DO JUIZADO ESPECIAL PREVIDENCIÁRIO DE PORTO ALEGRE
xxxxxxx, brasileiro, menor impúbere, deficiente físico,
neste ato representado por seu pai xxxx, brasileiro, porteiro, residente e domiciliado na rua xxxxxx, inscrito no CIC sob o n.º xxxxxxx, por seus procuradores no fim assinados, “ut” instrumento de procuração incluso (doc.1), vem, respeitosamente, perante V. Exa, propor a presente:
Ação de Deferimento de Benefício Assistencial com pedido de Antecipação de
Tutela
contra o Instituto Nacional de Seguridade Social, autarquia
federal de seguro social, cuja citação deve ser efetuada através de seu procurador, com endereço na rua Jerônimo Coelho, 127, 8º andar, Porto Alegre, pelos seguintes argumentos de fato e de direito:
O Autor nasceu em xxxxxxx, é portador de
laringotraqueomalácia congênita (CID Q 32.0), cujas conseqüências da demora no diagnóstico são o importante comprometimento cerebral, retardo de desenvolvimento, epilepsia (CID G 40.4) e déficit visual e auditivo”(doc. 01).
O autor jamais terá capacidade para vida independente e sua
sobrevivência requer cuidados e despesas significativas que sua família não tem condições de prover. Por isso, em 07 de março de 2006, requereu, administrativamente, a concessão do benefício previsto no art. 20 § 3° da Lei 8.742 de 07/12/1993.
O pedido foi indeferimento, sob a alegação que a renda
per capita da família é igual ou superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo (doc. 03).
O salário percebido por seu genitor é de R$ xxxxx (doc.
04). O grupo familiar é composto por sua mãe, e mais dois irmãos menores (doc. 05, 06 e 07).
Assim, embora a renda per capita auferida, atinja a
quantia de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais), abstratamente indique um valor superior ao limite estabelecido na lei, concretamente é insuficiente para atender as necessidades mais básicas do grupo familiar, sem o apoio do Estado.
Aliás, a matéria foi enfrentada pela Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais, resultando na edição da Súmula n.º 11, segundo a qual:
“A renda mensal, per capita, familiar, superior a ¼ (um
quarto) do salário mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, parágrafo 3º da Lei nº 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante”.
Os próprios contra-cheques juntados demonstram que o
cálculo não pode ser efetuado pelo salário bruto. As despesas com medicação, através de desconto em folha, reduz, significativamente, grande parcela da renda familiar do requerente conforme se verifica do quadro abaixo: Período Salário Bruto Desconto Farmácia Salário Líquido
Fev/05 R$ 674,26 R$ 136,46 R$ 404,22
Nov/05 R$ 751,95 R$ 267,60 R$ 314,68
1) Da Incapacidade para a vida independente e para o
trabalho
É certo que desde a edição da LOAS, em 07 de dezembro
de 1993, os contornos estreitos do benefício assistencial, devido aos deficientes, já estavam definidos no §2º do artigo 20, na sua redação original (grifei):
“ § 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa
portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho”.
A assistência social é uma técnica de proteção social que
difere da previdência social, fundamentalmente por:
a) ser prestada independentemente de contribuição por
parte do assistido;
b) ter o seu âmbito subjetivo selecionado com base
naqueles que apresentam o estado mais grave de indigência;
c) configurar-se como uma política reparatória, pois as
prestações são destinadas a tratar os efeitos da necessidade social e não as causas.
2) Da renda mensal prevista no §3º do artigo 20
Quanto ao requisito econômico, temos que, segundo reza
o art. 20 da Lei 8.742/93 :
“o benefício de prestação continuada é a garantia de 1
(um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 67 (sessenta e sete) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.”
Menciona também, o §3º do mesmo dispositivo, que a
renda mensal per capita da família na qual se insere o deficiente ou o idoso não poderá exceder o patamar de ¼ do salário mínimo.
