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CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
FORTALEZA – CEARÁ
2020
THAYNÁ COSTA MARQUES
FORTALEZA – CEARÁ
2020
À juventude trabalhadora pobre e periférica do
Brasil, a qual, em momento de retirada dos
direitos que lhes restam, permanece firme na
luta diária pela sobrevivência.
AGRADECIMENTOS
A Deus, primeiramente. A fé que carrego me ajudou a apreender o que precisei até aqui.
Aos meus pais, Walfredo da Costa Souza e Simone Marques Costa, que sempre priorizaram a
minha educação e, desde o começo, ‘seguraram as pontas’ quando decidi me dedicar à
realização do sonho de seguir a carreira acadêmica. Eles são o que eu tenho de mais valioso.
A minha única e amada irmã, Thaissa Costa Marques, que, apesar de mais jovem que eu, tem
se mostrado uma jovem trabalhadora periférica humanamente consciente e determinada a
combater as injustiças sociais.
Ao meu noivo, Franklin Carvalho Fernandes, que vivenciou todo o árduo, mas gratificante,
processo de construção desta pesquisa comigo. Variadas sensações causaram diversas
oscilações de humor e a paciência dele foi fundamental para que concluíssemos juntos. Eu não
evoluí sozinha.
Aos meus familiares que me motivaram sem sessar nesta empreitada. Minhas tias: Lorena
Marques, Silvanira Marques, Silvânia Marques; meu tio: Elano Marques; minhas primas: Ivna
Marques e Sofia Marques; minha avó: Euzenir Moura Marques. Sem dúvidas, eu não ando só.
À Profa. Dra. Betânia Moreira de Moraes que me orientou durante o processo de objetivação
desta pesquisa.
A Karl Marx, György Lukács, István Mészáros e seus intérpretes clássicos pelos legados por
eles deixados. A compreensão do metabolismo social sobre o método de interpretação
desenvolvido por esses autores possibilitou uma visão clara dos complexos que, de forma
dialética, constituem a sociedade dividida em classes antagônicas e, portanto, incentivou a
fundamentação de uma concepção crítica e transformadora da realidade posta.
Aos professores doutores Frederico Jorge Ferreira Costa, José Deribaldo Gomes dos Santos,
Josefa Jackline Rabelo, Maria das Dores Mendes Segundo e Ruth Maria de Paula Gonçalves
que, com suas experiências, habilidades, competências, carismas, gentilezas, paciências e
sensibilidades, tornaram o processo muito mais confortável e, portanto, prazeroso. É motivador
aprender com eles. Agradeço por eles terem acreditado em mim.
Aos meus colegas de grupos de estudos. Nossos encontros foram, e continuam sendo, de
fundamental importância para o meu avanço intelectual e aprimoramento diante do meu objeto
de estudos. Agradeço por todo suporte e acompanhamento. Esta conquista também é de vocês.
“As relações sociais de produção
capitalisticamente reificadas não se perpetuam
automaticamente. Elas são bem-sucedidas
nisso apenas porque os indivíduos particulares
“interiorizam” as pressões exteriores: eles
adotam as perspectivas globais da sociedade de
mercadorias como se fossem os limites
inquestionáveis de suas próprias aspirações. É
procedendo assim que os indivíduos
particulares “contribuem para manter uma
concepção de mundo” e uma forma específica
de intercâmbio social, que corresponde à
concepção de mundo”.
(István Mészáros)
RESUMO
This dissertation presents the condition of working youth ‘neet’ (neither-nor) – young people
who make up the age group betwee 15 and 29 years old and are not in employment, education,
or training – in the crisis and structural unemployment contexts. It assumes the materialistic
ontological bias and the theoretical-bibliographic and documentar methodology, based on the
fundamental contradiction of the work-capital relationship, to investigate the phenomenon of a
major problem which reaches the working class: uneployment in the context of crisis. The
central objective of this study is to analyze the ‘neet’ (neither-nor) condition of the young
worker in Brazil in the context of the structural crisis of capital taking as a counterpoint the
problematization of the relationship between work, education and vocational training. To this
end, the classics around the issue of the centrality of work will be reviewed in the processo of
reproducing the social being pointing out Marx (2012, 2013), Engels (1984), Lukács (1978,
2010, 2013), Mészáros (2008, 2011) and their interpreters to highlight the structure and
superstructure relationship in order to move to the presente time situating the exchange
betweem the current mode of production and the promotion of education aimed at working
youth that has maintained its dual character. In the course of the text, will be examined, with
the support in Santos (2017), the development of vocational education as well as the way of
offering this formative modality in the context of class struggle and exposed the laws
established in accordance with the demands of the ruling class at each specific moment in
history. Freres, Barbosa, Gomes, Mendes Segundo e Rabelo (2014, 2015) helped in the
foundation of contextualized criticism about the knowledge society and the reissue of the
Theory of Human Capital reclaiming the role of large capital-area centres in charge of education
processes from the 1990s that much reveal about the object delimited here: The formation of
the young worker in ‘neet’ (neither-nor) condition. The assumptions that supported the
questions sought to answer reverberated in the following fidings: the studies presented here are
conducted by the hands of the relationship between political economy and education. Important
data about the world economy and the uneployment rates for national and local will be
presented whereas the linkage between science, material production and education. It is
confirmed, therefore, that the young ‘neet’ (neither-nor), who characterize the coexistence in
conditions of poverty, resulto f procedural weakness in the system itself, which, in order to
maintain the high levels of accumulation centered in the hands of a minor part of individuals,
produces, at the same time, youth unemployment on a large scale, the industrial army of
reservation and the lumpemproletariado, who, even while social ills of overcoming impossible
in the dynamics controlled by capital, become fuel for the maintenance of order.
Tabela 1 - Nível de instrução dos jovens a partir dos 25 anos de idade no Brasil em
2018 ............................................................................................................... 92
Tabela 2 - Relação entre nível escolar e taxa de emprego para a faixa etária entre 25
e 64 anos de 2018 .......................................................................................... 93
Tabela 3 - Justificativas para os jovens brasileiros estarem desocupados/não
conseguirem emprego de 2018 .................................................................... 94
Tabela 4 - Taxas de emprego dos jovens no Brasil relativas ao nível de
escolaridade .................................................................................................. 95
Tabela 5 - Nível de escolaridade dos jovens brasileiros por faixa etária de
2019 ............................................................................................................... 95
Tabela 6 - Taxa de emprego no Brasil a partir do nível de escolaridade e dividida por
gênero de 2018 ............................................................................................. 96
Tabela 7 - Proporção de jovens brasileiros entre 15 e 17 anos na condição nem-nem
que estão na situação de atraso escolar/distorção idade/série ou
abandonaram a escola de 2018 ................................................................... 96
Tabela 8 - Escolaridade dos jovens brasileiros: médias local, regional e nacional
divididas em três grupos etários diferentes em 2019 ................................ 99
Tabela 9 - Variações na proporção de jovens na condição nem-nem no Ceará dividida
em três grupos etários diferentes em 2012, 2018 e 20 .............................. 100
Tabela 10 - Variações na proporção de jovens na condição nem-nem no Ceará dividida
em três grupos etários diferentes e por gênero em 2012, 2018 e
2019 .............................................................................................................. 101
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 14
2.1 Processos educativos obedientes aos ditames dos senhores do capita ... 34
1 INTRODUÇÃO
A educação para além do capital visa uma ordem social qualitativamente diferente.
Agora não é só factível lançar-se pelo caminho que nos conduz a essa ordem como o
é também necessário e urgente. (MÉSZÁROS, 2008, p. 71).
Os retóricos discursos de uma educação salvadora das nações periféricas por meio de
metas cronologicamente ajustadas não foram capazes de superar os problemas da pobreza e,
nem tampouco, das desigualdades, as quais têm se mostrado cada vez mais agudas como reflexo
de um sistema educacional mal objetivado. A educação, enquanto complexo social, é parte de
uma superestrutura societária e, portanto, desenvolve-se em articulação com todos os outros
complexos sociais significando que, na lógica da sociedade moderna, os processos educativos
são realizados em meio ao colapso erguido na parte destrutiva da história dos homens.
Neste contexto, deparamo-nos com o acentuado crescimento do desemprego juvenil em
larga escala no território brasileiro nos últimos anos fazendo surgir a necessidade de nos
debruçarmos sobre este fenômeno que, por sua gravidade, tornou-se um problema social que
viola a trajetória de vida de milhares de jovens no início de suas carreiras profissionais o que
pode causar efeitos catastróficos para eles e para toda uma geração que, como veremos ao longo
dessa desta dissertação, levará uma enorme parte de suas vidas para serem recuperadas.
Para tanto, a centralidade desta pesquisa é demarcada pela intenção em compreender a
condição recém-denominada ‘nem-nem’, a qual corresponde aos jovens que, vivenciando a
faixa etária de 15 a 29 anos, não estão estudando ou trabalhando. Essa que, conforme Cardoso
(2013), pode ser também denominada ‘Geração Nem-Nem’ – considerando sua gravidade na
última década deste século – tornou-se um problema social relevante chegando a atingir, a partir
de 2008, não apenas os jovens da classe pobre, mas também os da classe média na Europa.
Esse período corresponde ao momento no qual trabalhadores europeus sofreram com a
enorme crise financeira proveniente do setor imobiliário estadunidense, a qual se agravou com
a falência do banco Lehman Brothers – o dia 15/09/2008 ficou marcado historicamente como
Segunda-feira negra1 – fazendo despencar as bolsas de valores de diversos países no mundo
todo.
Partindo do que já foi dito sobre os jovens que se encontram mergulhados nesse
problema, delimitamos como perspectiva de análise compreender a realidade dos jovens
1
Segunda-feira negra corresponde a denominação dada a data 15/09/2008 que ficou marcada na história da
economia mundial por ser o dia em que o maior banco dos Estados Unidos – Lehman Brothers – decretou falência
em razão do colapso na rede imobiliária americana resultando no desemprego de mais de dez milhões de pessoas
(MURARO, 2009). É importante frisarmos que eventos como este já haviam ocorrido anteriormente no próprio
Estados Unidos – 21/10/1987, também chamado de segunda-feira negra, devido à estrondosa queda das bolsas de
valores mundiais – como também na Europa – 1993, dia que ficou conhecido como quarta-feira negra, e em
fevereiro de 1995 que foi nomeado de sábado e domingo negros conforme o que apontou Mészáros em sua obra
A crise estrutural do capital (2011, p. 42-43). Frisamos ainda que os EUA vêm recuperando as taxas de emprego
e de ocupação. Isso tem permitido que esse país centro do capitalismo conquiste a situação do pleno emprego. No
entanto, às custas das condições precarizadas do trabalho realizadas nos países capitalistas periféricos, ou seja, às
custas das altas taxas de desemprego no Brasil por exemplo.
16
cearenses com a intensão evidenciar que a falta de interesse do Estado pelas questões que
afetam a juventude geram consequências degradantes tanto na geração atual e quanto nas que
estão por vir e nós não precisamos ir muito longe para apontá-las.
Apoiados no discurso de Mészáros (2011, p. 41) ao destacar que “a supremacia
econômica é capaz de produzir as formas mais inesperadas de mistificação ideológica”,
sentimo-nos seguros em afirmar que temos vivenciado, além da crise econômica, uma algazarra
governamental fantasiada de medidas preventivas necessárias para o bem-estar do povo
brasileiro, mas que não passam de articulações explícitas dos líderes de Estados neoliberalistas,
impulsionados pelo atual presidente dos Estados Unidos, em encurralar qualquer ameaça
ideológica contrária a sua doutrina desenvolvimentista que prima pela hegemonia
estadunidense a qualquer custo.
No Brasil, a condição nem-nem tem alvejado fundamentalmente os jovens da classe
trabalhadora ainda desde a primeira década do século XXI, mas com menor proporção, tento
ganhado intensidade diante da crise política e econômica que se espalhou pelo país a partir de
2014. As famílias de baixa renda, portanto, são as que mais têm sentido o amargo sabor do
desemprego e, principalmente, do desemprego protagonizado pelos jovens brasileiros em
tempos de ascensão da miséria. Isso revela uma heterogeneidade territorial já que esse
fenômeno tem se mostrado mais evidente nas regiões mais pobres do país.
Enquanto problema geracional, essa condição já delimitada como problema estrutural
de difícil reordenamento – incrementada pela crise estrutural do capital e suas inúmeras
tentativas de driblar as barreiras que impedem o desenvolvimento confortável das suas
perspectivas – caracteriza o aumento nas taxas de desemprego enquanto fenômeno resultante
de seu próprio caráter crítico atual. A realidade posta irradia a vulnerabilidade da classe
trabalhadora e as articulações tendenciosas do capital em crise têm gerado efeitos catastróficos
na vida dos jovens corroborando, ademais, com prejuízos que permanecerão em outros
momentos da vida desses indivíduos o que contribui para a permanência e agravamento das
desigualdades que nos afligem.
A falta de oportunidades a todos corrobora para a efetivação de processos seletivos cada
vez mais rigorosos. Neste contexto, o mercado da qualificação tem se fortalecido e as escolas
de preparação profissional para jovens e adultos têm aproveitado para angariar lucros com
promessas de emprego garantido. Porém, não depende do sistema educacional e, nem tampouco,
dos indivíduos à mercê das condições impostas pelo mercado que todos se realizem
profissionalmente. A decisão de ascensão individual e coletiva não está nas mão de cada um
individualmente nem no complexo da educação exclusivamente.
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Nossa perspectiva de análise busca contribuir com a assertiva de que a educação não é
capaz de solucionar os demais problemas sociais alicerçados pelos vislumbres mercadológicos.
Pois, como destacou Freres e Rabelo (2015), essa não é sua função e, ainda, os problemas que
marcam a sociedade de classes não são resultantes do modo precarizado como os processos
educacionais se desenvolvem, mas da própria materialidade social.
18
As estratégias que a lógica vigente tem elaborado para extrair vantagens desse sistema
educacional em crise estão gerando resultados agudamente preocupante. Exemplo disso é o
crescente número de jovens brasileiros, como já nos referimos, que não encontram
oportunidades de trabalho e, portanto, faltam as condições para o financiamento dos estudos
em níveis mais elevados, após concluírem o nível básico de educação, resultando na espera,
muitas vezes sem perspectiva, de qual decisão tomar, de como (sobre)viver.
enquanto método de análise da sociedade desenvolvido em Marx e recuperado por Lukács como
uma ontologia do ser social, na qual foi elaborada uma abordagem onto-histórica para
compreensão da materialidade do mundo dos homens.
que prioriza a acumulação das riquezas em poucas mãos e a impulsionar a dimensão que a
ideologia do capital surtiu sobre os mais variados complexos da sociedade, em específico, a
educação.
