reprodução foi impulsionada
enquanto processo ininterrupto pelo qual o ser social foi maturando as suas interações. Diante
disso, o ser social se formalizou como ser histórico que produz complexos sem, ao mesmo
tempo, abandonar as suas características biológicas.
O trabalho se desenvolve em todos os momentos da evolução humana, mas não de forma
universal e, sim, distinta, conforme as necessidades e interesses inerentes as especificidades de
cada metabolismo social. O desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção
modificaram, seguindo o histórico em que se estruturou a sociedade de modo diversificado, o
ato do trabalho e o complexo da educação, enquanto derivação constituída pelas relações sociais
provenientes desse trabalho, é um fenômeno essencialmente social e fundamental para a

2
Lukács (2010) nos possibilitou compreender que a teleologia é subjetiva (corresponde à consciência humana que
põe um fim) e, portanto, expressa uma finalidade para a objetivação de um desejo concebido pela consciência.
3
A causalidade é objetiva e constitui o auto movimento do que é mudo. Corresponde, portanto, às objetividades
naturais que existem do auto movimento da natureza. Essa é fundamental para o salto dado pelo homem da sua
esfera biológica para se tornar ser social. Pois, sem a natureza, não há transformação, em outras palavras, não há
trabalho.
29

reprodução humana. A práxis determinante da sociabilidade do homens (o Trabalho) mantém,


portanto, um princípio educativo expresso pela relação transformadora entre homem e natureza,
da qual novas informações, competências e técnicas são agregadas e repassadas de geração para
geração.
O complexo da educação surge a partir do modo de produção real da vida e se
desenvolve de acordo com as demandas de organização específicas de cada sociedade para
atender aos interesses da produção.
Aprofundaremos os aspectos que historicizam e caracterizam a relação trabalho e
educação mais adiante já que é de grande importância apresentarmos as diferentes
representações do trabalho em cada formato societário estruturado historicamente pelo homem
desde a sociedade primitiva até o modelo social que vivenciamos neste momento.
Avançaremos, portanto, na teoria lukacsiana, que admite a condição humana
determinada pela evolução do homem em sua dimensão social e a razão fundamental de ser do
trabalho nesse contexto – enquanto práxis, através da qual, o homem usa a sua consciência para
tentar dar conta do que é posto pela realidade em seu caminho – para compreendermos a
determinação histórico–ontológica dessa categoria. O trabalho, portanto, segue objetivando um
valor utilidade no produto da sua ação, a qual parte de uma intenção e põe em movimento o
homem ao realizá-lo. O filósofo de Trier nos aponta a direção destacando:

O processo de trabalho, como expusemos em seu momento mais simples e abstrato, é


atividade orientada a um fim – a produção de valores de uso – apropriação do
elemento natural para a satisfação de necessidades humanas, condição universal do
metabolismo entre homem e natureza, perpétua condição natural da vida humana e,
por conseguinte, independente de qualquer forma particular dessa vida, ou melhor,
comum a todas as suas formas sociais (MARX, 2013, p. 261).

O homem, segundo Lukács (1978, p. 5), enquanto ser que dá respostas – “Como justa
razão se pode designar o homem que trabalha, ou seja, o animal tornado homem através do
trabalho, como um ser que dá respostas” – e que precisa produzir sua própria existência, foi
(re)produzindo, em cada momento específico da história, os bens materiais para sua
sobrevivência conforme as exigências do modo de produção desenvolvido em cada cotidiano
específico.
Enquanto ser social – conforme salienta Lukács (2010, p.41-42) em “O homem pertence
ao mesmo tempo (e de maneira de separar, mesmo no pensamento) à natureza e à sociedade” –
gradativamente, o homem passou a produzir e acumular riquezas através da expropriação tanto
da natureza quanto do próprio homem a fim de atender uma pseudonecessidade que
30

'proporcionaria', quanto maior fosse o acúmulo, maior liberdade. Tudo isso resultou na
materialidade em forma de relações de produção motivadas pelo capital através do trabalho
alienado.

É o trabalho que nas suas diferentes formas permanece em toda a história do


desenvolvimento humano e a partir dele que as sociedades surgem e desaparecem em
decorrência do desenvolvimento das forças produtivas e o estabelecimento de novas
relações de produção (CASSIN, 2008, p. 3).

À proporção que as interações com a natureza e com os outros homens foram se


complexificando, a prática do trabalho foi se tornando cada vez mais diversificada e os
indivíduos cada vez mais sociais, como clarifica Lukács (2013, p. 162) a seguir:

A divisão do trabalho está baseada originalmente na diferenciação biológica dos


membros do grupo humano. O afastamento das barreiras naturais, como consequência
da socialização cada vez mais resoluta e pura do ser social, expressa-se sobretudo no
fato de que esse princípio originalmente biológico de diferenciação acolhe cada vez
mais momentos do social e estes assumem um papel predominante nela, degradando
os momentos biológicos à condição de momentos secundários.

Neste contexto, o trabalho originário foi ganhando historicamente diferentes formas e


as atividades manuais mais simples foram, gradativamente, tornando-se secundarizadas como
resultado, também, das inovações acrescidas à própria estrutura social reverberadas nos
instrumentos de trabalho (meios para produzir) e nas relações de produção.
O desenvolvimento social através do trabalho tomou como premissas fundamentais para
a organização da sociedade as forças produtivas – correspondem, conforme Marx (2013), a
todas as forças usadas para controlar e transformar a natureza – e as relações de produção –
maneiras diversas de desenvolvimento das relações de trabalho, distribuição do produto da
produção e reprodução da vida material – que emergiram o que Marx e Engels definiram como
infraestrutura, a qual é compreendida como a base econômica da sociedade e que determina a
superestrutura, que comporta as bases ideológicas sobre as quais uma sociedade se constitui.
Apoiados em Cassin (2009), compreendemos, portanto, que as relações sociais são
determinantes das condições históricas do trabalho, o qual vai ganhando especificidades
conforme as necessidades dos indivíduos socialmente especificadas. Nesta lógica, o modo de
satisfazer às necessidades estabelecidas historicamente pelas diferentes formas sociais
determina o trabalho a ser materializado subordinando-o às formas técnicas de organização da
sociedade. Essa definição aponta com exatidão para o que apreendemos como modo de
produção, o qual implica na organização e execução do processo de trabalho, ou seja, atribuiu-
31

se historicamente ao modo de produção o poder de determinar a estrutura como um modelo


específico de sociabilidade se desenvolverá.
Nas comunidades primitivas – primeiros grupos de indivíduos socialmente organizados
– as relações se baseavam na propriedade comum dos meios de produção com forças produtivas
pouco desenvolvidas o que não permitia grandes acúmulos dos excedentes da produção. Ponce
(1986), esclarece-nos sobre este formato societário que o principal meio de produção – terra –
era propriedade comum a todos os componentes da tribo, os quais exerciam funções específicas
sobre ela. Essas funções eram estabelecidas conforme o gênero e a faixa etária de cada um dos
componentes – divisão do trabalho.
Os direitos também eram comuns a todos assim como o resultado da produção. Neste
formato societário, tudo que era produzido era repartido igualmente e, logo, consumido. A
organização da tribo se estabelecia democraticamente e um conselho composto por homens e
mulheres adultos delimitava os ajustes necessários para uma convivência harmônica entre todos
os membros.
A formação humana do homem primitivo estava fortemente ligada ao contexto natural,
sua proximidade com os elementos da natureza e extrema dependência desta se revelavam na
estrutura física de cada um, nos comportamentos e nas relações sociais formuladas por eles.
Essas relações impulsionadas pelo trabalho – apoiamo-nos em Lukács (2013) para reafirmar
que “o trabalho é de importância fundamental para a peculiaridade do ser social e fundante de
todas as suas determinações” – puseram em movimento outras práxis – expusemos
anteriormente, mas vale destacar a causalidade dada, a qual remete à natureza e à intervenção
direta do homem sobre ela; e o desenvolvimento da teleologia primária4, cuja circunscrição se
detém ao processo consciente de interação com a natureza no sentido de transformá-la – que
possibilitaram o desenvolvimento orientado das forças produtivas, do processo de organização
do trabalho e das relações de propriedade comum dos meios de produção.
A educação, como herança cultural, promove uma coesão social por ser uma forma de
manutenção das normas socialmente estabelecidas o que implica na produção e distribuição dos
bens culturais e sociais acumulados historicamente. Isso explica o papel que a educação assume
em determinada ordem social, já que suas atribuições dependem diretamente da dinâmica social
em que ela se processa. Portanto, os modos de produção estabelecidos ao logo de nossa história

4
Lukács nos ajudou a compreender a concepção entre as teleologias primária e secundária, bem como assimilamos
a distinção entre causalidade dada de causalidade posta, no processo de formação do ser social por meio do trabalho
em sua obra Para uma Ontologia do Ser Social II (2013).
32

nortearam os sentidos da educação e elaboraram os caminhos pelos quais essa educação deveria
percorrer.
Os processos educativos desenvolvidos nas comunidades primitivas se propagavam
espontaneamente. O homem primitivo aprendia, através da convivência, os conhecimentos,
reverberados em comportamentos e formas de pensar estabelecidos tradicionalmente, e postos
como necessários para que fosse consolidado como membro da tribo. Ponce (1986) mais uma
vez nos ajuda a compreender que a observação se propagava como metodologia primeira no
processo de aprendizagem não havendo a necessidade de procedimentos educativos formais
para ensinar o que a prática conquistava: realizar tarefas para satisfazer as necessidades
imediatas do grupo e, desta forma, produzir de maneira eficaz a vida material.
Conforme as comunidades primitivas se tornavam cada vez mais organizadas,
complexas e, portanto, sociais, novas relações de produção emergiam gradativamente. O
desenvolvimentos das forças produtivas permitiu a criação de excedentes na produção
impulsionando, assim, a apropriação privada dos meios de produção e, daí, formas mais ríspidas
de dominação entre as tribos. Essas relações de exploração, em razão da propriedade privada
dos meios e dos excedentes da produção, implicaram no surgimento das classes sociais. Nesta
lógica, os detentores dos meios de produção e dos excedentes da produção se tornaram, também,
proprietários dos que não tinham propriedades escravizando-os e dando espaço a um novo
modelo de sociedade: as sociedades de classes.
Ponce (1986) tece a origem e constituição das sociedades de classes a partir do
desenvolvimento de uma nova forma de trabalho: o trabalho escravo, o qual possibilitou o maior
acúmulo do excedente da produção dando início à dinâmica de comercialização entre os grupos
sociais. Neste contexto, o trabalho perde o seu caráter essencialmente ontológico e passa a ser
organizado de acordo com as demandas da produção, da apropriação, da distribuição e do
consumo, desiguais, do que era produzido.
Percebemos no percurso histórico do ser social e nas diversas formas de manifestação
do trabalho, específicas para cada formato societário, que a própria ordem social expressa a
necessidade de uma nova concepção de homem. Isso se apresenta nas exigências por
modificações nos processos de formação dos indivíduos. Partimos, portanto, desta premissa
para justificarmos que a educação desenvolvida nas sociedades de classes perdeu o seu caráter
de formação comum para ser aplicada à formação de indivíduos de classes opostas e, neste
quadro, efetivada sob os interesses da classe dominante.
33

As classes antagônicas ascenderam necessidades distintas e o fazer educativo se


materializou, também, de forma diferenciada, mas sempre a partir da perspectiva de reprodução
da lógica de exploração dos dominantes sobre os dominados.
O feudalismo apresentou uma nova sociabilidade, na qual a terra permanecia como
principal meio de produção, porém em proporções menores. A força de trabalho deixou de ser
escrava para se torna servil. Neste, interim, as relações de produção se estabeleceram de formas
diferenciadas assim como as próprias características da sociedade.
A igreja católica assumiu a responsabilidade de instrução pública. Cassin (2009, p. 10)
nos ajudou a compreender a instauração das escolas monásticas que instruíam os monges e
estavam comprometidas em converter a plebe ao cristianismo, mas também ensinavam os
plebeus a ler e a escrever. Essas escolas foram lentamente dando espaço às escolas catedráticas
em um contexto, no qual a classe burguesa, em processo de ascensão social, exigia uma nova
forma de educação nas cidades. Entretanto, a igreja católica não pretendia permitir facilmente
que os burgueses desenvolvessem processos formativos autônomos para que esses últimos não
ameaçassem o poder de dominação ideológica que o cristianismo efetivava na sociedade,
principalmente, sobre os indivíduos que compunham a classe abastarda.

O surgimento da burguesia nas cidades e seu enriquecimento foram exigindo


mudanças no ensino e as escolas monásticas vão dar lugar às escolas catedráticas, que
passam a responsabilidade do ensino dos monges para o clero secular, de escolas
rurais a escolas urbanas. São essas escolas catedráticas que se constituem em germes
das universidades que passarão ao controle da burguesia (CASSIN, 2009, p. 10).

Conforme a classe burguesa foi ocupando lugar de destaque na sociedade, contraiu para
si o controle da produção e do Estado através de atos revolucionários permeados pela difusão
do discurso em defesa da igualdade, mas que, posteriormente, tornaram-se conservadores
apoiados pelo fortalecimento das relações comerciais, pelo acúmulo de capital e pelo processo
de industrialização.
A sociedade capitalista estabeleceu sua ordem por meio da propriedade privada dos
meios de produção e do Estado – entidade originada a partir da sociedade de classes como pilar
para a consolidação da lógica de dominação nas relações de produção estruturadas sobre o
regime de trabalho escravo – enquanto instrumento repressor da classe subalterna e, ao mesmo
tempo, difusor da ideológica do capitalismo.
A sociedade dividida em classes antagônicas e, consequentemente, a divisão social do
trabalho passaram a exigir competências mínimas de monitoramento e operacionalização desse
trabalho. Portanto, fez-se necessária a diferenciação dos processos de escolarização: um
34

destinado aos detentores dos meios de produção e suas descendências e outro para os que lhes
serviam. Instaurou-se, destarte, a dicotomia educativa enquanto forma mais viável para o
sistema em processar a educação em meio às disparidades sociais.
Os processo educativos efetivados conforme as exigências do capital, apoiaram-se na
formação técnica dos trabalhadores, os quais, por meio do trabalho ‘livre’ dispuseram como
mercadoria sua força de trabalho – mão de obra – a ser consumida pelos senhores do capital
por valores determinados por eles próprios, ou seja, valores não justos aos trabalhadores. Esses
trabalhadores, formados tecnicamente para estarem aptos a adentar na lógica de mercado,
deveriam passar por processos formativos articulados conforme às demandas estabelecidas pela
produção a fim de reproduzirem, enquanto indivíduos subjugados a uma lógica exploratória e
desumana, as concepções políticas, ideológicas e sociais do capital de forma alienada.
O contexto de crise que acirrou o modo de produção capitalista na segunda metade do
século XX, causada pela superprodução, demonstrou a deficiência processual do sistema que
prima pela acumulação e a sua fragilidade inerente às articulações elaboradas para perpetuar
sua lógica de exploração.
A perspectiva expansionista representada através do processo de globalização e do
modelo de gestão neoliberal reafirmou as disparidades de classes mascaradas pelo codinome
desenvolvimento econômico e foi sobre esta perspectiva que a educação na sociedade
capitalista se desenvolveu: uma educação que, ainda hoje, está longe de formar os indivíduos
contemplando o desenvolvimento pleno de suas capacidades, mas sim formá-los de maneira
limitada para que o controle da produção se mantenha estável e em conformidade com os
interesses de valorização do capital.

2.1 Processos educativos obedientes aos ditames dos senhores do capital

Para Mészáros (2008), vivemos a subversão fetichista do real estado das coisas através
de uma consciência reificada, ou seja, através das orientações simbólicas inconscientemente
internalizadas. Isso caracteriza o processo de inversão de valores na totalidade social, sem o
qual o capital seria impedido de se desenvolver não podendo exercer suas funções sociais
metabólicas de ampliar a produção e, assim, consolidar sua lógica de reprodução. A partir dessa
concepção, constatamos que todas as estratégias de desenvolvimento do capital estariam
fadadas ao fracasso caso os indivíduos não se encontrassem em condições subalternas aos
fetiches das mercadorias.
35

As raízes do capitalismo se sustentaram em uma forma específica de lidar com o


trabalho: o trabalho assalariado. A exploração da mão de obra em nome da produção de riquezas,
naturalizada pelos trabalhadores como as orientações simbólicas internalizadas através dos
processos educativos, representa o fundamento das relações socais no capitalismo e, daí,
compreendemos a importância do vínculo trabalho e educação enquanto perspectiva de melhor
compreensão sobre o desenvolvimento da sociedade do capital.
Nesta dinâmica, o trabalho precisa estar subordinado ao capital assim como o próprio
Estado, o que impulsiona a subordinação dos outros complexos sociais – linguagem, direito,
política e cultura por exemplo – que precisam permanecer dependentes das exigências do
sistema do capital para se desenvolverem. A educação, destarte, comunga das determinações
dessa lógica para se materializar entre os indivíduos. Neste sentido, podemos avançar no
complexo da educação, o qual, enquanto fenômeno essencialmente social – está inserido na
totalidade sendo fundamental para a reprodução humana – surge a partir do modo de produção
do real e se desenvolve de acordo com as demandas de organização da sociedade para atender
aos interesses da produção.

No reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria. Daí a crise do sistema
público de ensino, pressionado pelas demandas do capital e pelo esmagamento dos
cortes de recursos dos orçamentos públicos. Talvez nada exemplifique melhor o
universo instaurado pelo neoliberalismo, em que “tudo se vende, tudo se compra”,
“tudo tem preço”, do que a mercantilização da educação (MÉSZÁROS, 2008, p. 16,
grifos do autor).

Daí, a viabilidade de uma educação segmentada para atender, modelar, gerar bons
resultados nos distintos seguimentos que compunham a sociedade: educação no modo de
produção capitalista.
Os primórdios do capitalismo, a partir da relação de dominação da classe burguesa
sobre o proletariado, corresponderam ao momento embrionário da ciência, a qual, a serviço da
nova ordem mundial, foi difundida no modelo educacional dicotômico – educação propedêutica
e educação profissionalizante – na perspectiva de dar suporte à consolidação do sistema do
capital a partir do século XX. Não negamos que o capitalismo foi a mola mestra do
desenvolvimento social pois tem conduzido o homem a estágios inimagináveis de suas
habilidades. Porém, não se pode perder de vista que as relações nele construídas permitiram
que se alcançasse melhor compreensão da realidade e, ao mesmo tempo, que fossem
desenvolvidas estratégias para burlar a melhor compreensão da essência dessa mesma realidade
que, em nada, é justa.
36

Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais mais


abrangentes de reprodução estão intimamente ligados. Consequentemente, uma
reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente
transformação do quadro social no qual as políticas educacionais da sociedade devem
cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudanças
(MÉSZÁROS, 2008, p. 25).

Com a ascensão do mundo das máquinas e a tecnologia tomando conta dos meios de
produção, a ciência aglutinou-se aos processos produtivos inflamados pela Revolução Industrial
modificando as estruturas sociais e trazendo a necessidade de um novo tipo de trabalhador fabril:
apto a se encaixar nas variadas demandas práticas da indústria. O saber fazer, portanto, assumiu
a dimensão central na formação da classe proletária abrindo portas para um novo modelo de
escola, a qual deveria articular procedimentos formativos sustentados pelos princípios da
ciência e da produção.
Segundo Souza (2014), a Revolução Industrial exigiu, pelas condições postas, que a
sociedade capitalista efetivasse os ideais burgueses difundidos durante a Revolução Francesa
referentes aos modelos de instrução solicitando, portanto, o desenvolvimento de uma educação
universal, gratuita, estatal e laica o que emergiu a possibilidade de edificação da escola das
fábricas, na qual os trabalhadores se submetiam a processos formativos restritos, pautados nas
perspectivas dos processos produtivos e sem teor científico.
Neste contexto, aderimos ao que foi expresso por Nascimento (2016, p. 49-50) para
ratificar que os processos educativos se tornaram também divididos, “a solução dada pela
burguesia consistiu, na realidade, em uma nova divisão da educação, agora dentro da própria
educação stricta, ficando a escola humanística/propedêutica destinada às camadas superiores e
a escola profissional aos trabalhadores”.
A educação para preparar sujeitos diferentes se desenvolveu, obviamente, de maneiras
diferenciadas, como destacamos anteriormente, e essas formas distintas de formar indivíduos
classificados especificamente conforme suas aquisições materiais não serão superadas enquanto
a lógica capitalista dominar ideologicamente a sociedade. Esse modelo educacional reflete o
formato societário que se estrutura com base na mais-valia, no trabalho assalariado, na
exploração do trabalhador e tem sido a bandeira levantada pelos grandes organismos
internacionais – BM e FMI – para as políticas educacionais dos países capitalistas periféricos,
incluindo o Brasil, desde as últimas décadas do século XX.
Observamos neste contexto que, assim como o trabalhador é indispensável para a
produção, esse paira no plano da invisibilidade dentre os elementos fundamentais para o
37

processo de produção de riquezas. Isso significa sustentar que, na lógica do capital, quem mais
produz é quem menos é considerado e daí se denota a irrelevância dedicada às estratégias de
qualificação do trabalhador. Ou seja, a má qualidade da formação do trabalhador é um reflexo
da irrelevância atribuída pelo próprio modo de produção capitalista ao indivíduo, o qual é
expropriado de sua mão de obra em nome da produção de riquezas, das quais não usufrui
enquanto trabalhador.
O valor de troca de uma mercadoria, que é uma forma de expressão do valor, não revela
a qualificação necessária para a sua produção. Isso significa que o produtor da mercadoria, o
qual dispende de força para objetivar a mercadoria, não reconhece a si próprio pela mercadoria,
esse não se vê no resultado final do seu trabalho. O trabalhador, neste processo de produção, é
esquecido pelo que a mercadoria expressa e, menos ainda, sua qualificação é revelada ou
considerada. Entretanto, ele continua elementar para a produção para satisfazer minimamente
as suas necessidades e, aos poucos, sobreviver.

De todas as mercadorias que circula na economia, no entanto, a mais importante “é a


força de trabalho”. (…) A força de trabalho é o valor de uso mais importante porque
é a única mercadoria cujo o uso representa um aumento de riqueza e não a sua perda
por desgaste irreparável, como no caso das máquinas, por exemplo (TORRES, 2010,
p. 47, grifo do autor).

O avanço tecnológico que têm ganhado um intenso destaque na produção na perspectiva


de a tornar mais produtiva e eficiente através da mecanização das máquinas, em vez de dispor
aos trabalhadores melhores condições de trabalho, otimizar o tempo e possibilitar, desta forma,
mais tempos livres aos trabalhadores, tem surtido efeitos contrários.

Ao invés da máquina se tornar uma extensão do corpo humano, potencializando e seu


raio de ação e sua capacidade produtiva, foi o ser humano que se tronou um apêndice
da máquina, apêndice este substituível tão logo fosse considerado não mais necessário
ao processo produtivo (TORRES, 2010, p. 47).