Este requisito é o que tem suscitado mais discussões. A
norma constitui-se em um padrão de orientação, o qual não se confunde com o enunciado normativo, pois deve se levar em conta os elementos fáticos do problema a ser enfrentado, que só revela o seu real significado quando valorado a partir do caso concreto. Nas palavras de Canotilho:
“(4) A norma jurídico-constitucional é, assim, um modelo
de ordenação orientado para uma concretização material, constituído por uma medida de ordenação, expressa através de enunciados lingüísticos, e por um “campo” de dados reais (factos jurídicos, factos materiais). (5) Da compreensão da norma constitucional como estrutura formada por duas componentes – o “programa da norma” e o “domínio da norma” - que deriva o sentido da normatividade constitucional ; normatividade não é uma qualidade estática do texto da norma ou das normas mas o efeito global da norma num processo estrutural entre o programa normativo e o sector normativo. (...) Compreende-se, assim, a necessidade de manter sempre clara a distinção entre norma e formulação (disposições, enunciado) da norma; aquela é o objecto da interpretação; este é o produto ou resultado da interpretação. “(CANOTILHO, J. J. Gomes, Curso de Direito Constitucional,6ª edição, p. 217 a 218). Vale dizer, as peculiaridades do caso in concreto precisam ser levadas em conta pelo Poder Judiciário sob pena da prática judiciária ficar no mais absoluto descompasso com a sua finalidade e a do Estado brasileiro, cujos objetivos estão expressos no seu art. 3º da Constituição Federal: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. “
O Autor é o terceiro filho de um casal cuja renda mensal
líquida não ultrapassa a quantia de um salário mínimo. Seus dois irmãos são menores e o mais velho está ingressando na escola, o que aumenta mais os gastos da família.
Exatamente por compreender que as necessidades
pessoais das pessoas não são necessariamente iguais por força de características distintas – como sexo, idade, doenças, etc., acarretando gastos fixos diferenciados com remédios, moradia, maior custo de vida de uma região urbana em relação à outra rural – que o enunciado normativo do artigo 20, §3º da Lei Assistencial não pode ser elevado à condição de único critério para a comprovação da necessidade de concessão do benefício assistencial.
O reconhecimento de que o artigo 20, §3º, não esgota os
meios de demonstração da condição de miserabilidade, levou o Superior Tribunal de Justiça a assentar:
“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO.
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LEGITIMIDADE. INSS. COMPROVAÇÃO DE RENDA PER CAPITA NÃO SUPERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. DESNECESSIDADE. 1. O benefício de prestação continuada previsto no artigo 203 da Constituição da República, regulamentado pela Lei n° 8.742/93, muito embora não dependa de recolhimento de contribuições mensais, deverá ser executado e mantido pela Previdência Social, que tem legitimidade para tal mister. 2. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça pacificou já entendimento no sentido de que o critério estabelecido no artigo 20, parágrafo 3º, da Lei n° 8.742/93 (comprovação da renda per capita não superior a ¼ do salário mínimo) não exclui que a condição de miserabilidade, necessária à concessão do benefício assistencial, resulte de outros meios de prova, de acordo com cada caso em concreto. 3. Recurso conhecido, mas improvido.” (REsp 308.711/SP, STJ, 6ª Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, julg. 19.09.2002)
3) Da antecipação de tutela
No que tange à antecipação de tutela, convém recordar
inicialmente, que não há dúvidas quanto a possibilidade do seu deferimento nos Juizados Especiais Federais, com o objetivo de preservar a parte da morosidade processual, demonstrados a verossimilhança do interesse jurídico postulado e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, mormente quando se considera o seu caráter nitidamente alimentar e de proteção da subsistência e da vida, que tem de prevalecer sobre a genérica alegação de dano ao erário público e de eventual perigo de irreversibilidade.
Dessa forma, é possível antecipar os efeitos da tutela nos
processos regulados pela Lei dos Juizados, de acordo com sólido entendimento da Turma Recursal, no julgamento da Questão de Ordem suscitada no processo nº 2002.71.00.004716-9 (Juíza Vânia, j. 04.03.02).
No presente caso, a verossimilhança da alegação resta
evidenciada e o periculum in mora está configurado nos autos, tendo em vista o caráter alimentar do benefício postulado, aliado à impossibilidade do autor de manter a própria subsistência.
Conforme demonstrado, o autor carece de maiores
cuidados em sua enfermidade, justamente por dificuldades financeiras, o que por si só, já justifica o deferimento da antecipação da tutela.
Ante todo o exposto, requer se digne Vossa Excelência:
A) a deferir “inaudita altera pars” antecipação da tutela
para determinar ao INSS a concessão imediata do benefício do art. 20 da Lei Assistencial;
B) a citação do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS,
para contestar querendo, no endereço já referido;
C) a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita
por ser o Autor pobre na acepção legal do termo;
D) a total procedência da ação condenando o instituto-réu a
conceder o benefício de prestação continuada previsto no artigo 203 da Constituição da República, regulamentado pela Lei n° 8.742/93 em seu art. 20.
Valor da causa: R$ 6.975,00 (composto da soma das 3
parcelas vencidas com 12 vincendas – 15 x R$ 465,00)