Ao percebermos a crescente busca por vagas de empregos e o aumento acelerado no
número de pessoas desempregadas divulgados diariamente pelos mais diversos meios de
comunicação, ocorreu-nos a reflexão sobre o efeito contrário da promoção de uma educação
universalizada e a defesa da formação qualificada dos jovens para se tornarem aptos a adentrar
o mercado de trabalho – formalizada em documentos oficiais os quais têm orientado a
manifestação de variados modelos de educação média no território brasileiro – mas que parece
não encarar precisamente que o problema do desemprego juvenil, em larga escala, não depende,
como é correntemente veiculado, única e exclusivamente da formação do jovem trabalhador.
Diante disso, o questionamento que impulsiona a realização desta pesquisa se delimita
em esclarecer por que o sistema capitalista e seus ditames para educação, vislumbrando o
desenvolvimento econômico diante de sua atual crise, deposita no individuo a responsabilidade
por seu sucesso ou seu fracasso. Sob essa lógica, partirá de cada um o interesse pela formação
que já o é predestinada conforme a sua herança social, independente se o mercado está ou não
preparado para acolher todos que dele dependem, eximindo assim o próprio sistema da
promoção de todas as mazelas sociais como o desemprego, a pobreza, as desigualdades.
Para assimilarmos de modo essencial o que o nosso objeto tem a nos revelar,
estipulamos como objetivo primordial desta pesquisa analisar a condição ‘nem-nem’ do
jovem trabalhador no Brasil no contexto de crise estrutural do capital tomando como
contraponto a problematização da relação trabalho, educação e formação profissional.
Intencionados em articular o objeto de estudos aqui escolhido com o complexo da
educação diante do rigor que a pesquisa solicita, nossos objetivos específicos são: 1) Examinar
as reformas educacionais e os paradigmas elaborados pelos centros de comando do capital, os
quais foram direcionados à formação dos trabalhadores no Brasil; 2) Desenvolver um debate
sobre a formação da juventude brasileira articulada com o ensino profissionalizante para atender
as demandas mercadológicas em contexto de crise estrutural; 3) Demarcar a face da juventude
que constitui a geração nem-nem no Brasil e, mais especificamente, no Ceará evidenciando as
marcas do desemprego estrutural como problemática referente a essa parcela da população
submetida ao processo de expansão e acumulação do capital.
Com essas ponderações em quadro, desenvolvemos o segundo capítulo que está
intitulado Trabalho e Educação: arranjo acerca da relação entre transformação social e formação
profissional. Nesse capítulo, realizamos um resgate teórico da ontologia do ser social a partir
22
como intervalo temporal de análise do nosso objeto – a geração nem-nem – a última década, na
qual temos vivenciado diversos conflitos sociais provenientes das conturbações políticas e
econômicas que têm protagonizado nossa história. Para tanto, debruçamo-nos inicialmente
sobre o legado deixado por Marx (2013), o qual nos permite assimilar que a composição do
capital implica na acumulação que corresponde a lei para o seu desenvolvimento e, destarte, a
disparidade de classes sociais é condição indispensável.
Nesse processo, o capital atingiu patamares extremos de produtividade, enquanto
privilégio de uma minoria detentora dos meios para objetivar a produção incluindo a força de
trabalho tratada como mercadoria, e, concomitante a isso, propagou-se a precarização da vida
dos trabalhadores. Neste processo, o próprio sistema doo capital chegou ao ponto de não
conseguir manter o seu curso estabilizado e, como consequência da sua fragilidade processual,
mergulhou em crise profunda e, junto dela, projetaram-se vários outros elementos derivados
das suas estratégias de acumulação e reprodução ao custo da vida dos trabalhadores:
desemprego; exército industrial de reserva; lumpemproletariado; nem-nem.
Obedecendo com crucialidade ao que nos propusemos destacar no quarto capítulo, buscamos
averiguar e desvelar a condição nem-nem enquanto problemática social que tem assolado os
jovens brasileiros na faixa etária de 15 a 29 anos apontando, portanto, o contexto de crise
estrutural como pressuposto para esta mazela social que tem afligido milhares de pessoas e
repercutirá também nas próximas gerações.
Para delimitarmos o percurso histórico dos jovens nem-nem, interessamo-nos em reunir
obras contemporâneas formuladas por autores que tecem análises sobre essa temática. Seguindo
por este caminho, dedicamo-nos a buscar dados nas agências nacionais e internacionais de
pesquisas que se baseiam nas condições socioeconômicas e de mercado de trabalho da
juventude tanto em território nacional quanto, de forma mais aprofundada, no Ceará –
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE); Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua
(PNAD); Sistema de Indicadores Sociais (SIS); Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica
do Ceará (IPECE-Informe) – que contribuíram para a concretude de nossas intenções e, desta
forma, aproximar-nos do real com o rigor científico pertinente à materialização dessa
dissertação.
Ao nos ater aos jovens trabalhadores que compõem a condição nem-nem, enquanto
objeto desta pesquisa, pudemos apreender a condição nem-nem, enquanto fenômeno que tem
exigido maior atenção dos elaboradores das políticas públicas, atinge o agora da juventude
trabalhadora e semeia consequências arrasadoras para o futuro desse público. Pois, o jovem
24
trabalhador componente das camadas menos privilegiadas da sociedade que não estuda e não
trabalha hoje dificilmente responderá ás exigências mercadológicas no futuro.
Na dinâmica expropriadora do capital, essa juventude trabalhadora é compreendida
como público designado a desempenhar as funções manuais no processo de produção e,
portanto, ineliminável desse processo. No entanto, o modo como essa parcela da sociedade é
qualificada para exercer as funções que lhes são designadas parte da responsabilização
individual de cada jovem sedento por um cargo. A esses indivíduos é direcionada a
responsabilidade do aprender por própria iniciativa e buscar maneiras de se auto qualificarem
para atender as demandas contratuais do momento. As exigências são, de geração para geração,
impostas e respeitada de forma alienada.
É por este caminho que o capitalismo estimula a concentração de trabalhadores
(des)ocupados ao mesmo tempo que propagandeia a necessidade de diversos modelos
formativos que, na realidade, não promovem a capacitação plena de todos os indivíduos, mas
apenas criam a esperança da fictícia garantia de estabilidade através da contratação.
Nossos pressupostos nos permitiram confirmar que os jovens nem-nem, que
caracterizam a convivência em condições de pobreza, resultam da fragilidade processual do
próprio sistema, o qual, para manter os alto níveis de acumulação centrados nas mãos de uma
menor parte de indivíduos – os detentores dos meios de produção – produz, ao mesmo tempo,
o desemprego juvenil em larga escala, o exército industrial de reserva e o lumpemproletariado,
os quais, mesmo enquanto mazelas sociais de superação impossível na dinâmica controlada
pelo capital, convertem-se em combustíveis para a manutenção da ordem.
25
Somente o trabalho tem, como sua essência ontológica, um claro carácter de transição:
ele é, essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto
inorgânica (ferramenta, matéria-prima, objeto de trabalho etc.) como orgânica, inter-
relação que pode figurar em pontos determinados da cadeia a que nos referimos, mas
antes de tudo assinala a transição, no homem que trabalha, do ser meramente biológico
ao ser social (LUKÁCS, 2013, p. 44).
o homem efetivou historicamente a sua essência produzindo sempre o novo a fim de responder
às necessidades biológicas e sociais postas, diferenciando-se das outras espécies, cuja atividade
vital repousa sobre a realização do mesmo na reprodução da vida.
O processo de formação da essência humana se inicia na realização do trabalho, pelo
próprio homem, na busca por satisfazer suas necessidades mínimas de sobrevivência para estar
em condições de construir a sua própria história permitindo, assim, a aquisição de muitas outras
habilidades e a ampliação dos seus horizontes ao interagir com a natureza e, dialeticamente,
transformá-la.
O caráter ontológico do trabalho foi expresso pelo homem na criação de si por meio da
objetivação de utensílios, os quais tornaram a mão mais livre e, com isso, segundo Engels
(1984), a relação homem-natureza com iniciativa de transformá-la foi se tornando mais e mais
complexa.
Impulsionado pela prática do trabalho – que ganhou sentido no interior de uma
totalidade social sem o esgotar – o homem se destacou pela criação de instrumentos elaborados
que facilitaram sua sobrevivência e esse dinamismo só foi possível pela ação que pôs em
movimento o seu pôr teleológico objetivando uma práxis social impulsionada pela necessidade.
Lukács nos permitiu assimilar que a linguagem se constituiu, também, como uma
mediação entre o homem e a natureza bem como entre os próprios homens por ser o momento
no qual o ser social se apropria e expressa o significado das coisas demonstrando, neste sentido,
a sua essencialidade na (e para a) reprodução dos seres e expressando os seus níveis de
complexidade.
Avançamos na constatação de que a base da sociedade são as relações que se
estabelecem entre os seres sociais, os quais se transformam ao mesmo tempo em que
transformam a natureza em um processo de satisfação das necessidades.
Diferentemente da concepção cronológica da realidade que antecede a sociedade – a
natureza, sem o homem, foi a reposição dela mesma por centenas de anos, sem grandes
28
2
Lukács (2010) nos possibilitou compreender que a teleologia é subjetiva (corresponde à consciência humana que
põe um fim) e, portanto, expressa uma finalidade para a objetivação de um desejo concebido pela consciência.
3
A causalidade é objetiva e constitui o auto movimento do que é mudo. Corresponde, portanto, às objetividades
naturais que existem do auto movimento da natureza. Essa é fundamental para o salto dado pelo homem da sua
esfera biológica para se tornar ser social. Pois, sem a natureza, não há transformação, em outras palavras, não há
trabalho.
29
O homem, segundo Lukács (1978, p. 5), enquanto ser que dá respostas – “Como justa
razão se pode designar o homem que trabalha, ou seja, o animal tornado homem através do
trabalho, como um ser que dá respostas” – e que precisa produzir sua própria existência, foi
(re)produzindo, em cada momento específico da história, os bens materiais para sua
sobrevivência conforme as exigências do modo de produção desenvolvido em cada cotidiano
específico.
Enquanto ser social – conforme salienta Lukács (2010, p.41-42) em “O homem pertence
ao mesmo tempo (e de maneira de separar, mesmo no pensamento) à natureza e à sociedade” –
gradativamente, o homem passou a produzir e acumular riquezas através da expropriação tanto
da natureza quanto do próprio homem a fim de atender uma pseudonecessidade que
30
'proporcionaria', quanto maior fosse o acúmulo, maior liberdade. Tudo isso resultou na
materialidade em forma de relações de produção motivadas pelo capital através do trabalho
alienado.
4
Lukács nos ajudou a compreender a concepção entre as teleologias primária e secundária, bem como assimilamos
a distinção entre causalidade dada de causalidade posta, no processo de formação do ser social por meio do trabalho
em sua obra Para uma Ontologia do Ser Social II (2013).
32
nortearam os sentidos da educação e elaboraram os caminhos pelos quais essa educação deveria
percorrer.
Os processos educativos desenvolvidos nas comunidades primitivas se propagavam
espontaneamente. O homem primitivo aprendia, através da convivência, os conhecimentos,
reverberados em comportamentos e formas de pensar estabelecidos tradicionalmente, e postos
como necessários para que fosse consolidado como membro da tribo. Ponce (1986) mais uma
vez nos ajuda a compreender que a observação se propagava como metodologia primeira no
processo de aprendizagem não havendo a necessidade de procedimentos educativos formais
para ensinar o que a prática conquistava: realizar tarefas para satisfazer as necessidades
imediatas do grupo e, desta forma, produzir de maneira eficaz a vida material.
Conforme as comunidades primitivas se tornavam cada vez mais organizadas,
complexas e, portanto, sociais, novas relações de produção emergiam gradativamente. O
desenvolvimentos das forças produtivas permitiu a criação de excedentes na produção
impulsionando, assim, a apropriação privada dos meios de produção e, daí, formas mais ríspidas
de dominação entre as tribos. Essas relações de exploração, em razão da propriedade privada
dos meios e dos excedentes da produção, implicaram no surgimento das classes sociais. Nesta
lógica, os detentores dos meios de produção e dos excedentes da produção se tornaram, também,
proprietários dos que não tinham propriedades escravizando-os e dando espaço a um novo
modelo de sociedade: as sociedades de classes.
Ponce (1986) tece a origem e constituição das sociedades de classes a partir do
desenvolvimento de uma nova forma de trabalho: o trabalho escravo, o qual possibilitou o maior
acúmulo do excedente da produção dando início à dinâmica de comercialização entre os grupos
sociais. Neste contexto, o trabalho perde o seu caráter essencialmente ontológico e passa a ser
organizado de acordo com as demandas da produção, da apropriação, da distribuição e do
consumo, desiguais, do que era produzido.
Percebemos no percurso histórico do ser social e nas diversas formas de manifestação
do trabalho, específicas para cada formato societário, que a própria ordem social expressa a
necessidade de uma nova concepção de homem. Isso se apresenta nas exigências por
modificações nos processos de formação dos indivíduos. Partimos, portanto, desta premissa
para justificarmos que a educação desenvolvida nas sociedades de classes perdeu o seu caráter
de formação comum para ser aplicada à formação de indivíduos de classes opostas e, neste
quadro, efetivada sob os interesses da classe dominante.
33
Conforme a classe burguesa foi ocupando lugar de destaque na sociedade, contraiu para
si o controle da produção e do Estado através de atos revolucionários permeados pela difusão
do discurso em defesa da igualdade, mas que, posteriormente, tornaram-se conservadores
apoiados pelo fortalecimento das relações comerciais, pelo acúmulo de capital e pelo processo
de industrialização.
A sociedade capitalista estabeleceu sua ordem por meio da propriedade privada dos
meios de produção e do Estado – entidade originada a partir da sociedade de classes como pilar
para a consolidação da lógica de dominação nas relações de produção estruturadas sobre o
regime de trabalho escravo – enquanto instrumento repressor da classe subalterna e, ao mesmo
tempo, difusor da ideológica do capitalismo.