O que vemos ao longo da nossa história é uma série de inovações dos meios de produção
traduzidos como revoluções técnico-científicas, as quais inovaram equipamentos através de
acelerados avanços tecnológicos que se alinham às modificações ocorridas nas relações de
produção e, portanto, nas relações sociais. Contudo, a centralidade desse modo de produção
mais eficiente e confortável não se pautava na promoção harmônica e igualitária das relações
socais, mas sim no bem-estar da produção, focando na lucratividade.
38

Na dinâmica reprodutiva do capital, a educação desempenha um papel específico para


a classe trabalhadora, a qual está longe de ser educada considerando como prioridade as
potencialidades e as particularidades de cada indivíduo, mas sim modelada para a vida e essa
vida é representada pelo mercado e por todas as suas exigências, as quais não abrem brechas
para os anseios desses trabalhadores, mas precisa assegurar, conforme destaca Mészáros (2008,
p. 44), “[...] que cada indivíduo adote suas próprias metas de reprodução objetivamente
possíveis do sistema”.
Nesta lógica, a formação para o trabalho, que deveria ser uma escolha na vida de cada
um, finda por se tornar uma determinação do próprio mercado, no qual o trabalhador, já
conformado com a posição hierárquica social que lhe foi atribuída, está inserido e dela depende
para sobreviver.
A ideologia capitalista internaliza nos indivíduos, por meio dos processos educativos,
que o sucesso e o fracasso vivenciado por cada um são particulares. Nesse contexto, a classe
trabalhadora se desenvolve composta por indivíduos com a responsabilidade de conquistar uma
boa educação e o desejo de ‘subir na vida’ corre pelas suas veias mascarando as mediações de
segunda ordem enquanto engrenagem em constante movimento para manter a hegemonia da
ordem vigente promovidas pelo próprio capital. Tudo isso se expressa na produção reificada
das riquezas, bem como, no acirramento da pobreza como consequência das desigualdades. O
desinteresse por parte das autoridades em tornar a educação mais qualitativa e universal de fato
agudiza as contradições que caracterizam essa sociabilidade e alimenta a conspiração em favor
da desvalorização da força de trabalho.
O trabalhador, portanto, perpassa o processo educativo elaborando e fortalecendo a
percepção do lugar que ele ocupa na sociedade, o qual, na maioria dos casos, correspondem às
posições mais miseráveis e degradantes. A educação disponibiliza algumas oportunidades de
ascensão, mas as vagas são limitadas na corrida por um futuro melhor, embora os documentos
oficiais assegurem que todos têm direitos iguais e, portanto, entradas garantidas na porta para
o almejado futuro próspero. Porém, o capitalismo não efetivaria seus interesses se a todos
fossem disponibilizadas as mesmas oportunidades e os direitos igualmente concedidos, ou seja,
equidade é um princípio que contradiz a lógica do capital.
Não é permitido, nem tampouco vantajoso para a lógica do capital, que as oportunidades
de ascensão social por meio da educação contemplem a todos, mas apenas a uma menor parcela
da população. E, essa menor parcela é a exceção ‘vitoriosa’, a qual vislumbra do mérito de,
pelo próprio esforço, emergir do nível de pobreza através ‘dos estudos’.
39

Essa valorização, culturalmente internalizada e consolidada enquanto a sociedade se


processa, implanta nos indivíduos, pela difusão propagandística dos casos que são exceções,
uma busca incessante pela realização individual. Tudo isso naturaliza a concorrência entre as
pessoas de modo a limitar a percepção do verdadeiro inimigo que é o próprio sistema do capital.
Esse capital é uma lógica destrutiva que, usando de contratos sociais, dispõe possibilidades de
ascensão social – seja pela sorte, pelo acaso ou pela meritocracia – diferentemente das outras
formas de produção material da vida, nas quais o escravo ou o servo não vivenciavam
possibilidades de ascensão. No capitalismo, o contrato social permite que se alcance o lado
oposto ao da pobreza extrema.
Porém, diversas batalhas são cravadas diariamente contra os que pretendem alcançar o
lado oposto ao da pobreza. Poucos alcançam o lado contrário; a maioria desiste e permanece
em condições de subalternidade; muitos enraízam a condição miserável desde cedo e, portanto,
não se consideram dignos, nem ao menos, de pisar nessa ponte e enfrentar as lutas; e muitos
padecem pelo caminho, o qual se torna mais complexo ainda com o amontoado de obstáculos
acumulados com o passar dos anos.
Enquanto isso, do lado da classe privilegiada não é possível perceber desejo de mudança
a não ser que a transformação aconteça de modo a garantir a essa parcela da sociedade mais
benefícios. Visitar o outro lado ninguém quer. Poucos se importam com as batalhas declaradas
diariamente sobre a ponte limítrofe do ‘vencer na vida’ e, quando se importam, pouco fazem
(ou podem fazer) pois se veem ameaçados de perder suas posições sociais privilegiadas.
A retirada dos direitos que restam aos trabalhadores dificulta o enfrentar dos leões
cotidianos e a educação institucional é propagada como possibilidade de melhor sobrevivência
ao, no plano ideal, promover a realização da estabilidade financeira. A competição entre os
trabalhadores se torna fundamento na busca pela constante qualificação pessoal favorecendo o
mercado dos cursos particulares. Enquanto isso, o acúmulo de riquezas aumenta intensamente
e, de forma proporcional, o pesadelo do desemprego invade a realidade do trabalhador
independente de sua formação e do quanto esse disponha tempo de dinheiro para se qualificar.
As poucas expectativas de trabalho acirram as distâncias entre os trabalhadores ou
promover uma competição sem limites entre indivíduos sem posses e, ao mesmo tempo,
dependentes uns dos outros o que acarreta a desunião da classe internamente, bem como o
alastrar dos conflitos entres os próprios componentes, o que abre vantagens para o sistema do
capital permanecer no controle de tudo e de todos.
40

Baseados pela premissa autenticamente revolucionária de defender uma escola que


atenda à potencialidade humana, torna-se inadiável a tarefa de compreensão radical
do tratamento rigorosamente científico conferido ao complexo da educação ao longo
da história da humanidade. Baseados, destarte, nesse contexto histórico, constatamos
que, desde os primeiros germes do capitalismo, o dualismo educacional está
condicionado pelo antagonismo de classes (SANTOS, 2017, p. 122).

Encontramos nas palavras de Santos (2017) que os processos educativos, empreendidos


nos conformes da ideologia do capital, configuram-se como resultados dos antagonismos entre
as classes que compõem a sociedade moderna, assim como, são instrumentos de reprodução
dessa estrutura metabólica o que nos permite classificar a educação como uma força empregada,
cansada, mas não remunerada e, destarte, escravizada a serviço do capital, o qual assume papel
de detentor de todos os outros complexos da sociedade, os quais tendem a se organizar,
desenvolver-se e se articular conforme as imposições do seu proprietário: o capital.
Educação escravizada, amordaçada, manipulada, é o que temos materializado desde que
o capitalismo se fixou como ordem absoluta a ser seguida e, da mesma forma que esse sistema
tem se consolidado a partir da dominação específica de cada complexo que compõe a sociedade,
a classe trabalhadora tem, cada vez mais, incorporado formas análogas de escravidão – as
necessidades de consolidação do próprio sistema passaram a exigir uma mão de obra ‘livre’ da
servidão e da escravidão para que essa incorporasse o caráter de mercadoria e pudesse ser
apropriada pelos detentores dos meios para produzir – cotidianamente apesar da qualificação
arduamente conquistada objetivando, por suas mãos, uma sociedade revestida por tecnologias
e, em proporção adversa, cada vez mais alienada.
Não é nossa intensão desconsiderarmos o viés revolucionário que encontramos no fazer
educativo. Compreendemos que a educação comporta um papel importante no ideal
revolucionário e na perspectiva do novo formato societário que almejamos atingir. Entretanto,
é necessário convir que não há projeto, programa ou reforma educacional que, inserido e
compactuando com a ordem capitalista, permita caminharmos na direção de uma transformação
pertinente do que deve ser mudado: o modo de produção em vigor.
Apoiamo-nos na emblemática frase deixa por Marx5, “O que caracteriza a divisão do
trabalho no interior da sociedade moderna é que ela cria especialidades, e com ela o idiotismo
da especialização”, para reafirmarmos: a educação de forma isolada não dará conta das
mudanças necessárias para a formação de um metabolismo social mais justo e humano. Mas,

5
Essa frase foi colhida da obra O Pensamento Vivo de Marx (1985).
41

como um importante campo de luta, é instrumento indispensável para a propagação da ideologia


revolucionária em favor do proletariado.

2.2 O Banco Mundial no comando das reformas educacionais dos países periféricos: novo
século, novas/velhas formas de efetivar a educação

O Banco Mundial (BM) – representação física e difusor ideológico exato da gestão


econômica global sobre o viés capitalista – também denominado Banco Internacional de
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), surgiu no período pós-guerra, 1945,
concomitantemente à origem do FMI com o objetivo de equacionar as taxas de juros no
comércio internacional e ajudar no reestabelecimento mercadológico dos países prejudicados
com a segunda guerra mundial.
Auxiliando os Estados Unidos a se tornar a hegemonia capitalista mundial que é hoje, o
Banco Mundial, conforme apontou Rabelo, Jimenez e Mendes Segundo (2005, p. 96), “passou
a interferir na trajetória política e econômica dos chamados países em desenvolvimento, com o
propósito singular de garantir o pagamento das dívidas” com a finalidade de manter a
supremacia estadunidense, país o qual não sofreu muitos prejuízos com a Segunda Guerra
Mundial e, estrategicamente, colocou-se à prontidão dos países que, naquele momento,
necessitavam formular acordos financeiros para se reconstruírem.

Contudo, o agravamento da crise do endividamento nos países periféricos, a partir dos


anos 1980, abre espaço ao Banco Mundial e ao conjunto dos organismos multilaterais
de financiamento para desempenhar o papel de agentes no gerenciamento das relações
de crédito internacional e na definição de políticas de reestruturação econômica, por
meio de programas de ajuste estrutural (RABELO, JIMENEZ, MENDES SEGUNDO,
2015, p. 96).

Para além das questões financeiras, o BM passou a influenciar outras questões nos países
endividados e periféricos, os quais, devido à aguda dependência financeira, deixaram-se gerir
pelas determinações desse que foi consolidado como principal impulsor do capitalismo.
Nessa dinâmica, as influências do BM, concretizadas por meio de severos acordos
econômicos com o FMI, passaram a influenciar, solidamente, as legislações desses países assim
como os programas nas áreas da educação e da saúde em troca de um projeto político-ideológico
denominado reestruturação econômica.
42

As preocupações do Banco com o complexo da educação emergiram a partir da


constatação de mais de um bilhão de pobres no mundo o que impulsionou a realização das
conferências pela educação dos países periféricos sobre a premissa de abolição da pobreza, fator
que poderia atrapalhar a reprodução e consolidação perpétua do modo de produção capitalista.
Daí, o objetivo de erradicar o analfabetismo em nome do progresso tomou conta dos
documentos normatizadores da educação. O BM, acompanhado do FMI, elaborou paradigmas
para a educação sobre a justificativa de inserir os países capitalistas periféricos no padrão
neoliberal de desenvolvimento que ocasionaram grandes modificações nos fazeres escolares
que explicam o que temos hoje como educação.
As diretrizes educacionais elaboradas pelos dominadores do regime capitalista se
sustentaram nos princípios de reforço em atrelar o desenvolvimento econômico à educação
valorizando a priori os investimentos na Educação Básica universal e, mais precisamente, nas
etapas primárias do ensino-aprendizagem secundarizando de tal forma o Ensino Médio, como
Mendes Segundo e Jimenez (2015) destacam no seguinte trecho:

Sobre o ensino médio, o Banco Mundial entende como sendo o segundo ciclo do
secundário e deve estar disponível àqueles que demonstrarem capacidade para segui-
lo. Recomenda a oferta de bolsas de estudo e que sua oferta seja feita, prioritariamente,
pelo setor privado (p. 51).

De forma distinta, observa-se o que era proposto para o Ensino Fundamental como se
pode observar no trecho a seguir:

Quanto à educação básica, o Banco vem redefinindo suas funções ao longo de sua
administração. Se antes, nos anos 1970, estabelecia esse nível como sendo o mínimo
de reposição educacional destinado às pessoas de baixa escolaridade (o minimum
learning basic), agora o ensino fundamental constitui a meta principal a ser alcançada
pela escola regular para a população entre 6 e 14anos. O Banco Mundial recomenda
que a oferta da escolarização desse nível seja assumida pelo setor público, de
preferência com o apoio das parcerias com o setor privado e as ONGs (MENDES
SEGUNDO; JIMENEZ, 2015, p. 51).

As perspectivas de reformas educacionais a partir das diretrizes de redirecionamento


político do BM direcionaram ao setor público maior responsabilidade ao exigir o
desenvolvimento de maneira eficaz, mas dentro dos limites do próprio capital, de um modelo
de educação que possibilitasse os países periféricos ultrapassar a linha da pobreza.
O EM, incialmente, não ganhou centralidade no conjunto de propostas estabelecidas
pelo BM a partir da década de 1990. As propostas pautadas no desenvolvimento de uma
43

educação redentora dos males da sociedade não representavam as perspectivas de promoção de


uma formação, para os jovens estudantes frequentadores da rede pública de ensino, para além
da qualificação mínima para o trabalho assalariado.

Nesse contexto, a educação é proclamada como um instrumento de redução da


pobreza, mas, principalmente como fator fundamental para a formação de “capital
humano” necessário aos requisitos do novo padrão de acumulação do capital. É por
esta razão que atualmente assistimos à implementação de reformas educacionais na
maioria dos países periféricos (MENDES SEGUNDO; JIMENEZ, 2015, p. 49, grifos
dos autores).

As propostas de reformulação da educação, vislumbrando tornar os países pobres aptos


concorrer na corrida pela globalização, designaram as estratégias meticulosamente pensadas
para penetrar, nesses campos de subsunção ao capital, as novas divisões internacionais do
trabalho reduzindo, assim, a formação do indivíduo ao ensino elementar para, desta forma,
limitar as potencialidades da classe trabalhadora, bem como, modelá-la conforme as demandas
do mercado internacional e, ainda, reduzir os gastos públicos com a educação.
No decorrer das conferências pela educação, o EM se tornou alvo importante nas lutas
por uma educação de qualidade. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de
1996 – substituiu a primeira LDB de 1961 – sofreu as influências da hegemonia norte-
americana daquele período. O discurso da globalização impulsionou a interferência dos
organismos internacionais através da elaboração de políticas que se tornaram diretrizes
fundamentais a serem seguidas em diversas partes do mundo.

Os discursos internacionais repetiam incansavelmente dois bordões: a) a importância


da educação básica (no Brasil, reduzida à escola fundamental) para o novo padrão de
desenvolvimento dos países periféricos e b) a necessidade de o Estado tornar-se
menos provedor de financiamento e mais indutor de qualidade, por meio de diversos
mecanismos de controle, tais como avaliações externas do sistema e a convocação dos
pais e da sociedade para a participação tanto do financiamento quanto da gestão
escolar (ZIBAS, 2005, p. 1070).

A real intenção do projeto, conforme Zibas (2005), era tornar os professores e gestores
em prestadores de serviços enquanto que os pais e os alunos assumiriam o papel de clientes
diante da concepção empreendedora de inserir a escola na lógica do mercado.
As perspectivas do BM apontavam para medidas que promovessem, também, a
descentralização da gestão e a padronização dos currículos escolares, bem como, dos sistemas
de avaliações que, como se pode observar atualmente, tem sido, de modo quase que
inquestionável, obedecidos pelo governo brasileiro.
44

O processo da globalização, que se espalhava mundialmente com bastante intensidade


no período de transição do século XX para o XXI, que veio acompanhado do importante papel
destinado à educação brasileira em uma sociedade marcada por desigualdades sociais: ser
instrumento de democratização do conhecimento. Daí, o interesse em atribuir à educação uma
função social de cunho redentorista como forma de mascarar as perspectivas de dominação
social, política, econômica e de difusão ideológica revestindo-as pelo assistencialismo em
forma de políticas públicas educacionais.
Foram realizadas, portanto, as conferências mundiais voltadas para a temática
educacional em Jomtien, 1990, na Tailândia; em Nova Deli, 1993; em Dacar, 2000. Essas
conferências se estruturaram de modo a estabelecer metas que deveriam ser cumpridas pelos
países membros em prol da inserção dos “países pobres” no mundo competitivo, o qual a
economia mundial demandava às vésperas do novo milênio.
Na visão dos órgãos patrocinadores das conferências – Organização das Nações
Unidades para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO); Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); Banco
Mundial – esta seria a forma de garantir a sustentabilidade econômica e social destes países
através das reformas educacionais.
A Conferência de Jomtien, em 1990, também denominada Conferência Geral da
Unesco, reuniu na Tailândia 155 países e 120 Organizações Não Governamentais (ONGs) para
juntos estabelecerem metas e estratégias que norteassem as diretrizes educacionais nos países
periféricos. O Brasil não participou dessa conferência, na qual os países-membros selaram o
comprometimento de universalizar a Educação Básica aumentando a oferta da educação de
qualidade em um prazo de dez anos – até 2000 – motivados pelo discurso que defendia uma
educação comprometida com o desenvolvimento mundial e com a sustentabilidade dos países
envolvidos com a agenda neoliberal.
O acordo proposto na conferência de Jomtien objetivou, de forma primordial, a
universalização do ensino básico através de alianças e com base no discurso de educação para
garantir segurança, prosperidade e um mundo mais sadio e mais puro. Era a política de
Educação Para Todos (EPT) posta como caminho a ser construído pelo Estado juntamente ao
setor privado e à organização civil no formato de reformas de política educacional em países
considerados problemáticos. A Conferência de Jontien lançou mão de materializar com
veemência normas e estratégias que garantissem uma Educação Básica de qualidade e que, ao
mesmo tempo, alcançasse a todos que dela necessitassem, mais precisamente direcionada aos
estudantes das escolas públicas, difundido a garantia do acesso a empregos dignos. A educação,
45

naquele momento, foi demarcada como um tesouro a descobrir disposta pela esperança
fantasiosa de ensinar e aprender para o próspero século XXI.
A Declaração de Nova Deli na Índia, 1993, evento que constou com a participação do
Brasil, deu continuidade às discussões iniciadas em Jomtien, 1990, reiterando as metas
estabelecidas na primeira conferência em universalizar o ensino básico até 2000 por meio da
oferta de vagas na educação em nível elementar e nos programas de alfabetização de adultos
assim como promover melhorias na Educação Básica e nas condições práticas do magistério.
Nessa Declaração, intensificou-se a proposta de atribuir à educação a prodigiosa função
social redentorista. Foi destacada a importante responsabilidade da sociedade em efetivar as
propostas das reformas educacionais através de alianças compostas por governos, famílias,
comunidades e ONGs almejando a promoção de uma educação a ser desenvolvida com base no
respeito à diversidade cultural e política.

A educação – tem que ser – responsabilidade da sociedade, englobando igualmente os


governos, as famílias, as comunidades e as Organizações Não-governamentais, exige
o compromisso e a participação de todos numa grande aliança que transceda a
diversidade de opiniões e posições políticas (UNESCO, 1993, p. 1 apud JIMENIZ;
MENDES SEGUNDO; RABELO, 2015, p. 21).

Essa concepção de união entre vários setores da sociedade em prol da efetivação de um


projeto educacional que buscava atender a todos significou na realidade uma maneira de
descentralizar a responsabilidade pelo desenvolvimento de qualidade dos processos educativos.
Uma estratégia resumida na retenção do público-alvo com a finalidade articulada em ter a quem
culpabilizar pelo fracasso das metas não conquistadas. Em outras palavras, todo o belo discurso
foi construído a partir do interesse real de tornar todos responsáveis pelos resultados, mais
especificamente pelos insucessos, da política de EPT.
Neste quadro, é desviado dos Estados – reais responsáveis pelo comprometimento em
tornar a educação no Brasil acessível a todos considerando a equidade como um importante
princípio norteador dos processos formativos e, desta forma, incorporar neste modo
universalizado de educar com qualidade o espaço de difusão do respeito à diversidade cultural
e política – o dever, em forma de paradigmas educacionais, a ser cumprido.

O fortalecimento das alianças constitui-se uma estratégia do Banco Mundial,


articulador maior da agenda do capital, de delegar para a sociedade a função de gestora
das políticas públicas da educação, retirando o provimento dos recursos por parte do
Estado. Este Banco apresenta, ao contrário, um projeto de sociedade solidária e
planetária, de possível realização nos países periféricos, bastando, para tanto, efetuar
as reformas institucionais e atender às necessidades básicas educacionais. Igualmente,
46

a retórica centrada na solidariedade e cooperação internacional, de fato, oculta as reais


determinações do processo de acumulação global capitalista, cuja reprodução exige,
no limite, a mais acirrada competitividade (JIMENIZ; MENDES SEGUNDO;
RABELO, 2015, p. 25).

O Fórum de Dacar, ocorrido em Senegal (2000), contou com a participação de 180


países e 150 ONGs na perspectiva de reiterar o papel da educação como direito humano
fundamental, centralizou neste complexo a chave para o desenvolvimento sustentável dos
países que necessitavam de uma reorganização administrativa dos seus recursos. A ela –
educação – foi atribuída, ainda, a função de guardiã da paz e da estabilidade entre os indivíduos.
Nesse fórum, foi reforçado o compromisso entre os países-membros de alcançar as
metas cronologicamente pré-delimitadas até o ano de 2015. Entretanto, no Brasil, essa metas
tiveram prazos estendidos: até 2022, ano em que será celebrado o bicentenário da independência
do país. Porém, a Conferência Nacional da Educação (CONAE) que ocorreu em sua segunda
edição em Brasília, novembro de 2014, com o tema O Plano Nacional de Educação (PNE) na
Articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e
Regime de Colaboração, transferiu o prazo para 2024. É importante destacar que as metas nunca
foram alcançadas nos períodos prescritos pelas conferências.
Também em Dacar (2000), ocorreu uma avaliação do que foi realizado e o que não foi
alcançado no condizente aos documentos que legalizaram as reformas educacionais durante o
período de 1990 a 2000. Reforçou-se, então, a obrigatoriedade de cada Estado em promover
uma educação primária de qualidade e a participação efetiva das ONGs para o alcance dos
objetivos referentes aos processos formativos nos países capitalistas periféricos.

E assim, segue o Banco Mundial, como, a rigor, o conjunto de organizações


defensoras do grande capital, lançando mão de manobras retórico-políticas, que vão
no sentido de quebrar a espinha dorsal do caráter público da educação, expandindo
infindamente o processo de mercantilização do ensino, como requer o sistema de
acumulação do lucro (JIMENIZ; MENDES SEGUNDO; RABELO, 2015, p. 28)

Soerguidos pelos argumentos de que as novas forças produtivas passaram a exigir um


novo tipo de trabalhador, os controladores da lógica vigente, reconhecendo suas fragilidades,
promoveram estratégias reprodutivas que culminaram no enraizamento da alienação do
trabalhador através do discurso formativo e de qualificação em nome da atuação eficiente e
flexível no trabalho.
No Brasil, os anos noventa do século passado foram palco de grandes transformações
estruturais no Estado. Essas transformações refletiram na sociedade, a qual assistiu à redução
47

da participação do Estado em diversos setores fomentadores da economia nacional – energia,


telecomunicações e outros – com a intenção de direcionar maior atenção aos complexos sociais,
mais especificamente à educação.
O papel do Estado se distanciou do fracassado compromisso de manter o bem-estar na
sociedade para se atenuar na oferta efetiva da EB assumindo posição de organismo articulador,
promotor, fiscalizador e avaliador das políticas educacionais.
A chamada crise estrutural sem precedentes históricos – devidamente esclarecida por
Mészáros (2011) – que atingiu o capital nos primórdios da década de 1970, por consequência
da desaceleração da economia como resposta à elevação do preço do petróleo no mercado
internacional, e que, ainda hoje, é possível ser apontada a partir dos limites fixados pelo próprio
sistema – contraditórias articulações formuladas para fins de perpetuar a dinâmica de
acumulação – influenciou o retrocesso das concepções do Estado Keynesiano nas políticas
macroeconômicas do período Pós-Segunda Guerra Mundial abrindo portas para as ideologias
fundamentadas nas teorias monetaristas neoliberais e globalmente difundidas, principalmente
nos países pobres, por meio de políticas do BM unido ao FMI para as áreas da saúde e da
educação.

2.2.1 Paradigmas educacionais para o Novo Milênio: o monitoramento das regras de produção
da vida material/espiritual em nome do desenvolvimento econômico

O marco inicial do projeto de inserção dos países periféricos no processo global de


fomento da economia através da educação ocorreu, como apontado anteriormente, no período
em que o sistema do capital elaborava ideias para superar a crise instaurada em seu
processamento, com a Conferência Mundial de Educação para Todos em Jomtien na Tailândia.
Como vimos analisando, essa conferência foi financiada pela UNESCO, pelo UNICEF, pelo
PNUD e pelo mentor maior da economia global: o Banco Mundial.
Os 155 países e as 120 ONGs que participaram da conferência assinaram a Declaração
Mundial sobre a Educação para Todos, documento que formulou os paradigmas para a educação
nos países periféricos, atingiu a reconfiguração do papel do Estado e da sociedade civil bem
como reverberou no fazer acontecer representados pelos projetos e programas efetivados no
chão das escolas públicas e privadas a partir de 1990.
Mediante os acordos estabelecidos na conferência, os nove países que representavam as
maiores taxas de analfabetismo – Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México,
48

Nigéria e Paquistão – grupo denominado ‘E9’, deveriam se tornar comprometidos em elaborar


e desenvolver ações de promoção do desenvolvimento do país partindo do setor educacional.
No Brasil, as influências das conferências pela educação puderam ser percebidas na
LDB de 1996, no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF) que em 2007 passou a Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Básica
(FUNDEB), como também, no Plano Nacional de Educação (PNE).
É importante esclarecermos neste momento que o Brasil não compôs a cúpula do que
foi considerado um dos mais grandiosos eventos ocorrido da Tailândia em 1990 pela educação
e, mais ainda, pelo desenvolvimento do capitalismo.
Conforme abordou Mendes Segundo (2005), após esta primeira conferência – Jontien
(1990) – a UNESCO convocou especialista de diversos países para compor a Comissão
Internacional sobre a Educação para o século XXI sobre a coordenação do francês Jacques
Delors, o qual elaborou o relatório com o título Educação, um tesouro a descobrir.
Durante a conferência, foram elaboradas seis metas iniciais a serem cumpridas pelos
países membros em um prazo de dez anos, com as quais se objetivava esculpir um novo modelo
educacional em nome do progresso. As metas eram:

[1] expansão dos cuidados e atividades, visando ao desenvolvimento das crianças em


idade pré-escolar; [2] acesso universal ao ensino fundamental (ou ao nível
considerado básico), que deveria ser completado com êxito por todos; [3] a melhoria
da aprendizagem, tal que uma determinada porcentagem de um grupo de faixa etária
“x” atingisse ou ultrapassasse o nível de aprendizagem desejado; [4] redução do
analfabetismo adulto à metade do nível de 1990, diminuindo a disparidade entre as
taxas de analfabetismo de homens e mulheres; [5] expansão de oportunidades de
aprendizagem para adultos e jovens, com impacto na saúde, no emprego e na
produtividade; [6] construção, por indivíduos e famílias, de conhecimentos,
habilidades e valores necessários para uma vida melhor e um desenvolvimento
sustentável (RABELO, JIMENEZ, MENDES SEGUNDO, 2015, p. 90, grifos dos
autores).