A sociedade dividida em classes antagônicas e, consequentemente, a divisão social do
trabalho passaram a exigir competências mínimas de monitoramento e operacionalização desse
trabalho. Portanto, fez-se necessária a diferenciação dos processos de escolarização: um
34
destinado aos detentores dos meios de produção e suas descendências e outro para os que lhes
serviam. Instaurou-se, destarte, a dicotomia educativa enquanto forma mais viável para o
sistema em processar a educação em meio às disparidades sociais.
Os processo educativos efetivados conforme as exigências do capital, apoiaram-se na
formação técnica dos trabalhadores, os quais, por meio do trabalho ‘livre’ dispuseram como
mercadoria sua força de trabalho – mão de obra – a ser consumida pelos senhores do capital
por valores determinados por eles próprios, ou seja, valores não justos aos trabalhadores. Esses
trabalhadores, formados tecnicamente para estarem aptos a adentar na lógica de mercado,
deveriam passar por processos formativos articulados conforme às demandas estabelecidas pela
produção a fim de reproduzirem, enquanto indivíduos subjugados a uma lógica exploratória e
desumana, as concepções políticas, ideológicas e sociais do capital de forma alienada.
O contexto de crise que acirrou o modo de produção capitalista na segunda metade do
século XX, causada pela superprodução, demonstrou a deficiência processual do sistema que
prima pela acumulação e a sua fragilidade inerente às articulações elaboradas para perpetuar
sua lógica de exploração.
A perspectiva expansionista representada através do processo de globalização e do
modelo de gestão neoliberal reafirmou as disparidades de classes mascaradas pelo codinome
desenvolvimento econômico e foi sobre esta perspectiva que a educação na sociedade
capitalista se desenvolveu: uma educação que, ainda hoje, está longe de formar os indivíduos
contemplando o desenvolvimento pleno de suas capacidades, mas sim formá-los de maneira
limitada para que o controle da produção se mantenha estável e em conformidade com os
interesses de valorização do capital.
Para Mészáros (2008), vivemos a subversão fetichista do real estado das coisas através
de uma consciência reificada, ou seja, através das orientações simbólicas inconscientemente
internalizadas. Isso caracteriza o processo de inversão de valores na totalidade social, sem o
qual o capital seria impedido de se desenvolver não podendo exercer suas funções sociais
metabólicas de ampliar a produção e, assim, consolidar sua lógica de reprodução. A partir dessa
concepção, constatamos que todas as estratégias de desenvolvimento do capital estariam
fadadas ao fracasso caso os indivíduos não se encontrassem em condições subalternas aos
fetiches das mercadorias.
35
No reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria. Daí a crise do sistema
público de ensino, pressionado pelas demandas do capital e pelo esmagamento dos
cortes de recursos dos orçamentos públicos. Talvez nada exemplifique melhor o
universo instaurado pelo neoliberalismo, em que “tudo se vende, tudo se compra”,
“tudo tem preço”, do que a mercantilização da educação (MÉSZÁROS, 2008, p. 16,
grifos do autor).
Daí, a viabilidade de uma educação segmentada para atender, modelar, gerar bons
resultados nos distintos seguimentos que compunham a sociedade: educação no modo de
produção capitalista.
Os primórdios do capitalismo, a partir da relação de dominação da classe burguesa
sobre o proletariado, corresponderam ao momento embrionário da ciência, a qual, a serviço da
nova ordem mundial, foi difundida no modelo educacional dicotômico – educação propedêutica
e educação profissionalizante – na perspectiva de dar suporte à consolidação do sistema do
capital a partir do século XX. Não negamos que o capitalismo foi a mola mestra do
desenvolvimento social pois tem conduzido o homem a estágios inimagináveis de suas
habilidades. Porém, não se pode perder de vista que as relações nele construídas permitiram
que se alcançasse melhor compreensão da realidade e, ao mesmo tempo, que fossem
desenvolvidas estratégias para burlar a melhor compreensão da essência dessa mesma realidade
que, em nada, é justa.
36
Com a ascensão do mundo das máquinas e a tecnologia tomando conta dos meios de
produção, a ciência aglutinou-se aos processos produtivos inflamados pela Revolução Industrial
modificando as estruturas sociais e trazendo a necessidade de um novo tipo de trabalhador fabril:
apto a se encaixar nas variadas demandas práticas da indústria. O saber fazer, portanto, assumiu
a dimensão central na formação da classe proletária abrindo portas para um novo modelo de
escola, a qual deveria articular procedimentos formativos sustentados pelos princípios da
ciência e da produção.
Segundo Souza (2014), a Revolução Industrial exigiu, pelas condições postas, que a
sociedade capitalista efetivasse os ideais burgueses difundidos durante a Revolução Francesa
referentes aos modelos de instrução solicitando, portanto, o desenvolvimento de uma educação
universal, gratuita, estatal e laica o que emergiu a possibilidade de edificação da escola das
fábricas, na qual os trabalhadores se submetiam a processos formativos restritos, pautados nas
perspectivas dos processos produtivos e sem teor científico.
Neste contexto, aderimos ao que foi expresso por Nascimento (2016, p. 49-50) para
ratificar que os processos educativos se tornaram também divididos, “a solução dada pela
burguesia consistiu, na realidade, em uma nova divisão da educação, agora dentro da própria
educação stricta, ficando a escola humanística/propedêutica destinada às camadas superiores e
a escola profissional aos trabalhadores”.
A educação para preparar sujeitos diferentes se desenvolveu, obviamente, de maneiras
diferenciadas, como destacamos anteriormente, e essas formas distintas de formar indivíduos
classificados especificamente conforme suas aquisições materiais não serão superadas enquanto
a lógica capitalista dominar ideologicamente a sociedade. Esse modelo educacional reflete o
formato societário que se estrutura com base na mais-valia, no trabalho assalariado, na
exploração do trabalhador e tem sido a bandeira levantada pelos grandes organismos
internacionais – BM e FMI – para as políticas educacionais dos países capitalistas periféricos,
incluindo o Brasil, desde as últimas décadas do século XX.
Observamos neste contexto que, assim como o trabalhador é indispensável para a
produção, esse paira no plano da invisibilidade dentre os elementos fundamentais para o
37
processo de produção de riquezas. Isso significa sustentar que, na lógica do capital, quem mais
produz é quem menos é considerado e daí se denota a irrelevância dedicada às estratégias de
qualificação do trabalhador. Ou seja, a má qualidade da formação do trabalhador é um reflexo
da irrelevância atribuída pelo próprio modo de produção capitalista ao indivíduo, o qual é
expropriado de sua mão de obra em nome da produção de riquezas, das quais não usufrui
enquanto trabalhador.
O valor de troca de uma mercadoria, que é uma forma de expressão do valor, não revela
a qualificação necessária para a sua produção. Isso significa que o produtor da mercadoria, o
qual dispende de força para objetivar a mercadoria, não reconhece a si próprio pela mercadoria,
esse não se vê no resultado final do seu trabalho. O trabalhador, neste processo de produção, é
esquecido pelo que a mercadoria expressa e, menos ainda, sua qualificação é revelada ou
considerada. Entretanto, ele continua elementar para a produção para satisfazer minimamente
as suas necessidades e, aos poucos, sobreviver.
O que vemos ao longo da nossa história é uma série de inovações dos meios de produção
traduzidos como revoluções técnico-científicas, as quais inovaram equipamentos através de
acelerados avanços tecnológicos que se alinham às modificações ocorridas nas relações de
produção e, portanto, nas relações sociais. Contudo, a centralidade desse modo de produção
mais eficiente e confortável não se pautava na promoção harmônica e igualitária das relações
socais, mas sim no bem-estar da produção, focando na lucratividade.
38
5
Essa frase foi colhida da obra O Pensamento Vivo de Marx (1985).
41
2.2 O Banco Mundial no comando das reformas educacionais dos países periféricos: novo
século, novas/velhas formas de efetivar a educação
Para além das questões financeiras, o BM passou a influenciar outras questões nos países
endividados e periféricos, os quais, devido à aguda dependência financeira, deixaram-se gerir
pelas determinações desse que foi consolidado como principal impulsor do capitalismo.
Nessa dinâmica, as influências do BM, concretizadas por meio de severos acordos
econômicos com o FMI, passaram a influenciar, solidamente, as legislações desses países assim
como os programas nas áreas da educação e da saúde em troca de um projeto político-ideológico
denominado reestruturação econômica.
42
Sobre o ensino médio, o Banco Mundial entende como sendo o segundo ciclo do
secundário e deve estar disponível àqueles que demonstrarem capacidade para segui-
lo. Recomenda a oferta de bolsas de estudo e que sua oferta seja feita, prioritariamente,
pelo setor privado (p. 51).
De forma distinta, observa-se o que era proposto para o Ensino Fundamental como se
pode observar no trecho a seguir:
Quanto à educação básica, o Banco vem redefinindo suas funções ao longo de sua
administração. Se antes, nos anos 1970, estabelecia esse nível como sendo o mínimo
de reposição educacional destinado às pessoas de baixa escolaridade (o minimum
learning basic), agora o ensino fundamental constitui a meta principal a ser alcançada
pela escola regular para a população entre 6 e 14anos. O Banco Mundial recomenda
que a oferta da escolarização desse nível seja assumida pelo setor público, de
preferência com o apoio das parcerias com o setor privado e as ONGs (MENDES
SEGUNDO; JIMENEZ, 2015, p. 51).
A real intenção do projeto, conforme Zibas (2005), era tornar os professores e gestores
em prestadores de serviços enquanto que os pais e os alunos assumiriam o papel de clientes
diante da concepção empreendedora de inserir a escola na lógica do mercado.
As perspectivas do BM apontavam para medidas que promovessem, também, a
descentralização da gestão e a padronização dos currículos escolares, bem como, dos sistemas
de avaliações que, como se pode observar atualmente, tem sido, de modo quase que
inquestionável, obedecidos pelo governo brasileiro.
44
naquele momento, foi demarcada como um tesouro a descobrir disposta pela esperança
fantasiosa de ensinar e aprender para o próspero século XXI.
A Declaração de Nova Deli na Índia, 1993, evento que constou com a participação do
Brasil, deu continuidade às discussões iniciadas em Jomtien, 1990, reiterando as metas
estabelecidas na primeira conferência em universalizar o ensino básico até 2000 por meio da
oferta de vagas na educação em nível elementar e nos programas de alfabetização de adultos
assim como promover melhorias na Educação Básica e nas condições práticas do magistério.
Nessa Declaração, intensificou-se a proposta de atribuir à educação a prodigiosa função
social redentorista. Foi destacada a importante responsabilidade da sociedade em efetivar as
propostas das reformas educacionais através de alianças compostas por governos, famílias,
comunidades e ONGs almejando a promoção de uma educação a ser desenvolvida com base no
respeito à diversidade cultural e política.
2.2.1 Paradigmas educacionais para o Novo Milênio: o monitoramento das regras de produção
da vida material/espiritual em nome do desenvolvimento econômico
Essas propostas que vislumbravam a melhoria dos índices de alfabetização, assim como
a erradicação da pobreza para que a educação se tornasse universal e de qualidade mantiveram
como foco o nível básico de ensino com a pretensão de preparar a massa trabalhadora para o
mercado de trabalho. Diante disso, o modelo de educação que deveria ser oficialmente
desenvolvido não poderia se distanciar da concepção neoliberal de alfabetizar e qualificar em
doses homeopáticas. Tudo isso pautado no discurso de promoção de uma sociedade globalizada.
O relatório Jacques Delors expressou, através dos cinco pilares que nortearam a
educação do novo milênio – aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos,
aprender a ser e aprender a empreender – uma maneira de controlar os trabalhadores a fim de
os tornar modelados conforme às exigências do mercado ditadas pelo capital em nome do
desenvolvimento. As pequenas doses de conhecimento seriam meticulosamente injetadas nos
indivíduos, que na realidade necessitavam de qualificação para além do saber ler e escrever,
mas que, para eles, não era disponibilizada a fim de que esses não ultrapassem o nível de
servidores alienados e obedientes. Em outras palavras, para que não se tornassem dirigentes ou
indivíduos aptos a governar.
responsável por sua educação, inclusive arcando com todos os custos financeiros desta.
Alimentando assim todo um novo mercado de cursos pagos.
É preciso ainda “aprender a fazer”, caracterizando uma valorização do pragmatismo,
afinal não é necessário que o trabalhador entenda o porquê dos processos executados
por ele, basta que saiba executá-los.
Com o “aprender a viver”, o capitalismo vai ajustando os indivíduos a evitarem
maiores conflitos devidos às contradições do sistema. Por fim é ensinado o aprender
a ser, isto é, ser aquilo que é conveniente para a reprodução e expansão do capital
(RABELO, JIMENEZ, MENDES SEGUNDO, 2015, p. 92-93, grifos dos autores).
O ter diversas habilidades em vez de exercer, apenas, uma função com êxito se tornou
a condição mínima de preparo para o que o mercado competitivo demandara. O trabalhador
deveria, portanto, estar apto a solucionar problemas das mais diversas naturezas se mostrando
polivalente, ou seja, preparado para lidar com diversas funções diferentemente do que se
desenvolvia no modelo taylorista/fordista de produção, no qual atuava um trabalhador
fragmentado e, segundo a concepção do próprio mercado, limitado, responsável por uma única
parte da produção.
A precarização e a falta de empregos é um denominador importante nessa lógica de
formação para o trabalho que resultam do metabolismo societário capitalista ao propagar
exigências que alimentam a competitividade entre os indivíduos representada na forma de
conflitos entre os próprios trabalhadores. Tudo isso é combustível para a reprodução da
ideologia do capital, a qual se apoia também no desarranjo da classe antagônica para se
sobressair enquanto solução para os problemas na vida de todos.
A forte inserção dos empresários na educação brasileira a partir da década de 1970
visando adequar a dinâmica educacional do país às prioridades do desenvolvimento econômico,
com destaque na empregabilidade para atender os interesses do capital, trouxe consigo, por
meio do atraente discurso de erradicação da pobreza, a perspectiva de enaltecimento da
competitividade, a qual deveria ser estimulada nos indivíduos desde os primeiros contatos com
os processos educativos.
Naquele momento, de acordo com Freres e Rabelo (2015, p. 60), “[...] a educação torna-
se o pré-requisito básico para a promoção do desenvolvimento de um país”, estimulando a
concepção de que nação rica estaria diretamente relacionada à nação competitiva e, assim,
conceber os primórdios da ‘sociedade do conhecimento’ enquanto teoria difusora de que o
desenvolvimento dos indivíduos acompanharia – resguardando os limites que poderiam
ameaçar a hegemonia capitalista – o desenvolvimento do capital.
52
E seria, também, aquela que alimenta os critérios da alienação mostrando, nas entrelinhas das
suas diretrizes – estabelecidas pelos centros de comandos do capital – que os inimigos que
impedem a ascensão individual estão ao lado, muitas vezes nas mesmas condições de
exploração, sem deixar transparecer que as barreiras que atrapalham a garantia de alcance do
sucesso estão dentro de cada um fazendo com que os indivíduos não enxerguem que são os
principais responsáveis pela realidade desarmônica e, portanto, desigual que caracteriza a
sociedade de classes: os defensores e promotores da ideologia capitalista.
Nesta realidade, surgem constantemente inúmeras exigências de atualizações em termos
de aprendizagem destinadas à classe trabalhadora. São as reciclagens e as concepção de novos
conhecimentos que não podem ultrapassar o limite da formação elementar para o exercício do
trabalho. Para atender à lógica vigente, seria necessária, portanto, a aptidão da leitura, da escrita
e do cálculo minimamente e essas competências e habilidades deveriam ser apreendidas em
uma escola articulada sobre o princípio da democratização. Daí, cresceu a interferência do
empresariado no complexo da educação. Tudo em nome da necessidade de expansão da
produtividade com a finalidade de inserir o Brasil na concorrência dos mercados internacionais
acarretando efeitos catastróficos na dinâmica formativa das escolas brasileiras – degradação da
escola pública; definição de currículos preestabelecidos para atender os interesses da classe
empresarial; metodologias engessadas conforme o interesse de uma minoria dominante – e os
principais lesados foram os componentes da classe trabalhadora e seus descendentes.
É para atender a essa demanda que a educação deve estar organizada, colocando-a
como a atividade que resolverá todos os problemas da humanidade – tarefa impossível
de ser realizada: primeiro, porque não é sua função; segundo, porque não é ela que
gera tais problemas, mas a própria materialidade social. Nesse sentido, nega-se a
função própria da educação que é a transmissão/apropriação de conhecimentos,
valores e habilidades produzidos historicamente pelos próprios homens, colocando,
em seu lugar, conhecimentos fragmentados, aligeirados, superficiais, mercantilizados,
adequando a educação às necessidades do capital, expressas tanto nas políticas de
emprego como nas políticas educacionais vigentes no cenário atual (FRERES;
RABELO, 2015, p. 67).
Os problemas gerados pelo capital no cotidiano da vida dos trabalhadores são apontados,
pelo próprio sistema, como de responsabilidade dos indivíduos, os quais se encontram sujeitos
aos medíocres processos formativos, que, em se tratando da formação pública, prima por
modelá-los conforme os interesses externos que se divergem das suas reais potencialidades e
desejos. Então, esses são estrategicamente lançados em um mercado não preparado para receber
a todos que dele dependem e os que conseguem uma vaga precisam se submeter às regras que
54
educação, enquanto complexo interligado aos demais complexos que estruturam a sociedade,
não consiga responder pelos problemas causados nos mais diversos setores sociais, ela se
constitui como espaço essencial para a promoção unificada da classe trabalhadora, a qual
conquistará grandes resultados e benefícios futuramente em um novo metabolismo social para
além, em termo de equidade, respeito, humanidade e justiça, do que temos hoje.
58
Muito mais que apenas atividades que exigiam esforços físicos e a utilização das mãos,
essas práticas classificavam as camadas sociais desde o período Brasil colônia e as classes
consideradas superiores disseminavam o preconceito contra esse trabalho manual. Os homens
livres sequer demonstravam o mínimo de interesse por tais funções para não ameaçarem suas
posições sociais privilegiadas, pois, se as praticassem, poderiam ser confundidos como negros
o que mancharia sua reputações.
Para esses últimos, trabalho manual era ‘coisa de negro’. Essa premissa revela que,
através do processo de divisão do trabalho, desde os primórdios, encontramos na rejeição dos
homens livres pela prática do artesanato, das manufaturas, dentre outras funções realizadas
pelos escravos (negros), a rejeição aos próprios escravos e, com isso, a rejeição da importância
do trabalho enquanto atividade que objetivaria o valor de uso e, destarte, categoria impulsora
do próprio ser dos homens.
Neste contexto de segregação, as gerações emergiam sustentadas pelo consenso racista,
classista, discriminatório. Muitas dessas atividades práticas consideradas insignificantes, reles,
miseráveis, por muito tempo não atraíram o interesse da maioria dos jovens oriundos de
diversas camadas da sociedade. Em contrapartida, essas ocupações, apesar de fundamentais
para o desenvolvimento social, sofreram com a discriminação ao longo da história por serem
direcionadas aos menos favorecidos socialmente. Isso justificou a escassez de mão de obra para
o exercício de tais atividades.
Entretanto, no momento em que a própria realidade passou a mostrar quão necessárias
essas eram para a condução eficiente da sobrevivência e, portanto, passaram a ser vistas como
práticas ineliminável do curso reprodutivo da sociedade, a educação foi posta enquanto
instrumento motor para o desenvolvimento assumindo o papel de instruir para o trabalho, ou
seja, promotora da qualificação para o exercício de práticas manuais, técnica. Para este
propósito, os processos formativos, então, tornaram-se obrigatórios.
Ao citar Cunha (2000), Santos (2017) nos chama a refletir sobre o desenvolvimento da
educação para atender o estímulo da relação trabalho-instrução estabelecido no período
imperial destacando:
6
Entre 1942 e 1999, foram incorporadas às escolas de formação técnica brasileiras e para apoiar o domínio
empresarial na sociabilidade cercada pelas determinações capitalistas as seguintes instituições: Sistema Nacional
de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Social do Comércio (SESC), Serviço Social da Indústria (SESI),
Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (SEBRAE), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), Serviço Nacional de Aprendizagem e
Transporte (SENAT), Serviço Nacional dos Transportes (SEST), Serviço Nacional de Aprendizagem e
Corporativismo (SESCOOP).
65
brasileira e incrementado pelas reações estudantis nas ruas contra o regime militar através de
greves e manifestações, reverberou a normatização da nova LDB nº 5.692/71, a qual
representava os anseios do então Ministro da Educação Jarbas Passarinho e dos seus aliados
em, de forma implícita, “[...] conter a entrada dos jovens egressos de escolas públicas no ensino
superior” (SANTOS, 2017, p. 182).
Essa lei decretou a junção do nível médio de ensino à modalidade profissionalizante, ou
seja, o segundo grau deveria estar articulado ao ensino técnico o que tornaria o conhecimento
elementar ‘complementado’ pela formação técnica tanto nas escolas públicas quanto nas
privadas sobre a justificativa de extinguir o caráter dualista da educação desenvolvida em
território nacional. Porém, uma proposta educativa efetivada a tal gosto proveria mais
obstáculos para os jovens-trabalhadores-estudantes, os quais seriam alocados em posição mais
distanciada do acesso ao ensino superior diante da árdua rotina que enfrentariam composta pelo
comprometimento em estudar para captar conhecimentos elementares ao mesmo tempo que
necessitariam de uma formação profissional básica e, ainda, trabalhariam para manterem a si
mesmos e aos que deles dependessem.
Pouco tempo depois, o governo percebeu a ineficácia da proposta de integração
compulsória do ensino profissionalizante ao segundo grau reconhecendo o que, na prática, não
se efetivava.
7
Período entre 1968 e 1973, no qual o Brasil, então governado por Castelo Branco, vivenciou um expressivo
crescimento econômico que contribuiu para o fortalecimento do regime ditatorial militar.
68
É plausível evidenciar, portanto, que o Estado sempre se manteve como ponte de apoio
bem solidificada a fim de estreitar os laços entre o mercado e a escola. E, ainda considerando o
contexto de Revolução Informacional responsável pela modernização da indústria a partir do
final da Segunda Guerra Mundial que passou a exigir um novo tipo de trabalhador e destarte
um novo processo formativo: que tornasse esse trabalhador qualificado a lidar com os meios de
produção desenvolvidos a partir das novas tecnologias. Esse mesmo Estado impulsionou a
implementação do que foi considerado o currículo ideal para a materialização da educação
profissional nas conformidades do capitalismo: a Pedagogia das Competências (PC).
Antes de adentrarmos mais especificamente no que a pedagogia das competências
trouxe enquanto proposta curricular para a educação profissional no Brasil, apoiamo-nos em
Santos (2017), o qual analisou outros importantes autores, para debater inicialmente sobre a
TCH e, em seguida, sobre a tese da sociedade do conhecimento as quais apontam influências
na forma como a PC se estruturou teoricamente e respaldam seu desenvolvimento.
Até pouco antes da década de 1960, as políticas públicas desenvolvidas pelos governos
não estavam diretamente centradas na educação. Para os Estados, não havia grandes
necessidades de se investir no ensino e as agências internacionais consideravam este complexo
um campo que não responderia com retorno lucrativo imediato. Portanto, tais investimentos
seriam desnecessários. Todavia, a década de 1960 apresentou, sobre a autoria de Theodore
Schutz, a TCH que foi tomada com propriedade, pelos defensores do capitalismo, a fim de
inserir na sociedade suas prerrogativas de proteção ao desenvolvimento econômico no
momento inicial de crise estrutural do sistema do capital.
Desenvolvida nos EUA no início da década de 1960, a TCH, segundo Freres, Gomes e
Barbosa (2015), apontando Frigotto, foi liderada pelo economista Theodore Shultz e teve como
impulsor o momento de intenso desenvolvimento do capitalismo, o qual fortaleceu as
concepções estabelecidas em sua base ideológica apoiada na confiança da garantia do pleno
emprego.
O momento histórico Pós-Guerra Fria, que marca o desenvolvimento intenso do
capitalismo, fez surgir a necessidade de uma educação com posicionamento bem articulado a
fim de dar conta do contexto de crescimento econômico e de consolidação ideológica da nova
ordem mundial liderada pelos EUA. Anos depois, conforme Freres, Gomes e Barbosa (2015),
a TCH foi negada pelo próprio capital que passou a combater a intervenção do Estado na
economia.
Os estudos sobre o desenvolvimento econômico dos países desenvolvidos por
economistas da Escola de Chicago, naquele período, fez com que Theodore Schultz, em suas
71
análises, concluísse que além da tecnologia, dos insumos e da mão de obra, outro fator era
indispensável para o sucesso da produção. Esse era o fator H, o humano, que, como destacou
Frigtto (1984, p. 51), deveria ser determinado a partir dos anos de escolaridade e de treinamento
dos indivíduos, ou seja, a qualificação do trabalhador seria um dos elementos chave para se
alcançar a tão almejada estabilidade econômica sobre a lógica do capital. Para Freres, Gomes e
Barbosa (2015, p.17, grifos nossos): sob esse entendimento, o indivíduo deveria ser
qualificado por meio da educação para proporcionar o desenvolvimento tanto da
economia quanto do próprio indivíduo.
A TCH acentuava também que um país rico seria aquele que acumulasse mais. Porém,
o determinante da acumulação traz consigo uma acirrada desigualdade social, a qual seria
amortecida quando todos os países atingissem o mesmo patamar de acumulação. Desta forma,
para a TCH, todos os países, assim como todos os indivíduos, naturalmente garantiriam
vantagens representadas pela redução do desemprego, pelo aumento de salários base e, ainda,
pelo desenvolvimentos das habilidades técnicas dos trabalhadores, os quais seriam submetidos
a novos modelos de qualificação profissional.
A concepção de capital humano, como toda metodologia articulada pelo capitalismo,
não vislumbrava tornar todos os indivíduos da sociedade vencedores nas lutas diárias por
sobrevivência. O discurso facilitador de ascensão social através da desigualdade e da
exploração da maioria por uma minoria não implicaria de forma alguma no bem para todos.
Pelo contrário, o que vemos até os nossos dias é o processo de degradação da vida do
trabalhador de forma cada vez mais intensificada. As vagas nos empregos não atendem às
demandas sociais, os salários estão a cada dia mais absurdamente mínimos e, portanto,
desproporcionais às necessidades das pessoas que deles dependem. Há, portanto, um efeito
controverso do que a proposta da TCH apontava para a sociedade. Essas contradições se
intensificam à medida que a crise estrutural que perpassa o sistema do capital ganha força.
Para os economistas que estabeleceram a teoria que aqui discutimos, a instrução se
tornaria o divisor de águas entre a riqueza e a pobreza, entre o capitalista e o trabalhador. Isso
fomentou a responsabilização individual de cada trabalhador pela produção material de sua
sobrevivência, ou seja, ao mesmo tempo em que conquistava um cargo, o trabalhador precisava
carregar consigo o comprometimento pelas dificuldades sociais que enfrentaria dentro e fora
do exercício do trabalho assalariado. Enquanto que os principais causadores da má distribuição
dos bens socialmente produzido e, por conseguinte, dos problemas sociais mascaravam a
dinâmica contraditória da realidade posta.
72
Essa teoria tem como pressuposto a ideia de que possibilitar um aumento da instrução
para a classe trabalhadora aumentaria em igual proporção a capacidade de produção.
Em outras palavras, desenvolver o capital humano, para ele, seria possibilitar o acesso
à educação para que sejam desenvolvidos os conhecimentos necessários para
aumentar a capacidade produtiva. Como a preocupação básica da TCH é encontrar os
nexos entre educação e desenvolvimento, Schultz pretendia explicar que a formação
seria a propulsora da alta dos salários, bem como da superação tanto do atraso
econômico dos países como das desigualdades sociais, privilegiando os aspectos
cognitivos para explicar o sucesso profissional e os diferenciais de renda (FRERES;
GOMES; BARBOSA, 2015, p. 72).
Essa teoria foi essencial para que o imperialismo americano se consolidasse respaldando
sua intervenção e domínio nos outros países com os quais pretendia estreitar laços comerciais
e impor sua ideologia principalmente no período Pós-Segunda Guerra Mundial. As raízes da
TCH começavam a se estender pelos países periféricos através das desigualdades sociais
efetivadas a partir de um discurso que as contradiziam: de combate à pobreza e às desigualdades
sociais.