Conforme Mendes Segundo (2005), após dez anos da conferência de Jontien, os


resultados dos acordos estabelecido em 1990 foram decepcionantes. As metas não foram
alcançadas e, devido a este fracasso, os prazos foram adiados. Porém, encontramo-nos em 2020
e concluímos que a maioria das metas permanecem inatingidas.
É importante atenuar que as políticas educacionais articuladas pelos centros de comando
do capital disseminam promessas de auxílios gratuitos. Todavia, não se pretende, de nenhuma
forma, que essa face assistencialista ameasse a conjuntura hodierna na qual está emergida. O
sistema do capital não se dispõem a ultrapassar seus próprios limites. Desta forma, os interesses
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desse modo de produção se localizaram sempre no centro das discussões. As metas


estabelecidas em 1990, assim como as elaboradas e normatizadas em documentos posteriores,
apoiaram-se nos pressupostos e desdobramentos da totalidade na qual a sociedade estava
inserida naquele momento e quem controlava tudo era o capital financeiro.
Três anos depois, em Nova Deli, foi formulada a Declaração de Nova Deli de EPT (1993)
seguida pelo compromisso assumido pelos países membros em 2000. Esse acordo coletivo pela
educação e pelo desenvolvimento econômico foi denominado Marco de Ação de Dacar –
Conferência de Dacar – no qual se organizou uma cúpula pela elaboração dos Objetivos de
Desenvolvimento do Novo Milênio composto por oito metas a serem alcançadas até 2015.

[1] erradicação da pobreza extrema e da fome; [2] universalização da educação básica;


[3] promoção da igualdade entre os sexos e da autonomia das mulheres; [4] redução
da mortalidade infantil; [5] melhoria da saúde materna; [6] garantia da
sustentabilidade ambiental; [7] combate ao HIV/Aids, à malária e a outras doenças;
[8] estabelecimento de uma parceria mundial para o desenvolvimento (RABELO,
JIMENEZ, MENDES SEGUNDO, 2015, p. 90).

Essas propostas que vislumbravam a melhoria dos índices de alfabetização, assim como
a erradicação da pobreza para que a educação se tornasse universal e de qualidade mantiveram
como foco o nível básico de ensino com a pretensão de preparar a massa trabalhadora para o
mercado de trabalho. Diante disso, o modelo de educação que deveria ser oficialmente
desenvolvido não poderia se distanciar da concepção neoliberal de alfabetizar e qualificar em
doses homeopáticas. Tudo isso pautado no discurso de promoção de uma sociedade globalizada.
O relatório Jacques Delors expressou, através dos cinco pilares que nortearam a
educação do novo milênio – aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos,
aprender a ser e aprender a empreender – uma maneira de controlar os trabalhadores a fim de
os tornar modelados conforme às exigências do mercado ditadas pelo capital em nome do
desenvolvimento. As pequenas doses de conhecimento seriam meticulosamente injetadas nos
indivíduos, que na realidade necessitavam de qualificação para além do saber ler e escrever,
mas que, para eles, não era disponibilizada a fim de que esses não ultrapassem o nível de
servidores alienados e obedientes. Em outras palavras, para que não se tornassem dirigentes ou
indivíduos aptos a governar.

O trabalhador necessita “aprender a conhecer”, este processo dever ser contínuo, ao


longo da vida. Mas, como aprender ao longo da vida, se o Estado se responsabiliza
prioritariamente pela educação básica? Ora, o próprio trabalhador será agora
50

responsável por sua educação, inclusive arcando com todos os custos financeiros desta.
Alimentando assim todo um novo mercado de cursos pagos.
É preciso ainda “aprender a fazer”, caracterizando uma valorização do pragmatismo,
afinal não é necessário que o trabalhador entenda o porquê dos processos executados
por ele, basta que saiba executá-los.
Com o “aprender a viver”, o capitalismo vai ajustando os indivíduos a evitarem
maiores conflitos devidos às contradições do sistema. Por fim é ensinado o aprender
a ser, isto é, ser aquilo que é conveniente para a reprodução e expansão do capital
(RABELO, JIMENEZ, MENDES SEGUNDO, 2015, p. 92-93, grifos dos autores).

O medo de comprometer a lógica vigente estava expresso na forma de instruir os


membros da classe subalterna. O maior nível de instrução significaria a promoção de uma maior
criticidade diante da realidade injusta o que ocasionaria, como a própria história pode
comprovar em seu percurso, a instabilidade e, portanto, os conflitos desnecessários no ambiente
da produção sobre o viés capitalista.
O ludibriante discurso de universalização da educação, que carregava consigo as
estratégias capitalistas de manter os trabalhadores em suas devidas posições de subalternidade
na sociedade, incrementou o dualismo escolar com um modelo de formação destinado às elites
por meio da centralidade na teoria, enquanto que a prática – tarefas manuais – permaneceu
direcionada ao povo.
Dentro deste contexto de formação escolar integral para os ricos e de formação básica
para os pobres, a educação permaneceu ajustada aos interesses às demandas da sociedade
moderna em favor da reprodução do modelo desenvolvimentista sobre a égide do capital. Tudo
isso devidamente respaldado pela defesa de sociedade do futuro e do conhecimento como
denotou Mendes Segundo (2007, p. 138).
Essa supervalorização do conhecimento implicou no protagonismo de termos como
empregabilidade e empreendedorismo sobre a justificativa da dinamicidade do mercado e, neste
cenário, o trabalhador teria a obrigação de acompanhar as condições impostas a eles nos editais
lançados pelas mais variadas empresas.
Como destacam Rabelo, Jimenez e Mendes Segundo (2015, p. 95), o lucrativo comércio
de ideias encontrou lugar de destaque no momento em que os indivíduos se viram responsáveis
por suas próprias formações, mas essas não poderiam caminhar em direção à prosperidade se
vinculada aos interesses particulares de cada um. Pelo contrário, vencer na vida passou a
significar uma conquista de qualificação aproximada das conveniências estabelecidas pelo
próprio mercado incentivando, desta maneira, o intenso processo de mercantilização da
educação, bem como, alimentando a teoria da Pedagogia das Competências (PC) enquanto
proposta articulada através do currículo que centrava no desenvolvimento prodigioso das
habilidades e competências dos estudantes para o trabalho e, assim, responder aos ditames do
51

mercado necessitado de força de trabalho condizentes com as especificidades do sistema do


lucro e da implícita precariedade humana. No mais, discorreremos mais adiante sobre a PC
assegurados no que foi delimitado por Santos (2017).

Esta pedagogia, ganhou força na década de 1990 juntamente com as reformas


educacionais ocorridas no Brasil na tentativa de reestruturação do capital, pois ela
vinha em auxílio à necessidade de formação de um novo tipo de trabalhador
(RABELO, JIMENEZ, MENDES SEGUNDO, 2015, p. 95).

O ter diversas habilidades em vez de exercer, apenas, uma função com êxito se tornou
a condição mínima de preparo para o que o mercado competitivo demandara. O trabalhador
deveria, portanto, estar apto a solucionar problemas das mais diversas naturezas se mostrando
polivalente, ou seja, preparado para lidar com diversas funções diferentemente do que se
desenvolvia no modelo taylorista/fordista de produção, no qual atuava um trabalhador
fragmentado e, segundo a concepção do próprio mercado, limitado, responsável por uma única
parte da produção.
A precarização e a falta de empregos é um denominador importante nessa lógica de
formação para o trabalho que resultam do metabolismo societário capitalista ao propagar
exigências que alimentam a competitividade entre os indivíduos representada na forma de
conflitos entre os próprios trabalhadores. Tudo isso é combustível para a reprodução da
ideologia do capital, a qual se apoia também no desarranjo da classe antagônica para se
sobressair enquanto solução para os problemas na vida de todos.
A forte inserção dos empresários na educação brasileira a partir da década de 1970
visando adequar a dinâmica educacional do país às prioridades do desenvolvimento econômico,
com destaque na empregabilidade para atender os interesses do capital, trouxe consigo, por
meio do atraente discurso de erradicação da pobreza, a perspectiva de enaltecimento da
competitividade, a qual deveria ser estimulada nos indivíduos desde os primeiros contatos com
os processos educativos.
Naquele momento, de acordo com Freres e Rabelo (2015, p. 60), “[...] a educação torna-
se o pré-requisito básico para a promoção do desenvolvimento de um país”, estimulando a
concepção de que nação rica estaria diretamente relacionada à nação competitiva e, assim,
conceber os primórdios da ‘sociedade do conhecimento’ enquanto teoria difusora de que o
desenvolvimento dos indivíduos acompanharia – resguardando os limites que poderiam
ameaçar a hegemonia capitalista – o desenvolvimento do capital.
52

Obnubilar a realidade existente por meio da educação é tarefa precípua dos


organismos internacionais (…) Nesse sentido, esse sistema, por meio de seus
representantes, lançou o pressuposto de um paradigma que nega a objetividade da
categoria trabalho e apresenta o conhecimento como fonte de riqueza. Segundo os
defensores dessa argumentação, teríamos chegado à “sociedade do conhecimento” em
decorrência do acelerado ritmo das inovações tecnológicas presenciadas na sociedade
atual. Dentro dessa realidade, essa sociedade passaria a requerer não apenas os fatores
tradicionais de produção como capital, terra e trabalho, mas teria como base a
produção do conhecimento, cujo objetivo seria instruir a força de trabalho (o capital
humano), no sentido de gerir o mercado de forma eficiente e produtiva (FRERES;
RABELO, 2015, p. 62, grifo dos autores).

Formar para atender às demandas da lógica capitalista, portanto, resume-se em tornar


os filhos dos trabalhadores competentes para produzir riquezas materiais – e não as usufruir –
sem priorizar, nessa lógica formativa, as riquezas espirituais. Através do bem-estar
ideologicamente induzido para essa finalidade, incentivou-se a efetivação do trabalho
assalariado fomentando, desta forma, o processo de desenvolvimento econômico que, de modo
alguma, significava o desenvolvimento dos indivíduos. Mas, do contrário, agudizava a
distribuição desigual dos bens produzidos.
Tudo isso trouxe a clara constatação de que desigualdade e pobreza estão
proporcionalmente ligadas e a relação riqueza x miséria são os pilares que sustentam a lógica
do capital, na qual produzir, reproduzir e se perpetuar não seria possível sem a produção das
desigualdades sociais, bem como, da riqueza e da miséria. A educação, enquanto instrumento
de reprodução das perspectivas do capital, neste quadro, já tem sua função preestabelecida.

O objetivo do capital é a acumulação ampliada, não importando nem que bilhões de


seres humanos em todo o planeta sejam jogados na mais absoluta miséria nem muito
menos que os recursos naturais sejam esgotados. Nos marcos do capitalismo,
sobretudo no contexto histórico da crise atual que agudiza a barbárie, a educação,
complexo fundado pelo trabalho, é considerada como a causa das desigualdades
sociais, uma estratégia muito bem arquitetada pelo capital e seus apologetas porque
esconde a gênese dos problemas que assolam a humanidade, desarmando
teoricamente a classe trabalhadora quanto ao entendimento e à crítica do segredo da
acumulação do capital: a produção do valor e da mais-valia (FRERES; RABELO,
2015, p. 62).

A falácia difundida sobre a relação competitividade e riqueza em prol do


desenvolvimento pessoal promoveu a supremacia da categoria do ter acima da do ser em cada
indivíduo. A educação, neste contexto, seria responsável por depositar nos indivíduos o desejo
constante de não perder materialmente nas mais variadas situações do cotidiano. Desta forma,
educação de qualidade, para o capital, é aquela que ensina a não perder e, ao mesmo tempo,
conformar-se diante da situação de subalternidade em se tratando do destino dos trabalhadores.
53

E seria, também, aquela que alimenta os critérios da alienação mostrando, nas entrelinhas das
suas diretrizes – estabelecidas pelos centros de comandos do capital – que os inimigos que
impedem a ascensão individual estão ao lado, muitas vezes nas mesmas condições de
exploração, sem deixar transparecer que as barreiras que atrapalham a garantia de alcance do
sucesso estão dentro de cada um fazendo com que os indivíduos não enxerguem que são os
principais responsáveis pela realidade desarmônica e, portanto, desigual que caracteriza a
sociedade de classes: os defensores e promotores da ideologia capitalista.
Nesta realidade, surgem constantemente inúmeras exigências de atualizações em termos
de aprendizagem destinadas à classe trabalhadora. São as reciclagens e as concepção de novos
conhecimentos que não podem ultrapassar o limite da formação elementar para o exercício do
trabalho. Para atender à lógica vigente, seria necessária, portanto, a aptidão da leitura, da escrita
e do cálculo minimamente e essas competências e habilidades deveriam ser apreendidas em
uma escola articulada sobre o princípio da democratização. Daí, cresceu a interferência do
empresariado no complexo da educação. Tudo em nome da necessidade de expansão da
produtividade com a finalidade de inserir o Brasil na concorrência dos mercados internacionais
acarretando efeitos catastróficos na dinâmica formativa das escolas brasileiras – degradação da
escola pública; definição de currículos preestabelecidos para atender os interesses da classe
empresarial; metodologias engessadas conforme o interesse de uma minoria dominante – e os
principais lesados foram os componentes da classe trabalhadora e seus descendentes.

É para atender a essa demanda que a educação deve estar organizada, colocando-a
como a atividade que resolverá todos os problemas da humanidade – tarefa impossível
de ser realizada: primeiro, porque não é sua função; segundo, porque não é ela que
gera tais problemas, mas a própria materialidade social. Nesse sentido, nega-se a
função própria da educação que é a transmissão/apropriação de conhecimentos,
valores e habilidades produzidos historicamente pelos próprios homens, colocando,
em seu lugar, conhecimentos fragmentados, aligeirados, superficiais, mercantilizados,
adequando a educação às necessidades do capital, expressas tanto nas políticas de
emprego como nas políticas educacionais vigentes no cenário atual (FRERES;
RABELO, 2015, p. 67).

Os problemas gerados pelo capital no cotidiano da vida dos trabalhadores são apontados,
pelo próprio sistema, como de responsabilidade dos indivíduos, os quais se encontram sujeitos
aos medíocres processos formativos, que, em se tratando da formação pública, prima por
modelá-los conforme os interesses externos que se divergem das suas reais potencialidades e
desejos. Então, esses são estrategicamente lançados em um mercado não preparado para receber
a todos que dele dependem e os que conseguem uma vaga precisam se submeter às regras que
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normatizam as condições degradantes de exploração em um contexto de crise estrutural que a


cada dia vem suprimindo mais os direitos que restam a esses pobres trabalhadores.
A história do desenvolvimento social nos mostra que o processo de divisão do trabalho
ao longo do processo de estruturação dos complexos sociais, que reverberaram no que temos
hoje enquanto sociabilidade, designou o caráter fragmentado do conhecimento, o qual não mais
estava disponível a todos que dele necessitassem. O sentido lato de transmissão dos conteúdos
historicamente adquiridos passou, gradativamente e por iniciativa da classe dominante, a ser
substituído pelo sentido stricto e, nesse contexto, a classe trabalhadora passou a vivenciar
processos formativos específicos que os excluíam das escolas, as quais estariam destinadas aos
que não trabalhavam.
Com a fragmentação dos conhecimentos, segregaram-se também a teoria e a prática e,
com isso, os indivíduos, conforme suas heranças sociais, nasciam predestinados a se formarem
enquanto classe dominante – qualificação teórica – ou classe trabalhadora – qualificação prática
– da qual a escola não se apresentava como lugar formativo apropriado, pois, como apontou
Ponce (1986), enquanto espaço de formação teórica e, portanto, instrumento disposto a tornar
real os interesses da classe dominante, distanciava-se do mundo produtivo centrado na prática.
A sociedade moderna, por conseguinte, estrutura-se em meio a processos diferenciados
– divisão do trabalho em manual e intelectual conforme sustenta Cassin (2009); divisão das
forças produtivas e das relações de produção; divisão dos processos formativos – e a partir das
classes puramente antagônicas que propagavam com veemência a irrelevância da determinação
ontológica do trabalho.
A efetivação o projeto econômico do capital em nome da sua consolidação hegemônica
difundiu, desde os primórdios desse modelo societário, a concepção idealista da ascensão social:
qualificação profissional exaltando a aquisição acumulativa do saber como condição primeira
para a satisfação das necessidades humanas.
Neste sentido, propomo-nos adentrar tanto à Teoria do Capital Humano (TCH) quanto
à tese da sociedade do conhecimento enquanto bases resgatadas pelos formuladores dos
paradigmas educacionais a partir da década de 1990 que, como expusemos aqui, vislumbraram
impulsionar o produtivismo através do estímulo ao aperfeiçoamento das competências e,
destarte, do incremento do nível de escolaridade dos indivíduos para, seguindo por este
caminhos, compreendermos melhor os reais interesses da lógica capitalista na busca por
estabelecer relações de produção pautadas no acúmulo de conhecimento como forma de
classificar os indivíduos e estimular a competitividade entre eles.
55

Conforme mencionamos anteriormente, o capital mergulhou em uma irreversível crise


estrutural a partir da década de 1970 de acordo com os desvelamentos de Mészáros (2008) em
suas obras. A estratégia neste momento foi secundarizar a importância sobre a perspectiva
desenvolvimentista individual em cada país capitalista e defender o processo de globalização
revestindo a TCH com uma nova roupagem: na medida em que se focava na defesa do Estado
mínimo, a educação manteria o foco como instrumento reprodutor do capital atuando
diretamente na produção do capital humano e ajudando, desta forma, a promover o crescimento
econômico em um processo de unificação entre as nações ao bem do capitalismo.

É com a missão divinal de diminuir as desigualdades sociais que a educação foi


organizada nas últimas décadas do século XX. É nesse contexto que a Teoria do
Capital Humano foi rejuvenescida como uma teoria que articula trabalho e educação
para o desenvolvimento econômico dos países e dos indivíduos (desde que sejam
qualificados), ganhando nova configuração e jogando sobre a educação o peso da
responsabilidade pela “solução” dos problemas gerados pelo capital (FRERES;
GOMES; BARBOSA, 2015, p. 75).

Neste contexto, a educação ganhou destaque como atividade promotora da formação


para o exercício do trabalho assalariado possibilitando, na perspectiva capitalista, a redução das
desigualdades enquanto que o trabalho seria visto como elemento componente da produção,
gerador de riquezas representadas pela ação que, unificada aos processos educativos,
proporcionaria a evolução do intelecto dos jovens-estudantes-trabalhadores, os quais eram
estimulados pelos discursos centrados na garantia de que, quanto mais instruídos fossem, mais
perto estariam do nível dos seus patrões.

Foi para reorganizar a educação em consonância com as determinações do mercado


que o capital, representado pelos organismos internacionais, mormente o Banco
Mundial, engendrou uma série de conferências e fóruns de educação em âmbito
mundial, a começar pela Conferência de Jontien acima mencionada, em 1990, que
conclama a todos para que sejam responsáveis pela educação (FRERES; GOMES;
BARBOSA, 2015, p. 77).

A economia mundial exigia um novo modelo de trabalhador – mais flexível, polivalente,


multifuncional – que atendesse às demandas da produção. Os interlocutores das diretrizes
educacionais – BM e FMI – apoiaram-se nas determinações do mercado para delimitar o
caminho pelo qual a educação percorreria para modelar, através da qualificação profissional
mínima, a classe trabalhadora e continuar promovendo o agravamento dos antagonismos de
classes usando de documentos com airosos textos que mascaravam suas reais intenções.
56

O que se vê é a adequação da formação, da qualificação e da requalificação


profissional do trabalhador requerida pelo novo arranjo da forças produtivas.
Entretanto, do ponto de vista do trabalhador e considerando a agudização da crise
capitalista, mesmo a mão de obra qualificada, não se encontra em condições de se
empregar com facilidade no quadro atual de desemprego que hoje é mais estrutural
que conjuntural, transferindo a análise da situação para um campo mais complexo
dentro da lógica do capital que se perpetua (SANTOS, 2017, p. 121)

O que vemos atualmente de forma explícita são processos de qualificação do trabalhador


para um mercado de trabalho que não tem conseguido arcar com a grande demanda de empregos
e, nem tampouco, parece se afligir perante tal mazela social. A realidade posta nos mostra as
fragilizadas propostas para a educação, assim como as ilusórias reformas que visam moldar a
estrutura social a fim de tornar tudo mais confortável para o próprio sistema, que se centra em
criar empreendedores.
O objetivo central do sistema do capital é promover um modelo formativo que
materialize indivíduos para o empreendedorismo, os quais devem sair das escolas aptos a
reproduzir o sistema de forma não ameaçadora, instruídos de forma elementar e demonstrar
seus comportamentos passivos. Quanto mais alienados, menos conflituosos.
Nossas escolas têm sido palco para a promoção de uma qualificação profissional
diretamente centrada na lógica do ‘capital humano’, na valorização das competência e nos
ditames da reprodução para a ampliação da acumulação das riquezas enquanto que as
perspectivas de formação humana, a qual corresponde aos processos educativos que visam
superar as alienações ideológicas, estão cada vez mais distantes na práxis do fazer educativo
revelando, deste modo, que a ordem vigente tem, cada vez mais, conseguido substituir os
valores humanos pelos valores do mercado global.
Na intenção de corporificarmos melhor o nosso objeto com a finalidade de compreender
a relação entre escola e mercado, permitimo-nos refletir sobre a modalidade educativa
profissionalizante direcionada à juventude brasileira e defendida como solução para o
fenômeno do desemprego que permeia o presente e o futuro dessa geração. Essa defesa,
sustentada pelas agências de dominação do mercado, direciona a possibilidade de fuga da
condição do desemprego através do aumento do nível de escolaridade nos indivíduos enquanto
difunde a necessidade de o trabalhador se manter qualificado como uma condição para receber
o amparado do mercado de trabalho representado por uma vaga em condições precárias de
atuação.
Veremos que o caminho é realmente bem complicado e repleto de analogias que
prejudicam a vida dos jovens-estudantes-trabalhadores. Mas, lembremos que, embora a
57

educação, enquanto complexo interligado aos demais complexos que estruturam a sociedade,
não consiga responder pelos problemas causados nos mais diversos setores sociais, ela se
constitui como espaço essencial para a promoção unificada da classe trabalhadora, a qual
conquistará grandes resultados e benefícios futuramente em um novo metabolismo social para
além, em termo de equidade, respeito, humanidade e justiça, do que temos hoje.
58

3 FORMAÇÃO MÉDIO-PROFISSIONALIZANTE NO BRASIL: A LUZ NO FIM DO


TÚNEL CADA VEZ MAIS DISTANTE PARA OS JOVENS BRASILEIROS

A escola, de maneira geral e a pública em particular, com destaque aqui para a


profissionalizante, assume, de forma acrítica, a defesa de que vivemos uma “era
tecnológica”. Esse é o quadro em que as políticas públicas educacionais chamam o
complexo educativo para intervir propositivamente na formação de uma mão de obra
capaz de tocar o aparato tecnológico contemporâneo (SANTOS, 2017, p. 126).

O presente momento protagoniza uma série de conflitos sociais impulsionados pelo


capital em crise, o qual se mantém promovendo diversas transformações no campo da produção
que, consequentemente, respingam nos demais setores sociais. Neste contexto, a repressão dos
trabalhadores e dos movimentos sociais é fortalecida pelo apoio do Estado neoliberal por meio
de reformas que omitem e agudizam as desigualdades e pela difusão da necessidade
emergencial da retirada dos direitos da classe trabalhadora pautada nas justificativas que se
agarram aos discursos de promoção da igualdade, da liberdade, da empregabilidade e da
aceitabilidade.
A sociedade atual é para o capitalismo palco de sua perspectiva restauradora, pois
encontra nela as contradições adequadas para estabelecer suas propostas revestidas de políticas
assistencialistas. A história nos mostra, portanto, que as desigualdades sociais são reflexos da
acumulação desigual da riqueza produzida socialmente que potencializam o imperialismo
burguês, o qual, no campo da educação escolar, despeja nos processos educativos,
desenvolvidos por meio da formação defendida como flexível, empreendedora e imediata, a
responsabilidade pela transformação social.
Como nos aponta Santos (2017), o histórico do desenvolvimento econômico desigual
da sociedade deixa prejuízos que atingem com maior agressividade a classe trabalhadora. No
atual nível de desenvolvimento do capital, o processo de divisão social do trabalho alcançou,
historicamente, o destaque nunca visto anteriormente. Os países centro de sua logística
articularam inúmeras propostas reformistas para outros países que compunham a denominada
periferia econômica disseminando modelos educativos fundamentados nos fazeres práticos
direcionados para os filhos da classe trabalhadora. O capitalismo monopolista do início do
século XXI disseminou, portanto, a propaganda em defesa da educação profissional e
tecnológica como condição para os países periféricos, incluindo o Brasil, superarem o
‘subdesenvolvimento’.
59

O desenvolvimento tecnológico via políticas públicas assumiu centralidade no discurso


da classe dominante. A justificativa se sustentava na defesa da elevação do nível técnico da
nação e a escola, tanto pública quanto particular, abriu os braços para a formação
profissionalizante em nome das novas necessidades sociais passando a efetivar a formação de
indivíduos para que esses dessem conta do aparato tecnológico contemporâneo em virtude da
conclamada ‘era tecnológica’.
O Brasil comporta de forma acrítica uma relação dialética de dependência com os países
do capitalismo central produtores de técnica e tecnologia avançadas afixando-se cada vez mais
enquanto periférico ao passo que a educação, neste cenário, permanece subordinada e
subserviente ao complexo econômico. As análises de Santos (2017, p. 127) respaldam nossas
assertivas quando evidenciam a defesa, pelo complô empresarial juntamente com o Estados
neoliberal brasileiro, “de um processo formativo que eduque especificamente para a produção
mercadológica, agora tecnificada, acaba se encaixando perfeitamente às pretensões dos
atrasados empresários brasileiros e de seus pares estrangeiros”.
Assegurados pelo que a ontologia materialista desenvolvida em Marx nos permite
assimilar, encontramos no trabalho, como já discutido, o fundamento do gênero humano, o qual,
no decorrer da construção da própria história, o homem constituiu relações sociais
multifacetadas tornando também cada vez mais complexificada a prática do trabalho frente às
necessidades que emergiram do (e para o) desenvolvimento da totalidade social o que
impulsionou, portanto, o surgimento de outros complexos como é o caso da educação.

A complexificação das relações sociais impôs ao homem a criação de outras


atividades que tenham a função de mediar a reprodução social. Surge, portanto, a
educação, atividade fundada pelo trabalho. Sua função, é pois, a reprodução do ser
dos homens cujas objetivações precisam ser universalizadas para todos os indivíduos
(FRERES, RABELO, MENDES SEGUNDO, 2014, p.1).

A educação, enquanto complexo derivado do trabalho, foi, e sobretudo é, assumida


como combustível para a reprodução da lógica social a qual se desenvolve com o intuito de
universalizar os resultados acumulados das experiências realizadas no mundo dos homens. Essa,
além de difundir os conhecimentos acumulados historicamente, incorpora nas novas gerações
as influências comportamentais articuladas conforme o processo de reprodução em vigor
possibilitando compreendermos com mais clareza a composição da sociabilidade em cada
período especificamente.
Sobre essas certificações e apoiados no que Mészaros (2011) deixou consolidado sobre
o capital em contexto de crise, pretendemos, neste capítulo, refletir sobre o desenvolvimento da
60

formação profissionalizante da juventude trabalhadora no Brasil considerando o metabolismo


social sobre o qual as propostas foram estabelecidas para essa modalidade educacional que,
conforme o viés ideológico reprodutor do capital, garantiria a fuga da miséria, do analfabetismo,
do desemprego e das demais mazelas sociais.
Na batalha contra os males que assombram a sociedade de classes, a educação é
chamada a assumir papel de super-heroína primeira. Diante disso, seguimos na esteira de Santos
(2017) e outros autores que se dedicaram a analisar e expor esta temática, interessados em
abordar a modalidade educativa profissionalizante agrupada aos níveis de ensino médio e
superior com a finalidade de construir uma sólida base de compreensão sobre a atual formação
dos jovens trabalhadores brasileiros sem perder de vista o que está (im)posto pelos documentos
oficiais enquanto articulações formativas dos jovens brasileiros para a prática do trabalho. Esses
mesmos jovens que compõem hoje a condição ‘nem-nem’ em território nacional.

3.1 Formação profissional da juventude brasileira: o lugar ocupado pelo ensino


profissionalizante no Brasil

As demandas de matrículas no ensino médio e no ensino superior são impulsionadas


pelos discursos estabelecidos pelos centros de comando do capital para a educação convertidos
em políticas educacionais. No conglomerado de propostas, a universalização da educação
pública, laica, gratuita e de qualidade ocupa centralidade.
Santos (2017) destaca que o ensino profissionalizante no Brasil se iniciou logo após a
chegada dos portugueses e se desenvolveu alinhado à servidão por essa ser uma tarefa
direcionada a quem era indígena ou escravo, os quais compunham a parcela da sociedade
obrigada a aprender os ofícios para exercer o ‘trabalho pesado’.
Os jesuítas foram os pioneiros em desenvolver no território brasileiro o que se
denominou ensino profissionalizante. O público alvo era composto por escravos negros e índios,
aos quais se direcionava essa modalidade de ensino, e precisava condizer justamente com as
atividades a serem desempenhadas – afazeres precários, profissões manuais, atividades que
exigiam mais força física. As marcas da servidão, que constituem ainda hoje o caráter das
políticas educacionais elaboradas para a classe trabalhadora, foram religiosamente cravadas nos
considerados “[...] órfãos de Deus, desafortunados da sorte, abandonados pela bonança,
desvalidos da riqueza ou qualquer outra expressão” (SANTOS, 2017, p. 161).
61

Muito mais que apenas atividades que exigiam esforços físicos e a utilização das mãos,
essas práticas classificavam as camadas sociais desde o período Brasil colônia e as classes
consideradas superiores disseminavam o preconceito contra esse trabalho manual. Os homens
livres sequer demonstravam o mínimo de interesse por tais funções para não ameaçarem suas
posições sociais privilegiadas, pois, se as praticassem, poderiam ser confundidos como negros
o que mancharia sua reputações.
Para esses últimos, trabalho manual era ‘coisa de negro’. Essa premissa revela que,
através do processo de divisão do trabalho, desde os primórdios, encontramos na rejeição dos
homens livres pela prática do artesanato, das manufaturas, dentre outras funções realizadas
pelos escravos (negros), a rejeição aos próprios escravos e, com isso, a rejeição da importância
do trabalho enquanto atividade que objetivaria o valor de uso e, destarte, categoria impulsora
do próprio ser dos homens.
Neste contexto de segregação, as gerações emergiam sustentadas pelo consenso racista,
classista, discriminatório. Muitas dessas atividades práticas consideradas insignificantes, reles,
miseráveis, por muito tempo não atraíram o interesse da maioria dos jovens oriundos de
diversas camadas da sociedade. Em contrapartida, essas ocupações, apesar de fundamentais
para o desenvolvimento social, sofreram com a discriminação ao longo da história por serem
direcionadas aos menos favorecidos socialmente. Isso justificou a escassez de mão de obra para
o exercício de tais atividades.
Entretanto, no momento em que a própria realidade passou a mostrar quão necessárias
essas eram para a condução eficiente da sobrevivência e, portanto, passaram a ser vistas como
práticas ineliminável do curso reprodutivo da sociedade, a educação foi posta enquanto
instrumento motor para o desenvolvimento assumindo o papel de instruir para o trabalho, ou
seja, promotora da qualificação para o exercício de práticas manuais, técnica. Para este
propósito, os processos formativos, então, tornaram-se obrigatórios.
Ao citar Cunha (2000), Santos (2017) nos chama a refletir sobre o desenvolvimento da
educação para atender o estímulo da relação trabalho-instrução estabelecido no período
imperial destacando:

Já para Cunha (2000), a compulsoriedade profissionalizante destinada aos miseráveis,


dado pelo Estado imperial, marca a educação profissionalizante do período, enquanto
as iniciativas privadas procuravam formar o trabalhador que dispunha da venda do
seu trabalho. De todo modo, segundo sustenta esse autor, ambas as propostas
constituem o legado que o império entrega à república, ou seja, procura legitimar
ideologicamente a formação de uma mão de obra qualificada, motivada e dócil, que,
por sua vez, atraísse a instalação de fábricas que se beneficiariam da existência de
uma oferta de força de trabalho o mais barata e qualificada possível. Aos trabalhadores,
62

para fechar a lógica positivista, era acenada a possibilidade de uma compensação:


aumentos de salários em proporção direta com a qualificação (SANTOS, 2017, p. 165).

Observamos que as razões para a efetivação da educação profissionalizante se


apresentaram em um formato semelhante ao que temos hoje se considerarmos os princípios
instauradores dessa modalidade de ensino.
Essas determinações deixaram marcas que alcançaram também o período republicano.
Conforme aponta o autor, a demanda da atrasada elite local atrelada às perspectivas religiosas
efetivadas pelos padres Salesianos que chegaram ao Brasil no período de transição entre
império e república vislumbrava uma educação profissionalizante que formasse o trabalhador
no sentido de estimulá-lo ao trabalho fabril, mas que ainda influenciasse seu comportamento
vigilante frente ao pecado e o mantivesse passivo diante do patrão. Em outras palavras, uma
educação ideologicamente eficaz no sentido de adestrá-lo para manter a ordem e, ao mesmo
tempo, atrair indústrias a partir da oferta de mão de obra qualificada e barata.
A modalidade de ensino profissionalizante no Brasil apenas começou a ser
responsabilidade do governo na primeira década do século XX.

O início do século XX testemunha, como registrado, o quadro da incipiente


industrialização brasileira, que carrega consigo as contradições de uma sociedade de
capitalismo atrasado que precisa se desenvolver em articulação com os países de
capitalismo avançado (Santos, 2017, p. 170).

A abolição da escravatura, que ocorreu no final do século XIX, incrementou a


necessidade por operários para atuarem no tímido processo de crescimento industrial brasileiro.
Em consequência dessa demanda, Santos (2017) clareia que “[...] em 23 de setembro de 1909,
o presidente da república Nilo Peçanha cria em cada capital brasileira as Escolas de Aprendizes
Artífices, destinadas ao ensino profissionalizante que deveria ser primário e gratuito”. A
abertura dessas instituições formadoras destinadas a qualificar a classe trabalhadora, embora de
cunho progressista, compactuavam com os ideais conservadores de base capitalista.
O agrupamento dos ideais positivistas com os da industrialização ocupou centralidade
nos discursos dos defensores do progresso apoiados na defesa do desenvolvimento econômico.
O industrialismo, atrelado ao conservadorismo do início do século XX, era disseminado
agarrado à possibilidade de progresso e emancipação econômica. Desse modo, segundo seus
adeptos, traria consigo, além do almejado desenvolvimento das forças produtiva, a
independência política garantindo, portanto, tanto mais democracia quanto maior aproximação
do perfil administrativo e concorrencial brasileiro ao dos Estados Unidos e dos países da Europa.
63

A primeira metade do século XX foi marcada por acontecimentos que influenciaram


diversas modificações nacionais e internacionais em diversos setores da sociedade, dentre eles,
podemos destacar a Primeira Guerra mundial entre 1914 e 1918, a Revolução Russa em 1917,
a Semana de Arte Moderna em 1922, a Quinta-feira Negra referente ao dia 24 de outubro de
1929 que pontuou a queda da Bolsa de Nova York e a última eleição da República Velha no
Brasil que elegeu Júlio Prestes pelo voto popular, o qual não chegou a tomar posse devido ao
golpe de estado desencadeados pela Revolução de 1930. Nesse cenário conturbado, o gaúcho
Getúlio Vargas assumiu a presidência do Brasil com propostas explicitamente voltadas para o
desenvolvimento do capitalismo no Brasil.
A fim de permanecer ascendente a burguesia industrial e exterminar o poder das velhas
oligarquias, Getúlio Vargas decidiu implementar uma série de políticas que reforçavam o
arranjo em torno da industrialização. Esse desejo em transformar o país em palco do capitalismo
desenvolvido e, nesse palco, fazer protagonizar o modelo econômico urbano-industrial exigiu
novas medidas para a educação destinada ao trabalhadores. As novas propostas educacionais
foram estabelecidas juntamente ao debate em torno do movimento da Escola Nova.
O cenário ditatorial elencado pelo Estado Novo reforçou a dicotomia escolar, a qual, a
partir do que Santos (2017) nos permitiu assimilar, corresponde à organização do ensino em
duas vertentes: ensino primário-profissional para os filhos dos trabalhadores e ensino
secundário-superior para os filhos das classes mais favorecidas.
Desde a primeira guerra mundial, o país já sofria com a dificuldade de importação. Neste
cenário, as necessidades internas fizeram surgir as pequenas indústrias para a produção dos
aparatos de subsistência. Este momento mostrou a expansão das escolas profissionalizantes
para amparar o quadro industrial daquele período: aproximações dos conflitos que culminaram
na Segunda Grande Guerra Mundial. A demanda por operadores qualificados aumentou e o
caráter conservador do Estado Novo assumiu e apoiou às exigências industriais incentivando a
implementação das Escolas Técnicas Federais.
O Estado Novo ajudou a aprofundar a dicotomia educativa brasileira, que distingue a
formação dos descendentes das classes médias e elevadas da dos filhos da classe trabalhadora.
Estes últimos não poderiam esperar pela possibilidade de prosseguirem seus estudos e se
candidatarem ao ensino superior. A esses, a formação técnica para operar nas indústrias, no
comércio e no setor de serviços seria o modelo de ensino articulado e destinado. De acordo com
as declarações de Santos (2017, p. 176),
64

A única opção de prosseguimento para os egressos do ensino profissionalizante era se


inscrever nos exames vestibulares dos cursos diretamente relacionados com os
estudos realizados no último ano do nível básico. Por exemplo, um estudante que
cursava o ensino médio-técnico em mecânica poderia apenas se candidatar ao curso
superior em mecânica. O então secundário-científico, de outro modo, era considerado
compatível com qualquer curso superior, ao gosto do candidato.

A aliança entre o Estado e os empresários se tornou mais evidente com a criação do


Sistema S 6 , que correspondia às diversas instituições de ensino técnico implementadas em
território nacional a partir da década de 1940 em função de atender o modo de produção
reorganizado sobre o modelo taylorista-fordista. Essas escolas de ensino técnico combinavam
a “[...] iniciativa pública com a privada para atender demandas da divisão social e técnica do
trabalho” (SANTOS, 2017, p. 177).
Esse sistema de capacitação dos trabalhadores, conduzido sobre as propostas dos centros
de comando do capital e fortalecido pelos governos neoliberais, dissemina, desde o seu início,
a prerrogativa de capacitação, promoção do bem-estar e melhor remuneração dos trabalhadores.
Porém, nada mais representa além da iniciativa privada prontamente articulada para controlar
o que resta dos recursos estatais ao seu modo empresarial, no qual a lucratividade exacerbada
é objetivo central e, diante disso, prejuízos encontrados em quaisquer das fases que constituem
o processo de produção são inadmissíveis. Os trabalhadores formados adequadamente são
elementos indispensáveis para consolidar essa lógica de produção.
A segunda metade do século XX foi marcada com as manchas deixadas pela Segunda
Guerra Mundial e o mundo vivenciou, em seguida, o período protagonizado pela Guerra Fria e
a ascensão do capitalismo. Esse período glorioso para o sistema do capital se consolidou com
a aposta no modelo taylorista-fordista de produção e tais modificações na forma de produzir
industrialmente passaram a exigir um novo projeto formativo da mão de obra.
Essa realidade projetou vários debates em torno do sistema de ensino brasileiro e o
resultado foi a promulgação da LDB em 1961 (Lei nº 4.024/61), na qual se estabeleceu como
introdutório o ensino profissionalizante permitindo aos estudantes ingressos nessa modalidade
a possibilidade de dar continuidade aos seus estudos prosseguindo para o ensino superior. No
entanto, o contexto ditatorial em seu carácter mais opressor, vivenciado pela população

6
Entre 1942 e 1999, foram incorporadas às escolas de formação técnica brasileiras e para apoiar o domínio
empresarial na sociabilidade cercada pelas determinações capitalistas as seguintes instituições: Sistema Nacional
de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Social do Comércio (SESC), Serviço Social da Indústria (SESI),
Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (SEBRAE), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), Serviço Nacional de Aprendizagem e
Transporte (SENAT), Serviço Nacional dos Transportes (SEST), Serviço Nacional de Aprendizagem e
Corporativismo (SESCOOP).
65

brasileira e incrementado pelas reações estudantis nas ruas contra o regime militar através de
greves e manifestações, reverberou a normatização da nova LDB nº 5.692/71, a qual
representava os anseios do então Ministro da Educação Jarbas Passarinho e dos seus aliados
em, de forma implícita, “[...] conter a entrada dos jovens egressos de escolas públicas no ensino
superior” (SANTOS, 2017, p. 182).
Essa lei decretou a junção do nível médio de ensino à modalidade profissionalizante, ou
seja, o segundo grau deveria estar articulado ao ensino técnico o que tornaria o conhecimento
elementar ‘complementado’ pela formação técnica tanto nas escolas públicas quanto nas
privadas sobre a justificativa de extinguir o caráter dualista da educação desenvolvida em
território nacional. Porém, uma proposta educativa efetivada a tal gosto proveria mais
obstáculos para os jovens-trabalhadores-estudantes, os quais seriam alocados em posição mais
distanciada do acesso ao ensino superior diante da árdua rotina que enfrentariam composta pelo
comprometimento em estudar para captar conhecimentos elementares ao mesmo tempo que
necessitariam de uma formação profissional básica e, ainda, trabalhariam para manterem a si
mesmos e aos que deles dependessem.
Pouco tempo depois, o governo percebeu a ineficácia da proposta de integração
compulsória do ensino profissionalizante ao segundo grau reconhecendo o que, na prática, não
se efetivava.

Essa legislação, ao retomar como opcional o ensino profissionalizante, apenas


oficializa o que nunca foi efetivo no chão da prática das escolas, sobretudo as que
abrigavam os filhos da elite e dos estratos intermediários da sociedade a estudarem
precocemente disciplinas profissionais. Isso reafirma uma concepção de ensino médio
negado aos filhos dos trabalhadores excluídos dos benefícios da produção de bens
materiais e culturais bem como do acesso à universidade, reservando para os filhos da
burguesia brasileira e extratos intermediários, o caminho livre e sem impedimento do
acesso ao ensino superior (SANTOS, 2017, p. 184).

A dualidade educacional permaneceu impregnada no processo formativo dos jovens


brasileiros e, nessa dinâmica, os filhos dos trabalhadores estavam predestinados a enfrentar
caminhos bem mais conflituosos na direção do ensino superior e, diante de um mundo de
possibilidades, avistavam seus futuros cada vez mais ameaçados em detrimento dos interesses
da atrasada elite local.
Para melhor explanar a configuração da dualidade educativa e mostrar a aproximação
assim como a distinção dessa categoria frente ao que se estabeleceu como dicotomia
educacional, apoiamo-nos em Santos (2017), o qual, ao analisar sobre o viés do materialismo
histórico o processo de desenvolvimento da educação profissionalizante, concluiu que o estado
66

do ócio possibilitou ao homem uma visão distanciada da natureza em seu processamento


fazendo surgir formas diferenciadas de reflexões perante o desenvolvimento das relações tanto
entre o homem e a natureza quanto entre os próprios homens.
As relações sociais efetivaram experiências, as quais, em meio aos sucessos e fracassos
vivenciados no cotidiano do homem primitivo, promoveram conhecimentos, propriedade do
como fazer melhor. Esses conhecimentos acumulados de forma espontânea, assistemática e de
caráter universal que precisavam, em benefício das novas gerações, ser repassados,
configuravam-se como educação lato e foi a forma de educação desenvolvida nas sociedades
primitiva e escravocrata.
Conforme a sociedade se desenvolvia e as formas de se relacionar se tornavam mais
complexificadas, a ponto de o modelo de produção capitalista vir à tona com o seus ideais
reformista, progressista e promotor da ascensão individual do homem, a educação stricto se
configurou como um instrumento de reprodução desse modo de produção. Essa maneira de
conduzir a educação – sistemática, seletiva, predeterminada, articulada – impulsionou o que
conhecemos como dicotomia educativa.
Essa dicotomia educativa, proveniente da forma capitalista de conduzir o complexo da
educação, é dividida em educação propedêutica e educação profissionalizante. As duas formas
de efetivar a educação, como já registramos aqui em alguns momentos, caminharam juntas ou
separadas no processo de formação dos indivíduos, mas sempre de acordo com os interesses do
capital.
A educação propedêutica corresponde ao processo educativo introdutório, formativo,
direcionado à classe média inicialmente enquanto engrenagem para a continuação dos estudos
– Educação Superior – e estabelecida de modo a conduzir os alunos da classe pobre ao seu
destino: ensino técnico.
Daí, o ensino profissionalizante ganha destaque. Esse é destinado aos filhos da classe
trabalhadora para qualificá-los de forma elementar e específica a fim de os tornar aptos a exercer
funções designadas pelas demandas do capital e seus aparatos fabris.
Durante as últimas décadas do século XX, o modelo de educação desenvolvido no Brasil
caminhou conforme as orientações neoliberais, as quais, como já destacamos anteriormente,
mantiveram suas propostas lançadas nas conferências mundiais pela educação a partir de 1990.
Do que foi acordado entre os países membros para educação a ser efetivada nos países
capitalistas periféricos, derivaram-se outros importantes documentos oficializando as decisões
em forma de leis e metas.
67

Neste contexto, o ensino profissionalizante foi tornado obrigatório e de responsabilidade,


não única, do Estado. Isso, diante do que nos assegura Santos (2017), foi normatizado na LDB
nº 9.394/96, que homologava a oferta da educação profissional tanto pelo setor público quanto
pelo privado sustentando o emblemático slogan ‘Todos pela Educação’.
O empresariado, portanto, garantiu a abertura dos portões do ensino profissionalizante
a fim de explorá-lo ao seu gosto e o Estado se manteve, sempre, presente respaldando
legalmente os interesses neoliberais. O Decreto-Lei nº 2.208/98 representou esse cenário ao
retirar do Ministério da Educação (MEC) a supervisão dos seguimentos profissionalizantes e
passá-la ao Ministério do Trabalho (MT) implementando na formação profissionalizante um
caráter cada vez mais subserviente aos ditames da produtividade. A formação para o exercício
do trabalho estampa ainda hoje os documentos que oficializam a educação e se direciona a um
público-alvo específico: os filhos da classe trabalhadora como se esses jovens já tivessem seus
destinos traçados. Tudo isso em nome do desenvolvimento do país às custas do
desenvolvimento precarizado dos que compunham a classe menos privilegiada.

3.2 Ensino profissionalizante integrado ao Ensino Médio repercute no Ensino Superior:


profissionalização em destaque no Brasil

É oportuno sublinhar que, a formação profissionalizante integrada ao ensino médio,


durante o regime ditatorial brasileiro, foi tornada compulsória pela Lei nº 5.692/71, porém o
Parecer nº 76/75 a reestabeleceu como opcional. Essa obrigatoriedade – assegurada pelo
discurso do chamado ‘milagre econômico’7 – não se efetivou no chão das escolas brasileiras
devido à falta de investimentos estruturais para atender tal finalidade. No entanto, as
perspectivas de redemocratização que abraçavam o neoliberalismo, impulsionadas pelas
tentativas de corrigir o contexto crítico em que se aprofundava o modo de produção capitalista,
reformularam novas propostas educacionais para a formação da juventude brasileira. O Estado,
portanto, decretou novamente a obrigatoriedade da educação profissional integrada ao ensino
médio pelo Decreto-Lei nº 5.154/04.
Em 2017, o governo do ex-presidente Michel Temer homologou a Lei nº 13.415 que
estabeleceu a Reforma do Ensino Médio no Brasil. Essa Lei alterou a LDB nº 9.394/96 e outras

7
Período entre 1968 e 1973, no qual o Brasil, então governado por Castelo Branco, vivenciou um expressivo
crescimento econômico que contribuiu para o fortalecimento do regime ditatorial militar.
68

normativas para a educação incluindo modificações direcionadas aos profissionais atuantes


neste setor.
Para o EM, as principais alterações giravam em torno do currículo e da carga horária
desta etapa de ensino. A estrutura curricular seria dividida em duas partes. A primeira delas,
que constituiria 60,0% do que seria ensinado, era a parte obrigatória delimitada como Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual deveria ser aplicada em todas as escolas brasileiras
como proposta de unificar os conjunto de conhecimentos a ser assimilado pelos educandos e,
assim, diminuir as disparidades conteudistas presentes na formação básica.
A segunda parte, correspondente aos 40,0% restantes, expressaria o complemento
curricular denominado Itinerários Formativos (IF), os quais foram constituídos pelo MEC como
as cinco áreas de conhecimento e formação técnica, também denominadas Base Diversificada,
que os alunos poderiam escolher cursar para se qualificarem no nível técnico conforme a
disponibilidade de vagas. Esses IFs – subdivididos em Matemática e suas Tecnologias,
Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Ciências Humanas e
Sociais Aplicadas e Formação Técnica e Profissional (FTP) – deveriam considerar em seus
fundamentos pedagógicos as características regionais/locais, culturais, econômicas e sociais ao
serem desenvolvidas nas escolas.
No tocante à carga horária, a Lei tornou obrigatória a ampliação gradativa da carga
horária no EM. Desta forma, o de tempo estudos estabelecido para essa etapa da educação
passaria de oitocentas horas a mil e oitocentas horas até 2022.
O projeto de integração do EM com a educação profissional requer, por parte dos
governos que promovem sua instauração, a viabilização de estruturas escolares bem equipadas
bem como de currículos de naturezas distintas e não comum a todos que deles dependem para
se formarem cidadãos – que considerem as particularidades presentes no cotidiano escolar dos
alunos, ou seja, que atenuem às problemáticas inerentes à realidade desigual e injusta
vivenciada pelos jovens-estudantes da periferia – e, desta forma, não contribuía mais ainda para
o aprofundamento das disparidades sociais.
Esses aspectos refletem a vulnerabilidade do sistema educacional brasileiro e, destarte,
não são, de modo geral, considerados pelos líderes políticos no momento de elaboração e
implementação dos paradigmas educacionais direcionados aos jovens-estudantes que,
futuramente, tornar-se-iam trabalhadores.
Isso torna visíveis que a união da modalidade formativa profissionalizante à etapa média
da EB não é capaz de suprimir a dicotomia educativa, mas a alimenta e, desta forma, fomenta
69

o desejo do sistema do capital de perpetuar sua consolidação desinteressado em promover uma


educação efetivamente qualitativa e emancipatória.
As escolas públicas que ofertam Ensino Médio são, ainda hoje, palcos para a
materialização da proposta de formar os jovens que as frequentam a fim de os tornar aptos a
atuarem nas empresas privadas que demandam de força de trabalho de baixo custo e, por este
motivo, comungam desse processo formativo difundindo ser o mais adequado para o
desenvolvimento do país, assim como para o desenvolvimento pleno do próprio indivíduo.
Ao adentrarmos à realidade processual do complexo educativo que temos hoje através
da proposta formativa desenvolvida para o EM e ao investigarmos as categorias centrais que
corporificam nossas compreensões sobre a materialidade histórica, rebuscamos em Mészáros
(2011), como já sinalizamos anteriormente no corpo de nossa análise, que a crise estrutural, na
qual tem se aprofundado o capitalismo desde da década de 1970, sofreu grandes influências da
Terceira Revolução Industrial o que instigou os seus centros de comando – BM e FMI – a
efetivarem reformulações sistemáticas com a finalidade de tornar o sistema educacional ainda
mais produtivo. Essas prerrogativas refletem na forma de efetivar a educação que temos hoje.
Abrimos então, a partir daqui, espaço para destacar as influências decisivas das tecnologias nos
processos educativos desenvolvidos no Brasil.
As modificações decisivas no processo de formação dos indivíduos, influenciadas pela
ascensão das tecnologias, foram elaboradas e impostas sobre a justificativa de contribuir para o
desenvolvimento dos países capitalistas periféricos, os quais, para gerir seus recursos com
eficácia e adquirir competitividade mercadológica, deveriam inicialmente formar indivíduos a
partir dos novos paradigmas educacionais baseados nas concepções empresariais de gestão e
financiamento para que esses exercessem as funções compatíveis com as demandas do aparato
produtivo.
A educação profissional é tomada como o modelo que melhor se encaixa com as
perspectivas empresariais de formar para tornar o sistema mais produtivo e, ainda, a forma
como os cursos seriam desenvolvidos – modulados, aligeirados, fragmentados, segmentados –
garantiria vantagens lucrativas para quem os ofertaria. O Estado neoliberal abriu ansiosamente
as portas do complexo educacional, mais especificamente na modalidade profissionalizante,
para que a classe empresarial impusesse seus interesses. Santos (2017) nos mostrou que, durante
as duas últimas décadas, o total de matrículas nessa modalidade de ensino, que era maior na
esfera pública, aumentou de forma acelerada na rede privada mostrando o quão vantajosa é a
promoção do ensino profissionalizante para os capitalistas brasileiros.
70