Diferentemente da TCH, a tese da existência da ‘sociedade do conhecimento’ concebida,
segundo Santos (2017), não apenas por um único autor decretava que, com o advento
tecnológico (computadores e robôs), as classes sociais desapareceriam e, portanto, o
proletariado entraria em extinção já que seriam substituídos pelo que denominaram
cognitariado.
73
A pedagogia das competências, portanto, acaba por ser apropriada para o quadro de
crise sobre o qual se estruturam as reformulações educacionais brasileiras. A proposta
pedagógica em questão segue, em última instância alguns componentes do ideário do
capitalismo em crise profunda, a sabre: a teoria do capital humano, a “sociedade do
conhecimento” e o determinismo tecnológico (SANTOS, 2017, p. 222).
Seu discurso é capaz de ludibriar a classe trabalhadora ao atrair o interesse dos que só
encontram na qualificação o meio para se distanciar das condições de miséria e desemprego por
difundir que a educação é a solução para os diversos males que compõem a sociedade e
consolidar nos documentos oficiais a grandiosíssima importância da formação
profissionalizante, a qual, além de certificar os trabalhadores e seus filhos, traria a solução para
os inevitáveis problemas gerados pelo capital em processo de reprodução mesmo em sua forma
histórica mais crítica refletida na barbárie metabólica a nossa frente.
Sem querer adiantar alguma preocupação em relação à trama que envolve o processo
educativo pelas necessidades do capital em crise crônica, o texto oficial (texto base
conceitual da pedagogia da competências) é farto em defender uma educação
profissional por intermédio da graduação tecnológica como solução para os problemas
da qualificação da mão de obra demandada pelo onipresente mercado de trabalho e
que ainda favoreça o combate ao desemprego (SANTOS, 2017, p. 2014. Grifos
nossos).
Essa proposta curricular pretende promover o estímulo das habilidades práticas nos
jovens-estudantes-trabalhadores e, assim, formar indivíduos prontos a enfrentarem as demandas
do mundo da produção, enquanto força de trabalho qualificada a levar a produção ao seu ápice,
ajudando os empresários a superarem os desafios concorrenciais que andam juntos com a
globalização, mas sem o reconhecimento devido dos esforços empregados por eles
(trabalhadores) tanto nos seus árduos processos de formação quanto durante as atuações efetivas
desses nas indústrias.
O texto oficial busca convencer que o sucesso empresarial significa o sucesso dos
trabalhadores e, neste sentido, a qualificação seria fundamental para o ‘mundo do trabalho’.
Os quatro pilares da educação desenvolvidos por Jacques Delors – aprender a conhecer,
a conviver, a ser e a fazer, somados ao quinto pilar que é aprender a empreender – conforme
apresentados no capítulo anterior, se encaixam na proposta que define o mercado de trabalho
como destino que justifica o processo de formação profissionalizante já que as inovações
tecnológicas passaram a exigir um novo tipo de trabalhador: flexível, criativo, prático e que dê
conta das tecnologias da informação e da comunicação.
É possível relacionar dois desses pilares da educação com a PC a partir do Art. 39º da
LDB nº 9394/96, o qual homologa que a educação profissional deve nortear o educando a
“integrar-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da
ciência e da tecnologia”. Para tanto, deveria, impulsionado por essa modalidade de ensino,
adquirir maior compreensão do mundo no qual está inserido e, desta forma, progredir na
75
formação em áreas da ciência e das tecnologias o que corresponde pôr em prática o pilar
‘aprender a conhecer’.
Encontramos também a referência da relação entre o pilar da educação ‘aprender a fazer’
e a PC no trecho que citamos logo acima. O ‘aprender a fazer’ constitui a prática dos
conhecimentos acumulados no mundo das relações de competição para que o cidadão esteja
sempre estimulado a desenvolver novas habilidades e se manter enquanto profissional
diferenciado nas batalhas internas do mercado de trabalho.
A PC, portanto, apoia-se na garantia da empregabilidade. No entanto, ao se debruçar
sobre a obra de Lima (2011), Santos nos direciona a refletir sobre o insucesso recorrente da
incompatibilidade entre o proposto/esperado e os reais resultados obtidos pelas pesquisas que
analisaram a relação formação e atuação dos jovens-estudantes da modalidade
profissionalizante. O autor revelou que cerca de, apenas, 25,0% dos alunos formados nessa
modalidade atuam na mesma área de sua formação tecnológica o que implica considerarmos
que 75,0% dos estudantes que concluem esse modelo formativo atuam em áreas diferentes das
que se certificaram durante o Ensino Médio. Diante disso, percebemos que não apenas a
reformulação do currículo educacional é o suficiente para solucionar a questão do desemprego
no Brasil.
Santos (2017, p. 235) advoga que a pedagogia das competências foi apontada como “[...]
novo epicentro curricular do modelo de formação do trabalhador”, em um cenário onde o
capitalismo, na tentativa de desviar dos desdobramentos da crise, articula estratégias para
solucionar os conflitos constantes gerados pelo próprio sistema e, neste espaço, a
mercantilização da educação se agudiza com ênfase na educação profissional – disposta desde
o EM ao Superior – que comporta massivamente os filhos da classe trabalhadora ansiosos por
qualificação mínima para adentrarem na corrida por uma vaga no mundo do trabalho.
Segundo (2015). No entanto, essa premissa é propagandeada nos diversos espaços sociais como
sendo a razão de ser da educação.
Para o problema do desemprego, como aponta Santos (2017), propõe-se a variante da
chamada educação profissional e tecnológica como antídoto para sanar esse e outros problemas
deixados pela própria materialidade social sem clarificar que o problema do desemprego não
está condicionado às necessidades de novas reformulações educacionais. Outros elementos
como a divisão social internacional do trabalho e a nova dinâmica mercadológica colocadas em
curso pela crise estrutural do capital são bem mais preponderantes.
Os discursos governistas defendem que a redução da taxa de desemprego se dará pela
empregabilidade aliada ao empreendedorismo e à lucratividade desconsiderando os conflitos
entre as classes e, com isso, a subjetividade inerente aos trabalhadores e aos seus filhos.
Perante a premissa de que a dita empregabilidade que busca esconder a realidade do
desemprego crônico, o conteúdo da educação, permeado pelo caráter ideológico desse discurso,
constitui um poderoso instrumento que perpassa a subjetividade dos trabalhadores e de seus
filhos, bem como de professores, de gestores, de intelectuais e de políticos (quaisquer que sejam
seus partidos). Com efeito, a empregabilidade e o empreendedorismo, disseminados nas
concepções desse ‘novo’ modelo de ensino, viabilizam a reificação do trabalhador, tornando-o
refém das reformas estipuladas pelos detentores da ordem capitalista.
Nessa lógica, cada um é responsável pelo seu sucesso ou seu fracasso, como se estar na
condição de desemprego fosse uma escolha pessoal de cada indivíduo e ingressar no EM para
cursar, ao mesmo tempo, a modalidade formativa profissionalizante se torna opção única na
vida dos jovens que são submetidos à formação aligeirada e de qualidade duvidosa.
sociedade com uma estrutura diferenciada das graduações clássicas. Evidenciando os interesses
dos que defendiam a privatização do ES, foi determinado que o tempo de duração dos cursos
que compunham esse modelo de graduação seriam bem mais reduzidos caracterizando o
imediatismo e a elementaridade da formação técnica. Santos (2017, p. 255) nos esclarece que
“[...] a graduação tecnológica é o receptáculo ideal pretendido pelo empresariado para integrar
a escola ao mercado, visto que cria no ES um ramo paralelo e dual para receber os egressos do
EM”.
A proposta de materializar a educação a partir dos ideais tecnicistas já obedecia aos
ditames do desenvolvimento econômico desde o período da ditadura empresarial-civil-militar
iniciado na década de 1960 e a graduação tecnológica deu sinal de vida no Brasil também nesse
período. Porém, ela foi demarcada pela Lei nº 8.948 apenas em 1994 através da criação de
vários dispositivos legais que garantiriam a formação em nível superior de todos os sujeitos –
trabalhadores e seus descendentes – com a finalidade de aprontá-los para exercerem funções
laborais conforme as exigências mercadológicas, as quais se desenvolveriam em constantes
processos de inovação e, por tal justificativa, esses trabalhadores deveriam buscar sempre
permanecer se requalificando.
O histórico da sociedade, que nos é revelado também por meio de Santos (2017), mostra
os inúmeros boicotes impostos aos filhos das camadas menos privilegiadas, pela atrasada elite
brasileira unida ao poder Estatal em favor dos empresários, em suas tentativas de ingressar no
ES. No entanto, o ideário neoliberal, preso às necessidades de um sistema produtivo que,
mergulhado em situação de crise sem antecedentes, atrelou-se às tecnologias de base
microeletrônicas teleinformatizadas nas últimas décadas do século XX para formar mão de obra
ao seu gosto, assegurou a oferta do ES aos trabalhadores e aos seus filhos mesmo que de forma
precária.
Assegurados no que foi exposto até aqui, apresentaremos neste último capítulo uma
breve reflexão sobre o processo de acumulação do capital considerando os elementos que
sustentam sua composição conforme as delimitações de Marx em sua grandiosa obra – O
Capital – para complementarmos o arcabouço teórico-metodológico cobrado pela pesquisa. Ao
nos debruçar sobre o legado deixado pelo filósofo alemão, evidenciaremos as categorias
rigorosamente exigidas pelo nosso objeto de estudos: exército industrial de reserva e
lumpemproletariado que correspondem às derivações da dinâmica reprodutiva do modo de
produção capitalista e se acentua quando o próprio sistema se percebe mergulhado em crise
estrutural sem precedentes. Seguiremos, ainda, pela trilha do desenvolvimento do capital para
explicar o fenômeno do desemprego inerente à juventude periférica brasileira e cearense
evidenciando os dados colhidos em várias pesquisas realizadas por agências nacionais e
internacionais sobre os aspectos econômico, social e mercado de trabalho para sinalizar a
condição nem-nem tanto no Brasil quanto no Ceará destacando as fragilidades dos processos
educativos baseados nos paradigmas educacionais elaborados pelos centros de comando do
capital para os jovens trabalhadores.
[...] com o avanço da acumulação, um capital variável maior põe mais trabalho em
movimento, sem recrutar mais trabalhadores; por outro, um capital variável do mesmo
tamanho põe mais trabalho em movimento com a mesma massa de força de trabalho
e, por fim, mais forças de trabalho inferiores mediante a substituição de forças de
trabalho superiores (MARX, 2013, p. 711).
Diante destas prerrogativas, atinamos que, para que haja mais empregos, o sistema
aponta a necessidade de atingir altos patamares de acumulação e, ao envolvermos os
procedimentos formativos neste metabolismo, é importante consideramos que a formação de
uma grande quantidade de trabalhadores não garante que todos estarão empregados
formalmente.
81
O autor expôs sobre o exército industrial de reserva, categoria que foi também abordada
na obra de Marx como superpolulação relativa. Essa corresponde a um dos aspectos essenciais
para o processo de reprodução e acumulação do capitalismo e se constitui pelos trabalhadores
que estão disponíveis para ocupar os espaços delimitados pelos detentores dos meios de
produção conforme o momento que estes últimos decretem coerente ao gosto da dinâmica
geradora de lucro.
A expansão da produção sobre o viés capitalista não seria possível sem esse material
humano disponível, o qual responde positivamente aos métodos utilizados no processo de
produção com a finalidade de torná-lo mais eficiente – como o emprego das tecnologias
inovadoras dos meios – impulsionando a produção ao mesmo tempo em que reduzem o número
de trabalhadores ocupados. Marx (2013, p. 708. Grifos do autor) remete isso em:
Interessa aos detentores dos meios de produção, portanto, extrair sempre uma
quantidade maior de trabalho de um menor número de trabalhadores e, com isso, a exploração
da força de trabalho individual. Desta forma, o dispêndio do capital constante diminui enquanto
se aplica cada vez mais força de trabalho sem corroborar para o desperdício do capital variável.
Marx e Engels explanaram bem esse processamento em:
82
Os custos que o trabalhador acarreta restringem-se, assim, quase que tão somente ao
dos víveres de que ele necessita para o seu sustento e para a propagação de sua espécie.
O preço de uma mercadoria, porém, e portanto do trabalho, é igual ao de seus custos
de produção. À medida que cresce a repugnância pelo trabalho, diminui, pois, o salário.
E mais: na mesma medida em que aumentam maquinaria e divisão do trabalho,
aumenta também a quantidade de trabalho, seja pela multiplicação da jornada, do
trabalho exigido num dado período de tempo, do aumento do ritmo das maquinarias
etc (MARX; ENGELS, 2012, p. 51-52).
Quanto menos habilidade e força o trabalho manual demanda, ou seja, quanto mais a
indústria moderna se desenvolve, mais o trabalho dos homens é substituído pelo das
mulheres. Em se tratando da classe trabalhadora, diferenças de sexo e idade já não
têm importância social nenhuma. O que há são instrumentos de trabalho de custos
variados, de acordo com idade e sexo (MARX; ENGELS, 2012, p. 52).
Isso impulsiona uma maior rotatividade contratual e os salários, que não são
estabelecidos com base na quantidade absoluta da população trabalhadora, são determinados
pela variação entre exército ativo (trabalhadores ocupados) e exército de reserva.
O alto grau de acumulação do capital incrementa o exército de reserva e estimula,
concomitantemente, a geração de novos trabalhadores até que o próprio sistema se perceba
incapaz de ofertar empregos a todos. Em contrapartida, a diminuição dos salários promove
novamente a acumulação haja vista a exploração do trabalhador em níveis extremos e em
condições precárias.
Este é o contexto, no qual o processo de produção coletiva da riqueza e apropriação
privada dessas permanece se desenvolvendo. A própria realidade nos permite perceber o
motivo pelo qual a mão de obra minimamente necessária para dar conta da produção não pode
ser dispensada. A oferta de trabalho estando menor que a demanda faz com que os salários
oscilem e, submetidos às condições de incertezas, estão os trabalhadores, ocupados ou não,
sempre a postos para compactuarem com o maior nível de acumulação.
83
Marx nos esclarece que a demanda de trabalho no formato societário do capitalismo não
cresce na mesma proporção em que cresce o capital e a classe trabalhadora. A acumulação
carece de força de trabalho e difunde a necessidade do maior número de trabalhadores, os quais
devem comprovar o maior nível de instrução possível e, destarte, precisam usar os próprios
esforços para garantir isso, embora não sejam disponibilizadas no mercado vagas compatíveis
com a quantidade disponível de gente, qualificada ou não, à espera de um emprego. Esta
situação conflituosa promove uma considerável pressão nos ocupados, os quais não veem outra
alternativa que não seja se sujeitarem às condições degradantes de trabalho e remuneração que
lhes são impostas pelos contratantes.
Os trabalhadores desocupados, sem exceção, compõem o exército industrial de reserva.
Parte dos indivíduos na condição de desemprego foi caracterizada pelo autor alemão – em sua
obra atemporal: O Capital – como lumpemproletariado, os quais ocupam as posições menos
reconhecidas dentre os que sofrem com a falta de emprego. Marx explanou que os indivíduos
que compunham essa categoria eram os estereotipados ‘vagabundos’ delinquentes, prostitutas
e outros que, por determinados motivos morais e físicos, não compactuam com o
conservadorismo pregado pela sociedade moderna.
Eles são subdivididos em três outras classificações: os aptos ao trabalho que
representam oscilações quanto a quantidade em momentos de crise e estagnação financeira e
retomada do mercado. Sobre esses, Marx (2013, p. 719) evidencia: “Basta observar
superficialmente as estatísticas do pauperismo inglês para constatar que sua massa engrossa a
cada crise e diminui a cada retomada dos negócios”.
A segunda subdivisão é representada pelos órfãos e pelos filhos de indigentes que
constituem o grupo com mão de obra sujeita a atuar em quaisquer funções e sobre os custos que
lhes forem impostos. Esses são recrutados em momentos de prosperidade mercadológica e, à
medida que períodos de recessão se aproximam, são facilmente descartados.
A terceira e mais castigada parte do lumpemproletariado é composta pelos degradados
e maltrapilhos, dentre os quais se encontram os deficientes, as viúvas, os doentes e outros
excluídos em geral. Esses seriam os taxados como ‘incapacitados’ de exercerem algum trabalho
por falha física/psicológica ou devido a terem ultrapassado a idade de se sujeitarem aos
comandos da indústria moderna, a qual assume ainda hoje sua preferência por jovens
trabalhadores de gênero masculino.
Esta citação expõe o que não tem sido visto pela maioria das pessoas no desenvolver do
processo de acumulação do sistema do capital, o qual é o próprio articulador da realidade
ofuscada. Conforme a classe trabalhadora reproduz esse modo de produção de forma reificada
e, portanto, demasiadamente passiva – apesar dos inúmeros eventos revolucionários ocorridos
ao longo da história desta ordem vigente, que não podem ser desconsiderados, pois nos
garantiram os poucos, mas relevantes, reconhecimento e direitos que temos hoje. No entanto,
essas poucas conquistas não se constituem como garantias que nos permitam usufruir dos
resultados do nosso trabalho de forma justa – ela produz, ao mesmo tempo, os seus grilhões.
É verdade que muitos dos que compunham o terceiro grupo dos denominados
lumpemproletariados, no período em que Marx elaborava sua obra, não poderiam vislumbrar
outros destinos que não fosse o pauperismo desde o seu nascimento: neste quadro, apontamos
como exemplo os deficientes físicos. No caso das viúvas, elas teriam de se conformar com as
consequências das eventualidades ocorridas em suas tristes histórias: uma vida miserável
resultante da perda de seus esposos reverberando nas tradicionais relações de uma sociedade
apregoada à cultura machista marcada pelos julgamentos morais e, portanto, pelas exclusões
em um metabolismo social que sustentava isso como natural.
Hodiernamente, percebemos que, depois de muita luta, debates e, até mesmo, sangue
derramado, deficientes, viúvas e outros indivíduos têm conquistado direitos elementares como
poder trabalhar conforme suas capacidades. Isso nos faz reconhecer que avanços sociais tem
ocorrido e, ao mesmo tempo, muitos retrocessos têm os acompanhado. Diante disso, ainda há
muito o que fazer para que as desigualdades sociais sejam abolidas e, por este motivo,
permanecemos incrementando perspectivas revolucionárias em prol da queda do capitalismo e
do surgimento de um formato societário que contemple a liberdade dos indivíduos, a equidade
dos direitos e a igualdade na partilha dos bens produzidos coletivamente sem esquecer da
preservação dos recursos naturais e do importante lugar ocupado pela ciência para a evolução
do homem.
Ainda no viés da acumulação e suas brutais consequências para a classe trabalhadora, o
sistema do capital impulsiona a sua própria reprodução enquanto os homens produzem riquezas
85
Essa triste e contraditória realidade nos permite confirmar, apoiados em Marx, que
enquanto a produtividade do trabalho social cresce a níveis incalculáveis e, com isso, a
valorização do capital e a acumulação das riquezas, cresce também o número de trabalhadores
para compor, em sua maioria, a superpopulação relativa e a condição de miséria extrema. O que
representa os antagonismos inelimináveis das relações de produção sobre a ótica da burguesia
contemporânea que elabora caminhos comuns para a miséria e para a riqueza assim como para
o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, para a repressão das camadas sociais, mais
especificamente da classe trabalhadora, em nome da acumulação do capital.
As diversas reformas articuladas pelos detentores do capital na perspectiva de manterem
o seu sistema se reproduzindo produz, ao mesmo tempo, um paradoxo que eles precisam
enfrentar: os altos patamares de riquezas, conhecimentos e inovações tecnológicas alcançados
pelo modo de produção capitalista, o qual promove concomitantemente a fragmentação e
expropriação da força de trabalho empregada pelo trabalhador, possibilita a redução do trabalho
vivo, ou seja, do trabalho humano direto. Isso significa que podemos extrair deste processo de
reprodução que o avanço tecnológico, apoiador de toda perspectiva expansionista desse modelo
de produção, na medida em que impulsiona o homem a atingir os mais altos níveis de
produtividade, secundariza a importância que a força de trabalho tem para dar movimento ao
processo reduzindo-a e, desta forma, incrementa as taxas de desemprego.
Essa dinâmica, que não é novidade para o próprio sistema, promove a elaboração de
diversas forma contratuais que representam sua essência destrutiva na forma de exploração da
classe trabalhadores e revelam o seu esgotamento mascarado pela intenções de promoção do
bem-estar social em seus discursos. Nesta teia, “Os trabalhadores são cada vez mais
descartáveis, assim como tudo aquilo que é produzido. Expande-se a precarização das
condições de trabalho e cresce o subemprego em suas variadas formar” (GOMES; FERRAZZO;
LÔBO, 2017, p. 52).
Por mais que o capitalismo tenha possibilitado que o homem desbrave caminhos
desconhecidos com o auxílio das inovações tecnológicas, as relações sociais de dominação de
uma classe por outra – de uma minoria privilegiada às custas da exploração da maioria – revela
a estagnação da sua estrutura social. Em cada momento específico, esse formato societário se
efetiva da mesma forma: sociedade de classes antagônicas. Revestida, ou não, com uma nova
roupagem, a sesse modelo social organizado carrega sempre princípios norteadores de sua
estrutura. Consideramos dois deles aqui: 1. Favorecer poucos e explorar muitos; 2. Priorizar o
ter que, ao assumir o caráter do ser, faz este último perder seu significado mais justo.
87
reorganização da economia mundial que abraçava, ao mesmo tempo, o avanço tecnológico para
corporificar as intencionalidades da nova ordem mundial. Para tanto, a sobrevivência de todos
estaria condicionada à tendência da globalização e, portanto, do que os indivíduos estariam
dispostos se submeterem para se adaptarem às demandas mercadológicas.
Neste ínterim, os centros de comando do capital, certificados que o complexo da
educação seria um forte instrumento de persuasão das diversas camadas sociais, decretaram a
defesa da formação do trabalhador centrada na flexibilidade. À educação, portanto, é despejada
a responsabilidade de formar sobre essa premissa – indivíduos mais flexíveis – sendo justificada
pela ampliação das capacidades práticas, das competências e das habilidades dos jovens
trabalhadores, as quais seriam exigidas pelo empreendedorismo enquanto aspecto central do
mundo do trabalho para que esses indivíduos pudessem, estando devidamente qualificados,
conquistar a ‘vida dos sonhos’.
Esse profissional mais flexível, sustentado pelo discurso da empregabilidade e do estado
de bem-estar, pairava no plano ideal da lógica burguesa. No solo da história real, essas
perspectivas, que são inerentes ao modo de fazer educação a partir da ideologia capitalista que
busca ao seu gosto camuflar o real processo de produção da vida (i)material dos homens, não
passavam de meras ilusões, falácias, contradições como destacam os autores Gomes, Ferrazzo
e Lôbo (2017) em “não devemos nos iludir com as ideias de uma formação “flexível”, de
“qualidade total”, “empregabilidade” e outras pensadas ou imaginadas pelos ideólogos
burgueses, mas sim da realidade prática, a partir do processo de reprodução real da vida dos
homens, [...]” (grifos do autor).
A escola, que ainda hoje reedita os anseios capitalistas assumindo o papel de,
primordialmente, modelar os indivíduos a fim de ajustá-los às necessidades da produção
coletiva das riquezas e apropriação privada dessas de forma passiva e controlada, ou seja,
distante da formação de trabalhadores com consciências mais subversivas para não ameaçar a
ordem estabelecida, consolida-se cada vez mais como espaço de difusão dos interesses da
burguesia empresarial. Daí, estar sempre sobre a mira estratégica dos empresários que
vislumbram a condução autônoma das políticas educacionais.
Enquanto a lógica do capital difunde a liberdade do mercado, a igualdade de direitos, a
democracia, a cidadania e outras denominações persuasivas como sinônimos de liberdade da
classe trabalhadora, as contradições apontam resultados distorcidos representados por uma
classe composta pelos que carregam o mundo dos homens nas próprias costas, mas que, ao
mesmo tempo, constituem a parcela mais desprivilegiada e impedida de conquistar a relevância
merecida dos seus interesses.
89
§1º Para os efeitos desta Lei, são considerados jovens as pessoas com idade entre 15
(quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade.
§2º Aos adolescentes com idade entre 15 (quinze) e 18 (dezoito) anos aplica-se a Lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, e,
excepcionalmente, este Estatuto, quando não conflitar com as normas de proteção
integral do adolescente (BRASIL, 2013).
Ao analisarmos a juventude, assim como a todo fato social, não podemos perder de vista
o tempo e o espaço nos quais ela está inserida. Como nosso propósito aqui é delimitar os jovens
brasileiros/cearenses que se encontram na condição nem-nem – nem estudam e nem trabalham
– decidimos nos ater aos aspectos que caracterizam essa condição a partir de 2012 realizando
um comparativo também entre os anos 2017, 2018 e 2019 que englobam os resultados de
pesquisas mais recentes realizadas por agências nacionais e internacionais – Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE); Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD); Sistema
de Indicadores Sociais (SIS); Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE-
Informe) – sobre a relação entre a juventude, o mercado de trabalho ocupado ou não pelos
jovens entre 15 e 29 anos de idade e os processos de formação pelos quais essa tem passado a
fim de alcançarmos nossos objetivos, os quais foram expostos no capítulo introdutório deste
texto.
Ao se deparar com o concorrente mercado de trabalho, a juventude brasileira, em sua
maioria na condição de pobreza que compõe a parcela menos privilegiada da sociedade, tem de
enfrentar desafios cotidianos para conquistar o tão sonhado, mas precarizado, emprego que
garanta, ao menos, sua sobrevivência.
90
O termo “nem-nem” (de nem trabalha, nem estuda) refere-se à população jovem fora
do mercado de trabalho e de instituições educacionais. Equivale em espanhol ao termo
“nini” (ni estudia, ni trabaja) e à sigla em inglês “NEET” para a expressão “not in
education, employment, or training”, algo como “fora da educação, emprego e a
formação profissional” (OLIVEIRA, 2019, p. 7, grifos do autor).
enquanto país incapacitado de gerir com presteza tanto os seus complexos sociais quanto seus
recursos.
Neste cenário de defasagem, o aumento do número de jovens nessa condição revela,
também, a maior dificuldade de os defensores da ideologia do capital exercerem sobre eles o
mecanismo de controle necessário para perpetuar, por meio de discursos demasiadamente
atraentes e obscurecidos, as relações de submissão do povo ao Estado e, deste modo, dar forma
a um grupo de mentes subversivas que possam ameaçar a ordem vigente. Este controle social,
que é difundido, por exemplo, dentro das instituições de ensino, acaba não sendo atingido
devido ao fato de a maioria desses jovens terem abandonado a escola ainda muito cedo.
A pesquisa divulgada pelo SIS do IBGE de 2019, baseada nos dados do relatório
Education at a Glance que foi elaborado pela OCDE, mostrou que o Brasil apresentava 10,9
milhões de jovens nem-nem em 2018. Isso correspondia a 23,0% dos jovens no grupo etário de
15 a 29 anos desocupados e sem frequentar a escola ou algum modelo de formação para o
trabalho. Esses dados concederam ao Brasil uma desprivilegiada posição entre os 41 países
analisados pela OCDE, a qual estipulou como média geral cerca de 13,2%. O nosso país se
manteve por vários anos entre os 5 países nas piores colocações do ranking.
O jovens desocupados, ou seja, que buscam emprego apesar de não estarem
frequentando a escola, são os que compõem as estatísticas dos jovens na condição nem-nem. Já
aqueles que, segundo as pesquisas, não participam da força de trabalho, ou seja, estão fora da
força de trabalho corresponde aos que não estão procurando emprego reverberando uma
situação ainda mais crítica.
Considerando que há uma estreita relação entre a quantidade de jovens nem-nem e os
processos formativos efetivados no Brasil, é importante abordarmos aqui algumas informações
referentes ao complexo da educação, no qual os jovens estão inseridos, ou deveriam estar, para
que possamos ter maior propriedade da relação formação x desemprego nos anos que
estipulamos analisar.
Seguindo por este caminho, elucidamos inicialmente que os dados colhidos nos
documentos analisados mostraram que a maioria dos jovens nem-nem possuem, no máximo, o
ensino fundamental como nível de instrução o que já preconiza a fragilidade dos processos
educativos elaborados para juventude trabalhadora.