É plausível evidenciar, portanto, que o Estado sempre se manteve como ponte de apoio
bem solidificada a fim de estreitar os laços entre o mercado e a escola. E, ainda considerando o
contexto de Revolução Informacional responsável pela modernização da indústria a partir do
final da Segunda Guerra Mundial que passou a exigir um novo tipo de trabalhador e destarte
um novo processo formativo: que tornasse esse trabalhador qualificado a lidar com os meios de
produção desenvolvidos a partir das novas tecnologias. Esse mesmo Estado impulsionou a
implementação do que foi considerado o currículo ideal para a materialização da educação
profissional nas conformidades do capitalismo: a Pedagogia das Competências (PC).
Antes de adentrarmos mais especificamente no que a pedagogia das competências
trouxe enquanto proposta curricular para a educação profissional no Brasil, apoiamo-nos em
Santos (2017), o qual analisou outros importantes autores, para debater inicialmente sobre a
TCH e, em seguida, sobre a tese da sociedade do conhecimento as quais apontam influências
na forma como a PC se estruturou teoricamente e respaldam seu desenvolvimento.
Até pouco antes da década de 1960, as políticas públicas desenvolvidas pelos governos
não estavam diretamente centradas na educação. Para os Estados, não havia grandes
necessidades de se investir no ensino e as agências internacionais consideravam este complexo
um campo que não responderia com retorno lucrativo imediato. Portanto, tais investimentos
seriam desnecessários. Todavia, a década de 1960 apresentou, sobre a autoria de Theodore
Schutz, a TCH que foi tomada com propriedade, pelos defensores do capitalismo, a fim de
inserir na sociedade suas prerrogativas de proteção ao desenvolvimento econômico no
momento inicial de crise estrutural do sistema do capital.
Desenvolvida nos EUA no início da década de 1960, a TCH, segundo Freres, Gomes e
Barbosa (2015), apontando Frigotto, foi liderada pelo economista Theodore Shultz e teve como
impulsor o momento de intenso desenvolvimento do capitalismo, o qual fortaleceu as
concepções estabelecidas em sua base ideológica apoiada na confiança da garantia do pleno
emprego.
O momento histórico Pós-Guerra Fria, que marca o desenvolvimento intenso do
capitalismo, fez surgir a necessidade de uma educação com posicionamento bem articulado a
fim de dar conta do contexto de crescimento econômico e de consolidação ideológica da nova
ordem mundial liderada pelos EUA. Anos depois, conforme Freres, Gomes e Barbosa (2015),
a TCH foi negada pelo próprio capital que passou a combater a intervenção do Estado na
economia.
Os estudos sobre o desenvolvimento econômico dos países desenvolvidos por
economistas da Escola de Chicago, naquele período, fez com que Theodore Schultz, em suas
71

análises, concluísse que além da tecnologia, dos insumos e da mão de obra, outro fator era
indispensável para o sucesso da produção. Esse era o fator H, o humano, que, como destacou
Frigtto (1984, p. 51), deveria ser determinado a partir dos anos de escolaridade e de treinamento
dos indivíduos, ou seja, a qualificação do trabalhador seria um dos elementos chave para se
alcançar a tão almejada estabilidade econômica sobre a lógica do capital. Para Freres, Gomes e
Barbosa (2015, p.17, grifos nossos): sob esse entendimento, o indivíduo deveria ser
qualificado por meio da educação para proporcionar o desenvolvimento tanto da
economia quanto do próprio indivíduo.
A TCH acentuava também que um país rico seria aquele que acumulasse mais. Porém,
o determinante da acumulação traz consigo uma acirrada desigualdade social, a qual seria
amortecida quando todos os países atingissem o mesmo patamar de acumulação. Desta forma,
para a TCH, todos os países, assim como todos os indivíduos, naturalmente garantiriam
vantagens representadas pela redução do desemprego, pelo aumento de salários base e, ainda,
pelo desenvolvimentos das habilidades técnicas dos trabalhadores, os quais seriam submetidos
a novos modelos de qualificação profissional.
A concepção de capital humano, como toda metodologia articulada pelo capitalismo,
não vislumbrava tornar todos os indivíduos da sociedade vencedores nas lutas diárias por
sobrevivência. O discurso facilitador de ascensão social através da desigualdade e da
exploração da maioria por uma minoria não implicaria de forma alguma no bem para todos.
Pelo contrário, o que vemos até os nossos dias é o processo de degradação da vida do
trabalhador de forma cada vez mais intensificada. As vagas nos empregos não atendem às
demandas sociais, os salários estão a cada dia mais absurdamente mínimos e, portanto,
desproporcionais às necessidades das pessoas que deles dependem. Há, portanto, um efeito
controverso do que a proposta da TCH apontava para a sociedade. Essas contradições se
intensificam à medida que a crise estrutural que perpassa o sistema do capital ganha força.
Para os economistas que estabeleceram a teoria que aqui discutimos, a instrução se
tornaria o divisor de águas entre a riqueza e a pobreza, entre o capitalista e o trabalhador. Isso
fomentou a responsabilização individual de cada trabalhador pela produção material de sua
sobrevivência, ou seja, ao mesmo tempo em que conquistava um cargo, o trabalhador precisava
carregar consigo o comprometimento pelas dificuldades sociais que enfrentaria dentro e fora
do exercício do trabalho assalariado. Enquanto que os principais causadores da má distribuição
dos bens socialmente produzido e, por conseguinte, dos problemas sociais mascaravam a
dinâmica contraditória da realidade posta.
72

Neste contexto, a educação seria um instrumento de fundamental importância para a


expansão do capital e manutenção da sua estrutura reificada, pois, a partir dela, o trabalhador
seria induzido a acreditar que, aceitando as condições de trabalho impostas pelo sistema,
poderia alcançar o patamar de capitalista até que todos se tornassem donos dos meios de
produção e, assim, o mundo finalmente encontraria a paz eterna no reino do capital.

Essa teoria tem como pressuposto a ideia de que possibilitar um aumento da instrução
para a classe trabalhadora aumentaria em igual proporção a capacidade de produção.
Em outras palavras, desenvolver o capital humano, para ele, seria possibilitar o acesso
à educação para que sejam desenvolvidos os conhecimentos necessários para
aumentar a capacidade produtiva. Como a preocupação básica da TCH é encontrar os
nexos entre educação e desenvolvimento, Schultz pretendia explicar que a formação
seria a propulsora da alta dos salários, bem como da superação tanto do atraso
econômico dos países como das desigualdades sociais, privilegiando os aspectos
cognitivos para explicar o sucesso profissional e os diferenciais de renda (FRERES;
GOMES; BARBOSA, 2015, p. 72).

Para a TCH, desenvolver o capital humano significaria possibilitar maior acesso à


educação para que, com maior apropriação do conhecimento, aumentasse a capacidade
produtiva de cada pessoa. Há, portanto, uma maior preocupação com as capacidades humanas
partindo do capital, mas a sua essência apontava outra perspectiva como destacam os autores:

Lembra Frigotto (1984) que a função da TCH é escamotear, com sofisticada


linguagem matemática para ganhar a aparência de cientificidade, as relações sociais
de produção, constituindo-se numa teoria mantenedora do senso comum, já que
estabelece, no plano da aparência, o nivelamento entre capital constante e capital
variável na produção do valor, ou seja, estabelece que o valor seria produzido também
pelo incremento das tecnologias na produção (FRERES; GOMES; BARBOSA, 2015,
p. 72-73).

Essa teoria foi essencial para que o imperialismo americano se consolidasse respaldando
sua intervenção e domínio nos outros países com os quais pretendia estreitar laços comerciais
e impor sua ideologia principalmente no período Pós-Segunda Guerra Mundial. As raízes da
TCH começavam a se estender pelos países periféricos através das desigualdades sociais
efetivadas a partir de um discurso que as contradiziam: de combate à pobreza e às desigualdades
sociais.
Diferentemente da TCH, a tese da existência da ‘sociedade do conhecimento’ concebida,
segundo Santos (2017), não apenas por um único autor decretava que, com o advento
tecnológico (computadores e robôs), as classes sociais desapareceriam e, portanto, o
proletariado entraria em extinção já que seriam substituídos pelo que denominaram
cognitariado.
73

O conceito ‘sociedade do conhecimento’ foi usado primeiramente por Daniel Bell na


primeira metade da década de 1970 – o auge da sociedade pós-industrial. Ao citar Deluiz (1995),
Santos infere que essa tese se refere a valorização do conhecimento de modo a obter o controle
social no caminho da inovação e das mudanças superficiais. Para seus defensores, a estrutura
de classes antagônicas que configura a sociedade seria alterada pelo processo de informatização
centrando no conhecimento a responsabilidade pela promoção real da vida humana. Isso
justificaria o desaparecimento do trabalho manual.
No entanto, Lessa (2008) apontou que a própria realidade revela a incoerência dessa
tese como evidencia Santos (2017, p. 224): “Para esse autor, a fábrica sem trabalhadores, como
fora pré-anunciada nas décadas de 1960-70, nunca apareceu de fato. A fábrica contemporânea
continua utilizando trabalho manual que permanece produzindo a riqueza material da
sociedade”.
Na intenção de darmos continuidade às compreensões categoriais que o nosso objeto
exige, retomamos as discussões sobre a pedagogia das competências. Sinalizamos
anteriormente a sua articulação com a TCH e a tese da sociedade do conhecimento – justificada
pelas reformulações no complexo educacional brasileiro e todas patrocinadas pelas agências
internacionais como meio de interferência nos países capitalistas periféricos com o objetivo
primeiro de estabelecer uma linha tênue entre educação e desenvolvimento. Para tanto, os
processos educativos a serem desenvolvidos na modalidade profissional de ensino deveriam
responder aos ditames da produção.

A pedagogia das competências, portanto, acaba por ser apropriada para o quadro de
crise sobre o qual se estruturam as reformulações educacionais brasileiras. A proposta
pedagógica em questão segue, em última instância alguns componentes do ideário do
capitalismo em crise profunda, a sabre: a teoria do capital humano, a “sociedade do
conhecimento” e o determinismo tecnológico (SANTOS, 2017, p. 222).

Centrada no desenvolvimento e na qualidade das competências profissionais, a


pedagogia das competências se tornou uma das principais orientações curriculares na promoção
do Ensino Médio articulado à educação profissional e, ainda, no Ensino Superior
profissionalizante.
Uma proposta pedagógica desenvolvida sobre a égide do produtivismo em uma suposta
era tecnológica vinculada aos interesses do mercado a ser implantada na escola pública, a qual
deveria ser gerenciada sobre a concepção administrativa empresarial, vislumbrando ascensão
da economia e, ao mesmo tempo, controle ideológico das camadas populares.
74

Seu discurso é capaz de ludibriar a classe trabalhadora ao atrair o interesse dos que só
encontram na qualificação o meio para se distanciar das condições de miséria e desemprego por
difundir que a educação é a solução para os diversos males que compõem a sociedade e
consolidar nos documentos oficiais a grandiosíssima importância da formação
profissionalizante, a qual, além de certificar os trabalhadores e seus filhos, traria a solução para
os inevitáveis problemas gerados pelo capital em processo de reprodução mesmo em sua forma
histórica mais crítica refletida na barbárie metabólica a nossa frente.

Sem querer adiantar alguma preocupação em relação à trama que envolve o processo
educativo pelas necessidades do capital em crise crônica, o texto oficial (texto base
conceitual da pedagogia da competências) é farto em defender uma educação
profissional por intermédio da graduação tecnológica como solução para os problemas
da qualificação da mão de obra demandada pelo onipresente mercado de trabalho e
que ainda favoreça o combate ao desemprego (SANTOS, 2017, p. 2014. Grifos
nossos).

Essa proposta curricular pretende promover o estímulo das habilidades práticas nos
jovens-estudantes-trabalhadores e, assim, formar indivíduos prontos a enfrentarem as demandas
do mundo da produção, enquanto força de trabalho qualificada a levar a produção ao seu ápice,
ajudando os empresários a superarem os desafios concorrenciais que andam juntos com a
globalização, mas sem o reconhecimento devido dos esforços empregados por eles
(trabalhadores) tanto nos seus árduos processos de formação quanto durante as atuações efetivas
desses nas indústrias.
O texto oficial busca convencer que o sucesso empresarial significa o sucesso dos
trabalhadores e, neste sentido, a qualificação seria fundamental para o ‘mundo do trabalho’.
Os quatro pilares da educação desenvolvidos por Jacques Delors – aprender a conhecer,
a conviver, a ser e a fazer, somados ao quinto pilar que é aprender a empreender – conforme
apresentados no capítulo anterior, se encaixam na proposta que define o mercado de trabalho
como destino que justifica o processo de formação profissionalizante já que as inovações
tecnológicas passaram a exigir um novo tipo de trabalhador: flexível, criativo, prático e que dê
conta das tecnologias da informação e da comunicação.
É possível relacionar dois desses pilares da educação com a PC a partir do Art. 39º da
LDB nº 9394/96, o qual homologa que a educação profissional deve nortear o educando a
“integrar-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da
ciência e da tecnologia”. Para tanto, deveria, impulsionado por essa modalidade de ensino,
adquirir maior compreensão do mundo no qual está inserido e, desta forma, progredir na
75

formação em áreas da ciência e das tecnologias o que corresponde pôr em prática o pilar
‘aprender a conhecer’.
Encontramos também a referência da relação entre o pilar da educação ‘aprender a fazer’
e a PC no trecho que citamos logo acima. O ‘aprender a fazer’ constitui a prática dos
conhecimentos acumulados no mundo das relações de competição para que o cidadão esteja
sempre estimulado a desenvolver novas habilidades e se manter enquanto profissional
diferenciado nas batalhas internas do mercado de trabalho.
A PC, portanto, apoia-se na garantia da empregabilidade. No entanto, ao se debruçar
sobre a obra de Lima (2011), Santos nos direciona a refletir sobre o insucesso recorrente da
incompatibilidade entre o proposto/esperado e os reais resultados obtidos pelas pesquisas que
analisaram a relação formação e atuação dos jovens-estudantes da modalidade
profissionalizante. O autor revelou que cerca de, apenas, 25,0% dos alunos formados nessa
modalidade atuam na mesma área de sua formação tecnológica o que implica considerarmos
que 75,0% dos estudantes que concluem esse modelo formativo atuam em áreas diferentes das
que se certificaram durante o Ensino Médio. Diante disso, percebemos que não apenas a
reformulação do currículo educacional é o suficiente para solucionar a questão do desemprego
no Brasil.
Santos (2017, p. 235) advoga que a pedagogia das competências foi apontada como “[...]
novo epicentro curricular do modelo de formação do trabalhador”, em um cenário onde o
capitalismo, na tentativa de desviar dos desdobramentos da crise, articula estratégias para
solucionar os conflitos constantes gerados pelo próprio sistema e, neste espaço, a
mercantilização da educação se agudiza com ênfase na educação profissional – disposta desde
o EM ao Superior – que comporta massivamente os filhos da classe trabalhadora ansiosos por
qualificação mínima para adentrarem na corrida por uma vaga no mundo do trabalho.

Fortemente favorável ao empreendedorismo empresarial, em detrimento de uma


formação que aponte para a integralidade do ser humano, o chamado paradigma das
competências torna-se o parâmetro indispensável à formação especificamente
imediatista para um ofício, visto que, na visão de seus defensores, capacita mão de
obra para habilidades empreendedoras necessárias ao preenchimento das lacunas do
mercado de trabalho capitalista e, no limite das análises mais críticas, pode ser
ressignificada para a emancipação do trabalhador (SANTOS, 2017, p. 236).

Como evidenciamos anteriormente, a educação, enquanto derivada do trabalho humano,


corresponde a um construto social que não comporta, de forma autônoma, a capacidade de
solucionar isoladamente todas as mazelas sociais como explicaram Rabello, Jimenez e Mendes
76

Segundo (2015). No entanto, essa premissa é propagandeada nos diversos espaços sociais como
sendo a razão de ser da educação.
Para o problema do desemprego, como aponta Santos (2017), propõe-se a variante da
chamada educação profissional e tecnológica como antídoto para sanar esse e outros problemas
deixados pela própria materialidade social sem clarificar que o problema do desemprego não
está condicionado às necessidades de novas reformulações educacionais. Outros elementos
como a divisão social internacional do trabalho e a nova dinâmica mercadológica colocadas em
curso pela crise estrutural do capital são bem mais preponderantes.
Os discursos governistas defendem que a redução da taxa de desemprego se dará pela
empregabilidade aliada ao empreendedorismo e à lucratividade desconsiderando os conflitos
entre as classes e, com isso, a subjetividade inerente aos trabalhadores e aos seus filhos.
Perante a premissa de que a dita empregabilidade que busca esconder a realidade do
desemprego crônico, o conteúdo da educação, permeado pelo caráter ideológico desse discurso,
constitui um poderoso instrumento que perpassa a subjetividade dos trabalhadores e de seus
filhos, bem como de professores, de gestores, de intelectuais e de políticos (quaisquer que sejam
seus partidos). Com efeito, a empregabilidade e o empreendedorismo, disseminados nas
concepções desse ‘novo’ modelo de ensino, viabilizam a reificação do trabalhador, tornando-o
refém das reformas estipuladas pelos detentores da ordem capitalista.
Nessa lógica, cada um é responsável pelo seu sucesso ou seu fracasso, como se estar na
condição de desemprego fosse uma escolha pessoal de cada indivíduo e ingressar no EM para
cursar, ao mesmo tempo, a modalidade formativa profissionalizante se torna opção única na
vida dos jovens que são submetidos à formação aligeirada e de qualidade duvidosa.

A elite mandatária das políticas governistas não se importa se a educação é boa ou


ruim. Para essa anacrônica elite, o processo educativo tem que gerar dinheiro como
qualquer outro negócio. Os atrasados empresários brasileiros não nutrem interesse
algum pelo desenvolvimento científico do país, [...] (SANTOS, 2017, p. 263. Grifos
nossos).

Percebemos que a modalidade de ensino profissionalizante não promove o combate a


dualidade educacional, pelo contrário, confirma-a nos textos dos documentos oficiais que
regem a educação contemporânea em favor de uma elite atrasada, denominada por Santos (2017)
como atrasados empresários brasileiros, que se apoiam ao Estado para angariar privilégios às
custas da educação.
Considerando brevemente a repercussão da profissionalização no ES, permanecemos
amparados por esse autor para comentar que a graduação tecnológica foi apresentada à
77

sociedade com uma estrutura diferenciada das graduações clássicas. Evidenciando os interesses
dos que defendiam a privatização do ES, foi determinado que o tempo de duração dos cursos
que compunham esse modelo de graduação seriam bem mais reduzidos caracterizando o
imediatismo e a elementaridade da formação técnica. Santos (2017, p. 255) nos esclarece que
“[...] a graduação tecnológica é o receptáculo ideal pretendido pelo empresariado para integrar
a escola ao mercado, visto que cria no ES um ramo paralelo e dual para receber os egressos do
EM”.
A proposta de materializar a educação a partir dos ideais tecnicistas já obedecia aos
ditames do desenvolvimento econômico desde o período da ditadura empresarial-civil-militar
iniciado na década de 1960 e a graduação tecnológica deu sinal de vida no Brasil também nesse
período. Porém, ela foi demarcada pela Lei nº 8.948 apenas em 1994 através da criação de
vários dispositivos legais que garantiriam a formação em nível superior de todos os sujeitos –
trabalhadores e seus descendentes – com a finalidade de aprontá-los para exercerem funções
laborais conforme as exigências mercadológicas, as quais se desenvolveriam em constantes
processos de inovação e, por tal justificativa, esses trabalhadores deveriam buscar sempre
permanecer se requalificando.
O histórico da sociedade, que nos é revelado também por meio de Santos (2017), mostra
os inúmeros boicotes impostos aos filhos das camadas menos privilegiadas, pela atrasada elite
brasileira unida ao poder Estatal em favor dos empresários, em suas tentativas de ingressar no
ES. No entanto, o ideário neoliberal, preso às necessidades de um sistema produtivo que,
mergulhado em situação de crise sem antecedentes, atrelou-se às tecnologias de base
microeletrônicas teleinformatizadas nas últimas décadas do século XX para formar mão de obra
ao seu gosto, assegurou a oferta do ES aos trabalhadores e aos seus filhos mesmo que de forma
precária.

Em uma expressão, para que a reprodução do capitalismo em crise, possa se processar,


há a necessidade de formação de uma determinada mão de obra que se qualifique
docilmente. Portanto, para que essa crença se realize, a retrógrada elite local
desembrulha a “novidade” pela qual o trabalhador terá um ramo específico para a sua
formação na educação básica e, agora, também na superior, mesmo que esta última
seja não universitária (SANTO, 2017, p. 249, grifo do autor).

A formação superior não universitária passou a ser desenvolvida no Brasil enquanto


modelo de ensino superior designado a receber prioritariamente os egressos do nível médio-
profissionalizante. Esse formato de graduação tecnológica designou um subsistema de ES.
78

Em um cenário de crise profunda, de agravamento da tragédia social pelo


recrutamento do sistema de exploração do trabalho a níveis jamais vistos, o capital
reordena suas estratégias de recomposição das taxas de lucro, o histórico dualismo
educativo passa a operar com requintados ingredientes, suas cores precisam ser mais
fortes para reluzir com mais sedução, mesmo que tente encobrir a cínica defesa de
separar, agora no ensino superior, o pensar de um lado e o fazer praticista de outro.
Envolto nessa retórica, os recorrentes jargões recomendados à necessidade do
desenvolvimento do Brasil e da tão pleiteada democratização do acesso ao ES, não
obstante se oferta a entrada à universidade pela porta mais estreita, ou seja, ao
trabalhador é entregue uma formação imediatista, abreviada, de carácter praticista e
completamente fragmentada (SANTOS, 2017, p. 253).

Esse desenvolvimento econômico, enquanto determinante central do caminho pelo qual


todos os elementos que compõem a infraestrutura social devem seguir, desencadeou a
promoção da formação superior pelo viés não universitário despojado em cursos fragmentados,
aligeirados, abreviados e limitadores. Mesmo assim sendo, a juventude trabalhadora, que
depende desse modelo de formação como alternativa para se distanciar do desemprego e das
demais mazelas que assombram sua realidade, não vê outra opção a não ser se subjugar a tal
processo de qualificação que, em contrapartida, não tem como assegurar a empregabilidade
prometida nos discursos dos maiores interessados em consolidar tais paradigmas educacionais.
A educação tem se tornado um espaço cada vez mais preenchido pelos interesses da
burguesia e, diante disso, precisa responder às imposições provenientes da reestruturação
produtiva do capital. Neste cenário, os empresários conduzem as políticas educacionais
conforme seus interesses e amparados pela bandeira da empregabilidade e do
empreendedorismo como tentativa de esconder o desemprego crônico gerado pela
vulnerabilidade do próprio sistema.
Compreendendo que a educação não possui caráter milagroso e, por isso, não é capaz
de garantir a superação da problemática do desemprego estrutural resultante da incapacidade
do sistema do capital em solucionar seus próprios conflitos, pretendemos analisar a relação
entre formação profissionalizante, difundida pelas agências internacionais como solução para
que a juventude brasileira não se deixe adentrar à condição de desemprego, e a crescente onda
de desemprego estrutural acentuada sobre os jovens brasileiros e cearenses como controversa
das perspectivas desenvolvimentistas, ou seja, enquanto resultado que se contrapõe às políticas
educacionais de cunho empresarial para a juventude que reeditam a importante função do
Estado em promover uma educação pública, laica, gratuita e de qualidade.
79

4 O CAPITAL EM CRISE E O DESEMPREGO JUVENIL EM LARGA ESCALA


COMO RESPOSTA: CONDIÇÃO NEM-NEM ASSOLANDO O PRESENTE E O
FUTURO DA JUVENTUDE BRASILEIRA

Juntamente com a grandeza do capital social já em funcionamento e com o grau de


seu conhecimento, com a ampliação da escala de produção e da massa dos
trabalhadores postos em movimento, com o desenvolvimento da força produtiva de
seu trabalho, com o fluxo mais amplo e mais pleno de todos os mananciais da riqueza,
amplia-se também a escala em que uma maior atração dos trabalhadores pelo capital
está vinculada a uma maior repulsão desses mesmos trabalhadores, aumenta a
velocidade das mudanças na composição orgânica do capital e em sua forma técnica,
e dilata-se o âmbito das esferas da produção que são atingidas por essas mudanças,
ora simultânea, ora alternadamente. Assim, com a acumulação do capital produzida
por ela mesma, a população trabalhadora produz, em volume crescente, os meios que
a tornam supranumerária (MARX, 2013, p. 706).