Evidenciaremos também resultados de uma pesquisa realizada pela OCDE em 2018, a
qual aportou a taxa de emprego no Brasil e manteve, como aspecto relativo, o nível de instrução
das pessoas não apenas na faixa etária que comporta a juventude brasileira – 15 a 29 anos – mas
outras idades também. Diante disso, atenuamos o grau de importância dessas informações para
92
construirmos uma base de dados que corporifique nossas intenções perante nosso objeto de
análise que, como já dissemos em outros momentos, consiste em compreender a condição nem-
nem enquanto fenômeno social resultante do processo de acumulação e reprodução do capital
em contexto de crise estrutural.
Neste ínterim, baseados nas informações disponibilizadas pelo SIS do IBGE,
destacamos que, em 2018, 11,8% dos adolescentes na faixa etária de 15 a 17 anos abandonaram
a escola. Esses, portanto, não concluíram a educação básica e compõem a parcela da população
com menores rendimentos, ou seja, vivenciando uma realidade miserável. Isso implica na taxa
de analfabetismo no Brasil, a qual corresponde a 8,0% das pessoas a partir de 15 anos de idade
alocando o Brasil na 5ª posição entre os 16 países analisados na América Latina.
Os dados da PNAD Contínua (2018) mostraram também que, da população com 25 anos
ou mais, 40,0% não havia concluído o ensino fundamental; 12,6% possuíam o ensino
fundamental completo, porém ensino médio incompleto; 30,9% com o ensino médio completo,
mas ensino superior incompleto; apenas, 16,5% da população brasileira nesse grupo etário
possuíam nível superior completo.
Tabela 1 – Nível de instrução dos jovens a partir dos 25 anos de idade no Brasil em 2018
E, ainda, 49,0% dos brasileiros com idade entre 25 e 64 anos não concluíram o ensino
médio o que quantificou duas vezes a média dos países analisados pela OCDE que é 21,8%. A
pesquisa, também, mostrou que a taxa de emprego entre as pessoas nessa faixa etária no Brasil
correspondia a 68,0% enquanto a média designada por ela era de 77,0%.
Tabela 2 – Relação entre nível escolar e taxa de emprego para a faixa etária entre 25 e
64 anos de 2018
Fonte: Elaborada pelo autor com base na EDUCATION at a glance 2018: OCDE indicators.
Observamos, a partir destes dados, uma contradição em torno do nível de instrução das
pessoas como fator significativo para a garantia do emprego. É intrigante perceber que quase
metade da população constituinte desse grupo etário não tem concluído a educação básica e, ao
mesmo tempo, 68,0% desses compõem as taxas de emprego no Brasil.
Não nos propomos aqui desconsiderar os demais 32,0% mostrando que 68,0% das
pessoas entre 25 e 64 anos estarem ocupadas é um quantitativos satisfatório, pois ainda não é.
Almejamos destacar que há uma evidente desproporcionalidade na relação qualificação –
ocupação revelada pelos dados apontados pela OCDE na tabela acima.
Todos esses dados são importantes para constatarmos que, apesar de, nos últimos anos,
o nível de instrução dos brasileiros terem aumentado de forma gradativamente lenta, a
população brasileira não atingiu médias que aproximassem o país dos patamares internacionais
no quesito educação.
Segundo as informações explanadas, as principais justificativas que levam os jovens a
não procurarem trabalho é tanto o fato de, pessoalmente, não estarem interessados em trabalhar
quanto não se sentirem preparados para assumir algum cargo.
Todavia, os dados colhidos pela PNAD Contínua de 2018 revelaram que os jovens que
estavam procurando emprego, mas que ainda estavam desocupados e sem estudar, justificaram
quatro motivos principais para o fato de estarem desempregados: a) Não haver vagas na
localidade onde residiam ou nas proximidades: 39,0%; b) Não conseguirem trabalho
compatíveis as suas necessidades pessoais (emprego adequado): 10,7%; c) Por não possuírem
experiência profissional, não eram admitidos: 6,1%; d) Consideram-se jovens demais para
trabalhar: 1,0%. Acrescentamos, portanto, que mais da metade dos jovens brasileiros nem-nem
(60,3%), em 2018, encontravam-se fora da força de trabalho o que significa dizer que não
estavam procurando trabalho.
Fonte: Elaborada pelo autor com base na EDUCATION at a glance 2018: OCDE indicators.
Observemos agora o nível de escolaridade dos jovens brasileiros divididos por faixa
etária especificamente. Os dados a seguir foram colhidos da PNADC/IBGE e remetem ao ano
2019. Ademais, é plausível destacar que as pessoas com maiores níveis de instrução no Brasil
são, ainda, uma menor parcela da população.
Tabela 5 – Nível de escolaridade dos jovens brasileiros por faixa etária de 2019
Fonte: Elaborada pelo autor com base na EDUCATION at a glance 2018: OCDE indicators.
Fonte: Elaborada pelo autor com base na EDUCATION at a glance 2018: OCDE indicators.
Esse atraso também repercute nos jovens com idades que variam entre 18 e 24 anos, os
quais, diante desse período etário, deveriam estar se matriculando no Ensino Superior. Mas, os
resultados da pesquisa apresentaram que apenas 11,0% dos jovens brasileiros faziam parte desta
97
realidade, ou seja, cerca de 2,5 milhões, dentre os quais 83,2% estavam ainda frequentando o
ensino médio e 16,8% estavam no fundamental.
Outra importante problemática que contribui bastante para que os jovens incrementem
as taxas de desemprego é o abandono escolar, o qual é mais frequente entre os jovens na faixa
etária entre 18 e 24 anos. Desses, 63,0% que também se encontram na condição nem-nem,
abandonaram a escola antes de concluírem a educação básica.
Isso implica afirmarmos que as metas 2 e 3 estabelecidas pelo Plano Nacional de
Educação (PNE) em 2014 que terão vigência até 2024 – Lei nº 13.005/2014 – de adequar a
idade dos alunos à série ou à etapa de ensino não foram alcançadas ainda. Essas metas
estabelecem o que não foi efetivado até hoje.
A taxa líquida referente à frequência escolar divulgada em 2018, que considera para seu
estabelecimento a proporção de alunos que frequentam cada etapa da educação básica ou que
já as concluíram em adequação com a idade, destacou que 96,1% eram do 1º ao 5º ano, 86,7%
eram do 6º ao 9º ano e apenas 69,3% eram da 1ª a 3ª série do ensino médio. Esses números
demonstram que há muito o que fazer por parte das políticas educacionais para que as metas
sejam alcançadas em quatro anos.
Dados de um ano anterior, 2017, revelaram que 21,0% da população entre 19 e 20 anos
estava matriculada em cursos de graduação – nível superior de ensino – no Brasil. Essa
quantidade, que diverge da média estabelecida pela OCDE que é 37,0%, corresponde ao menor
percentual de matrículas no Ensino Superior entre os países analisados. Os dados colocam o
Brasil abaixo da Colômbia (27,0%), do México (28,0%), da Argentina (35,0%) e do Chile
(50,0%).
Do público jovem brasileiro que conseguiu adentrar, permanecer e concluir esse nível
de ensino, apenas 18,3% eram pardos ou pretos enquanto que 36,1% eram brancos. Esses dados
refletem a evidente desigualdade social através da raça que tem ainda influenciado o grau de
instrução dos jovens brasileiros. Ao considerar a renda dos jovens e dos seus ambientes
familiares, dos que mantinham melhores condições de renda, 63,2% frequentavam o Ensino
98
Superior enquanto que da parcela da população na condição de pobreza, a qual constitui a maior
parte, a massa popular, apenas 7,4% cursavam esse nível de ensino.
A consistência dessas informações nos permite adentrar à realidade da juventude
cearense que tem sofrido os impactos do desemprego em larga escala. As consequências do
desemprego são como cicatrizes que serão carregadas ao longo da vida desses jovens que se
encontram vivenciando a fase primordial de construção material basilar de seus futuros. Os
impactos do presente repercutirão em seus futuros enquanto reflexos da falta de apoio mínimo
para que esses jovens trabalhadores deem conta das suas necessidades materiais básicas de
sobrevivência. Diante do que foi exposto até aqui, é plausível afirmamos, destarte, que a
geração nem-nem do agora reverbera nas gerações posteriores.
4.2.1 As marcas do desemprego na vida dos jovens trabalhadores cearenses que compõem a
condição nem-nem
O IBGE destacou o Ceará como o 6º estado do país com maior quantidade de jovens na
condição nem-nem. O ranking é liderado por Alagoas. A maior parte destes jovens compunha
a parcela da população com menores rendimentos domiciliares per capita.
Os dados correspondentes ao ano de 2018, disponibilizados pelo IPECE-Informe,
permitem-nos delimitar que, dos quase 600 mil jovens nem-nem, 42,3% se encontravam em
condição de pobreza. As mulheres, apesar de mais escolarizadas, predominavam com 28,4%
enquanto que os homens correspondiam a 17,6%. No caso das mulheres negras e pardas a
situação era ainda pior.
Uma pesquisa difundida pelo jornal Diário do Nordeste em fevereiro de 2019 foi
realizada em território cearense e baseada no Boletem Trimestral da Juventude, que acompanha
os indicadores de educação e mercado de trabalho da população, sobre a condição nem-nem
divulgou que o número de jovens desocupados e sem frequentar a escola ou algum processo
formativos diminuiu nos últimos anos. Mais especificamente 10,0% de 2017 a 2019.
Em 2017, o estado do Ceará possuía aproximadamente 700 mil jovens nem-nem. Já em
2018, esse número caiu consideravelmente para 615 mil e, até o terceiro trimestre de 2019, a
redução permaneceu e, mesmo em ritmo mais lento, chegou a 597 mil pessoas (28,0%). Todavia,
essa queda não apresenta razões para ser comemorada já que os valores permanecem oscilando
de acordo com os grupos etários que comportam os jovens na condição nem-nem de 15 a 17
anos, de 18 a 24 anos e de 25 a 29 anos.
99
Essa redução foi respaldada pelo aumento na frequência escolar entre os jovens
cearenses de 15 a 29 anos que cresceu 5,6% entre 2012 e 2019 contemplando a média de 37,0%.
No entanto, esse valor permanece abaixo da média do Nordeste (39,0%) e da nacional (38,0%)
conforme os dados disponibilizados pelo Boletim Trimestral da Juventude nº 03/2019.
O aumento da frequência escolar e, ainda, a redução da desocupação por parte dos
jovens entre 15 e 17 anos de idade atingiu 91,0% o que superou as média do Nordeste (88,0%)
e do Brasil (90%). Desses, um montante de 73,0% concluíra o ensino fundamental superando,
também neste quesito, as médias do Ne e nacional (61,0% e 70,0% respectivamente). Isso
implica na maior quantidade de jovens (15 a 29 anos) com o ensino médio concluído (acréscimo
de 5,5% entre 2017 e 2018).
Fonte: Elaborada pelo autor com base no Boletim Trimestral da Juventude 2019.
intervalo de 2018 a 2019 principalmente entre os que estão na idade de 18 a 24 anos, a qual é a
fase considerada mais crítica segundo os levantamentos. A proporção de jovens nem-nem é
sempre maior nessa faixa etária justificada pelo fato de a transição desses para o mercado de
trabalho se intensificar ao atingirem a maioridade acompanhando-os até a fase pré-adulta. A
partir dos 25 anos, a quantidade de jovens nessa condição reduz. Os dados que serão mostrados
a partir de agora confirmam nossas assertivas.
Fonte: Elaborada pelo autor com base no Boletim Trimestral da Juventude 2019.
Os documentos das pesquisas por nós analisados em suas versões mais atualizadas
correspondem ao 3º trimestre do ano passado (2019) e mostram que a quantidade de jovens
nem-nem no Ceará nesse período era equivalente a 597 mil pessoas na faixa etária de 15 a 29
anos. Esses quase 600 mil jovens correspondem a 28,0% da juventude contemplando
especificamente esse grupo etário que ainda estão fora da força de trabalho e fora da escola.
A variação a curto prazo – comparativo quantitativo entre 2018 e 2019 – revelou um
acréscimo de 0,9% e, considerando a variação a longo prazo, que compara os anos de 2012 a
2019, percebemos um aumento de 4,3% em sua composição que estava subdividia em três
grupos etários: a) De 15 a 17 anos (7,5%); b) De 18 a 24 anos (35,2%); c) De 25 a 29 anos
(31,0%). A situação mais crítica, como aportamos a pouco, revela-se na faixa etária dos 18 aos
24 anos, período no qual os jovens deveriam estar concluindo a educação básica e ingressando
no nível superior.
Considerando o intervalo entre 2018 e 2019, os acréscimos ocorrem em duas das três
subdivisões etárias como mostrou o Boletim Trimestral da Juventude n. 03/2019. Na faixa etária
de 15 e 17 anos, apesar do aumento na frequência escolar apontada anteriormente, houve uma
variação de 1,2% para mais. Porém, é plausível acrescentarmos que de 2012 a 2019 houve uma
redução equivalente a 35,0% na proporção dos jovens nem-nem que fazem parte desse grupo
etário. Já na faixa dos 18 aos 24 anos, recortando o mesmo período (2018-2019), o valor
101
observado foi o aumento na proporção de 4,1% de um ano para outro e 10,0% acima do valor
constatado em 2012.
No que condisse à faixa etária de 25 a 29 anos, os dados apontaram uma redução de 1,8%
em 2019 quando comparado a 2018 e a proporção reduzida de 1,4% frente ao valor observado
em 2012. Os jovens que compõem esse grupo etário, bem como os que estavam entre 15 e 17
anos, pareciam ter, mesmo que de forma gradativamente lenta, conseguido se sobressair dessa
triste condição não causada por eles próprios.
Os dados se organizavam também pelo critério do gênero: mulheres (35,0%) e homens
(21,5%) o que nos permitiu afirmar ser o gênero feminino o que mais compõe a condição de
desemprego concomitante ao abandono escolar.
Fonte: Elaborada pelo autor com base no Boletim Trimestral da Juventude 2019.
Assim como, a questão da raça: negros e pardos (27,0%), enquanto brancos (25,0%) e
indígenas e asiáticos (30,0%) o que evidencia a disparidade racial como aspectos inerentes às
desigualdades.
Quanto à questão territorial, que aportou a porcentagem dos jovens nem-nem divididos
por regiões onde residiam, os dados apresentados eram: os residentes em Fortaleza (23,5%), os
residentes nas Regiões Metropolitanas de Fortaleza (27,0%) e os que moravam no interior
(30,4%) destacando que a maior quantidade de jovens cearenses nessa condição se concentrava
no interior do estado.
Uma outra pesquisa realizada em 2019 na Universidade Estadual do Ceará desvelou o
perfil dos jovens residentes na periferia do estado e os principais motivos que justificavam esses
indivíduos não estarem trabalhando, nem tampouco estudando, e, ainda, não procurarem algum
tipo de ocupação. Os elaboradores da importante pesquisa, a qual teve início em outubro de
2018 e abordou 150 jovens, por meio de entrevista, dos quais 66,6% eram mulheres e 33,3%
eram homens, da região denominada Grande Bom Jardim – localizada na periferia de Fortaleza
– que é composta por cinco bairros dentre os mais pobres da capital, deram nova denominação
aos jovens nessa condição: Geração Nem-nem-nem.
Essa geração, como os dados disponibilizados pela pesquisa destacaram, é composta
predominantemente por jovens mulheres, em sua maioria, negras e mães que residiam com os
pais. Suas famílias estavam cadastradas no programa Bolsa Família do governo federal, ou seja,
usufruíam de renda familiar inferior a um salário mínimo. Elas, ainda, eram ex-alunas das
escolas públicas e abandonaram a escola devido a terem engravidado precocemente. A
submissão aos maridos na concepção de contrato matrimonial ou pela união informal e o
desinteresse pela formação escolar foram, também, as principais justificativas alegadas por elas
para terem abandonado os estudos ainda sem terem concluído o ensino fundamental.
Esse desinteresse foi, também, colocado como o principal motivo alegado pelos homens.
Em geral, portanto, corresponde ao motivo mais respondido pelos dois gêneros, mas é válido
ressaltar que eles não descartaram a necessidade de conseguir um trabalho – emprego que não
é conseguido facilmente devido às poucas oportunidades disponibilizadas pelo mercado para
esse público que piora quanto mais se agudiza o contexto de crise política e econômica – a fim
de complementar a renda familiar. Pois, apesar de comporem o quadro do desemprego juvenil
em larga escala na sociedade atual, evidenciaram que pretendem trabalhar (89,0%) e voltar a
estudar (78,0%). Por fim, a terceira maior justificativa para o abandono escolar evidenciada foi
a gravidez precoce, no caso das meninas/mulheres, e da paternidade no caso de alguns jovens
homens. Esses pretextos corresponderam às três motivações mais declaradas pelos jovens que
participaram da pesquisa.
É importante clarear que essa geração não está completamente inativa. Muitos deles
realizam, dentro dos seus limites, atividades para angariar alguns trocados necessários a sua
103
sobrevivência. Essas atividades, denominadas “bicos”, são irrelevantes tanto para as pessoas do
próprio bairro, quanto para o Estado e, até mesmo, para eles próprios que não as consideram
trabalho formal.
Uma das importantes marcas deixadas pela pesquisa foi a relação entre o desemprego
juvenil na periferia e o alto índice de violência que impacta a região. Essa criminalidade
frequente seria derivada dos conflitos entre as facções e não poderia deixar de ser considerada
pois interferem na mobilidade da população e, com isso, impedem os moradores de
ultrapassarem os perímetros estabelecidos pelos líderes das gangues.
[...] desde o começo de 2016, as facções começaram a guerrear no Grande Bom Jardim,
o que afetou a vida dos moradores. A atuação dos grupos organizados rivais dentro
do grande Bom Jardim impede a passagem de residentes entre os bairros, impactando
a circulação de jovens para serviços básicos como escola e posto de saúde
(DIÓGENES, 2019).
Foi posto pela pesquisa que essa falta de mobilidade acomoda os jovens, os quais, presos
ao perímetro que lhes são impostos, não usufruem da mínima liberdade de estudar ou trabalhar
em outros bairros. Isso, na maioria das vezes, torna-se uma forma de incrementar o exército da
criminalidade, pois são empurrados a optar pela vida criminal por não verem outra forma de
complementar a renda familiar.
O medo e a repressão caracterizam a história dessa juventude trabalhadora e periférica
que é ignorada pelo Estado, o qual prefere deixá-la esquecida, sem efetivar as políticas públicas
de combate à violência que promete em momentos de organização da sua composição política
como forma articulada de manter o nicho eleitoral necessário para a constante reeleição dos
seus membros e, desta forma, reproduzir o seu modelo governamental.
Neste ambiente, a escola, que não é desenvolvida de modo a se apropriar da realidade
dos jovens que compõem as camadas mais baixas da sociedade, é organizada como espaço de
propagação da ordem vigente, é instrumento de consolidação das perspectivas de reprodução e
acumulação do capital e, cada vez mais distanciada do interesse em se propagar enquanto
ambiente atrativo para os jovens na condição de pauperismo, fomenta a difusão do
empreendedorismo e da competitividade entre os indivíduos através dos currículos derivados
das políticas educacionais elaboradas pelos centros de comando do capital.
Os tema centrados nos problemas da juventude são secundarizados. A gravidez na
adolescência, o combate à violência, a superação da condição de pobreza, a construção coletiva
de uma sociedade mais justa e igualitária dentre outras temáticas têm sido substituídas pela
difusão do empreendedorismo e da produtividade respaldadas pela necessidade
104
5 CONCLUSÃO
já que a maior parte deles, na faixa etária de 15 a 17 anos e, ainda, na fase de conclusão do
ensino fundamental, não tem priorizado a formação escolar.
Diante desses pretextos difundidos pelas agências que colheram as informações, as
quais não contemplaram as questões histórico-materiais em que vivem o público alvo das
investigações, permitimo-nos argumentar:
a) A realidade do pauperismo, na qual esses jovens estão inseridos, permite que eles
encontrem na formação escolar precarizada a importância que se sobressaia diante da
necessidade de ter uma renda complementar que suavize a situação de fome e de miséria?
b) Frente a tantos paradigmas educacionais formulados para os países de capitalismo
periférico e que se configuram como base para universalização do ensino em todos os níveis da
formação da classe trabalhadora, por qual motivo há tanto desinteresse por parte dos jovens em
suas formações? E, ainda, o que os formadores das políticas públicas têm feito para motivar a
permanência desses jovens na escola?
c) No que concerne à gravidez (paternidade) precoce, onde estão os programas de
orientação sexual que sinalizam aos jovens as consequências de gerar um filho em idade
adolescente? E mais: que apontem a importância da prevenção?
d) Nas escolas públicas, têm sido desenvolvido programas educacionais através de
conteúdos e atividades compatíveis com a realidade da juventude brasileira componente das
camadas menos privilegiadas a fim de promoverem, de fato, o desenvolvimento pleno das suas
habilidades para que, a partir dessas formações, eles conquistem a prometida vaga no
competitivo mercado de trabalho independente do nível de crise política e econômica que assola
a realidade do trabalhador brasileiro? Essas vagas vêm sendo garantidas a todos que concluem
a educação básica e superior em qualquer modalidade?
Esses questionamentos nos permitem refletir sobre a dialética que envolve a formação
da juventude brasileira e o mercado de trabalho. Observarmos a partir daí que, diante dos
quantitativos do desemprego bem como das oscilações pouco variadas no montante de jovens
na condição nem-nem – não apresentaram grandes diferenciais entre os anos de 2017 e 2019
através dos dados capitados nas pesquisas e mostrados aqui – a escola pública enquanto espaço
em que os procedimentos precarizados de qualificação elementar dos jovens trabalhadores se
processam – representadas atualmente pelas escolas profissionalizantes – não tem possibilitado
a quebra dos grilhões da subalternidade entre a classe trabalhadora e as condições de trabalho
impostas pela ordem vigente, mas aprofundado essa relação de exploração por estar cada vez
mais tomada pela classe dominante como instrumento de difusão da sua ideologia.
107
No caso específico das meninas que engravidam precocemente, essa justificativa nos
causa desconforto já que a própria realidade tem mostrado o quanto as mulheres têm buscado
trilhar caminhos que não desembocam nesse destino. Ingressamos a terceira década do século
XXI que acentua a ascensão feminina frente a certos tabus apregoados pela cultura machista no
histórico da humanidade representada pela crescente onda de empoderamento feminino, pelo
destaque que o feminismo tem conquistado nos centros dos debates sobre a igualdade entre os
gêneros bem como a maior inserção das mulheres no mercado de trabalho.
A vista do real não nega que há muito o que ser conquistado pelas mulheres na questão
do seu reconhecimento neste metabolismo social que ainda carrega raízes da antiquada
‘suprema’ masculina. Todavia, a questão da gravidez precoce ser uma ‘mazela’ evidente na
vida de muitas mulheres, por ser um dos empecilhos que as impede de ascender socialmente,
parece contradizer as perspectivas de expansão da autonomia feminina e de conquista dos
diversos espaços na sociedade.
Vivenciamos um momento de retirada dos direitos que restam aos trabalhadores e às
novas gerações que, no futuro próximo, comporão essa classe. Neste contexto, a formação
escolar não é suficiente para dar conta dos conflitos sociais inerentes à sociedade caracterizada
pelas desigualdades que privilegiam poucos, mas que é composta por muitos. Mesmo tendo
isso respaldado pela razão dialética das relações entre os complexos sociais, a formação técnica
de nível médio e superior (na forma de graduação tecnológica), enquanto modalidade
evidenciada por nós nesta pesquisa com a finalidade de respeitar o rigor exigido pelo nosso
objeto de estudos, é defendida como um meio que potencializa a inserção dos jovens no
mercado de trabalho.
Considerando os fatores que influenciam na empregabilidade da juventude cearense,
achamos importante acrescentar que a oferta e a procura por essa modalidade educacional têm
crescido bastante no Ceará, o qual tem respondido, em termo quantitativo, às médias
estabelecidas em nível nacional. Segundo os dados disponibilizados pelo IPECE-Informe de
2018, a maior parte dos jovens entre 15 e 29 que se formaram técnicos ou tecnólogos residem
no interior do estado. Porém, eles têm atuado na capital já que é em Fortaleza onde se encontram
as maiores oportunidades de atuarem em diversos setores da produção.
Observando isso, constatamos um desalinhamento espacial entre formação
técnica/tecnológica e a demanda insuficiente do mercado, o qual, para manter a lei da
acumulação e da reprodução em seu momento mais crítico, promove o incremento do exército
industrial de reserva e da condição de extrema pobreza para grande parte da população
trabalhadora. Dentre os que compõem essa classe, os que melhor representam o pauperismo
108
a sobrevivência. Eles retornam, em pleno século XXI, a primitividade, pois não encontram
razão na permanência da formação escolar caracterizando o quadro de barbárie que
vivenciamos hoje.
Contudo, não podemos responsabilizar os próprios indivíduos componentes da classe
trabalhadora por seus destinos. Defender a educação nos moldes capitalistas é arriscado e
injusto como a maior parte dos seus processos.
A escola, que aprofunda a dicotomia educacional por ter sido tornada nicho
mercadológico diante da necessidade de formação, seja ela técnica/tecnológica de nível médio
ou superior, precisa seguir os paradigmas formativos elaborados pelo Banco Mundial e pelo
FMI de modo a manter o jovem-estudante-trabalhador subjugado a esses ditames como
condição para estar inserido no mercado de trabalho e, desta forma, sujeitar-se a condição de
mercadoria sem grande valor no processo de acumulação sem reconhecer que é indispensável
para a produção.
Este cenário apresenta, a vista do que foi constatado, o desemprego da juventude com
taxas bem elevadas e composto por jovens que, em contexto de miséria, querem trabalhar, mas
abandonaram a escola – como é o caso dos jovens nem-nem – sem terem concluído a formação
elementar e, assim, não estão preparados para concorrer ao número de vagas cada vez mais
limitadas nos escassos processos seletivos.
Retomando, por conseguinte, o nosso objetivo geral, que consiste em analisar a condição
‘nem-nem’ da juventude brasileira no contexto do desemprego estrutural tomando por
contraponto as influências das reformas educacionais na educação profissional, o qual orientou
as nossas análises no que concerne à condição ‘nem-nem’ da juventude trabalhadora brasileira
no contexto do desemprego estrutural: investigando a relação trabalho, educação e a
(de)formação profissionalizante pelo qual percorre nossa pesquisa, permitimo-nos confirmar
que os jovens nem-nem, que assumem a convivência com os cotidianos mencionados aqui, são
frutos da vulnerabilidade do próprio processo. Eles representam parte das mazelas geradas pela
fragilidade processual do sistema do capital, o qual, para manter o resultado da produção
centrada nas mãos de uma menor parte de indivíduos, produz o desemprego juvenil em larga
escala, o exército industrial de reserva e o lumpemproletariado, os quais, ao mesmo tempo,
tornam-se combustíveis para a manutenção dessa ordem.
Considerando o que foi posto sobre a TCH e sobre concepção de formar trabalhadores
para preencher as demandas dos diversos setores do mercado, tomamos a liberdade de revestir
a TCH como uma simples metodologia articulada a obedecer os ditames do império
estadunidense em seu projeto de ampliação e consolidação do modo de produção do capital
110
colocando-a em seu devido lugar e, desta forma, fazendo-a perder a força dada a ela enquanto
teoria neste processo primeiramente interessado em colocar mais valor ao produto de seu fim
independente da qualificação da força de trabalho.
Por fim, ratificamos aqui a não defesa dos processos educativos nos molde capitalistas
e reconhecemos o complexo da educação como campo de luta indispensável para a difusão dos
ideais de uma sociedade que priorize a igualdade entre os indivíduos considerando as
particularidades e o desenvolvimento pleno de cada um.
Sabemos que esse modo de processar a educação só se efetivará em um formato
societário diferente do que vigora atualmente e é por este novo metabolismo social que
resistimos e persistimos em defender um sistema educativo que promova plenamente a
evolução das potencialidades dos indivíduos sem distinções, que fortaleça a concepção crítica
nos jovens-estudantes-trabalhadores a fim de que eles se tornem capazes de impulsionar a luta
pela superação da sociedade de classes e, desta forma, promovam a liberdade de todos os
homens bem como um mundo onde os jovens nem-nem sejam uma realidade inexistente.
111
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