Assegurados no que foi exposto até aqui, apresentaremos neste último capítulo uma
breve reflexão sobre o processo de acumulação do capital considerando os elementos que
sustentam sua composição conforme as delimitações de Marx em sua grandiosa obra – O
Capital – para complementarmos o arcabouço teórico-metodológico cobrado pela pesquisa. Ao
nos debruçar sobre o legado deixado pelo filósofo alemão, evidenciaremos as categorias
rigorosamente exigidas pelo nosso objeto de estudos: exército industrial de reserva e
lumpemproletariado que correspondem às derivações da dinâmica reprodutiva do modo de
produção capitalista e se acentua quando o próprio sistema se percebe mergulhado em crise
estrutural sem precedentes. Seguiremos, ainda, pela trilha do desenvolvimento do capital para
explicar o fenômeno do desemprego inerente à juventude periférica brasileira e cearense
evidenciando os dados colhidos em várias pesquisas realizadas por agências nacionais e
internacionais sobre os aspectos econômico, social e mercado de trabalho para sinalizar a
condição nem-nem tanto no Brasil quanto no Ceará destacando as fragilidades dos processos
educativos baseados nos paradigmas educacionais elaborados pelos centros de comando do
capital para os jovens trabalhadores.

4.1 Os ‘corretivos’ do capital edificando trilhas que desembocam no desemprego

A acumulação do capital, conforme no clareia Marx (2013), representa uma contínua


variação da sua composição que se subdivide em aspecto do valor e aspecto da matéria.
Considerando o primeiro aspecto, esse processo de acumulação se dá pelo acréscimo do seu
80

componente constante, representado pelo valor dos meios de produção, às custas do


componente variável que é a força de trabalho em forma de valor incluindo a soma dos salários
necessários para que a produção seja efetivada. Já o aspecto da matéria é representado pelos
meios de produção e pela força viva de trabalho e corresponde à forma como a produção se
desenvolve.
Avançando nessas questão, os componentes do capital são determinados pela massa dos
meios de produção, a qual é delimitada pela composição do valor e pela quantidade de trabalho
adequado para a operação dos meios de produção postos em atividade. A chamada composição
do valor do capital pode ser também denominada composição orgânica do sistema e é
determinada pela composição técnica. Ambas estão em constante relação no processo de
produção e acumulação de riquezas e revelam transformações que perpassam os variados
momentos nos quais se desenvolve a sociedade.
Abordamos aqui os elementos que dão corpo ao processo de acumulação do capital para
compreendermos que o seu crescimento e, portanto, a sua concentração estão condicionados ao
crescimento do capital variável que, como expusemos a pouco, corresponde à força de trabalho
vivo. Isso nos dá embasamento teórico para delimitarmos pontos cruciais de compreensão do
fenômeno do desemprego e dos processos formativos postos como solução para esse problema.
Seguindo por este caminho, continuamos na esteira de Marx abordando que o processo
de acumulação do capital depende da variação da sua composição e essa variação se dá a partir
do capital varável, o qual, durante o processo de produção, não é absorvido na mesma proporção
que o capital constante o que implica na disponibilidade de vagas de emprego. O crescimento
do capital varável corresponde ao crescimento de mais trabalho. Porém, isso não significa que,
necessariamente, o número de trabalhadores em atividade aumentará. O que aumenta com a
acumulação do capital é a força de trabalho empregada pelos trabalhadores.

[...] com o avanço da acumulação, um capital variável maior põe mais trabalho em
movimento, sem recrutar mais trabalhadores; por outro, um capital variável do mesmo
tamanho põe mais trabalho em movimento com a mesma massa de força de trabalho
e, por fim, mais forças de trabalho inferiores mediante a substituição de forças de
trabalho superiores (MARX, 2013, p. 711).

Diante destas prerrogativas, atinamos que, para que haja mais empregos, o sistema
aponta a necessidade de atingir altos patamares de acumulação e, ao envolvermos os
procedimentos formativos neste metabolismo, é importante consideramos que a formação de
uma grande quantidade de trabalhadores não garante que todos estarão empregados
formalmente.
81

O autor também destaca que o aumento absoluto da população trabalhadora é mais


acelerado que o crescimento do capital variável. Uma população trabalhadora excedente é,
portanto, resultado do processo de acumulação do capital o que fomenta um contingente
proletário constituído para além das necessidades média da produção.

Mas se uma população trabalhadora excedente é um produto necessário da


acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base capitalista, essa
superpopulação se converte, em contrapartida, em alavanca da acumulação capitalista,
e até mesmo numa condição de existência doo modo de produção capitalista. Ela
constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de
maneira tão absoluta como se ele o tivesse criado por sua própria conta. Ela fornece a
suas necessidades variáveis de valorização o material humano sempre pronto para ser
explorado, independentemente dos limites do verdadeiro aumento populacional
(MARX, 2013, p. 711).

O autor expôs sobre o exército industrial de reserva, categoria que foi também abordada
na obra de Marx como superpolulação relativa. Essa corresponde a um dos aspectos essenciais
para o processo de reprodução e acumulação do capitalismo e se constitui pelos trabalhadores
que estão disponíveis para ocupar os espaços delimitados pelos detentores dos meios de
produção conforme o momento que estes últimos decretem coerente ao gosto da dinâmica
geradora de lucro.
A expansão da produção sobre o viés capitalista não seria possível sem esse material
humano disponível, o qual responde positivamente aos métodos utilizados no processo de
produção com a finalidade de torná-lo mais eficiente – como o emprego das tecnologias
inovadoras dos meios – impulsionando a produção ao mesmo tempo em que reduzem o número
de trabalhadores ocupados. Marx (2013, p. 708. Grifos do autor) remete isso em:

A expansão súbita e intermitente da escala de produção é o pressuposto de sua


concentração repentina; esta última, por sua vez, provoca uma nova expansão, a qual
é impossível na ausência de material humano disponível, isto é, se o número de
trabalhadores não aumenta independentemente do número absoluto da população. Ela
é criada pelo simples processo “libera” constantemente parte dos trabalhadores, por
métodos que reduzem o número de trabalhadores ocupados em relação à produção
aumentada.

Interessa aos detentores dos meios de produção, portanto, extrair sempre uma
quantidade maior de trabalho de um menor número de trabalhadores e, com isso, a exploração
da força de trabalho individual. Desta forma, o dispêndio do capital constante diminui enquanto
se aplica cada vez mais força de trabalho sem corroborar para o desperdício do capital variável.
Marx e Engels explanaram bem esse processamento em:
82

Os custos que o trabalhador acarreta restringem-se, assim, quase que tão somente ao
dos víveres de que ele necessita para o seu sustento e para a propagação de sua espécie.
O preço de uma mercadoria, porém, e portanto do trabalho, é igual ao de seus custos
de produção. À medida que cresce a repugnância pelo trabalho, diminui, pois, o salário.
E mais: na mesma medida em que aumentam maquinaria e divisão do trabalho,
aumenta também a quantidade de trabalho, seja pela multiplicação da jornada, do
trabalho exigido num dado período de tempo, do aumento do ritmo das maquinarias
etc (MARX; ENGELS, 2012, p. 51-52).

Observamos aqui o processamento das prerrogativas do capitalismo efetivando sua


razão de ser, promovendo sua lei geral – a lei da acumulação – por meio da substituição
corriqueira de trabalhadores mais qualificados elos qualificados de forma elementar. Como
delimitou Marx, o próprio metabolismo do modo de produção capitalista se articula a fim de
comutar forças de trabalho superiores por inferiores representadas pela má qualificação e pelo
trabalho infantil, adolescente e feminino que historicamente carregam baixos níveis de
valorização social.

Quanto menos habilidade e força o trabalho manual demanda, ou seja, quanto mais a
indústria moderna se desenvolve, mais o trabalho dos homens é substituído pelo das
mulheres. Em se tratando da classe trabalhadora, diferenças de sexo e idade já não
têm importância social nenhuma. O que há são instrumentos de trabalho de custos
variados, de acordo com idade e sexo (MARX; ENGELS, 2012, p. 52).

Isso impulsiona uma maior rotatividade contratual e os salários, que não são
estabelecidos com base na quantidade absoluta da população trabalhadora, são determinados
pela variação entre exército ativo (trabalhadores ocupados) e exército de reserva.
O alto grau de acumulação do capital incrementa o exército de reserva e estimula,
concomitantemente, a geração de novos trabalhadores até que o próprio sistema se perceba
incapaz de ofertar empregos a todos. Em contrapartida, a diminuição dos salários promove
novamente a acumulação haja vista a exploração do trabalhador em níveis extremos e em
condições precárias.
Este é o contexto, no qual o processo de produção coletiva da riqueza e apropriação
privada dessas permanece se desenvolvendo. A própria realidade nos permite perceber o
motivo pelo qual a mão de obra minimamente necessária para dar conta da produção não pode
ser dispensada. A oferta de trabalho estando menor que a demanda faz com que os salários
oscilem e, submetidos às condições de incertezas, estão os trabalhadores, ocupados ou não,
sempre a postos para compactuarem com o maior nível de acumulação.
83

Marx nos esclarece que a demanda de trabalho no formato societário do capitalismo não
cresce na mesma proporção em que cresce o capital e a classe trabalhadora. A acumulação
carece de força de trabalho e difunde a necessidade do maior número de trabalhadores, os quais
devem comprovar o maior nível de instrução possível e, destarte, precisam usar os próprios
esforços para garantir isso, embora não sejam disponibilizadas no mercado vagas compatíveis
com a quantidade disponível de gente, qualificada ou não, à espera de um emprego. Esta
situação conflituosa promove uma considerável pressão nos ocupados, os quais não veem outra
alternativa que não seja se sujeitarem às condições degradantes de trabalho e remuneração que
lhes são impostas pelos contratantes.
Os trabalhadores desocupados, sem exceção, compõem o exército industrial de reserva.
Parte dos indivíduos na condição de desemprego foi caracterizada pelo autor alemão – em sua
obra atemporal: O Capital – como lumpemproletariado, os quais ocupam as posições menos
reconhecidas dentre os que sofrem com a falta de emprego. Marx explanou que os indivíduos
que compunham essa categoria eram os estereotipados ‘vagabundos’ delinquentes, prostitutas
e outros que, por determinados motivos morais e físicos, não compactuam com o
conservadorismo pregado pela sociedade moderna.
Eles são subdivididos em três outras classificações: os aptos ao trabalho que
representam oscilações quanto a quantidade em momentos de crise e estagnação financeira e
retomada do mercado. Sobre esses, Marx (2013, p. 719) evidencia: “Basta observar
superficialmente as estatísticas do pauperismo inglês para constatar que sua massa engrossa a
cada crise e diminui a cada retomada dos negócios”.
A segunda subdivisão é representada pelos órfãos e pelos filhos de indigentes que
constituem o grupo com mão de obra sujeita a atuar em quaisquer funções e sobre os custos que
lhes forem impostos. Esses são recrutados em momentos de prosperidade mercadológica e, à
medida que períodos de recessão se aproximam, são facilmente descartados.
A terceira e mais castigada parte do lumpemproletariado é composta pelos degradados
e maltrapilhos, dentre os quais se encontram os deficientes, as viúvas, os doentes e outros
excluídos em geral. Esses seriam os taxados como ‘incapacitados’ de exercerem algum trabalho
por falha física/psicológica ou devido a terem ultrapassado a idade de se sujeitarem aos
comandos da indústria moderna, a qual assume ainda hoje sua preferência por jovens
trabalhadores de gênero masculino.

Quanto maiores forem a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume o vigor


do seu crescimento e, portanto, também a grandeza absoluta do proletariado e a força
produtiva de seu trabalho, tanto maior será o exército industrial de reserva. A força de
84

trabalho disponível se desenvolve pelas mesmas causas que a força expansiva do


capital. A grandeza proporcional do exército industrial de reserva acompanha, pois, o
aumento das potências da riqueza. Mas quanto maior for esse exército de reserva em
relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto maior será a massa da superpopulação
consolidada, cuja miséria está na razão inversa do martírio do seu trabalhador. Por
fim, quanto maior forem as camadas lazarentas da classe trabalhadora e o exército
industrial de reserva, tanto maior será o pauperismo oficial. Essa é a lei geral, absoluta,
da acumulação capitalista (MARX, 2013, p. 719-720).

Esta citação expõe o que não tem sido visto pela maioria das pessoas no desenvolver do
processo de acumulação do sistema do capital, o qual é o próprio articulador da realidade
ofuscada. Conforme a classe trabalhadora reproduz esse modo de produção de forma reificada
e, portanto, demasiadamente passiva – apesar dos inúmeros eventos revolucionários ocorridos
ao longo da história desta ordem vigente, que não podem ser desconsiderados, pois nos
garantiram os poucos, mas relevantes, reconhecimento e direitos que temos hoje. No entanto,
essas poucas conquistas não se constituem como garantias que nos permitam usufruir dos
resultados do nosso trabalho de forma justa – ela produz, ao mesmo tempo, os seus grilhões.
É verdade que muitos dos que compunham o terceiro grupo dos denominados
lumpemproletariados, no período em que Marx elaborava sua obra, não poderiam vislumbrar
outros destinos que não fosse o pauperismo desde o seu nascimento: neste quadro, apontamos
como exemplo os deficientes físicos. No caso das viúvas, elas teriam de se conformar com as
consequências das eventualidades ocorridas em suas tristes histórias: uma vida miserável
resultante da perda de seus esposos reverberando nas tradicionais relações de uma sociedade
apregoada à cultura machista marcada pelos julgamentos morais e, portanto, pelas exclusões
em um metabolismo social que sustentava isso como natural.
Hodiernamente, percebemos que, depois de muita luta, debates e, até mesmo, sangue
derramado, deficientes, viúvas e outros indivíduos têm conquistado direitos elementares como
poder trabalhar conforme suas capacidades. Isso nos faz reconhecer que avanços sociais tem
ocorrido e, ao mesmo tempo, muitos retrocessos têm os acompanhado. Diante disso, ainda há
muito o que fazer para que as desigualdades sociais sejam abolidas e, por este motivo,
permanecemos incrementando perspectivas revolucionárias em prol da queda do capitalismo e
do surgimento de um formato societário que contemple a liberdade dos indivíduos, a equidade
dos direitos e a igualdade na partilha dos bens produzidos coletivamente sem esquecer da
preservação dos recursos naturais e do importante lugar ocupado pela ciência para a evolução
do homem.
Ainda no viés da acumulação e suas brutais consequências para a classe trabalhadora, o
sistema do capital impulsiona a sua própria reprodução enquanto os homens produzem riquezas
85

incalculáveis, as quais são repartidas desigualmente gerando, ao mesmo tempo, a condição de


pobreza extrema da maioria das pessoas. Esse pauperismo abriga tanto as pessoas
desempregadas, mas que estão dentro da força de trabalho, quanto as que estão fora dela, ou
seja, as consideradas incapacitadas de exercerem as incumbências das fábricas e dos demais
setores de produção na sociedade.
É plausível afirmarmos, portanto, que trabalhar, para os capitalistas, não pressupõe a
dignidade necessária para o alcance da liberdade, não dignifica o homem em justo
reconhecimento. Mas, pelo contrário, a mesma prática que, como abordamos no segundo
capítulo desta pesquisa, permitiu ao homem se sobressair perante as demais espécies – o
trabalho em seu caráter ontológico – sucumbe-o a nível grotesco de degradação pela forma
como é organizada e efetivada.
O desenvolvimento das forças produtivas sobre os parâmetros impostos pelo sistema
reflete no incremento da superpopulação relativa e do lumpemproletariado como uma condição
do processo de acumulação. Esse cenário protagoniza o capital ajustando quem trabalha as suas
prerrogativas de reprodução e consolidação, ou seja, não é inédito para o capitalismo articular
quem estará inserido no mercado e quem permanecerá de fora dele. Essa dinâmica promove,
como retorno, o crescimento da composição do exército industrial de reserva por assumir, como
consequência, o engrossar das filas de desempregados e, com isso, alavancar a miséria dos
trabalhadores tanto ativos quanto inativos.

[...] a lei que mantém a superpopulação relativa ou o exército industrial de reserva em


constante equilíbrio com o volume e o vigor da acumulação prende o trabalhador ao
capital mais firmemente do que as correntes de Hefesto prendiam Prometeu ao
rochedo. Ela ocasiona uma acumulação de miséria correspondente à acumulação de
capital. Portanto a acumulação de riqueza num polo é, ao mesmo tempo, a acumulação
de miséria, o suplício do trabalhador, a escravidão, a ignorância, a brutalização e a
degradação moral no polo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio
produto como capital (MARX, 2013, p. 719-720).

A produtividade alcançou grandes patamares no sistema capitalista e, ainda hoje, isso


vigora, mas às custas de muita expropriação da força de trabalho. A precariedade da vida do
trabalhador assalariado cresce concomitantemente à pressão que cai sobre ele não apenas no
momento exato de sua atuação nas fábricas, nos escritórios ou nos comércios, mas desde muito
antes: a partir do seu processo de formação que se inicia na infância. A peleja pela formação
pré-requisitada para atuar nas funções que lhes são disponibilizadas de forma limitada pelo
concorrente mercado não tem sido suficiente para reduzir o grande número de trabalhadores
desempregados.
86

Essa triste e contraditória realidade nos permite confirmar, apoiados em Marx, que
enquanto a produtividade do trabalho social cresce a níveis incalculáveis e, com isso, a
valorização do capital e a acumulação das riquezas, cresce também o número de trabalhadores
para compor, em sua maioria, a superpopulação relativa e a condição de miséria extrema. O que
representa os antagonismos inelimináveis das relações de produção sobre a ótica da burguesia
contemporânea que elabora caminhos comuns para a miséria e para a riqueza assim como para
o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, para a repressão das camadas sociais, mais
especificamente da classe trabalhadora, em nome da acumulação do capital.
As diversas reformas articuladas pelos detentores do capital na perspectiva de manterem
o seu sistema se reproduzindo produz, ao mesmo tempo, um paradoxo que eles precisam
enfrentar: os altos patamares de riquezas, conhecimentos e inovações tecnológicas alcançados
pelo modo de produção capitalista, o qual promove concomitantemente a fragmentação e
expropriação da força de trabalho empregada pelo trabalhador, possibilita a redução do trabalho
vivo, ou seja, do trabalho humano direto. Isso significa que podemos extrair deste processo de
reprodução que o avanço tecnológico, apoiador de toda perspectiva expansionista desse modelo
de produção, na medida em que impulsiona o homem a atingir os mais altos níveis de
produtividade, secundariza a importância que a força de trabalho tem para dar movimento ao
processo reduzindo-a e, desta forma, incrementa as taxas de desemprego.
Essa dinâmica, que não é novidade para o próprio sistema, promove a elaboração de
diversas forma contratuais que representam sua essência destrutiva na forma de exploração da
classe trabalhadores e revelam o seu esgotamento mascarado pela intenções de promoção do
bem-estar social em seus discursos. Nesta teia, “Os trabalhadores são cada vez mais
descartáveis, assim como tudo aquilo que é produzido. Expande-se a precarização das
condições de trabalho e cresce o subemprego em suas variadas formar” (GOMES; FERRAZZO;
LÔBO, 2017, p. 52).
Por mais que o capitalismo tenha possibilitado que o homem desbrave caminhos
desconhecidos com o auxílio das inovações tecnológicas, as relações sociais de dominação de
uma classe por outra – de uma minoria privilegiada às custas da exploração da maioria – revela
a estagnação da sua estrutura social. Em cada momento específico, esse formato societário se
efetiva da mesma forma: sociedade de classes antagônicas. Revestida, ou não, com uma nova
roupagem, a sesse modelo social organizado carrega sempre princípios norteadores de sua
estrutura. Consideramos dois deles aqui: 1. Favorecer poucos e explorar muitos; 2. Priorizar o
ter que, ao assumir o caráter do ser, faz este último perder seu significado mais justo.
87

Diante dessas prerrogativas, consta-nos reafirmar que o desemprego é uma condição do


desenvolvimento do próprio sistema. Não é uma resposta inesperada resultante do crescimento
da produtividade, mas uma marca presente na relação entre o capital e a força de trabalho
empregada para a constituição do primeiro e, neste cenário, a classe trabalhadora se vê obrigada
a fomentar a própria exploração que se apresenta através da aceitação complacente das
condições precárias de trabalho que reverberam na terceirização, no aumento do trabalho
informal e dos cargos temporários, na retirada dos direitos que restam aos trabalhadores
tornando-os reféns da realidade degradante que lhes é imposta.

A miséria e a degradação humana, é entendida por Marx como o desdobramento da


ordem imposta pela burguesia e seu fim último. Dessa forma, faz exatamente da
miséria ou da sua probabilidade, um mecanismo intenso de coerção, que impele o
trabalhador a se submeter à lógica do capital (GOMES; FERRAZZO; LÔBO, 2017,
p. 52).

Esse estágio de precariedade das condições de trabalho que reflete no aumento do


desemprego e do subemprego prescreve os ajustes dos processos formativos às demandas do
mercado e isso pode ser claramente compreendido pelas análises das diversas reformas
realizadas no âmbito da educação que têm carregado o empreendedorismo como aspecto central
dos seus currículo, projetos, leis e atribuições. As propostas propagandeiam a superação do
desemprego através do alcance de altos níveis de formação por parte dos trabalhadores sem
explicitar que, enquanto fato comprovado, o fenômeno do desemprego tem fundamental
importância para o desenvolvimento da economia sobre a égide do capital e que a educação
sozinha não tem força para combater essa mazela que permeia a vida dos que compõem a classe
trabalhadora.

Todavia, o novo ‘canto da sereia’, enquanto proposta de superação do desemprego,


não deve ser compreendido de forma anacrônica nem mesmo como um embrião para
a superação da alienação do trabalhador, ao contrário, tal fato está em estreita sintonia
com necessidade do capital em manter um exército de reserva (GOMES; FERRAZZO;
LÔBO, 2017, p. 55).

As transformações políticas e econômicas ocorridas a partir da década de 1970 geraram


intensas distorções no metabolismo social. A ascensão filosófica neoliberal, defensora da
interferência mínima do Estado em gerir diversos complexo sociais apoiada na difusão da
necessidade de redução dos gastos públicos e dos déficits fiscais bem como propagandeando o
combate à inflação, aproveitou o momento histórico marcado por conflitos políticos e
econômicos para promover a exaltação do capitalismo como solução indispensável para a
88

reorganização da economia mundial que abraçava, ao mesmo tempo, o avanço tecnológico para
corporificar as intencionalidades da nova ordem mundial. Para tanto, a sobrevivência de todos
estaria condicionada à tendência da globalização e, portanto, do que os indivíduos estariam
dispostos se submeterem para se adaptarem às demandas mercadológicas.
Neste ínterim, os centros de comando do capital, certificados que o complexo da
educação seria um forte instrumento de persuasão das diversas camadas sociais, decretaram a
defesa da formação do trabalhador centrada na flexibilidade. À educação, portanto, é despejada
a responsabilidade de formar sobre essa premissa – indivíduos mais flexíveis – sendo justificada
pela ampliação das capacidades práticas, das competências e das habilidades dos jovens
trabalhadores, as quais seriam exigidas pelo empreendedorismo enquanto aspecto central do
mundo do trabalho para que esses indivíduos pudessem, estando devidamente qualificados,
conquistar a ‘vida dos sonhos’.
Esse profissional mais flexível, sustentado pelo discurso da empregabilidade e do estado
de bem-estar, pairava no plano ideal da lógica burguesa. No solo da história real, essas
perspectivas, que são inerentes ao modo de fazer educação a partir da ideologia capitalista que
busca ao seu gosto camuflar o real processo de produção da vida (i)material dos homens, não
passavam de meras ilusões, falácias, contradições como destacam os autores Gomes, Ferrazzo
e Lôbo (2017) em “não devemos nos iludir com as ideias de uma formação “flexível”, de
“qualidade total”, “empregabilidade” e outras pensadas ou imaginadas pelos ideólogos
burgueses, mas sim da realidade prática, a partir do processo de reprodução real da vida dos
homens, [...]” (grifos do autor).
A escola, que ainda hoje reedita os anseios capitalistas assumindo o papel de,
primordialmente, modelar os indivíduos a fim de ajustá-los às necessidades da produção
coletiva das riquezas e apropriação privada dessas de forma passiva e controlada, ou seja,
distante da formação de trabalhadores com consciências mais subversivas para não ameaçar a
ordem estabelecida, consolida-se cada vez mais como espaço de difusão dos interesses da
burguesia empresarial. Daí, estar sempre sobre a mira estratégica dos empresários que
vislumbram a condução autônoma das políticas educacionais.
Enquanto a lógica do capital difunde a liberdade do mercado, a igualdade de direitos, a
democracia, a cidadania e outras denominações persuasivas como sinônimos de liberdade da
classe trabalhadora, as contradições apontam resultados distorcidos representados por uma
classe composta pelos que carregam o mundo dos homens nas próprias costas, mas que, ao
mesmo tempo, constituem a parcela mais desprivilegiada e impedida de conquistar a relevância
merecida dos seus interesses.
89

4.2 A condição nem-nem como consequência do processo de acumulação do capital

Juventude é um momento no ciclo da vida. Essa é caracterizada pelo modo como é


vivida considerando as particularidades e as similitudes dos indivíduos em determinado recorte
temporal bem como a classe, o gênero, a etnia e outros aspectos que a consolida entre as
gerações.
No Brasil, o Estatuto da Juventude, aprovado a partir da Lei nº 12.852 de 2013,
normatiza quem são os jovens brasileiros e estabelece as diretrizes para as políticas públicas
direcionadas à juventude. Os parágrafos 1º e 2º do Art. 1º dessa lei delimitam o seguinte:

§1º Para os efeitos desta Lei, são considerados jovens as pessoas com idade entre 15
(quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade.
§2º Aos adolescentes com idade entre 15 (quinze) e 18 (dezoito) anos aplica-se a Lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, e,
excepcionalmente, este Estatuto, quando não conflitar com as normas de proteção
integral do adolescente (BRASIL, 2013).

Ao analisarmos a juventude, assim como a todo fato social, não podemos perder de vista
o tempo e o espaço nos quais ela está inserida. Como nosso propósito aqui é delimitar os jovens
brasileiros/cearenses que se encontram na condição nem-nem – nem estudam e nem trabalham
– decidimos nos ater aos aspectos que caracterizam essa condição a partir de 2012 realizando
um comparativo também entre os anos 2017, 2018 e 2019 que englobam os resultados de
pesquisas mais recentes realizadas por agências nacionais e internacionais – Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE); Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD); Sistema
de Indicadores Sociais (SIS); Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE-
Informe) – sobre a relação entre a juventude, o mercado de trabalho ocupado ou não pelos
jovens entre 15 e 29 anos de idade e os processos de formação pelos quais essa tem passado a
fim de alcançarmos nossos objetivos, os quais foram expostos no capítulo introdutório deste
texto.
Ao se deparar com o concorrente mercado de trabalho, a juventude brasileira, em sua
maioria na condição de pobreza que compõe a parcela menos privilegiada da sociedade, tem de
enfrentar desafios cotidianos para conquistar o tão sonhado, mas precarizado, emprego que
garanta, ao menos, sua sobrevivência.
90

Enquanto combustível ineliminável para o desenvolvimento da produção, para ela, são


elaborados e estabelecidos inúmeros projetos governistas pautados nas demandas
mercadológicas enquanto seus interesse reais – projetos de futuro – são, na verdade,
secundarizados. Esses projetos de futuro que são ressignificados pelo Estado em sua função de
amparar o processamento reprodutivo do capital deveriam, contrariamente, considerar as reais
necessidades básicas da juventude. A formação de qualidade é uma dessas necessidades e
deveria ser efetivada de modo a contemplar o desenvolvimento pleno de cada indivíduo
contribuindo para o combate aos efeitos das desigualdades bem como promover a liberdade
dessa geração tão importante para a construção do mundo e, de maneira simultânea, difundir a
promoção de um mercado de trabalho capacitado para acolher de fato esses jovens que precisam
de renda para viver. Essa concepção formativa é um dos quesitos indispensáveis para a garantia
do bem-estar social.
No entanto, a realidade dos fatos se apresenta de forma diferente: submissão dessa
importante parcela da sociedade às circunstâncias apresentadas pelas estratégias
desenvolvimentistas, que se corporificam baseadas em projetos que não dão conta da realidade
imposta a esses jovens trabalhadores, mas que agudizam os conflitos sociais, as desigualdades
e as contradições que, neste formato societário – que apresenta fundamentação ideológica
centrada na lei geral da acumulação – não podem ser solucionados por serem consequências
factuais do próprio organismo do capital na tentativa constante de superar suas limitações.
Como delimitamos no primeiro capítulo, a ‘geração nem-nem’, composta pelos jovens
entre 15 e 29 anos que por determinados motivos – os quais serão abordados mais adiante – não
estão estudando e nem trabalhando, é um fenômeno social que faz referência aos jovens que se
encontram fora do mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, não estão frequentando a escola
ou participando de algum tipo de formação seja ela técnica/tecnológica de nível médio ou
superior.

O termo “nem-nem” (de nem trabalha, nem estuda) refere-se à população jovem fora
do mercado de trabalho e de instituições educacionais. Equivale em espanhol ao termo
“nini” (ni estudia, ni trabaja) e à sigla em inglês “NEET” para a expressão “not in
education, employment, or training”, algo como “fora da educação, emprego e a
formação profissional” (OLIVEIRA, 2019, p. 7, grifos do autor).

Esses jovens se tornaram um grande empecilho para o Estado pois representam a


defasagem das políticas públicas difundidas mundialmente através dos dados das pesquisas que
comparam os mercados de diversos países e, portanto, têm exposto a triste realidade brasileira
91

enquanto país incapacitado de gerir com presteza tanto os seus complexos sociais quanto seus
recursos.
Neste cenário de defasagem, o aumento do número de jovens nessa condição revela,
também, a maior dificuldade de os defensores da ideologia do capital exercerem sobre eles o
mecanismo de controle necessário para perpetuar, por meio de discursos demasiadamente
atraentes e obscurecidos, as relações de submissão do povo ao Estado e, deste modo, dar forma
a um grupo de mentes subversivas que possam ameaçar a ordem vigente. Este controle social,
que é difundido, por exemplo, dentro das instituições de ensino, acaba não sendo atingido
devido ao fato de a maioria desses jovens terem abandonado a escola ainda muito cedo.
A pesquisa divulgada pelo SIS do IBGE de 2019, baseada nos dados do relatório
Education at a Glance que foi elaborado pela OCDE, mostrou que o Brasil apresentava 10,9
milhões de jovens nem-nem em 2018. Isso correspondia a 23,0% dos jovens no grupo etário de
15 a 29 anos desocupados e sem frequentar a escola ou algum modelo de formação para o
trabalho. Esses dados concederam ao Brasil uma desprivilegiada posição entre os 41 países
analisados pela OCDE, a qual estipulou como média geral cerca de 13,2%. O nosso país se
manteve por vários anos entre os 5 países nas piores colocações do ranking.
O jovens desocupados, ou seja, que buscam emprego apesar de não estarem
frequentando a escola, são os que compõem as estatísticas dos jovens na condição nem-nem. Já
aqueles que, segundo as pesquisas, não participam da força de trabalho, ou seja, estão fora da
força de trabalho corresponde aos que não estão procurando emprego reverberando uma
situação ainda mais crítica.
Considerando que há uma estreita relação entre a quantidade de jovens nem-nem e os
processos formativos efetivados no Brasil, é importante abordarmos aqui algumas informações
referentes ao complexo da educação, no qual os jovens estão inseridos, ou deveriam estar, para
que possamos ter maior propriedade da relação formação x desemprego nos anos que
estipulamos analisar.
Seguindo por este caminho, elucidamos inicialmente que os dados colhidos nos
documentos analisados mostraram que a maioria dos jovens nem-nem possuem, no máximo, o
ensino fundamental como nível de instrução o que já preconiza a fragilidade dos processos
educativos elaborados para juventude trabalhadora.
Evidenciaremos também resultados de uma pesquisa realizada pela OCDE em 2018, a
qual aportou a taxa de emprego no Brasil e manteve, como aspecto relativo, o nível de instrução
das pessoas não apenas na faixa etária que comporta a juventude brasileira – 15 a 29 anos – mas
outras idades também. Diante disso, atenuamos o grau de importância dessas informações para
92

construirmos uma base de dados que corporifique nossas intenções perante nosso objeto de
análise que, como já dissemos em outros momentos, consiste em compreender a condição nem-
nem enquanto fenômeno social resultante do processo de acumulação e reprodução do capital
em contexto de crise estrutural.
Neste ínterim, baseados nas informações disponibilizadas pelo SIS do IBGE,
destacamos que, em 2018, 11,8% dos adolescentes na faixa etária de 15 a 17 anos abandonaram
a escola. Esses, portanto, não concluíram a educação básica e compõem a parcela da população
com menores rendimentos, ou seja, vivenciando uma realidade miserável. Isso implica na taxa
de analfabetismo no Brasil, a qual corresponde a 8,0% das pessoas a partir de 15 anos de idade
alocando o Brasil na 5ª posição entre os 16 países analisados na América Latina.
Os dados da PNAD Contínua (2018) mostraram também que, da população com 25 anos
ou mais, 40,0% não havia concluído o ensino fundamental; 12,6% possuíam o ensino
fundamental completo, porém ensino médio incompleto; 30,9% com o ensino médio completo,
mas ensino superior incompleto; apenas, 16,5% da população brasileira nesse grupo etário
possuíam nível superior completo.

Tabela 1 – Nível de instrução dos jovens a partir dos 25 anos de idade no Brasil em 2018

NÍVEL DE INSTRUÇÃO PROPORÇÃO (%)

Não concluíram o Ensino Fundamental 40,0%


Não concluíram o Ensino Médio 12,6%
Não concluíram o Ensino Superior 30,9%
Concluíram o Ensino Superior 16,5%

Total (25 anos ou mais) Aproximadamente 100%

Fonte: Elaborada pelo autor com base na PNADC/IBGE 2018.

E, ainda, 49,0% dos brasileiros com idade entre 25 e 64 anos não concluíram o ensino
médio o que quantificou duas vezes a média dos países analisados pela OCDE que é 21,8%. A
pesquisa, também, mostrou que a taxa de emprego entre as pessoas nessa faixa etária no Brasil
correspondia a 68,0% enquanto a média designada por ela era de 77,0%.

Tabela 2 – Relação entre nível escolar e taxa de emprego para a faixa etária entre 25 e
64 anos de 2018

NÍVEL DE INSTRUÇÃO/OCUPAÇÃO PROPORÇÃO (%)


93

Sem Ensino Médio concluído 49,9%


Ocupados 68,0%

Fonte: Elaborada pelo autor com base na EDUCATION at a glance 2018: OCDE indicators.

Observamos, a partir destes dados, uma contradição em torno do nível de instrução das
pessoas como fator significativo para a garantia do emprego. É intrigante perceber que quase
metade da população constituinte desse grupo etário não tem concluído a educação básica e, ao
mesmo tempo, 68,0% desses compõem as taxas de emprego no Brasil.
Não nos propomos aqui desconsiderar os demais 32,0% mostrando que 68,0% das
pessoas entre 25 e 64 anos estarem ocupadas é um quantitativos satisfatório, pois ainda não é.
Almejamos destacar que há uma evidente desproporcionalidade na relação qualificação –
ocupação revelada pelos dados apontados pela OCDE na tabela acima.
Todos esses dados são importantes para constatarmos que, apesar de, nos últimos anos,
o nível de instrução dos brasileiros terem aumentado de forma gradativamente lenta, a
população brasileira não atingiu médias que aproximassem o país dos patamares internacionais
no quesito educação.
Segundo as informações explanadas, as principais justificativas que levam os jovens a
não procurarem trabalho é tanto o fato de, pessoalmente, não estarem interessados em trabalhar
quanto não se sentirem preparados para assumir algum cargo.
Todavia, os dados colhidos pela PNAD Contínua de 2018 revelaram que os jovens que
estavam procurando emprego, mas que ainda estavam desocupados e sem estudar, justificaram
quatro motivos principais para o fato de estarem desempregados: a) Não haver vagas na
localidade onde residiam ou nas proximidades: 39,0%; b) Não conseguirem trabalho
compatíveis as suas necessidades pessoais (emprego adequado): 10,7%; c) Por não possuírem
experiência profissional, não eram admitidos: 6,1%; d) Consideram-se jovens demais para
trabalhar: 1,0%. Acrescentamos, portanto, que mais da metade dos jovens brasileiros nem-nem
(60,3%), em 2018, encontravam-se fora da força de trabalho o que significa dizer que não
estavam procurando trabalho.

Tabela 3 – Justificativas para os jovens brasileiros estarem desocupados/não


conseguirem emprego de 2018

JUSTIFICATIVAS PROPORÇÃO (%)


94

Não há vagas onde moram 39,0%


Não há cargos compatíveis com suas vontades 10,7%
Não se consideram devidamente qualificados 6,1%
Consideram-se jovens demais para trabalhar 1,0%

Total de jovens brasileiros desalentados 56,8%

Fonte: Elaborada pelo autor com base na PNADC/IBGE 2018.

A pesquisa denominou desalentados esses jovens brasileiros que, estando na condição


nem-nem, alegaram as justificativas anteriormente apresentadas para não procurarem emprego.
São pessoas que, do montante de 60,3% em 2018, 56,8% desistiram de procurar emprego. Em
2019, cerca de um em cada quatro jovens brasileiros compunha a condição nem-nem.
Percebemos que as justificativas apontadas pelos jovens e divulgadas pela pesquisa
recaem sobre eles próprios o fato de estarem na condição do desemprego, como se permanecer
desocupado fosse resultado de uma escolha pessoal, desconsiderando a dinâmica fragilizada do
mercado de trabalho em não se manter devidamente preparado para acolher em seus diversos
setores os jovens trabalhadores na mesma proporção que difunde a ineliminável necessidade de
constante capacitação desses.
Antes de adentrarmos ao que concerne à realidade dos jovens trabalhadores cearenses
na condição nem-nem, consideramos importante destacar que a taxa de desemprego no Brasil
em 2019 revelou-se como a segunda maior taxa na população jovem na faixa etária entre 18 e
24 anos que também não estuda o que corresponde a 13,0% dos jovens componentes desse
grupo etário.
A maior parte desses jovens estão desempregados a um ano ou mais o que contradiz a
média da OCDE – 6,0% de desempregados dentre os quais apenas 1,0% se encontraria há um
ano ou mais nessa realidade – e a da maioria dos outros países envolvidos nas análises.
A OCDE apresentou que o nível de escolaridade dos jovens influencia
fundamentalmente no fato de eles estarem ou não empregados e aportou alguns dados colhidos
em 2018 para confirmar isso.
A proporção de empregados com Ensino Fundamental completo era de 59,0%, com
ensino médio completo era 72,0% e com nível superior era 83,0%. Ao se tratar da faixa etária
equivalente aos brasileiros entre 25 e 34 anos – realizando um recorte etário mais específico –
a situação melhorou um pouco, mas sem gerar grandes mudanças já que, dos que concluíram o
ensino fundamental, 62,0% estavam empregados. As pessoas com nível médio completo
95

condiziam com a porcentagem de 73,0% e as que concluíram o ensino superior representavam


83,0%.

Tabela 4 – Taxas de emprego dos jovens no Brasil relativas ao nível de escolaridade de


2018

NÍVEL DE ESCOLARIDADE OCUPADOS (%)

Jovens com EF concluído 59,0%


Jovens com EM concluído 72,0%
Jovens com ES concluído 83,0%

Fonte: Elaborada pelo autor com base na EDUCATION at a glance 2018: OCDE indicators.

Observemos agora o nível de escolaridade dos jovens brasileiros divididos por faixa
etária especificamente. Os dados a seguir foram colhidos da PNADC/IBGE e remetem ao ano
2019. Ademais, é plausível destacar que as pessoas com maiores níveis de instrução no Brasil
são, ainda, uma menor parcela da população.

Tabela 5 – Nível de escolaridade dos jovens brasileiros por faixa etária de 2019

NÍVEL DE ESCOLARIDADE/FAIXA ETÁRIA PROPORÇÃO (%)

Jovens com EF concluído: de 15 a 17 anos 70,0%


Jovens com EM concluído: de 18 a 29 anos 67,0%
Jovens com ES concluído: de 25 a 29 anos 20,1%

Fonte: Elaborada pelo autor com base na PNADC/IBGE 2019.

Interessante a divisão da taxa de emprego por gênero aportada, também, na pesquisa da


OCDE que evidenciou o impacto que a escolaridade tem sobre as mulheres, as quais mantém,
conforme os dados apresentados, níveis de ocupação mais baixos que os homens. Tendo o nível
de escolaridade como requisito, os resultados da pesquisa mostraram que, com a etapa
fundamental concluída, homens representavam 89,0% enquanto mulheres cerca de 45,0%;
tendo concluído a educação básica, ou seja, o ensino médio, 84,0% dos homens estavam
empregados enquanto que 63,0% das mulheres se encontravam ocupadas. Já, com o nível
superior concluído, 76,0% dos homens estavam ocupados enquanto que 82,0% das mulheres se
encontravam empregadas.
96

Tabela 6 – Taxa de emprego no Brasil a partir do nível de escolaridade e dividida por


gênero de 2018
NÍVEL DE ESCOLARIDADE OCUPADOS POR GÊNEROS

Jovens com EF concluído H: 89,0% - M: 45,0%


Jovens com EM concluído H: 84,0% - M: 63,0%
Jovens com ES concluído H: 76,0% - M: 82,0%

Fonte: Elaborada pelo autor com base na EDUCATION at a glance 2018: OCDE indicators.

Essa pesquisa nos possibilitou constatar que, em se tratando de Ensino Fundamental e


Ensino Médio concluídos, maior quantidade de homens se encontrava ocupada quando
comparada à quantidade de mulheres. No entanto, ao nos atermos ao Ensino Superior concluído,
percebemos que o quadro se inverte devido ao maior número de mulheres com esse nível de
instrução estarem ocupadas em detrimento dos homens também com nível superior de
escolaridade comprovada.
Outro aspecto importante a se considerar é o problema do atraso escolar – distorção
idade/série. Esse significativo desalinhamento presente na realidade escolar dos jovens se
apresenta com maior intensidade na faixa etária de 15 a 17 anos equivalendo a 23,1% dos jovens.

Tabela 7 – Proporção de jovens brasileiros entre 15 e 17 anos na condição nem-nem que


estão na situação de atraso escolar/distorção idade/série ou abandonaram a escola de
2018
JOVENS NEM-NEM (15 – 17 ANOS) PROPORÇÃO (%)

Em atraso escolar/distorção idade/série 23,1%


Abandonaram a escola antes de concluírem a EB 11,8%

Jovens nem-nem (15-29 anos) em atraso escolar no Brasil 33,6%

Fonte: Elaborada pelo autor com base na EDUCATION at a glance 2018: OCDE indicators.

Esse atraso também repercute nos jovens com idades que variam entre 18 e 24 anos, os
quais, diante desse período etário, deveriam estar se matriculando no Ensino Superior. Mas, os
resultados da pesquisa apresentaram que apenas 11,0% dos jovens brasileiros faziam parte desta
97

realidade, ou seja, cerca de 2,5 milhões, dentre os quais 83,2% estavam ainda frequentando o
ensino médio e 16,8% estavam no fundamental.
Outra importante problemática que contribui bastante para que os jovens incrementem
as taxas de desemprego é o abandono escolar, o qual é mais frequente entre os jovens na faixa
etária entre 18 e 24 anos. Desses, 63,0% que também se encontram na condição nem-nem,
abandonaram a escola antes de concluírem a educação básica.
Isso implica afirmarmos que as metas 2 e 3 estabelecidas pelo Plano Nacional de
Educação (PNE) em 2014 que terão vigência até 2024 – Lei nº 13.005/2014 – de adequar a
idade dos alunos à série ou à etapa de ensino não foram alcançadas ainda. Essas metas
estabelecem o que não foi efetivado até hoje.

META 2 Universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos para toda a população


de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos e garantir que pelo menos 95% (noventa e cinco por
cento) dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último anos de
vigência deste PNE.
META 3 Universalizar, até 2016, o atendimento escolar ara toda a população de 15
(quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE,
a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento)
(BRASIL, 2014).

A taxa líquida referente à frequência escolar divulgada em 2018, que considera para seu
estabelecimento a proporção de alunos que frequentam cada etapa da educação básica ou que
já as concluíram em adequação com a idade, destacou que 96,1% eram do 1º ao 5º ano, 86,7%
eram do 6º ao 9º ano e apenas 69,3% eram da 1ª a 3ª série do ensino médio. Esses números
demonstram que há muito o que fazer por parte das políticas educacionais para que as metas
sejam alcançadas em quatro anos.
Dados de um ano anterior, 2017, revelaram que 21,0% da população entre 19 e 20 anos
estava matriculada em cursos de graduação – nível superior de ensino – no Brasil. Essa
quantidade, que diverge da média estabelecida pela OCDE que é 37,0%, corresponde ao menor
percentual de matrículas no Ensino Superior entre os países analisados. Os dados colocam o
Brasil abaixo da Colômbia (27,0%), do México (28,0%), da Argentina (35,0%) e do Chile
(50,0%).
Do público jovem brasileiro que conseguiu adentrar, permanecer e concluir esse nível
de ensino, apenas 18,3% eram pardos ou pretos enquanto que 36,1% eram brancos. Esses dados
refletem a evidente desigualdade social através da raça que tem ainda influenciado o grau de
instrução dos jovens brasileiros. Ao considerar a renda dos jovens e dos seus ambientes
familiares, dos que mantinham melhores condições de renda, 63,2% frequentavam o Ensino
98

Superior enquanto que da parcela da população na condição de pobreza, a qual constitui a maior
parte, a massa popular, apenas 7,4% cursavam esse nível de ensino.
A consistência dessas informações nos permite adentrar à realidade da juventude
cearense que tem sofrido os impactos do desemprego em larga escala. As consequências do
desemprego são como cicatrizes que serão carregadas ao longo da vida desses jovens que se
encontram vivenciando a fase primordial de construção material basilar de seus futuros. Os
impactos do presente repercutirão em seus futuros enquanto reflexos da falta de apoio mínimo
para que esses jovens trabalhadores deem conta das suas necessidades materiais básicas de
sobrevivência. Diante do que foi exposto até aqui, é plausível afirmamos, destarte, que a
geração nem-nem do agora reverbera nas gerações posteriores.

4.2.1 As marcas do desemprego na vida dos jovens trabalhadores cearenses que compõem a
condição nem-nem

O IBGE destacou o Ceará como o 6º estado do país com maior quantidade de jovens na
condição nem-nem. O ranking é liderado por Alagoas. A maior parte destes jovens compunha
a parcela da população com menores rendimentos domiciliares per capita.
Os dados correspondentes ao ano de 2018, disponibilizados pelo IPECE-Informe,
permitem-nos delimitar que, dos quase 600 mil jovens nem-nem, 42,3% se encontravam em
condição de pobreza. As mulheres, apesar de mais escolarizadas, predominavam com 28,4%
enquanto que os homens correspondiam a 17,6%. No caso das mulheres negras e pardas a
situação era ainda pior.
Uma pesquisa difundida pelo jornal Diário do Nordeste em fevereiro de 2019 foi
realizada em território cearense e baseada no Boletem Trimestral da Juventude, que acompanha
os indicadores de educação e mercado de trabalho da população, sobre a condição nem-nem
divulgou que o número de jovens desocupados e sem frequentar a escola ou algum processo
formativos diminuiu nos últimos anos. Mais especificamente 10,0% de 2017 a 2019.
Em 2017, o estado do Ceará possuía aproximadamente 700 mil jovens nem-nem. Já em
2018, esse número caiu consideravelmente para 615 mil e, até o terceiro trimestre de 2019, a
redução permaneceu e, mesmo em ritmo mais lento, chegou a 597 mil pessoas (28,0%). Todavia,
essa queda não apresenta razões para ser comemorada já que os valores permanecem oscilando
de acordo com os grupos etários que comportam os jovens na condição nem-nem de 15 a 17
anos, de 18 a 24 anos e de 25 a 29 anos.
99

Essa redução foi respaldada pelo aumento na frequência escolar entre os jovens
cearenses de 15 a 29 anos que cresceu 5,6% entre 2012 e 2019 contemplando a média de 37,0%.
No entanto, esse valor permanece abaixo da média do Nordeste (39,0%) e da nacional (38,0%)
conforme os dados disponibilizados pelo Boletim Trimestral da Juventude nº 03/2019.
O aumento da frequência escolar e, ainda, a redução da desocupação por parte dos
jovens entre 15 e 17 anos de idade atingiu 91,0% o que superou as média do Nordeste (88,0%)
e do Brasil (90%). Desses, um montante de 73,0% concluíra o ensino fundamental superando,
também neste quesito, as médias do Ne e nacional (61,0% e 70,0% respectivamente). Isso
implica na maior quantidade de jovens (15 a 29 anos) com o ensino médio concluído (acréscimo
de 5,5% entre 2017 e 2018).

Tabela 8 – Escolaridade dos jovens brasileiros: médias local, regional e nacional


divididas em três grupos etários diferentes em 2019
GRUPO ETÁRIO CEARÁ (%) NORDESTE (%) BRASIL (%)

De 15 a 17 anos 73,0% 61,0% 70,0%


De 18 a 29 anos 64,0% 67,0% 58,0%
De 25 a 29 anos 14,3% 20,1% 13,8%

Fonte: Elaborada pelo autor com base no Boletim Trimestral da Juventude 2019.

Os levantamentos que expuseram a proporção de jovens (18 a 29 anos) que concluíram


o ensino médio atingiram a porcentagem de 64,0% em 2019. Em 2012, esses correspondiam a
51,2%, em 2018 eram 62,7%. A proporção entre 2012 e 2019 representa um aumento bastante
significativo (24,2%) e importante para compreendermos o que teria impulsionado, segundo o
Diário do Nordeste, a redução na quantidade de jovens nem-nem no Ceará.
Esse aumento da frequência escolar implicaria na redução da quantidade de jovens nem-
nem, pois um dos critérios que caracterizam esses indivíduos, como já apontamos, é o fato de
eles não estarem frequentando a escola. No entanto, é importante destacarmos novamente que
não apenas a formação escolar dos jovens, principalmente dos que compõem as camadas menos
privilegiadas da sociedade, é a solução para o problema do desemprego, o qual, enquanto
percalço resultante da ordem capitalista em processo de reprodução sobre contexto de crise,
constará como condição presente na realidade dos trabalhadores.
A redução ocorreu entre 2017 (700 mil jovens nem-nem) e 2019 (597 mil jovens nem-
nem). No entanto, a quantidade de jovens cearenses nessa condição ainda tem aumentado no
100

intervalo de 2018 a 2019 principalmente entre os que estão na idade de 18 a 24 anos, a qual é a
fase considerada mais crítica segundo os levantamentos. A proporção de jovens nem-nem é
sempre maior nessa faixa etária justificada pelo fato de a transição desses para o mercado de
trabalho se intensificar ao atingirem a maioridade acompanhando-os até a fase pré-adulta. A
partir dos 25 anos, a quantidade de jovens nessa condição reduz. Os dados que serão mostrados
a partir de agora confirmam nossas assertivas.

Tabela 9 – Variações na proporção de jovens na condição nem-nem no Ceará dividida


em três grupos etários diferentes em 2012, 2018 e 2019
GRUPO ETÁRIO 2012 (%) 2018 (%) 2019 (%)

De 15 a 17 anos 12,0% 7,0% 7,5%


De 18 a 29 anos 32,0% 33,6% 35,2%
De 25 a 29 anos 32,0% 32,4% 31,0%

Fonte: Elaborada pelo autor com base no Boletim Trimestral da Juventude 2019.

Os documentos das pesquisas por nós analisados em suas versões mais atualizadas
correspondem ao 3º trimestre do ano passado (2019) e mostram que a quantidade de jovens
nem-nem no Ceará nesse período era equivalente a 597 mil pessoas na faixa etária de 15 a 29
anos. Esses quase 600 mil jovens correspondem a 28,0% da juventude contemplando
especificamente esse grupo etário que ainda estão fora da força de trabalho e fora da escola.
A variação a curto prazo – comparativo quantitativo entre 2018 e 2019 – revelou um
acréscimo de 0,9% e, considerando a variação a longo prazo, que compara os anos de 2012 a
2019, percebemos um aumento de 4,3% em sua composição que estava subdividia em três
grupos etários: a) De 15 a 17 anos (7,5%); b) De 18 a 24 anos (35,2%); c) De 25 a 29 anos
(31,0%). A situação mais crítica, como aportamos a pouco, revela-se na faixa etária dos 18 aos
24 anos, período no qual os jovens deveriam estar concluindo a educação básica e ingressando
no nível superior.
Considerando o intervalo entre 2018 e 2019, os acréscimos ocorrem em duas das três
subdivisões etárias como mostrou o Boletim Trimestral da Juventude n. 03/2019. Na faixa etária
de 15 e 17 anos, apesar do aumento na frequência escolar apontada anteriormente, houve uma
variação de 1,2% para mais. Porém, é plausível acrescentarmos que de 2012 a 2019 houve uma
redução equivalente a 35,0% na proporção dos jovens nem-nem que fazem parte desse grupo
etário. Já na faixa dos 18 aos 24 anos, recortando o mesmo período (2018-2019), o valor
101

observado foi o aumento na proporção de 4,1% de um ano para outro e 10,0% acima do valor
constatado em 2012.
No que condisse à faixa etária de 25 a 29 anos, os dados apontaram uma redução de 1,8%
em 2019 quando comparado a 2018 e a proporção reduzida de 1,4% frente ao valor observado
em 2012. Os jovens que compõem esse grupo etário, bem como os que estavam entre 15 e 17
anos, pareciam ter, mesmo que de forma gradativamente lenta, conseguido se sobressair dessa
triste condição não causada por eles próprios.
Os dados se organizavam também pelo critério do gênero: mulheres (35,0%) e homens
(21,5%) o que nos permitiu afirmar ser o gênero feminino o que mais compõe a condição de
desemprego concomitante ao abandono escolar.

Tabela 10 – Variações na proporção de jovens na condição nem-nem no Ceará dividida


em três grupos etários diferentes e por gênero em 2012, 2018 e 2019
GÊNERO 2012 (%) 2018 (%) 2019 (%)

Mulheres 34,0% 38,0% 35,0%


Homens 19,0% 25,0% 21,5%

Fonte: Elaborada pelo autor com base no Boletim Trimestral da Juventude 2019.

Assim como, a questão da raça: negros e pardos (27,0%), enquanto brancos (25,0%) e
indígenas e asiáticos (30,0%) o que evidencia a disparidade racial como aspectos inerentes às
desigualdades.

Entre negros e pardos, a proporção é de aproximadamente 27% em 2019.T3, 0,2%


abaixo do valor observado em 2018.T3 e 14,5% acima do valor observado em 2012.T3;
Entre brancos, a proporção é de aproximadamente 25% em 2019.T3, 3,3% acima doo
valor observado em 2012.T3; Entre indígenas e asiáticos, a proporção é de
aproximadamente 30% em 2019.T3, 0,8% abaixo do valor observado em 2018.T3 e
22% acima do valor observado em 2012.T3 (IPECE, 2019).

É intrigante a pouca diferença entre as porcentagens que referenciam os jovens


trabalhadores cearenses na condição nem-nem classificados como negros-pardos e brancos.
Não é nossa intenção questionar a forma como o IBGE classifica a população cearense quanto
a raça, mas a pouca variação entre 27% (negros e pardos) e 25% (brancos) causa uma sensação
duvidosa diante dos levantamentos.
102

Quanto à questão territorial, que aportou a porcentagem dos jovens nem-nem divididos
por regiões onde residiam, os dados apresentados eram: os residentes em Fortaleza (23,5%), os
residentes nas Regiões Metropolitanas de Fortaleza (27,0%) e os que moravam no interior
(30,4%) destacando que a maior quantidade de jovens cearenses nessa condição se concentrava
no interior do estado.
Uma outra pesquisa realizada em 2019 na Universidade Estadual do Ceará desvelou o
perfil dos jovens residentes na periferia do estado e os principais motivos que justificavam esses
indivíduos não estarem trabalhando, nem tampouco estudando, e, ainda, não procurarem algum
tipo de ocupação. Os elaboradores da importante pesquisa, a qual teve início em outubro de
2018 e abordou 150 jovens, por meio de entrevista, dos quais 66,6% eram mulheres e 33,3%
eram homens, da região denominada Grande Bom Jardim – localizada na periferia de Fortaleza
– que é composta por cinco bairros dentre os mais pobres da capital, deram nova denominação
aos jovens nessa condição: Geração Nem-nem-nem.
Essa geração, como os dados disponibilizados pela pesquisa destacaram, é composta
predominantemente por jovens mulheres, em sua maioria, negras e mães que residiam com os
pais. Suas famílias estavam cadastradas no programa Bolsa Família do governo federal, ou seja,
usufruíam de renda familiar inferior a um salário mínimo. Elas, ainda, eram ex-alunas das
escolas públicas e abandonaram a escola devido a terem engravidado precocemente. A
submissão aos maridos na concepção de contrato matrimonial ou pela união informal e o
desinteresse pela formação escolar foram, também, as principais justificativas alegadas por elas
para terem abandonado os estudos ainda sem terem concluído o ensino fundamental.
Esse desinteresse foi, também, colocado como o principal motivo alegado pelos homens.
Em geral, portanto, corresponde ao motivo mais respondido pelos dois gêneros, mas é válido
ressaltar que eles não descartaram a necessidade de conseguir um trabalho – emprego que não
é conseguido facilmente devido às poucas oportunidades disponibilizadas pelo mercado para
esse público que piora quanto mais se agudiza o contexto de crise política e econômica – a fim
de complementar a renda familiar. Pois, apesar de comporem o quadro do desemprego juvenil
em larga escala na sociedade atual, evidenciaram que pretendem trabalhar (89,0%) e voltar a
estudar (78,0%). Por fim, a terceira maior justificativa para o abandono escolar evidenciada foi
a gravidez precoce, no caso das meninas/mulheres, e da paternidade no caso de alguns jovens
homens. Esses pretextos corresponderam às três motivações mais declaradas pelos jovens que
participaram da pesquisa.
É importante clarear que essa geração não está completamente inativa. Muitos deles
realizam, dentro dos seus limites, atividades para angariar alguns trocados necessários a sua
103

sobrevivência. Essas atividades, denominadas “bicos”, são irrelevantes tanto para as pessoas do
próprio bairro, quanto para o Estado e, até mesmo, para eles próprios que não as consideram
trabalho formal.
Uma das importantes marcas deixadas pela pesquisa foi a relação entre o desemprego
juvenil na periferia e o alto índice de violência que impacta a região. Essa criminalidade
frequente seria derivada dos conflitos entre as facções e não poderia deixar de ser considerada
pois interferem na mobilidade da população e, com isso, impedem os moradores de
ultrapassarem os perímetros estabelecidos pelos líderes das gangues.

[...] desde o começo de 2016, as facções começaram a guerrear no Grande Bom Jardim,
o que afetou a vida dos moradores. A atuação dos grupos organizados rivais dentro
do grande Bom Jardim impede a passagem de residentes entre os bairros, impactando
a circulação de jovens para serviços básicos como escola e posto de saúde
(DIÓGENES, 2019).

Foi posto pela pesquisa que essa falta de mobilidade acomoda os jovens, os quais, presos
ao perímetro que lhes são impostos, não usufruem da mínima liberdade de estudar ou trabalhar
em outros bairros. Isso, na maioria das vezes, torna-se uma forma de incrementar o exército da
criminalidade, pois são empurrados a optar pela vida criminal por não verem outra forma de
complementar a renda familiar.
O medo e a repressão caracterizam a história dessa juventude trabalhadora e periférica
que é ignorada pelo Estado, o qual prefere deixá-la esquecida, sem efetivar as políticas públicas
de combate à violência que promete em momentos de organização da sua composição política
como forma articulada de manter o nicho eleitoral necessário para a constante reeleição dos
seus membros e, desta forma, reproduzir o seu modelo governamental.
Neste ambiente, a escola, que não é desenvolvida de modo a se apropriar da realidade
dos jovens que compõem as camadas mais baixas da sociedade, é organizada como espaço de
propagação da ordem vigente, é instrumento de consolidação das perspectivas de reprodução e
acumulação do capital e, cada vez mais distanciada do interesse em se propagar enquanto
ambiente atrativo para os jovens na condição de pauperismo, fomenta a difusão do
empreendedorismo e da competitividade entre os indivíduos através dos currículos derivados
das políticas educacionais elaboradas pelos centros de comando do capital.
Os tema centrados nos problemas da juventude são secundarizados. A gravidez na
adolescência, o combate à violência, a superação da condição de pobreza, a construção coletiva
de uma sociedade mais justa e igualitária dentre outras temáticas têm sido substituídas pela
difusão do empreendedorismo e da produtividade respaldadas pela necessidade
104

desenvolvimentista de formar os trabalhadores a partir do que pregam a Teoria do Capital


Humano, a sociedade do conhecimento, a pedagogia das competências que fogem da realidade
precarizada desses jovens, os quais priorizam apenas ter condições mínimas para viver um dia
após o outro.
É neste contexto que o exército industrial de reserva ganha força, engrossa as filas do
desemprego, contribui para a consolidação do capitalismo, o qual, em meio à crise sem
precedentes, prioriza perpetuar sua lógica de dominação mesmo que, para isso, a criminalidade
cresça bem como os sacrifícios vivos dos jovens trabalhadores periféricos vítimas da violência
enquanto o Estado, usando as máscaras das políticas públicas e, cobertos pelo discurso de
promoção do estado do bem-estar coletivo, foca prioritariamente em transbordar os cofres
públicos sem efetivar projetos de transformação da realidade da juventude brasileira refém da
condição nem-nem.
105

5 CONCLUSÃO

A condição nem-nem da juventude brasileira no contexto do desemprego estrutural se


tornou um fenômeno social de grande proporção e, cada vez mais, merecedor de atenção por
parte dos formadores das políticas públicas pois, além de contribuir diretamente para o
aprofundamento das desigualdades sociais, fomenta a convivência dos jovens com a violência
e com a criminalidade e, ainda, impede o desenvolvimento intelectual e material da juventude.
Essa crescente onda tem preocupado também os defensores do capital já que eles
acreditam que a juventude comporta a parte mais produtiva da mão de obra, a qual é elemento
ineliminável para a sustentação da produção e, portanto, manutenção da economia. Isso
significa conceber que, para a ordem da acumulação privada das riquezas produzidas
coletivamente, quanto maior for o montante de jovens entre 15 e 29 anos fora do mercado de
trabalho e dos processos formativos de toda espécie, maior será a barreira contra a formação do
capital humano implicando no retardamento da produção e, desta forma, ameaçando as
perspectivas do capitalismo em atingir os patamares mais altos da lucratividade.
A lógica do capital concentra na juventude, destarte, a responsabilidade pela produção
da riqueza pressionando-a para que esses jovens deem conta da demanda ativa de mão de obra
justificada pelo processo de acumulação disfarçado de desenvolvimento. No caso do Brasil, por
exemplo, a maior parte da população é composta por jovens trabalhadores adultos
sobrecarregados com o compromisso de impulsionar, ao custo de suas vidas em forma de
trabalho explorado, a produção das riquezas que, ao final do processo, são a eles negadas.
A maior parte dos jovens nem-nem brasileiros, como expusemos anteriormente, compõe
as regiões mais periféricas do país e descendem das famílias em maiores condições de
vulnerabilidade. A maioria é representada por mulheres, as quais são negras ou pardas, ex-
alunas de escolas públicas e que já carregam sobre seus ombros o desafio da maternidade
precoce.
Os dados levantados pelas diversas pesquisas que nos propusemos analisar destacaram
o abandono escolar como fator primordial para a transição dos jovens à condição nem-nem.
Esses jovens, que ainda em idade escolar deixaram de frequentar a escola, teriam justificado
três motivações primordiais: 1. A busca pelo emprego; 2. A falta de interesse em estudar; 3. A
gravidez (ou paternidade) precoce.
O IPECE-Informe de 2018 destacou que a razão do desinteresse dos jovens em
frequentar a escola é algo que precisa ser considerado para a melhor compreensão do fenômeno
106

já que a maior parte deles, na faixa etária de 15 a 17 anos e, ainda, na fase de conclusão do
ensino fundamental, não tem priorizado a formação escolar.
Diante desses pretextos difundidos pelas agências que colheram as informações, as
quais não contemplaram as questões histórico-materiais em que vivem o público alvo das
investigações, permitimo-nos argumentar:
a) A realidade do pauperismo, na qual esses jovens estão inseridos, permite que eles
encontrem na formação escolar precarizada a importância que se sobressaia diante da
necessidade de ter uma renda complementar que suavize a situação de fome e de miséria?
b) Frente a tantos paradigmas educacionais formulados para os países de capitalismo
periférico e que se configuram como base para universalização do ensino em todos os níveis da
formação da classe trabalhadora, por qual motivo há tanto desinteresse por parte dos jovens em
suas formações? E, ainda, o que os formadores das políticas públicas têm feito para motivar a
permanência desses jovens na escola?
c) No que concerne à gravidez (paternidade) precoce, onde estão os programas de
orientação sexual que sinalizam aos jovens as consequências de gerar um filho em idade
adolescente? E mais: que apontem a importância da prevenção?
d) Nas escolas públicas, têm sido desenvolvido programas educacionais através de
conteúdos e atividades compatíveis com a realidade da juventude brasileira componente das
camadas menos privilegiadas a fim de promoverem, de fato, o desenvolvimento pleno das suas
habilidades para que, a partir dessas formações, eles conquistem a prometida vaga no
competitivo mercado de trabalho independente do nível de crise política e econômica que assola
a realidade do trabalhador brasileiro? Essas vagas vêm sendo garantidas a todos que concluem
a educação básica e superior em qualquer modalidade?
Esses questionamentos nos permitem refletir sobre a dialética que envolve a formação
da juventude brasileira e o mercado de trabalho. Observarmos a partir daí que, diante dos
quantitativos do desemprego bem como das oscilações pouco variadas no montante de jovens
na condição nem-nem – não apresentaram grandes diferenciais entre os anos de 2017 e 2019
através dos dados capitados nas pesquisas e mostrados aqui – a escola pública enquanto espaço
em que os procedimentos precarizados de qualificação elementar dos jovens trabalhadores se
processam – representadas atualmente pelas escolas profissionalizantes – não tem possibilitado
a quebra dos grilhões da subalternidade entre a classe trabalhadora e as condições de trabalho
impostas pela ordem vigente, mas aprofundado essa relação de exploração por estar cada vez
mais tomada pela classe dominante como instrumento de difusão da sua ideologia.
107

No caso específico das meninas que engravidam precocemente, essa justificativa nos
causa desconforto já que a própria realidade tem mostrado o quanto as mulheres têm buscado
trilhar caminhos que não desembocam nesse destino. Ingressamos a terceira década do século
XXI que acentua a ascensão feminina frente a certos tabus apregoados pela cultura machista no
histórico da humanidade representada pela crescente onda de empoderamento feminino, pelo
destaque que o feminismo tem conquistado nos centros dos debates sobre a igualdade entre os
gêneros bem como a maior inserção das mulheres no mercado de trabalho.
A vista do real não nega que há muito o que ser conquistado pelas mulheres na questão
do seu reconhecimento neste metabolismo social que ainda carrega raízes da antiquada
‘suprema’ masculina. Todavia, a questão da gravidez precoce ser uma ‘mazela’ evidente na
vida de muitas mulheres, por ser um dos empecilhos que as impede de ascender socialmente,
parece contradizer as perspectivas de expansão da autonomia feminina e de conquista dos
diversos espaços na sociedade.
Vivenciamos um momento de retirada dos direitos que restam aos trabalhadores e às
novas gerações que, no futuro próximo, comporão essa classe. Neste contexto, a formação
escolar não é suficiente para dar conta dos conflitos sociais inerentes à sociedade caracterizada
pelas desigualdades que privilegiam poucos, mas que é composta por muitos. Mesmo tendo
isso respaldado pela razão dialética das relações entre os complexos sociais, a formação técnica
de nível médio e superior (na forma de graduação tecnológica), enquanto modalidade
evidenciada por nós nesta pesquisa com a finalidade de respeitar o rigor exigido pelo nosso
objeto de estudos, é defendida como um meio que potencializa a inserção dos jovens no
mercado de trabalho.
Considerando os fatores que influenciam na empregabilidade da juventude cearense,
achamos importante acrescentar que a oferta e a procura por essa modalidade educacional têm
crescido bastante no Ceará, o qual tem respondido, em termo quantitativo, às médias
estabelecidas em nível nacional. Segundo os dados disponibilizados pelo IPECE-Informe de
2018, a maior parte dos jovens entre 15 e 29 que se formaram técnicos ou tecnólogos residem
no interior do estado. Porém, eles têm atuado na capital já que é em Fortaleza onde se encontram
as maiores oportunidades de atuarem em diversos setores da produção.
Observando isso, constatamos um desalinhamento espacial entre formação
técnica/tecnológica e a demanda insuficiente do mercado, o qual, para manter a lei da
acumulação e da reprodução em seu momento mais crítico, promove o incremento do exército
industrial de reserva e da condição de extrema pobreza para grande parte da população
trabalhadora. Dentre os que compõem essa classe, os que melhor representam o pauperismo
108

que contradiz às perspectivas de produção da riqueza, Marx denominou lumpemproletariado.


Esse mercado, com demanda insuficiente de empregos mas sustentado pelo ideal da
produtividade, propaga a necessidade de formação da juventude centrada na perspectiva de
tornar o jovem trabalhador mais flexível e, portanto, mais produtivo estimulando, desta forma,
a formação do capital humano em função do desenvolvimento econômico.
A analogia encontrada nesse processamento é representada pelo grande número de
desempregados, dentre os quais está incluída a geração nem-nem, compondo o histórico social
enquanto problemática que não pode mais ser desconsiderada, mas ainda é, em meio aos
inúmeros paradigmas educacionais formulados pelos grandes centros de comando do capital –
BM e FMI – respaldando os anseios desenvolvimentistas que mais parecem mecanismos de
controle e dominação dos países periféricos.
Em 2017, por exemplo, o aquecimento da economia no estado do Ceará promoveu uma
maior redução do número de jovens cearenses na condição nem-nem devido ao mercado ter
possibilitado uma maior absorção desses jovens para darem conta das demandas da produção.
No entanto, essa abertura não considerou o nível de escolaridade dos jovens, os quais já
comportavam uma maior frequência escolar conforme os dados apresentados pelo IPECE-
Informe (2018), ao estabelecer uma redução salarial, que impactou fortemente no poder de
consumo básico dessa considerável parcela da sociedade, justificando esse retrocesso como
ajuste salarial em função das consequências deixadas pela crise política e econômica que se
alastrou pelo país a partir de 2014.
Neste cenário, a expansão do capitalismo, que se desenvolve através acumulação da
riquezas produzidas tanto pelos trabalhadores em atividade quanto pela superpopulação relativa
sujeita ao que o sistema decidir operar em favor de si próprio, mascara a baixa abertura
comercial e os choques macroeconômico, representados pelas crises, enquanto fatores que não
podem ser relevados quando a questão se trata da taxa de empregabilidade dos profissionais,
ou seja, independentemente de suas formações, conjunto de habilidades e, portanto,
competências, o problema desemprego, enquanto fator que assola a tanto juventude
trabalhadora quanto os demais grupos etários da população brasileira, não será solucionado pelo
alcance do maior nível de escolaridade das pessoas.
As contradições reverberadas nas conquistas dos mais altos níveis das habilidades
humanas por uma menor parte da população repercute no bloqueio da evolução intelectual,
material, de milhares de outros indivíduos obrigados a conviverem com as mais extremas
condições de pobreza. Esses últimos não veem importância em práticas para além da
alimentação e da reprodução que representam as necessidades fisiológicas indispensáveis para
109

a sobrevivência. Eles retornam, em pleno século XXI, a primitividade, pois não encontram
razão na permanência da formação escolar caracterizando o quadro de barbárie que
vivenciamos hoje.
Contudo, não podemos responsabilizar os próprios indivíduos componentes da classe
trabalhadora por seus destinos. Defender a educação nos moldes capitalistas é arriscado e
injusto como a maior parte dos seus processos.
A escola, que aprofunda a dicotomia educacional por ter sido tornada nicho
mercadológico diante da necessidade de formação, seja ela técnica/tecnológica de nível médio
ou superior, precisa seguir os paradigmas formativos elaborados pelo Banco Mundial e pelo
FMI de modo a manter o jovem-estudante-trabalhador subjugado a esses ditames como
condição para estar inserido no mercado de trabalho e, desta forma, sujeitar-se a condição de
mercadoria sem grande valor no processo de acumulação sem reconhecer que é indispensável
para a produção.
Este cenário apresenta, a vista do que foi constatado, o desemprego da juventude com
taxas bem elevadas e composto por jovens que, em contexto de miséria, querem trabalhar, mas
abandonaram a escola – como é o caso dos jovens nem-nem – sem terem concluído a formação
elementar e, assim, não estão preparados para concorrer ao número de vagas cada vez mais
limitadas nos escassos processos seletivos.
Retomando, por conseguinte, o nosso objetivo geral, que consiste em analisar a condição
‘nem-nem’ da juventude brasileira no contexto do desemprego estrutural tomando por
contraponto as influências das reformas educacionais na educação profissional, o qual orientou
as nossas análises no que concerne à condição ‘nem-nem’ da juventude trabalhadora brasileira
no contexto do desemprego estrutural: investigando a relação trabalho, educação e a
(de)formação profissionalizante pelo qual percorre nossa pesquisa, permitimo-nos confirmar
que os jovens nem-nem, que assumem a convivência com os cotidianos mencionados aqui, são
frutos da vulnerabilidade do próprio processo. Eles representam parte das mazelas geradas pela
fragilidade processual do sistema do capital, o qual, para manter o resultado da produção
centrada nas mãos de uma menor parte de indivíduos, produz o desemprego juvenil em larga
escala, o exército industrial de reserva e o lumpemproletariado, os quais, ao mesmo tempo,
tornam-se combustíveis para a manutenção dessa ordem.
Considerando o que foi posto sobre a TCH e sobre concepção de formar trabalhadores
para preencher as demandas dos diversos setores do mercado, tomamos a liberdade de revestir
a TCH como uma simples metodologia articulada a obedecer os ditames do império
estadunidense em seu projeto de ampliação e consolidação do modo de produção do capital
110

colocando-a em seu devido lugar e, desta forma, fazendo-a perder a força dada a ela enquanto
teoria neste processo primeiramente interessado em colocar mais valor ao produto de seu fim
independente da qualificação da força de trabalho.
Por fim, ratificamos aqui a não defesa dos processos educativos nos molde capitalistas
e reconhecemos o complexo da educação como campo de luta indispensável para a difusão dos
ideais de uma sociedade que priorize a igualdade entre os indivíduos considerando as
particularidades e o desenvolvimento pleno de cada um.
Sabemos que esse modo de processar a educação só se efetivará em um formato
societário diferente do que vigora atualmente e é por este novo metabolismo social que
resistimos e persistimos em defender um sistema educativo que promova plenamente a
evolução das potencialidades dos indivíduos sem distinções, que fortaleça a concepção crítica
nos jovens-estudantes-trabalhadores a fim de que eles se tornem capazes de impulsionar a luta
pela superação da sociedade de classes e, desta forma, promovam a liberdade de todos os
homens bem como um mundo onde os jovens nem-nem sejam uma realidade inexistente.
111

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